Em busca de Independência

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28 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 29 de setembro de 2009

EspecializaçãoHebiatria é uma áreada medicina ligada à

pediatria eespecializada na

adolescência. O nomevem de Hebe, deusagrega da juventude.

Segundo a OrganizaçãoMundial de Saúde

(OMS), a adolescência éfaixa compreendida

entre os 10 e 20 anos deidade, que marca a

transição da infânciapara a fase adulta.

O fim da adolescência é um períodobastante complexo, tanto para osjovens, que se veem diante de no-vos desafios e responsabilidades,

quanto para os pais, que têm dificuldadespara julgar o momento certo de incentivarou limitar a independência dos filhos. Noentanto, especialistas garantem que, comdiálogo e bom senso, é possível transformaressa fase, muitas vezes traumática, em umperíodo rico de aprendizado e crescimentopessoal.

Para o hebiatra Maurício de Souza Li-ma, secretário do Departamento de Ado-lescência da Sociedade de Pediatria de SãoPaulo, o primeiro passo na busca pela in-dependência é se mostrar maduro e res-ponsável. “Se um jovem quer ser tratadocomo adulto, ele precisa demonstrar quetem maturidade. Não dá para agir de ma-neira irresponsável e depois querer rece-ber uma tratamento diferente”, conta omédico, autor do livro Filhos crescidos, paisenlouquecidos (Landscape).

Lima explica que os pais devem dar opor-tunidades para que os filhos mostrem quecresceram e, a partir daí, avaliar se eles têmcondições de viver sozinhos ou começar achegar em casa mais tarde, por exemplo. “Sevocê marca um horário para o adolescenteestar em casa e ele o desrespeita, é difícilimaginar que ele esteja preparado para si-tuações mais complexas, como viajar desa-companhado”, cita.

O estudante Albert Domingo Carneiro, 21anos, vive hoje o desafio de andar com ospróprios pés. Ele passou um semestre per-correndo o caminho entre a casa da família,em Luziânia (GO), e a Universidade de Bra-sília (UnB), onde estuda. “Era muito cansati-vo e caro, eu tinha de acordar de madrugadae só voltava para casa à noite. Foi aí que eudecidi procurar uma maneira de morar maispróximo da universidade”, conta o aluno deartes cênicas.

Para se adaptar à vida na Casa do Estu-dante Universitário, na própria UnB, Albertteve de aprender a viver sem o apoio direto econstante da família. “Você não tem mais amãe passando a mão na sua cabeça, te dan-do apoio o tempo todo. Os amigos ajudammuito, mas nunca é a mesma coisa”, explica.Para ele, quando os problemas começam aaparecer, é preciso determinação. “Nessashoras, a gente tem de botar na cabeça o quequer e ter persistência. Acho que é muito pi-or ceder e desistir da independência.”

Para a psicóloga da Associação Brasilei-ra da Adolescência, Fabiana Luckemeyer,os pais devem assumir o papel de orienta-dores nesse processo de amadurecimento.“Em vez de ficar dando muitos palpites, os

Em busca deindependência

A chegada daidade adulta

traz em muitosjovens a

vontade demorar

sozinhos.Diálogo com os

pais éfundamental

para que o filhotome a decisão

correta e setorne uma

pessoaresponsável

Albert saiu da casados pais, emLuziânia, paraestudar na UnB:“Você não tem maisa mãe passando amão na sua cabeça,te dando apoio otempo todo”

www.correiobraziliense.com.br

Veja algumas dicas para quem está começando a morar sozinho

da casa dos pais para estudar em Jaú (SP). Asexperiências vividas pelo jovem foram pararem uma comunidade virtual. “Eu não divul-guei para ninguém, eu só postava lá o que iaacontecendo, era uma espécie de diário vir-tual”, conta Vinícius. A comunidade fez tan-to sucesso que, quando ele deixou de atuali-zá-la, recebeu diversos e-mails de pessoasque acompanhavam o seu dia a dia.

Foi então que Vinícius criou um site comdicas úteis para quem vai morar sozinho. Noendereço www.morandosozinho.net, é pos-sível encontrar de tudo um pouco: receitasfáceis e rápidas, dicas de como acordar ce-do, limpeza doméstica e finanças pessoais.“Quando eu saí de casa, tive de me virar paraaprender uma série de coisas, e acho que osite pode ser útil para que outras pessoasnão tenham os mesmos problemas que eu”,conta o rapaz.

