Post on 16-Dec-2018
Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:
aproximando agendas e agentes.
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)
Públicas de Esporte e Lazer no Espírito Santo: perspectivas de
intersetorialidade e participação da sociedade civil.
Carlos Nazareno Ferreira Borges
Universidade Federal do Espírito Santo
Marcelo de Souza Marques
Universidade Federal do Espírito Santo
Políticas Públicas de Esporte e Lazer no Espírito Santo: perspectivas de intersetorialidade e participação da sociedade civil.
Carlos Nazareno Ferreira Borges – UFES Marcelo de Souza Marques - UFES
Resumo O conceito de intersetorialidade na gestão pública envolve a participação da sociedade civil e, associado aos conceitos de descentralização e democracia, constitui o discurso das chamadas “gestões inovadoras”. Problematizando o cruzamento de abordagens conceituais dos termos mencionados, investigamos os convênios entre o governo do Estado de Espírito Santo e suas prefeituras, tomando como recorte um setor emergente no campo das políticas públicas – o setor de esporte e lazer. Analisamos as perspectivas de intersetorialidade, descentralização e democracia na gestão, com enfoque na participação da sociedade civil. Utilizamos da análise documental, e as fontes foram documentos de planejamento, implementação e avaliação dos convênios. Os resultados apontaram para fragilidades no uso dos conceitos e nos mecanismos de controle das políticas públicas setoriais de esporte e lazer naquele Estado. Palavras-chave: Políticas Públicas. Esporte/lazer. Intersetorialidade. Participação.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas observamos a uma nova onda de áreas a serem
contempladas e estrategicamente utilizadas pelo Estado no momento de criar e
implementar políticas públicas, e dentre estas novas áreas temos o esporte e o
lazer. Ambos passaram a ser tomados como direitos constitucionais a partir da
constituição de 1988, sendo o lazer tomado como direito social, conforme o art. 6°
da carta constitucional, o qual contém em seus pressupostos teóricos e práticos
também a dimensão do esporte (recreativo). Dessa forma, tanto na dimensão
vivencial recreativa, quanto na dimensão contemplativa do lazer, o esporte se
constituiu como direito e passou a gerar demandas na agenda política. Não
podemos ignorar o fato do grande potencial de uso capitalista do esporte na
sociedade atual, o que também influencia na agenda política, mas deixaremos
essa discussão de lado nesse texto, priorizando o debate do esporte/lazer como
política pública em razão de direito social adquirido historicamente.
O governo passou a utilizar e incentivar as Políticas Públicas de Esporte e
Lazer (PPEL’s), na direção de outras políticas associadas a outros direitos (como
saúde e educação, por exemplo), como meios de buscar a equidade social.
Porém, como cada Estado tem uma diretriz governamental, um contexto
socioeconômico, as PPEL’s diferem bastante em seus objetivos, público alvo,
duração, proposta, abrangência, dentre outros indicadores.
O Estado do Espírito Santo é formado por 78 municípios os quais, assim
como em outros Estados da federação, apresentam grande diversidade na cultura
(remanescentes de quilombos, indígenas, descendentes de imigrantes, entre
outros), política e organização social. Cada cidade, e a estrutura do Estado em si,
organizam-se politicamente no sentido de atender às demandas sociais geradas
no seio das comunidades, sendo que as formas de atendimento legais e
legitimadas têm sido a implementação de políticas públicas, realizadas ou não em
parceria pelas diferentes estruturas administrativas governamentais.
No âmbito das PPEL’s é incipiente, e até muitas vezes ausente, a
percepção de estratégias de avaliação da implementação e gestão por parte do
Estado do Espírito Santo, mediante atuação do setor específico para esse tipo de
demanda, a Secretaria de Estado de Esporte e Lazer (Sesport). No entanto, em
estudo anterior1, quando mapeamos as PPEL’s no Estado, verificarmos que
existe um grande número de convênios entre a Sesport e os municípios, ainda
que em sua maioria fossem de ações eventuais.
Em geral, não temos encontrado na produção acadêmica, subsídios que
nos permitam avaliar indicadores de possíveis avanços nos impactos das políticas
sobre populações ou indivíduos. No documento dos “Estudos sobre o perfil dos
Estados e Municípios Brasileiros”, quando olhamos os resultados apresentados
na Pesquisa de Informações Básicas Municipais - MUNIC 2003 - Suplemento de
Esporte - realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
convênio com o Ministério do Esporte,2 encontramos um quadro ainda insuficiente
de dados que nos permitam avaliações positivas sobre a implementação de
PPEL’s na quase totalidade dos municípios do Espírito Santo. A situação
permaneceu em estudos realizados por Borges et al. (2009).
Alguns dados coletados no MUNIC 2003, como por exemplo, a quantidade
de pessoal envolvido no esporte, não nos permitem visualizar a operacionalização
1 Conferir o estudo de Borges et al. (2009) 2 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/esporte2003/default.shtm Acesso em 01 de março de 2011
de políticas concretas na área. Pelo contrário, os dados, muitas vezes com
informações ignoradas podem esconder a (in)existência de tais políticas públicas,
ou pelo menos a validade das mesmas em relação a seus objetivos. Além disso,
as instituições de estudo e pesquisa do estado não têm uma tradição de
investigações no campo do lazer, ou mesmo das políticas públicas relacionadas a
esse campo, o que em muito tem contribuído para a insipiência de subsídios que
qualifiquem as PPEL’s.
No sítio da Sesport encontramos informações sobre ações desenvolvidas
com a intenção de cumprir com os princípios constitucionais de garantir o acesso
ao esporte e lazer. Mas, as ações em geral, são implementadas pela própria
secretaria e a maioria relacionada à execução de programas de jogos
(competições esportivas), o que, conforme veremos melhor ao longo desse texto,
não caracteriza ação intersetorial uma vez que não se estabelecem convênios de
participação conjunta em todas as etapas de realização da ação, sobretudo com
ausência da sociedade civil. Além disso, os convênios são heterogêneos, partindo
de solicitações das prefeituras, conforme suas demandas.
Das ações implementadas pela Sesport, somente duas se caracterizam
como convênios homogêneos, isto é, apresentados pelo governo do Estado a
todas as prefeituras municipais: o Programa Campo Bom de Bola (PCB) e o
Programa Campeões de Futuro (PCF).
