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7/28/2019 Do uso das noes de cultura e consumo para realizar reflexes relacionadas interatividade plena na TV digital
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DO USO DAS NOES DE CULTURA E CONSUMO PARA REALIZARREFLEXES RELACIONADAS INTERATIVIDADE PLENA NA TV
DIGITAL BRASILEIRA TERRESTRE1
ON THE USAGE OF THE NOTIONS OF CULTURE AND CONSUMPTION TOPROPOSE REFLECTIONS RELATED TO FULL INTERACTIVITY IN
BRAZILIAN TERRESTRIAL DIGITAL TV
EL USO DE LAS NOCIONES DE CULTURA Y CONSUMO PARA LLEVAR ACABO LAS REFLEXIONES EN RELACIN CON LA INTERACTIVIDAD
PLENA EN TV DIGITAL TERRESTRE BRASILEA
Carlos Eduardo MarquioniUTP/PR
cemarquioni@uol.com.br
Resumo
As aes de interatividade sofisticadas na TV digital terrestre no Brasil so limitadas, nomomento em que este artigo redigido, de fato pela indisponibilidade de um canal de retornode banda larga para transmisso de dados de retorno e potencialmente por aspectos sociais
relacionados audincia. Abstraindo dificuldades tecnolgicas e sociais, o trabalho apresentaos conceitos de cultura e consumo (associados noo de t-commerce) como fundamentais
para analisar a interatividade na TV digital terrestre, caracterizando uma abordagemprocessual do consumo sob perspectiva cultural que possibilita analogia com as operaes decompra realizadas via Web e anlise da variao na experincia televisual com o recursointerativo. A abordagem habilita generalizao das reflexes em relao a outros modos deinterao sofisticados que devem ser disponibilizados futuramente.
Palavras-chave: Cultura. Consumo. TV digital. Interatividade.
AbstractAt the time when this paper is written, sophisticated interactive actions on Brazilian terrestrialdigital TV are limited both: in fact due to unavailability of a band width channel to sendreturn data from audience to broadcaster, and potentially due to social issues related to theaudience. Abstracting these technological and social difficulties, the work presents theconcepts of culture and consumption (associated with the notion of t-commerce) asfundamentals to analyze the interactivity in terrestrial digital television, using a perspective
1 Trabalho apresentado oralmente no GP Televiso e Vdeo do XI Encontro dos Grupos de Pesquisa emComunicao, evento componente do XXXV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao realizado naUNIFORFortaleza/CE (2012).
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that enables the comparison between TV and Web interactions, and to establish a culturalanalysis of the variation in television experience related to the interactive resource. Theapproach makes possible the generalization of reflections considering other sophisticatedinteractions that can be available in the future.
Keywords: Culture. Consumption. Digital TV. Interactivity.
Resumen
En el momento cuando se escribe este artculo, las acciones interactivas sofisticadas en TVdigital terrestre brasilea son limitadas debido a la falta de un canal de ancho de banda paraenviar datos de la audiencia a la emisora y debido a problemas sociales por parte de laaudiencia. Abstrayendo estas dificultades tecnolgicas y sociales, en este trabajo losconceptos de cultura y consumo (relacionados con la nocin de t-commerce) se presentancomo fundamentales para el anlisis de la interactividad en la televisin digital terrestre, a
travs de una perspectiva de comparacin entre las interacciones en la televisin y aquellas enel ambiente de Web, permitiendo una anlisis cultural de la variacin en la experienciatelevisiva con la interactividad. El enfoque hace posible generalizar las reflexionesconsiderando otras interacciones sofisticadas que se pueden hacer disponibles en futuro.
Palabras clave: Cultura. Consumo. Televisin digital. Interatividad.
INTRODUO
A interatividade na televiso pode ser definida como qualquer coisa que possibilite
aos espectadores e produtores de televiso [...] estabelecerem dilogo. Mais especificamente,
[...] permite que [os espectadores] faam escolhas e executem aes (GAWLINSKI, 2003, p.
05). O tipo de interatividade abordado neste trabalho considera que o dilogo entre o pblico
e a emissora ocorre diretamente via TV (sem necessitar de outro meio) e executado
utilizando programas de software (aplicativos) disponibilizados pelas emissoras para realizar
as aes.
As interaes utilizando a televiso podem apresentar nveis de sofisticao variados.
