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ESPAÇOS LUMINOSOS E ESPAÇOS OPACOS NAMETRÓPOLE DE SÃO PAULO: UM ESTUDO DE
CASO DA TOPOLOGIA DOS BANCOS DEINVESTIMENTO E BANCOS COMUNITÁRIOS
Caio Zarino Jorge Alves
Mestrando em Geografia Humana
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo
caio.zarino.alves@usp.br
Carolina Gabriel de Paula
Mestranda em Geografia Humana
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo
carolina.paula@usp.br
INTRODUÇÃO
Cada vez mais se torna intricado o entendimento das redes de cidades e,
concomitantemente, da estrutura das metrópoles nos países subdesenvolvidos. Este
trabalho tem como objetivo corroborar as discussões que vêm sendo promovidas dentro
desta temática a partir da localização de dois tipos diferentes de fixos geográficos
financeiros na metrópole informacional de São Paulo: os bancos de investimentos e bancos
comunitários.
Tendo como base metodológica o entendimento de que o objeto de estudo da
ciência geográfica é o espaço geográfico, constituído por um conjunto contraditório e
solidário de sistemas de objetos indissociáveis de sistemas de ações, (SANTOS, [1994] 2008
e [1996] 2008) investigaremos quais as forças de atração dos bancos de investimento na
principal centralidade de comando de São Paulo e quais os principais elementos que
explicam a localização dos bancos comunitários em periferias da metrópole.
Compreendemos que quanto mais intenso for o processo de mundialização da economia,
maior será a subdivisão das cidades em espaços particulares (SANTOS, [1994] 2002, p. 124).
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Com base nessa alegação e tendo por base a topologia dos bancos de investimento e
bancos comunitários em São Paulo, acreditamos ser possível ressaltar que a inserção dessa
metrópole na rede de cidades mundiais se dá a partir da instalação de agentes hegemônicos
em parte bastante restrita de sua área. São apenas as novas centralidades produzidas em
São Paulo que mimetizam os pólos de negócios dos países centrais, criando uma paisagem
de dinheiro e de poder (FIX, 2007, p. 168). Por outro viés, São Paulo apresenta uma
proliferação da pobreza em parcelas do território onde o meio ambiente construído é
utilizado pelos mais pobres como forma de sobrevivência. Neste sentido, buscaremos, em
termos gerais, caracterizar os “espaços luminosos” a partir da topologia dos bancos de
investimento e os “espaços opacos” a partir da ação dos bancos comunitários na metrópole
de São Paulo.
A SELETIVIDADE LOCACIONAL DOS BANCOS DE INVESTIMENTO E A FUNÇÃO DE COMANDO EXERCIDA PELA METRÓPOLE
Neste ponto buscaremos apresentar, em termos sintéticos, a função atribuída
aos bancos de investimento na divisão do trabalho bancário. A partir da especificidade da
ação dessas instituições financeiras acreditamos ser possível apontar uma topologia seletiva
destes fixos geográficos no território brasileiro, vinculada aos atributos desenvolvidos,
principalmente, na metrópole de São Paulo.
A estrutura básica atual do sistema financeiro brasileiro é constituída por três
principais agentes: os órgãos normativos (Conselho Monetário Nacional – CMN), as
entidades supervisoras (Banco Central do Brasil) e os operadores bancários, e tem sua
origem na Reforma do Sistema Financeiro Nacional (RSFN), implementada em meados da
década de 1960.
As leis n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964 e n. 4.728, de 14 de julho de 1965
são os principais conteúdos normativos do território que dispõem sobre este processo de
restruturação, que envolve a formação do mercado de capitais e a criação dos bancos de
investimento no país, como maneiras de suprir a demanda até então “reprimida” por
financiamentos de médio e longo prazo na economia nacional. De acordo com Dias (1996, p.
120), “[...] a reforma financeira seguiu de perto o golpe de estado de 1964. As medidas
econômicas tomadas pelo governo militar tinham por objetivo a modernização do sistema
financeiro, sua racionalização, sua flexibilidade e sua eficácia”.
Tal configuração culmina na estrutura do sistema financeiro nacional atual,
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apresentada de forma esquemática pelo Quadro n. 1:
Quadro 1 – Brasil: Organização do Sistema Financeiro Nacional (2014)Órgãos
NormativosEntidades
Supervisoras Operadores
ConselhoMonetário
Nacional - CMN
Banco Central doBrasil – BACEN
Captadores de Depósitoà vista:
Bancos múltiplos, Bancoscomerciais, Caixa EconômicaFederal, (...).
Demais instituições:
Bancos de desenvolvimento,Bancos de investimento,Associações de Poupança eEmpréstimo, (...).
Comissão de ValoresMobiliários – CVM
Bolsa de Mercadorias e FuturosBolsa de Valores
Fonte: Sítio Eletrônico do Bacen.
