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E se eu não existisse?
Mayara Vellardi Pinheiro
1 E se eu não existisse?
Índice:
Prefácio................................................................Página 02
Capítulo 1 – Um dia complicado........................Página 03
Capítulo 2 – Surpresa celestial...........................Página 22
Capítulo 3 – Conhecendo o passado.................Página 43
Capítulo 4 – E se eu não existisse?....................Página 58
Capítulo 5 – Um lugar inusitado..........................Página 72
Capítulo 6 – Escolha importante.........................Página 88
2 Mayara Vellardi Pinheiro
Prefácio:
Gustavo é um menino de 12 anos que está passando
por momentos difíceis em sua vida. Após um dia complicado,
faz um pedido inusitado a Deus, ele quer deixar de existir.
Sua percepção limitada não o deixa enxergar além das
aparências, por isso, seu anjo da guarda aparece para ajudá-
lo a encarar as situações de uma maneira diferente, fazê-lo
entender que sua verdade não é única e que existem
diversos pontos de vista para cada acontecimento. Será que
Deus vai atender seu pedido? Será que Gustavo se
arrependerá a tempo de voltar atrás?
3 E se eu não existisse?
Capítulo 1- Um dia complicado
Gustavo abre os olhos e o primeiro pensamento que
passa por sua mente é o desejo de não levantar da cama, o
dia está nublado e a preguiça predomina. Com muito esforço,
o garoto de 12 anos, vai ao banheiro lava o rosto e passa
alguns minutos observando sua própria imagem no espelho.
“Hoje vai ser mais um dia difícil, não queria nem ter
acordado.”
Uma voz ecoa no ar, cortando seus pensamentos:
– Gu, vem tomar café, senão vai chegar atrasado na
escola. Vamos logo, eu tenho que trabalhar!
É sua mãe, ela sempre está apressada e nervosa, ele
não entende o porquê e sente-se culpado por isso, então
para não deixá-la irritada, desce correndo as escadas do
sobrado em que residem.
4 Mayara Vellardi Pinheiro
– Mãe, esse final de semana meu pai vem me
buscar?
– Olha querido, não sei se ele poderá, porque está
trabalhando muito.
– É assim mesmo, eu já estou acostumado...
Após um conturbado café da manhã, que nem pôde
ser saboreado em sua totalidade por causa da pressa de
ambos, que deixaram em suas canecas alguns cereais e um
pouco de leite, mãe e filho vão à garagem para pegar o carro
da família.
Gustavo observa sua mãe, uma mulher de altura
mediana, corpo esbelto, olhos verdes e cabelos bem escuros
na altura do queixo, uma pessoa de bela aparência, mas
agitada e tensa.
– Olha aí, o carro não está funcionando, agora você
vai se atrasar para a escola e eu para o meu trabalho. Que
droga! Se você não tivesse feito hora teríamos mais tempo...
5 E se eu não existisse?
– Eu sou o seu problema, né?
– Você reclama de tudo, nunca está satisfeito com
nada, sempre de cara feia, se lamentando, ou é porque o pai
não veio, ou porque não ganhou um presente que queria, ou
porque tem que ir para a escola... você é um ingrato!
– E você que está sempre atrasada, correndo para lá
e para cá, gritando e dando ordens que nem uma louca,
estressada com tudo e todos. Acho que por isso meu pai não
aguentou e foi embora.
Cláudia perde o controle e dá um tapa no rosto de
Gustavo.
– Nunca mais repita isso, você não sabe do que está
falando e quer saber? Se eu estou assim é por sua causa.
– Então se eu sou o seu problema, pode deixar vou
morar com o meu pai.
– Vai lá, quero ver se ele vai fazer tudo o que eu faço
por você e se ele vai te aguentar mais do que uma semana.
6 Mayara Vellardi Pinheiro
Mãe e filho, nervosos, deixam o carro na garagem e
pegam um táxi, rumo à escola e ao trabalho.
Gustavo chega atrasado, entra na terceira aula e
descobre que havia perdido uma importante prova de
Matemática para a qual precisava de nota e havia estudado.
– Professor, eu gostaria de saber se posso fazer a
prova nessa aula. É que eu tive um problema e me atrasei.
– Gustavo, eu até poderia deixar, mas as regras da
direção são claras e eu não posso abrir uma exceção,
porque senão, toda vez que alguém se atrasar, vai acontecer
isso e a coordenadora não vai gostar.
– Mas ninguém precisa saber... eu estudei tanto, eu
preciso de nota e na prova de recuperação, cai toda a
matéria acumulada.
– Na verdade, as provas e a lista de presença já estão
na sala dos professores e a coordenadora já sabe que você
se atrasou, por isso, você vai ficar de recuperação.
7 E se eu não existisse?
– Mas isso não é justo! Eu estudei, eu sei a matéria,
só quero uma chance para provar! – se exalta o menino
deixando todos os seus colegas assustados.
– Você já está passando dos limites, Gustavo. É
melhor se sentar antes que eu chame a coordenadora.
O aluno fica inconformado e resolve agir por conta
própria.
Depois do intervalo, os corredores ficam vazios e a
sala dos professores também, então o menino, vai até o
armário de seu professor e encontra as provas, quando
aparece a coordenadora.
– O que você está fazendo? É terminantemente
proibido um aluno entrar na sala dos professores,
principalmente quando não tem ninguém e ainda mais para
mexer no armário de algum professor.
– É que o professor Roberto pediu para vir buscar um
livro.
8 Mayara Vellardi Pinheiro
– Interessante, ele não tem esse costume. E a aula
dele na sua sala já foi, portanto não há motivo para você
fazer esse favor para ele.
– É que eu fui beber água, aí... é... eu e-encontrei com
ele no corredor e e-ele me pediu para pegar um livro.
– Tudo bem, vou averiguar isso diretamente com o
professor e você vai junto comigo.
– Olá, professor! Posso dar uma palavrinha com
você?
– Claro, Regina! Estamos com algum problema?
– Sim, encontrei seu aluno mexendo no seu armário
na sala dos professores e ele me afirmou que você pediu
para que ele pegasse um livro.
– Qual aluno?
Um tanto envergonhado e arrependido, Gustavo
aparece.
– Qual é a pena para essa situação?
9 E se eu não existisse?
– Se você pediu para que ele pegasse, vamos ter uma
séria conversa com a diretora, mas se ele estava lá por conta
própria, vamos ligar para a mãe dele e será aplicada uma
advertência.
Roberto, penalizado, conhecendo o desespero de seu
aluno e sua situação em relação à mãe, resolve assumir a
culpa.
– Vamos dizer que a culpa não é dele, podemos
esquecer o ocorrido, tenho certeza de que isso não se
repetirá.
– O que você quer dizer com isso? Explique-se
melhor.
– Eu agi errado e solicitei que ele pegasse um livro no
meu armário, pois não podia deixar a sala sozinha.
– Para isso, nós temos inspetores, que podem auxiliá-
lo quando necessário. Você sabe que sua atitude vai contra
as normas da escola e que isso vai prejudicá-lo.
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– Desculpa, professor, mas eu não posso deixar você
pagar por um erro que é só meu. Senhora Regina, a culpa é
toda minha, quem foi lá por conta própria fui eu, porque só
queria ter uma chance de fazer a prova que perdi nas duas
primeiras aulas.
– Pior ainda, foi mexer no armário do professor para
ver a prova dos seus colegas.
– Isso não é verdade, eu só queria uma prova em
branco para provar o quanto eu estudei. Eu não posso ficar
de recuperação, minha mãe vai ficar louca e não vou poder
ver meu pai nas férias.
– Pensasse nisso antes de chegar atrasado.
– Mas o carro da minha mãe quebrou e eu tive que vir
de táxi, na última hora.
– Me procurasse para conversar, pensaríamos em
uma maneira de resolver isso. Agora é tarde demais, você já
passou dos limites, quebrou as normas da escola, viu a
11 E se eu não existisse?
prova dos colegas e ainda deixou o professor levar a culpa
no seu lugar.
– O que você vai fazer comigo?
– Vou chamar sua mãe para uma longa conversa.
Gustavo começa a chorar, não queria dar mais essa
preocupação para a mãe, ainda mais porque tinham se
desentendido mais cedo.
Roberto intervém e pede à coordenadora que o deixe
resolver a situação, ela diz que iria pensar retirando-se do
local.
– Gustavo, eu vou tentar convencê-la a não falar com
sua mãe...
– E quanto à prova?
– Você realizará a prova de recuperação, mas o que
posso fazer é dar uma aula especial de revisão para te
ajudar.
12 Mayara Vellardi Pinheiro
– Eu te coloquei nessa confusão e você ainda vai me
ajudar. Nem sei como te agradecer.
– Não precisa se preocupar em agradecer, o que
importa é ver meus alunos felizes. Quero que você sempre
se lembre disso, para que, no futuro, ajude outras pessoas,
assim como estou tentando te ajudar, combinado?
– Combinado!
Mas logo a tranquilidade do garoto se desfaz, Regina
não satisfeita com a situação, havia chamado sua mãe para
uma conversa. Então, na hora da saída, Cláudia espera pela
coordenadora no pátio da escola.
Gustavo sente um nó na garganta e passa
nervosamente as mãos trêmulas por seus cabelos castanhos
jogados de lado, em uma tentativa de ajeitá-los. Seus olhos
cor de mel estão marejados e seu semblante entristecido.
Em vão, tenta esconder seu corpo alto e esguio atrás de uma
coluna no pátio.
13 E se eu não existisse?
Repentinamente aparece Ana Clara, a garota dos
sonhos de Gustavo e ele, pego de surpresa, perde o ar
observando sua beleza, seus olhos castanhos penetrantes,
seu longo cabelo ondulado escuro como a noite.
– Você está se escondendo de alguma coisa?
– Não! Na verdade, estou... é complicado de explicar,
eu estou com um grande problema.
– É por causa da prova e da sala dos professores?
– Você já está sabendo? Pensei que só o pessoal da
minha sala que sabia.
– Todo mundo já está sabendo! Sua mãe foi chamada
para falar com a Regina, né?
– É... ela está bem ali, não quero que ela me veja...
Um grupo de meninos aparece e começa a caçoar de
Gustavo.
– Nerds é assim mesmo, nem pra fazer coisa errada
presta...
14 Mayara Vellardi Pinheiro
– Tão tonto que foi pego pela Regina!
– Não liga para eles, são uns bobos. – fala Ana Clara.
– E aí, Aninha, tá andando com esse tonto agora? –
questiona Theo.
– A Aninha só anda com meninos descolados como
eu! – sorri Maurício.
– Acho que a Aninha se amarra em um nerds... tá de
namorico com esse tonto. – fala Caio.
Atordoada com toda zombaria, Ana se irrita e
responde o que lhe vem à mente sem pensar que poderia
magoar Gustavo.
– É claro que eu não sou namorada dele, eu jamais
namoraria um nerds como o Gustavo, só estava conversando
com ele por dó.