Especialmente devido ao interesse divulgado pelo Governo Federal Brasileiro em
proporcionar incluso digital via TV digital interativa (BARBOSA FILHO; CASTRO, 2008,
p. 50), optou-se por abordar neste artigo o formato de interatividade tecnicamente nomeado
interatividade plena (FERRAZ, 2009, p. 34), em que o televisor adquire caractersticas
semelhantes s de um computador domstico conectado Internet: trata-se do formato mais
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sofisticado de interatividade via TV possvel no incio da segunda dcada dos anos 20002.
Tecnicamente, a interatividade plena tem como premissa a disponibilizao de um canal de
retorno3 de banda larga4 associado ao aparelho de TV. Como alternativa de canal de retorno
tem sido avaliada a possibilidade de criao de uma rede nacional de telecomunicaes de
banda larga controlada pelo Governo Federal; contudo, at o momento da elaborao deste
trabalho no h um equacionamento definitivo para o tema.
Apesar da semelhana que pode ser observada entre um microcomputador conectado
Internet e um televisor operando em interatividade plena, o trabalho no analisa as
interaes sofisticadas na televiso considerando o uso do televisor estritamente como um
computador: neste segundo caso o espectador acionaria a TV para navegarna Internet5. De
fato, as reflexes propostas so associadas experincia de assistir televiso e, maisespecificamente, como esta experincia tende a ser afetada quando so disponibilizados
recursos na TV que possibilitam a execuo de operaes que remetem o espectador a
situaes do ambiente da Web durante o ato de ver televiso (como a realizao de compras
eletronicamente, por exemplo). Desta forma, ainda que sejam vrios os formatos de uso
possveis para a interatividade plena6, interessam a este artigo aqueles que impactam
2 O formato de interatividade plena foi selecionado por se considerar que para que seja caracterizada inclusodigital a audincia necessita domnio de uso do aparato tecnolgico no apenas para uso em situaes simples(como para participaes em enquetes, votando em formato de mltipla escolha), mas tambm em situaes maissofisticadas.3 O canal de retorno corresponde a um meio de comunicao integrado ao aparelho de TV do usurio[espectador] (FERRAZ, 2009, p. 16). Este canal pode ser uma linha telefnica ou uma rede de dados (como aInternet).4 O termo banda relativo largura de banda, que corresponde quantidade de informao que pode sertransmitida em uma dada quantidade de tempo. [...] [Assim,] quanto mais largura de banda disponvel, mais
features[caractersticas, funcionalidades] podem ser adicionadas a um servio (GAWLINSKI, 2003, p. 46). Nomundo digital, o termo largura de banda se refere ao nmero de bits de informao que pode ser transferido emuma unidade de tempo (GAWLINSKI, 2003, p. 47). Assim, a banda relacionada capacidade de transmisso
de dados por unidade de tempo (tipicamente esta capacidade apresentada em Megabits por segundo Mbps,referenciando a transmisso de 1.000.000 de bits por segundo; cada bit assume os valores 0 ou 1). Bandasestreitas possibilitam a transmisso de pouco volume de dados e, medida que a banda fica mais larga, aumentao potencial de transmisso. A telefonia mvel GSM (2G) um exemplo de banda estreita, enquanto a telefoniamvel 3G utiliza banda larga o segundo exemplo possibilita transmisso de maior quantidade de dados porunidade de tempo.5 Trata-se do formato de uso da TV digital interativa nomeadoInternet on television (GAWLINSKI, 2003, p.15-16), caracterizado por utilizar o televisor exatamente como se ele fosse um computador.6 Alm do formatoInternet on television citado anteriormente, existem ainda os Walled gardens(GAWLINSKI, 2003, p. 12-14) referenciados neste artigo como Jardins cercados, Enhanced television(GAWLINSKI, 2003, p. 17-23)referenciado neste artigo como Televiso expandida, Video-on-demand andnear-video-on-demand (GAWLINSKI, 2003, p. 23-24) e Personal video recorders (GAWLINSKI, 2003, p.24-26).
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potencialmente a experincia de assistir TV desenvolvida pela audincia em relao
televiso convencional desde os anos de 1950 no Brasil.
O interesse justificado pelo fato de o pblico brasileiro se reconhecer na televiso
convencional, e ser possvel considerar que as competncias requeridas para realizao de
interaes sofisticadas devem constituir fatores limitadores para o uso do aparato quando
traada uma relao entre aspectos de ordem social e a experincia televisual desenvolvida em
relao ao meio televisual (particularmente quando considerado o pblico alvo da incluso
digital via TV digital terrestre). H ento um risco de as competncias requeridas e a
dificuldade na execuo de interaes sofisticadas eventualmente limitarem o potencial de
incluso digital desejado pelo Governo Federal via TV digital terrestre. Mas neste artigo no
so abordadas essas restries7: considera-se aqui que os aspectos sociais relativos interatividade plena foram equacionados de modo apropriado e que os aspectos de ordem
tcnica e tecnolgica foram tratados. Assim, o pblico saberia como interagir e haveria
televisores digitais (ou conversores para tornar os televisores analgicos aparelhos digitais
com possibilidade de interao) disponveis nos lares brasileiros, alm da disponibilizao da
rede de dados para atuar como canal de retorno de banda larga entre a audincia e as
emissoras.