O PCB é uma ação que possibilita o financiamento de equipamentos
esportivos específicos para a prática de futebol nos municípios do Estado. Trata-
se da transferência de recursos para que a prefeitura solicitante construa um
campo de futebol society completo,3 com grama sintética, alambrados e
iluminação. A contrapartida do município é a cessão de terreno para a construção
do equipamento. Depois de construído, entregue, e com prestação de contas
realizada, o equipamento é totalmente da prefeitura solicitante. Dessa forma, não
tomamos essa ação nesse trabalho como uma política mais efetiva da Sesport,
porque o convênio não prevê a execução de projetos de utilização do
equipamento com a participação daquela secretaria. Nesse caso, consideramos
3 Até o fechamento do estudo, haviam sido entregues 33 campos pelo PCB, em todo o Estado do Espírito Santo. Há uma cartilha e as recomendações quanto à documentação técnica para solicitação do convênio, disponível no sítio da Sesport:< www.sesport.es.gov.br>. Acesso em 30 de março de 2011
que a eficiência, eficácia e efetividade, são categorias definidoras da qualidade da
política, e dependerão da prefeitura solicitante, e dessa forma, escapa aos
interesses desse trabalho.
O PCF é um programa da Sesport conveniado com as prefeituras
municipais que tem característica de regularidade, porque há a previsão de ações
conjuntas entre a secretaria e a prefeitura solicitante até o fim do convênio. Trata-
se de convênios entre a Sesport e as prefeituras municipais para a
implementação de núcleos destinados á práticas de atividades esportivas para
crianças, adolescentes e jovens. O programa prevê “parcerias” entre setores de
gestão e instituições da sociedade civil e, sobre essa política clara de ação
conjunta, não parece ainda ter havido tratamento diagnóstico. Por esse motivo, no
presente trabalho pretendemos, então, partir de um mapeamento e diagnóstico
preliminar sobre os convênios do PCF.
Nossa intenção ao analisar os convênios mencionados será o de identificar
a (in) existência de perspectivas intersetoriais, descentralização e envolvimento
da sociedade civil nas ações da Sesport. O material empírico foi coletado a partir
de uma pesquisa que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito
Santo (FAPES) e do Ministério do Esporte. Os convênios tomados foram os
efetivados entre as prefeituras municipais capixabas4 e o Governo do Estado por
meio da Sesport no período de 2005 – 2010, período este que compreende os
mandatos do governador Paulo Hartung (iniciados em 2003), e que compreende a
criação da Sesport5 (em 2005), quando parece haver a intenção de proporcionar o
acesso ao esporte e lazer como direitos. Nesse sentido, optamos por recortar o
estudo, como afirmado antes, dando ênfase às ações regulares, isto é, programas
conveniados que em todas as etapas apresentam participação do governo do
Estado e das entidades conveniadas, bem como atendem ao cidadão no seu
acesso ao esporte e lazer. Para a coleta de dados utilizamos as seguintes
estratégicas:
a) Levantamento das ações efetivas de esporte e lazer realizadas pela
Sesport no período de 2005 a 2010 em caráter intersetorial com os municípios do
4 Capixaba é a denominação atribuída à naturalidade de quem nasce no Estado do Espírito Santo.
5 No site da Sesport encontramos informações sobre as políticas implementadas, as quais são tomadas como avanço em relação a períodos anteriores, Isso carece de investigação. As informações estão disponíveis em <http://www.es.gov.br> Acesso em 19 dez. 2011
Estado. As fontes de pesquisa foram os documentos solicitados à Sesport (e
também capturados no site da secretaria), referentes às ações realizadas no
período, cujos convênios com os municípios apresentassem clara participação de
ambas as partes no processo de desenvolvimento das políticas. Posteriormente,
em função dos objetivos do estudo, concentramos a busca aos documentos
relacionados ao PCF. Os principais documentos encontrados forma: o projeto
(prescrição) orientador do Programa; o protocolo de intenções para
estabelecimento de convênio entre Sesport e Prefeituras (Modelo); Relatórios de
Avaliação do Espaço Físico (realizado pela Sesport quando em visita aos
municípios); Relatórios de Avaliação Mensal (preenchidos por professores das
entidades e enviados à Sesport).
b) Análise documental de registros dos planejamentos, execuções e
avaliações de ações da Sesport no período de 2005 a 2010, assim como dos
outros materiais levantados no item “a”. A intenção foi de coletar os
planejamentos, mas não foram encontrados. Quanto aos relatórios, encontramos
os Relatórios de Avaliação do Espaço Físico (45 ao todo) e os Relatórios de
Avaliação Mensal (12 ao todo).
Todas as fontes coletadas constituíram-se em material que analisamos
pela técnica de análise documental, proposta por Richardson (1999).
Quanto à estrutura do presente texto, considerando as opções feitas para tratar
do problema e sobre esse discorrer ilações, propomos a apresentação de três
partes. Na primeira, apresentaremos os principais apontamentos sobre o PCF e
as prescrições que o apresentam como PPEL intersetorial perspectivada no
chamado “esporte educacional”. Na segunda parte as reflexões se atém à análise,
baseada em dados empíricos, quanto à aproximação do PCF de uma perspectiva
de esporte educacional. Finalizando, apresentaremos dados empíricos que nos
permitam analisar o PCF e sua aproximação às características de uma política
intersetorial. Nas considerações finais, retomamos as discussões e fazemos
nossas ilações sobre as questões levantadas.
O PCF: APONTAMENTOS QUE REVELAM SUAS (IN)COERÊNCIAS.
Na prescrição o PCF se denomina um programa de esporte, cujo objetivo
é “promover o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens, priorizando o
atendimento aos carentes, por meio de praticas esportivas variadas e
integradas (…)” (SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER, s.d. [a],
s.p. Grifo nosso)6. Em diversos trechos do documento orientador do projeto, em
razão dos sujeitos que pretende atingir, o PCF se diz orientar pelo viés do esporte
educacional e, nessa afirmação está sujeito à discussão quanto às
“inadequações” conceptuais sobre as dimensões do esporte na qual se insere,
assim como também na perspectiva de política pública.
