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A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
FRANCESCO CONTE
PROCURADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SUMÁRIO:
1. Introdução.
2. Conceito e natureza jurídica.
3. Cabimento da antecipação da tutela em face da Fazenda Pública.
4. Notas finais.
5. Conclusão.
1. Introdução.
Como é notório, o Brasil exibe, atualmente, um poderoso arsenal
legislativo no tocante ao Direito Processual Civil, sobretudo após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, que patrocinou a ampliação do leque de instrumentos
de tutela dos direitos e interesses individuais e coletivos.
Entretanto, por variegadas razões, ganha terreno a insatisfação com a
ineficácia dos serviços prestados pela Justiça, na solução das lides.
Nada obstante o formidável progresso científico do processo civil, é
insatisfatória a performance do mecanismo jurisdicional, sobretudo ao ângulo do
binômio celeridade/efetividade.
O eminente JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, em página
memorável, que encerra as tendências contemporâneas do Direito Processual
Civil, afirma a necessidade de aplicar-se:
“... com maior eficácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente temperadas e polidas pelo engenho dos estudiosos. Noutras palavras: toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é que o
extraordinário progresso científico de tantas décadas não pode impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil”i
“A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e
manifesta”, esta célebre expressão de RUI BARBOSA condensa a idéia
fundamental, no âmago da sociedade, de buscar-se uma rápida composição das lides,
enquanto fator de perturbação da paz social.
O tempo é a dimensão fundamental na vida humana, desempenhando,
no processo, idêntico, dramático e perverso papel.
CARNELUTTI, em eloqüente visão, assinala que “o tempo é um
inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas”.
CAPPELLETTI, nessa moldura, observa que: “a demora excessiva
é fonte de injustiça social, porque o grau de resistência do pobre é menor do
que o grau de resistência do rico; este último, e não o primeiro, pode sem dano
grave esperar uma justiça lenta”.
Já se disse, com propriedade, que “acelerar os resultados do
processo é quase uma obsessão, nas modernas especulações sobre a tutela
jurisdicional”.ii
Não é por outra razão que, atualmente, nas tensões entre a segurança
jurídica e a efetividade do processo, o eixo gravitacional deslocou-se da esfera da
segurança e do formalismo para a órbita da celeridade e da efetividade da tutela
jurisdicional.
Pois bem: em semelhante contexto, na esteira das relevantes
modificações introduzidas na produção da prova pericial (Lei nº 8.455/92), no
atinente à citação e à intimação implementadas, de regra, por via postal (Lei nº
8.710/93), bem como, ainda, no concernente à liquidação (Lei nº 8.898/94) e
também sob o ideário de modernizar, aprimorar, simplificar e agilizar os
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mecanismos da justiça civil, foram editadas, em 13.12.1994, as Leis nº 8.950, 8.951,
8.952 e 8.953, que alteram inúmeros dispositivos do Código de Processo Civil,
relativos aos recursos, sobre as ações de consignação em pagamento e de usucapião,
o processo de conhecimento, o processo cautelar e o processo de execução,
respectivamente.
Posteriormente, foram editadas as Leis nº 9.079, de 14.07.1995;
9.139, de 30.11.1995 e 9.245, de 26.12.1995, instituindo a ação monitória, nova
sistemática do agravo e o processo sumário, respectivamente.
Esse conjunto de leis, conquanto não tenham introduzido mudanças
estruturais, objetivam, primordialmente, simplificar e agilizar o funcionamento
dos mecanismos da justiça civil, sob o influxo de uma atividade jurisdicional
efetiva, justa, célere e eficaz.
2. Natureza Jurídica.
O ponto sensível, de vanguarda, das inovações introduzidas no
processo de conhecimento repousa, a nosso sentir, no instituto da antecipação da
tutela de direito subjetivo material, autorizada no art. 273, do CPC, consoante a
redação ditada pelo art. 1º, da Lei nº 8.952, de 13.12.94, com a dicção seguinte:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ouII - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.§ 3º A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.”
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Não é ocioso enfatizar que o novo dispositivo - consagrador da
antecipação de tutela, tutela antecipada ou tutela antecipatória -, de agilização da
prestação jurisdicional, antecipando os seus efeitos, põe uma pá de cal sobre as
questionadas ações cautelares satisfativas, usadas, até então, para contornar a
morosidade do processo cognitivo (ordinário ou sumário), atrelado a exagerado
formalismo, traduzido numa dimensão complexa, perturbadora e intrigante de atos
processuais.
De igual modo, a antecipação, enquanto fenômeno processual,
ensejou, entre nós, o julgamento antecipado da lide, logo após o encerramento da
fase postulatória, sepultando, assim, as provas desnecessárias e protelatórias.iii
Cumpre observar, nesse passo, que, ao ângulo de sua natureza, o
novo instituto da antecipação dos efeitos da prestação jurisdicional, de forma
ampla e pormenorizada, não está aprisionado no arquétipo das medidas cautelares,
outorgadas sob a égide das normas contidas nos arts. 796 e seguintes do CPC.