Esse cenrio ideal proposto para que seja possvel neste trabalho anteciparreflexes que so fundamentais no momento em que o recurso interativo estiver efetivamente
disponvelde modo que haja maior probabilidade de aes de interao sofisticadas (e, por
extenso, maior probabilidade de incluso digital). Para realizar essas reflexes so sugeridas
duas noes chave no presente trabalho: cultura e consumo. A materializao dessas noes
para os ambientes interativos da TV digital terrestre brasileira via exemplos de aplicao
ocorre com o apoio dos conceitos deJardim cercado e Televiso expandida.
O Jardim cercado corresponde a um formato de uso da interatividade plena quedisponibiliza uma
coleo de contedos interativos distintos e servios de uma variedade decompanhias [...]. O termo jardim cercado utilizado porque um limitedefinido [pelo aplicativo fornecido] restringe o acesso do espectador acontedos no regulados [entenda-se que a emissora no queiradisponibilizar, durante o ato interativo], diferente do que ocorre na Internet [,
7 Alguns destes fatores, como o carter oral do brasileiro e a necessidade de letramentos (no plural) pararealizao de aes de interao complexas podem ser consultados em (MARQUIONI, 2011a).
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onde possvel navegar para qualquer site a qualquer momento](GAWLINSKI, 2003, p. 12).
Neste sentido, oJardim cercado caracteriza um ambiente de software no qual, ainda
que o espectador/usurio tenha acesso a recursos da Web, este acesso limitado (cercado)
pelo programa de software que controla o Jardim a um conjunto de operaes pr-
estabelecidas.
A Televiso expandida corresponde a um formato de uso que torna
um programa de televiso existente expandido [, aprimorado em relao aoformato de uso quando no disponibilizado o recurso da interatividade],enquanto o programa veiculado e durante algum tempo aps [suaveiculao]. Os provedores de servio de televiso expandida tipicamente
adicionam overlays [camadas de software que sobrepem o contedotelevisual], texto e grficos aos programas, de modo que os espectadoresinterajam enquanto assistem TV (GAWLINSKI, 2003, p. 17).
Assim, o contedo veiculado sugere a realizao de interaes indicando ao pblico
que h possibilidade de acesso a contedo adicional durante a exibio de um programa de
TV (ou de uma pea publicitria). O acesso ao contedo em ambos os formatos de uso ocorre
via o controle remoto do televisor, e a opo por eles neste artigo justificada por se
considerar que, ao mesclar estas duas alternativas de aplicao da interatividade plena
constitui-se um ambiente sofisticado para interao que no apenas proporciona um contexto
material para anlise da variao na experincia televisual como ultrapassa uma simples
navegao convencional na Web. A competncia requerida para acesso e manipulao do
aplicativo de software que habilita a interatividade a partir do contedo televisual poderia
assim ser considerada como uma forma de incluso digital em funo tanto do nvel de
domnio do contexto para uso (o entendimento dos conceitos de Jardim cercado e Televiso
expandida) quanto do conhecimento necessrio em relao ao aparato tecnolgico para a
ao.
Sob perspectiva terica, a noo de cultura que orienta as anlises definida como
responsvel pelo estabelecimento de significados comuns [...] [, que] se constituem na vida,
so feitos e refeitos (WILLIAMS, 1989, p. 8). Segundo a definio, a cultura constituda
na durao, caracterizando uma experincia social que est ainda em processo
(WILLIAMS, 1979, p. 134). Por estarem constituio e influenciar o modo de vida (inclusive
atos do cotidiano), possvel utilizar a noo de cultura sugerida para realizar reflexes
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relacionadas ao uso de tecnologias, que influenciam na atribuio de significados pelos atores
sociais medida que eles travam conhecimento com os aparatos tecnolgicos (como o caso
da TV digital interativa).