EconomiaO fim da adolescência, porém, não signi-

fica que a pessoa deva sair da casa dos paisapenas para provar que já é adulta. Conti-nuar morando com a família pode ter suasvantagens. Jovens que trabalham e vivemcom os pais podem juntar dinheiro ou in-vestir em viagens ou cursos de qualificaçãoprofissional.

Foi essa a opção da estudante de publici-dade Sharmaine Caixeta, 21 anos. Como nãoprecisa se preocupar com o aluguel ou ascompras de supermercado, ela decidiu eco-nomizar para realizar um de seus maioresdesejos: viajar para o exterior. Durante doisanos, trabalhou como digitadora para finan-ciar os 10 dias em Buenos Aires com amigos.“Normalmente, meus pais não me deixa-riam viajar assim, mas como eu guardei to-do o dinheiro e planejei tudo sozinha, elesperceberam que eu estava preparada parair”, conta a jovem.

Depois da viagem, Sharmaine percebeuque pode ir mais longe. Agora, se preparapara viajar a Londres, desta vez sem data pa-ra voltar. “Meu pai vai me ajudar com as pas-sagens, mas quando eu chegar lá é por mi-nha conta.” Se depender de determinação, aviagem da jovem tem tudo para dar certo.“Eu estou indo para aprender, então estoudisposta a ralar muito”, completa.

pais devem mostrar que todas as atitudestrazem consequências. O erro também éimportante para o amadurecimento. Mui-tas vezes, é melhor fazer errado e arcarcom as consequências. Há momentos emque tomar atitudes erradas ajuda o jovem acrescer”, completa.

Ela aponta o diálogo como o principal ca-minho para o entendimento. “É difícil falarsobre drogas ou sexualidade com seu filhose você nem sequer consegue conversar so-bre a música favorita dele. O diálogo é frutode uma boa relação, que deve ser cultivadadesde sempre.” Fabiana lembra tambémque os pais precisam assumir seus papéis.“O pai não é o melhor amigo. Ele pode serum pai-amigo, mas não pode abrir mão desua autoridade”, completa.

TemporadaUma boa saída para os jovens que procu-

ram amadurecimento, mas não querem sairdefinitivamente de casa, são as viagens paratrabalhar. Conhecidas como work experien-ce, esses programas são a oportunidade deviajar para o exterior, morar sozinho e terum emprego por três a quatro meses. A dis-tância da família acaba incentivando a inde-pendência, pois, em outro país, dificilmenteos pais podem proteger ou ajudar.

Foi essa a opção do estudante de ciênciapolítica Natanael Lopes, 22 anos. No ano

passado, ele passou uma temporada de qua-tro meses nos Estados Unidos. Lá, fez de tu-do um pouco. Foi caixa de lanchonete, sal-va-vidas em parque aquático e faxineiro.“Fui com muita disposição. Houve semanasem que eu cheguei a trabalhar 100 horas. Foiuma boa oportunidade para crescer, melho-rar o inglês e, é claro, juntar dinheiro”, conta.

Mais do que a língua estrangeira, Nata-nael viu no programa uma possibilidade deadquirir maturidade e experiência de vida.“Acho que cresci muito como pessoa. Tinhade me preocupar com as compras de super-mercado, com o aluguel, com a roupa limpa.Nessas horas, a gente aprende a valorizar es-ses detalhes”, conta o jovem. “Hoje, vejo demaneira diferente quem me atende na lan-chonete ou limpa os lugares que frequento.Estive no lugar deles e vi como é um traba-lho difícil”, completa.

A experiência contou pontos quando oestudante voltou ao Brasil. No processo sele-tivo para uma vaga na Organização Interna-cional do Trabalho (OIT), órgão ligado àsNações Unidas, a viagem influenciou na es-colha de Natanael para a vaga. “Era um pro-cesso concorrido, minha experiência pesouna decisão final. Viram que eu era persisten-te e tinha disposição, características que elesestavam procurando”, explica o rapaz.

Para o analista de sistemas Vinícius deOliveira, a aventura de viver longe da famíliacomeçou cedo. Aos 19 anos, ele precisou sair

Rafael Ohana/CB/D. A Press

Elio Rizzo/Esp.CB/D.A Press

O período de quatro meses trabalhando nos Estados Unidos ajudou Natanael a amadurecer