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EDUARDO JOSÉ CREATTO
ESTUDO REOLÓGICO E CALORIMÉTRICO DE MICELAS COMO RETICULANTES
TRANSIENTES DE CELULOSES HIDROFOBICAMENTE MODIFICADAS
CAMPINAS
2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE QUÍMICA
EDUARDO JOSÉ CREATTO
ESTUDO REOLÓGICO E CALORIMÉTRICO DE MICELAS COMO RETICULANTES
TRANSIENTES DE CELULOSES HIDROFOBICAMENTE MODIFICADAS
ORIENTADOR: PROF. DR. EDVALDO SABADINI
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA
AO INSTITUTO DE QUÍMICA DA UNICAMP PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM QUÍMICA NA
ÁREA DE FÍSICO-QUÍMICA.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA
POR EDUARDO JOSÉ CREATTO, E ORIENTADA PELO PROF. DR. EDVALDO SABADINI.
_______________________
Assinatura do Orientador
CAMPINAS
2015
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Ficha catalográfica Universidade
Estadual de Campinas Biblioteca do
Instituto de Química
Simone Lucas Gonçalves de Oliveira - CRB 8/8144
Creatto, Eduardo José, 1990-
C86e Estudo reológico e calorimétrico de micelas como reticulantes transientes
de celuloses hidrofobicamente modificadas / Eduardo José Creatto. –
Campinas, SP : [s.n.], 2015.
Orientador: Edvaldo Sabadini.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Química.
1. Reologia. 2. Micelas gigantes. 3. Celulose. I. Sabadini, Edvaldo.
II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Química. III.
Título. Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Rheological and calorimetric study of micelles as transients cross-
links of hydrophobically modified celluloses
Palavras-chave em inglês:
Rheology Wormlike
micelles Cellulose
Área de concentração: Físico-Química
Titulação: Mestre em Química na área de Físico-Química
Banca examinadora:
Edvaldo Sabadini [Orientador]
Marcelo Ganzarolli de Oliveira
Erick Leite Bastos
Data de defesa: 24-02-2015
Programa de Pós-Graduação: Química
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Dedico esta dissertação àqueles que resistem.
“O mundo é um lugar perigoso de se viver,
não por causa daqueles que fazem o mal,
mas sim por causa daqueles que observam
e deixam o mal acontecer.”
Albert Einstein
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AGRADECIMENTO
Aos meus pais, Ivan e Izabel, que não pouparam esforços para me dar seu melhor.
Com suas melhores virtudes: honestidade e paciência me conduziram ao que sou hoje. Amor
e educação nunca faltaram em casa.
Ao meu professor/orientador Edvaldo, que com paciência e sabedoria me ajudou em
cada etapa deste projeto. Sou grato pela confiança e elucidação de todo o processo
científico.
Aos meus amigos de graduação Antonio, Bruna, Fábio, Luis, Ortiz, Renan e Zanão,
que, por quatro anos, foram minha família na minha nova casa.
A todos os colegas do laboratório B-135. Em especial àqueles da sala de reuniões,
onde tudo é discutido entre um café e outro.
Ao professor Picullel, pelas amostras de HEC-HM.
Ao amigo e companheiro Thiago, pelo auxílio com o reômetro, conversas e amizade.
Ao amigo César, pelo auxílio com a calorimetria, conversas, puxões de orelha e
confiança.
Ao meu melhor amigo Leandro, que me mostrou o que é uma amizade verdadeira. Sei
que sempre poderei contar com ele.
A minha linda namorada, companheira e amiga, Talita. Sem ela este texto não estaria
no papel. Sou grato pelo apoio, confiança e por cada crase.
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Curriculum Vitae
Eduardo José Creatto
Solteiro, 24 anos
Rua Vicente de Genaro 364, Indaiatuba - SP
e-mail: educreatto@gmail.com
FORMAÇÃO ACADÊMICA
Mestrado em Físico-Química – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Início: Ago/2012 Término: Fev/2015
Bacharel em Química – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Início: Fev/2008 Término: Dez/2011
Técnico em Processos Químicos – Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura – FIEC
Início: Jul/2006 Término: Dez/2007
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
Experiência Docente
Programa de Estágio Docente Pós-Graduação exercendo função de apoio a docência parcial
na disciplina de Físico-Química Experimental I – 8h/semana – UNICAMP – 2º sem/2013
Programa de Estágio Docente Pós-Graduação exercendo função de apoio a docência parcial
na disciplina de Físico-Química Experimental II – 8h/semana – UNICAMP – 1º sem/2014
Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas
Início: Ago/2012 Término: Fev/2015
O projeto referente a dissertação de mestrado intitulado “Estudo Reológico de Estruturas
Auto-organizadas Contendo Hidroxietilcelulose Hidrofobicamente Modificada e Micelas
Gigantes” está em fase final sob orientação do Profº Dr. Edvaldo Sabadini e tem como
objetivos:
Verificar a interação de moléculas de surfactante com polímeros hidrofobicamente
modificados, por meio de reologia e calorimetria de titulação isotérmica;
Identificar como o tamanho dos grupos hidrofóbicos afetam a agregação;
Avaliar como a adição de um co-soluto e consequente formação de micelas gigantes
afetam a reologia do sistema.
Iniciação Científica – Universidade Estadual de Campinas
Início: Ago/2010 Término: Jan/2012
O projeto intitulado "O Uso do Método Monte Carlo Quântico Para o Cálculo de Energias de
Ionização de Valência e Camadas Internas de Moléculas Diatômicas” foi orientado pelo Profº
Dr. Rogério Custodio e teve como objetivos:
ix
Testar o uso de funções de onda provenientes do método Hartree-Fock no método
Monte Carlo Variacional e de Difusão;
Verificar como as simulações corrigem efeitos de correlação eletrônica;
Construir curvas de energia potencial para moléculas diatômicas e a partir destas
obter energias de ionização e parâmetros espectroscópicos.
CURSOS E ATIVIDADES EXTRACURRICULARES
Trabalho científico apresentado no 4º Encontro Sobre Estruturas Auto-Organizadas Em
Soluções e Superficies na forma de painel – São Pedro/SP – Nov/2014
Curso Multiconfigurational Quantum Chemistry: Theory and Applications in Coordination
Chemistry 15h – Profª Kristine Pierloot – UNICAMP – Abr/2013
Oficina de Química Forense 2011 – Instituto Nacional de Criminalística (INC) – Brasília/DF –
Ago/2011
Trabalho científico apresentado no XIX Congresso Interno de Iniciação Científica da
UNICAMP na forma de painel – UNICAMP – Out/2011
Trabalho científico apresentado no XVIII Congresso Interno de Iniciação Científica da
UNICAMP na forma de painel – UNICAMP – Set/2010
IDIOMAS
Inglês – Avançado
INFORMÁTICA
- Microsoft Office (Word, Excel, Power Point) – Intermediário
- Origin - Avançado
- MATLAB - Básico
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RESUMO
ESTUDO REOLÓGICO E CALORIMÉTRICO DE MICELAS COMO RETICULANTES
TRANSIENTES DE CELULOSES HIDROFOBICAMENTE MODIFICADAS
A química supramolecular envolve estruturas mantidas por interações intermoleculares.
Neste contexto, sistemas que apresentam estruturas auto-organizadas são de interesse
devido importância como ciência de base bem como aplicabilidade. Neste trabalho foram
utilizadas micelas de brometo de hexadeciltrimetilamônio (CTAB) como reticulantes de
hidroxietilceluloses hidrofobicamente modificadas. Como as micelas estão em constante
quebra e recombinação, reticulações transientes são obtidas. Tais sistemas apresentam
comportamento reológico característico, dependente da concentração do surfactante.
Obervou-se que a celulose que apresenta maior ramificação hidrofóbica resulta em aumento
mais efetivo da viscosidade como consequência do maior grau de reticulação. A Técnica de
calorimetria de titulação isotérmica (ITC) foi utilizada de modo a compreender os processos
energéticos envolvidos na agregação. Com esta pôde-se obter parâmetros do sistema como
cmc, cac e . Elucidou-se também que as interações polímero-surfactante são de
origem hidrofóbica. A adição de salicilato de sódio (NaSal) em solução de CTAB leva a
formação de micelas gigantes. Determinou-se por ITC a razão, [CTAB]/[NaSal], em que
ocorre a formação de micelas gigantes, bem como a variação de entalpia deste processo.
Sistemas contendo micelas gigantes e na presença de celulose hidrofóbicamente modificada
foram estudados por reologia. Variações em seu comportamento foram claramente
observadas.
xi
ABSTRACT
RHEOLOGICAL AND CALORIMETRIC STUDY OF MICELLES AS TRANSIENTS
CROSS-LINKS OF HYDROPHOBICALLY MODIFIED CELLULOSES
Supramolecular chemistry involves structures maintained by the intermolecular
interactions. In this context, systems that have self-assembled structures are of interest
because of importance as basic science as well as applicability. In this study, we used
micelles formed by hexadecyltrimethylammonium bromide (CTAB) as crosslinking agents of
hydrophobically modified hydroxyethylcelluloses. As the micelles are constantly breaking and
recombination, transient crosslinks are obtained. Such systems have characteristic
rheological behavior, dependent on the surfactant concentration. It was observed that the
cellulose which is more hydrophobic branching results in more effective increase in viscosity
as a result of the higher degree of crosslinking. Isothermal titration Calorimetry (ITC)
technique was used to understand the energy involved in the aggregation process. With this it
was possible to obtain system parameters such as cmc, cac and . It is also elucidated
that the interaction polymer-surfactant are of hydrophobic origin. The addition of sodium
salicylate (NaSal) into CTAB solutions leads to formation of giant micelles. It was determined
by ITC the ratio [CTAB]/[NaSal] in what occurs the formation of giant micelle, and the
enthalpy change of the process. Systems containing giant micelles in the presence of
hydrophobically modified cellulose were studied by rheology. Variations in their behavior were
clearly observed.