Os primeiros conteúdos normativos do território que regulam a ação dos bancos
de investimento no Brasil são a Lei n. 4.7281, de 1965, que “disciplina o mercado de capitais
e estabelece medidas para o seu desenvolvimento” e a Resolução n. 18 do CMN, de 1966,
que determina em maiores detalhes as operações ativas e passivas a serem desenvolvidas
por tais bancos, assim como a forma de execução dessas. Entre as disposições que
delimitam a especificidade dos bancos de investimento já na primeira regulação aqui
apresentada, tem-se: a) a proibição de receber depósitos a vista; b) a permissão para
receber depósito a prazo; c) a permissão para conceder depósito a prazo; d) permissão para
administrar fundo em condomínio.
Já entre os pontos previstos pela Resolução n. 18 do CMN, de 1966, destacamos:
1. A realização não só de análise econômico-financeira da empresa solicitante, mas
também de análise do projeto do empreendimento a ser financiado como
condição para que os empréstimos demandados pelos mutuários aos bancos de
investimento se efetivem. Neste sentido, são analisados: a) existência de
mercado para os bens ou serviços a serem produzidos; b) exequibilidade técnica
do processo de produção e disponibilidade dos fatores necessários; c)
rentabilidade da exploração do empreendimento (ou da empresa mutuária); d)
viabilidade do esquema de financiamento proposto; e) adequação da estrutura
de capitalização da empresa, uma vez concedido o empréstimo; f) capacidade do
1 De acordo com Teixeira, esta normatização pode ser entendida como uma etapa da RSFN que viabilizou “a criação deum sistema de crédito especializado no atendimento ao setor das empresas produtivas, a partir dasregulamentações dos bancos privados de investimento e dos bancos estaduais de desenvolvimento” (TEIXEIRA, 2000,p.36).
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mutuário para pagar os encargos do financiamento.
2. A possibilidade das instituições financeiras em questão prestarem serviços de: a)
distribuição ou colocação no mercado de emissões de títulos ou valores
mobiliários (subscrição de ações ou debêntures, venda em prestações de títulos
da dívida pública ou de ações/obrigações subscritas ou adquiridas); b)
intermediação nas operações relativas a valores mobiliários (tanto na Bolsa de
Valores quanto fora dela); e c) administração de carteira, custódia e recebimento
de rendimentos de títulos ou valores mobiliários.
3. A formulação acerca dos serviços que tais instituições financeiras demandam
para viabilizar as operações ativas e passivas delimitadas pela Resolução n. 18, e
que podem ser supridos diretamente pelo banco, ou mediante contrato com
empresas/consultores especializados. Entre os serviços identificados estão: a)
análise de projetos (avaliação tanto de aspectos técnicos quanto de aspectos
econômico-financeiros); b) auditoria e análise financeira; c) fiscalização de
execução de projetos financiados; e d) operações de bolsa e mercado de capitais.
Ao termos por base as diretrizes traçadas pela Lei n. 4.728 e, de maneira mais
completa, pelo Conselho Monetário Nacional acerca das funções a serem cumpridas pelos
bancos de investimento na divisão do trabalho bancário instituída pela RSFN, já podemos
apresentar alguns elementos que contribuem à investigação da topologia destas
instituições.
Em primeiro lugar, a proibição para recebimento de depósitos à vista faz com
que estes bancos não operem contas-corrente. Este dado nos permite avaliar que tais
instituições não requerem expressiva capilaridade territorial: a captação de recursos por
meio de depósitos a prazo associa-se a um quadro reduzido de clientes e a montantes mais
elevados de capitais investidos. Este fato repercute numa distribuição territorial mais
seletiva por parte destas instituições, visto que estes atuam basicamente por meio de suas
sedes.
Outro dado que contribui para entender essa maior seletividade da topologia
dos bancos de investimento no território nacional é a necessidade de realização de análises
econômico-financeira e técnica tanto dos mutuários, quanto dos projetos a serem
financiados pelas instituições estudadas. Ao demandarem projeções e análises de aceitação
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de mercado sobre produtos (materiais ou financeiros), de rentabilidade, de viabilidade
técnica e econômica sobre empreendimentos, de riscos envolvidos em financiamentos e
operações no mercado de títulos e valores mobiliários, entre outros, os bancos de
investimento têm sua funcionalidade atrelada a uma diversidade de serviços do setor
quaternário2.
Conforme explana Lencioni acerca do movimento de concentração espacial de
serviços intensivos em informação na metrópole de São Paulo:
O contato próximo e imediato entre as pessoas possibilita decisões quanto aos
acordos financeiros, às transações internacionais, às aplicações financeiras e aos
contratos assinados. Por decorrência, já que esses serviços avançados requerem
uma miríade de outros que gravitam em seu redor, aglomeram-se os serviços
nas diversas centralidades da metrópole (LENCIONI, 2008, p. 14).