Ainda em relao perspectiva terica, para organizar as reflexes optou-se por
abordar a realizao de compras diretamente via televiso: este formato de consumo
referenciado como t-commerce (television commerce). A opo justificada pelo fato que t-
commerce (i) possibilita relao com a realizao de compras via Internetas operaes de e-
commerce (electronic commerce) , (ii) podendo ser tecnicamente viabilizado segundo o
formato de uso deJardim cercado (uma vez que possvel conceber um portal de compras a
ser acessado) associado Televiso expandida (o carter de expanso associado
possibilidade de aquisio de produtos ou servios apresentados durante a veiculao decontedo). Assim, a noo de consumo constitui o segundo conceito chave do artigo: essa
noo, quando abordada enquanto processo e sob perspectiva cultural possibilita expandir as
anlises do potencial de interatividade da TV digital terrestre para outros modos de uso.
O artigo dividido em duas sees, alm desta Introduo e das Consideraes
Finais. A seo Consumo: operaes alm do comrcio de bens e servios analisa o consumo
enquanto processo; na perspectiva sugerida, mesmo o leitor deste texto, enquanto leitor,
considerado um consumidor (no caso, do texto propriamente dito). Em t-commerce: a opopela anlise do processo comunicacional via compras diretamente pela televiso
apresentado o conceito de consumo (via TV) e desenvolvida a justificativa pela opo de
operaes deste tipo para compor o contexto de anlise das reflexes relacionadas
interatividade na TV digital. Finalmente, as Consideraes Finais sintetizam as reflexes
realizadas e apresentam desdobramentos para o trabalho.
CONSUMO: OPERAES ALM DO COMRCIO DE BENS E SERVIOS
Uma quantidade significativa de anlises realizadas pela sociedade ocidental
(inclusive academicamente) em relao ao consumo tem abordado o tema como um processo
social profundamente elusivo [difcil de explicar] e ambguo (BARBOSA; CAMPBELL,
2010, p. 21). O ato de consumir tem sido classificado como suprfluo, ostentatrio ou
conspcuo [exagerado] (BARBOSA; CAMPBELL, 2010, p. 21). A argumentao
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apresentada nessas anlises desenvolve a noo que o valor atribudo ao trabalho (que gera o
contedo a ser consumido) costuma ser vinculado criatividade, auto-expresso e identidade,
enquanto o valor atribudo ao consumo tende a remeter alienao, falta/perda de identidade,
caracterizando-o como um processo individualista e desagregador.
No presente trabalho o consumo abordado como fato cultural, que atua alm da
mera mercantilizao de bens e servios, permitindo trat-lo como fenmeno central e no
[...] simples efeito reflexo da produo (ROCHA; BARROS, 2008, p. 188). A abordagem
possibilita o estabelecimento de elo entre as noes de consumo e cultura (conforme tratada
no artigo): via consumo estabelecido um conjunto de comportamentos com os quais o
sujeito consumidor recolhe e amplia [...] as mudanas culturais da sociedade em seu
conjunto (BACCEGA, 2008, p. 03) na durao logo, culturalmente. Nesse contexto acomunicao tem um papel chave (BACCEGA, 2010, p. 54), pois ao relacionar comunicao,
cultura e consumo possvel tratar trs aspectos chave em conjunto: (i) o meio televisual
como preparador para o consumo, (ii) os padres culturais da TV e a (iii) dimenso poltica
(ROCHA, 2008, p. 128) do consumo.
Em linhas gerais, o (i) meio televisual pode ser abordado enquanto ambiente de
preparao para o consumo em funo do fato que os contedos veiculados em diversos tipos
de programas proporcionam aprendizado [...] relacionado discusso de padres estticos[...] que servem de discusso e troca de informaes (ROCHA; BARROS, 2008, p. 195). O
aprendizado em questo ocorre tanto por identificao do pblico com o contedo veiculado
quanto por distanciamento (ROCHA, 2008, p. 127), estranhamento desse pblico em relao
ao contedo, quando constatado pela audincia que o contedo no parte de seu repertrio.
A preparao para o consumo proporcionada pela TV ainda relacionada ao fato que os
contedos veiculados realizam uma reproduo do cotidiano [...] [que] define publicamente
produtos e servios como necessidades, explica-os como modos de uso, confecciona desejoscomo classificaes sociais (ROCHA; BARROS, 2008, p. 199).
