Dor Pleurítica

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CAUSAS PULMONARES DE... Wellington SIMPÓSIO SOBRE DIAGNÓSTICO DE DOR TORÁCICA

Revista AMRIGS, Porto Alegre, 46 (1,2): 25-27, jan.-jun. 2002 25

Causas pulmonares de dor torácica

Pulmonaris causes of chest pain

JOSÉ WELLINGTON ALVES DOS SAN-TOS – Doutor em pneumologia. Professorde Pneumologia da Universidade Federal deSanta Maria.

Endereço para correspondência:José Wellington Alves dos SantosRua Venâncio Aires, 2020/403Porto Alegre, RS, Brasil.Fone (55) 3225-3018

jwasb@yahoo.com

Simpósio sobre Diagnóstico de Dor Torácica

C AUSAS PULMONARES DEDOR TORÁCICA

Dor torácica é queixa comum empacientes com doença respiratória.Ocorre devido à inflamação ou traçãode estruturas contínuas, notavelmentea pleura parietal, as artérias pulmona-res, os grandes brônquios, a traquéia eo mediastino. Estruturas como a pleu-ra visceral, os brônquios intrapulmo-nares e o parênquima pulmonar sãodesprovidos de receptores dolorosos,sendo incapazes de produzir dor quan-do estimulados (1, 2).

É um sintoma que adquire impor-tância não apenas pelo desconforto dopaciente, mas também porque, namaioria das vezes, interfere na venti-lação, causando déficit nas trocas ga-sosas.

Grande parte dos casos de dor to-rácica decorrente de doenças do apa-relho respiratório ocorre pelo acome-timento da pleura parietal, sendo de-nominada dor pleurítica. Tipicamentea dor pleurítica tem início abrupto, éreferida como uma “pontada” e é in-tensa em qualidade. Geralmente é uni-lateral, sendo mais intensa nas porçõesinferior e lateral do tórax, tendendo aser bem localizada, seguindo a distri-buição dos nervos intercostais. É in-tensificada pela inspiração profunda oupela tosse e aliviada pela pausa respi-ratória (1, 2).

A dor torácica pleurítica deve serdiferenciada da dor de origem múscu-lo-esquelética, que também pode serventilatório-dependente. A dor múscu-lo-esquelética, embora varie com o ci-clo respiratório, não é tão intensa e éintensificada pela extensão, abdução

ou adução do braço e ombro, ou pelaflexão do trapézio ou dos músculospeitorais. A presença de dor à palpa-ção é característica da dor músculo-esquelética (1).

D OENÇAS PULMONARESQUE CAUSAM DORTORÁCICA

De forma geral, a história clínica,o exame físico e a radiologia do tóraxpodem diferenciar a dor torácica cau-sada por doenças respiratórias das de-mais, tais como dor cardíaca, esofági-ca e músculo-esquelética. Algumasdoenças, como o tromboembolismo ea hipertensão pulmonar, podem neces-sitar de avaliação adicional para o diag-nóstico.

A Tabela 1 lista as principais cau-sas de dor torácica decorrentes dedoenças do aparelho respiratório.

Tabela 1 – Doenças respiratórias quecausam dor torácica

Derrame pleuralPneumoniaTuberculose pulmonarTromboembolismo pulmonarNeoplasia intratorácicaPneumotóraxPneumomediastinoHipertensão pulmonarOutras

D ERRAME PLEURAL

A dor torácica ventilatório-depen-dente é o dado mais importante da his-tória clínica de um derrame pleural,ocorrendo principalmente nos exsuda-

tos inflamatórios. Outros sintomas,como tosse e dispnéia, podem estarpresentes, dependendo da compressãobroncopulmonar pelo derrame e quan-tidade de líquido. Macicez e diminui-ção do murmúrio vesicular e do frêmi-to tóraco-vocal são sinais observadosao exame físico. Geralmente, o radio-grama de tórax evidencia opacidadehomogênea obliterando o seio costo-frênico, contornando e comprimindo opulmão adjacente. Desvio mediastinalpode ocorrer em derrames de grandevolume (3). A tuberculose pleural é acausa mais comum de exsudato em jo-vens. A pneumonia estafilocócica podeter o derrame pleural como manifesta-ção inicial quando adquirida por viahematogênica. Em pacientes tabagis-tas com mais de 40 anos, outras cau-sas de derrame, principalmente o der-rame neoplásico, assumem maiorimportância.