Para a autora, a estruturação da função de comando da metrópole é tributária
do processo de centralização do capital e sua “principal contribuição [...] para a
interpretação do urbano é que a gestão empresarial dos grupos econômicos e das grandes
empresas em rede priorizam a metrópole e, no caso brasileiro, prioriza a metrópole de São
Paulo” (LENCIONI, 2008, p. 14).
Ao considerarmos um perfil urbano em que os objetos geográficos
se-diferenciam de forma significativa pela informação que contêm e com as quais
trabalham, entendemos que a interdependência hierárquica entre distintos pontos do
território se configura a partir de comandos técnicos, financeiros e políticos emanados da
metrópole. É o que Milton Santos caracteriza como “verticalidades” (SANTOS, [1996] 2008, p.
285). Com base justamente nessa “segmentação vertical do território enquanto mercado” e
na “segmentação do mercado enquanto território” que Milton Santos define São Paulo como
metrópole onipresente. Aponta, portanto, que a função metropolitana que assegura à São
Paulo uma primazia na dinâmica espacial brasileira
[...] é por causa das atividades quaternárias de criação e controle, praticamente
sem competidor no País, pois agora são os fluxos de informação que
hierarquizam o sistema urbano. O papel de comando é devido a essas formas
superiores de produção não-material, elas próprias sendo consequência da
integração crescente do País a novas condições de vida internacional [...] A
2 “O setor quaternário caracteriza-se pela ação de conceber, criar, interpretar, organizar, dirigir, controlar e transmitir,com a colaboração do meio científico e técnico, conferindo a esses atos um valor econômico. Sua atividadedominante é a criação” (TOMELIN, 1988, p. 37).
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metrópole informacional assenta-se sobre a metrópole industrial, mas já não é a
mesma metrópole” (SANTOS, [1993] 2009, p. 103)
BANCOS COMUNITÁRIOS: INDUTORES DE HORIZONTALIDADES
Os bancos comunitários são juridicamente, em sua maioria, caracterizados
enquanto uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e atuam desde
2006 como uma política pública para a promoção do desenvolvimento de lugares com baixo
índice de desenvolvimento humano (IDH) (SEGUNDO, 2008). O primeiro banco comunitário
que surge no Brasil é o Banco Palmas, em Fortaleza-CE. Com a consolidação da Secretária de
Economia Solidária (SENAES)3 em 2003, e a consolidação de uma parceria com o Instituto
Palmas nasce a Rede Brasileira de Bancos Comunitários em 2006 (RBC, 2006, p.5).
A partir deste momento fundamenta-se uma metodologia com base no Banco
Palmas, elencando sete princípios norteadores para a criação de um banco comunitário de
desenvolvimento (BCD): I) Serem uma iniciativa da própria comunidade, que decide criar o
banco, tornando-se gestora e proprietária do mesmo; II) Atuarem sempre com duas linhas
de crédito: uma em reais e outra em moeda social circulante; III) Suas linhas de crédito
devem estimular a criação de uma rede local de produção e consumo, promovendo o
desenvolvimento endógeno do território; IV)Apoiarem os empreendimentos em suas
estratégias de comercialização (feiras, lojas solidárias e outros); V) Atuarem em territórios
caracterizados por alto grau de exclusão, vulnerabilidade e desigualdade social; VI) Estarem
voltados, sobretudo aos beneficiários de programas assistenciais governamentais e de
políticas compensatórias e; VII) Sua sustentabilidade, em curto prazo, deve fundar-se na
obtenção de subsídios justificados pela utilidade social de suas práticas (RBC, 2006, p.7).
Definido o conceito, partimos para análise de implementação dos BCD no Brasil.
Inferimos que a capilarização dos BCD no território brasileiro ocorre a partir de 2010,
quando a SENAES juntamente com "entidades executoras" articulam uma política pública
baseada em dois projetos: um no ano de 20104 com o objetivo de criar mais BCD, e outro
recentemente criado em 20135 que visa dar suporte aos BCD já existentes6. A SENAES
3 A SENAES está ligada ao Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE).
4 "Ação de fomento às finanças solidárias com base em bancos comunitários e fundos solidários" (SENAES/MTEn°003/2010)
5 O novo projeto Apoio e Fomento as Iniciativas de Finanças Solidárias com base em Bancos Comunitários deDesenvolvimento, Fundos Solidários e Cooperativas de Crédito Solidário" (SENAES/MTE) n°001/2013 que tem comofinalidade consolidar os bancos comunitários encontra-se em vigor ( dez/2013 até nov/2015).