Segundo Tubino (2011), o esporte possui três dimensões: educacional,
participativa e performance (ou de rendimento). O esporte educacional é aquele
praticado preponderantemente nas escolas, embora possa ser desenvolvido em
outros ambientes desde que seja com caráter educativo, onde se objetiva a
democratização das práticas esportivas e se explora as potencialidades do
esporte enquanto prática pedagógica e elemento de inclusão social. O esporte
participativo vincula-se a prática pela prática, com caráter de prazer lúdico,
visando o descanso, a diversão e o desenvolvimento pessoal dos indivíduos em
seu tempo livre (disponível) – é nesse sentido que encontramos a dimensão de
esporte perspectivado também no lazer, como apontando por Marcellino (2001).
Já o esporte de rendimento se caracteriza por normas rígidas e preestabelecidas;
é uma prática que induz à competitividade.
Esse modelo de tríade do esporte está presente em muitos documentos
institucionais e até mesmo na constituição do Brasil. Porém, o modelo não pode
ser analisado tomando cada elemento isoladamente. Como argumenta Bracht
(1997), corroborado por Assis de Oliveira (2005), qualquer prática esportiva
possui uma dimensão educativa, bem como a esporte educativo poder estar
ligado ao esporte participativo ou mesmo ao de rendimento. Nesse caso, há o
destaque para uma dimensão moral do esporte, tomado eminentemente como
educação, que deveria perpassar todas as suas formas de manifestação.
Nesse mesmo sentido, Melo (2005) e Assis de Oliveira (2005) argumentam
que o esporte de rendimento, marcado pela lógica do mercado, pela
espetacularização, está a se tornar o modelo para a maioria das práticas
6 Utilizaremos partes do documento orientador do programa, o qual é denominado de “Campeões
de Futuro”. Quando o referenciarmos, faremos com o formato acadêmico para as citações, porém, sem data de publicação e paginação. Nossa escolha se deve ao fato do documento ser um “avulso” e não ter sido organizado de forma normatizada inclusive sem numeração das páginas
esportivas nas sociedades capitalistas, tanto na dimensão participativa quanto na
educacional. Portanto, a caracterização do PCF como “educacional”, implicará na
análise da proposta como um todo e de como ela se insere nas políticas mais
amplas do Governo, para se verificar as coerências de sua pretensão.
Nesse sentido, é oportuno informar que o Estado do Espírito Santo,
inserido em uma perspectiva hegemônica nas entidades federativas do Brasil,
mantém suas iniciativas de gestão pautadas no modelo gerencial, conforme
apontado por Paula (2005), porque conduz a gestão pautada em uma concepção
de Estado também hegemônica no Brasil, orientada pelos preceitos neoliberais
(MELO, 2005). No Brasil, esses preceitos condizem com a ideia de
desenvolvimento, tendo como parâmetro países “desenvolvidos”. Nesse sentido
para dar conta de suas intencionalidades orientadas para a ideia de
desenvolvimento, o Espírito Santo é gestado pelo planejamento estratégico
publicado em 2006 em um documento de 11 volumes, denominado de “Plano de
Desenvolvimento Espírito Santo 2025” (GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO,
2006), conhecido também como ES-2025.
Considerando os eixos norteadores do plano ES-2025 o esporte e lazer
aparecem no documento final como sendo de grande relevância para o
desenvolvimento político regional, visto que, busca-se um debate acerca da
intersetorialidade do esporte e lazer com outros setores que pretendem atender a
direitos sociais e/ou interesses de caráter econômico local, entre os quais o da
educação, da saúde, da cultura, do turismo, segurança (GOVERNO DO
ESPÍRITO SANTO, 2006). Fica compreensível, portanto, o surgimento do PCF no
ano de 2007, constituindo-se como uma das políticas inseridas no grande plano
de desenvolvimento do Estado.
Ocorre que Silva e Borges (2011) identificaram no plano ES-2025, quatro
eixos norteadores para a implementação de ações envolvendo o esporte. O
primeiro diz respeito à ideia do esporte como estratégia para o controle dos
problemas relacionados com a segurança pública, ou o controle da violência, por
meio de projetos desenvolvidos para esse fim. No segundo eixo norteador, o
Plano ES-2025 considera o esporte como meio de proporcionar a chamada “vida
ativa”, algo bastante interessantes em tempos de aumento do número da
população idosa, a qual precisa estar isenta da inatividade, das doenças
hipocinéticas, e assim evitar problemas futuros de sobrecarga do sistema de
saúde. No terceiro eixo, pensa-se o esporte como uma boa estratégia de
desenvolvimento do turismo, nesse caso tomado a partir de sua vinculação com
as práticas corporais realizadas na natureza, o que tem sido considerado uma
perspectiva em grande desenvolvimento na atualidade. Por fim, o Plano ES-2025
considera o esporte uma boa estratégia de projeção do nome do Estado para o
país e para o cenário internacional, o que implica também na possibilidade de
incremento da autoestima do capixaba, uma vez que intensifica sentimentos de
pertencimento e de identidade.
Todos os eixos foram comentados e criticados por Silva e Borges (2011),
considerando a literatura que aborda questões de relacionadas à “deificação” do
esporte e à focalização de políticas em detrimento da universalização. Na
ocasião, os autores utilizaram dos argumentos de Behring e Boschetti (2008) para
sustentar que políticas públicas de desenvolvimento precisariam considerar a
universalização ao mesmo tempo em que levasse em consideração o
reconhecimento das diferenças entre cidadãos. No mesmo estudo, os autores
estiveram analisando as publicações no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo
(DIOS) e verificaram que as ações implementadas pela Sesport, desde sua
criação, constituem frequentemente como ações focalizadas, isto é, dirigidas a
públicos específicos, inclusive o PCF.
No entanto, apesar das críticas e considerando os pressupostos
apresentados, o PCF representa uma iniciativa coerente com o plano ES -2025
seja a curto, médio, ou longo prazo. Não por menos, o PCF frequentemente está
nos discursos de inclusão pelo esporte, como também na possibilidade de
carreira no esporte, conseguindo mobilidade social, discurso esse desconstruído
por Bracht (1997), Assis de Oliveira (2005) e Melo (2005).
Com se vê, se há coerência do PCF com o plano ES-2025, tal coerência
afasta o PCF de seus pressupostos de caracterização com esporte educacional, e
talvez por isso centralize a ação se afaste da perspectiva de intersetorialidade
assim como do envolvimento da sociedade civil. Mas pretendemos aprofundar
melhor isso a seguir.