A partir do aprendizado em relao aos padres sugeridos, estabelece-se um (ii)
padro cultural geral para o pblico, que influencia na definio da cultura de um perodo
(WILLIAMS, 2001, p. 64), pois [t]udo o que vivido e feito por uma determinada
comunidade em um dado perodo [...] essencialmente relacionado, embora, na prtica e em
detalhes isso nem sempre seja fcil de ser observado (WILLIAMS, 1971, p. 17). Pode-se
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ento dizer que a TV prescreve (SODR, 2010, p. 61) convenes; e estas convenes
organizam os significados culturais em um momento determinado, estabelecendo o padro
cultural enquanto uma resposta seletiva experincia, um sistema aprendido de sentimento e
ao em uma sociedade particular (WILLIAMS, 2001, p. 98). Mas vale observar que a
definio do padro cultural ocorre em um movimento dialtico: enquanto a mdia define
padres, vai tambm obter no cotidiano as referncias que possibilitam essa definio ou
no seria possvel reproduzir no contedo veiculado as marcas de enunciao do cotidiano
que proporcionam a identificao (e reconhecimento ou estranhamento correspondente por
parte) da audincia na mdia televisual.
O movimento dialtico entre mdia e cotidiano promove finalmente a expanso do
desejo de consumo, que pode se referir a uma mercadoria virtualizada [...] [, um] fluxo dodesejo de um novo acontecimento, informao, objeto (SODR, 2010, p. 59)
estabelecendo relao com a noo da (iii) dimenso poltica do consumo. Esta dimenso
possibilita abordar o ato de consumir como a posse de uma atitude de natureza quase
metanarrativa [...] [que] equivale, assim, a consumir um modo de consumir (ROCHA, 2008,
p. 128). Caracteriza-se ento o consumo como todo um conjunto de processos e fenmenos
socioculturais complexos, mutveis, atravs dos quais se realizam a apropriao e os
diferentes usos de produtos [...] [e] servios (ROCHA, 2008, p. 120). Neste sentido, os atoressociais/culturais freqentemente consomem: no apenas bens ou servios, mas conhecimento,
servios oficiais, trabalho domstico no se trata mais de quem compra o que, mas, [...]
quem obtm o que, em que condies de acesso, e que uso se faz das coisas assim adquiridas
(BARBOSA; CAMPBELL, 2010, p. 26).
A opo por utilizar o consumo como referncia para anlise do processo
comunicacional durante as aes de interatividade plena ento justificada pelo fato que a
fluidez, o desenraizamento, a vida lquida, a velocidade no lugar da durao, a aparentepredominncia da imagem [...] carregam a possibilidade de transmutao de toda a realidade
em objetos de consumo (BACCEGA, 2008, p. 02). Ainda, oimpacto do consumo cotidiano
de produtos e servios define de maneira crucial a nossa existncia, interferindo no modo
como nos comunicamos e nos afirmamos socialmente (ROCHA, 2008, p. 128): a sociedade
contempornea consome (para se adequar aos padres culturais) e consumida (para fornecer
subsdios que habilitam a definio desses padres culturais ou a renovao cultural, em
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processo, de padres) continuamente. E a TV constitui um meio atravs do qual esta
complexa relao materializada.
T-COMMERCE: A ANLISE DO PROCESSO COMUNICACIONAL VIA CONSUMO
A noo de consumo enquanto processo e associada a caractersticas de padro
cultural analisada na seo anterior pode ser aplicada tambm s operaes realizadas no
ambiente da Internet. Na Web, indubitavelmente as operaes relacionadas a comrcio
eletrnico caracterizam a forma mais bvia de constatao de consumo, ainda que a aplicao
da abordagem processual habilite compreender outras operaes tambm como associadas a
atos de consumo8. A facilidade de constatao da ao de consumo nas compras eletrnicas,
associada ao aumento das operaes de e-commerce (nome a partir do qual evidentemente
deriva o termo t-commerce) nos ltimos anos motivou a seleo das operaes de t-commerce
para anlise neste artigo, por elas constiturem uma espcie de potencial migrao do
comrcio eletrnico para o ambiente da TV.
Merece destaque, contudo, o fato de existirem outras formas sofisticadas de
interatividade plena que poderiam ser caracterizadas processualmente como consumo, o que
motiva algum aprofundamento na justificativa pela opo de t-commerce. Este tipo deoperao foi selecionado, ao invs de outras formas como o t-bank (transposio para o
ambiente da televiso do banco via Web) ou o t-government(servios de governo eletrnico,
como consultas a contedos de programas sociais) em funo tambm da necessidade de
preparao do pblico da televiso terrestre para realizar operaes de interatividade. Ocorre
que h risco de uma preparao no satisfatria da audincia para a ao interativa acarretar
uma utilizao do recurso em escala inferior quela desejada, planejada ou possvel. Neste
sentido, relevante observar a inexistncia de recursos relacionados ao uso de banco ougoverno eletrnico via televiso no momento da redao deste artigo, enquanto possvel
constatar a proliferao de programas e canais de TV dedicados a motivar o consumo (ainda
8 Seguindo a linha da abordagem processual, desde operaes triviais como a realizao de conversas informaisem salas de bate-papo at a realizao de prticas religiosas em modo virtual ou o estabelecimento de contatosque propiciam a aproximao familiar utilizando a Rede (MILLER; SLATER, 2001, p. 169) constituem formasde consumir.
