Post on 08-Nov-2018
EÇA
DE QUEIRÓS
OS DESENHOS
E POEMAS
INÉDITOS
"Escreverá
um processo
genuinamente
laborioso e
abstraio. Quando é
divertido, o prazer
écompletamente
diferente do prazer
de desenhar. Com o
desenho, estou muito
consciente de estar a
criar algo numa folha
de papel. É um ato
sensual, o que não
se pode dizer do ato
da escrita"
Giinter Grass
Escritor
(1927-2015)
LIVRO
ADMIRADO E CELEBRADO COMO
UM DOS MAIORES PROSADORES
DE SEMPRE DA LÍNGUA íCIPORTUGUESA, O ESCRITaFTÂINÍÃ^
CONSEGUE SURPREENDER-NOS.
O LIVRO "EÇA DE QUEIROZ EM
CASA" REVELA UM LADO MAIS
ÍNTIMO E FAMILIAR, MOSTRANDO
DESENHOS E POEMAS INÉDITOS
QUE FOMOS ESPREITAR
MÁRIO DAVID CAMPOS
O cruel D. Pedro I prepara-se para trinchar um coração humano. Um desenho confirmadocomo sendo da autoria de Eça de Queirós
A Raposa e as Uvas Ilustração da célebre fábula de Esopo
Magro comouma... cegonha0 autorretrato deEça, em corpode ave, mostra acapacidade que oescritor tinha dese rir de si próprio.Para além destaautocaricatura,o autor aparecetambém noutraa carregar umacruz a caminhodo consuladode Bristol
ambém não será caso
para exclamar "por Eça é
que ninguém esperava."Se há escritor cuja vidae obra foi e continua aser por demais estuda-da e escrutinada é a doautor d'Os Maias e d'A
Cidade e as Serras. Nascido na Póvoa de
Varzim, em 1845, registado como filho demãe incógnita, José Maria de Eça de Quei-roz não era apenas dotado de um enormegénio literário mas foi, antes de mais, umobservador c crítico atento da sociedadedo seu tempo. Muitas das suas tiradas, re-cheadas, por vezes, de humor irónico oumesmo cáustico, são ainda hoje citadas
por muitos.Ensaísta, jornalista, epistológrafo, di
plomata, são várias as facetas públicasde Eça, falecido prematuramente, aos 55anos, em Neuilly-sur-Seine, nos arredo-res de Paris. O que o novo livro Eça de
Queiroz em Casa apresenta agora é umlado pictórico e poético menos conheci-do do autor que, segundo Irene Fialho, aorganizadora da obra, "permite conhe-cer melhor como ele era na intimida-de da família e do círculo de amigos, o
Eça dos serões em casa". A maioria dostextos c desenhos são inéditos, aindaque outros já tenham sido publicados"mas nunca numa edição que mostrassea sua forma original", explicou à VISÃOa investigadora e mestre em Literatu-ras Contemporâneas pela UniversidadeNova de Lisboa.
Os inédilos foram descoberlos no arquivo de Tormes, sede da Fundação Eçade Queiroz, por Sandra Melo, técnicacultural da instituição. Uma boa partedeles quando se procedeu ao inventáriodo acervo de Maria da Graça Salema de
Castro, primeira presidente da Fundação,que faleceu no ano passado, e fora casadacom Manuel Benedito de Castro, neto doescritor.
O álbum de desenhos inclui várias au-tocaricaturas de Eça. Numa delas, o autorretrata-se com corpo de cegonha, numaalusão à sua magreza, e noutra Eça car-rega uma cruz com um rosto de mulher,enquanto se dirige a caminho de Bristol,em Inglaterra, onde foi cônsul Entre as
outras caricaturas, destaque também paraas do amigo Ramalho Ortigâo, com quemescreveu As Farpas e O Mistério da Es-trada de Sintra.
Alguns desenhos desse espólio são deautoria incerta (como aquele do diabo nuque cumprimenta um eremita) e foramprovavelmente feitos por familiares doescritor. Mas, mesmo nestes casos, per-mitem dar a conhecer um pouco melhoros serões do século XIX, em que não havialuz elétrica, e as pessoas se recolhiam na
sala, à luz de velas ou candeeiros a petróleo, a ler o jornal em voz alta, com as se-nhoras abordar e ocasionalmente poemaslidos em voz alta. Da veia poética de Eça,
de resto, havia já alguns registos até mes-mo inseridos cm muita da prosa ficcionaldo autor. "Por vezes, recorria a poemas deoutros para ilustrar alguns episódios mas,na maioria das vezes, era o próprio Eçade Queirós que os escrevia", explica IreneFialho. Sobre o facto de nunca ter publi-cado nem os poemas nem os desenhos, a
investigadora considera que eles faziamparte desse lado íntimo e que seguramen-te Eça entendia não serem coisas para serdivulgadas ao público.
Em jeito de poema cómico, a Farsa deInês de Castro, ao qual faltam contudoalgumas estrofes, é outro dos inéditos,feito a várias mãos, segundo Maria d'Eça
de Queirós, numa noite na casa de Neui-lly-sur Seine, e na qual colaboraram ela
própria, o pai e a mãe, Emília, e o poetabrasileiro Olavo Bilac. Após a morte doescritor português, Bilac deixou um re-gisto sentido da amizade que os unia e
que, ao mesmo tempo, é revelador da ani-mação que reinava nos serões da família:"Era um consolo, deixar as amplas ruas de
Paris, cheias de multidão que patinhavana lama gelada, falando todas as línguas(...) e chegar ao tépido ninho do Amor e daArte, e encontrar ali dentro a língua natal,o carinho meigo daquele grande espírito e
o sossego daquele lar português.'' l'lmcampos©visao.imptesa,pt
"Bem, obrigado" Desenho que mostra a luta entre o rei inglês Henrique VIII e o francês Francisco I, com um irónico diálogo entre ambos."Viva lá! Mano Henrique! Como passou mano Henrique? Eu vou bem muito obrigado. Olá!"
0 outro lado de Eça
Alguns dos álbuns que compõem o livro Eça de Queiroz em Casa(Presença, 168 págs., €16,90) e estiveram escondidos mais de um
século, mostram a intimidade do escritor nos serões em família.Desenhos, poemas e caricaturas revelam que a criatividade do escritor
se exprimia de outras formas além da irrepreensível prosa