xii
SUMÁRIO
Lista de Abreviaturas....................................................................................... xiii
Lista de Tabelas................................................................................................ xiv
Lista de Figuras................................................................................................ xv
Capitulo I: Coloides, Reologia e Calorimetria................................................ 1
I.1 Coloides............................................................................................... 2
I.2 Polímeros em solução........................................................................ 3
I.3 Reologia............................................................................................... 9
I.4 Titulação calorimétrica isotérmica.................................................... 13
Capitulo II: Micelas como agentes reticulantes transientes......................... 15
II.1 Parte Experimental............................................................................. 16
Parte I: Micelas esféricas................................................................................. 20
II.2 Objetivos – Parte I.............................................................................. 20
II.3 Surfactantes........................................................................................ 20
II.4 Termodinâmica de micelização........................................................ 23
II.5 Resultados e discussão – Parte I..................................................... 25
II.6 Conclusões – Parte II......................................................................... 39
Parte II: Micelas gigantes................................................................................. 41
II.7 Objetivos – Parte II............................................................................. 42
II.8 Micelas Gigantes................................................................................ 42
II.9 Termodinâmica de micelas gigantes................................................ 46
II.10 Propriedades reológicas de micelas gigantes.............................. 47
II.11 Resultados e discussão – Parte II.................................................. 49
II.12 Conclusões – Parte II....................................................................... 64
Referências........................................................................................................ 66
xiii
Lista de Abreviaturas
concentração de emaranhamento
concentração de saturação
cac concentração de agregação crítica
cmc concentração micelar crítica
CPP parâmetro crítico de empacotamento
concentração de surfactante no máximo
CTAB brometo de hexadeciltrimetilamônio
HEC-HM hidroxietilcelulose hidrofobicamente modificada
frequência no cruzamento
módulo elástico
módulo viscoso
módulo no cruzamento
HPMC hidroxipropilmetilcelulose
ITC titulação calorimétrica isotérmica
comprimento de contorno
MG micela gigante
NaSal salicilato de sódio
raio de giração
SDS dodecil sulfato de sódio
viscosidade no platô
viscosidade máxima
energia livre de Gibbs padrão de micelização
entalpia padrão de micelização
entropia padrão de micelização
tempo de relaxação
frequência angular no cruzamento
xiv
Lista de Tabelas
Tabela I.1: Classificação dos coloides............................................................... 3
Tabela II.1: Viscosidade e concentração de surfactante no máximo................ 29
Tabela II.2: Valores de cac, cmc e obtidos de titulação calorimétrica
isotérmica para sistemas polímero/surfactante.................................................. 38
xv
Lista de Figuras
Figura I.1. Estruturas poliméricas a) linear, b) ramificada, c) grafitada e d)
reticulada............................................................................................................ 4
Figura I.2. Forma enovelada de um polímero em solução e seu raio de
giração................................................................................................................ 5
Figura I.3. Representação esquemática da tensão superficial de mistura de
HEC-HM e diversas concentrações de surfactante........................................... 6
Figura I.4. Esquema das estruturas formadas devido às interações
hidrofóbicas entre HEC-HM e surfactante.......................................................... 7
Figura I.5. Comportamento reológico de misturas HEC-HM/surfactante.......... 8
Figura I.6. Representação da aplicação de a) tensão sobre um sólido e b)
cisalhamento entre placas em um líquido.......................................................... 10
Figura I.7. Curvas de fluxo para fluidos: I –newtoniano, II – pseudoplástico e
III – dilatante....................................................................................................... 11
Figura I.8. Variação dos módulos elástico e viscoso em função da
frequência........................................................................................................... 12
Figura I.9. Esquema de um calorímetro de ITC................................................ 14
Figura I.10. Representação de injeções endotérmicas e exotérmicas na
titulação calorimétrica isotérmica....................................................................... 14
Figura II.1. Representação das estruturas de a) HPMC, b) HEC-HM, c)
CTAB, d) SDS e e) NaSal.................................................................................. 16
Figura II.2. Imagem do a) Reômetro RheoStress Haake – RS1, e geometrias
b) placa-placa (PP35) e c) Couette (Z20DIN).................................................... 17
Figura II.3. Calorímetro MicroCal VP-ITC utilizado nos experimentos de ITC.. 18
Figura II.4. Estrutura típica de um surfactante.................................................. 20
Figura II.5. Variação da tensão superficial com a concentração de
surfactante.......................................................................................................... 21
Figura II.6. Esquema de formação de micelas.................................................. 22
Figura II.7. Esquema de possíveis estruturas formadas por surfactantes........ 22
Figura II.8. Curvas de fluxo para soluções aquosas de a) HPMC e b) HEC-
HM...................................................................................................................... 25
xvi
Figura II.9. Viscosidade no platô em diferentes concentrações de polímeros
em água. As linhas foram usadas para facilitar a visualização das
tendências.......................................................................................................... 26
Figura II.10. Variação da viscosidade no platô para soluções aquosas
contendo 1% m/m de a) HPMC e b) HEC-HM em diferentes concentrações
de CTAB............................................................................................................. 28
Figura II.11. Experimentos oscilatórios para sistemas contendo a) HEC-HM
e b) HPMC em diversas concentrações de CTAB. Os pontos cheios denotam
enquanto os vazios ................................................................................... 30
Figura II.12. Variação do a) modulo no cruzamento e b) e do tempo de
relaxação para misturas de 1% m/m HEC-HM e diferentes concentrações de
CTAB.................................................................................................................. 31
Figura II.13. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, a 28 ºC. A
barra de erro corresponde ao desvio entre replicatas....................................... 33
Figura II.14. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, HEC-HM e
HPMC, a 28 ºC................................................................................................... 34
Figura II.15. Modelo de colar de pérolas para interação entre polímero e
surfactante.......................................................................................................... 35
Figura II.16. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, HEC-HM e
HPMC, a 50 ºC................................................................................................... 36
Figura II.17. Curvas de titulação de 100 mmol L-1 SDS em água, HEC-HM e
HPMC, a a) 25 e b) 50 ºC.................................................................................. 37
Figura II.18. Fatores geométricos de uma molécula de surfactante para
cálculo do parâmetro de empacotamento crítico............................................... 42
Figura II.19. Parâmetro de empacotamento crítico para diferentes estruturas
de surfactantes e agregados micelares............................................................. 43
Figura II.20. Escalas de tamanho pertinentes à micelas
gigantes.............................................................................................................. 44
Figura II.21. Comportamento esperado para o comprimento de micelas
gigantes carregadas........................................................................................... 47
Figura II.22. Viscosidade no platô para diferentes concentrações de sal ( )
a concentrações de surfactante constante. (●) CPyCl (0,3 mol L-1)/NaClO3; 48
xvii
(♦) CTAB (0,3 mol L-1)/NaNO3; (■) CTAB (0,35 mol L-
1)/KBr..................................................................................................................
Figura II.23. Registros fotográficos da ação da gravidade sobre misturas de:
a) 1% m/m HEC-HM/CTAB, b) MG (CTAB/NaSal, 1:1) e c) 1% m/m HEC-
HM/MG (CTAB/NaSal 1:1). Os tubos de 1 a 4 contêm respectivamente 5, 10,
50 e 100 mmol L-1 CTAB em a e a mesma concentração de salicilato em b) e
c). Os tempos seguidos após a inversão dos tubos também estão
indicados............................................................................................................ 51
Figura II.24. Separação de fases da mistura contendo 10 mmol L-1
CTAB/NaSal (1:1) e 1% m/m HEC-HM.............................................................. 52
Figura II.25. Fotografia das soluções contendo 0,1% m/m HEC-HM/2 mmol
L-1 NaSal e CTAB nas concentrações: 0,1, 0,3, 0,5, 0,8, 1,3, 1,5, 1,7 e 2,0
mmol L-1, respectivamente da esquerda para a direita...................................... 52
Figura II.26. Espectro Raman da fase inferior de misturas contendo 0,1% de
HEC-HM/2,0 mmol L-1 NaSal e diferentes concentrações de CTAB, além de
amostras puras de CTAB e salicilato de sódio.................................................. 53
Figura II.27. Curva de titulação 1 mmol L-1 NaSal com adições de de 5 mmol
L-1 CTAB a 28 ºC................................................................................................ 55
Figura II.28. Curvas de redução de atrito para misturas de 1,2 mmol L-1
CTAB e 2,0 mmol L-1 NaSal com diferentes concentrações de a) HEC-HM e
b) HPMC. As setas indicam algumas das temperaturas em que as MG se
fragmentam........................................................................................................ 57
Figura II.29. Representação da quebra de micelas gigantes em T2 em
experimentos de redução de atrito..................................................................... 59
Figura II.30. Viscosidade no platô de sistemas contendo MG e 1% HEC-
HM/MG para diferentes concentrações [C] de CTAB e NaSal com razão
molar 1:1............................................................................................................ 60
Figura II.31. Proposta de representação da reticulação de micelas gigantes
com polímero hidrofobicamente modificado...................................................... 61
Figura II.32. Variação dos módulos elástico – (símbolo cheio) e viscoso
(símbolo vazio) – para 1% m/m HEC-HM em água, com 1 mmol L-1 CTAB,
e MG (1 mmol L-1 CTAB e NaSal)...................................................................... 63
xviii
Figura II.33. Variação dos módulos elástico e viscoso ( , quadrados,
círculos) para sistemas aquosos contendo 1% m/m HEC-HM, e CTAB e
NaSal 5 (símbolos cheios) e 50 (símbolos vazios) mmol L-1.............................
64
1
Capítulo I
Coloides, Reologia e Calorimetria
2
I.1 Coloides
O escopo desse projeto se insere na química de coloides. O termo coloide, refere-
se a um estado de subdivisão, o que implica que as moléculas ou partículas
polimoleculares dispersas num meio possuem pelo menos em uma direção uma
dimensão aproximadamente entre 1 nm e 1 µm, ou em um sistema onde
descontinuidades desta ordem de distância são encontradas.1
Nesse sentido, soluções de polímeros ou agregados micelares constituem
sistemas coloidais, bem como suspensões de partículas. De fato, o primeiro estudo
sistemático de coloides que se tem registro data da metade do século XIX, em que
Francesco Selmi relacionou a turbidez de sais, como cloreto de prata e azul da Prússia
em água, com o tamanho das partículas dispersas. Na mesma época, o renomado
Michael Faraday realizou trabalhos com nanopartículas de ouro. Ele descobriu, por
exemplo, que tais sistemas são termodinamicamente instáveis, porém podem ser
cineticamente estabilizados. Pouco tempo depois, Thomas Graham cunhou o termo
coloide, que do grego significa cola, devido à baixa difusão desses materiais, observado
em seus experimentos de diálise.2
Intrinsecamente, podemos destacar três características de sistemas coloidais: 1)
em relação à estabilidade termodinâmica, 2) escala de tempo de eventos e 3)
propriedades interfaciais. A primeira se subdivide em duas classes, dependendo da
liofilicidade do soluto. Como exemplo, enquanto soluções poliméricas e micelares são
termodinamicamente estáveis, suspensões e emulsões separarão fase em algum
momento. A escala de eventos se refere ao movimento browniano, responsável pela
difusão da fase dispersa. Os sistemas coloidais se difundem mais lentamente que
partículas menores como átomos, íons e moléculas pequenas. Por último, a área
gerada quando espécies nanométricas são dispersas em um meio (para sistemas
liofóbicos) é a responsável pela alta energia de interfaces, onde interessantes
fenômenos acontecem. A Tabela I.1 apresenta uma classificação dos coloides de
acordo com o meio e o disperso, os exemplos mostrados dão uma ideia da abrangência
de sistemas coloidais e de sua importância.
3
Tabela I.1. Classificação dos coloides.2
Meio Disperso Nome Exemplo
Sólido
Sólido Sol sólido Compósitos, madeira
Líquido Material poroso Gelatina, poços de petróleo
Gás Espuma sólida Pedra-pomes, zeólitas
Líquido
Sólido Sol Tintas, suspensões
Líquido Emulsão Maionese, cremes para pele
Gás Espuma Espumas
Gás
Sólido Aerossol Fumaça
Líquido Aerossol Neblina
Gás Não existe, todos os gases são miscíveis
I.2 Polímeros em solução
Polímeros são macromoléculas formadas pela união (covalente) de monômeros.
Dividem-se em biopolímeros, como proteínas e ácidos nucléicos, e sintéticos, como
plásticos e borrachas. As propriedades dos polímeros podem variar de acordo com a
natureza química dos monômeros, sua estrutura e massa molecular.3
A natureza química determina, entre outras coisas, a interação do polímero com o
solvente e, consequentemente, a sua conformação adotada quando em solução. Se o
polímero for solúvel no solvente, por fatores entrópicos, sua conformação mais provável
será em forma de novelo.3 Quanto maior for a interação entre os meros e as moléculas
do solvente, mais expandida estará a cadeia polimérica. Em polímeros eletricamente
carregados e em baixa força iônica, no entanto, uma configuração estendida é mais
provável devido à repulsão entre partes próximas da cadeia. Assim, a natureza química
afeta diretamente as propriedades reológicas da solução. A estrutura molecular também
interfere na configuração, pois pode restringir certas configurações. A Figura I.1
representa as cadeias de um polímero: a) linear, b) ramificado, c) com as ramificações
diferentes da cadeia principal, o qual recebe o nome de grafitado. Já em d) as cadeias
são ligadas covalentemente umas às outras (reticulação).4
4
a)
b)
c)
d)
Figura I.1. Estruturas poliméricas a) linear, b) ramificada, c) grafitada e d)
reticulada. Modificado da referência 4.
Em uma reação de polimerização não é possível se obter um polímero sintético
com massa molecular única, o que se observa é uma distribuição desta, isto é,
polímeros sintéticos são polidispersos.4 Existem vários métodos para o cálculo da
massa molar de um polímero, dentre eles tem-se a massa molecular média ponderada
por número, , e por massa, (Eq. I.1 e I.2 respectivamente)
∑
Equação I.1
∑
∑ ∑
∑ Equação I.2
Experimentalmente, , e a polidispersão (razão entre ⁄ ) é determinada
por cromatografia de exclusão de tamanho. As massas moleculares também podem ser
determinadas por medidas de pressão osmótica, viscosimétricas e espalhamento de
luz.4
Quando um polímero é dissolvido em um solvente, a variação de entropia do
sistema não é suficientemente favorável como quando ocorre a dissolução de um soluto
5
não polimérico. A cadeia em solução, encontra-se em uma forma enovelada (Figura
I.2), equilibrada ao redor de uma configuração mais provável. As dimensões do novelo
polimérico (linear) podem ser estimadas, considerando-se a distância média entre as
pontas da cadeia (distância quadrática média). O raio de giração, , é uma excelente
representação da dimensão do novelo polimérico. Ele se relaciona com a distância dos
segmentos ao centro de massa da cadeia.5 Como pode-se esperar, o raio de giração
depende da massa molecular do polímero, .
Figura I.2. Forma enovelada de um polímero em solução e seu raio de giração.
O que determina a solubilidade de um polímero é a interação entre os meros e as
moléculas do solvente. Assim, um polímero pode ser solúvel, parcialmente solúvel ou
insolúvel em determinado solvente. As interações solvente-mero podem ser favoráveis
frente às solvente-solvente e mero-mero, tem-se nesse caso um bom solvente, no qual
as cadeias apresentam-se bastante expandidas, limitadas pela entropia, e
consequentemente, um grande ; Em um mau solvente, as interações mero-solvente
não prevalecem em relação a mero-mero, levando a um novelo compacto, isto é, com
pequeno raio de giração.2
Uma interessante classe de polímeros naturais é a das celuloses. A celulose é um
polímero de cadeia linear constituída de 10 a 15 mil unidades de D-glicose através de
ligações (β1→4) glicosídicas. Encontrada nas paredes celulares em forma de fibras, a
celulose é insolúvel em água, pois suas cadeias são dispostas de maneira paralela
6
umas às outras, possibilitando a formação de ligações de hidrogênio, o que dificulta a
difusão das moléculas de água entre as cadeias.6 Modificando-se as cadeias de
celulose hidrofobicamente, isto é, fazendo a grafitização com grupos alquílicos, ela
pode se tornar uma molécula anfifílica passível de auto-agregação em água. Quando
surfactante é adicionado à uma solução contendo um polímero deste tipo, como por
exemplo, hidroxietilcelulose hidrofobicamente modificada (HEC-HM), as interações
polímero-surfactante levam a estruturas auto-associativas. Isto pode ser observado por
medidas de tensão superficial. Na medida em que moléculas de surfactante são
adicionadas em uma solução de concentração fixa de um polímero, como a HEC-HM, é
observado um abaixamento da tensão superficial, até que em determinada
concentração esta se torna constante. Essa concentração é chamada de concentração
de agregação crítica (cac) e está relacionada à associação de moléculas de surfactante
ao polímero. Como a cac é menor que a concentração micelar crítica (cmc,
concentração em que se inicia a formação de micelas), micelas são observadas apenas
após a saturação do polímero com o surfactante. Assim como a cmc, a cac também é
um processo cooperativo.4 Esta sequência de eventos está representada na Figura I.3.