6 Anterior aos projetos, existiam no Brasil 45 bancos comunitários, e eles localizavam-se prioritariamente na Região
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portanto, possui o papel de "comando" das ações, ao mesmo tempo ela "institucionaliza"
novos atores para que estas ações sejam promovidas em parcelas do território, pois
compete a cada uma das "entidades executoras regionais" a responsabilidade de executar e
fazer o acompanhamento dessas políticas públicas nas regiões brasileiras enquanto que a
"entidade executora de porte nacional" tem a obrigação de gerir e dar suporte para as
"entidades executoras regionais". Este "comando das instâncias organizacionais" (SANTOS &
SILVEIRA, 2002, p. 147) que Santos ([1988] 2008) denominou como "círculos de cooperação"
conceitualiza7 o papel da SENAES e das "entidades executoras" para a promoção dos BCD.
Neste sentido, compreendemos que boa parte dos bancos comunitários
surgiram através de uma verticalidade - promovida pelo Estado - criando paralelamente
horizontalidades por todo território vivente (SANTOS, [1993] 2008, p. 50), como será
analisado a partir deste momento o caso dos bancos comunitários do município de São
Paulo-SP.
Neste caso específico, a criação desses BCD estes estavam ligados a uma
emenda constitucional do ex-deputado petista Roberto Gouveia chamada de Projeto
Moradia Solidária. Em 2005 estabelecida a emenda constitucional, foram realizados diálogos
entre o Deputado e os líderes do movimento de moradia com o intuito de formularem um
projeto de trabalho, geração e renda no "pós-morar" pautados na economia solidária8. Com
o apoio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-USP), do Laboratório de
Extensão da Escola de Artes e Ciências Humanas (LABEX-EACH-USP Leste) e da SENAES
funda-se os bancos comunitários paulistas (2009), posteriormente em 2010 formando a
Rede de Bancos Comunitários Paulista (RBCP) com os bancos Apuanã, Vista Linda,
Autogestão e Paulo Freire. Portanto dentre a definição dos BCD elencada acima, o primeiro
ponto estabelecido pela RBC não ocorre "apenas" com os líderes do movimento de moradia,
como também está ligado a outras instâncias que capacitam e oferecem subsídios para a
sua implementação. Concomitante a este processo, forma-se também o Banco União
Sampaio.
Nordeste do país (84,4%). Atualmente existem 103 bancos comunitários, sendo que desses a região Nordeste aindamantêm a maior concentração com 41,53% deles, em seguida encontramos a Região Sudeste (24,27%), depois aNorte (16,5%) e por último a Centro-Oeste (9,7%). A região Sul é a única que ainda não possui nenhum bancocomunitário no Brasil.
7 Pois o círculo de cooperação trata da comunicação, transferência de capitais, ordens e informações que garantem onível de organização necessário para articular os lugares dispersos geograficamente (CASTILLO, 2004, 95).
8 Dado obtido através de entrevistas realizadas com os gestores dos bancos comunitários de São Paulo, nos meses dejaneiro e fevereiro de 2014.
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Dos cinco bancos comunitários um deles - o Banco Vista Linda na periferia da
Zona Oeste da capital - abriu falência. Neste caso, analisaremos os resultados do trabalho
de campo dos demais bancos, todos localizados em zonas periféricas de São Paulo. Partindo
de algumas variáveis elucidativas, nosso intuito é revelar ao leitor as horizontalidades que
esses bancos comunitários e as moedas locais "criam" nos lugares.
Entendemos enquanto horizontalidades o alicerce de todos os cotidianos
(SANTOS, [1993] 2008, p. 50) isto é, de um cotidiano territorialmente partilhado com
tendências a criar suas próprias normas com aumento da produtividade política (op.cit.,
p.51). E é no lugar através deste cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas,
firmas e instituições que encontramos as mais diversas manifestações da espontaneidade e
da criatividade (SANTOS,[1996]2008,p.322). A contiguidade promovida pelas
horizontalidades (op.cit, p. 284) tem por parâmetros a co-presença, a vizinhança, a
cooperação e a sociabilização (op.cit., p.339). Assim, elencamos a vizinhança e a co-presença
que são fundamentais para o funcionamento concreto dos BCD.
No caso dos mecanismos utilizados para a avaliação de crédito, diferentemente
dos bancos convencionais, a exigência é que o tomador seja morador do local e a avaliação
do pedido é feita de forma alternativa, através de consultas a redes de vizinhos e
comerciantes locais. Feito isso, haverá uma análise entre os gestores do banco para definir
se o empréstimo será ou não concedido, processo chamado de Comitê de Análise de
Crédito (CAC). No gráfico 1, observa-se que todos os bancos realizam o CAC assim como o
"Aval Solidário", este consiste em uma entrevista ao requerente do empréstimo - com
referências comerciais e pessoais (carta do vizinho, por exemplo) - assim como é levado em
consideração se o tomador participa das atividades promovidas pelo BCD. A "Pesquisa com
a Vizinhança" também é um mecanismo bastante utilizado entre os BCD de São Paulo (75%)
e a "Carta ao Vizinho" em menor proporção (com 25%) é uma possibilidade material de
composição do "Aval Solidário". Entendemos que mesmo que o "Comprovante de
Residência" seja um mecanismo utilizado pelos bancos convencionais, é utilizado com alta
frequência pelos BCDP devido a exigência de que o tomador seja da própria comunidade.