A DIMENSÃO DE ESPORTE NO PCF: O DITO E O ENCONTRADO
Pudemos mostrar evidências de que existam desencontros entre o que
objetiva o PCF, enquanto um programa de esporte educacional, e a dimensão
esportiva que se projeta. Assim, nossa intenção agora é apresentar de forma mais
detalhada as análises de todo o material documental que nos permitem
afirmativas conclusivas sobre a questão.
Ao analisarmos os objetivos e a apresentação do Projeto Prescrito do PCF,
percebemos o destaque conferido às dimensões educativa e participativa do
esporte. Segundo se lê no documento do projeto, o esporte é entendido como
“fenômeno socioeducativo de potencial indiscutível na contribuição para a
formação do indivíduo (...) para estreitar o elo entre o desporto e a educação”
(SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER, s.d. [a], s.p.). No mesmo
documento, percebemos o destaque à dimensão participativa, quando se lê: “tem
como objetivo proporcionar na forma democrática o acesso ao esporte e lazer na
elevação do bem-estar da população como meta suprema e invariável na
perspectiva da melhoria da qualidade de vida” (IDEM).
O ponto de partida para começar a discutir as aproximações ou não do
PCF à dimensão de esporte educacional vem dos itens “piso, tamanho local e
acesso ao local”, presentes na tabela 1, e que foram extraídos da “Ficha de
avaliação do espaço físico das práticas corporais – projetos sociais”, elaborada
pela Sesport. A partir desses itens, refletiremos sobre a concepção de esporte
inserida no PCF.
Tabela 17- Avaliação do espaço físico das práticas corporais – Projeto Campeões de Futuro/2009
ESTRUTURA GRAU DE SATISFAÇÃO MUITO
SATISFA TÓRIO
SATISFATÓRIO
POUCO SATISFATÓ
RIO
INSATIS- FATÓRIO
Piso 15 22 7 - Tamanho local (13x13) / 8 m altura
18
19
3
1
Acesso ao local 11 26 - - TOTAL............... 44 67 10 1
7 As tabelas apresentadas nesse texto foram elaboradas a partir da tabulação dos intrumentos acessados no estudo
Fonte: Instrumentos de Monitoramento do PCF.8
Ao nos voltarmos para os aspectos apresentados na tabela 1 e
analisarmos a concepção de esporte inserida no programa, percebemos que o
conjunto dos itens evidencia a satisfação da coordenação geral com as
instalações. Vale ressaltar que os documentos indicam instalações que não
seguem os parâmetros oficiais para a prática do esporte previstos nas regras das
modalidades. As dimensões do espaço físico, portanto, não são as mesmas
instalações exigidas para a prática esportiva de rendimento, as quais são de
responsabilidade dos municípios, de acordo com o que prevê a contrapartida do
documento orientador do projeto.
De acordo com o documento mencionado, e também consta no Protocolo
de Intenções9 firmado entre Sesport e cada prefeitura convenente, cabe ao
Estado coordenar e financiar o projeto, disponibilizando material esportivo,
técnico, pedagógico, estagiários e curso de capacitação para os profissionais
envolvidos. Aos municípios, cabe disponibilizar adequadamente e com a
segurança a prática do projeto; manter profissionais de Educação Física à
disposição; envolver as diferentes secretarias municipais no projeto
(falaremos disso adiante); quando possível, disponibilizar lanches aos usuários do
projeto e garantir a manutenção do espaço físico.
O fato de as instalações serem de responsabilidade dos municípios e estas
não estarem de acordo com as exigidas para a prática esportiva de rendimento,
Poderia até indicar uma adequação dos aparelhos e, consequentemente, de
alteração das regras oficiais para a prática do esporte educativo. No entanto, o
documento dos Estudos sobre o perfil dos Estados e Municípios Brasileiros, na
seção de informações básicas municipais – MUNIC 2003- suplemento de esporte,
8 Dos 45 relatórios preenchidos durante o ano de 2009, 4 não preencheram o item “Tamanho do local” (Conceição da Barra, Marechal Floriano, Mucuri e Mimoso do Sul); 1 não preencheu o item “Piso” (Guaçuí); 8 não preencheram o item “Acesso ao local”. Desses, 1 (Jaguaré) simplesmente não preencheu o referido item, o restante (1 de Aracruz; 1 de São Mateus; 2 de Cachoeiro de Itapemerim; 3 de Santa Teresa) estão em outro modelo de Ficha de Avaliação utilizado pelo projeto Campeões de Futuro, onde não consta o referido item. Desse modo, desconsideramos a avaliação do “Acesso ao local” Municípios citados, já os demais itens foram devidamente contabilizados. 9 Trata-se de um documento pelo qual a Sesport e a prefeitura solicitante firmam o convênio para a
implementação do Programa. Tem o formato de um contrato entre as partes, onde ficam explicitadas as responsabilidades e direitos de cada parte. Nesse texto o documento será designado como SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER, sd [b]. Da mesma forma que o documento orientador, também nã referenciaremos ano de publicaçãoe página (ver nota).
realizada pelo IBGE em convênio com o Ministério do Esporte,10 já indicava a
realidade da falta de equipamentos esportivos e espaços oficiais na maior parte
das cidades do interior no Brasil em geral e no Espírito Santo em particular.
Portanto, o dado não parece apontar para uma aproximação da perspectiva de
esporte educacional, e nossa suspeita se confirma na análise das tabelas 2, 3 e 4,
que veremos adiante.
Devemos esclarecer que os indicadores apresentados nas tabelas 2, 3 e 4,
foram construídos a partir da análise documental dos relatórios de Avaliação
Mensal das Aulas, os quais são preenchidos por professores que atuam nos
convênio do PCF. Para a referida análise seguimos a metodologia proposta.
Tabela 2 - Avaliação Mensal das Aulas – Projeto Campeões de Futuro/2009.
OBJETIVOS DAS AULAS Ocorrência
de indicadores
Ensino de regras voltadas para situações de jogos 10 Ensino de fundamentos 7 Socialização e cooperação entre as crianças 7 Condição geral do indivíduo 7 Saúde, educação, cultura e formação cidadã pela prática do esporte e lazer
2
Motivar a prática esportiva 2
Tabela 3 - Avaliação Mensal das Aulas – Projeto Campeões de Futuro/2009.