Ana fita os olhos em Gustavo e vê a decepção em sua
face. No mesmo momento se arrepende do que fez e tenta
melhorar a situação.
15 E se eu não existisse?
– Deixem ele em paz!
– Tá defendendo o amiguinho? – continuam os
meninos.
Gustavo intervém.
– Não preciso de ninguém para me defender, Ana
Clara, pode ir com seus amigos, não preciso de dó.
Antes do tumulto terminar, Cláudia aparece e piora
ainda mais a situação.
– Gustavo, você só se mete em confusão! O que
aconteceu agora?
Os meninos se retiram gritando:
– Agora ferrou pro seu lado! Chegou a mamãezinha!
Regina convida mãe e filho a adentrarem em sua sala
para a tão temida conversa, quando entram no ambiente, o
professor Roberto já os espera acomodado em uma das
poltronas.
16 Mayara Vellardi Pinheiro
Cláudia observa a figura de Roberto, um homem com
feições delicadas, cabelos levemente grisalhos, estatura
mediana, um pouco acima do peso e olhos castanhos com
tons esverdeados.
Logo em seguida, a mãe preocupada, começa a
observar Regina, uma mulher loira, de olhos verdes, corpo
bem torneado, bem vestida, muito bela, mas intolerante,
agitada e escandalosa.
A conversa começa e Regina acusa Gustavo.
Como era de se esperar, logo Cláudia fica brava e
promete ao menino um acerto de contas assim que
chegarem em casa.
Roberto elogia o menino em uma tentativa de
amenizar a situação.
– Senhora Cláudia, seu filho é um bom menino. Ele
tem grande potencial.
17 E se eu não existisse?
– Obrigada, professor, mas ele ultimamente não tem
se comportado bem...
– Ele é só um menino de 12 anos e eu vejo nele muito
esforço e comprometimento.
– Mãe, eu só queria provar o quanto eu sou capaz, o
quanto eu estudei para a prova.
– Mas você agiu mal, fez algo muito errado, que vai
contra as normas da escola. – afirma Regina.
– Como você queria provar que estudou se eu nunca
te vejo estudando?
– Claro, você sempre está ocupada com seus
compromissos e não tem tempo para ver nada.
– Não responda assim para sua mãe. – fala Regina.
– Eles estão com um sério problema de
relacionamento. – comenta Roberto, mas Regina parece não
se importar.
18 Mayara Vellardi Pinheiro
Ao término da reunião, Roberto entrega um pedaço de
papel com seu e-mail e telefone para Cláudia.
– Se precisar de ajuda com seu filho, pode contar
comigo. Ele é muito querido.
– Obrigada professor...
– Me chame de Roberto.
– Desculpe, Roberto. Eu agradeço muito a atenção
desprendida a mim e ao meu filho.
Mãe e filho vão para casa sem sequer trocar uma
palavra.
– Pronto, chegamos. Agora suba para seu quarto e
pense no que fez.
– Mas... mãe, eu estou com fome...
Cláudia prepara um lanche rápido para Gustavo.
– Coma logo e depois suba para seu quarto. Você
está de castigo, por isso, nada de computador ou videogame.
19 E se eu não existisse?
Antes de Gustavo subir para seu quarto, escuta a mãe
falar ao telefone.
– Não venha colocar a culpa em mim, eu me esforço,
trabalho, dou duro para criar e educar o nosso filho. E você?
Onde você estava hoje na hora da reunião? Quem responde
por ele, arca com os erros e coloca de castigo sou eu. O que
anda fazendo que quase não vem ver o menino? Ele sente
sua falta, fica triste, decepcionado. Quando você vai contar a
ele sobre a outra e o outro filho? Ah, não venha com
desculpas esfarrapadas...
Cláudia desliga o telefone e nota a presença do filho.
Gustavo olha para a mãe com uma expressão de espanto e
tristeza.
– Você ouviu toda conversa, filho?
– Não sei se ouvi tudo, mas foi o suficiente para saber
que meu pai não me ama.
– Não é assim, ele tem seus compromissos, seu
trabalho...
20 Mayara Vellardi Pinheiro
– Acho que já entendi qual é o compromisso dele e
não é o trabalho.
– O que você está insinuando?
– Que ele tem outra família, outra mulher, outro filho,
por isso que não quer saber de mim. Ele já me esqueceu.
– Isso não é verdade, ele te ama. Eu sei disso.
– Não tente me enganar. Eu sou todo o problema na
vida de vocês.
– Na minha vida não. Eu garanto.
– Mãe, não tenta me convencer de que está tudo bem
e que todos me amam. Você vive nervosa e não tem tempo
para nada, meu pai já arrumou outra família, meus avós
moram longe e nem ligam para saber como estou, minha
outra avó se fala.
– Chega! Estou cansada! Não aguento mais discussão
nessa casa! Vá para seu quarto! Durma e reflita sobre tudo o
que falou.
21 E se eu não existisse?
Gustavo deita em sua cama e começa e pensar em
sua vida.
“Não acredito no que está acontecendo. Sempre sou o
culpado por tudo, eu tento fazer certo, mas dá tudo errado.
Se é que Deus me ouve e que eu tenho anjo da guarda,
quero fazer um pedido. Deixar de existir. Com certeza, o
mundo seria bem melhor sem mim. Minha mãe não estaria
infeliz, trabalhando que nem uma louca para me sustentar,
meu pai estaria feliz ao lado de outra família e não teria eu
como peso na vida dele. Minha avó não recriminaria o erro
que minha mãe cometeu quando engravidou de mime
escolheu largar a faculdade. Meu professor não se
complicaria com a coordenadora da escola... ninguém gosta
de mim e quem gosta, eu só sei magoar... briguei até com a
Ana Clara. Quer saber? Deus, se estiver me ouvindo agora,
eu desejo com todas as minhas forças, nunca ter existido!”
22 Mayara Vellardi Pinheiro
Capítulo 2 – Surpresa celestial
No dia seguinte, Gustavo acorda e não nota nada de
diferente. O despertador toca no mesmo horário de sempre,
sua mãe começa a chamá-lo nervosamente e seu quarto
continua bagunçado.
“Nem para isso eu sirvo, pedi e Deus não me ouviu,
será que Ele esqueceu de mim?”
O menino se apronta rapidamente e desce as escadas
correndo, quando se surpreende com um ser diferente de
tudo o que ele já havia visto.
– Quem é você?
– Meu nome é Uriel. Sou seu anjo da guarda.
– Então você existe mesmo? Uau!
– Claro que sim. Anjos da guarda não só existem,
como sempre estão presentes protegendo as pessoas.
– Por que as pessoas não podem vê-los?
23 E se eu não existisse?
– Muitos não acreditam e isso os afasta um pouco de
nós diminuindo suas habilidades de percepção, outros
acreditam, mas têm muito medo, por isso, se
aparecêssemos, causaríamos um grande choque, também
existem pessoas que mantêm contato com seus anjos, mas
não contam aos outros, com medo de serem taxadas de
loucas. As pessoas e as situações são únicas.
– Mesmo sem acreditar muito, eu te chamei e você
veio. Eu não sei o que vai acontecer comigo, estou com
medo, se quiser me levar agora, tudo bem.
– Não é assim que as coisas funcionam. Existem
regras. Deus não cria um filho para destruí-lo.
– Então por que você veio?
– Eis a pergunta correta! Eu vim para te dar uma nova
chance e para te mostrar como seria se você não existisse.
– Mas... e depois disso? Eu vou acordar? Isso é um
sonho?
24 Mayara Vellardi Pinheiro
– Depois de ver tudo o que eu tenho para te mostrar,
você poderá decidir entre voltar para sua vida ou deixar de
existir.
“Será que eu estou sonhando? Tudo parece tão real!”
– Gustavo, isso não é um sonho.
– Você leu meu pensamento!
– Nós, anjos, possuímos esse dom.
Primeiro vamos fazer uma pequena viagem, para que
você veja como era a vida de seus pais antes de sua
chegada.
Gustavo vivencia as cenas de uma maneira tão real
que é como se ele estivesse em um Túnel do Tempo Mágico.
Enquanto tudo acontece, Uriel explica cada detalhe.
– Eduardo e Cláudia estudam juntos, eles estão no
último ano do Ensino Médio.
– Quantos anos eles têm?
25 E se eu não existisse?
– Eduardo têm 18 e Cláudia 16. Vou deixar com que
você vivencie esse momento e veja tudo da maneira como
aconteceu, inclusive, você conseguirá ler os pensamentos
deles.
Eduardo observa apaixonadamente Cláudia, uma
jovem muito bonita, feliz e saudável, com brilho intenso no
olhar. Seus cabelos longos e soltos ao vento demonstram
alegria e uma agradável sensação de liberdade.
Cláudia nota os olhares e começa a prestar atenção
em Eduardo, um jovem belo, forte e sorridente. Sua pele
morena clara e seus grandes e expressivos olhos castanhos
a deixam interessada.
Eduardo pensa rapidamente em um assunto e vai à
direção de Cláudia.
– Você vai ficar para a aula de reforço hoje à tarde?
– Não sei... é de Matemática, não é?
– Sim, isso mesmo!
26 Mayara Vellardi Pinheiro
– Talvez e você?
– Eu ficarei, o ano já está acabando e ainda preciso de
nota.
– Ah, mas você vai conseguir! Falta mais alguma
matéria para você alcançar a média?
– Só Matemática mesmo, e para você, falta alguma?
– Português... eu gosto mais de números, mesmo
assim, vou ficar para o reforço, é bom para treinar...
– O que você vai cursar na faculdade?
– Eu quero fazer Administração e você?
– Eu vou fazer Direito, quero ser um advogado de
sucesso!
Os dois começam a conversar mais e mais, até que se
apaixonam e começam a namorar. Na noite do baile de
formatura, Eduardo e Cláudia ficam mais próximos do que
nunca.
27 E se eu não existisse?
– Você está linda! Esse vestido vermelho caiu muito
bem em você!
– Obrigada! Você também está muito bonito e
elegante, esse terno cinza te fez ficar diferente dos outros
meninos.
– Cláudia, eu estou apaixonado por você e sei que
essa é a nossa última noite antes de irmos para a faculdade,
nossa vida vai mudar muito, então temos que aproveitar.
Os dois saem da festa abraçados e vão para um lugar
mais reservado, onde ficam a sós.
Logo as aulas da faculdade iniciam, Cláudia começa o
curso de Administração e Eduardo, o curso de Direito, além
de estudar, os dois conseguem emprego e não têm mais
tempo um para o outro.
Cláudia nota que há algo errado em seu corpo e fica
muito assustada.
28 Mayara Vellardi Pinheiro
“Meu Deus, será que eu estou grávida? Não é
possível... eu mal vejo o Eduardo. Se isso for mesmo
verdade, minha mãe vai ficar muito brava, pode ser até que
ela me expulse de casa. Que horror!”
