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7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO
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ANA GERSCHENFELD, NO CERN (FRONTEIRA FRANCO-SUA)
Aps dois anos a fazer chocar protes uns contra
os outros, que culminaram com a descoberta do
boso de Higgs em meados de 2012 que, h dias,
valeu o Prmio Nobel da Fsica a dois dos tericos
que postularam a existncia dessa partcula h
quase 50 anos , o LHC iniciou em Fevereiro a sua
primeira paragem tcnica prolongada para uma
reviso profunda. E, enquanto a grande mquina
do CERN dorme, torna-se possvel descer a 100
metros de profundidade para a ver ao perto
Dois anos para remodelar a casa do
boso de Higgs
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Otnel, intensamente iluminado, inclina-se
ligeiramente direita e vai desaparecendo de
vista. nossa esquerda corre um tubo que
nunca acaba, enquanto do outro lado passam
por ns ciclistas de fato-macaco e capacete das obras, a
caminho da luz do dia e do almoo. Sorriem ao ver onosso pequeno grupo de visitantes, de cabeas
igualmente coroadas pelos obrigatrios mas inestticos
capacetes de plstico, a ouvir as explicaes dos guias.
Estamos debaixo de terra, a 100 metros de
profundidade, mesmo por baixo da fronteira franco-
sua, perto de Genebra, no chamado Ponto 4 do LHC, omaior acelerador de partculas do mundo. Este um dos
oito pontos de acesso que balizam o tnel circular, com
um permetro de 27 quilmetros, que alberga a grande
mquina de fazer fsica das partculas construda pelo
CERN (Laboratrio Europeu de Fsica de Partculas).
Ao longo do percurso do acelerador esto instaladas as
quatro principais experincias a decorrer no CERN,
concebidas para registar os dados da avalanche de
partculas produzidas quando se atiram uns contra os
outros protes de alta energia e desvendar assim alguns
dos mistrios do Universo. Chamam-se ATLAS, CMS,
LHCb e ALICE. Foi aqui que, em Julho do ano passado,
foi detectado o clebre boso de Higgs, a partcula queconfere massa a todas as outras partculas que
compem a matria que nos rodeia.
Se o LHC estivesse em funcionamento, no poderamos
andar a passear pelo tnel. O acesso fica vedado
quando, no interior do grande tubo ao nosso lado,
dentro de dois tubos mais pequenos com cerca de cinco
centmetros de dimetro cada um, circulam em sentidos
opostos, num vcuo quase sideral - e quase velocidade
da luz -, dois intensos feixes de protes. Isto porque,
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quando atravessam uma das quatro gigantescas
mquinas detectoras de partculas acima referidas, os
feixes cruzam-se e os protes colidem frontalmente. E
nessas ocasies, ao ritmo de 400 milhes de colises
por segundo, tudo sua volta fica radioactivo.
Mas desde Fevereiro que os feixes foramdesligados e que o LHC entrou em
hibernao. Mais precisamente, entrou
no seu primeiro perodo prolongado de
paragem tcnica, oLong Shutdown 1.
Durante dois anos (at incios de 2015),
os componentes do acelerador e dos
detectores das mais estranhas partculas -bem como o hardwaree o softwareque
gerem e digerem a enorme massa de
dados vindos desses detectores - vo ser
consolidados ou actualizados, num
gigantesco liftingtcnico-cientfico. Ao
mesmo tempo, oLong Shutdown uma
oportunidade rara para descer at grande mquina adormecida e ver de
perto no apenas o prprio acelerador,
em parte desmontado, como tambm as entranhas das
experincias.
Uma coisa evidente: com a excepo dos feixes de
partculas, aqui nada parou. Bem pelo contrrio. Tantoc em baixo como l em cima, nas salas de controlo de
cada experincia, todos esto muito atarefados - e
alguns mais ainda do que de costume. Contudo, o
ambiente parece descontrado. "Agora menos
stressante", explica Clara Gaspar, informtica
portuguesa que nos acompanha nesta parte da visita e
trabalha no controlo da experincia LHCb, desenhadapara tentar explicar por que que o Universo feito de
matria e no de antimatria (em que cada
"antipartcula" tem a carga oposta da partcula
(http://static.publico.pt/files/revista2/201
10-20/cern/cern_06.jpg)
O recm-nobelizado Peter Higgs foi,em 1964, um dos fsicos tericos a
postular a existncia do boso com oseu nome e que foi detectado em2012 no LHC CLAUDIA MARCELLONI
http://static.publico.pt/files/revista2/2013-10-20/cern/cern_06.jpg7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO
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A
equivalente na matria normal). "Quando o LHC
funciona, tudo mais urgente, telefonam-nos a
qualquer hora do dia e da noite e temos de vir a correr
resolver os problemas."