Figura I.3. Representação esquemática da tensão superficial de mistura de HEC-
HM e diversas concentrações de surfactante. Modificado da referência 4.
Em polímeros hidrofobicamente modificados, as interações hidrofóbicas intra e
intermoleculares entre os grupos alquilas inseridos na cadeia hidrofílica podem levar à
formação de uma rede tridimensional (Figura I.4), com elevação da viscosidade. Com a
7
adição sucessiva de pequenas quantidades de surfactante a uma solução contendo
HEC-HM, os primeiros unímeros de surfactante tendem a ligar-se às partes hidrofóbicas
do polímero (Figura I.4 b). Posteriormente, a adição de mais surfactante em
concentração acima da cmc resulta em micelas mistas de unímeros e ramificações
hidrofóbicas. Tais micelas atuam como agentes reticulantes transientes entre as
cadeias poliméricas, gerando uma rede tridimensional (Figura I.4 c). No entanto, se a
concentração de surfactante é aumentada de modo que o número de micelas seja
maior que o de sítio hidrofóbicos então a densidade de reticulações se torna muito
baixa e a rede tridimensional se desfaz (Figura I.4 d).4,7
Muitos produtos comerciais como, por exemplo, de higiene e beleza, alimentos,
fármacos e tintas apresentam essa combinação como composição majoritária devido às
suas propriedades físico-químicas ajustáveis de acordo com a natureza e a
concentração. O caso de tintas para residências é marcante no sentido de
desenvolvimento de “design” reológico. Seu sistema engloba todas as propriedades
necessárias para uma tinta. Para evitar sedimentação enquanto em repouso na
embalagem, é desejável uma alta viscosidade, resultado das reticulações. Durante o
carregamento do pincel/rolo e aplicação na superfície, uma baixa viscosidade é obtida
devido à aplicação de cisalhamento e quebra de tais reticulações, facilitando o seu
espalhamento. Após a aplicação, a alta viscosidade evita que a tinta escoe devido a
gravidade, isto é obtido devido a re-formação das reticulações.4
a)
→ b)
↓
d)
← c)
Figura I.4. Esquema das estruturas formadas devido às interações hidrofóbicas
entre HEC-HM e surfactante. Modificado da referência 4.
8
Em 2003, Piculell et al.7 estudaram sistematicamente a reologia de sistemas HEC-
HM/surfactante. Como já mencionado, tais sistemas apresentam o comportamento
reológico (viscosidade) mostrado na Figura I.5. No regime I há poucas micelas mistas, e
pouca reticulação. Aumentando a concentração de surfactante, o número de micelas
mistas aumenta, levando ao máximo de viscosidade observado em II. Após este ponto,
o aumento da concentração de surfactante gera mais micelas que cadeias hidrofóbicas
e não há mais reticulações efetivas, como resultado, a viscosidade diminui como visto
em III. Neste trabalho, diversos surfactantes aniônicos e catiônicos foram estudados e o
comportamento observado parece ser universal para tais surfactantes. Além disso,
mostrou-se que a concentração do surfactante , em que o máximo de viscosidade
, ocorre, é tão maior quanto maior for a sua cmc. Observa-se também que existe
uma correlação entre a natureza do surfactante e a . Constatou-se que os contra-
íons que auxiliam a micelização, como o brometo e surfactantes com grande número de
agregação, exibem um aumento na viscosidade mais pronunciado. A partir dos
espectros mecânicos (obtidos em experimentos de reologia oscilatória, que serão
apresentados no item I.3), verificou-se que o tempo de relaxação, , está diretamente
relacionado com o número de reticulações e o tempo de meia-vida destas. Um
resultado interessante é que não é possível observar nenhuma alteração reológica
quando há agregação na cadeia principal do polímero.
Figura I.5. Comportamento reológico de misturas HEC-HM/surfactante.7
9
I.3 Reologia
Reologia é o estudo de como um sistema reage à aplicação de forças sobre ele. O
termo foi cunhado por Eugene Bingham (1878 – 1945), do grego ῥέω (rheo, “fluxo”) + -
λογία (logy, “estudo do”). É importante ressaltar que a reologia é uma medida
macroscópica, contudo, vale lembrar que são as interações intermoleculares que
definem o comportamento reológico do material.8
Dois extremos podem ser idealizados para a classificação de materiais segundo a
reologia: um sólido ideal, que se deforma com a aplicação de uma tensão e retorna à
sua forma original quando esta é cessada, reestabelecendo a energia sujeita. Por outro
lado, quando um líquido ideal é submetido a uma tensão ele flui, neste caso a energia
é dissipada na forma de calor pelas moléculas do líquido e não pode ser recuperada
quando a tensão é interrompida.8
Os materiais “reais” que encontramos no cotidiano ou em um laboratório não
correspondem, no entanto, a nenhum desses dois extremos. São assim chamados
viscoelásticos, por apresentarem comportamento viscoso (fluem), bem como elástico
(deformam).8,9
Matematicamente, pode-se escrever duas relações importantes para sólidos e
líquidos:
Equação I.3
Equação I.4
A Equação I.3 é utilizada no caso dos sólidos. A aplicação de uma força de
cisalhamento gera uma tensão, (N/m² = Pa), que resulta em uma deformação,
(Figura I.6), ambas relacionadas por uma constante de proporcionalidade
(Pa), chamada módulo de Young, que da ideia da rigidez do material.8
Por sua vez, a Equação I.4 é análoga à segunda lei de Newton para líquidos. Os
sistemas que obedecem esta equação são denominados Newtonianos. Ao aplicar-se a
mesma tensão, , em um fluido newtoniano este flui e cada elemento infinitesimal do
material possui uma variação de velocidade com o tempo chamada taxa de
cisalhamento, (
, s-1). A constante de proporcionalidade na equação é conhecida
10
como constante de viscosidade, (Pa s), sendo esta relacionada a ideia de resistência
ao fluxo do material.8
As Equações I.3 e I.4 podem ser usadas (combinadas) para descrever o
comportamento de sistemas viscoelásticos dentro do chamado regime linear (que será
discutido adiante).
a) b)
Figura I.6. Representação da aplicação de a) tensão sobre um sólido e b)
cisalhamento entre placas em um líquido. Modificado da referência 8.
Líquidos como água, glicerina e soluções de moléculas não poliméricas em geral,
são sistemas simples (newtonianos). Porém, os sistemas que utilizamos em nosso
cotidiano não são newtonianos. Como anteriormente mencionado, tintas têm sua
reologia quimicamente controlada de forma que sua viscosidade é suficientemente
baixa para que sua aplicação seja fácil e eficaz, bem como alta o suficiente para que
esta não escorra após a aplicação. A textura de um chocolate ou o efeito “macio” de um
creme ao ser aplicado sobre a pele são outros exemplos práticos. Na indústria, o
transporte de matéria prima é corriqueiro e pode ser realizado de maneira mais eficiente
quando as propriedades mecânicas do fluido são conhecidas.
Dois tipos principais de ensaios reológicos são comumente realizados. Aqueles
que estão fora do regime linear, onde são obtidas curvas de fluxo, e os que estão no
regime linear (oscilatórios). As curvas de fluxo consistem na medida da tensão de
cisalhamento em função da taxa de cisalhamento. Alternativamente, a curva de fluxo
pode ser representada pela viscosidade (razão entre ⁄ ) em função de , como
mostrado na Figura I.7.
11
Figura I.7. Curvas de fluxo para fluidos: I –newtoniano, II – pseudoplástico e III –
dilatante.
Nos experimentos oscilatórios, é possível avaliar as características elástica
(módulo elástico, ) e viscosa da amostra (módulo viscoso, ). Juntos, e
mostram como um material responde quando este é submetido às excitações
mecânicas (em determinadas frequências) armazenando energia e deformando-se
como uma borracha, ou escoando como um líquido, respectivamente.9
A determinação dos módulos e é feita quando as medidas oscilatórias são
realizadas dentro do regime linear. Este regime é caracterizado por deformações de
pequena amplitude, de forma que um único módulo caracteriza a relaxação mecânica,
independente da amplitude aplicada. A região paralela irá definir a tensão aplicada na
amostra, para que esta esteja dentro da região linear. Esta etapa do experimento é
denominada de ensaio de amplitude. A seguir, a amostra é estimulada aplicando
variações de tensão (de forma oscilatória) onde a máxima amplitude da tensão não
ultrapassa a tensão para estar dentro do regime linear. Assim, podem-se determinar os
módulos e em função da frequência, , aplicada. Existe um modelo, denominado
Modelo de Maxwell, que descreve o comportamento reológico da amostra por análogos
mecânicos, o pistão representando o escoamento, e a mola, representando sua parte
elástica. No modelo de Maxwell, os dois elementos mecânicos estão combinados em
série. Neste caso, as taxas de deformação se somam.8,9
Assim, como , a derivada da tensão com o tempo resulta em , e,
portanto: ⁄ . Desta forma, considerando a soma das taxas:
12
⁄ ⁄ Equação I.5
O desenvolvimento da Equação I.5 resulta nas expressões explícitas dos módulos
e em função da frequência (Equações I.6 e I.7):
( ) ( )
( ) Equação I.6
( )
( ) Equação I.7
Nas equações, os parâmetros e são, respectivamente, o módulo no platô e o
tempo de relaxação característicos, que são determinados pelo ajuste das curvas
reológicas (Figura I.8).9
Figura I.8. Variação dos módulos elástico e viscoso em função da frequência.
Os sistemas formados por micelas gigantes (Capítulo III) são uns dos poucos que
seguem rigorosamente a Equação de Maxwell, isto é, apresentam um único tempo de
relaxação característico.
A Figura I.8 é característica de sistemas macromoleculares em que as cadeias se
encontram entrelaçadas. Assim, a variação dos módulos com a frequência da oscilação
pode ser interpretada do ponto de vista molecular. Quando o estímulo mecânico é
aplicado em frequências baixas, o excesso de energia mecânica é dissipado pelo
movimento das cadeias, que se movem como serpentes entre rochas. Por esta
13
característica, são denominados de reptação. Assim, o módulo de perda ( ) é maior
que o módulo de armazenamento ( ). Se então, o estímulo mecânico (oscilação) é feito
com uma frequência maior, não haverá tempo suficiente para que toda cadeia
polimérica sofra reptação. Neste caso, parte da energia mecânica aplicada é
armazenada (o módulo < ). O ponto de cruzamento das duas funções é bastante
característico da amostra e ocorre quando os dois processos contribuem igualmente
para a dinâmica do sistema.9
I.4 Titulação calorimétrica isotérmica
Energia talvez seja a mais pura forma de compreensão de fenômenos da
natureza. Em princípio, toda transformação envolve variação de energia. Nesse sentido,
a variação de entalpia, , em um processo químico é central para o seu entendimento.
Na titulação calorimétrica isotérmica (do inglês isothermal titration calorimetry, ITC) a
variação de entalpia de um processo é medida à temperatura constante.
O principal tipo de calorímetro utilizado nesta técnica consiste em duas celas. A
cela de reação, onde a reação de interesse ocorre; e a cela de referência, que contém
água (Figura I.9). Adições contendo volume controlado do titulante, utilizando-se uma
seringa de alta precisão, são feitas sob agitação. Se a adição afetar o sistema de modo
que ocorra um processo endotérmico, então, ocorrerá uma diminuição da temperatura
da cela de reação. O aparelho então aumenta o fluxo de calor nesta cela até que a
temperatura se iguale a de referência. Caso o processo seja exotérmico, haverá
aumento de temperatura na cela e, consequentemente, o fluxo deverá ser diminuído.
Isso gera picos, ou vales, que variam com o tempo (Figura I.10). A integração dessa
curva fornece a energia trocada (variação de entalpia) em função da concentração do
titulante.10,11
14
Figura I.9. Esquema de um calorímetro de ITC.
Os calorímetros atuais são extremamente sensíveis, podendo medir o fluxo de
energia da ordem de 0,1 µW. É importante ressaltar que as medidas observadas
resultam de todos os processos ocorridos durante a reação, assim, a observação de um
único processo e a determinação da energia envolvida nele é crucial na determinação
das condições do experimento. Visto isso, os parâmetros possíveis de se obter no
experimento de ITC (Capítulo II) abrangem entalpia de micelização, cmc, cac, e outros,
fazendo deste um excelente método para investigação de coloides, principalmente
misturas polímero/surfactante.10,11
Figura I.10. Representação de injeções endotérmicas e exotérmicas na titulação
calorimétrica isotérmica.