D OENÇAS DO PARÊNQUIMAPULMONAR

Pneumonia bacteriana, tuberculose,tromboembolismo e neoplasia sãodoenças do parênquima pulmonar quegeralmente cursam com dor torácica.A dor é causada pela extensão do pro-cesso patológico à pleura parietal sub-jacente, embora, muitas vezes, o radio-grama de tórax evidencie mínimos in-dícios de acometimento pleural (1).

Pneumonia bacteriana deve sersuspeitada em um paciente com quei-xa de dor torácica ventilatório-depen-dente de início recente, acompanhadade febre, tosse produtiva ou não, leu-

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cocitose e infiltrado ao radiograma detórax, que pode variar dependendo daetiologia. O diagnóstico de pneumo-nia é clínico-radiológico e a determi-nação do agente etiológico requer téc-nicas como exame direto e cultura deescarro, hemocultura, antígeno uriná-rio e sorologia.

Tuberculose pulmonar geralmen-te se apresenta de forma subaguda, comtosse e expectoração purulenta. A dortorácica, quando ocorre, é freqüente-mente acompanhada, e por vezes pre-cedida, de manifestações sistêmicas,como astenia, anorexia, emagrecimen-to, febre e sudorese noturna (4). O ra-diograma de tórax mostra lesões suges-tivas (nódulos, micronódulos, cavita-ção, retrações fibroatelectásicas, infil-trado, consolidação) que ocorrem prin-cipalmente em ápices pulmonares. Odiagnóstico é dado pelo encontro debacilos álcool-ácido-resistentes(BAAR) nas secreções ou nos tecidospulmonares.

Tromboembolismo pulmonar(TEP) deve ser considerado em pa-cientes com fatores de risco para trom-bose venosa profunda que apresentamdor torácica de início súbito associadaà dispnéia e taquipnéia (5, 6). A dorgeralmente é retroesternal, sem irradia-ção e tende a ser ventilatório-depen-dente quando ocorre infarto pulmonarcom acometimento da pleura parietal.Quando não é do tipo pleurítica, elapode ser diferenciada da dor cardíacapela história clínica, pelo eletrocardio-grama e pelo radiograma de tórax. Oeletrocardiograma pode apresentar al-terações em ST-T (S1Q3T3) e o radio-grama de tórax pode revelar atelecta-sias, consolidação e derrame pleural;porém, quando é normal e associado àhipoxemia é sugestivo de TEP (6). Odiagnóstico pode ser confirmado pelacintilografia de ventilação/perfusão,pela angiotomografia ou pela angiogra-fia, que permanece no padrão áureo. Apesquisa de D-dímeros é útil na exclu-são da hipótese.

Neoplasias pulmonares podemcursar com dor torácica quando ocor-re extensão ou metástases para a pleu-ra parietal, provocando dor tipo pleu-rítica. Na presença de acometimento

mediastinal, a dor geralmente é surdae mal localizada (1). O radiograma detórax usualmente evidencia lesões su-gestivas (massa, nódulo, redução devolume pulmonar) ou acometimentopleural. A história de tabagismo, idadeavançada, emagrecimento, astenia,anorexia, hemoptise, neoplasia atual oupregressa é importante na suspeita clí-nica. O diagnóstico é confirmado peloestudo citopatológico de secreções ouhistopatológico de tecidos pulmonares.