Cláudia faz um teste de farmácia, que confirma a
gravidez e procura Eduardo para uma séria conversa.
– Oi, resolvi aparecer aqui na porta da sua faculdade,
porque eu tenho uma coisa muito importante para falar.
– O que aconteceu? Você está doente?
– Na verdade, pode ser algo que vai mudar nossas
vidas para sempre.
– Já sei, você encontrou alguém e não quer mais
saber de mim... eu sabia que isso ia acontecer, mas não se
preocupe comigo, eu vou ficar bem. Quer saber? Eu ia te
procurar...
29 E se eu não existisse?
– Hã? Você ia me procurar para quê? Para terminar o
namoro? Você já conheceu alguém? É isso? Agora entendi o
porquê você está tão distante...
– Então Adeus!
Cláudia vai embora em prantos e fica desesperada em
notar que Eduardo já a havia esquecido.
“O que vai ser da minha vida? Vou ter que dar a
notícia para minha mãe.”
– Mãe, preciso muito conversar com você.
– Fale, Cláudia, o que aconteceu? Você está nervosa,
parece que chorou.
– Sim, eu chorei. Não sei como te falar, mas as coisas
não aconteceram como deveriam. Eu sei que você ficou
viúva cedo e por muitos anos me criou sozinha, você foi um
grande pai e uma grande mãe para mim... eu não queria te
decepcionar, sei que faz muito sacrifício para me ajudar com
a faculdade...
30 Mayara Vellardi Pinheiro
– Já sei, você quer mudar de curso... se for isso, não
tem problema, ainda está no início do ano e acho que
podemos vender os livros...
– Não é isso! Você quer saber? Eu estou grávida!
– Mas você é tão jovem, tem um futuro brilhante pela
frente. Não é fácil criar uma criança sozinha. Hoje em dia,
está difícil conseguir um bom emprego sem ter cursado uma
faculdade, como você vai fazer? O pai é o Eduardo? Ele já
sabe disso? Ele vai assumir a criança? Vocês vão se casar?
– Chega! Você está me bombardeando de perguntas.
Não sei o que eu vou fazer... ele ainda não sabe de nada e
nem quero que saiba.
– Vocês brigaram? Terminaram? Ele te traiu?
– Não, não e não! Eu vou sumir da vida dele e não
quero que você se meta nisso.
– Ah, mas eu vou me meter sim, sou sua mãe e você
mora comigo, enquanto eu ajudar no seu sustento, me
31 E se eu não existisse?
intrometerei em sua vida quantas vezes for preciso e já que
ninguém sabe além de nós duas, vou procurar uma clínica
para você fazer um aborto.
– Você está louca? Não sou assassina! Não vou matar
um inocente.
– Mas o bebê ainda é muito pequeno, ele nem vai
sentir nada. Aliás, nem é bebê ainda...
– Claro que sente, a vida começa quando o óvulo e o
espermatozoide se unem.
– Se você quer ficar com a criança, tudo bem, mas eu
não vou mais ajudar você com a faculdade e nem vou olhar
seu filho, porque eu trabalho e não tenho tempo e quer
saber? Vou contar tudo para a família do Eduardo e vocês
vão ter que casar.
– Me dá um tempo para conversar com ele, por favor.
– Se até amanhã você não tiver uma resposta dele, eu
vou lá falar com os pais dele.
32 Mayara Vellardi Pinheiro
O dia passa e Cláudia não consegue falar com
Eduardo por telefone. Apreensiva, após o trabalho, procura o
rapaz na faculdade, mas não o encontra.
“Onde será que ele está? Será que já está com outra?
Será que já me esqueceu?”
Quando chega em casa, sua mãe a espera.
– Conseguiu falar com o rapaz?
– Não, mãe. Tentei o dia todo, mas não o encontrei.
– Seu prazo terminou, amanhã é sábado. Na hora do
almoço, estarei na casa deles.
Cláudia se desespera e mesmo sendo tarde, vai até a
casa de Eduardo, quando o encontra descendo de um carro
com outros amigos.
– Nossa, que surpresa! Você por aqui! Pensei que não
quisesse mais me ver...
– Eu preciso falar muito sério com você e antes que
você me interrompa vou direto ao assunto. Estou grávida.
33 E se eu não existisse?
Eduardo sente a cabeça girar e fica sem reação para
desespero de Cláudia. Quando finalmente retoma os
sentidos, balbucia:
– E vo...vo...cê vai fa..fazer o quê?
– Ter o filho, oras! Que pergunta.
– Eu não quis dizer isso. Jamais pediria para você
fazer um aborto é meu filho que está aí.
– Desculpe, Du, mas eu estava com medo da sua
reação.
– Eu confio em você, sei que esse filho é meu.
Brigamos por besteira, eu não queria me separar de você.
Vamos ficar juntos?
– Só que tem um problema, minha mãe quer que a
gente case e não vai me ajudar com nosso filho e nem com a
minha faculdade... vou parar de estudar.
– Eu não posso parar de estudar e se eu continuar
morando na casa dos meus pais, eles vão me ajudar, mas se
34 Mayara Vellardi Pinheiro
eu sair para casar, tenho certeza de que vai ser mais difícil. A
gente pode continuar namorando, comunicamos meus pais
com o tempo e depois que eu me formar, a gente casa. Eu
não vou deixar faltar nada para você, nem para o bebê.
– Por mim tudo bem, mas o grande problema é que
minha mãe me deu um prazo. Se eu não falasse com você e
acertasse tudo em relação ao casamento, ela iria na sua
casa e falaria tudo para seus pais.
– Ela não pode fazer isso. Não, agora. Preciso
preparar meus pais para a notícia, com certeza eles me
acham muito jovem para casar...
– Vou para casa, falo com minha mãe e explico para
ela que conversamos e que você precisa de um tempo para
falar com seus pais. Tudo bem?
– Combinado. Amanhã cedo nos encontramos.
Cláudia chega em casa, mas não encontra a mãe. A
noite passa e ela percebe que sua mãe dormiu fora.
35 E se eu não existisse?
“E agora? Será tarde demais?”
Eduardo entra em casa e seus pais o esperam
acordados.
– Estávamos te esperando para te dar uma notícia.
– O quê?
– Seu pai recebeu uma promoção no trabalho!
– Isso é maravilhoso, mãe! Parabéns, pai!
– Eduardo, meu filho, não é uma simples promoção.
Isso vai mudar o nosso estilo de vida. A empresa me chamou
para trabalhar na Alemanha e eu aceitei.
– Mas... e a minha faculdade? Minha namorada?
Meus amigos? Minha vida aqui?
– Filho, eu e seu pai pensamos muito a respeito e
vamos te dar um voto de confiança. Se não quiser ir
conosco, pode ficar cursando a faculdade e morando
sozinho, que ajudaremos com uma quantia por mês, mas
não faça nenhuma besteira.
36 Mayara Vellardi Pinheiro
– Seria uma experiência muito boa, se você viesse
conosco, você ainda pode pensar a respeito, partiremos em
menos de um mês.
– Bem que eu gostaria, mas não posso...
– Por quê? Não é por causa de namorada, é? Você
ainda é muito jovem para se prender em alguém, veja o caso
meu e da sua mãe, estudamos, vivemos nossas vidas,
casamos mais tarde e somos muito felizes e bem sucedidos.
– Claro que não! É porque eu não sei falar alemão e
não queria deixar a faculdade.
– Se for por causa do alemão, todos nós vamos fazer
aulas e com o tempo aprenderemos, mas se for pela
faculdade tudo bem, entenderemos.
Imediatamente, Eduardo corre para seu quarto e liga
para Cláudia.
– Clau, preciso te contar uma coisa.
– Fala, Du.
37 E se eu não existisse?
– Meus pais estão se mudando para a Alemanha por
causa do trabalho dele, mas eu vou ficar aqui, morando
sozinho, então você poderá vir morar comigo. É só questão
de tempo. Meus pais viajam daqui a menos de um mês.
– Que maravilha! Só estamos com um pequeno
problema, minha mãe não está em casa, não sei aonde ela
pode ter ido. Estou com medo de ela aparecer por aí hoje
ainda ou amanhã bem cedo.
– Isso não pode acontecer de jeito nenhum senão ela
estragará todos os nossos planos, meus pais não podem
saber de nada por enquanto.
– Espero que ela volte logo.
Na manhã seguinte, Margarida vai até a casa de
Eduardo e conversa com seus pais. O jovem acorda com
sons de discussão vindos da sala.
– Minha filha é a verdadeira vítima! – se altera
Margarida.
38 Mayara Vellardi Pinheiro
– Sua filha é uma aproveitadora, sabe que temos boas
condições e deu o golpe da barriga. – grita Irene.
– Não é verdade, seu filho abusou da inocência dela e
a engravidou.
– Dobre sua língua para falar do meu filho. Quem
garante que essa criança é do meu filho mesmo?
As duas perdem a cabeça e começam a se estapear
quando Romulo intervém.
– Parem de brigar! Chega! Essa baixaria toda não vai
adiantar nada! Por favor, senhora Margarida, o que deseja
que façamos?
– Rômulo, você vai defender essa daí?
– Tenha bom senso Irene. Cláudia não fez esse filho
sozinha. Precisamos chamar o Eduardo e a moça aqui para
que eles mesmos se expliquem.
– Muito bem, senhor Rômulo, eu sou uma mulher
sozinha, viúva, trabalhei muito para dar estudo e educação
39 E se eu não existisse?
para minha filha. Agora, vejo o futuro dela encerrado. Como
ela conseguiria continuar a faculdade e trabalhar tendo um
filho pequeno? Sem contar que não terei condições de ajuda-
la, porque trabalho muito.
– Compreendo, então a senhora quer que eles
casem?
– Sim, eu gostaria, porque não quero ver minha filha
falada como mãe solteira e nem deixa-la sem eira nem beira.
– Só há uma condição para eu aprovar esse
casamento.
– Qual?
– Se os dois realmente se gostam e quiserem casar.
– Eles não têm o que querer.
– Desculpe, mas não vou casar meu filho à força, não
estamos mais nos tempos antigos. No que cabe a mim, como
avô, para essa criança não faltará nada, mesmo que eles
não se casem.
40 Mayara Vellardi Pinheiro
– Por mim, tudo bem. Vou chamar a Cláudia e já volto.
Assim que Margarida se retira, Eduardo aparece na
sala.
– Pai, mãe, me desculpem por eu estragar tudo. Eu
fiquei sabendo da gravidez ontem à noite, pouco antes de
saber da viagem, fiquei sem reação, vocês estavam tão
felizes, eu não queria estragar os planos de vocês.
– Quando você ia nos contar? No aeroporto? Ou
quando estivéssemos lá? – retruca Irene.
– Você deveria ter nos comunicado ontem mesmo.
Você sabe que eu gosto de saber as coisas por você, meu
filho e não pelos outros. Dona Margarida veio aqui e ela e
sua mãe brigaram, foi um desentendimento desnecessário.