15
Capítulo II
Micelas como agentes reticulantes transientes
16
II.1 Parte Experimental
Materiais
Foram estudados dois tipos de celulose: hidroxipropilmetilcelulose (HPMC) de
nome comercial METHOCEL K15M, e hidroxietilcelulose hidrofobicamente modificada
(HEC-HM) de nome comercial Natrosol Plus 330 (massa molar 30.000). Os quais foram
obtidos da Dow Chemical e Aqualon, respectivamente. Brometo de cetiltrimetilamônio
(CTAB), dodecil sulfato de sódio (SDS) e salicilato de sódio foram obtidos da Sigma
Aldrich. Todos os reagentes foram utilizados sem tratamento prévio. A Figura II.1
representa as estruturas das substâncias utilizadas.
O
HO OO
OH
O
O
OH
OH
HO
O
HO
O
O
HOO
O
HO
O
O
HO
O
OHO
O
HO
OO
O
OHO
O
HO
O
O
HOO
HO
O
O
O
O
OHHO
N Br-
O
S
O-
O O
Na+
O O-Na+
OH
a)
b)
c)
d)
e)
Figura II.1. Representação das estruturas de a) HPMC, b) HEC-HM, c) CTAB, d)
SDS e e) NaSal.
17
Preparo das amostras
Soluções estoque de cada um dos componentes foram preparadas e misturadas
nas proporções desejadas para obtenção das misturas. Estas foram aquecidas a 70 ºC
em banho de água por 1 h e permitidas resfriar lentamente até temperatura ambiente.
Experimentos reológicos
Experimentos de amplitude, oscilatório e curva de fluxo foram conduzidos em um
reômetro RheoStress Haake – RS1 (Figura II.2). Geometria do tipo placa-placa
(diâmetro do rotor 35 mm) foi utilizada para as amostras de viscosidade elevada, e
Couette ou cilindro concêntrico (diâmetro do rotor e do copo são 20,0 e 22,1 mm,
respectivamente) para as menos viscosas.
a) b)
c)
Figura II.2. Imagem do a) Reômetro RheoStress Haake – RS1, e geometrias b)
placa-placa (PP35) e c) Couette (Z20DIN).
18
Os módulos de armazenamento, , e perda, , foram obtidos nos experimentos
de amplitude a fim de encontrar a região linear, na faixa de tensão de cisalhamento
entre 0,1-10,0 Pa, e taxa de cisalhamento de 1 Hz. Nos experimentos oscilatórios
utilizou-se a tensão encontrada anteriormente e oscilação entre 0,1-10,0 Hz. Nos
experimentos de curva de fluxo obteve-se a viscosidade no platô, . Todos os
experimentos foram realizados com banho termostatizado a 25 ºC.
Os experimentos de redução de atrito foram realizados em geometria double-gap,
cisalhando-se em fluxo turbulento a rotação constante de 1197 rpm, com rampa de
aquecimento de 0,018 ºC s-1, de 20 a 90 ºC.
Titulação calorimétrica isotérmica
Os experimentos de calorimetria foram realizados em um MicroCal VP-ITC (Figura
II.3). Alíquotas de surfactante (5 ou 20 mmol L-1 CTAB ou 100 mmol L-1 SDS) na faixa
de 1 a 10 µL foram adicionadas à cela de reação contendo 1,43 mL de água (branco),
soluções dos polímeros 0,1 % m/m ou 1 mmol L-1 no caso de micelas gigantes, em
intervalos de tempo de 2 a 5 min entre cada adição. Realizaram-se ensaios a 25, 28 e
50 ºC.
Figura II.3. Calorímetro MicroCal VP-ITC utilizado nos experimentos de ITC.
19
Espectroscopia Raman
Utilizou-se um espectrômetro Raman confocal (Horiba Jobin-Yvon, model
modelonT64000) de alta resolução espectral e espacial, equipado com um laser de íons
de Ar. As amostras foram excitadas por uma fonte de 514 nm por 60 s focalizadas
através de uma objetiva de 100x. Os espectros foram obtidos na faixa de 200 – 3200
nm, com resolução de 3,1 cm-1.
Os espectros foram coletados para amostras viscosas (géis) e líquidas. No
primeiro caso não foi possível focalizar o laser diretamente na amostra, a estratégia
utilizada foi depositar uma pequena quantidade do gel sobre uma placa de vidro, e
deixar o material secando por alguns minutos para que se pudessem realizar as
medidas. No segundo caso o espectro foi coletado a partir da amostra intacta em uma
cubeta de quartzo com caminho óptico de 1 cm, em que o laser foi defletido
horizontalmente por um espelho a 45º. Como padrões para os géis, foram utilizadas
amostras sólidas de CTAB e salicilato de sódio.
20
Parte I
Micelas esféricas
II.2 Objetivos – Parte I
O objetivo deste estudo é verificar por reologia os resultados obtidos por Piculell et
al.7 e estender o estudo para um polímero de menor ramificação hidrofóbica. Além
disso, desejamos complementar o estudo utilizando a calorimetria para entender as
interações.
II.3 Surfactantes
Surfactantes são moléculas anfifílicas, isto é, possuem em sua estrutura uma
parte hidrofílica e outra hidrofóbica. Em geral, apresentam uma cabeça polar, sendo
esta iônica ou não, e uma cauda apolar, geralmente uma cadeia alquílica (Figura II.4).
O termo vem do inglês surface active agent (agente ativo de superfície), o qual
descreve sua principal característica. Devido sua estrutura, tais moléculas atuam em
superfícies e interfaces.
Figura II.4. Estrutura típica de um surfactante.
Neste estudo, serão discutidas apenas soluções aquosas de surfactantes, embora
fenômenos semelhantes ocorram em solventes orgânicos.12 Ainda que diversas
propriedades reflitam as características de soluções de surfactantes, é conveniente
avaliar a tensão superficial, , da mistura obtida. A tensão superficial é definida como a
razão entre a variação na energia livre necessária para aumentar área ( ) de certo
valor:
21
(
)
Equação II.1
Na medida em que moléculas de surfactante são adicionadas na água, um
excesso das moléculas tende a se concentrar na interface água/ar com a porção
hidrofóbica voltada para a fase gasosa, enquanto a cabeça hidrofílica permanece na
solução. Uma fração de surfactante continua na solução como unímeros livres. Este
processo é principalmente movido pelo efeito hidrofóbico, no qual a desidratação das
cadeias do surfactante quando da adsorção, produz ganho entrópico causado pelas
moléculas de água que podem adquirir configurações de maior grau de liberdade.
Esse processo acarreta em um abaixamento da tensão superficial da mistura. A adição
de mais surfactante leva mais moléculas à interface e a tensão superficial é diminuída
ainda mais. Contudo, em determinada concentração, não varia com a adição de mais
surfactante (Figura II.5). A concentração em que isso ocorre é chamada concentração
micelar crítica (cmc). A partir desta concentração, os unímeros de surfactante começam
a se auto-organizar formando micelas. Micelas são estruturas também formadas devido
o efeito hidrofóbico. As moléculas de surfactante se agrupam de modo que a parte
hidrofóbica fica voltada para dentro da estrutura, e as cabeças polares voltam-se para
fora da micela, interagindo com a água. Acima da cmc, as moléculas de surfactante são
encontradas em equilíbrio com os unímeros em solução, adsorvidas na superfície ou
como unímeros nas micelas.2,4 A Figura II.6 apresenta o equilíbrio de surfactantes entre
monômeros e micelas.
Figura II.5. Variação da tensão superficial com a concentração de surfactante.
22
Os agregados formados podem assumir diversas estruturas, como por exemplo,
micelas esféricas, cilindros alongados, lamelas e vesículas. A estrutura depende da
concentração do surfactante, da sua natureza e estrutura químicas, temperatura e
presença de co-soluto.2,4,13 A Figura II.7 ilustra algumas dessas estruturas possíveis.
Figura II.6. Esquema de formação de micelas. Modificado da referência 14.
Como mencionado, soluções de surfactantes constituem uma parte importante da
química de coloides. Muito se tem realizado para compreender fenômenos associados
à tensoativos. As propriedades vindas de sua característica anfifílica aplicam-se em
diversas áreas: detergentes, emulsões, estabilização de nanopartículas, etc.
Figura II.7. Esquema de possíveis estruturas formadas por surfactantes.
Modificado da referência 14.
23
II.4 Termodinâmica de micelização
Antes de verificar o processo de micelização, pode-se considerar o processo de
formação de mistura. Para isso utiliza-se a energia livre de Gibbs a temperatura e
pressão constantes. Para um processo de mistura definimos a energia livre de mistura
como:
Equação II.2
A e constantes, a variação da energia livre de um sistema em equilíbrio
químico é devida somente às alterações nas quantidades de matéria, , das
espécies presentes. A energia livre pode ser escrita como ( ), e a
variação desta como:
(
)
(
)
∑ (
)
Equação II.3
Se e são constantes, então e são nulos, e a Equação II.3 torna-se
dependente apenas da quantidade de matéria das espécies presentes
∑ (
)
Equação II.4
A derivada parcial na Equação II.4 recebe o nome de potencial químico e é
definida como
(
)
Equação II.5
O potencial químico de uma substância em determinado sistema se relaciona
com a sua atividade, , e pode ser escrito explicitamente como:
Equação II.6
24
Em que é o potencial químico da espécie pura. Assim, no caso em que pode
ser aproximado para (fração molar do componente ), a adição de mols de
moléculas de em uma solução, a e constantes, gera uma diferença de energia
livre igual a
Equação II.7
O processo de micelização é bastante cooperativo, isto é, depois de iniciada a
micelização, quanto maior o número de agregação, mais fácil é a adição de uma nova
molécula de surfactante à micela. Este processo ocorre até atingir um número limite.
Um modelo eficaz para esta descrição envolve assumir a micela como uma fase
diferente da aquosa – deve-se destacar que este é apenas um modelo para o
tratamento, de fato, soluções de micelas constituem uma única fase. Por este motivo, o
modelo é chamado de pseudo-fase. Pode-se usar a Equação II.6 para escrever o
potencial químico das moléculas de surfactante na pseudo-fase micelar, , e livres
na fase aquosa, , obtendo-se a Equação II.8
[ ] Equação II.8
Em que [ ] é a concentração total de surfactante na solução. Se aplicarmos a Eq.
II.8 para a energia livre padrão de micelização, a concentração de surfactante é a cmc,
e obtém-se:
Equação II.9
Ensaios calorimétricos podem ser utilizados para determinar quantidades
importantes para o processo de micelização ( ,
e ). A cmc é obtida
através da inflexão da curva de titulação e usando a Equação II.8 obtém-se a energia
livre de micelização. A entalpia de micelização é obtida diretamente do mesmo
experimento. E, sabendo-se a relação
, determina-se a entropia
envolvida na formação de micelas.2,10,15
25
II.5 Resultados e discussão – Parte I
Reologia
Os primeiros experimentos realizados consistiram no estudo dos polímeros em
solução aquosa em regime diluído, isto é, abaixo da concentração de emaranhamento
( ).5,16
a)
0,1 1 10 100
1
10
100
[HPMC]
1,0 % m/m
2,0 % m/m
2,5 % m/m
3,0 % m/m
/ P
a s
' / s-1
b)
0,1 1 10 100
0,1
1
10
[HEC-HM]
1,0 % m/m
2,0 % m/m
2,5 % m/m
3,0 % m/m
/ P
a s
' / s-1
Figura II.8. Curvas de fluxo para soluções aquosas de a) HPMC e b) HEC-HM.
26
Soluções poliméricas na faixa de 0,5-3,0 % m/m foram preparadas e suas curvas
de fluxo obtidas. A Figura II.8 mostra um comportamento reológico típico
(pseudoplástico) de soluções poliméricas, onde duas regiões distintas podem ser
observadas: uma região com comportamento newtoniano (platô), seguida de
afinamento, na medida em que ocorre o aumento da taxa de cisalhamento. A região do
platô é consequência da baixa taxa de cisalhamento, até este ponto as cadeias
poliméricas encontram-se enoveladas, assemelhando-se a esferas quando comparadas
à escala de tamanho dos planos de fluxo do fluido. Assim, comportam-se como um
fluido newtoniano, dificultando o escoamento e elevando a viscosidade da solução se
comparada à viscosidade do solvente puro. Quando a taxa de cisalhamento aumenta, a
energia mecânica é suficientemente grande para que as cadeias do polímero se
alinhem ao fluxo, facilitando o escoamento e diminuindo assim a viscosidade
aparente.16
Uma informação importante que pode ser obtida das curvas de fluxo é a chamada
viscosidade no platô, , obtida na região do platô newtoniano. As curvas na Figura II.9,
obtidas a partir das curvas de fluxo da Figura II.8, mostram a dependência de em
função da concentração de polímero. Como esperado, a viscosidade aumenta na
medida em que a concentração de polímero aumenta.
1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
0
20
40
60
80
100
120
0 / P
a s
[polimero] / %
HEC-HM
HPMC
Figura II.9. Viscosidade no platô em diferentes concentrações de polímeros em
água. As linhas foram usadas para facilitar a visualização das tendências.