Atrs de ns, um muro de beto barra o tnel. do
outro lado, numa enorme caverna cavada na rocha, queest alojada a LHCb. Samos dessa caverna h instantes,
regressando primeiro superfcie para depois
tornarmos a descer at ao tnel por outro elevador. Um
percurso vertical entrecortado pela passagem por
checkpointsde segurana e de identificao high-tech- a
lembrar o filmeAnjos e Demnios, baseado no livro de
Dan Brown, onde malfeitores entram no CERN pararoubar uma substancial quantidade de antimatria com
a qual tencionam fazer ir pelos ares o Vaticano. Vrias
pessoas do CERN mencionam a histria, fazendo notar,
entre outras coisas, que os dispositivos de identificao
dos funcionrios do laboratrio atravs da ris s foram
instalados depois da estreia do filme...
A viagem dos protes
ntes de entrarem no tubo de vcuo do LHC que
corre ao nosso lado, os protes comeam por ser
acelerados numa srie de aceleradores maispequenos do CERN - seguindo a lgica de uma
caixa de velocidades - e, quando so injectados no
grande acelerador, j possuem uma energia de 450 GeV
(giga electro-volts), ou seja, j vo lanados a
99,9998% da velocidade da luz. Depois, para os acelerar
mais um pouco, at 99,9999991% da velocidade da luz,
que o que o LHC foi construdo para fazer, vai serpreciso multiplicar a sua energia por mais de 15 vezes,
at aos 7 TeV (tera electro-volts), a energia mxima
prevista para cada feixe de protes. Assim, com dois
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feixes a circular em sentido oposto, a energia das
colises frontais atingir os desejados 14 TeV, a potncia
mxima para a qual o LHC foi desenhado - e a
velocidade relativa que cada feixe ter em relao ao
outro corresponder nada mais nada menos do que a
99,9999998% da velocidade da luz.
Porqu acelerar os protes? Porque as
colises so eventos extremamente
raros: h umas 20 por cada "pacote" de
100 mil milhes de protes atirados
contra outro "pacote" de 100 mil milhes
de protes! Portanto, para tornar as
colises mais frequentes, preciso
Quando o LHC funciona
tudo mais urgente,
telefonam-nos a qualquer
hora do dia e da noite e
temos de vir a correr
resolver os problemas
Clara Gaspar, informtica
portuguesa
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aumentar o mais possvel o nmero de vezes que os
quase 900 "pacotes" (o termo tcnico bunches) de
protes que compem cada feixe se iro cruzar. At
agora, a energia mxima atingida no LHC foi de 8 TeV,
mas isso bastou para detectar o Higgs dentro das
experincias ATLAS e CMS. E espera-se que, aps esta
paragem tcnica, seja possvel aumentar rapidamente apotncia da mquina, numa primeira fase, para 13 TeV.
A tecnologia que deve permitir obter estas condies
dentro do LHC tambm parece sada da fico cientfica.
Os protes so acelerados por campos
electromagnticos muito fortes, dentro de dispositivos
supercondutores chamados "cavidades de rdio-frequncia", explica-nos Paulo Gomes, especialista
portugus de criogenia do LHC, enquanto continuamos
a seguir o interminvel tubo, uma colagem de
elementos azuis, vermelhos, prateados, brancos. Ao
todo, existem 16 cavidades dessas ao longo dos 27
quilmetros do percurso, que devem ser mantidas
temperatura de 4,5 graus acima do zero absoluto - ouseja, a 268,5 graus Celsius negativos.
Mas ainda mais difcil focar e orientar os feixes neste
tnel circular e, para isso, o LHC est equipado com
grandes electromanes supercondutores, colocados em
torno dos feixes, no interior do tubo de vcuo. Os mais
poderosos - 1200 no total - tm 15 metros decomprimento e curvam os feixes, diz-nos Paulo Gomes,
apontando para segmentos do tubo de cor azul.