– Vocês me perdoam?
– Perdoamos, mas queremos saber qual é a sua
decisão, porque daqui a pouco Cláudia e Dona Margarida
estarão aqui novamente.
41 E se eu não existisse?
– Eu vou me casar.
– Não se precipite meu filho, você ainda é muito
jovem. Não deixaremos nada faltar a essa moça, nem à
criança. Venha conosco para a Alemanha.
– Não passe as mãos na cabeça dele, Irene. Se ele
quer casar, assumir a moça e o filho, deixe que o faça, senão
ele vai se arrepender e isso vai ser muito pior.
Margarida e Cláudia aparecem e todos conversam
pacificamente. A decisão do casamento deixa a moça
aliviada.
– Quando ela pode vir morar aqui? – questiona
Margarida.
– Assim que partirmos, daqui a três semanas. – fala
Irene.
– Precisamos arrumar os preparativos do casamento,
minha filha vai se casar às pressas, mas tem que ser uma
grande festa para que as pessoas não fiquem comentando.
42 Mayara Vellardi Pinheiro
– Mãe, eu e o Du, preferíamos algo bem simples, de
preferência um almoço de domingo com poucos amigos e
parentes.
– Mas minha filha, casar é uma vez só na vida, você
tem que aproveitar.
Cláudia nota o olhar rancoroso de Irene e antes que
uma nova discussão se forme, levanta e convida a mãe a
retirar-se.
– Desculpem pelo incômodo. Eu e minha mãe já
vamos, temos muito a fazer. Para mim, o que vocês
decidirem está muito bom.
Margarida discute com a filha e a expulsa de casa.
Cláudia sem ter para onde ir, volta para a casa de Eduardo,
onde é bem recebida.
43 E se eu não existisse?
Capítulo 3 – Conhecendo o passado
– Uriel, eu só causei transtorno na vida dos meus pais
e dos meus avós. Estavam todos planejando suas vidas e eu
cheguei para atrapalhar.
– Calma, Gustavo, tudo tem um propósito. Você vai
ver! Continue acompanhando a história dos seus pais e você
vai ver que nada foi em vão.
Logo Irene e Rômulo viajam para Alemanha, enquanto
Cláudia e Eduardo aguardam ansiosos a chegada do bebê.
– Du, hoje fui ao médico e descobri o sexo do nosso
filho. É um menino.
– Eu sempre ser pai de um menino. Vou levá-lo para
jogar bola comigo, ao estágio para assistir nosso time ser
campeão, vamos lavar o carro aos domingos. Ele vai ser o
meu companheiro e o meu campeão!
Gustavo se emociona e começa a chorar.
44 Mayara Vellardi Pinheiro
– Anjo, meu pai era muito bom para mim, até que ele e
minha mãe se separaram. Aí, ele arrumou outra casa, outra
mulher com outro filho e ele parou de me dar atenção.
– Não se entristeça, filho. Você é muito amado.
A visão continua e Gustavo se vê no hospital junto à
sua mãe.
“Vai nascer, o parto está complicado... Deus, me
proteja! Se tiver que escolher entre eu e meu filho, por favor,
que ele sobreviva. Ele é a coisa mais preciosa em minha
vida, eu já o amo muito. Senhor, manda um anjo da guarda
especial para meu bebê...”
– Sua mãe fez um pedido muito especial, ela te ama
muito.
– Ela daria a própria vida por mim, mas hoje ela vive
nervosa e nem liga se sou feliz... Uriel, foi a partir desse
pedido que você ficou comigo?
45 E se eu não existisse?
– Na verdade, antes de você nascer, eu já era o seu
anjo, o pedido da sua mãe reforçou ainda mais a sua
proteção.
Margarida se arrepende por ter expulsado a filha de
casa e tenta visitá-la para conhecer seu neto, mas Cláudia
ainda está magoada e não deixa que a avó chegue perto da
criança.
– Você me expulsou no momento que eu mais precisei
de apoio, agora não quero que você o veja.
– Filha, eu me arrependi, me perdoa.
– Você quis que eu abortasse, pensa que eu esqueci?
– Isso já passou, eu mudei de ideia depois.
Eduardo intervém.
– Querida, deixe sua mãe ver nosso pequeno
Gustavo. Ela é avó, tem seus direitos.
– Obrigada, meu filho, Deus te abençoe!
46 Mayara Vellardi Pinheiro
Emocionada, Margarida envolve Gustavo em seus
braços pela primeira vez.
“Que bebê mais lindo é meu netinho. E eu que
cheguei a pensar em aborto. Quanto arrependimento! Espero
que Cláudia me perdoe, para que eu possa conviver com
ele.”
– Já viu seu neto? Muito bem, agora pode se retirar.
– Isso é jeito de falar com sua mãe?
– Deixa, meu filho, uma hora ela vai me perdoar.
– Uriel, então foi assim que minha mãe e minha avó
pararam de se falar?
– Sim, elas estão brigadas até hoje, por causa do
orgulho de sua mãe em não querer perdoar uma atitude
impulsiva de sua avó em um momento de desespero.
– Coitada da minha avó, ela deve ter sofrido muito,
mas a gente nem conviveu, ela nem deve gostar de mim.
– Por que você diz isso?
47 E se eu não existisse?
– Porque se ela gostasse de mim o suficiente, teria
insistido mais para falar comigo, para me ver.
– Ela insistiu por muitos anos. Seu pai chegou a levá-
lo às escondidas para sua avó vê-lo, mas você era muito
pequeno e não se lembra.
– Mas agora eu sou grande, ela poderia me procurar...
– Tem coisas, que só adultos entendem... o dia que
você crescer, vai entender.
– Anjo, e meus avós que foram morar na Alemanha?
– Eles sempre enviaram dinheiro e presentes para
você. O maior desejo deles é conhecê-lo pessoalmente.
– Mas, por que eles não vieram para o Brasil me
visitar?
– Eles vieram algumas vezes quando você era bem
pequeno, mas com o passar do tempo a saúde de seus avós
se complicou, porque eles têm idade avançada e viajar
48 Mayara Vellardi Pinheiro
tantas horas ficou difícil, eles sofrem por não poderem vir
visitar você e seu pai.
– Entendi... será que um dia vou poder visita-los? Ah,
não poderei, logo eu não terei existido... Será que eu posso
ver como era quando meu pai me levava para visitar a minha
avó escondido?
– Pode sim, meu filho.
Sempre que Cláudia sai para resolver algo, ou
Margarida visita o genro e o neto, ou Eduardo leva seu filho
para a avó. Desta vez, Margarida é quem foi na casa do
neto.
– Ai meu filho, já faz cinco anos que estamos vivendo
desse jeito. Quando a Cláudia vai mudar de ideia?
– Vou tentar convencê-la, não falamos mais sobre o
assunto. Pode ser que o coração dela já tenha amolecido.
49 E se eu não existisse?
– Esses encontros já estão ficando muito arriscados.
Se ela descobrir, ficará muito chateada e perderá a confiança
em nós.
– Ela tem que mudar! Não pode continuar sendo
assim, tão teimosa, será que não percebe que faz as
pessoas sofrerem?
Cláudia volta antes do previsto e escuta a última parte
da conversa.
– Muito bonito o que vocês estão fazendo! Você
acoberta minha mãe e ainda fala mal de mim pelas costas.
Vou ser bem sincera, eu realmente estava pensando em
mudar de ideia e deixar minha mãe frequentar a casa, mas
depois disso o que vocês fizeram. Estou me sentindo traída,
não tenho mais confiança em vocês dois.
– Essa foi a última vez que você viu sua avó. –
comenta Uriel.
– Eu me lembro de alguma coisa, bem pouco... que
tristeza...
50 Mayara Vellardi Pinheiro
– Viu como você é amado?
– Sim, mas isso me deixa triste, porque eu sou o
motivo das brigas.
– O motivo das brigas é o orgulho e não você.
– Não sei, estou confuso.
Vamos continuar acompanhando a sua trajetória.
O casal já não se entende tão bem quanto antes.
– Você sai para trabalhar e volta tarde. Não me dá
satisfação de nada. Estou cansada disso.
– Claro, saio para jantar com meus amigos. Já estou
farto de chegar em casa e só ouvir reclamações.
– Será que são amigos ou uma amiga em especial?
– Por enquanto são amigos, mas não sei até onde vou
aguentar, cabeça de mulher fútil que não trabalha fica cheia
de caraminholas.
51 E se eu não existisse?
– Eu parei de estudar e de trabalhar para cuidar do
nosso filho, mas eu sabia que uma hora você ia jogar isso na
minha cara.
– Eu não estou jogando nada na cara de ninguém. Só
queria que você fosse como antigamente. Aliás, tem tantas
mulheres que cuidam da casa, dos filhos e ainda trabalham
fora. Por que você não faz isso?
– É o que eu vou fazer, mas eu quero voltar a estudar.
– Tudo bem, volte a estudar, eu pago! O que você
quer fazer?
– Algo rápido, mas que eu goste... pode ser um curso
técnico... como Contabilidade.
Cláudia volta a estudar, consegue um estágio e coloca
Gustavo em período integral na escola, no início a adaptação
é um pouco difícil e cada vez que vê seu filho chorar, Cláudia
conversa com seu filho em pensamento.
52 Mayara Vellardi Pinheiro
“Desculpa meu filho, mas isso é para o seu bem, você
ainda é muito novo para entender... Toda vez que você
chora, corta meu coração, eu tenho que pensar em seu
futuro porque o casamento não vai bem e eu não nasci para
depender de homem. Daqui a pouco vamos ser eu e você
meu bem.”
– Não sabia que voltar a trabalhar e estudar tinha sido
um sacrifício para minha mãe, pensei que ela gostasse...
– Sua mãe sempre gostou de ser útil e sempre foi
muito ativa, porém ela tinha um motivo especial para ficar em
casa: você. Ela largou tudo porque te amava muito e não
porque não tinha vontade de trabalhar ou estudar.
– Como a vida é complicada!
– A vida é simples em sua essência, quem a complica
são as pessoas.
Com o tempo, Eduardo e Cláudia se distanciam cada
vez mais.
53 E se eu não existisse?
– Você já vai se formar. Mais dois anos se passaram...
– Pelo menos agora eu tenho uma profissão, não vou
mais depender de você inteiramente. Meu estágio vai
terminar e logo estarei empregada, vai ser um peso a menos
nas suas costas...
– Você só é um peso, quando reclama da vida.
– Nosso casamento já não dá certo há tempos... acho
que vou embora, alugar uma casa, sei-lá...
– Você não precisa alugar uma casa, pode ficar. Meus
pais me deram a casa e como estamos juntos há muitos
anos e você me deu o que é mais precioso na minha vida, eu
quero que fique e tome conta de nosso filho.
– Eu vou cuidar muito bem dele, é uma pena que não
deu certo, não é mesmo?