27
Com o intuito de reproduzir os resultados de Piculell7 e verificar se o efeito de
associação entre polímeros e micelas ocorre com HPMC, foram obtidas curvas de fluxo
de misturas contendo 1% m/m de polímero e diferentes concentrações de surfactante,
obtendo-se soluções viscosas. Assim como para as soluções poliméricas, a viscosidade
no platô foi avaliada em função da concentração de CTAB, o resultado é mostrado na
Figura II.10.
Como mencionado anteriormente, o comportamento observado na Figura II.10
deve-se às diferentes estruturas formadas devido ao gradiente de concentração de
surfactante. O efeito da adição de CTAB sobre a viscosidade é facilmente observado
de maneira visual. Dois regimes podem sem observados, o primeiro trata-se da baixa
concentração de surfactante e, consequentemente baixa concentração de micelas.
Neste caso a viscosidade cresce linearmente como resultado da formação de
reticulações dinâmicas entre as ramificações hidrofóbicas do polímero auxiliado pelas
micelas de CTAB. A segunda tendência é a diminuição da viscosidade devido ao
acréscimo de surfactante e consequente aumento da concentração de micelas,
alterando a distribuição de cadeias hidrofóbicas do polímero por micela.
A viscosidade das soluções poliméricas passa de 0,75 e 0,35 Pa s (solução
aquosa 1 %, Figura II.9) para 1,1 e 4,5 Pa s ( ) pela adição de CTAB em HPMC e
HEC-HM, respectivamente. Isto mostra que as ramificações (presença dos grupos
alquilas) maiores favorecem a formação das reticulações transientes e, por isso o
Natrosol Plus 330, com ramificações hexadecil, apresenta aumento mais significativo de
sua viscosidade. Outro resultado é que, a adição de surfactante aumenta a viscosidade
em pequenas quantidades. Contudo, em altas concentrações a mistura
polímero/surfactante apresenta menor viscosidade que uma solução polimérica de
mesma concentração porém sem o surfactante. A análise da Figura II.10 mostra que
isso ocorre em concentração de CTAB igual a 13 e 27 mmol L-1, para HPMC e HEC-
HM, respectivamente. A Tabela II.1 resume esses dados.
28
a)
0 5 10 15 20 25
0,7
0,8
0,9
1
0 / P
a s
[CTAB] / mmol L-1
b)
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
5,0
0 / P
a s
[CTAB] / mmol L-1
Figura II.10. Variação da viscosidade no platô para soluções aquosas contendo
1% m/m de a) HPMC e b) HEC-HM em diferentes concentrações de CTAB.
29
Tabela II.1. Viscosidade e concentração de surfactante no máximo.
Sistema Obtido Piculell et al7
/ Pa s / mmol L-1 / Pa s / mmol L-1
HEC-HM 4,50 1,0 3,2 3,2
HPMC 1,01 4,0 - -
Nota-se que o valor determinado por Piculell7 e colaboradores para é maior
que o valor determinado neste trabalho. Possivelmente, esta diferença pode estar
relacionada com a variação abrupta da viscosidade com a concentração do CTAB.
Experimentos oscilatórios foram realizados para as amostras mais viscoelásticas
destes sistemas. Curvas típicas em que supera em frequências altas foram
observadas, como mostra a Figura II.11. Como pode ser observado, a frequência em
que as curvas referentes aos módulos elástico e viscoso se cruzam ( ) varia
significativamente para o HEC-HM na medida em que mais surfactante é adicionado
(mantendo a mesma concentração dos polímeros). No entanto, para o sistema HPMC a
variação não é significante. O módulo no ponto de cruzamento das curvas
correspondentes será definido com e o tempo de relaxação ( ) será dado por
⁄ ⁄ .
30
a)
0,1 1 10
0,01
0,1
1
10
G / P
a
f / Hz
1 % HEC-HM
1 % HEC-HM+1 mmol L-1 CTAB
1 % HEC-HM+50 mmol L-1 CTAB
b)
0,1 1 10
0,01
0,1
1
10
100
G / P
a
f / Hz
1 % HPMC
1 % HPMC + 4 mmol L-1 CTAB
1 % HPMC + 25 mmol L-1 CTAB
Figura II.11. Experimentos oscilatórios para sistemas contendo a) HEC-HM e b)
HPMC em diversas concentrações de CTAB. Os pontos cheios denotam enquanto os
vazios .
31
A Figura II.12 apresenta as variações do módulo no cruzamento e tempo de
relaxação para o sistema HEC-HM/CTAB. Como se pode observar, o comportamento é
o mesmo de curvas do tipo viscosidade no platô versus concentração de surfactante.
a)
0 10 20 30 40 50
0
2
4
6
8
10
12
14
Gc / P
a
[CTAB] / mmol L-1
b)
0 20 40 60
0
5
10
15
20
c / s
[CTAB] / mmol L-1
Figura II.12. Variação do a) módulo no cruzamento e b) e do tempo de relaxação
para misturas de 1% m/m HEC-HM e diferentes concentrações de CTAB.
Observa-se que tanto o tempo de relaxação quanto o módulo no cruzamento
aumentam até atingir um máximo. Contudo, estes máximos são diferentes entre si, e
diferentes do comportamento observado pela viscosidade no platô. Podemos relacionar
32
um aumento em com um aumento no número de micelas mistas (grupos alquila
inseridos no interior das micelas de CTAB). Em outras palavras, com o aumento do
número de pontos de reticulação. O valor obtido para a concentração em que é
máximo é condizente com o valor obtido para Em relação à variação do tempo
de relaxação, a análise é mais complicada e nota-se que o valor de concentração de
CTAB em que é máximo não é igual ao . De qualquer forma, a tendência da
curva pode ser interpretada considerando a dinâmica das cadeias poliméricas (Capitulo
I). Na medida em que mais pontos de reticulação são formados, menor se torna o grau
de liberdade para as cadeias do polímero reptar. Na medida em que a concentração de
CTAB aumenta para além do máximo, o tempo de relaxação torna-se mais curto, pois
mais pontos de entrelaçamento se desfazem e os processos de reptação se
intensificam. No caso das duas funções, uma descontinuidade no comportamento é
observada em 25 mmol L-1 de CTAB. Estudos com diferentes sistemas, tais como
poliacrilamida hidrofobicamente modificada e surfactantes, não mostraram relação clara
quanto ao módulo no cruzamento.17 Eventualmente, o sistema estudado poderia ser
melhor detalhado se fosse utilizada uma distribuição de tempos de relaxação.18
Titulação calorimétrica isotérmica
Um experimento típico de titulação calorimétrica isotérmica é aquele em que a
variação de entalpia é medida quando uma solução de surfactante com concentração
acima da cmc é progressivamente adicionada em água. A Figura II.13 apresenta a
variação de entalpia para adições sucessivas de 20 mmol L-1 CTAB em água a 28 ºC.
Como a concentração de surfactante está acima da cmc (0,89 mmol L-1 a 25 ºC)19
micelas estão presentes na solução da seringa. Assim, as primeiras adições
correspondem à entalpia de desmicelização de CTAB, e o platô em I é observado.
Depois deste, a concentração de surfactante alcança a cmc. A inflexão em II evidencia
um processo altamente cooperativo e obtemos a . Em III, a variação de entalpia
observada corresponde à diluição de uma solução mais concentrada de micelas em
uma já contendo micelas.20
33
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
0
2
4
6
8
10
12
H
/ k
J m
ol-1
[CTAB] / mmol L-1
Hº
mic
cmc
25 ºC
I
II
III
Figura II.13. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, a 28 ºC.
A cmc do surfactante foi obtida pelo método da primeira derivada. A entalpia de
micelização é a diferença entre os estados final e inicial, portanto, é determinada pela
diferença entre as retas que precedem e sucedem a micelização na cmc. Nos casos
seguintes, os mesmos métodos foram aplicados para se determinar tais parâmetros.10
Os valores obtidos para a cmc e são apresentados na Tabela II.2. Os resultados
estão de acordo com a literatura.
A fim de averiguar os processos envolvidos nos sistemas discutidos, realizaram-se
titulações de CTAB em soluções poliméricas a 28 ºC, temperatura escolhida acima da
temperatura Krafft para evitar a cristalização do surfactante (Figura II.14). O CTAB foi
adicionado em soluções contendo 0,1 % m/m dos polímeros. Portanto, nos
experimentos calorimétricos foram usadas soluções mais diluídas que nos estudos
reológicos.
34
0,0 0,3 0,6 0,9 1,2 1,5 1,8 2,1 2,4 2,7
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
CTAB 28 ºC
HEC-HM 0,1 % m/m
HPMC 0,1 % m/m
H
/ k
J m
ol-1
[CTAB] / mmol L-1
Figura II.14. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, HEC-HM e
HPMC, a 28 ºC.
Observando a Figura II.14, é possível identificar três principais diferenças entre as
soluções poliméricas e o surfactante puro: 1) os inícios das curvas estão acima daquela
do surfactante em água; 2) ocorrência de um pequeno mínimo que precede a
micelização e 3) o processo de micelização não é mais tão cooperativo, pois a variação
da entalpia não é tão abrupta quando comparada com a micelização do CTAB puro,
estendendo-se por uma faixa de concentração maior.
As variações do sinal de entalpia no início da titulação podem estar relacionadas
com a formação de agregados pré-micelares de CTAB, agrupados ao redor das cadeias
hidrofóbicas dos polímeros. Nota-se que para HEC-HM, o intenso processo
calorimétrico (cac) começa a ocorrer em concentrações de CTAB bem abaixo da cmc.
Enquanto que, para o HPMC o início do processo é mais próximo da cmc do CTAB em
água pura. Não se pode identificar a natureza dessa interação, mas, a princípio, infere-
se algum agregado semelhante ao modelo do colar de pérolas (Figura II.15).4,11
Possivelmente, a diferença de comportamento entre os dois sistemas poliméricos se
deve à maior quantidade de grupos hidrofóbicos na HEC-HM. Deve-se destacar, que ao
contrário da curva genérica apresentada na Figura I.3, no qual a identificação da cac e
da cmc é pronunciada, no caso dos dois sistemas estudados, é possível que duas
concentrações críticas sejam muito próximas, sendo portanto, difícil de serem
35
diferenciadas. Um aspecto interessante é que, no caso do HPMC, o sinal exotérmico se
prolonga para uma faixa de concentração de CTAB muito maior, indicando que a
saturação dos grupos hidrofóbicos pelos agregados micelares se estendem muito mais.
Figura II.15. Modelo de colar de pérolas para interação entre polímero e
surfactante. Retirado da referência 4.
Embora tenha-se relacionado o ponto em que ocorre a cac, não se sabe que tipo
de interação é a responsável. Podemos considerar dois tipos de interações possíveis:
hidrofóbica, entre a cauda do surfactante e domínios hidrofóbicos do polímero; ou
eletrostática, entre a cabeça carregada do surfactante e cargas residuais na cadeia
polimérica. Sabe-se que interações hidrofóbicas são fortemente afetadas pela
temperatura, enquanto que as eletrostáticas não. Com isso, pode-se realizar o mesmo
experimento de titulação em uma temperatura diferente. Os estudos foram repetidos na
temperatura de 50 C, de forma a identificar a natureza das interações.20 Os resultados
são apresentados na Figura II.16. Para HEC-HM a 50 ºC, uma pequena deflexão é
observada, menos evidente que a 28 ºC e pequena modificação da cac. O mesmo
ocorre no caso de HPMC, ambas as variações da cac se dão em torno de 30%.
Observa-se aumento de ambas cmc (puro) e cac (polímeros) quando a temperatura é
aumentada. Contudo, a varia apenas com a temperatura, e não com os sistemas
estudados. Com isso, conclui-se que as interações observadas são do tipo hidrofóbicas.
Os parâmetros obtidos encontram-se na Tabela II.2.
36
0,0 0,4 0,8 1,2 1,6 2,0 2,4 2,8
0,0
2,5
5,0
7,5
10,0
12,5
15,0
17,5
20,0
22,5
CTAB 50 ºC
HEC-HM 0,1 % m/m
HPMC 0,1 % m/m
H
/ k
J m
ol-1
[CTAB] / mmol L-1
Figura II.16. Curva de titulação de 20 mmol L-1 CTAB em água, HEC-HM e
HPMC, a 50 ºC.
Para compreender melhor os sistemas, foi usado outro surfactante como agente
de agregação. Os estudos foram feitos usando-se o dodecil sulfato de sódio, SDS, um
surfactante aniônico e com menor número de carbonos na cadeia alifática (C12). Sendo
assim, sua cmc é mais alta (7,7 mmol L-1 a 25 ºC)21.
Novamente foram realizados experimentos em diferentes temperaturas (25 e 50
ºC). A curva de titulação de SDS em água a 25 ºC é diferente daquela do CTAB, pois
envolve etapas de desidratação e reidratação das caudas apolares.10 A curva de
titulação de SDS em água a 25 ºC apresenta um valor de entalpia de desmicelização
diferente de zero e a cmc é comumente tomada no máximo da curva (Figura II.17 a).