Funcionam a 1,8 graus acima do zero absoluto e devem
ser arrefecidos com hlio superfluido. O hlio
distribudo atravs de um outro tubo, que corre paralelo
ao tubo de vcuo, indica Paulo Gomes. "O acelerador
gasta mais electricidade do que a cidade de Genebra,sobretudo em sistemas criognicos", explica.
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Foi um curto-circuito ao nvel de uma
juno supercondutora desses manes
azuis que, ao provocar uma fuga e
consequente acumulao indevida de
hlio dentro do tubo de vcuo, esteve na
origem da exploso que, em Setembro de
2008 (poucos dias aps da inauguraodo LHC), arrancou do cho um total de
50 manes, de 35 toneladas cada um,
danificando-os e obrigando o acelerador
a uma paragem no programada de mais 14 meses. Uma
das prioridades da actual paragem tcnica
precisamente a substituio das mais de 10 mil junes
do mesmo tipo que existem no LHC, bem como a
colocao de vlvulas de escape capazes de lidar com
eventuais fugas de hlio no futuro.
Normalmente, o LHC acelera os seus protes 24 horas
por dia, sete dias por semana - ou quase. Na realidade,
os feixes de protes no so eternos e preciso renov-
los periodicamente. Isso acontece todas as 10 a 12 horase significa, concretamente, que os feixes so desligados
e novos protes injectados e acelerados. Este processo
de beam dump("despejo dos feixes") dura duas a trs
horas no total, mas no por isso que a actividade
abranda volta das experincias, explicar-nos- mais
tarde a portuguesa Ana Henriques, responsvel por um
dos componentes (o "calormetro hadrnico") da
experincia ATLAS. "Nunca sabemos quando os feixes
vo parar, se vai ser de dia, de noite. No tem hora
marcada", salienta. "Mas, durante essas horas, os fsicos
da sala de controlo no param." O tempo aproveitado
para fazer calibraes e testar o funcionamento dos
detectores - algo de crucial para se ter a certeza de que
as medies no esto a ficar enviesadas sob o efeito da
radiao produzida pelas colises.
(http://static.publico.pt/files/revista2/201
10-20/cern/cern_07.jpg)
O LHC est equipado com grandeselectromanes supercondutores CERN
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E
Assim, depois de terem percorrido mais de dez mil
milhes de quilmetros, os protes "cansados" dos dois
feixes acabam a sua vida de uma forma algo inglria,
mas (como tudo aqui) extremamente bem sincronizada.
Quando a corrente desligada, como deixam de ser
orientados pelos manes, os dois feixes prosseguem o
seu caminho a direito, sendo evacuados do LHC pordois tubos "de servio". No fim, os protes vo esmagar-
se contra grandes blocos de grafite que, ao absorverem a
sua energia, interrompem a sua viagem para sempre.
Fsica com Monte Branco aofundo
mergidos do tnel e aps um almoo apressado(na cantina principal do CERN, rodeados de
fsicos a falar de fsica), um autocarro leva-nos
para o ponto do percurso subterrneo do LHC
mais distante da sede do grande laboratrio - que
como uma pequena cidade, com restaurantes e hotis e
perto de 3000 pessoas a trabalharem no recinto, entre
engenheiros, cientistas, tcnicos, pessoal
administrativo, operrios, estudantes e aprendizes.
Depois, h os mais de 10 mil cientistas espalhados por
laboratrios de mais de 110 pases que esto ligados
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remotamente a esta grande Meca da fsica e a receber
dados em contnuo - ou no fosse aqui, no CERN, que
foi inventada a World Wide Web, h quase 25 anos.
Alis, num dos corredores do labirntico edifcio central
que temos de atravessar para irmos do refeitrio at ao
local onde nos espera o autocarro - e no meio decartazes e folhas de papel com anncios vrios, afixados
nas portas e paredes no mais puro estilo universitrio -
h uma grande placa dourada, onde se l, em grandes
letras: "Where the Web was Born" (Onde nasceu a
Web). Era neste corredor que Tim Berners-Lee (o "pai"
da WWW) tinha o seu gabinete, explicam-nos,
enquanto improvisamos uma rpida sesso defotografias com placa em fundo antes de seguir
caminho.