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Gráfico 1. Mecanismos utilizados pelos BCD de São Paulo para avaliação de crédito. São Paulo-SP(2014)
Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios do Convênio MTE/SENAES n°748854/2010 Projeto "Apoio e Fomento asIniciativas de Finanças Solidárias com base em Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Fundos Solidários e
Cooperativas de Crédito Solidário", janeiro de 2014.
Observa-se que todos os bancos realizam o CAC assim como o "Aval Solidário",
este consiste em uma entrevista ao requerente do empréstimo - com referências comerciais
e pessoais (carta do vizinho, por exemplo) - assim como é levado em consideração se o
tomador participa das atividades promovidas pelo BCD. A "Pesquisa com a Vizinhança"
também é um mecanismo bastante utilizado entre os BCD de São Paulo (75%) e a "Carta ao
Vizinho" em menor proporção (com 25%) é uma possibilidade material de composição do
"Aval Solidário". Entendemos que mesmo que o "Comprovante de Residência" seja um
mecanismo utilizado pelos bancos convencionais, é utilizado com alta frequência pelos
BCDP devido a exigência de que o tomador seja da própria comunidade.
Os mecanismos acima caracterizam-se por basearem-se na "confiança" entre o
tomador do empréstimo e o banco comunitário. Esta relação de "confiança" os economistas
vem chamando de "finanças de proximidade" (ABRAMOVAY e JUNQUEIRA, 2005). Os
gestores dos BCDP quando questionados sobre a "confiança" entre os moradores da
comunidade e o banco, apontam como "boa" e "regular" (50% cada)9. Estes mecanismos
diferem dos bancos convencionais, assim como necessitam da co-presença, vizinhança e
9 Dados obtidos a partir dos Relatórios do Convênio MTE/SENAES n°748854/2010 Projeto "Apoio e Fomento asIniciativas de Finanças Solidárias com base em Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Fundos Solidários eCooperativas de Crédito Solidário", janeiro de 2014.
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confiança entre os agentes para sua realização.
Todavia os demais mecanismos - Comprovante de Renda, Software Especializado
e Consulta ao SPC/SERASA - fazem parte do processo de obtenção de crédito de bancos
convencionais. Destacamos aqui que mesmo que eles apareçam com baixa frequência são
"novos elementos" para a obtenção de crédito nos bancos comunitários. Crocco e Menezes
(2009, p. 387) ao estudarem o caso do Banco Bem-ES inferem que os bancos comunitários
não se utilizam destes mecanismos, e destacam que não há averiguações nos sistemas
convencionais SPC e SERASA.
Todavia existem outras variáveis dos BCD que divergem dos bancos
convencionais, como exemplo a taxas de juros estabelecidas para o empréstimo produtivo,
feito em moeda Real (R$), varia entre 1% e 2,5%10 e é cobrada apenas para custear as
operações feitas no BCD, abaixo das estabelecidas no mercado11.
Outra forma de conceder crédito, com taxas de juros de 0% ao mês, é através da
moeda local também chamada de moeda social. As moedas locais tem por objetivo manter
a riqueza na comunidade, já que são aceitas apenas em estabelecimentos do bairro onde
está localizado o BCD. Isso permite que o "dinheiro líquido" não só circule no bairro como
também acentua a possibilidade de diminuir a subordinação do circuito inferior em relação
ao circuito superior. No caso de São Paulo, através dos trabalhos de campo, inferimos que
são estabelecimentos que caracterizam-se por serem do circuito inferior (SANTOS, [1975]
2008) e atendem em sua maioria a população de baixa renda (81,25%), e 56,25 % do seu
mercado consumidor é o próprio bairro.
Para que a moeda local funcione e se capilarize nos lugares é necessário que os
agentes (estabelecimentos e consumidores) confiem em sua existência, pois o valor
monetário só se sustenta por meio da confiança (CROCCO e MENEZES, 2009, p. 383).
Segundo os gestores dos BCDP 50% considera "boa" a aceitação dos empreendimentos em
relação a moeda, todavia encontram dificuldades de aceitação entre os moradores12.
10 Esta dado é fruto da sistematização dos trabalhos de campo realizados nos respectivos bancos nos meses de janeiroe fevereiro de 2014.
11 Segundo dados da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania (julho de 2014), as taxas de juros para empréstimopessoal ao mês nos bancos privados variam de 5,5% a 6,99%, já nos bancos públicos, Banco do Brasil e CaixaEconômica Federal, as taxas são respectivamente de 4,72% e 3,75% ao mês.