P NEUMOTÓRAX

Pneumotórax espontâneo ocorre naausência de trauma torácico e é classi-ficado em primário e secundário (7).Pneumotórax primário ocorre em pa-cientes jovens e geralmente é devidoao rompimento de bolhas subpleuraispela alta pressão negativa intrapleural(8). O pneumotórax secundário ocorrecomo complicação de doenças comoDBPOC, asma, fibrose cística, tuber-culose, pneumocistose, sarcoidose, his-ticiocitose X, esclerose tuberosa e lin-fangioleiomiomatose (8, 9). A dor to-rácica é geralmente de início súbito,unilateral, ventilatório-dependente, deintensidade variável e associada àdispnéia. Em pacientes com doença debase avançada, como DPOC e asma, opneumotórax pode se apresentar comodor torácica associada à insuficiênciarespiratória aguda. Pneumotórax hiper-tensivo deve ser suspeitado em pacien-tes com marcada taquicardia, hipoten-são e alteração mediastinal ou traquealao radiograma de tórax. A presença dear no espaço pleural entre o pulmão ea parede torácica observada ao radio-grama de tórax confirma o diagnósti-co (8, 9).

Pneumotórax traumático é geral-mente causado por trauma torácicona forma de ruptura pulmonar ou pe-netração de ar externo. A dor é dotipo pleurítica e acompanhada dedispnéia intensa. Pneumotórax iatro-gênico pode ocorrer durante biópsiapulmonar por agulha fina, biópsiatransbrônquica, punção de subclávia,toracocentese ou pressão de ventila-ção positiva (10).

P NEUMOMEDIASTINO

O diagnóstico de pneumomedias-tino é sugerido por uma dor torácicaretroesternal de início súbito com irra-diação para os ombros e membros su-periores, geralmente precedida de al-gum evento que cause um excessivoaumento da pressão intratorácica (tos-se persistente, episódios de vômito eexercício físico). A inspiração profun-da intensifica a dor, podendo ocorrerdispnéia importante. Ao exame físicopode ser detectado enfisema subcutâ-neo na região do pescoço e parede to-rácica. O radiograma de tórax é o pa-drão áureo para o diagnóstico (11),mostrando deslocamento da pleuramediastinal lateralmente, criando umalinha longitudinal paralela à borda car-díaca, mais evidente no lado esquerdo.

H IPERTENSÃO PULMONAR

A dor torácica decorrente de hiper-tensão pulmonar deve ser suspeitada empacientes com doenças de base, incluin-do cardiopatias congênitas, TEP, esteno-se mitral, cor pulmonale e hipertensãopulmonar primária. Geralmente é acom-panhada de dispnéia, fadiga e síncope(1), sendo desencadeada por exercíciofísico e aliviada com o repouso (12),podendo simular dor de origem cardía-ca. Ocorre devido à isquemia ventriculardireita secundária à sobrecarga de pres-são ou pelo estiramento das paredes dasartérias pulmonares devido à alta pres-são transmural. O radiograma de tóraxpode mostrar aumento da área cardíacae das principais artérias pulmonares, comdiminuição da vascularização na perife-ria (13). Na hipertensão pulmonar, o alí-vio do desconforto torácico ocorre maisfreqüentemente com o repouso e admi-nistração de oxigênio do que com o usode nitroglicerina. O diagnóstico pode serconfirmado pelo ecocardiograma.

O UTRAS CAUSAS DE DORTORÁCICA

Pacientes com asma, bronquite crô-nica e enfisema podem apresentar dor

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torácica anterior em pontada ou emaperto associada à tosse. Isso ocorreprincipalmente como resultado do es-forço dos músculos intercostais e ab-dominais que se inserem na porção in-ferior do esterno (1).

Infecção viral da pleura, causadageralmente pelo vírus Coxsackie B,apresenta-se com dor pleurítica inten-sa unilateral e febre, podendo havertosse seca e atrito pleural. Tem varia-ção sazonal com pico de incidência noverão e outono, ocorrendo de formaepidêmica. O radiograma de tórax énormal e a doença tem curso limitado(1).

Lúpus eritematoso sistêmico podeter como manifestação inicial pleuritecom dor torácica. Derrame pleural depequeno a moderado volume ou ape-nas um leve espessamento pleural po-dem ser observados no radiograma detórax (14). Ocorre primariamente emmulheres jovens e é associado a sinto-mas extrapulmonares.

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