Como mostrado nos resultados da Figura II.17 na presença de HPMC, um grande pico
exotérmico e um endotérmico são observados. Enquanto para HEC-HM apenas o pico
endotérmico é observado. O início do pico endotérmico é relacionado à cac, enquanto
sua altura refere-se à concentração do polímero.20 Para HPMC é observado também,
uma segunda concentração critica, , definida como o ponto em que a curva de
titulação volta a encontrar aquela do solvente puro. Entende-se como , o ponto em
que o polímero não afeta a formação de micelas, assim, os monômeros começam a
formar micelas livres.10 Com o aumento da temperatura (Figura II.17 b), a entalpia de
desmicelização se torna igual a zero e a curva assemelha-se àquela de CTAB.
37
Novamente, valores de cac, cmc e foram obtidos (Tabela II.2). Como pode ser
observado, a titulação do HPMC com SDS mostra uma curva parecida com a genérica
apresentada na Figura I.3, permitindo visualizar claramente a cac e a cmc. É possível
notar que nas duas temperaturas, as cacs para a titulação do HPMC com SDS são
menores que para o HEC-HM. O inverso foi observado com o CTAB.
a)
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
-1,5
-1,0
-0,5
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
SDS 25 ºC
HEC-HM 0,1 % m/m
HPMC 0,1 % m/m
H
/ k
J m
ol-1
[SDS] / mmol L-1
b)
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
0
2
4
6
8
10
12
14
SDS 50 ºC
HEC-HM 0,1 % m/m
HPMC 0,1 % m/m
H
/ k
J m
ol-1
[SDS] / mmol L-1
Figura II.17. Curvas de titulação de 100 mmol L-1 SDS em água, HEC-HM e
HPMC, a a) 25 e b) 50 ºC.
38
A Tabela II.2 resume os parâmetros obtidos das curvas de titulação. Não é
observada alteração na cac com o aumento da temperatura para o sistema HEC-HM
CTAB, diferentemente do HPMC/CTAB, indicando diferenças no tipo de agregação à
cadeia polimérica. Para sistemas com SDS, ocorre o contrário em termos da cac,
variações na temperatura são mais evidentes que a variação do polímero. Para CTAB,
a presença de polímero sempre diminui a cmc, independente da temperatura. Da
mesma forma, a presença de polímero sempre aumenta a entalpia de micelização (em
módulo), tornando-a mais exotérmica, quando CTAB é titulado. Pouca variação é
observada na para sistemas com SDS. Um sistema semelhante descrito na
literatura20 (PEO/SDS) mostra que a cac independe da concentração do polímero. Uma
vez que a cac é uma agregação à cadeia principal do polímero, os resultados
confirmam o esperado: não há diferença entre cac para HEC-HM e HPMC.
Tabela II.2. Valores de cac, cmc e obtidos de titulação calorimétrica
isotérmica para sistemas polímero/surfactante.
Surfactante Polímero T / ºC cmc / mmol L-1
cac / mmol L-1
/ kJ mol-1
exp lit exp lit
CTAB
- 28 1,2 0,8919 - 9,4 9,219
HEC-HM 28 - - 0,7 8,7 -
HPMC 28 - - 1,0 8,8 -
- 50 1,4 1,522 - 21,1 24,223
HEC-HM 50 - - 1,3 19,5 -
HPMC 50 - - 1,5 21,3 -
SDS
- 25 7,5 7,721 - -0,8 -0,8121
HEC-HM 25 - - 8,3 - -
HPMC 25 - - 5,6 - -
- 50 9,0 9,424 - 12,6 10,9024
HEC-HM 50 - - 5,6 14,1 -
HPMC 50 - - 8,0 12,5 -
39
II.6 Conclusões – Parte II
Reologia das soluções dos dois polímeros estudados evidenciaram
comportamento pseudoplástico.
As misturas de tais polímeros com CTAB formaram soluções viscoelásticas.
Observou-se que a adição de surfactante altera significativamente o comportamento
reológico destes sistemas. Observou-se ainda, um aumento na viscosidade do sistema
até que um máximo valor é obtido, na medida em que a concentração de CTAB é
aumentada. Este máximo deve-se a dois efeitos opostos: o aumento do número de
micelas mistas atuantes como reticulações transientes, fazendo uma rede polimérica
que aumenta a viscosidade; o segundo efeito é o aumento da concentração de micelas
e consequente diminuição do número de reticulações levando à diminuição da
viscosidade. Quando a concentração de surfactante é suficientemente alta, a
viscosidade da mistura é menor que da solução de polímero em água. Tais efeitos são
mais efetivos para HEC-HM.
Experimentos de reologia oscilatória foram realizados para os mesmos sistemas
para obtenção dos módulos elástico e viscoso (respectivamente e ). Para o HEC-
HM, as tendências observadas são semelhantes às obtidas nas curvas de fluxo.
Relacionou-se o módulo no cruzamento ao número de micelas mistas, a qual aumenta
o grau de reticulação das cadeias até certa concentração de CTAB, restringindo os
processos de reptação. A partir de certa concentração de CTAB, os processos de
reptação voltam a se tornar preponderantes. A ausência de alterações nestes
parâmetros para HPMC/CTAB foram atribuídas ao pequeno grau de formação de
entrelaçamento (crosslinks) promovido pelas micelas, devido ao pequeno tamanho dos
grupos hidrofóbicos presentes neste polímero.
Verificou-se por titulação calorimétrica isotérmica a ocorrência de uma agregação
que precede a cmc, isto é, cac. Por meio de experimentos em diferentes temperaturas,
pode-se propor que as interações observadas são do tipo hidrofóbicas e não
eletrostáticas. Os parâmetros cac, cmc e foram determinados. Verificou-se que a
cac não se modifica com a presença/ausência de ramificações hidrofóbicas na cadeia
das celuloses utilizadas.
40
Por fim, concluiu-se que, embora não sejam observadas variações reológicas
recorrentes da cac nos polímeros, estas são presentes e observadas mesmo em baixas
concentrações de surfactante, diferentemente do referido na literatura7.
41
Parte II
Micelas gigantes
42
II.7 Objetivos – Parte II
O objetivo desta parte do estudo é a comparação da reologia de HEC-HM
reticuladas por micelas gigantes e esféricas estudadas na Parte I.
II.8 Micelas Gigantes
Surfactantes em soluções aquosas são capazes de formar agregados que podem
assumir diversas geometrias e tamanhos, os quais são dependentes da estrutura
química do surfactante e sua concentração. Israelachvili et al.13 mostraram as possíveis
formas de agregação das moléculas de surfactante levando-se em conta fatores
termodinâmicos e restrições geométricas. Uma relação importante entre as dimensões
de uma molécula de surfactante leva ao surgimento do parâmetro de empacotamento
crítico13 (CPP), . Este é um número adimensional dado por
Equação II.10.
Em que é o volume ocupado pela cauda hidrofóbica do surfactante, a superfície
ocupada pela cabeça polar na superfície da micela e o comprimento efetivo da cadeia
hidrofóbica. Esse parâmetro relaciona a estrutura química à estrutura do agregado,
servindo como guia na determinação das possíveis estruturas presentes em solução
dado um surfactante. A Figura II.18 apresenta um esquema das relações geométricas
para um uma molécula de surfactante.
Figura II.18. Fatores geométricos de uma molécula de surfactante para cálculo do
parâmetro de empacotamento crítico.
43
Pode-se mostrar, por exemplo, que para razões menores que ⁄ , a formação de
micelas esféricas é favorecida. A Figura II.19 mostra um esquema com os vários tipos
de agregados que são formados para diferentes valores de CPP.
Figura II.19. Parâmetro de empacotamento crítico para diferentes estruturas de
surfactantes e agregados micelares. Retirado e adaptado de 4.
44
Uma classe especial de micelas, que é um dos focos deste trabalho, são as
chamadas micelas gigantes25 (MG), estas são estruturas alongadas na forma cilíndrica
cuja secção transversal apresenta raio próximo àquele de uma micela esférica, e suas
terminações na forma hemisférica. Tais hemisférios, comumente, apresentam raios
maiores que aqueles da secção transversal, este fator será melhor discutido no
tratamento termodinâmico da formação de micelas gigantes. Essas estruturas são
esperadas quando ⁄ ⁄ . A Figura II.20 ilustra uma micela gigante e fatores de
escala de comprimento pertinentes. O raio da secção transversal, , depende
estritamente do surfactante que compõe a micela e está relacionado ao comprimento da
cadeia alquílica deste. Toda a extensão micelar é representada pelo comprimento de
contorno, , que pode variar de centenas de nanômetros a alguns micrometros. Outro
parâmetro importante é o chamado comprimento de persistência, , o qual é uma
medida da rigidez da cadeia micelar, este pode variar amplamente de acordo com a
composição da micela. Micelas com alta carga superficial possuem maior comprimento
de persistência devido à repulsão eletrostática.26
Figura II.20. Escalas de tamanho pertinentes à micelas gigantes.
45
Micelas gigantes constituem sistemas de interesse tanto prático quanto
fundamental. Inúmeras aplicações podem ser citadas, como por exemplo, fluidos de
fratura de poços de petróleo, de transferência de calor, agente de redução de atrito
hidrodinâmico27, além de produtos de higiene e cuidados pessoais. Do ponto de vista
fundamental, MGs oferecem um interessante modelo para estudo de sistemas coloidais.
As MGs assemelham-se aos polímeros, possuindo uma dimensão longitudinal
maior que sua secção transversal. Devido a isto, ambos apresentam semelhanças
físico-químicas: variação da viscosidade com pequenas mudanças na concentração,
separação de fases, atuação em interfaces, etc.4 Por outro lado, a dinâmica da quebra
e recombinação que micelas apresentam as tornam macromoléculas únicas. Ao
contrário dos sistemas poliméricos, que sofrem intensa degradação mecânica quando
submetidos a elevado cisalhamento, as MGs são completamente imunes, pois são
formadas por ligações não-covalentes.
Micelas gigantes constituem sistemas exaustivamente estudados, o que, não
necessariamente implica em seu total entendimento.28–31 Como mencionado, o
crescimento de micelas em uma única dimensão pode ser obtido pelo aumento da
concentração de surfactante ou pela adição de um sal à solução aquosa. No caso de
um surfactante catiônico, os ânions do sal adicionado podem induzir o crescimento
micelar: (1) adsorvendo na superfície da micela e blindando as cabeças polares
expostas, diminuindo assim, o tamanho efetivo da cabeça carregada. Neste caso o
processo é controlado simplesmente pela mudança na força iônica do meio; (2) a
adição de um sal cujo ânion apresenta um anel aromático favorece a formação de
micelas gigantes por fatores geométricos, pois este é inserido na micela (devido ao
efeito hidrofóbico). Assim, além dos fatores eletrostáticos citados anteriormente, a
inserção do anel aromático tem papel central na formação das MGs. Diversos sais e co-
solutos aromáticos vem sendo estudados, bem como os fatores que influenciam sua
incorporação e os resultados desta.25,32
46
II.9 Termodinâmica de micelas gigantes
Será designado por , o número de moléculas de surfactante que agregam em
certa solução aquosa. Assim, pode variar de 2 a ∞. Portanto, haverá uma distribuição
de micelas com moléculas de surfactante em cada uma. A Equação II.7 pode ser
escrita para cada um desses agregados
Equação II.11
Onde é o potencial químico padrão da micela com número de agregação e
sua fração molar.
A condição de equilíbrio químico leva à seguinte relação
Equação II.12
A qual garante que o potencial químico de cada molécula de surfactante seja igual
à de monômeros livres, , pela definição de equilíbrio. Com as Equações II.11 e II.12,
pode-se demonstrar que o número de agregação ponderado por número, , é
proporcional à fração de surfactante micelizada33
[∑ ]( ⁄ )
Equação II.13
Em que é o número de agregação médio ponderado por massa. A Equação
II.13 mostra que o número de agregação deve aumentar com a concentração de
micelas, isto é, é favorável a junção de micelas menores para a formação de maiores
por fatores termodinâmicos.
Pode-se escrever o potencial químico padrão de uma micela gigante com
moléculas de surfactante como33
Equação II.14
47
Onde é o potencial químico padrão da parte cilíndrica e
da ponta.
A grande curvatura das pontas comparada àquela do cilindro demanda energia e o
crescimento da micela é espontâneo. Por outro lado, a entropia limita o crescimento das
micelas, levando a um comprimento ótimo. O modelo para crescimento de micelas
considerando apenas as interações eletrostáticas é bem definido na literatura29,34, e
leva em conta a energia associada às pontas. O comportamento predito é mostrado na
Figura II.21. Como pode ser visto, as micelas gigantes passam a apresentar grande
crescimento quando passam do regime diluído para o semi-diluído, denotado pela taxa
de crescimento maior a partir de .
Figura II.21. Comportamento esperado para o comprimento de micelas gigantes
carregadas. Modificado da referência 34.
A chave para elucidação do crescimento de micelas está na curvatura
destas.13,26,29,33 A presença de co-soluto aromático ou aumento da força iônica do meio
favorece o crescimento das micelas devido à alteração no CPP.
II.10 Propriedades reológicas de micelas gigantes
Assim como polímeros, soluções de micelas gigantes são viscoelásticas. Por isso,
estas tem sido utilizadas com os mesmos fins de polímeros. Curvas de fluxo de MGs
48
apresentam comportamento pseudoplástico, semelhante aquele discutido no Capítulo I.