12 Segundo dados obtidos a partir dos Relatórios do Convênio MTE/SENAES n°748854/2010 Projeto "Apoio e Fomentoas Iniciativas de Finanças Solidárias com base em Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Fundos Solidários eCooperativas de Crédito Solidário", janeiro de 2014, os gestores dos bancos comunitários em São Paulo possuem apercepção de que ainda é "ruim" a aceitação da moeda local entre os moradores (50%).2.548
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Entendemos que mesmo que os bancos comunitários possuam uma capacidade
criativa, eles estão condicionados a política econômica vigente de forma geral e possuem
limitações, tanto em relação a sua atuação como também da moeda local. No entanto, isso
não tira sua capacidade de atuar nos "espaços opacos" da metrópole de São Paulo
enquanto um instrumento "amenizador" da exclusão financeira. Concomitantemente a isso,
traz novas formas criativas de fornecer crédito aos agentes do circuito inferior permitindo,
no limiar do raciocínio, sua sobrevivência no cotidiano.
A TOPOLOGIA BANCÁRIA COMO EXPRESSÃO DA DESIGUALDADE NA METRÓPOLE DE SÃO PAULO
Buscaremos, nesse momento, apresentar os principais elementos do processo
de reestruturação urbana que nos permitem identificar a metrópole informacional de São
Paulo como segregada, a partir da análise da topologia dos fixos geográficos já
apresentados nos pontos anteriores.
Para tanto, desenvolvemos uma caracterização relacional entre estrutura e rede
urbana no bojo do meio técnico-científico-informacional. Com isso, almejamos corroborar o
entendimento de que a distribuição das variáveis do período não se realiza de maneira
uniforme. De acordo com Milton Santos ([1994] 2013, p. 48): "Do ponto de vista da
composição quantitativa e qualitativa dos subespaços (aportes de ciência, da tecnologia e da
informação), haveria áreas de densidade (zonas “luminosas”), áreas praticamente vazias
(zonas “opacas”) e uma infinidade de situações intermediárias".
Dessa maneira, são os pontos da cidade configurados para atrair objetos
geográficos com substância intensiva em ciência, tecnologia e informação que tendem a
demonstrar uma relação mais significativa com a rede de cidades mundiais do que com
outros agentes presentes em seu tecido urbano. Ou seja, “Os espaços, assim requalificados,
atendem sobretudo a interesses dos atores hegemônicos da economia e da sociedade, e
desse modo são incorporados plenamente às correntes de globalização” (op.cit).
Diante dos imperativos da modernização contemporânea e de suas
manifestações a partir da reestruturação produtiva e espacial, destacamos a informação
como variável chave de uma nova divisão territorial do trabalho. Ou seja, na medida em que
o processo produtivo se torna ainda mais fragmentado, com base nos fenômenos
concomitantes de dispersão territorial das unidades produtivas e concentração das sedes, a
articulação entre as diferentes etapas da produção realizada em distintos pontos do
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território se estrutura pela informação.
Essa fragmentação do processo produtivo impulsiona a intensificação da
dispersão de plantas fabris associadas a etapas específicas da produção ao longo de eixos
viários, ao mesmo tempo em que se concentram nas metrópoles atividades de controle e
gestão dos ciclos de valorização do capital. Tal dispersão não se dá apenas no âmbito de
uma Região Metropolitana específica, mas abrange a constituição do espaço mundial de
acumulação imposto pela globalização (MATTOS, 2006). A partir do desenvolvimento das
redes produtivas transfronteiriças, o capital se valoriza por meio de diversos lugares e
atividades do espaço mundial de acumulação. A desintegração da típica fábrica fordista se
dá, então, pela associação entre a externalização de processos e sub-processos, a
subcontratação e a crescente demanda por serviços à produção e a famílias, em notório
processo de terciarização da economia (MATTOS, 2006).
Ao considerarmos que a atual modernização se realiza de maneira seletiva,
temos o acesso a diferentes tipos de informação a partir de um critério locacional como um
dado estruturante da hierárquica divisão territorial do trabalho. Ao recuperar as
formulações de Törnqvist sobre uma dinâmica espacial que já se esboçava na década de
1960. Contel indica que o autor sueco explicitou o estabelecimento de laços organizacionais
que superavam a escala local entre dois tipos principais de firmas com base na natureza da
informação que cada uma manipula. Por um lado, têm-se as “unidades de informação” que
se caracterizam por “[...] firmas que trabalham a partir de “decisões não-programadas”. [...]
não existe propriamente “rotina” nas decisões tomadas” (CONTEL, 2011, p. 78). Por outro
lado, as “unidades de produção” são definidas pelo “[...] trabalho com informações e
“decisões programadas”, cujas atividades são muito mais “rotineiras” e “repetitivas”.”
(CONTEL, 2011, p. 78).