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que essas compras motivadas via programas ou canais de TV no ocorram diretamente atravs
do televisor).
Complementarmente aos fatos da proliferao do consumo via Web e da existncia
de programas ou canais dedicados s compras, h ainda um ltimo fator que merece destaque
e possibilita afirmar que uma preparao da audincia para consumo em sentido estrito via
TV encontra-se em curso. Ocorre que, processualmente, uma ao de interao para comrcio
eletrnico na Web tem associada a realizao de operaes bancrias: as transaes de
compra pela Internet costumam movimentar fluxos de papel moeda sem materialidade. Desta
forma, a preparao do pblico para uso dos servios bancrios em modo eletrnico e a
correspondente redefinio da noo de dinheiro (desde a experincia do auto-atendimento at
o home banking, passando pelo tele-atendimento bancrio) tambm auxiliaram na preparaopara o consumo via Webe esta preparao para tratar a abstrao do dinheiro como cultura
material (MILLER; SLATER, 2001, p. 167) deve ser til durante as operaes de t-
commerce.
importante observar ainda a necessidade da preparao das prprias emissoras para
a realizao de t-commerce: possvel constatar que a realizao de uma operao de compra
on-line envolve mais aes do que a interao per se, e engloba estar envolvido sensual e
ativamente com um site [...] [que integra] atividades do consumidor [e] que transcendem ocontexto comercial especfico (MILLER; SLATER, 2001, p. 165). O processo em questo
ultrapassa a compra e venda de bens e servios: trata-se de um complexo sistema integrado
(MILLER; SLATER, 2001, p. 150) que abrange tanto consumidores quanto o prprio
fornecedor do produto, alm de reas de negcio da organizao responsvel pela venda e
agentes de suporte relacionados (por exemplo, a empresa responsvel pelo envio do produto
ao consumidor ou a operadora de carto de crdito). Essa anlise do comrcio eletrnico
enquanto sistema, de atuao multidisciplinar, evidencia se tratar de mais que simplesmentecomprar e estar on-line: de fato, o Website constitui um ambiente integrador de processos
entre o pblico/consumidor e os demais afetados pela operao. Entende-se que contexto
equivalente aplicvel s operaes de t-commerce, e os casos relacionados ao e-commerce
caracterizam uma evidente referncia, especialmente porque auxiliam a equacionar e tratar de
modo apropriado as interfaces (enquanto pontos de contato) entre todos os atores afetados
nessa complexa operao sistmica. A rigor, algumas emissoras j possuem infra-estrutura
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para tratar essas interfaces, no sentido que realizam vendas utilizando o telefone e a Internet
mas este artigo no aborda essa preparao por parte das emissoras. Apesar deste breve
destaque, conforme vem sendo tratado ao longo das sees do trabalho, o foco aqui no o
aspecto logstico para viabilizar o negcio, mas a necessidade de considerar uma mudana
substancial em relao experincia de consumo quando o espectador utiliza o telefone ou a
Web para comprar um produto exibido na TV, comparativamente a quando ele utiliza o
prprio televisor para realizar esta operao. H, neste segundo caso, uma variao que afeta
diretamente a maneira de assistir televiso vinculada ao ato de consumir (ou, em termos mais
amplos, vinculada a atos de interatividade sofisticados), pois o contedo em exibio pode ter
(provavelmente exige) ateno deslocada durante a interatividade. A realizao de operaes
de interao pressupe a exibio de uma interface (em formato tela/pgina) que devenegociar espao fsico no monitor de TV com o contedo televisual transmitido para ser
apresentada: o programa de software (a aplicao9) atravs da qual realizada a operao de
compra necessita de (ao menos) parte do espao do monitor de TV que utilizado desde os
primrdios para exibir o contedo televisual. Esta negociao de espao pode ocorrer,
tecnicamente, segundo vrios formatos (FERRAZ, 2009, p. 35).