O dia quente e soalheiro e o autocarro leva-nos para o
lado francs da fronteira. Densos bosques verde-
escuros ladeiam a estrada e, de vez em quando, prados e
chals suos (embora em cimento e no de madeira),com os seus tpicos telhados de duas guas assimtricas
que descem quase at ao cho. No horizonte dos Alpes,
surge de repente o pico nevado do Monte Branco.
no subsolo desta paisagem buclica
que se esconde um dos colossos que
permitiu, no ano passado, confirmar aexistncia do boso de Higgs: o CMS
(Compact Muon Solenoid), cuja
construo comeou em 2004. Vamos
poder ver o CMS no seu covil e de to
perto que seria quase possvel tocar-lhe.
Aqui, na superfcie, o que vemos porenquanto apenas o gigantesco hangar
onde foram inicialmente montados os
diversos mdulos do CMS, um cilindro
Neste momento, foram
desligados muitos cabos
para se poder aceder a
determinadas partes do
CMS. E, quando os cabos
voltarem a ser ligados,
vou ser responsvel por
verificar que, cada vez que
um cabo ligado, foi
ligado no stio certo, quecorresponde pea certa
Andr David, investigador portugus
do CERN
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com 15 metros de dimetro e 21 de comprimento, de
milhares de toneladas. L dentro, na parede do fundo,
ao p do enorme alapo (fechado) no cho que d
directamente para o poo da caverna do CMS, h uma
imensa fotografia a cores do interior da mquina. "A
parte central amarela contm 13 camadas de deteco de
traos de partculas carregadas", explica o nosso guia domomento, Joo Pela, estudante portugus de
doutoramento no CERN, apontando sucessivamente
para as diferentes componentes concntricas do CMS e
explicando a funo de cada uma delas.
" volta, o crculo prateado o magneto"
(traduo literal de "magnet"). Para almdos electromanes supercondutores que
j vimos no tnel, tambm no interior
das mquinas detectoras de partculas, os
"magnetos" servem para curvar as
trajectrias das partculas
electromagnticas, neste caso de forma a
conseguir separ-las e determinar a suacarga. O "magneto" do CMS o que
contm a maior quantidade de
electricidade no planeta "e derreteria 11
toneladas de cobre se descarregssemos
instantaneamente essa energia", ilustra o
jovem investigador. Trata-se de uma
enorme bobine de cabos
supercondutores de nibio e titnio que
funciona a 271 graus Celsius negativos.
"A zona azul dentro do magneto o
calormetro, que permite parar as
partculas e determinar a energia inicial
das partculas neutras, como os fotes, e
dos electres", prossegue Joo Pela. "A
segunda camada da parte azul detecta
protes e neutres e o resto do CMS serve para detectar
(http://static.publico.pt/files/revista2/201
10-20/cern/cern_20.jpg)
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F
as partculas que no foram paradas, como os mues, os
primos pesados do electro", acrescenta. "As partes
prateadas na zona exterior medem a trajectria dos
mues a sair do detector, para determinar a sua carga e
energia."
Findas as explicaes tcnicas, estamos todosimpacientes por descer pelo elevador e ver finalmente a
coisa. Mas, antes, h ainda uma passagem pela sala de
controlo cheia de computadores, a partir de onde se
monitoriza, em permanncia, o funcionamento da
experincia. Normalmente, esto cinco pessoas de
turno, 24 horas por dia, sete dias por semana - mas no
necessariamente nesta sala, porque existem outras salasde controlo remoto, por exemplo no DESY de
Hamburgo (Alemanha) e no Fermilab, nos EUA.
Num canto, um equipamento destoa do resto e atrai o
nosso olhar. Um grande "armrio" de metal cinzento, de
aspecto vetusto, com grandes botes luminosos verdes
e vermelhos, parecido com um painel de controlo deuma central nuclear da altura da Guerra Fria. "Ah, isso
o sistema defail-safe", responde distraidamente algum
nossa pergunta. Por outras palavras, o interruptor
geral que permite parar tudo imediatamente, mo, se
algo correr mesmo mal l em baixo, na caverna. A low-
techdigital do dedo humano ao auxlio da high-techem
perigo...