Ainda no campo dos esforços teóricos para identificar tipologias de informação e
a lógica locacional dos fixos geográficos que as operam, Alexandre et. al (2006, p.260) se
debruçou especificamente sobre a relação da variável chave do período e as atividades
financeiras. Neste sentido, caracteriza as “informações complexas sofisticadas” como
atreladas a processos dinâmicos de tomada de decisões que se materializam por meio de
objetos e ações em distintas localidades. Dada sua inerente dificuldade de transmissão por
via mediada, requer proximidade territorial e o contato face-a-face entre os agentes que as
operam.
A capacidade de produzir, coletar, armazenar e distribuir informações
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“complexas sofisticadas” não é um atributo exclusivo das atividades financeiras,
associando-se de maneira mais ampla ao setor quaternário da economia. Esse tipo de
atividade econômica demanda uma significativa concentração espacial porque “[...] os
custos de transação sobem significativamente conforme as distâncias aumentam e, com a
dispersão geográfica dos produtores, as ineficiências aparecem rapidamente” (SCOTT et al.,
2001, p. 15). A aglomeração de serviços avançados associados à gestão e ao comando dos
ciclos de valorização do capital é necessária já que geram “[...] uma atmosfera rica pela
transferência constante de conjuntos de informações (em grande parte informais) a respeito
das tecnologias, mercados e concepção de produto” (SCOTT et al., 2001, p. 15).
De acordo com Borja e Castells, a concentração espacial de atividades que tem
como traço comum os fluxos de informação e conhecimento – como “[...] as atividades
financeiras, de seguros, imobiliárias, de consultoria, de serviços jurídicos, de publicidade,
design, marketing, relações públicas, segurança, obtenção e gestão de sistemas de
computação” (BORJA; CASTELLS, 1997, p. 36) – caracterizam os centros direcionais em que se
baseiam a economia informacional global.
Mattos (2006, p. 49) caracteriza esses centros direcionais por meio de quatro
elementos centrais: a) agentes que exercem direção, gestão, coordenação e controle de
empresas globalizadas, b) serviços à produção e às famílias, intenso desenvolvimento de
tecnologia de informação e comunicação, c) indústria de inovação, d) atividades de
distribuição e comercialização de produtos globais. Segundo o autor, em função os atributos
da configuração desse centro direcional que se define a posição da metrópole na
hierárquica rede de cidades transfronteiriças.
Além da caracterização dos “novos” atributos das metrópoles em decorrência da
reestruturação econômica já comentada, diversos autores associados ao Globalization and
World Cities Reserach Network (como, por exemplo, Peter Taylor, Jonathan Beaverstock e
Eliana Rossi) têm apresentado importantes contribuições ao estudo das redes urbanas
estruturadas no período da globalização contemporânea.
Segundo Rossi (2005), as propostas do Globalization and World Cities Reserach
Network (GaWC) buscam aprofundar os estudos apresentados por John Friedmann (1986) e
Saskia Sassen (1991) sobre os processos envolvidos na caracterização da rede de cidades
mundiais. Partem, portanto, da formulação de Friedmann, que identifica como principais
funções destas cidades: a) a articulação de economias regionais/nacionais com o sistema
global, b) a concentração de sedes de empresas globais, e c) sua consolidação como um
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centro financeiro. Em relação à teorização de Sassen, destacam a concomitância dos
processos de dispersão e aglomeração de atividades produtivas como atual dinâmica
socioespacial, assim como ressaltam o papel cumprido pelo setor financeiro e pelos
produtores globais de serviços com alto valor agregado na conformação das cidades
mundiais.
O foco da teoria e do método do GaWC reside no estudo sistemático da rede de
cidades mundiais, tendo por base formulações que identificam a estrutura das cidades que
se apresentam como pontos de comando e controle da economia-mundo e uma
identificada ausência de modelo tanto de rede quanto de definição do tipo de dado a ser
utilizado em sua investigação.
Esta proposta de estudo da rede concatenada de cidades mundiais, defendida
por Peter Taylor (2001) considera três níveis: o supranodal (economia-mundo), o nodal
(cidades mundiais) e o subnodal (produtores globais de serviços com alto valor agregado).
De acordo com Rossi, a diferenciação da proposta de Taylor (2001) em relação às anteriores
reside no fato de que:
[...] o modelo econômico de rede de cidades não pode transformar a cidade (nó)
em agente. Em seu modelo, as cidades são hospedeiras dos agentes que criam a
rede [...] Segundo Taylor (2001), foi a opção pela estratégia de presença global
da marca, com integridade, implementada através de uma rede igualmente
global de representantes que levou essas firmas a criar a rede de cidades
mundiais. [...] Assim, os agentes criadores e reprodutores da rede de cidades
mundiais são essas firmas, à medida que se “fixam” às cidades e realizam, a
partir delas, suas operações de gestão do conhecimento em escala global
(ROSSI, 2005, p. 21).