CALAMANDREI, em sua obra clássica, situou a antecipação de
provimentos decisórios sob o espectro das medidas cautelares ou de caráter
acautelatório.iv
A tutela cautelar, no direito italiano, experimentou significativa
expansão para abraçar preceitos de sumarização cognitiva, com satisfação
antecipada de pretensão de direito material típica do processo de conhecimento.v
No direito brasileiro, contudo, não se pode identificar o instituto de
antecipação de tutela, do art. 273, inserto na topologia do processo de conhecimento,
com o fito de tornar efetiva a prestação jurisdicional, com a medida cautelar (de
segurança), que, em essência, objetiva resguardar o resultado profícuo do processo
principal.
Ao contrário, prevista no Livro I, do Código de Processo Civil,
atinente ao processo de conhecimento, a tutela antecipada consagra prestação
jurisdicional de natureza cognitiva, sumária (com base em probabilidade) e
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satisfativa, através da qual, presentes os requisitos legais (art. 273, incisos I ou II, e
§ 2º, do CPC), se antecipa, provisoriamente, o próprio provimento jurisdicional
almejado no processo de conhecimento. É, pois, a provisoriedade que,
fundamentalmente, distingue o conteúdo do provimento de antecipação de tutela
da sentença a final prolatada que, porventura, julgar procedente o pedido deduzido
pelo autor, concedendo, em definitivo, a providência jurisdicional almejada.
A tutela antecipatória, consubstanciada em decisão de natureza
interlocutória, é sempre satisfativa do direito material reclamado. Precipita-se, no
tempo, com eficácia provisória, a própria proteção jurídica final postulada em sede
do processo de cognição, sob a fecunda inspiração dos princípios de economia,
celeridade, justiça e efetividade processual.
A tutela antecipa a satisfação que, ordinariamente, se daria após o
tempo necessário para a averiguação da existência do direito, em momento
procedimental próprio. O juiz, na antecipação de tutela em ação de conhecimento,
empresta eficácia executiva, provisória e imediata, à sua decisão.
Há pontos de aproximação entre a medida cautelar e a antecipação da
tutela no processo civil, como, por exemplo, a urgência, a provisoriedade da decisão
e a necessidade de comprovação do periculum in mora, que é comum a ambos os
fenômenos.
Outro ponto de contato entre a medida cautelar e o instituto da
antecipação da tutela é que ambos são suscetíveis de modificação ou revogação.
Entretanto, soa trivial que o traço característico da medida cautelar
é, sempre, a sua compulsória provisoriedade, posto conservar a sua eficácia no
prazo de 30 (trinta) dias e na pendência do processo principal de semblante
cognitivo ou executivo (arts. 806 e 807, do CPC), sendo certo que, contrariamente -
conquanto concedida provisoriamente, com eficácia limitada - a antecipação da
tutela, por traduzir a própria providência jurisdicional de mérito postulada, exibe o
talento para produzir efeitos duradouros, através da sentença transitada em julgado.
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Em outras palavras: a medida cautelar, necessariamente provisória e
efêmera, tem a finalidade precípua de garantir, no plano pragmático, a eficácia do
processo principal (de conhecimento ou de execução), valendo notar que, ao
contrário, a antecipação da tutela materializa a própria prestação jurisdicional de
mérito postulada no processo de cognição, revestida de colorido provisório, mas
com vocação para, no futuro, ostentar eficácia permanente, com o advento do
trânsito em julgado da sentença.
Outro traço de distinção é que a medida cautelar é, sempre, autuada
em apenso aos autos principais, além de poder ser concedida liminarmente, com a
condicionante do art. 804, do CPC, enquanto que nos autos principais é que a tutela
antecipada é requerida, não sendo lícito ao juiz concedê-la liminarmente, vale dizer,
sem a prévia audiência do réu.
A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação
principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes
da ação principal ou no seu curso.
Outro fator distintivo é que a antecipação da tutela depende, sempre,
de iniciativa ou de provocação da parte (princípio da demanda), enquanto que, para
determinada corrente doutrinária, que não é pacífica, capitaneada por GALENO
LACERDA, as medidas cautelares incidentes podem ser concedidas ex officio pelo
juiz.
Outro aspecto de diferenciação entre as duas categorias é que a
medida cautelar, de regra, não é satisfativa, declaratória de um direito material, mas
meramente instrumental, acautelatória, enquanto que a antecipação da tutela exibe
conteúdo satisfativo, de vez que pode ser igual a providência final postulada. Só é
lícito ao magistrado antecipar o que poderia conceder no provimento final.
Veja-se outra dessemelhança: na ação cautelar não existe relação de
causa e efeito entre a liminar deferida e o conteúdo da sentença que será proferida na
ação principal, enquanto que, na tutela antecipatória, o direito assegurado, de plano,
à parte, estará engastado na matéria que o juiz decidirá, no mesmo processo.vi
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A segurança, provisória e emergencialmente, buscada na cautelar,
não se confunde com o bem em sentido amplo, objeto do processo principal,
funciona como meio de garantir o resultado eficaz e a utilidade do processo
principal, de feição cognitiva ou executiva.