O stio do Higgs
inalmente l em baixo, a caverna parece pequena,
tal o tamanho da mquina que a habita. E comoo CMS tem uma estrutura em acordeo e os seus
trs principais segmentos se encontram
separados, ela enche de facto o espao quase todo,
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deixando apenas lugar para escadas e passadeiras em
seu redor, toneladas de cablagem e inmeras prateleiras
cheias de equipamento.
A partir da varanda de um dos andares altos deste antro,
temos vista directa para o interior do CMS. Tentamos
lembrar-nos do que nos foi explicado l em cima, masno fundo o que interessa agora que foi nestes
complexssimos circuitos que tudo aconteceu - foi aqui
que o boso de Higgs foi finalmente avistado, 50 anos
depois de a sua existncia ter sido postulada. O outro
grande participante nesta descoberta, a experincia
ATLAS, no vai estar visitvel durante a nossa estadia
porque o elevador que d acesso sua caverna seencontra em manuteno.
A prpria escavao da caverna do CMS, que decorreu
de 2000 a 2004, foi pautada por uma srie de
obstculos inesperados, como a descoberta de runas
romanas. E foi preciso congelar um rio subterrneo,
cuja existncia se desconhecia - e que impedia asoperaes de prosseguir. Para ultrapassar esta situao,
foi encontrada uma soluo astuta: injectou-se azoto
lquido em profundidade, atravs de pequenos furos no
cho; quando a gua gelou, escavou-se o gelo, como se
de rocha se tratasse, at camada rochosa seguinte, por
baixo do rio - e a construo das paredes do poo pde
ento continuar.
Por cima do CMS h uma floresta de
cabos verdes, todos to bem arrumados e
organizados que parecem molhos de
esparguete de espinafre gigantes. Os
molhos de cabos so uma presena
constante no CERN, tal como asbraadeiras de plstico que os mantm
no seu lugar. Ficamos com a impresso
de que o LHC no conseguiria funcionar
(http://static.publico.pt/files/revista2/20110-20/cern/cern_11.jpg)
Na sua caverna, a experincia CMSfoi aberta para um lifting tecnolgicoRUBEN SPRICH/REUTERS
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sem estes adereos da nossa vida
quotidiana.
Para perceber a importncia desta arrumao quase
militar, preciso ter em mente que o CMS, cujo
funcionamento envolve cerca de 3000 pessoas, "uma
enorme mquina fotogrfica com 80 milhes de pxeis",como nos explicaram, no autocarro, na ida para l. Ora,
esses 80 milhes de pxeis tm de conseguir enviar os
seus sinais, via outros tantos cabos, ao sistema
informtico encarregado de seleccionar as colises
interessantes e de armazenar os dados correspondentes
para anlise. Bastaria um cabo ligado no stio errado
para deitar tudo por terra...
"Neste momento, foram desligados muitos cabos para
se poder aceder a determinadas partes do CMS. E,
quando os cabos voltarem a ser ligados, vou ser
responsvel por verificar que, de cada vez que um cabo
ligado, foi ligado no stio certo, que corresponde pea
certa", esclarecer-nos-, no dia seguinte, o portugusAndr David, de 36 anos, durante uma longa conversa
mantida sombra de uma rvore, na esplanada da
cafetaria - e que descreve o CMS como um conjunto de
"600 e tal mquinas fotogrficas cujos obturadores
abrem todos exactamente no mesmo instante".
Andr David investigador do CERN, onde responsvel por uma dessas "mquinas fotogrficas" - o
calormetro electromagntico do CMS (experincia na
qual participa desde 2006), "que v electres e fotes".
Quanto tempo vai ser preciso para tornar a ligar esses
cabos todos? "Se as coisas correrem bem, em duas
semanas capaz de ficar resolvido", responde-nos,
falando apenas da parte da experincia directamentesob a sua alada. Mas imagina-se que seja assim para
todos os envolvidos, uma vez que nenhuma das partes
da experincia pode funcionar sem as outras.