– Foi uma paixão de adolescente que se estendeu por
alguns anos, mas fomos felizes, não é?
54 Mayara Vellardi Pinheiro
– Sim, mas essa época já passou e nosso futuro não é
o mesmo.
Eduardo comunica seus pais sobre a separação.
– Filho, você tem dinheiro guardado na poupança. Eu
e sua mãe já estamos velhos e não sabemos até quando
viveremos, por isso, vou depositar na sua conta uma quantia
que guardamos por alguns anos. Quero que você pegue
esse dinheiro, junte com sua poupança e compre uma casa
para você. Assim poderá recomeçar sua vida e não
desamparará seu filho, mas lembre-se de colocar a casa em
que sua ex-mulher vive, no nome do seu filho.
– Sim, pai, sou advogado, farei tudo conforme a lei.
Obrigado. E um dia eu e seu neto ainda iremos visitá-los.
Com tudo acertado, logo Eduardo vai para sua nova
casa e Cláudia fica com Gustavo.
– Agora somos só nos dois, meu filho. Fique
sossegado, não vou te deixar faltar nada.
55 E se eu não existisse?
Formada, Cláudia consegue um emprego fixo, mas as
coisas não vão muito bem.
“Deus, me dá forças para conseguir... não está sendo
fácil, me tratam muito mal no meu trabalho, o salário é baixo,
mas eu preciso do emprego, deixar meu filho em uma escola
o dia todo e ainda cuidar da casa sozinha, não é moleza...
mas eu faço tudo pelo meu Gustavo.”
– Nossa, Uriel, como os adultos sofrem, não é?
– Você viu como é importante na vida de sua mãe?
– Mas se eu não existisse ela não teria que dar conta
de tantas coisas sozinha. Meu pai a abandonou.
– Ela também quis a separação.
– Mas ele ajuda pouco com as despesas, por isso ela
tem que trabalhar e não pode cuidar de mim direito.
– Mas ele saiu e deixou a casa para vocês.
– É verdade...
56 Mayara Vellardi Pinheiro
– Pense, pequeno Gustavo, se ela fosse sozinha,
também teria que trabalhar.
– Mas não precisaria se preocupar comigo.
– Ter um filho é assim mesmo, sua mãe teve a
oportunidade de estudar, trabalhar e ainda tem você para
fazer companhia a ela.
– O que você quer dizer com isso, anjo?
– Sem você ela seria muito só e a vida dela teria outro
sentido.
– Mas a vida dela poderia ser melhor...
– Talvez meu filho... mas agora que você já pôde ver a
sua chegada na vida de seus pais e avós, vamos para um
outro momento.
– Qual?
– Como seria a vida de todos se você não tivesse
existido...
57 E se eu não existisse?
Gustavo se agarra ao manto do anjo com um pouco
de medo.
– Então é agora que vou deixar de existir?
– Ainda não, você vai apenas visualizar como seria a
vida deles sem a sua existência. Depois disso,
conversaremos a respeito de você continuar existindo ou
não.
58 Mayara Vellardi Pinheiro
Capítulo 4 – E se eu não existisse?
Gustavo e Uriel prosseguem na mesma época em que
os pais do menino tiveram um breve romance.
– Voltamos à formatura? – questiona confuso o
menino.
– Sim, porque uma decisão é capaz de mudar muitas
vidas. Veja.
– Você está linda! Esse vestido vermelho caiu muito
bem em você!
– Obrigada! Você também está muito bonito e
elegante, esse terno cinza te fez ficar diferente dos outros
meninos.
– Cláudia, eu estou apaixonado por você e sei que
essa é a nossa última noite antes de irmos para a faculdade,
nossa vida vai mudar muito, então temos que aproveitar.
59 E se eu não existisse?
– Hoje, não, Edu... minha mãe logo vai querer ir
embora e eu quero curtir os últimos momentos com as
minhas amigas... você entende, não é?
– Entendo sim, a gente se vê outro dia...
– Você notou a diferença, pequeno Gustavo? Antes,
os dois sairiam da festa abraçados e iriam para um lugar
mais reservado, onde ficariam a sós e algum tempo depois,
sua mãe notaria a gravidez.
– Sim, mas isso para por aí?
– Não, ainda há muitas coisas que você precisa saber.
Após a formatura, Eduardo e Cláudia tomaram rumos
diferentes, cada um com seu trabalho e curso na faculdade,
logo eles já não se falavam mais e automaticamente o
namoro se desfez.
Uma noite qualquer, quando Eduardo chega da
faculdade, seus pais o esperam ansiosos.
– Estávamos te esperando para te dar uma notícia.
60 Mayara Vellardi Pinheiro
– O quê?
– Seu pai recebeu uma promoção no trabalho!
– Isso é maravilhoso, mãe! Parabéns, pai!
– Eduardo, meu filho, não é uma simples promoção.
Isso vai mudar o nosso estilo de vida. A empresa me chamou
para trabalhar na Alemanha e eu aceitei.
– O que me diz, filho? Você vem conosco?
– Vocês me pegaram de surpresa... fico apreensivo
em deixar a faculdade, sem contar que não sei falar uma
palavra em alemão.
– Se o problema for o alemão, eu e sua mãe vamos
estudar um pouco antes de partir e quanto à faculdade, você
pode estudar lá.
– Fechado, pai! Vou arrumar minhas malas! Quando
vamos?
– Se fôssemos somente eu e sua mãe, partiríamos em
vinte dias, mas como você também vai, deixarei a casa
61 E se eu não existisse?
alugada para uma renda extra, já temos uma pessoa
interessada. Até conseguirmos resolver tudo vamos somente
no próximo mês, assim você pode se deligar do seu trabalho
e da sua faculdade com mais calma e aproveitamos todos e
fazemos mais aulas de alemão!
– Ué, anjo, isso foi melhor para o meu pai. Ir para
outro país deve ter sido muito bom para ele...
– Seria bom se ele tivesse sobrevivido.
– Hã? Como assim?
– Vamos continuar com a história e logo você
entenderá.
Chega o tão esperado dia e Eduardo entra no avião
junto com seus pais, porém no meio da viagem, a nave
começa a ter sérios problemas e faz um pouso forçado em
uma ilha no meio do oceano, mas com a violência do pouso,
parte da nave fica danificada e alguns passageiros sofrem
graves ferimentos e morrem.
62 Mayara Vellardi Pinheiro
– Filho, filho, onde você está? – se desespera Irene.
– Aqui mãe... – geme Eduardo em meio a alguns
destroços.
– Não se mexa, logo virá o socorro e sairemos daqui.
– se preocupa Rômulo.
– Pai, mãe, estou muito fraco, perdi muito sangue...
não sei se ou aguentar...
– Poupe suas forças, não fale nada. – pede Rômulo.
– Mas eu preciso falar, antes que seja tarde. Eu amo
muito vocês e se eu morrer, vivam e aproveitem por mim.
– Pare com isso meu filho, você está desesperando
ainda mais a sua mãe.
Quando o socorro chega já é tarde demais, não há
mais chances para Eduardo. Irene e Rômulo vão para
Alemanha e seguem a vida.
63 E se eu não existisse?
– Perdemos nosso único filho a quem dedicamos toda
nossa vida. Parte de mim morreu, meu coração parou... –
suspira Irene.
– Ele era meu único herdeiro, eu trabalhava pensando
em deixar bons recursos para quando ele encontrasse uma
moça, casasse e me desse netos. Aí eu poderia me
aposentar e aproveitar a vida com a sensação de dever
cumprido, mas ele se foi e deixou minha vida vazia, sem
sentido. – se lamenta Rômulo.
Gustavo começa a chorar.
– Isso é muito triste, Uriel... coitado do meu pai, nem
aproveitou a vida... e meus avós, coitados... isso é injusto.
– Nada é injusto, tudo tem um motivo. Tente encarar a
situação pelo lado positivo, você nasceu para salvar a vida
do seu pai e dar alegria aos seus avós!
– A vida deles seria um desastre se eu não tivesse
nascido, mas e minha mãe e minha vó Margarida? Como
64 Mayara Vellardi Pinheiro
seria a vida delas sem mim? Pelo menos elas não brigariam
por minha causa, não é?
– É aí que você se engana, pequeno Gustavo.
– Não acredito! As duas vão brigar de qualquer jeito?
Pelo menos eu não vou ser o culpado desta vez.
Margarida teve uma rigorosa criação, por isso sempre
exigiu de Cláudia uma postura séria e equilibrada, mas os
tempos mudaram e a jovem meiga de antes, tornou-se
revoltada e desobediente.
– Cláudia, isso são horas de chegar?
– São sim! Eu trabalho, estudo e faço o que bem
entender.
– Aqui na minha casa não! As coisas não funcionam
desse jeito.
– Deixa de ser careta mãe, aceita que os tempos
mudaram e hoje em dia está tudo diferente.
65 E se eu não existisse?
– Não aceito! Eu sempre dei duro para te criar da
melhor maneira possível, nunca te deixei faltar nada, como
você pode fazer isso comigo?
– Eu não faço nada com você, faço comigo e é muito
bom!
– Ah, sim, tem um namorado diferente a cada semana,
chega alcoolizada toda sexta-feira, acorda tarde, perde a
hora do trabalho...
– Minhas amigas são livres, fazem isso tudo e não têm
mãe chata para encher o saco.
– Então vá morar com essas suas amigas! Saia daqui!
Eu não vou aguentar isso!
– Vou mesmo! Elas já me chamaram para ir morar na
república delas. É muito divertido lá!
– Pense bem no que está fazendo, Cláudia! Você vai
se arrepender...
66 Mayara Vellardi Pinheiro
– Pensar no quê? Você que me mandou ir morar com
as minhas amigas...
– Eu falei aquilo em um momento de nervosismo,
vamos esquecer tudo...
– Agora já é tarde!
– Se você se comportar, parar de sair com essas
meninas, chegar cedo, eu deixo você ficar.
– Mas agora quem não quer mais ficar sou eu.
Na manhã seguinte, Cláudia prepara sua mala com
roupas, sapatos e alguns acessórios e parte para a república
das amigas.
Com o tempo, as meninas vão deixando os estudos
para trabalhar e poderem sair à noite e Cláudia acompanha o
ritmo.
– O que vai acontecer com a minha mãe?
67 E se eu não existisse?
– Ela tomou muitas atitudes erradas, seguiu conselhos
de amizades que não eram boas para ela, deixou de falar
com a própria mãe para viver uma vida de ilusão. Isso não foi
nada bom, com o tempo ela deixou a faculdade, começou a
trabalhar em bares e boates à noite e se tornou uma pessoa
vazia e solitária.
– Nem parece a minha mãe... ela está irreconhecível,
por quê ela não ouviu minha avó?
– Para ela, sua avó estava errada. Sua mãe estava
tão iludida que não percebeu onde estava se metendo.
– Agora entendo o porquê é tão importante ouvir os
conselhos de nossos pais.