AVALIAÇÃO DAS AULAS MINISTRADAS Ocorrência
de indicadores
Interesse e dedicação no desenvolvimento das atividades 9 Comprometimento com as regras e fundamentos 4 Desenvolvimento da condição geral do indivíduo 2 Interação e cooperação entre as crianças 1 Baixo interesse e dedicação no desenvolvimento das atividades
1
10
Disponível em: <http://ibge.gov.br/home/estatística/economia/perfilmunic/esporte2003/default.shtm>. Acesso em 10 de out. De 2011.
Tabela 4 - Avaliação Mensal das Aulas – Projeto Campeões de Futuro/2009.
ATIVIDADES EXTRAS CURRICULARES Ocorrência
de indicadores
Nenhuma atividade realizada 3 Brincadeiras lúdicas 2 Participação em competição / realização de competição 2 Ensino de regras por meio de filmes, internet e livros 1 Atividades que desenvolvam a interação e cooperação entre as crianças
1
A tabela 2 refere-se aos “Objetivos das aulas”. Podemos perceber que os
dois primeiros indicadores (Ensino de regras voltadas para situações de jogos e
Ensino de fundamentos) têm 17 ocorrências. Trata-se de indicadores que
potencialmente se relacionam à prática esportiva de rendimento, caracterizada
por normas rígidas, positivadas, cujo intuito é a formação de atletas. Se esse
quantitativo for somado ao indicador “condição geral do indivíduo”, com 7
ocorrências e com uma grande possibilidade de ênfase nos aspectos biológicos,
isto é, no condicionamento físico, a tendência de centralização na perspectiva do
rendimento aumenta.
Quando observamos nessa tabela 2 a soma dos demais indicadores, que
deveriam apontar mais para a perspectiva do esporte educacional e de
participação, vemos que a ocorrência é menor do que aqueles mencionados
antes. Ou seja, a soma de três indicadores que sinalizam maior proximidade com
o esporte educacional e participativo, apresentou ocorrência bem menor se
comparada com a soma dos três indicadores que sinalizam aproximação maior
com a dimensão do esporte de rendimento.
Na tabela 3 (“Avaliação das aulas ministradas), apesar de grande
abstenção no preenchimento do instrumento, vemos que o segundo indicador
(Comprometimento com as regras e fundamentos) com 4 ocorrências, é
revelador. Se somado ao seguinte (Desenvolvimento da condição geral do
indivíduo), com 2 ocorrências, percebemos o quanto é importante na avaliação
dos professores a aprendizagem de elementos intrínsecos ao esporte enquanto
tradição de competição. O contraste em relação ao indicador “Interação e
cooperação entre as crianças”, com 1 ocorrência, é visível.
Se considerarmos ainda o destaque observado no indicador “Interesse e
dedicação no desenvolvimento das atividades”, disparado com 9 ocorrências,
poderemos inferir que muita atenção é dada à forma como as crianças do PCF
assimilam a proposta de ensino do esporte enviesado pelos indicadores antes
mencionados.
A tabela 4 (“Atividades extras curriculares”) tem características mais
singulares do que as tabelas anteriores. Podemos destacar os indicadores
“Participação em competição / realização de competição” e “Ensino de regras por
meio de filmes, internet e livros” como elementos diretamente relacionados à
dimensão de esporte de rendimento, de formação de atletas.
Além das evidências de distanciamento da dimensão do esporte
educacional a partir das Avaliações Mensais, podemos, igualmente, analisar os
objetivos de “Socialização e cooperação entre as crianças” (tabela 2), os
resultados obtidos (tabela 3) e as atividades extras curriculares (tabela 4) que
contribuem para os objetivos almejados (tabela 2).
Como podemos perceber na tabela 2, a “Socialização e cooperação entre
as crianças” que é um dos principais objetivos das aulas do PCF, com 7
ocorrências, é uma dos melhores indicadores apontados no ato de planejar. No
entanto, na avaliação das aulas ministradas (tabela 3), já com a denominação
“Interação e cooperação entre as crianças”, com apenas 1 ocorrência, está entre
as menores, ao lado do indicador “Baixo interesse e dedicação no
desenvolvimento das atividades”. Isto nos permite inferir que esse objetivo não foi
alcançado, segundo a avaliação dos professores presente nos relatórios
analisados, ou na prática, os principais objetivos são outros. A tabela 4 reforça
esse indício quanto aos “objetivos práticos”. Como podemos ver, das atividades
previstas como extras curriculares, o indicador “Atividades que desenvolvam a
interação e cooperação entre as crianças” aparece com apenas 1 ocorrência
entre as atividades realizadas.
Diante desses pequenos comentários, parece-nos evidente que o PCF
apresenta uma relação perversa com a dimensão de esporte educacional.
Perversa no sentido de que ao mesmo tempo em que percebemos o destaque
conferido ao esporte educacional no documento prescrito do projeto, assim como
no site da Sesport, percebemos, outrossim, a forte ligação com o esporte de
rendimento materializado nas avaliações mensais realizada pelos professores.
Dessa forma, concordamos com Bracht (1997), Assis de Oliveira (2005) e
Melo (2005), ao evidenciarem que mesmo o esporte educacional pode estar
ligado à dimensão de rendimento. É o que parece acontecer na implementação
do PCF. Acreditamos, também, na possibilidade de desencontros de visões, isto
é, enquanto os convênios parecem apresentar satisfação com os equipamentos,
demonstrado na tabela 1, pode ocorrer que exista subversão nas práticas. Com
isso queremos dizer que mesmo não tendo o espaço demarcado segundo as
normativas das modalidades, ainda assim as atividades são desenvolvidas na
perspectiva do esporte de rendimento e não necessariamente com as adaptações
pretendidas pelas concepções do esporte educacional ou de participação.
O argumento acima nos faz lembrar as contribuições de Marcellino (2001),
para o qual o sucesso de uma PPEL depende de três fatores11. O primeiro é a
concepção dos gestores sobre o objeto da política, nesse caso, o esporte.