A distinção, com nitidez ofuscante, entra pelos olhos, posto que, ao
contrário da tutela cautelar, que exibe caráter unicamente assecuratório e de
referência exclusivamente processual, a tutela antecipada não se limita a “assegurar a
viabilidade da realização do direito afirmado”.vii
A tutela, na espécie, é satisfativa no terreno fático, de vez que realiza
o próprio direito afirmado antecipadamente, afastando-se a ordinariedade, ao passo
que, na concepção de CARNELUTTI, o escopo do processo cautelar é tutelar o
processo, assegurando a futura realização do direito.viii
Em síntese: não se cogita, de medida voltada a evitar a periclitação
do direito, ou para, no futuro, resguardar o seu exercício, nenhum direito é protegido
ou acautelado (tutela cautelar que encerra lide de dano); antes, ao contrário, a
antecipação da tutela consubstancia o próprio direito afirmado pelo autor, como
seja, a entrega, à parte, provisoriamente, do bem jurídico almejado (tutela cognitiva
referenciada à lide meritória).
“A técnica de cognição sumária acolhida pelo legislador, no art. 273,
é aquela denominada pelos italianos de tutela giurisdizionale differenziata,
porquanto representa nada menos do que a possibilidade de o Estado-Juiz vir a
conceder previamente, isto é, antes da decisão definitiva (sentença), a proteção
satisfativa antecipatória da pretensão perseguida através da demanda que será
determinada ou conhecida discriminadamente de acordo com o tipo de providência
de Direito Material postulada pelo autor, caso a caso”.ix
A sentença cautelar, é indubitável, não pode antecipar os efeitos
próprios do processo principal.
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Advirta-se que, na dimensão do art. 273, inserem-se todas as ações
de conhecimento (ações declaratórias, condenatórias e constitutivas), afigurando-se
possível a concessão da antecipação dos efeitos da pretensão articulada pelo autor,
mediante providência judicial sumária, no processo de cognição, presentes os
requisitos catalogados no referido dispositivo.x
CALMON DE PASSOS, a propósito do tema, observa que:
“... Se a antecipação é possível no processo de conhecimento, ela o é por ‘disposição geral’, donde ser extensível, subsidiariamente, ao procedimento sumário (antigo sumaríssimo) e aos especiais, salvo havendo absoluta incompatibilidade”................................................................................................Em outras palavras: “A antecipação da tutela que se prevê, agora, no título relativo ao processo e procedimento, do livro que cuida do processo de conhecimento, vale tanto para o procedimento ordinário quanto para o sumário (o antigo sumaríssimo) e também para os procedimentos especiais, porque subsidiariamente, a estes últimos, são aplicáveis as disposições gerais do procedimento ordinário ...”xi
Ressalte-se que, mesmo antes da reforma de 1994, no CPC e em leis
extravagantes, algumas ações já consagravam, em certa medida, a antecipação da
tutela, como, exemplificativamente, ações possessórias, embargos de terceiro, ação
popular, ação civil pública, mandado de segurança, ação expropriatória, ação direta
de inconstitucionalidade, ações locatícias e nas demandas do Código de Defesa do
Consumidor de maneira mais restritiva (art. 84, § 3º).
O artigo 273 do CPC, em suma, consagra tutela de urgência
satisfativa interinal, cujos provimentos surgem durante a tramitação de um
processo de conhecimento, antecipando, total ou parcialmente, os efeitos da decisão
definitiva.xii
3. Cabimento da antecipação da tutela em face da Fazenda Pública.
A expressão “Fazenda Pública” é, nas presentes considerações,
utilizada, genericamente, de molde a abranger as pessoas jurídicas de direito
público interno - União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios -, bem
ainda as suas autarquias e fundações públicas.
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Estão fora do espectro do conceito de “Fazenda Pública”, no entanto,
as empresas pública e as sociedades de economia mista, uma vez que ostentam
personalidade jurídica de direito privado.
O núcleo da exposição relaciona-se à possibilidade de requerer-se e
de deferir-se a antecipação da tutela em face das pessoas jurídicas de direito público
interno e de suas autarquias e fundações públicas.
Há uma vertente doutrinária que considera cabível a antecipação da
tutela em face da Fazenda Pública. Confiram-se, nessa corrente, dentre outros,
ANTONIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO (in Tutela Antecipada, Oliveira
Mendes, 1998, pág. 615/620), J. E. S. FRIAS (in, Tutela Antecipada em Face da
Fazenda Pública, Revista dos Tribunais vol. 728, págs. 60/79) e, na área tributária,
ALBERTO XAVIER (in Do Lançamento Teoria Geral do Ato do Procedimento
e do Processo Tributário, Forense, 1997, págs. 379/383), HUGO DE BRITO
MACHADO (in Tutela Jurisdicional Antecipada na Repetição do Indébito
Tributário, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 5, págs. 42/49),
CRISTIANE APARECIDA MOREIRA KRUKOSKI (in A Antecipação dos
Efeitos da Tutela Jurisdicional contra a Fazenda Pública, RDDT nº 24, pág.
12/20) e JUVÊNCIO VASCONCELOS VIANA (in Antecipação de Tutela
contra a Fazenda Pública, RDDT nº 30, págs. 58/67).