– É verdade Gustavo, eles sempre sabem o que é
melhor para seus filhos.
– E o que aconteceu com a minha avó?
68 Mayara Vellardi Pinheiro
– Ela ficou triste e sozinha, sem razão para viver. Até
que adoeceu e não procurou tratamento, se deixando levar
pela doença até a morte.
– Mas, ela também ficou triste e sozinha quando eu
existia...
– Só que ela tinha um motivo para lutar.
– Qual?
– Você! Ela sempre te amou e você era a esperança
dela se reaproximar da sua mãe.
– Puxa, nunca pensei que a vida de uma pessoa
tivesse o poder de mudar tanta coisa assim...
– É meu pequeno Gustavo, você ainda tem muito o
que aprender nesta vida.
– Então você não vai me destruir? Eu vou poder voltar
para casa?
– As coisas não são tão simples assim.
– Você fez um pedido muito sério.
69 E se eu não existisse?
– Eu me arrependi, quero voltar, fazer tudo diferente,
falar para minha mãe fazer as pazes com a minha avó. Dizer
para meu pai que eu o amo e que quero viajar com ele para
a Alemanha. Enfrentar aqueles meninos bobos na escola e
pedir a Ana Clara em namoro. Pedir desculpas para o meu
professor por ter prejudicado ele com a coordenadora.
– Infelizmente você não vai poder voltar agora.
– Por quê? Minha chance se foi? A vida de todos está
arruinada por um pedido meu?
– Ainda não. Você vai presenciar outras situações e
descobrir mais coisas antes de tomar sua decisão.
– Mas minha decisão já está tomada. Quero voltar!
– Tudo ao seu tempo. Agora temos que deixar
algumas coisas se acertarem sozinhas.
– Como assim?
– Logo você entenderá.
– Posso fazer uma pergunta?
70 Mayara Vellardi Pinheiro
– Claro, se eu puder responder.
– Onde eu estou agora? O que está acontecendo com
todos enquanto estou com você?
– Vamos dizer que seu corpo está em um sono
profundo e que você ainda exista para todos.
– Pensei que tivéssemos voltado no tempo...
– Não, meu filho. Infelizmente não podemos voltar no
tempo...
– Mas foi tudo tão real.
– O que pode ser feito, é ver o passado, mas não há
como modifica-lo.
– Se não tem como mudar o passado... então eu não
posso deixar de existir?
– É como eu já disse antes, Deus não cria um filho
para destruí-lo.
– Então por que você veio?
71 E se eu não existisse?
– Para te dar uma nova chance. Logo você entenderá.
– Mas...
– Chega de questionamentos. Agora vamos para outro
lugar.
72 Mayara Vellardi Pinheiro
Capítulo 5 – Um lugar inusitado
Uriel leva Gustavo para um local encantador, onde as
cores são claras e os sons suaves. Todos sorriem e emanam
de seus corpos astrais uma agradável luminosidade.
– Vou te dar uma oportunidade diferente. Vou levá-lo
para conhecer o meu mundo.
– Sério? Que maneiro! Eu pensei que só existia o Céu
e o Inferno além da Terra...
– Existe muito mais... pode apostar!
– Onde você vive? O que você faz?
– Calma! Uma pergunta de cada vez!
– Nós, anjos temos um lugar onde nos reunimos.
– Qual é o nome deste lugar?
– Vamos dizer que é como se fosse um santuário.
73 E se eu não existisse?
– Mas eu pensava que anjos viviam em nuvens. Aqui
tem paredes, jardins, ruas...
– Vou te levar ao nossos anjos superiores, você quer
conhecê-los?
– Claro, será uma honra!
– Uau! Isso é igual a um palácio! Que cores lindas!
Quantos detalhes! Uau!
– Esses são os três arcanjos superiores que cuidam
de tudo por aqui, Gabriel, Rafael e Miguel.
Gustavo esfrega os olhos e percebe que realmente
está naquele lugar maravilhoso e abençoado. Ele observa
bem as três figuras, como são grandes e fortes.
“Que asas grandes, acho que devem caber umas dez
crianças embaixo de cada asa...”
Uriel sorri e imediatamente Gustavo lembra que o anjo
pode ler seus pensamentos.
74 Mayara Vellardi Pinheiro
– Eu já ouvi falar deles. Então tudo era verdade? Isso
tudo existe! Às vezes parece que estou sonhando...
– Você não vai conseguir se comunicar com eles,
porque não entenderá uma palavra sequer, eles falam a
Língua dos Anjos.
– Que pena... queria falar com eles... espere, estou
ouvindo algo, é como uma música bem suave e agradável.
– Essa música a que você se refere é a Língua dos
Anjos, aqui todos se comunicam assim, desta mesma forma.
– E por que você está falando comigo normalmente?
Você não fala essa língua?
– Eu também me comunico com os demais anjos
utilizando essa mesma linguagem, mas se eu falasse de
outra forma, você não me entenderia.
– Desculpe...
– Sem problemas.
75 E se eu não existisse?
– Ali tem um grupo de crianças... elas estão na mesma
situação que eu?
– Cada uma está aqui por um motivo diferente.
Algumas estão só de passagem, outras ficarão por mais
tempo.
– E eu? Vou ficar aqui por quanto tempo?
– Você ficará o tempo que for necessário para seu
aprendizado.
– Pensei que eu já tivesse aprendido a lição.
– Não é questão de aprender uma lição, é algo muito
maior do que isso. É entender um pouco mais sobre o
funcionamento do universo e sobre como as decisões podem
mudar a vida das pessoas.
– O que faremos agora?
– Vamos ficar um pouco mais por aqui. Você precisa
de um tempo para colocar as ideias em ordem. Vou te deixar
sozinho, depois volto para te buscar.
76 Mayara Vellardi Pinheiro
Uriel desaparece antes mesmo que Gustavo consiga
pronunciar seu nome.
“Não acredito! Ele desapareceu! Como ele pôde fazer
isso comigo? Fui abandonado...”
– Olá!
Gustavo ouve uma voz suave e quando olha para trás,
vê uma garotinha ruiva, com cerca de cinco anos, ela sorri
para ele enquanto segura uma boneca.
– Olá! Meu nome é Laurinha e o seu? – insiste a
menina.
– Meu nome é Gustavo. Desculpe, é que eu me
assustei um pouco...
– O que você está fazendo aqui?
– É uma longa história... eu pedi para o Papai do Céu
para não existir mais e aí apareceu um anjo em minha vida...
ele me mostrou muitas coisas, contou histórias e me trouxe
para cá, mas me fala de você.
77 E se eu não existisse?
– O que você quer que eu fale?
– Queria que me contasse como veio parar aqui!
– Eu fiquei muito dodói, aí minha mãe me levou no
médico e ele disse que eu ia ter que fazer uma ciru... ci...
ru...gia, alguma coisa assim...
– Ah, entendi, você foi para o hospital fazer uma
cirurgia, mas o que você tem?
– Não sei bem, antes disso, eu tomei remédios, aí eu
passei mal, então rasparam meu cabelo e agora meu
corpinho está lá, sendo operado. Pelo menos foi o que o meu
anjo me contou.
– Ué, mas eu estou vendo o seu cabelo! Você é ruiva!
– É verdade, eu estou aqui como eu era antes e não
como estou agora.
– Isso é um pouco confuso, não estou entendendo.
– Olha lá, meu anjo da guarda está vindo. Ele pode te
explicar melhor.
78 Mayara Vellardi Pinheiro
Quando Gustavo olha para trás, vê Uriel
acompanhado por outro anjo vindo em sua direção.
– Olá, Gustavo, este é o anjo de Laura, seu nome é
Mikael.
– Olá, Mikael! É um prazer conhecê-lo.
– Uriel falou bastante sobre você... estávamos de
longe observando sua conversa com a Laurinha.
– Que doença ela tem?
– Câncer, mas ela já foi operada e está na hora dela
acordar no hospital. Vamos levá-la de volta agora. Você quer
ir junto?
– Claro! Será muito bom vê-la curada!
Rapidamente, como em um estalo de dedos, todos
estão no quarto de Laura, no hospital.
Laura acorda e se espreguiça gostosamente.
– Laurinha, você está bem?
79 E se eu não existisse?
– Ela não pode te ver, nem nos ver. Ela não se
recordará de muita coisa, tudo terá sido como um sonho. –
explica Mikael.
– Ela estava falando a verdade... ela está... sem
cabelo nenhum...
– Sim, mas é por pouco tempo, logo ela estará
totalmente recuperada e seus lindos cabelos ruivos estarão
compridos novamente.
A porta se abre e juntamente com o médico, entra um
casal, Gustavo olha para todos e nota um rosto conhecido
que lhe causa um grande espanto.
Enquanto o médico explica ao casal detalhes da
cirurgia e da recuperação, Gustavo questiona seu anjo da
guarda.
– Uriel, o que meu pai está fazendo aqui? Estamos no
presente? O que está acontecendo? Ele pode me ver?
80 Mayara Vellardi Pinheiro
– Fique tranquilo, ninguém pode te ver por enquanto.
Logo você entenderá o porquê seu pai está aqui.
– Que coincidência ele entrar no mesmo lugar onde
estou agora...
– Nada é por acaso, pequeno Gustavo. Preste
atenção na conversa e você começará a entender o que está
acontecendo.
– Virgínia, meu bem, nossa menina vai ficar boa logo,
você vai ver! – fala Eduardo.
– Oh, querido... é o que eu mais quero nessa vida...
você já foi no quarto do seu filho hoje?
– Sim, ainda ele não teve nenhum sinal de melhora,
pelo menos seu quadro continua estável. Cláudia está lá
junto com Roberto e Margarida.
– Agora é hora de irmos para outro ligar, pequeno
Gustavo. – recomenda Uriel.
81 E se eu não existisse?
– O que está acontecendo? Eu também estou nesse
hospital? Eu fiquei doente? Eu vou morrer? A Virgínia é a
mulher do meu pai e a Laurinha é filha dele?
– Seu corpo está em coma, você sofreu uma queda,
bateu a cabeça e fizemos com que seu corpo adormecesse.
Virgínia é a nova esposa de seu pai e Laurinha é filha dela
do primeiro casamento.
– Eu sabia que meu pai tinha alguém, tinha certeza
disso, eu pensava que ele tinha outro filho e por isso não
queria mais saber de mim... mas ela não é filha dele...
– Ele a considera como filha, mas tem um grande
amor por você também. Ele está sofrendo muito com vocês
dois no hospital.
– Acho que ele está mais preocupado com ela do que
comigo...
– Você se engana, seu pai estava preparando uma
surpresa para você, por isso a ausência dele nesses últimos
tempos.
82 Mayara Vellardi Pinheiro
– Que surpresa?
– Ele reformou a casa, construiu um quarto a mais e
reformou todo seu quarto de um jeito muito especial.
– Mas a casa já tem três quartos. Um para eles, outro
para a Laurinha e outro para mim... por quê mais um?