Considera-se que mais do que simplesmente interagir, o espectador vai necessitar
operar um novo ambiente televisual pois, diferente do que ocorre no ambiente da Web que ousurio acessa com a premissa da interao, na TV digital a premissa (enquanto TV, desde
seus primrdios) assistir ao contedo veiculado; a interao seria associada e motivada por
uma expanso da TV (Televiso expandida) a partir do contedo veiculado. Com a
necessidade de negociao da rea do monitor para realizao de interaes requerida
definio da alternativa tcnica mais apropriada a utilizar em cada caso para exibir os
programas de software, de modo a minimizar o risco de limitar o ato interativo.
Concomitantemente ao formato tcnico, a limitao pode ter origem no tipo de programa emque o recurso de interatividade plena disponibilizado, ou a uma associao entre os fatores.
O contexto apresentado sugere que o processo de compra via TV mais complexo
do que a simples migrao entre suportes para realizao de comrcio eletrnico. A rigor, a
variao principal no a substituio do microcomputador conectado Internet para a
televiso digital com canal de retorno utilizando tecnologia de banda larga, mas sim a
9 Forma como costumam ser referenciados os programas de software que viabilizam a interatividade.
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variao na experincia televisual a partir da realizao de operaes de interatividade plena.
E essa variao pode ter origem em fatores tanto sociais quanto tecnolgicos. Para
exemplificar a afirmao possvel recorrer ao comentrio que [e]xperimentos iniciais com
televiso interativa, em meados da dcada de 1990, foram descartados basicamente como
fracassos [...] [, pois q]uase ningum queria parar de ver televiso para comprar a roupa que
um dos amigos deFriends[...] usava (JENKINS, 2008, p. 93). A citao a Jenkins pode ser
analisada sob vrias perspectivas10. Uma anlise sob um vis tcnico permite supor que
eventualmente a largura de banda disponvel no momento citado pelo autor pode ter alguma
responsabilidade pela no realizao das transaes comerciais, em funo do tempo
requerido para realizar a operao e como este tempo impacta a experincia televisual.
Merece destaque o fato que no se trata de mera especulao: Jenkins no cita nominalmenteo pas a que se refere seu exemplo, mas em funo dos programas televisuais analisados ao
longo da obra citada do autor, possvel inferir que o fracasso de vendas citado pelo
pesquisador relativo televiso norte-americana. Ocorre que no mesmo perodo histrico,
no Reino Unido, os servios de interatividade na televiso reconhecidamente possuam
execuo lenta (GAWLINSKI, 2003, p. 49). Ainda que evidentemente se tratem de
continentes distintos e que o desenvolvimento da TV digital tenha peculiaridades em cada um
desses pases, o estado da arte do desenvolvimento tecnolgico no momento em questo eracompartilhadoinclusive por se tratar de pases desenvolvidos. Neste sentido, tecnicamente o
fracasso destacado por Jenkins poderia ser justificado em funo de uma largura de banda
insuficiente, que tornaria a ao de interatividade demorada, desestimulando o consumo.
Vale destacar, ainda sob perspectiva tcnica mas sob a lente da usabilidade, que o
formato adotado para exibio do aplicativo para compra talvez limitasse a capacidade de
assistir televiso. possvel citar como exemplo de limitaes relativas usabilidade o caso
do ambiente Open..., desenvolvido pela Sky do Reino Unido e disponibilizado para o pblicode TV digital em 1999 (alguns anos aps o exemplo apresentado por Jenkins). Tratava-se de
um ambiente para compras em formato de Jardim cercado que operava tecnicamente em tela
cheia11. O aplicativo permaneceu no ar apenas durante dois anos e foi substitudo por um
10 Anlises sob perspectiva da cultura e preparao da audincia para interagir no momento em questo podemser consultadas em (MARQUIONI, 2011b, p. 140-141).11Na apresentao do ambiente interativo em tela cheia a imagem (e o som) da TV desaparece, dando lugarapenas aplicao (FERRAZ, 2009, p. 35).
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novo ambientenomeado SkyActive, que possibilitava a realizao de compras utilizando o
recurso de redimensionamento da imagem12; esse segundo ambiente tambm um Jardim
cercadofoi mais utilizado que o primeiro: o formato de exibio da interface para interao
exerceu influncia direta no uso do recurso.
necessrio considerar ainda a necessidade de coerncia para consumo: o
espectador provavelmente vai consumir via televiso quando a operao lhe fizer sentido,
considerando a relao de ganho e perda associada interao. Ocorre que no momento em
que o espectador opta por realizar uma operao de t-commerce, ele tambm opta por deixar
de acompanhar (ou opta por acompanhar com menor ateno) o fluxo televisual planejado
(WILLIAMS, 2005, p. 89-90). Assim, o uso do recurso de interatividade tende a ser solicitado
(no caso de t-commerce, a compra deve efetivamente ocorrer) apenas em relao a umaparcela dos espectadores para a qual a interao seja relevante (ou a aquisio faa sentido),
considerando esse ganho e perda em relao ao contedo transmitido.