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Mas ligar e desligar esses fios todos, para qu? "Lembra-
se dos telemveis de 2004? Ns queremos ter a
electrnica dos telemveis de hoje!", exclama o
investigador. De facto, o upgradeda electrnica
absolutamente fundamental, no apenas nos
detectores, mas no equipamento que gere a seleco e
armazenamento dos dados vindos dos detectores. Bastapara isso considerar que o hardwareque vemos nas
dezenas de prateleiras instaladas em redor do CMS deve
ser capaz de seleccionar, em apenas cinco
microssegundos, as 100 mil colises "interessantes" em
cada 400 milhes (por segundo) - ou seja, as colises
durante as quais poder ter sido produzido um boso de
Higgs ou alguma outra partcula indita. A seguir, numa
segunda fase que dura uns milissegundos (e que
decorre j fora da caverna), sero guardadas apenas mil
colises, em mdia, dessas primeiras 100 mil, "para ver
mais tarde", diz-nos Andr David. Os dados
correspondentes a essas 1000 colises (por segundo,
convm relembrar) "ficam prontas para anlise aps 48
horas".
Apago informativo
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Afrrea disciplina cientfica e tcnica que sente
quem visita o LHC e fala com pessoas do CERN
sobre a sua forma de trabalhar foi
particularmente palpvel na altura da divulgao
da descoberta do boso de Higgs. Por incrvel que
parea, antes do histrico anncio - que teve lugar a 4de Julho de 2012 -, os 3000 cientistas que trabalhavam
na experincia ATLAS no sabiam ao certo o que os
seus 3000 colegas da experincia CMS iriam anunciar e
vice-versa.
No seu gabinete do moderno edifcio 40 do recinto do
CERN, Ana Henriques, da ATLAS, fala-nos do autnticoblackoutinformativo que antecedeu o acontecimento:
"Este prdio de cinco andares alberga a principal parte
das comunidades ATLAS e CMS", explica. "Portanto,
ns partilhamos a cafetaria e cheirava-se o ambiente de
excitao." Claro que houve algumas fugas de
informao, porque " muito difcil manter a
confidencialidade quando h milhares de pessoasenvolvidas", diz a cientista. Mas esta forma de funcionar
"faz parte dos critrios de rigor cientfico que preciso
respeitar" - e mais ainda quando se trata de experincias
desta complexidade. "Tem de haver vrias equipas
independentes a fazer a mesma anlise em paralelo",
frisa Ana Henriques.
"Quando o director-geral do CERN e os
responsveis pelas duas experincias
resolveram divulgar os resultados [aps
vrias semanas de reunies entre eles],
era evidente que isso significava que os
resultados eram suficientemente slidos
para anunciar uma descoberta. Mas, nodia do anncio, ns no sabamos o que
os outros [os da experincia CMS]
tinham. E surpreendeu-me que os
(https://www.google.com/maps/views/strgl=us)
Clique na imagem e faa uma visitavirtual ao LHC com o Google StreetView
https://www.google.com/maps/views/streetview/cern?gl=us7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO
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resultados da ATLAS e da CMS fossem to
semelhantes", salienta ainda.
Andr David, que esteve ligado de muito perto ao
anncio, diz o mesmo a propsito dos resultados da
"arqui-rival" ATLAS, como chama com humor
experincia "irm" da CMS: "No dia 4 de Julho, quandofomos para o auditrio depois de termos estado at s
duas da manh a rever a apresentao do Joe
[Incandela, responsvel mximo pela experincia CMS],
eu sabia o que o Joe ia dizer, mas no fazia a menor
ideia do que a ATLAS tinha. Tinha ouvido uns zunzuns
de que eles tambm tinham qualquer coisa - seno, no
estaramos a fazer um anncio. Mas no queria que medissessem mais nada."
Incandela foi o primeiro a falar, naquela
manh, "perante mil milhes de pessoas
no mundo". E a seguir "entra a Fabiola
[Gianotti, responsvel mxima pela
ATLAS]", recorda Andr David. "E decada vez que ela apresentava um
diapositivo, a informao era
completamente nova para mim. A dada
altura, torna-se bvio que eles esto a ver
a mesma coisa que ns, no mesmo stio e
com a mesma intensidade. Esses outros
3000 macacos com os quais eu no medou, utilizando detectores
completamente diferentes, organizados de maneiras
completamente diferentes, publicando de formas
diferentes, utilizando softwarediferente, chegaram
mesma concluso. Isto que foi para mim o momento
da descoberta."