– Virgínia está esperando um bebê, logo, você e
Laurinha terão um irmão. Seu pai estava esperando tudo
ficar pronto para te contar as novidades e mostrar seu novo
quarto.
– Como fui egoísta... não podia imaginar... e minha
mãe, como está?
– Vamos ao seu quarto, você está preparado?
– Sim!
Gustavo entra no quarto e vê seu corpo inerte, ligado
a aparelhos.
– Uriel, parece que eu estou dormindo, mas esses
aparelhos dão uma sensação ruim... não gosto deles... olhe
83 E se eu não existisse?
para a minha mãe, ela está tão triste, o professor Roberto e a
minha vó Margarida estão lá fora esperando...
– O amor une as pessoas. Sua mãe e sua avó te
amam tanto que a dor de viver sem você as uniu novamente
e elas esqueceram das desavenças.
– E meu professor?
– Ele foi muito solidário com sua mãe e os dois se
aproximaram durante esse tempo em que você esteve
internado...
– Não vá me dizer que eles estão namorando...
– Eles estão se dando muito bem, ainda como amigos,
mas o futuro reserva um grande amor entre os dois.
– Tudo bem, eu sou capaz de aceitar isso... se é pela
felicidade da minha mãe... anjo, me responde mais uma
coisa, há quanto tempo eu estou neste hospital?
– Há uma semana.
84 Mayara Vellardi Pinheiro
– Como o tempo passou rápido! Quando eu poderei
voltar?
– Essa é a sua decisão?
Os dois são interrompidos quando a enfermeira entra
no quarto.
– Dona Cláudia, tem um grupo de jovenzinhos no
corredor querendo falar com a senhora. Eu não posso
permitir que eles entrem no quarto.
Ana Clara, Maurício, Caio, Theo aguardavam
ansiosos.
– Olá, tia Cláudia! Viemos saber notícias do Gustavo.
– Oi minha querida, o quadro dele continua estável.
Assim que tivermos alguma novidade, peço para o professor
Roberto avisar você e seus amigos.
– Tia, viemos junto com a Aninha para trazer alguns
cartões de melhoras que nossos amigos fizeram para o
Gustavo.
85 E se eu não existisse?
– Muito obrigada, Theo, assim que se recuperar,
mostrarei a ele todos os cartões.
– Agora temos que ir, pequeno Gustavo. – diz Uriel.
– Não podemos ir. Quero ficar com a minha mãe, ela
está sofrendo... quero voltar...
– Pelo que vejo você já tomou sua decisão em
retornar, mas seu corpo precisa dar alguns sinais de melhora
e só assim, você poderá voltar.
– O que eu posso fazer para ajudar?
– No momento, nada. Aliás, você pode ajudar, fazendo
tudo o que eu pedir, venha comigo.
– Para onde vamos?
– Vou te levar de volta ao santuário.
– Mas...
– Sem questionamentos, Gustavo.
– Tudo bem, eu vou ficar em silêncio e não vou
contestar mais nada.
86 Mayara Vellardi Pinheiro
– Assim está bem melhor.
Os dois dirigem-se para um local tranquilo,
semelhante a um hospital.
– Pronto, chegamos. Agora você vai se deitar e logo
adormecerá.
– Mas eu não estou com sono...
– Logo o sono virá!
– Anjo, posso te fazer mais uma pergunta?
– Claro, pequeno Gustavo.
– Quando eu acordar, lembrarei de você e de tudo o
que eu presenciei?
– Talvez você se lembre de algumas coisas... o mais
importante é que você não se sentirá mais sozinho e saberá
que tem alguém que olha por você, com quem poderá contar
o resto de sua vida.
– Você sempre estará comigo? Mesmo quando eu
crescer?
87 E se eu não existisse?
– Pode apostar!
– Mas eu não vou te ver mais, né? E quando eu
precisar de você?
– Aparecerei em sonhos e você terá intuições sobre o
que fazer...
88 Mayara Vellardi Pinheiro
Capítulo 6 – Escolha importante
Gustavo acorda assustado, olha a sua volta e vê sua
mãe desconfortável dormindo em uma poltrona ao lado de
sua cama.
“Estou em um hospital... o que será que aconteceu
comigo? Não consigo me lembrar de nada...”
– Mãe?
Cláudia olha para seu filho e começa a chorar.
– Obrigada meu Deus! Muito obrigada por trazer meu
filhinho de volta!
– Mãe, o que aconteceu comigo? O que eu estou
fazendo aqui?
– Você desceu as escadas correndo quando eu te
chamei para tomar café da manhã, aí levou um tomo feio,
batendo a cabeça com muita força, você desmaiou e não
89 E se eu não existisse?
acordou mais, então liguei para seu professor e ele veio
comigo para o hospital.
– Para o meu professor? Por que você não ligou para
o meu pai?
– Porque o celular dele estava fora de área e o
Roberto era a única pessoa com quem eu podia contar
naquele momento...
– Entendo... não sabia que vocês eram amigos.
– Mas não éramos... na verdade, ele tinha anotado o
e-mail e o telefone em um pedaço de papel e quando você
sofreu o acidente, eu encontrei a anotação na estante da
sala ao lado do telefone...
– Tudo bem, mãe... não precisa ficar se explicando
não...
Cláudia toca a campainha e logo aparece uma das
enfermeiras:
90 Mayara Vellardi Pinheiro
– Olha quem acordou! Você está se sentindo bem,
Gustavo?
– Sim... estou! É como se eu tivesse dormido um sono
profundo.
– Vamos dizer que foi isso que aconteceu! Você
dormiu bastante!
– Há quanto tempo eu estou aqui?
– Há uma semana.
– Uau! Não sei como consegui dormir por tanto tempo!
– Bem, o que importa é que você está acordado
agora... Vamos fazer alguns exames com você, ok?
– Tudo bem, estou preparado.
– Gu, meu filho, enquanto a enfermeira faz os exames
em você, eu vou avisar sua avó, seu pai e o Roberto que
você está bem. Eles devem estar lá embaixo, na lanchonete.
Vê se nos espera acordado, hein?
91 E se eu não existisse?
– Tudo bem, mãe! Prometo que não vou dormir tão
cedo...
Enquanto Gustavo passa por alguns exames, Cláudia
vai até a lanchonete e encontra Margarida e Roberto
conversando. Eles não notam a presença da moça e falam a
seu respeito animadamente:
– Ah! Dona Margarida! Sua filha é um encanto!
– Ela é uma mulher de muita sorte em ter um homem
como você ao lado.
– Imagina, eu é que tenho sorte, por tê-la conhecido...
– Quando você vai se declarar?
– Assim que o Gustavo acordar... agora, creio que
ainda não seja o momento.
Cláudia se aproxima de Roberto e fala mansamente:
– O que você vai me dizer quando o Gu acordar?
– Clá...Clá..u..Cláudia?
– Por que o espanto?
92 Mayara Vellardi Pinheiro
– Nada minha filha, eu e o professor estávamos
apenas falando que você é uma mulher maravilhosa e uma
mãe muito dedicada.
– Hum... sei... tudo bem, mas eu sou uma pessoa
muito curiosa e ainda não fiquei satisfeita, tem certeza de
que não quer me falar agora, Roberto?
– O que eu tenho para dizer, pode esperar mais um
pouco... assim que o Gustavo acordar eu falo.
– Então não precisa mais esperar!
– Como assim?
– Deus devolveu meu filho! Ele voltou! Está acordado!
Roberto, Cláudia e Margarida se abraçam com imensa
alegria. Logo chegam Eduardo e Virgínia com Laura no colo.
– Bom dia, Cláudia! Alguma notícia do nosso Gu?
– Sim! Nosso filho acordou!
– Hoje é um dia muito feliz para mim! A Laurinha está
tendo alta para voltar para casa e meu pequeno Gu saiu do
93 E se eu não existisse?
coma! Virgínia, você pode esperar um pouco aqui? Eu vou
subir para dar um beijo no meu filho.
– Claro meu bem, nós esperaremos, não é Laurinha?
– Sim! Não vejo a hora de conhecer meu irmãozão!
Apenas Eduardo entra no quarto.
– Oi meu filho!
– Pai?
Eduardo não contém as lágrimas e corre para abraçar
Gustavo.
– Eu tive tanto medo de te perder... não vou mais
desgrudar de você...
– Eu pensava que você não se importava comigo...
– Eu me importo e muito! Você pode me perdoar?
– Claro, pai. Eu te amo!
– Eu também te amo! Olha filho, eu tenho muitas
novidades para você... assim que você sair do hospital,
vamos fazer muitas coisas juntos!
94 Mayara Vellardi Pinheiro
– Combinado, pai!
A enfermeira pede para que Eduardo se retire para
que ela possa continuar realizando os exames. Logo após a
realização de todos os exames, Gustavo adormece.
Cláudia entra no quarto junto com Roberto e
Margarida e fica espantada.
– O que aconteceu com o meu Gu? De novo, não!
Gustavo acorda assustado com os gritos da mãe.
– Calma, mãe... eu só estava tirando um cochilo...
– Você me deu um tremendo susto... eu pensei que
fosse me esperar acordado, afinal você me prometeu que
não ia dormir tão cedo...
– Desculpa, fiquei cansado com tantos exames...
– Olá, Gustavo, meu neto!
– Olá vó Margarida! Pelo jeito você e minha mãe
fizeram as pazes...
95 E se eu não existisse?
– Sim, meu filho! Nosso amor por você é maior do que
qualquer desavença. Tem mais uma pessoa que veio te
visitar.
– Professor?
– Sim, Gustavo! Eu fiquei muito preocupado com você
e resolvi ficar por aqui esses dias.
– Nossa, você ficou todos os dias aqui?
– Na verdade, eu saia para dar aulas, tomar um banho
e tirar um cochilo, mas a maior parte do tempo fiquei aqui
com sua mãe e com sua vó...
– Vocês três ficaram aqui todos os dias?
– Claro, meu filho, jamais te abandonaríamos.
– Sim, meu neto, nós nos revezávamos para comer,
tomar banho e dormir, mas sempre estávamos por aqui.
– E meu pai, vó?
– Ah, ele também ficou por aqui todos esses dias e
não foi nada fácil para ele...
96 Mayara Vellardi Pinheiro
– Mas, onde ele está agora?
– Ele teve que ir para casa, mas logo voltará para te
visitar.
– Filho, ele já me ligou para saber notícias suas e
disse que voltará amanhã bem cedo, porque agora já está
tarde...
– Mãe, quando eu vou sair daqui? Quero ir para
casa...
– Amanhã ficarão prontos os exames que você fez,
vamos esperar a resposta do médico.
Na manhã seguinte, Gustavo acorda com uma
deliciosa surpresa. Seus colegas de classe e Ana Clara
aparecem para visitá-lo.
– Oi, Gu! Estou muito feliz que você está se
recuperando... – sorri Ana.
– Nós também! – comemoram Maurício, Theo, Caio e
outros amigos.