Essa corrente sustenta, em essência, que, se a lei criou o instituto
da antecipação de tutela, com o objetivo primordial de assegurar a execução
imediata, conquanto provisória, não teria sentido, em perspectiva sistemática,
deixar de assegurar à decisão interlocutória, concessiva da antecipação de tutela,
eficácia para instaurar aquela execução, independentemente de reexame obrigatório
pela instância superior, fazendo-se, assim, a exegese do art. 475, do CPC, que o
torne compatível com a novel figura.
Ainda na ótica dessa corrente permissiva, o duplo grau obrigatório
de jurisdição, assegurado às entidades públicas, nesse contexto, não seria
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incompatível com a execução provisória da decisão concessiva da antecipação de
tutela.
O precatório judicial, nessa visão doutrinária, também não se
constituiria em óbice ao deferimento da antecipação de tutela contra a Fazenda
Pública, v. g., em ações condenatórias de restituição de indébito, de vez que,
como preconiza essa corrente, semelhante decisão poderá ser executada,
provisoriamente, “mediante expedição de precatório, cujo pagamento deverá ser
colocado à disposição do juiz que, porém, apenas determinará sua liberação em favor
do autor quando transitar em julgado a sentença que julgar procedente a ação”. (cf.,
por todos, HUGO DE BRITO MACHADO, RDDT nº 5, pág. 46)
Sob perspectiva oposta da percepção desse fenômeno, há vozes que
sustentam a inadmissibilidade do instituto da antecipação da tutela contra a
Fazenda Pública. Vejam, nessa linha, dentre outros, ANTONIO RAPHAEL
SILVA SALVADOR (in Da Ação Monitória e da Tutela Jurisdicional
Antecipada, Malheiros, pág. 36), ANTONIO CARLOS CAVALCANTI MAIA
(in A Reforma do Código de Processo Civil e a Fazenda Pública, na coletânea
Estudos de Direito Processual Civil em Memória de Luiz Machado Guimarães),
MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE (in Novos Aspectos da
Antecipação da Tutela contra a Fazenda Pública, RDDT nº 33, págs. 93/107).
Não padece dúvida de que o instituto da antecipação da tutela possa
ser requerido por pessoa jurídica de direito público interno, e suas autarquias e
fundações públicas.
Entrementes, - como, de resto, defendi, em 1995, no artigo intitulado
“A Fazenda Pública e a Antecipação Jurisdicional da Tutela”, in COAD-
Informativo Semanal ADV, 25/95, pág. 268 - descabe, numa interpretação
sistemática do arcabouço processual, a antecipação da tutela quando, no pólo
passivo, figurar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios e
suas autarquias, de vez que se a própria sentença proferida contra estas entidades
de direito público, como garantia constitucional do devido processo legal, está
sujeita ao reexame necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada
10
pelo tribunal (art. 475, II, do CPC), a medida antecipatória, concedendo o próprio
direito afirmado pela autora, consubstanciando mera decisão interlocutória, com
maior razão, não tem, na espécie, aptidão para produzir qualquer efeito. A eficácia
do apêndice (decisão interlocutória) não pode ser maior do que a do próprio corpo
(sentença).
À exceção de expressa previsão legal (e. g., os arts. 56, § 2º e 173,
parágrafo único, da Lei nº 9.279, de 14.05.1996, em tema de propriedade industrial,
envolvendo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, que é uma
Autarquia Federal, aliás a existência da exceção confirma a regra que se segue), a
simples decisão interlocutória, na espécie, não tem a virtude de produzir os efeitos
interditados, pelo art. 475, II, do CPC, ao pronunciamento jurisdicional mais
importante que é a própria sentença. Não se pode permitir a produção dos efeitos
da sentença, que, inexoravelmente, se irradia da decisão interlocutória concessiva
da antecipação de tutela, antes da confirmação pelo Tribunal, até porque o art.
273, do CPC, que consagra o instituto, não contém qualquer ressalva em
relação ao art. 475, que estabelece o duplo grau obrigatório de jurisdição, sendo
justo afirmar a coexistência de ambos os dispositivos no ordenamento processual
civil.
Em relação às autarquias só incidia o duplo grau de jurisdição quando
sucumbente na execução da dívida ativa (Súmula nº 620 do STF). Ocorre que, em
boa hora, a Lei Federal nº 9.469, de 10.07.1997, em seu art. 10, estendeu às
autarquias, bem ainda, às fundações públicas, a garantia do reexame necessário.
i cfr. Revista de Processo 31/199. ii cfr. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “A Reforma do Processo Civil”, p. 138.iii cfr. CARREIRA ALVIM, “Código de Processo Civil Reformado”, 1ª ed., Belo Horizonte, Del
Rey, 1995, pág. 95iv cfr. “Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari”, nº 14, pág. 38v cfr. REIS FRIEDE, “Tutela Antecipada, Tutela Específica e Tutela Cautelar”, Del Rey, 1996,
págs. 28 e 29.vi cfr. REIS FRIEDE, ob. cit., pág. 67.vii cfr. LUIZ GUILHERME MARINONI, “Novidades sobre a tutela antecipatória”, nº 3, pág. 106.viii cfr. FRANCESCO CARNELUTTI, “Direito e Processo”, Napoli: Morano, 1958, pág. 356.ix cfr. JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR, in, “Reflexões em torno da Tutela Antecipatória Genérica,
Diferenciada Satisfativa. A Questão de sua Aplicabilidade aos Procedimentos Especiais, AJURIS-pág. 230.
x cfr. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, in, “As Inovações do Código de Processo Civil”, Forense, 1995, pág. 11.
xi cfr. “Inovações no Código de Processo Civil”, Forense, 1995, págs. 7 e 8.xii cfr. PASQUALE FRISINA, Riv. di Dir. Proc., XVI/368 e segs., “La tutela antecipatória: profili
funzionali e strutturali”.