Prescritivamente vemos uma concepção voltada para o esporte educacional,
embora os indícios apontem que a concepção não seja efetivamente essa. Mas,
admitindo-se que sim, a desconexão com o que acontece na ponta do processo
pode ser explicada por problemas com a formação do pessoal, o segundo fator
apontado por Marcellino. Se a formação inicial ou continuada dos agentes não dá
conta de efetivar o projeto na perspectiva do que está prescrito, então a
desconexão é amplamente explicada. Não temos informação se o treinamento do
pessoal, previsto no documento do PCF como responsabilidade da Sesport, tem
efetivamente acontecido no sentido de dar conta desse problema. O terceiro fator
apontado por Marcellino é a intersetorialidade das ações, que se constitui foco de
nossas análises a seguir.
11
Marcellino (2001) se referiu a fatores apara avaliação de uma PPEL, que são: a concepção de lazer dos gestores, a formação do pessoal e a intersetorialidade. Nesse texto estamso ampliando esses fatores para analisar outro objeto, no caso o esporte em sentidomais amplo. Cremos que esses fatores poderiam ser aplicados a outros setores, como educação e saúde, por exemplo.
APROXIMAÇÕES DO PCF COM A CARACTERIZAÇÃO DE UMA AÇÃO
INTERSETORIAL
Intersetorialidade é um conceito que, aplicado à gestão pública se
desenvolve no Brasil a partir do setor da saúde. Diz respeito à articulação de
saberes e experiências no planejamento, execução e avaliação de ações para
obter efeito sinérgico em situações complexas, visando o desenvolvimento da
sociedade e inclusão social. A tentativa é reverter o quadro de exclusão social,
promover melhorias na qualidade de vida da população e superar a fragmentação
das políticas (JUNQUEIRA; INOJOSA, 1997; JUNQUEIRA et al., 1997).
Segundo os autores supramencionados, em princípio a Intersetorialidade é
pensada me nível governamental, em sentido Horizontal (entre setores da mesma
administração ou da mesma esfera governamental) ou em sentido vertical (em
setores de esfera governamental diferentes hierarquicamente). Mas, pode ser
pensada para além do nível governamental, isto é, a articulação e participação
entre secretarias, pastas, autarquias do Estado, instituições e setores da
sociedade civil, considerando a pluralidade que envolve o conceito de sociedade
civil. Nesse sentido, a intersetorialidade pode ser uma estratégia relevante para a
participação da sociedade civil em todas as etapas do processo em que essas
ações acontecem – o que remete para a participação nos espaços de decisão
política e não apenas de consumo e assistência por meio de políticas públicas.
Assim concebida, a intersetorialidade se torna um interessante elemento no
processo de descentralização das políticas públicas e para o aprofundamento
democrático.
Descentralizar, para Ckagnazaroff e Mota (2003), é delegar competências
e recursos a organismos intermediários para que eles possam desenvolver suas
respectivas gestões de uma maneira mais eficiente, eficaz e com efetividade
social, estando mais perto do cidadão e dos grupos sociais. Para Junqueira
(2004), descentralização significa deslocamento do poder de decisão e
transferência da gestão das políticas sociais, tendo como objetivo a garantia dos
direitos sociais, democratizando a gestão. Isso, segundo o autor, ocorre
[...] através da participação, apontando para a redefinição da relação Estado e Sociedade. A descentralização passa a constituir um fator importante para estimular a dinâmica participativa, mediante a abertura de canais de comunicação entre os usuários e as organizações
descentralizadas, permitindo que os primeiros façam chegar suas necessidades a quem tem o poder de decidir (JUNQUEIRA, 2004, p.32).
Nesse mesmo sentido, Junqueira (1997, 2004, 2005) considera a
descentralização e intersetorialidade como novas estratégias de gestão a fim de
melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, que, a partir de então, são
considerados sujeitos de direito, ativos no processo de implementação das
políticas. A questão que fica é a seguinte: Enquanto uma política pública de
esporte, será que podemos identificar no PCF algumas evidências de
intersetorialidade, potencialmente eficiente, eficaz e efetiva, que aponte para uma
gestão democrática?
Segundo Belloni et al. (2007), eficiência, eficácia e efetividade são três
importantes elementos de uma avaliação de políticas públicas. A eficiência refere-
se ao processo, à relação entre custo e benefício de uma ação realizada, visando
o melhor aproveitamento dos recursos (menor recurso, maior resultado). A
eficácia, por sua vez, refere-se aos resultados efetivamente alcançados (metas
atingidas) - está relacionada ao planejamento da política pública e sua real
aplicação – o que não quer dizer que se restringe à avaliação dos resultados
parciais, mas sim, analisa o que fora planejado e o que foi realmente atingido,
buscando sempre a maximização dos rendimentos das ações. Já a efetividade
social, refere-se ao impacto da política pública na vida dos cidadãos; analisa as
mudanças ocorridas na sociedade após sua efetivação, sempre levando em conta
os resultados econômicos e sociais da política pública.
Embora esse modelo de avaliação nos indique interessantes ferramentas
de aperfeiçoamento de políticas públicas, ele não é suficiente, pois, como
argumenta Paula (2005), trata-se de um modelo de gestão gerencial, a nível
Governamental, o que não induz a participação da sociedade civil.
Ao visarmos o aprofundamento democrático a partir da participação civil,
faz-se necessário extrapolarmos o modelo gerencial, que, para Paula (2005),
enfatiza os resultados em termos de metas, e acrescentarmos ao processo de
elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas, a participação; isso
implica migrar para um modelo que a autora mencionada chamou de gestão
societal. Nessa perspectiva que desloca os principais critérios do processo de
execução de políticas públicas – que é, também, um deslocamento de sentidos –
a noção de cidadania também é aprofundada com o sentido de eficácia política
(PATEMAN, 1992) gerada pela participação no processo de decisão.
Para tratarmos das aproximações e distanciamentos do PCF à dimensão
de intersetorialidade, essa categoria apresentada como determinante de uma
gestão simultaneamente democrática e inovadora, que admite fundamentos de
participação da sociedade civil, precisamos tomar novamente os documentos
acessados para esse estudo com um esforço analítico.