Um parâmetro reológico muito utilizado para caracterizar micelas gigantes é a
viscosidade das soluções quando a taxa de cisalhamento tende a zero (viscosidade no
platô). Pode-se mostrar que a viscosidade no platô é proporcional ao tamanho das MG
de acordo com a Equação II.1529
⁄ Equação II.15
Onde é a fração volumétrica do surfactante.
Não apenas o tamanho da micela, mas também a densidade de carga na
superfície pode afetar a . Na Figura II.22 está apresentada a variação de para
concentrações fixas de surfactantes catiônicos e concentrações variáveis de sal. A
viscosidade no platô aumenta progressivamente à medida em que a concentração de
sal aumenta. No entanto, a partir de certa concentração salina, a viscosidade volta a
diminuir, pois as cadeias tendem a ser neutralizadas pela adsorção dos ânions na
superfície micelar. Com isto, a repulsão entre as superfícies micelares diminui,
resultando na diminuição da viscosidade.33
Figura II.22. Viscosidade no platô para diferentes concentrações de sal ( ) a
concentrações de surfactante constante. (●) CPCl (0,3 mol L-1)/NaClO3; (♦) CTAB (0,3
mol L-1)/NaNO3; (■) CTAB (0,35 mol L-1)/KBr. Retirado da referência 33.
Micelas gigantes são sistema que seguem perfeitamente o modelo de Maxwell. A
relaxação da perda de tensão de cisalhamento em soluções de MG é notoriamente
caracterizada por uma única função exponencial. Em experimentos de reologia
49
oscilatória, os módulos elástico e viscoso podem ser expressos pelas equações I.6 e
I.7, respectivamente.9 Para soluções macromoleculares, quando excitadas no reômetro
(por uma oscilação mecânica) em baixa frequência, as cadeias tendem a deslizar uma
entre as outras, sofrendo o processo de reptação. Neste caso, grande parte da energia
mecânica é dissipada pelo escoamento das cadeias. O reograma, como mostrado na
Figura I.8, apresenta G” > G”. Se a frequência do estímulo mecânico é aumentada,
então as cadeia não tem mais tempo de reptar completamente e armazenam a energia
( > ). Em MGs, o modelo de Maxwell é perfeitamente seguido e, apresenta um único
tempo de relaxação ( ). As cadeias de MG não conseguem reptar em toda sua
extensão. Isto se deve ao fato de que, as micelas quebram e se reconstituem
espontaneamente. Os processos de reptação e de quebra são caracterizados por
tempos de relaxação específicos, e , respectivamente.9,33,34
No caso de processos nos quais , a seguinte relação é válida
√ Equação II.16
Ambos os mecanismos de relaxação são dependentes do comprimento da micela.
O método do escalonamento prevê que ⁄ e .34 Assim, combinando
estas previsões com a Eq. II.16, conclui-se que, em princípio, quanto maior o tempo de
relaxação, maior o tamanho das micelas.29,33,34
II.11 Resultados e discussão – Parte II
Para obtenção de micelas gigantes utilizou-se CTAB como surfactante e salicilato
de sódio como co-soluto. A razão molar [CTAB]/[NaSal] foi sempre mantida igual a 1,
exceto quando mencionado. Sistemas contendo polímero e micelas gigantes e, apenas
micelas gigantes foram preparados. Uma vez que a combinação dos componentes
pode alterar significativamente a viscosidade das soluções, inicialmente foram obtidas
fotografias de frascos contendo aproximadamente a mesma quantidade de material,
nas quais a inversão dos recipientes induziu fluxo pela ação gravitacional. Foram então
obtidas fotografias comparativas dos frascos em tempos diferentes.
50
Na foto comparativa, mostrada na Figura II.23, os efeitos da combinação de
CTAB, NaSal e HEC-HM podem ser facilmente visualizados.
Os resultados observados nos ensaios fotográficos também foram precisamente
quantificados nos ensaios reológicos que serão apresentados posteriormente.
Na Figura II.23 a, observa-se que ao adicionar surfactante à solução de HEC-HM,
ocorre uma diminuição da viscosidade a partir de certa concentração de surfactante
(como já foi demonstrado no Capítulo II). Os líquidos dos dois tubos da esquerda (1 e 2)
escoam em um tempo maior que os da direita, devido à formação da reticulação
micelar.
Os tubos do meio (Figura II.23 b) foram preparados apenas com as MGs, para que
sejam usados como referência em relação aos tubos da terceira coluna. A viscosidade
das duas soluções 1 e 2 é significativamente menor que nos tubos 3 e 4. A maior
viscosidade é explicada pelo maior crescimento micelar e pelo entrelaçamento das
cadeias das MGs formadas. As duas misturas mais viscosas são tão consistentes, que
escoam completamente apenas depois de passado uma hora e meia.
No sistema contendo as micelas gigantes com 1% m/m HEC-HM (Figura II.23 c), a
viscosidade de todas as misturas é aumentada. Novamente, as duas soluções mais
diluídas (1 e 2) apresentam menor viscosidade (em relação as outras) e comportamento
mais próximo ao de um líquido. Aquelas mais concentradas são ainda mais
consistentes que as contendo apenas MGs dos frascos 3 e 4. No entanto, um aspecto
inesperado foi observado nestas amostras, a presença de certa opacidade, indicando
separação de fases. A separação de fases não foi observada para o sistema
HPMC/MG.
51
a) b) c)
Repouso
Imediatamente
após virar os tubos
Figura II.23. Registros fotográficos da ação da gravidade sobre misturas de: a) 1%
m/m HEC-HM/CTAB, b) MG (CTAB/NaSal, 1:1) e c) 1% m/m HEC-HM/MG
(CTAB/NaSal 1:1). Os tubos de 1 a 4 contêm respectivamente 5, 10, 50 e 100 mmol L-1
CTAB em a) e a mesma concentração de salicilato em b) e c). Os tempos seguidos
após a inversão dos tubos também estão indicados.
1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4
3s
10s
15s
20min
20s
50s
2min
1h30min
50s
3min
5min30s
1h30min
52
Estas mesmas misturas foram deixadas em repouso por dois meses. O que se
observou foi que, na amostra do tubo 2 da Figura II.23 c, as fases ficaram separadas
por diferença de densidade (Figura II.24). Observou-se também que a fase inferior é de
fato consistente e a fase superior é mais translúcida e também apresenta alguma
viscoelasticidade.
Figura II.24. Separação de fases da mistura contendo 10 mmol L-1 CTAB/NaSal
(1:1) e 1% m/m HEC-HM.
Algo semelhante ocorre no regime diluído das mesmas amostras. Como
observado na Figura II.25, duas fases são formadas: uma opaca, de consistência
gelatinosa (fase inferior) e outra translúcida de baixa viscosidade. Observa-se ainda o
aparecimento de viscoelasticidade da fase superior a partir da concentração de 0,8
mmol L-1 de CTAB (nesta proporção de CTAB e NaSal, sabe-se que ocorre a formação
de micelas gigantes).
Figura II.25. Fotografia das soluções contendo 0,1% m/m HEC-HM/2 mmol L-1
NaSal e CTAB nas concentrações: 0,1, 0,3, 0,5, 0,8, 1,3, 1,5, 1,7 e 2,0 mmol L-1,
respectivamente da esquerda para a direita.
Como mostrado na Figura II.25, a opacidade da fase inferior diminui na medida em
que a concentração de CTAB aumenta. A opacidade da fase inferior leva-nos a inferir
que esta deve apresentar pelo menos duas fases. Não foi verificado anisotropia,
53
quando a amostra foi observada sob luz polarizada. Ao observar a tendência, é
possível inferir que em determinada proporção dos componentes (aumentando a
concentração de CTAB), esta será uma única fase translucida. De certa forma, se
analisado com detalhe, o sistema do tubo 4 da Figura II.23 c é mais translúcido que os
outros.
A questão da separação de fases quando salicilato é adicionado ao sistema HEC-
HM e CTAB nos estimulou a entender as razões que levam à separação de fases. Para
isto, o primeiro procedimento adotado foi elucidar a presença dos três componentes nas
fases. Com o objetivo de explorar a natureza da fase inferior destas misturas, a mesma
foi estudada por espectroscopia Raman. Amostras de CTAB e salicilato foram usadas
como referência. Observando os espectros apresentados na Figura II.26, verifica-se
que para o CTAB um pico característico intenso em 2882 cm-1 é observado. No
espectro do salicilato de sódio, dois picos característicos podem ser identificados em
808 e 1033 cm-1.
Figura II.26. Espectro Raman da fase inferior de misturas contendo 0,1% de HEC-
HM/2,0 mmol L-1 NaSal e diferentes concentrações de CTAB, além de amostras puras
de CTAB e salicilato de sódio.
54
Comparando agora os espectros das fases inferiores dos sistemas apresentados
nos tubos da Figura II.25, observa-se que é bastante característico o sinal de CTAB
enquanto os sinais de NaSal são bem discretos. A elevada concentração de brometo é
uma possível causa da maior densidade desta fase. O caráter gelatinoso da amostra,
muito provavelmente se deve à presença significativa HEC-HM. A questão do
mecanismo que levou à separação de fase é intrigante. HEC-HM com CTAB ou apenas
com salicilato forma sistemas homogêneos.
Sabe-se que o potencial zeta decai na medida em que mais ânion aromático é
inserido na paliçada micelar. Em baixas concentrações de salicilato, as micelas
apresentam potencial elétrico positivo, tendem a neutralidade e podem se tornar
negativas na medida em que a concentração de salicilato aumenta na micela
gigante.35,36
Assim, o sistema constituído por HEC-HM e CTAB se mantém monofásico graças
à carga positiva das micelas de CTAB formadas ao redor das cadeias hidrofóbicas da
celulose modificada. Na medida em que a carga das micelas foi sendo neutralizada
pela adição de salicilato, ocorreu a separação de fases. Possivelmente, as cadeias da
celulose ficaram adsorvidas nas cadeias de micelas gigantes, constituindo a fase
inferior, a qual apresenta elevada viscoelasticidade.
Como pode ser observado na Figura II.25, a separação de fases para o sistema
HEC-HM/CTAB/salicilato ocorre em baixas concentrações de CTAB e salicilato.
Procurou-se então, determinar a razão entre estes constituintes em que começa a
ocorrer a formação de MG. A titulação calorimétrica é muito sensível para avaliar a
formação de agregados (Parte I). Assim, foram realizados experimentos em que,
pequenas alíquotas de solução 5 mmol L-1 CTAB foram adicionados em 1 mmol L-1 de
salicilato de sódio. A Figura II.27 mostra a curva de titulação obtida para a duplicata.
55
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9
-20
-18
-16
-14
-12
-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
H
/ k
J m
ol-1
[CTAB]/[NaSal]
Figura II.27. Curva de titulação 1 mmol L-1 NaSal com adições de de 5 mmol L-1
CTAB a 28 ºC.
Como discutido na Parte I, a concentração na seringa deve ser maior que a cmc
do surfactante, de modo que durante a titulação esta seja alcançada. A presença de co-
soluto (NaSal) provoca micelização antes da cmc do surfactante puro. De fato, a
redução é tão grande que não se pode observar o processo de desmicelização. Em
trabalho recente, Ito37 mostrou que no ponto mínimo da curva de titulação, MGs são
formadas com seu comprimento máximo. Na Figura II.27, verifica-se que este ponto
ocorre na razão molar [CTAB]/[NaSal] = 0,10, sendo que a entalpia de formação de
micelas gigantes de CTAB/NaSal foi obtida como sendo = -21,49 kJ mol-1. O
processo altamente exotérmico se refere, provavelmente, à eliminação de grande
número de extremidades de agregados menores, quando estes formam as MGs. Esta
interpretação está de acordo com a Equação II.14 (
), segundo a qual,
a eliminação de pontas diminui o potencial químico das micelas. Além da razão 0,10, as
MGs ainda existem, mas como mostrado por Ito, são menores.
56
Um curioso efeito conhecido desde o século passado é o da redução de atrito
hidrodinâmico pela adição de pequenas quantidades, da ordem de ppm, de polímero de
elevada massa molar à uma solução.38,39 Simplificadamente, o fenômeno pode ser
entendido como associado com a interação das moléculas do polímero nos vórtices
onde há turbulência e dissipam energia deste em diferentes formas de relaxação.39
Posteriormente, descobriu-se que micelas gigantes são capazes de reduzir atrito com a
vantagem destas estarem em constante quebra e combinação e, por tanto, até certa
temperatura, não são degradadas mecanicamente durante o fluxo turbulento.