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O duplo grau obrigatório de jurisdição, não traduz - como
afoitamente pensam alguns - “privilégio” constituído em favor da União, dos
Estados-membros, do Distrito Federal, do Municípios e de suas autarquias e
fundações públicas, mas, sim, garantia que visa resguardar interesses de ordem
pública. O elemento teleológico da norma nos incisos II e III, do art. 475, do CPC,
é a proteção a interesses públicos relevantes, inspirada na racionalidade e na
proporcionalidade.
Leia-se, a propósito do tema, ANTONIO RAPHAEL SILVA
SALVADOR:
“Apenas entendemos impossível a tutela antecipada concedida
a favor de autor contra a União, o Estado e o Município, pois
aí haveria, obrigatoriamente, pedido de reexame necessário se
a concessão fosse em sentença final, o que mostra que não é
possível, então, a tutela antecipada, que burlaria a proteção
legal prevista no art. 475, II, do Código de Processo Civil.
Compreenda-se que se nem sentença definitiva, proferida após
instrução da causa, poderia introduzir efeitos, desde logo, se
vencida pessoa jurídica de direito público, então muito menos
se poderia pretender dar esse efeito em julgamento provisório
e revogável. Tudo estaria sujeito ao duplo exame, ao
chamado reexame necessário obrigatório para a sentença
contra a União, Estados e Municípios, só produzindo efeitos
após confirmação pelo tribunal competente.” (in ob. cit.,
págs. 56/57)
Um aspecto de superlativa importância há de ser ressaltado: o de que
não é admissível a execução provisória de condenações impostas à Fazenda
Pública, salvo em se tratando de decisões contra as quais foram interpostos os
recursos extraordinário e/ou especial.
Insista-se no ponto: contra a Fazenda Pública não há que cogitar de
execução provisória, porquanto estando sujeita a duplo grau de jurisdição, a sentença
não produzirá efeito, senão depois de confirmação em segunda instância.xiii
12
A antecipação dos efeitos da tutela, repita-se, enseja execução de
natureza provisória, conforme estabelece o art. 273, em seu § 3º.
Sendo um ato complexo a sentença proferida contra a Fazenda
Pública, só se aperfeiçoando depois do julgamento de 2º grau, e, consequentemente,
despida de qualquer eficácia, parece óbvio dizer que se afigura inaceitável a
instauração de uma execução de natureza provisória, fundada na sentença de 1º grau.
Ora, se as condenações contra a Fazenda Pública não podem ser
objeto de execução provisória, sem que a sentença seja confirmada pelo Tribunal,
inexeqüíveis, com maior razão, serão as condenações oriundas de simples decisão
interlocutória, que, sabe-se, não é passível de reexame necessário, ou - o que é o
mesmo - não está sujeita ao chamado duplo grau obrigatório de jurisdição.
É interessante observar que, na espécie, a decisão interlocutória,
concessiva da antecipação de tutela, exibe a particularidade de adiantar a própria
tutela de mérito, vale dizer, concede, substancialmente, o direito subjetivo
material postulado na demanda e que o autor afirma ser titular, adiantando os
efeitos da sentença de mérito, em momento processual diverso daquele estabelecido
no ordenamento processual civil.
Em semelhante contexto, o magistrado tem o poder de emprestar
imediata eficácia executiva, embora provisória, à sua decisão de antecipação de
tutela. Contudo, ante a necessidade da confirmação, pelo Tribunal, da decisão de
1ª instância, para que o julgado adquira a característica da exequibilidade, não se
mostra possível a utilização do instituto da antecipação da tutela contra os entes
públicos.
Esse é o entendimento dos nossos tribunais do qual constitui amostra
expressiva e eloqüente o acórdão, unânime, do Pleno do Tribunal de Justiça do
Estado do Espírito Santo, proferido no julgamento do Agr. Reg. no processo
xiii cfr. HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “A Fazenda Pública e alguns aspectos da execução forçada”, Revista Forense, Vol. 281, pág. 71.
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100950015253, sendo relator o Desembargador EWERLY GRANDI RIBEIRO,
encimado da seguinte ementa:
“TUTELA - ANTECIPAÇÃO - NATUREZA JURÍDICA -
EFEITO
A natureza jurídica da antecipação da tutela é de decisão
de mérito provisoriamente exeqüível, colidindo com o art.