No Projeto Prescrito, encontramos algumas pistas na seção referente às
responsabilidades dos convenentes. Lá encontramos que as coordenações locais
são responsáveis por:
Colher depoimentos escritos referentes ao Projeto Campeões de Futuro, de pais, alunos, professores e outros. Sempre que ocorrer este tipo de manifestação, enviar o original a Coordenação Geral (Projeto Campeões de Futuro) da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer; realizar contatos com as associações de moradores, escolas, unidades de saúde, outros; divulgar junto aos movimentos organizadores do projeto com apresentação das alternativas de projeto com participantes, pais ou responsáveis; avaliar com as comunidades e com as equipes técnicas os trabalhos desenvolvidos; Apresentar as propostas da comunidade para a continuidade dos trabalhos; realizar reuniões com pais ou responsáveis (SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER, s.d. [a], s.p.).
O conjunto de responsabilidades mencionadas acima demonstra a
prescrição por uma iniciativa descentralizada, e que envolva diversos atores
sociais para além da estrutura administrativa existente entre as partes que fazem
o convênio formal. Parece uma iniciativa interessante, embora se ressinta de
divisão equitativa de responsabilidades entre as partes quanto ao
desenvolvimento dessas tarefas.
Quando falamos em divisão equitativa de responsabilidades, estamos
situando a participação no PCF dentro dos limites do que seria realmente
responsabilidade da sociedade civil e não do Estado. Com isso, estamos
argumentando a favor de uma participação social que não confunda a sociedade
civil com o Estado (HABERMAS, 2003), isto é, que não resulte em engessamento
das instituições da sociedade civil em estruturas formalizadas demais ou
burocratizadas, ou mesmo que resulte em atribuição de poderes administrativos
estritamente pertencentes ao Estado, aos atores sociais pertencentes à
sociedade civil (AVRITZER; COSTA, 2004).
Portanto, é possível a participação efetiva em todas as etapas de
implementação de uma política pública por meio de contrapartidas estabelecidas
nos instrumentos de convênio, o que pode se constituir como um canal de
participação diferenciado entre as esferas pública e política, estabelecendo a
periodicidade, as competências, os deveres, e por que não dizer, os direitos de
cada parte em todo o processo de implementação da política pública (GOHN,
2003).
A despeito das possibilidades de participação potencializadas pelas
afirmações acima, há também a possibilidade de participação por meio do
exercício do controle social, o qual não se nota no Projeto Prescrito, pelo menos
do ponto de vista formal, da forma aqui tratada.
A ideia mais próxima de controle social identificada no Projeto Prescrito
seria o da atuação das federações esportivas, as quais teriam o papel de
“Supervisora técnica do projeto” (SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E
LAZER, s.d. [a], s.p.). Esse papel de supervisora técnica, além de dificuldades
operacionais pelo fato das federações não participarem do Protocolo de Intenções
entre as partes convenentes, não parece dar conta de todas as dimensões que
envolvem o projeto, principalmente quanto ao controle social sobre os gastos
públicos, papel que poderia ser realizado, por exemplo, pelo Conselho Estadual
de Esporte,12 embora esse órgão exista no Estado apenas com funções
consultivas.
Todas as atribuições previstas para as entidades convenentes no Projeto
Prescrito aparecem em um único item no Protocolo de Intenções firmado entre as
partes conveniadas. Nesse documento encontramos entre as responsabilidades
do convenente, no item 3.2.3, que a gestão local do setor de esporte e lazer deve:
“Mobilizar a integração entre os Secretários Municipais da área geral (Saúde,
Educação, Meio-Ambiente, Cultura, Ação Social, Cidadania entre outros) para
acompanhamento e garantia dos serviços às crianças e adolescentes do Projeto”
(SECRETARIA DE ESTADO DE ESPORTE E LAZER, s.d. [b], s.p).
12 O Conselho Estadual de Esporte foi instituído pela Lei Complementar nº 322, publicada no Diário Oficial dos Poderes do Estado no dia 19 de maio de 2005.
O trecho acima mencionado parece ser uma indicação importante para a
intersetorialidade, mas não temos evidências de que tal integração entre setores
aconteça no nível das prefeituras municipais conveniadas com a Sesport. Da
mesma forma, Já tivemos outros estudos realizados junto à gestão do Estado do
Espírito Santo, assim como das prefeituras da região Metropolitana de Vitória (a
capital) que indicam a fragilidade, ou quase inexistência, de ações intersetoriais
na gestão estadual e municipais (SILVA, 2012; SANTOS, 2013).
Portanto, apesar das potencialidades positivas apontadas no documento
orientador do programa e no protocolo de intenções, não temos nenhuma
evidência da efetivação de ações intersetoriais no PCF, porque os relatórios
acessados que informam o funcionamento do programa não trazem informações
sobre essa dimensão do funcionamento. Da mesma forma, não temos evidência
de que esse aspecto possa estar sendo monitorado pela coordenação do
programa, uma vez que dados retirados da entrevista realizada com a
coordenação do PCF nos mostram que a principal dificuldade é: “Fiscalizar os
núcleos durante o ano e acompanhar o vai e vem dos estagiários e professores,
pois não temos pernas para isto” (INFORMANTE SESPORT).
Sem condições de monitoramento adequado, e sem controle social, resta à
coordenação do programa confiar na dimensão ética das pessoas físicas
vinculadas aos convênios, conforme nos revelam os dados da entrevista: “O que
nos deixa mais tranquilos são os Secretários atuais que em sua maioria são
pessoas que fazem política cidadã” (INFORMANTE SESPORT). Óbvio que do
ponto de vista da política pública, a situação do monitoramento é condição não
somente para fins de avaliação, mas, sobretudo, para efetivação da
intersetorialidade como estratégia de gestão.
As reflexões apontadas nos parágrafos acima nos permitem observar que o
PCF necessita passar por dois processos complementares: a descentralização,
discorrida por Ckagnazaroff e Motta (2003), e a intersetorialidade, discorrida por
Junqueira (1997; 2004, 2005) e por nós defendida com o incremento da
participação da sociedade civil nos processo de decisão. Quanto à
descentralização, percebemos que existem predisposições no Projeto Prescrito,
mas não há operacionalização concreta nos demais documentos, uma vez que se
observam prescrições de responsabilidades que não são todas replicadas entre
os documentos. Além disso, precisaria ficar mais claro um mecanismo de
monitoramento do cumprimento das funções de cada parte. Nesse sentido, não
observamos esse tipo de perspectiva nos diversos formulários de avaliação e
monitoramento disponibilizados no site da Sesport. Da mesma forma, não
encontramos documentos que informassem melhor desenvolvimento do sistema
de monitoramento do PCF quanto aos aspectos aqui mencionados.