97 E se eu não existisse?
– Durante o tempo que você ficou em coma, todos nós
fizemos cartões de melhoras, para quando você acordasse...
– diz Ana.
– Aninha, estou muito feliz pela sua atitude, bem, pela
atitude de todos vocês. Eu não imaginava que vocês
gostassem de mim...
– Nós gostamos sim e queremos dizer que na última
semana você fez muita falta lá na escola. – comentam os
meninos.
– Obrigado! Estou muito contente!
O médico aparece e pede que todos se retirem,
permanecendo, no quarto, somente mãe e filho.
– Dona Cláudia, devo dizer que seu filho terá alta
amanhã. Ele permanecerá ainda hoje para observação.
– Doutor Enzo, o que ele teve?
– Não conseguimos constatar nada em nenhum
exame, tudo está dentro da normalidade. A queda foi forte,
98 Mayara Vellardi Pinheiro
mas não o suficiente para um coma... pode ser que ele tenha
sofrido um choque psicológico e se ele tinha motivos para
fugir da realidade, seu organismo pode tê-lo induzido a esse
sono profundo...
– Você tinha algum motivo para isso, meu filho?
– Dona Cláudia, agora é melhor não pressioná-lo.
Vamos deixar que ele se recupere e amanhã enviarei um
outro médico para dar a alta, tudo bem?
– Claro, doutor.
Margarida fica com seu neto, enquanto todos
preparam uma festa de boas vindas na casa de Eduardo.
No dia seguinte, somente Cláudia vai ao hospital para
buscar o menino e esperar a alta do médico.
– Bom dia, dona Cláudia!
– Bom dia, doutor... qual é seu nome?
– Meu nome é Uriel, fui indicado pelo doutor Enzo
para dar alta para seu filho.
99 E se eu não existisse?
– Não vejo a hora de levar meu filho para casa!
– Eu imagino a sua ansiedade.
– Antes de dar a alta para o rapaz eu poderia
conversar com ele a sós?
– Sim, doutor, com certeza!
– Você lembra de mim, Gustavo?
– Seu rosto é conhecido... eu te conheço daqui do
hospital mesmo, não é?
– Se esforce e lembrará!
De repente tudo vem à tona e Gustavo fica chocado.
– Anjo? Uriel? Meu anjo! Então, foi real? Não era um
sonho?
– Sim, foi tudo real! Eu vim visita-lo para saber se
decidiu o que vai fazer.
– Como assim? Mas eu pensei que já tinha decidido!
Eu quero ficar aqui com os meus familiares e amigos.
Uriel sorri satisfeito.
100 Mayara Vellardi Pinheiro
– Desde o início eu já sabia que você tomaria essa
decisão.
– Saquei! Deus jamais me destruiria, você fez isso só
para mostrar o quanto a minha vida tem valor, não é?
– Pelo o que eu estou vendo, você aprendeu a lição!
Está pronto para continuar e aceitar de braços abertos tudo o
que a vida tem para te oferecer.
– Estou pronto!
Uriel sorri, uma luz intensa o cerca e ele simplesmente
desaparece. Gustavo toca a campainha e logo Cláudia e
uma enfermeira aparecem no quarto.
– Onde está o médico, filho?
– Ele já se foi...
– Desculpem, mas o dr. Vicente chegou agora para
examiná-lo e dar a alta, conforme combinado com o dr. Enzo
ontem.
101 E se eu não existisse?
– Dr. Vicente? Não, quem estava aqui era o dr. Uriel...
acho que deve haver algum engano. – comenta Cláudia.
– Desculpe, mas não temos nenhum médico aqui no
hospital com esse nome.
– Deixa para lá, mãe! Vai ver que a gente se confundiu
com o nome dele... vai ver que era um outro médico que se
enganou de paciente...
– Mas... filho...
No mesmo instante, dr. Vicente adentra o quarto,
examina Gustavo, orienta Cláudia e rapidamente dá a alta
tão esperada saindo junto com a enfermeira.
– Que médico estranho... ele mal deixou a gente
falar... – comenta Cláudia
– Ih, mãe, não liga não! O importante é que está tudo
bem comigo e vamos para casa agora.
Gustavo estranha o caminho do carro e questiona a
mãe.
102 Mayara Vellardi Pinheiro
– Para onde estamos indo?
– Para a casa do seu pai!
– Algum motivo especial?
– Ele quer te ver.
Quando Gustavo toca a campainha, a porta se abre e
ele tem uma agradável surpresa quando vê todos os seus
amigos da escola, seu professor, sua avó Margarida, seus
avós Irene e Rômulo, seu pai, sua esposa Virgínia e
Laurinha. Todos gritam em uma só voz:
– Seja bem-vindo Gustavo! Nós te amamos!
– Isso tudo é para mim?
– Sim, isso e muito mais, meu filho! Tenho muitas
surpresas para você. – sorri Eduardo.
Enquanto todos aproveitam a festa, Eduardo leva seu
filho para ver os quartos novos e depois os dois sentam na
varanda para conversar.
– Filho, você notou que agora temos três quartos?
103 E se eu não existisse?
– Sim, pai... e eu acho que já entendi...
– Menino esperto! Me fala o que você acha de tudo
isso...
– Eu acho fantástico! Pai, agora eu tenho um quarto
aqui e um na casa da minha mãe, eu ganhei uma irmãzinha,
a Laurinha, ela é muito linda e meiga e ainda pelo o que eu
entendi, a Virgínia está grávida e vem mais um irmãozinho
para mim...
– Sim, é isso mesmo!
– Qual vai ser o nome dele, pai?
– Vai ser Ariel.
– Que nome bonito! Parece até nome de anjo...
A festa continua e agora é a vez de Gustavo conversar
com seus avós paternos.
– Olá, querido Gustavo!
– Olá, vó, olá, vô! Estou muito feliz que vocês estão
aqui! Eu tinha muito medo de não poder conhece-los.
104 Mayara Vellardi Pinheiro
– Nós te amamos muito, queremos que saiba disso.
– Eu também amo vocês, podem apostar!
Gustavo ouve uma voz suave e meiga e sente um leve
puxão em sua camiseta.
– Oi Gustavo! Lembra de mim?
– Oi Laurinha, claro que sim! Somos irmãos agora o
que me diz?
– Isso é fantástico, não é mesmo?
– Laurinha, me diz uma coisa, você se lembra de
quando estava lá naquele lugar com os anjos?
– Sim eu me lembro de tudo, mas fale baixo, isso é
segredo...
– Ok! Esse é o nosso segredo!
A festa continua, Gustavo vê Roberto e Cláudia a sós
e resolve escutar a conversa às escondidas.
– Roberto, acho que você me deve uma explicação.
105 E se eu não existisse?
– É, eu sei...
– O que você ia me dizer assim que o Gu acordasse?
– Quero te contar um pouco mais sobre a minha vida...
eu me casei jovem e logo minha esposa engravidou, foi uma
imensa alegria, veio um lindo menino, o nome dele era
Charles, mas infelizmente ele não ficou muito tempo entre
nós... quando ele tinha uns 7 anos, foi atropelado na porta da
escola e virou um anjinho no céu... após alguns meses,
Teresa se transformou e disse que nosso casamento havia
sido um erro e que não havia mais nada que nos unisse
porque o que era mais importante em sua vida, tinha sido
arrancado...
– Que triste sua história, eu sinto muito...
– Foi muito difícil, foram anos de solidão, mas eu já
superei tudo.
– Teresa te abandonou? Para onde ela foi?
106 Mayara Vellardi Pinheiro
– Ela mudou de estado, perdemos o contato... ela me
deixou em um momento muito difícil, porque além de ter
perdido o meu Charles, eu ainda descobri que não poderia
mais ser pai...
– Devem ter sido tempos muito difíceis...
– E foram... mas agora os tempos são outros e eu
quero dizer que estou muito feliz por poder participar de sua
vida... eu gosto do Gustavo como um filho e você é muito
especial para mim... eu sei que estreitamos laços de amizade
há pouco tempo, mas creio que tenha sido intenso o
suficiente para algo a mais.
– Roberto, eu não sei bem o que te falar, eu também
sinto o mesmo... mas, como eu iria contar isso pro Gu? E se
ele não aceitar?
Gustavo aparece repentinamente assustando o casal.
– Eu aceito! Professor Roberto, bem-vindo à família!
107 E se eu não existisse?
– Filho, você estava ouvindo a conversa dos outros...
que coisa feia!
– Estou feliz que você tenha me aceitado como parte
de sua família... mas vai ser engraçado você continuar me
chamando de professor! A partir de agora, pode me chamar
só de Roberto, se quiser...
– Até eu acostumar, vai demorar um tempinho! Profe...
quero dizer, Roberto, eu sei que não é hora, mas e a minha
prova?
– Fique tranquilo! Entregamos o atestado médico para
a Regina e você terá como recuperar as aulas e as provas
perdidas, está tudo certo!
– Obrigado por ter me ajudado!
– O mérito é todo seu...
– Gu, não vai pensando que agora você vai ter mais
moleza na escola, hein?
– Não, mãe, eu sei separar as coisas, pode deixar!
108 Mayara Vellardi Pinheiro
Gustavo está radiante, a noite está sendo maravilhosa
e seu último desejo é conversar com a garota de seus
sonhos, Ana Clara, mas quando o menino decide ir atrás de
sua paixão, ela está no quintal se despedindo de todos.
– Aninha, você já vai?
– Sim, está ficando tarde e meu pai já está chegando.
– Eu queria te dar uma coisa antes de você ir
embora...
Gustavo cria coragem e beija suavemente os lábios de
Aninha que contente retribui o carinho. No momento
seguinte, seu pai chega e ela, ruborizada, despede-se
rapidamente.
A festa termina e Gustavo fica pensativo olhando para
o céu estrelado pela janela de seu quarto.
“Uau! Que noite! Nunca me senti tão amado quanto
hoje... dei meu primeiro beijo na garota mais linda da escola,
meus avós vieram da Alemanha só para me ver, minha mãe
109 E se eu não existisse?
fez as pazes com a minha vó Margarida por minha causa,
meu pai tem outra família, mas não se esqueceu de mim e
ainda ganhei mais dois irmãozinhos, minha mãe vai ter outra
chance de ser feliz com um homem legal e que gosta de
mim... minha vida é muito especial... Deus muito obrigado
por ter me dado uma oportunidade tão rara, agora eu
entendo que o Senhor fala com a gente através de pequenos
sinais... Uriel, espero que você esteja me escutando, quero
te agradecer também!”
Gustavo sente uma suave brisa em seu rosto e nota
que uma estrela, em especial, brilha intensamente.
Em seguida, vai para sua cama e antes de adormecer
um último pensamento passa por sua mente.
“Muitos dias virão e com eles novas desventuras, mas
não importa o que aconteça, tudo vai dar certo no final. Ah,
eu já estava me esquecendo... boa noite, Uriel!”