O tipo de programa sendo veiculado considerado crtico na deciso, e mais que
simplesmente oferecer a possibilidade de consumo via TV, h que se avaliar como viabilizar
operaes de t-commerce em cada situao, em relao a cada gnero televisual, considerando
a experincia proporcionada por cada tipo de programa, para minimizar o risco de incorrer em
simplificaes analticas. Uma vez que o trabalho utiliza a noo de cultura como refernciaconceitual principal, as formas culturais (WILLIAMS, 2005, p. 39-76) da televiso
constituem um arcabouo metodolgico interessante para orientar a sistematizao dos
programas televisuais nos quais deve haver tendncia do pblico em interagir.
A situao de ganho e perda comentada pode ser observada tambm em uma situao
de video-on-demand13: ao mesmo tempo em que o espectador opta por assistir a um contedo
adicional fornecido, ele tambm opta por deixar de acompanhar o fluxo televisual planejado.
H um ganho em relao a um tema de seu interesse, mas h tambm uma perda em relao a
12 Na apresentao do ambiente interativo com redimensionamento da imagem o pblico pode continuar aassistir TV enquanto interage, pois a tela do televisor dividida. Neste caso h necessidade de o espectadorgerenciar o compartilhamento de sua ateno considerando os dois programas apresentados: o programa desoftware (o aplicativo atravs do qual interage) e o programa de TV (o contedo televisual propriamente dito).13 Trata-se de recurso de interatividade plena que possibilita exibio de contedo adicional, promovendoreconfigurao (pela audincia) do fluxo televisual planejado.
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outro contedoque veiculado independentemente da opo de interatividade, via o fluxo
televisual planejado originalmente pela emissora14.
Em ambas as situaes, ainda que haja possibilidade tcnica de o espectador gravar o
contedo veiculado enquanto interage (via opes depersonal video recorders), a quantidade
de alternativas para interao pode promover atribuio de complexidade adicional na
experincia televisual que tradicionalmente simples, estabelecendo uma sensao de
acesso direto, sem mediao (WILLIAMS, 2005, p. 135). Esta complexidade adicional no
ato de assistir televiso, se no abordada de modo analtico para proporcionar um contexto de
uso coerente naprxis, pode eventualmente limitar a tendncia interativa.
CONSIDERAES FINAIS
Realizar aes de interatividade plena na televiso digital engloba mais do que
simplesmente disponibilizar o recurso tecnolgico: a complexidade associada requer reflexes
analticas sistematizadas para equacionar o tema, de modo a minimizar os riscos de
anacronismos e simplificaes demasiadas que eventualmente limitem o uso dos recursos por
no considerarem conceitualmente o processo envolvido.
Este trabalho apresentou as noes de cultura e consumo e, mais particularmente, asaes de compras pela TV como sugesto para estabelecimento de um contexto de anlise
visando tratamento conceitual das operaes de interatividade plena. Uma vez que as aes de
consumo sejam abordadas enquanto processo, possvel expandir as reflexes realizadas,
aplicando-as a outras formas de interao (no caso deste artigo, a relao de ganho e perda
com a interatividade foi brevemente abordada nas operaes de compra e no caso de video-
on-demand).
Para aprofundamento nas reflexes iniciais apresentadas neste trabalho necessrioavaliar os tipos de programa veiculados e sua relao com o consumo. Uma vez que este
trabalho considera o prprio ato de assistir televiso no Brasil como caracterizando um
fenmeno cultural, e ao constatar que [t]odo consumo [...] cultural, envolve significado
uma vez que as opes de consumo so baseadas em valores, rituais, hbitos [...] de natureza
14 Sobre essa relao de ganho e perda em relao a contedos de telejornalismo, recomenda-se a leitura doartigo Televiso digital e diversificao da produo de contedos: relato de uma experincia no telejornalismo (FECHINE et al, 2011).
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Original recebido em: 30/10/2012Aceito para publicao em: 03/12/2012
Resumo sobre autor
Carlos Eduardo Marquioni doutor em Comunicao eLinguagens (UTP/2012), Mestreem Comunicao e Linguagens(UTP/2008) e Bacharel em Anlisede Sistemas (PUC-Campinas/1994). Docente na
UTP/PR e membro do grupo depesquisa Imagens, sentidos eregimes de interao/CNPQ namesma instituio.