No que diz respeito à intersetorialidade, não encontramos documentos que
nos informassem os mecanismos de articulação entre os diversos órgãos do
Poder Público, assim como deste com a sociedade civil. O único documento
firmado é o Protocolo de Intenções. Não encontramos um documento que se
caracterizasse como uma Proposta Político Pedagógica, já que se trata de uma
iniciativa anunciada como esporte educacional; nem encontramos um documento
que se caracterizasse como um plano de formação dos agentes, o que, aliás, está
prescrito como responsabilidade da Sesport. Outrossim, não encontramos
indicativo em nenhum documento, de participação de outros órgãos do Poder
Público ou da sociedade civil em todas as etapas do processo de implementação
da política pública, desde a elaboração à avaliação.
Portanto, as potencialidades do PCF como uma política descentralizada,
intersetorial, participativa e de garantia do acesso ao esporte como direito, parece
evidente ao nível da prescrição e até mesmo em poucos documentos que
informam o funcionamento do programa. No entanto, ainda vemos na grande
maioria desses documentos, que informam o funcionamento do programa, que
ainda se está longe de caracterizar o PCF como uma política pública no melhor
sentido do conceito. Uma possibilidade de aumentar essas certezas, mas também
de desconstruí-las, pode ser o estudo do cotidiano do programa junto aos atores
sociais que atuam na ponta do processo, inseridos no campo de efetivação do
programa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises e interpretações dos dados aqui apresentados,
podemos concluir que há informações sobre o PCF que o aproximam de uma
concepção de esporte realizado na perspectiva educacional, as quais são
encontradas tanto no Projeto Prescrito quanto no Protocolo de Intenções firmado
entre as partes. As aproximações também são percebidas nos dados coletados
nos documentos que informam sobre o funcionamento do PCF, entre os quais
destacamos o nível de satisfação dos agentes locais com os equipamentos
utilizados para as práticas. Como esses equipamentos não são caracterizados
como “oficiais” em termos de medidas, inferimos que há uma tendência a
considerarmos que os agentes promovem adaptações das atividades, o que
aproximaria o programa das perspectivas não só do esporte educacional, como
também do esporte participação. No entanto, não desconsideramos a realidade
da maior parte das cidades do interior que não possuem espaços oficiais para as
práticas esportivas, ou possuem de forma deficiente, quer seja no Brasil quer seja
no Espírito Santo. Nesse caso, os dados passam a ser apenas “possibilidade”.
Por outro lado, nos documentos coletados que informam sobre as
atividades desenvolvidas nos núcleos, encontramos bastante destaque para a
realização de práticas que aproximam as atividades da perspectiva do esporte de
rendimento. Em destaque, podemos citar a ênfase no ensino das regras e
técnicas dos esportes, assim como nos elementos do condicionamento físico. Em
sentido contrário, encontra-se pouca ênfase nos mesmos documentos tomados
de informações dos agentes, a respeito do desenvolvimento de atividades “extra-
classe”, ou mesmo de atividades de interação e desenvolvimento de
sociabilidades.
Pudemos verificar que o programa está inserido num plano governamental
maior, denominado de ES-2025. Também devemos assinalar que, quando
observamos as aproximações do PCF à dimensão de política pública,
observamos algo parecido ao que mencionamos antes, isto é, existem
informações que o aproximam e distanciam o programa de uma política pública
eficiente, eficaz e efetiva. No documento prescrito, encontramos dados que nos
permitem considerar o PCF como uma política acessível não somente às
entidades que se interessem em realizar convênio, como a toda uma população
do Estado na faixa etária entre 7 e 17 anos. No entanto, nas publicações do Dios
comentadas nesse texto, encontramos informações que apresentam o programa
como uma ação desarticulada e focalizada.
Por fim, no que diz respeito à identificação do PCF com a caracterização
de uma política intersetorial, nossas descobertas iniciais encontradas tanto no
Projeto Prescrito quanto no Protocolo de Intenções apontavam para uma boa
possibilidade de articulação entre os entes conveniados. No entanto, vimos
ausência em todos os documentos de alguns elementos essenciais para a
caracterização da política como intersetorial, entre os quais destacamos:
a) Os documentos não preveem a participação da sociedade civil em todas as
etapas do processo de implementação da política, seja nos convênios firmados
entre órgãos do Estado, seja nos convênios firmados entre o Estado e a
sociedade civil;
b) Não encontramos também informações quanto aos procedimentos de controle
social, algo importante para caracterizar o bom funcionamento da política pública;
c) A Sesport firma convênios com entidades do setor público, privado e da
sociedade civil, mas não constituem os convênios como uma rede. Nesse caso,
parecem constituir iniciativas estanques e isoladas, que não permitem a interação
entre diferentes experiências.
Em termos gerais, podemos retomar Marcellino (2001) para dizer que o
bom funcionamento de uma política pública de esporte e lazer depende da
concepção dos gestores sobre o objeto da política, a formação do quadro de
pessoal para atuar nas políticas e da intersetorialidade das ações. Nesse sentido,
os dados apontam melhor das hipóteses para fragilidades nos três aspectos.
Vale ressaltar, por fim, que, especificamente quanto a intersetorialidade,
aqui abordada – mais ainda no que diz respeito às relações entre os diferentes
setores da gestão e desses com a sociedade civil –, não se trata em dividir o
“trabalho” do Estado com a sociedade civil, diminuindo, assim, seu tamanho e
suas responsabilidades, tampouco transferi-lo para as instituições da sociedade
civil. Sabe-se que a formulação, implementação e avaliação das Políticas
Públicas são de responsabilidades dos aparelhos de Estado, o que não fecha as
possibilidades de uma gestão mais democrática, abrindo espaços para maior
participação da sociedade civil numa gestão participativa. O que se defende aqui
é a abertura de canais que favoreçam o diálogo entre a esfera pública e a esfera
política, bem como a maior participação social nas tomadas de decisões, o que
poderá aumentar as possibilidades de ações políticas mais eficazes, bem como
fortalecer a democracia aumentando, assim, as conquistas sociais.
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