Em um reômetro, o experimento com micelas gigantes é realizado de modo a
gerar um cisalhamento em fluxo turbulento na amostra (em uma taxa de cisalhamento
constante), medindo-se o torque aplicado pelo aparelho na medida em que a
temperatura é linearmente aumentada.40 Este tipo de experimento é ideal para avaliar a
estabilidade térmica das micelas, como já foi demonstrado anteriormente.38,41 Assim,
experimentos envolvendo redução de atrito hidrodinâmico foram utilizados para avaliar
como a presença de polímero afeta a estabilidade térmica das micelas gigantes de
CTAB e salicilato. Se existem micelas gigantes em determinada temperatura, então o
torque aplicado para manter a rotação constante pode ser menor que o aplicado em
apenas água. Na medida em que a temperatura é aumentada, haverá uma temperatura
crítica, na qual a energia térmica supera a energia que mantém o agregado na forma de
MG. Neste caso, a partir desta temperatura, com a fragmentação das MGs, o torque
volta a aumentar, pois os fragmentos não são capazes de produzir redução de atrito
hidrodinâmico.
Esta abordagem reológica foi utilizada para avaliar como a presença dos
polímeros HEC-HM e HPMC afeta a estabilidade térmica das micelas gigantes.
A Figura II.28 apresenta curvas obtidas em experimentos de redução de atrito em
que foram utilizadas misturas de 1,2 mmol L-1 CTAB e 2,0 mmol L-1 NaSal com
diferentes concentrações de polímero na faixa de 0,002-0,1 %.
57
a)
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
20
40
60
80
100
120
140
To
rqu
e /
N m
Temperatura / ºC
Água
MG
0,002%
0,005%
0,008%
0,01%
0,02%
0,03%
0,05%
0,1%
b)
10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
20
40
60
80
100
120
140
160
To
rqu
e /
N m
Temperatura / ºC
Água
MG
0,002%
0,005%
0,008%
0,01%
0,02%
0,03%
0,05%
0,1%
Figura II.28. Curvas de redução de atrito para misturas de 1,2 mmol L-1 CTAB e
2,0 mmol L-1 NaSal com diferentes concentrações de a) HEC-HM e b) HPMC. As setas
indicam algumas das temperaturas em que as MG se fragmentam.
58
Quando a solução de apenas MG é submetida à turbulência (seguindo as
condições do protocolo) observa-se o resultado característico, a assinatura da redução
de atrito. O torque aplicado em certa faixa de temperatura é significativamente menor
que o da água pura. Porém, ao exceder certa temperatura crítica (a qual designamos
por T2, que no caso da solução com apenas MG é em torno de 65 ºC), as micelas se
fragmentam em pedaços menores que não são mais capazes de reduzir o atrito
hidrodinâmico (ver esquema da Figura II.29).38,41
Na presença de HEC-HM (Figura II.28 a), o comportamento reológico da MG se
altera. Para concentrações do polímero superiores a 0,01%, o fenômeno da redução do
atrito hidrodinâmico não é mais observado. Considerando os resultados anteriores para
este sistema, é possível que esteja ocorrendo separação de fase em algum grau, de
forma que o mecanismo de redução de atrito hidrodinâmico deixa de ocorrer pela
diminuição da população de MG. Adicionalmente, em determinada faixa de
concentração, as micelas ficam termicamente mais frágeis na presença de HEC-HM
(observar, por exemplo, o efeito na concentração 0,002%). Possivelmente, nesta faixa
de concentração, as moléculas de CTAB estão sendo deslocadas das micelas gigantes
para se agrupar ao redor das cadeias hidrofóbicas da HEC-HM. Como já observado em
estudos prévios42, em menores concentrações de CTAB, as MG tornam-se
termicamente mais frágeis.
Em contraste com o polímero HEC-HM, o efeito da adição do polímero sobre a
capacidade de reduzir o atrito hidrodinâmico é mais intenso para HPMC (Figura II.28 b).
A concentração em que ocorre o desaparecimento do efeito de redução de atrito é
muito menor (0,002 % m/m). Como mencionado anteriormente, o sistema
HPMC/CTAB/salicilato não sofre separação de fases. Neste caso, a diminuição da
estabilidade térmica das MGs e por fim, a perda da capacidade de reduzir o atrito
hidrodinâmico em baixas concentrações de HPMC, indicam grande competição entre as
MG e os grupos hidrofóbicos do HPMC pelo CTAB.
59
Figura II.29. Representação da quebra de micelas gigantes em T2 em
experimentos de redução de atrito.
Apesar do sistema HEC-HM/CTAB/salicilato ser heterogêneo, foram obtidas as
curvas de fluxo das soluções indicadas na Figura II.23. Como as curvas de fluxo são
típicas de sistemas pseudo-plásticos, foram determinadas as viscosidade no platô
Newtoniano como função da concentração de CTAB e salicilato (estes em quantidades
equimolares). Os resultados são mostrados na Figura II.30. Observa-se que ocorre um
significativo aumento na viscosidade das micelas gigantes até um máximo, quando
então um decréscimo é observado até atingir um platô. Como se pode notar, o efeito
não é apenas um acréscimo da viscosidade pela presença de polímero já que, como
indica a Figura II.9, uma solução aquosa de 1% m/m de HEC-HM apresenta
viscosidade próxima a 0,3 Pa s, enquanto que a mistura apresenta viscosidade duas
ordens de grandeza maior quando comparada com um gel contendo apenas micelas
gigantes.
60
1 10 100
0,1
1
10
100
1000
0 / P
a s
[C] / mmol L-1
MG
HEC-HM/MG
Figura II.30. Viscosidade no platô de sistemas contendo MG e 1% HEC-HM/MG
para diferentes concentrações [C] de CTAB e NaSal com razão molar 1:1.
As curvas apresentam certo paralelismo, indicando que o comportamento
reológico é fortemente ditado pelas micelas gigantes. Aparentemente, a presença do
HEC-HM amplificou os efeitos viscosos. Os resultados até aqui obtidos, indicam que há
um efeito de sinergismo entre as cadeias do polímero e as micelas gigantes. Já foram
mostrado na literatura casos em que as moléculas de um polímero encontram-se todas
inseridas nas micelas gigantes.43 Não é possível afirmar se de fato isso é o mesmo que
ocorre em nossos sistemas, o que se pode concluir é que na faixa de 1-150 mmol L-1 de
CTAB e salicilato em 1% m/m de HEC-HM há estruturação no sentido de fortalecimento
da rede formada pela micelas33, embora não haja dados capazes de estabelecer a
forma e disposição dessas estruturas. Na faixa de concentração estudado, sabe-se que
as micelas gigantes apresentam-se entrelaçadas, o que é responsável pela
comportamento viscoelástico observado. No entanto, pode-se dizer que a presença de
polímeros com ramificações hidrofóbicas pode, por meio do processo já citado,
esconder tais ramificações dentro da estrutura das micelas, atuando como pontos de
ancoragem. Tais pontos dificultam a movimentação das cadeias, aumentando assim
sua viscosidade. A Figura II.31 ilustra essa ideia. De acordo com o esquema, é
proposto que são as moléculas de polímero que atuam como reticulantes das MGs,
diferentemente do observado nos sistemas discutidos no Capítulo II.
61
Figura II.31. Proposta de representação da reticulação de micelas gigantes com
polímero hidrofobicamente modificado. Modificado da referência 33.
Nota-se na Figura III.13 que a máxima viscosidade é obtida quando a
concentração de CTAB e NaSal é próxima de 25 mmol L-1 (por volta de 1280 Pa s),
enquanto que a viscosidade do sistema, com excesso de CTAB/NaSal, na região do
platô é da ordem de 340 Pa s. O máximo de viscosidade é um indicativo de que
também no sistema composto por MG, a reticulação (isto é, o compartilhamento das
cadeias hidrofóbicas) passa por um ponto máximo. O aumento da concentração de MG
leva a um menor número de reticulações, o que diminui a viscosidade. Porém, o
sistema continua apresentando maior viscosidade que aquele contendo apenas micelas
gigantes.
Para determinar como a presença dos polímeros afeta a dinâmica das cadeias das
micelas gigantes, foram realizados experimentos reológicos oscilatórios. Nestes
experimentos, a força aplicada pelo rotor oscila com baixa amplitude, alterando o
sentido do movimento da amostra entre horário e anti-horario. Em tais experimentos
obtêm-se os chamados espectros mecânicos, consistindo de curvas do tipo módulo
mecânico ( , ) versus frequência de oscilação. O ponto de cruzamento de e ,
quando que aparece na frequência é crucial para caracterização do
sistema. Ele se relaciona com a situação em que os mecanismos de dissipação de
energia pelos movimentos curtos da cadeia polimérica (chamados de Rouseanos)
62
contribuem igualmente com os de longos movimentos (reptação).44,45 De certa forma, o
ponto de cruzamento entre os dois módulos reflete o nível de entrelaçamento das
cadeias poliméricas. Assim, se o cruzamento está em regiões de baixas frequências,
então pode-se concluir que a densidade de reticulação é baixa e vice-versa.46
Na Figura II.32 a, pode-se observar que ocorre uma diferença não significativa em
(e mesmo em ) quando o HPMC 1% está, ou não, na presença de micelas ou
micelas gigantes. Pode-se atribuir isto às pequenas cadeias laterais do polímero, as
quais causam um efeito mínimo no comportamento viscoelástico deste. Como visto
pelos ensaios de calorimetria, existe cac para este polímero, porém não há agregação
suficiente para ser identificada reologicamente. Em outras palavras, o nível de
reticulação é pouco significativa neste caso.
Diferentemente, na Figura II.32 b, observa-se significativa variação no
comportamento reológico quando as moléculas do polímero estão na presença de
CTAB ou de MG. A tendência nos valores do módulo no cruzamento aumenta na
seguinte ordem: polímero + micelas gigantes > polímero + micelas > polímero. Observa-
se também, que a diferença entre os dois módulos na faixa de frequência estudada é
muito menor quando CTAB ou MG estão presentes. As micelas se formaram ao redor
das cadeias hidrofóbicas de HEC-HM, agindo como pontos de reticulação, resultando
em uma redução dos processos de reptação em relação aos movimentos curtos da
cadeia. O efeito é nitidamente maior quando as cadeias do polímero estão na presença
de MG. Possivelmente, as longas cadeias das MGs incorporam vários grupos
hidrofóbicos das moléculas do polímero, resultando na diferença reológica que é
observada. No entanto, seria necessário descontar o efeito viscoelástico suplementar
promovido unicamente pela presença adicional das cadeias das MGs. A partir de 5
mmol L-1 de CTAB e NaSal, não pode ser observado o cruzamento na região de
trabalho do reômetro (menores frequências). Todavia, é visto que o módulo elástico é
sempre superior ao viscoso com maior espaçamento entre estes com o aumento da
concentração, como mostra a Figura II.33. Assim, a intensa inserção do polímero entre
as cadeias das micelas gigantes produz um sistema de elevado grau de reticulação,
conferindo comportamento mais elástico. Porém, vale lembrar que o sistema é
heterogêneo.
63
a)
0,1 1 10
0,01
0,1
1
10
100
G' e
G''
/ P
a
f / Hz
HPMC
HPMC/CTAB
HPMC/MG
b)
0,1 1 10
0,01
0,1
1
10
G' e
G"
/ P
a
f / Hz
HEC-HM
HEC-HM/CTAB
HEC-HM/MG
Figura II.32. Variação dos módulos elástico – (símbolo cheio) e viscoso
(símbolo vazio) – para 1% m/m HEC-HM em água, com 1 mmol L-1 CTAB, e MG (1
mmol L-1 CTAB e NaSal).
64
0.1 1 10
10
100
G' e
G''/
Pa
f/Hz
Figura II.33. Variação dos módulos elástico e viscoso ( , quadrados, círculos)
para sistemas aquosos contendo 1% m/m HEC-HM, e CTAB e NaSal 5 (símbolos
cheios) e 50 (símbolos vazios) mmol L-1.
II.12 Conclusões – Parte II
Verificou-se que a formação de MG, quando CTAB é combinado com salicilato na
concentração de 1 mmol L-1, se dá na razão molar CTAB/NaSal igual a 0,10. O
processo de formação é significativamente exotérmico, com entalpia de formação de
micela gigante de -21,5 kJ mol-1.
Na combinação das MGs com os polímeros hidrofobicamente modificados,
observou-se pequena variação na reologia para o HPMC, mas grande mudança para o
HEC-HM. No entanto, verificou-se que estes sistemas sofrem separação de fase. É
possível que a neutralização das cargas superficiais das MGs e a intensa adsorção do
HEC-HM, não se mantêm mais solvatadas, resultando na separação de fases.
Foi observado que todos os sistemas se comportam como pseudo-plásticos. Das
curvas de fluxo obteve-se a viscosidade no platô e com esta pode-se verificar o
65
comportamento reológico em função da concentração de CTAB e salicilato. Constatou-
se um máximo na viscosidade, assim como observado nos sistemas do Capítulo II. Este
máximo se deve à reticulação das micelas gigantes com moléculas dos polímeros.
Reogramas obtidos no regime linear confirmaram o pequeno efeito do HPMC
sobre a dinâmica das micelas gigantes. Entretanto, verificou-se que a frequência em
que os processos de reptação ficam mais restritos, diminui sensivelmente quando as
MGs contém HEC-HM. Isto se deve à grande adsorção das cadeias do HEC-HM nas
micelas gigantes, resultando em redes mais compactas.
Por fim, concluiu-se através de experimentos de redução de atrito hidrodinâmico
que existe uma espécie de competição entre o salicilato e as cadeias hidrofóbicas do
HPMC pelas moléculas de CTAB.
66
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