Ainda se vem, por exemplo nas salas de controlo das
experincias e na sala de comando central do LHC,
vestgios do que foi essa grande festa: garrafas e garrafas
A Natureza muito boa a
destruir teorias. Na minha
opinio, ns estamos aqui
para fazer ccegas
Natureza e ver o que ela
tem para nos dizer. E at
agora, o que ela nos disse
que, se existe fsica para
alm do Modelo Padro,
no vai ser assim to
simples de encontrar
Andr David
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O
de champanhe alinhadas em prateleiras ao longo das
paredes. (s quais viro agora juntar-se as que foram
abertas para festejar o anncio, na semana passada, do
Prmio Nobel da Fsica a Peter Higgs e Franois Englert,
apesar de o prprio CERN no ter sido contemplado
pelo galardo.)
Planos para o futuro
que ir acontecer no fim desta primeira longa
paragem tcnica, quando o LHC arrancar, em
princpio em incios de 2015? "Vamos atingirrapidamente os 13 TeV, para podermos
continuar a estudar o boso de Higgs e medir as suas
propriedades", garante Rolf Heuer, director-geral do
CERN. "Quanto aos 14 TeV de potncia mxima, iremos
atingi-los um pouco mais tarde." Acontece, como
explicou ainda, que os manes supercondutores do LHC
foram "treinados" para atingir aquela potncia mximaprevista mas, entretanto, alguns deles "contraram
Alzheimer" - isto , perderam essa memria e j no
conseguem subir at esse patamar de energia. E a sua
recuperao poder ser complexa e mais demorada
devido ao elevado nmero de manes a funcionar em
conjunto no LHC.
Mais tarde, l para 2017-2018, est
previsto umLong Shutdown 2de um
ano, no fim do qual a "luminosidade" dos
feixes de protes do LHC - ou seja, o
nmero de partculas a colidir - ser
aumentada e os detectores novamente
actualizados. E depois haver ainda umLong Shutdown 3, talvez em 2022, onde
se prev aumentar ainda mais essa
luminosidade e tornar a actualizar o que
(http://static.publico.pt/files/revista2/20110-20/cern/cern_30.jpg)
Os investigadores portugueses AnaHenriques, da experincia ATLAS e
Andr David, da CMS
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for preciso em funo dos resultados obtidos e das
descobertas efectuadas at l. O tempo de vida previsto
para as grandes experincias do LHC de 20 anos.
Quanto ao boso de Higgs, " pouco provvel que haja
novos resultados" at ao arranque em 2015, diz Heuer.
"J analismos todas as colises" produzidas nsltimos trs anos, acrescenta.
Uma das questes que ficam para 2015 a de saber se o
boso de Higgs "o" boso previsto pelo chamado
Modelo Padro da fsica das partculas, que descreve, ao
nvel subatmico, o mundo que nos rodeia - ou se, pelo
contrrio, um boso algo diferente, que permite terum cheirinho de uma nova fsica para l do Modelo
Padro. Mas, por enquanto, o Higgs detectado pelo LHC
parece ser totalmente compatvel com este modelo.
Se o boso no for o do Modelo Padro, explicou-nos
Andr David, tem de haver pequenos desvios
detectveis nos resultados. "Mas, at agora, nadadesvia!" Isso pode estar a acontecer, acrescenta, "porque
ainda no temos assim tantos dados". O aumento de
potncia em 2015 poder ajudar nesse aspecto. Mas
tambm pode ser porque as teorias "exticas" propostas
at aqui para estender o Modelo Padro no funcionam.
"A Natureza muito boa a destruir teorias", ironiza o
investigador. "Na minha opinio, ns estamos aqui parafazer ccegas Natureza e ver o que ela tem para nos
dizer. E at agora, o que ela nos disse que, se existe
fsica para alm do Modelo Padro, no vai ser assim to
simples de encontrar. Pode ser da prxima vez, quando
recomearmos a 13 TeV em vez de oito. O LHC ainda
tem muito sumo para espremer."
7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO
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7/24/2019 Dois Anos Para Remodelar a Casa Do Boso de Higgs - PBLICO
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20/10/2013 18:19
jose.luis.fino
lhavo
(/utilizador/perfil/7f806bd0-23fa-4a73-8d47-e7f49612cc59)
Excelente, adorei ler e ver este trabalho, isto divulgaocientfica a srio.
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