475 do CPC, que determina o reexame necessário das
decisões proferidas contra as pessoas jurídicas de direito
público. A supremacia do interesse público sobrepuja o
particular.” in ADCOAS 8151071
Nessa trilha, o acórdão, unânime, da colenda Quarta Câmara Cível do
E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferido nos autos do agravo
de instrumento nº 4.116/97, sendo Relator o Desembargador FERNANDO
WHITAKER, donde salta, impetuoso, o fragmento seguinte:
“Como essa Câmara tem entendido, o exame da tutela
antecipada pressupõe o respeito ao artigo 5º, LV, da
Constituição federal, que assegura o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Ademais, in casu, descabia, em princípio, a tutela antecipada,
pelo que dispõe o artigo 475, do Código de Processo Civil,
uma vez que a sentença é inexeqüível antes do reexame
necessário.”
Na mesma rota, o acórdão da colenda 8ª Câmara Cível do E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no julgamento do agravo de
instrumento nº 019.196-5/5, sendo Relator o Desembargador RAPHAEL
SALVADOR, põe uma pá de cal sobre controvérsia, no sentido de não admitir
antecipação jurisdicional da tutela em face de pessoa jurídica de direito público
interno, verbis:
“TUTELA JURISDICIONAL ANTECIPADA - Pedido
contra a Fazenda Pública - Impossibilidade dessa
concessão antecipada, pois se trata de decisão de mérito,
14
ainda que provisória, a exigir reexame obrigatório, para
que possa produzir efeitos.”
No mesmo diapasão, a decisão proferida, em 18.08.1997, pelo
Ministro-Presidente do E. Tribunal Superior do Trabalho, ERMES PEDRO
PEDRASSANI, nos autos do procedimento administrativo nº 38.525/97.0,
afastando a eficácia do decisum concessivo de antecipação de tutela prolatado
pelo Juízo Federal da 2º Vara, da Seção Judiciária de Goiás, na ação ordinária nº
96.6295-1, proposta pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal no
Estado de Goiás - SINJUFEGO, conta a União Federal.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, por sua colenda Primeira
Turma, no julgamento do recurso especial nº 148.072/RJ, sendo relator o Ministro
JOSÉ DELGADO, admitiu, expressamente, que, via de regra, não se revela
cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública, valendo destacar o
seguinte fragmento do aresto:
“Não deve, portanto, ao meu pensar, prosperar a tutela
antecipada, não só por causa da ausência dos pressupostos
acima especificados, mas, também, pelo fato de ter sido
concedida contra a Fazenda Pública em situação não
excepcional e vinculada à necessidade alimentar ou o
posicionamento jurídico já definido pelos tribunais, como
tenho definido.
A tutela antecipada, na forma concedida, desconheceu os
efeitos do duplo grau de jurisdição obrigatório, quando
vencido o Estado, produzindo conseqüências muito mais
elásticas de que a própria sentença e o seu trânsito em julgado.
Esse fundamento é suficiente, na minha compreensão, para
reformar o acórdão hostilizado.”
Ressalte-se, nesse passo, que - no exercício da competência
estabelecida para processar e julgar originariamente ... ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, “a”, da CF), com
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eficácia erga omnes e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e ao Poder Executivo (art. 102, § 2º, da CF) - o Plenário do E. Supremo
Tribunal Federal, em 05.02.1998, nos autos da Ação Direta de Constitucionalidade
nº 04, promovida pelas Presidências da República, do Senado Federal e da Câmara
dos Deputados, por votação majoritária, sendo relator o Ministro SYDNEY
SANCHES, “deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar para suspender, com
eficácia “ex nunc”, e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a
prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda
Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade
do art. 1º da Lei º 9.494, de 10.09.97 (“Aplica-se à tutela antecipada previstas nos
arts. 273 e 461, do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo
único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº
5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho
de 1992.”), sustando, ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas
decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública.”
Com fulcro nessa decisão, foram deferidas medidas liminares, em
inúmeras reclamações (v. g., nº 739-6), com o escopo de ter garantida a autoridade
da decisão do E. Supremo Tribunal Federal, proferida na supra-aludida Ação Direta
de Constitucionalidade nº 04 (arts. 156/162, do RISTF), para suspender a eficácia
de variegadas decisões concessivas de antecipação de tutela em face da Fazenda
Pública
Nem se diga que a Medida Provisória nº 1.570/97, sucessivamente
editada até o advento da indigitada Lei nº 9.494, de 1997, esculpindo, em casos
específicos, situações de restrição ao uso do instituto da antecipação de tutela,
acabou, estaria reforçando o entendimento contrário, por reconhecer a
possibilidade de sua utilização, nas demais causas, contra a Fazenda Pública. O
princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se que o objetivo do legislador,
no exercício de sua competência constitucional (art. 22, I, da CF), para proteger
certa conjuntura, foi o de, apenas e tão-somente, explicitar determinadas
situações, em que haveria desembolso imediato de dinheiro público, sem,
contudo, infirmar a regra geral restritiva.
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De mais a mais, o entendimento liberatório da utilização do
instituto, de forma genérica, contra a Fazenda Pública, que alguns pretendem
extrair da decisão de constitucionalidade, conquanto liminar, em sede de cautelar,
da Lei nº 9.494/97, proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal, não encontra eco
nos próprios lindes objetivos, bem como não se harmoniza com o escopo da ação
direta de constitucionalidade. O fato de a Suprema Corte afirmar a
constitucionalidade de determinada norma jurídica ou conjunto de dispositivos
legais, que disciplinam casos específicos, não significa que, no contexto da
generalidade das demais hipóteses, seria legítima a antecipação de tutela contra a
Fazenda Pública. O Supremo Tribunal Federal absolutamente não disse isto e nem
poderia dizê-lo, sob pena de estar julgando além dos domínios do pedido
deduzido na indigitada ADC.
Insista-se no ponto: a circunstância da Lei nº 9.494/97,
relativamente aos casos específicos que menciona, impor limitação à utilização da
técnica de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, não autoriza a
conclusão de que, nos demais casos, não contemplados neste diploma legal, o
novel instituto estaria franqueado contra as entidades públicas. Não e renão,
porquanto, não em virtude desta lei, mas em razão da norma inscrita no inciso II,
do art. 475, do CPC, cuja vigência é inconteste, de sorte que a execução de
quantia certa contra a Fazenda Pública está atrelada à sentença transitada em
julgado, submetida ao crivo do reexame necessário, a par da execução por
quantia certa contra a Fazenda Pública implementar-se através do precatório e
obedecida, exclusivamente, a ordem cronológica da respectiva apresentação,
consoante o regramento jurídico-constitucional insculpido no caput do art. 100, da
CF.
Sob outro ângulo visual, não colhe objetar, como o faz JUVÊNCIO
VASCONCELOS VIANA (RDDT nº 30, pág. 62), que “os efeitos da sentença
condenatória da Fazenda Pública, sujeita ao reexame, são idênticos ao de uma
sentença contra a qual foi interposta apelação, a admitir-se o argumento sob
comento, com a amplitude que se lhe deseja atribuir, teríamos de entender, no
final , incabível a antecipação de tutela em qualquer caso, posto que sempre poderia
haver a interposição de apelo voluntário com efeito suspensivo contra futuras
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sentenças.” E não colhe de vez que, por exemplo, numa demanda entre
particulares, o vencido, no exercício de faculdade processual - que pressupõe,
sempre, juízo de valor e ato volitivo - pode, ou não, no momento processual
próprio, interpor recurso de apelação, ao passo que, em se tratando da Fazenda
Pública, por força de lei, o reexame é obrigatório, vale dizer, prolatada a
sentença, contrária aos interesses das pessoas jurídicas de direito público interno e
suas autarquias e fundações públicas, será ela, sempre, reapreciada, pela instância
hierarquicamente superior, pois o juiz ordenará a imediata remessa dos autos ao
tribunal competente, com ou sem apelação desta entidades públicas; não o fazendo,
o Presidente do Tribunal, de ofício ou mediante provocação da parte vencida,
poderá (rectius, deverá) avocar os autos, a teor da regra, cogente, contida no
parágrafo único do art. 475, do CPC.
Por outro lado, HUGO DE BRITO MACHADO, ante a
antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, preconiza a solução de se
“determinar a expedição do correspondente precatório, com a particularidade de que
o valor respectivo, se o pagamento pelo Presidente do Tribunal ocorrer antes do
trânsito em julgado da sentença final, ficará à disposição do Juízo. Transitada em
julgado a sentença, determinará, então, a liberação do depósito para o autor, que
terá sido, assim, poupado da penosa espera que sistematicamente acontece com os
que ganham questões contra a Fazenda Pública.” E, passos adiante, preconiza:
“É certo que a Fazenda Pública não pode ficar desprotegida. O valor a ser pago ao
contribuinte, autor da ação de repetição de indébito tributário, em cumprimento do
precatório, deve permanecer depositado até que se transite em julgado a sentença
final. Esse depósito será a garantia de que não se criou uma situação irreversível.”
Essa solução alvitrada pelo insigne Professor da Universidade Federal
do Ceará, d.v., não se afigura possível, uma vez que, ao ângulo jurídico, ela
não se harmoniza com os princípios orçamentários, e tampouco se compadece
com as regras inerentes à despesa pública, pois, em razão de precatório expedido
com base em decisão interlocutória, o dinheiro público ficaria depositado
aguardando o trânsito em julgado da sentença, e nem se coaduna com a
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sistemática constitucional estabelecida no preceito ínsito ao art. 100, da
Constituição da República, que exibe a formulação seguinte:
“Art. 100 - À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os
pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou
Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações
orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este
fim.” grifou-se
A disciplina constitucional do precatório, plasmada no
sentido teleológico da norma contida no art. 100, caput, da C.F., submete, de
forma incondicional, o Poder Público ao dever de respeitar a precedência
cronológica de apresentação dos precatórios, com a correspondente preferência
jurídica no recebimento, a quem tiver precedência cronológica, expressa na
parêmia prior in tempore, potior in jure.
Não é desprezível a assertiva que se faça no sentido de que a
introdução do advérbio exclusivamente, no texto do art. 100 caput, da CF, é para
sublinhar e enfatizar que quaisquer pagamentos devidos pela Fazenda Pública,
mesmo os de natureza alimentar, decorrentes de sentença judiciária, transitada em
julgado, só poderão ser efetivados mediante precatório e obedecida a ordem
cronológica da respectiva apresentação.
Sob outro prisma, ao ângulo prático, no terreno da execução, se a
pretensão visar ao pagamento em dinheiro (pedido condenatório em pagamento de
quantia certa), a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública seria inútil - tal qual
o fogo que não queimasse -, pois esta modalidade de execução contra aquelas
entidades públicas (sabido que seus bens são impenhoráveis) faz-se através do
instituto do precatório, à luz do procedimento previsto nos arts. 730 e seguintes do
CPC, o que pressupõe sentença judiciária, na dicção do caput do art. 100, da
Constituição Federal (e não decisão interlocutória como é o ato concessivo de tutela
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antecipatória). É de afastar-se, na espécie, de modo inequívoco, a possibilidade de
execução antecipada, por vias transversas, fundada no novo instituto.
Não fosse isso, permitir-se a expedição de precatório, escudado em
mera decisão interlocutória, é violar o princípio constitucional da igualdade, dês
que se estaria outorgando tratamento diferenciado e privilegiado ao beneficiário
da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, em ostensivo detrimento do
universo de seus demais credores, que esperam o trânsito em julgado das
sentenças que lhes foram favoráveis, e já submetidas ao reexame necessário,
para a expedição do precatório.
Essa argumentação é aplicável, também, ao caso de incontinenti
despojamento patrimonial do ente público, em que, por força de antecipação de
tutela, seja ele obrigado a dispor, imediatamente, de numerário em prol da parte
beneficiária, por vulnerar e subverter a sistemática de execução por quantia certa
contra a Fazenda Pública, estabelecida no caput do art. 100, da Constituição
Federal.
Não bastasse isso, a reversibilidade dos efeitos do provimento
antecipado erige-se em pressuposto, inafastável, para a respectiva concessão, a
teor da norma, cogente, contida no § 2º, do art. 273, do CPC. Nessa linha de
raciocínio, antes de instrução exauriente, se antecipada a tutela contra a Fazenda
Pública, e acaso se franqueasse à parte receber, de imediato, os numerários, na
hipótese de improcedência do pedido, por ocasião da prolação da sentença, haverá
o fundado perigo de irreversibilidade - periculum in mora inversum -, como seja,
não mais reaver a entidade pública os valores adiantados, por força de execução
provisória do provimento antecipado, ficando, pois, o erário desprotegido. Na
ponderação da irreversibilidade, sob o prisma do princípio da proporcionalidade,
o magistrado deve considerar a prevalência do bem jurídico interesse público
sobre o particular.
4. Notas finais.
Uma advertência final necessária: que a antecipação de tutela,
sumária, genérica e excepcional, com o passar do tempo, não seja subvertida,
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generalizando-se perigosamente em indiscriminada antecipação satisfativa da decisão
condenatória de mérito, o que importará em verdadeira temeridade, insegurança aos
jurisdicionados, desordem processual e autêntico holocausto jurídico.
Como é intuitivo, nessas hipóteses - com a deturpação na prática -,
sempre haverá risco de sumarização generalizada do processo de conhecimento,
consagrando-se uma geral deformação da tutela jurisdicional.
“A proliferação das tutelas especiais, quaisquer que sejam as suas
contingentes justificações, constituem-se num fator concorrente de crise de valores,
em relação à tutela ordinária, como tutela dispensada a todas os cidadãos”.xiv
A justiça civil deve sustentar-se sob os pilares da garantia e da
eficiência e não inspirar-se na lógica, sempre traumática, da emergência.
Devemos pugnar pela recuperação da funcionalidade do processo
ordinário, e não dar-se ordinariedade a medida essencialmente extraordinária e
excepcional, como, de resto, é a antecipação de tutela.
Sob a perspectiva de êxito, para a extração de todas as potencialidades
do novo instituto da antecipação da tutela, devemos buscar a via média entre o
romantismo ingênuo e o pessimismo exacerbado, de um lado, com postulações
responsáveis, e, de outro lado, com o exercício de uma jurisdição igualmente
responsável.
É de esperar-se, na latitude do augúrio, que, no balanço final, todas as
dificuldades exegéticas que o texto do art. 273, possa apresentar - e, decerto,
algumas apresenta, máxime no atinente à sua coexistência com o reexame
necessário, estabelecido no art. 475, do CPC -, sejam superadas pelos aspectos
positivos do instituto da antecipação da tutela, que devem ser preservados, com
prudência e cautela, na prática judiciária, a fim de que a reforma do processo
civil possa pavimentar o aceso efetivo a uma justiça célere e justa.
xiv cfr. GIUSEPPE TARZIA, apud Joel Dias Figueira Júnior, ob. cit. pág. 245.
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5. Conclusão.
Tendo presentes as razões expostas, torna-se forçoso concluir que,
ressalvadas as hipóteses expressamente contempladas pelo legislador - e as exceções
confirmam a regra que se segue -, não se revela possível a antecipação de tutela
contra a Fazenda Pública, sob pena de vulneração da norma inscrita no inciso II,
do art. 475, do Código de Processo Civil, e, nas execuções por quantia certa, do
caput do art. 100, da Constituição Federal.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
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