Podemos entender tal formulação como um refinamento da teoria que aborda
as cidades mundiais, visto que explicita a proeminência do fenômeno da “porosidade
territorial” (ARROYO, 2006) a partir da ação global de agentes hegemônicos, principalmente
do setor quaternário da economia. Esses apresentam uma topologia extremamente seletiva
mesmo na dimensão intra-urbana; fato esse que demonstra a não integração efetiva de
toda a metrópole aos fluxos transfronteiriços. Segundo Milton Santos, o caráter segregado
da metrópole contemporânea se expressa da seguinte maneira:
[...] a cidade é objeto de um processo incessante de transformações que atingem
aquelas áreas necessárias à realização das atividades modernas de produção e
de circulação. Como os recursos disponíveis ou trazidos de fora são orientados
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para essas transformações, o resto da aglomeração não recebe cuidados, sendo
essa diferença de tratamento um dos fatores da crise ambiental. Os novos
objetos surgem para atender aos reclamos precisos da produção material ou
imaterial, criando espaços exclusivos de certas funções. À cidade como um todo,
teatro da existência de todos os seus moradores, superpõe-se essa nova cidade
moderna, seletiva, cidade técnico-científica-informacional, cheia de
intencionalidades do novo modo de produzir, criada (na superfície e no subsolo,
nos objetos visíveis e nas infraestruturas) ao sabor das exigências renovadas da
ciência e da tecnologia. Espaço minoritário dentro da aglomeração, espaço
não-dominante do ponto de vista da extensão, ele é, todavia, o espaço
dominador dos processos econômicos e políticos, cuja lógica implacável se
sobrepõe e comanda a dos demais subespaços quantitativamente dominantes
na paisagem, mas qualitativamente subordinado quanto às funções (SANTOS,
[1994] 2013, p. 71-72)
Assim, Milton Santos nos traz a ideia da "plasticidade" que as metrópoles
ganham. Segundo ele, quanto mais "plástica" tende a ser uma cidade, maior a possibilidade
de acolher novas mudanças em funcionalidade de uma nova ordem. Estes novos arranjos
constituem a base de práticas sociais hegemônicas que provêm de uma racionalidade
calcada apenas no lucro (SANTOS, [1994] 2008, p. 72 e 73), feita pelos agentes do circuito
superior da economia urbana (SANTOS, [1975] 2008). Todavia a cidade como um todo
resiste à difusão desta racionalidade através de seu meio ambiente construído. São as
"zonas de resistência" a esta economia hegemonizada (op.cit., p. 74), onde as aglomerações
não possuem a fluidez da informação e estão marcadas pela pobreza. É nesses lugares que
os agentes do circuito inferior se desenvolve como possibilidade de sobrevivência à grande
parte da população dentro das metrópoles brasileiras (SANTOS, [1975] 2008).
Sendo assim, coexistem na metrópole diferentes divisões do trabalho que
estabelecem relações diferenciadas com seu meio construído (MONTENEGRO, 2011, p.1).
Enquanto de um lado os objetos do novo período colocam-se em determinados "pontos" da
metrópole para atender a dinâmica dos atores hegemônicos o "resto” da aglomeração está
à mercê desses novos objetos.
Com base neste dado desigual, analisamos a distribuição dos bancos de
investimento e dos bancos comunitários na metrópole de São Paulo como dois fixos
geográficos financeiros emblemáticos tanto das partes "globalizadas", os "espaços
luminosos" (SANTOS, [1994] 2008), quanto das partes "não-globalizadas", os "espaços
opacos" (op.cit).
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Como pode ser observado no mapa abaixo, identificamos que oito dos 10
bancos de investimentos que estão em São Paulo localizam-se ou na própria Av. Brigadeiro
Faria Lima (é o caso de quatro destes) ou nos arredores de sua extensão. Trata-se, portanto,
do setor Sudoeste da cidade (ou “Nova Cidade”), área analisada por Fix como uma as
principais frentes do mercado imobiliário no Brasil. As outras duas instituições se localizam
na Alameda Santos, paralela à Avenida Paulista. Tal distribuição pode contribuir para
verificação da mudança da centralidade principal da metrópole de São Paulo no tocante à
aglomeração de serviços do setor quaternário da economia e aos agentes socioeconômicos
hegemônicos em geral.
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Ao investigar a intensidade da transformação desse quadrante da cidade para se
tornar atrativo à instalação de agentes hegemônicos, Fix ([2001] 2012, p. 92) comenta que
A adaptação dos espaços para o dito “terciário avançado”, alojado nos
megaprojetos, faz parte do processo que estou chamando de construção da
“nova cidade”. Entretanto, como vimos, o que se transforma ou que se “adapta”
não é São Paulo, mas apenas uma parte da cidade, na qual se concentram a
maior parte dos recursos, tanto públicos como privados. É desse modo que se
consegue delinear por aqui o skyline característico das cidades que procuram se
projetar mundialmente. Recria-se num país periférico, dentro de uma grande
metrópole desigual, uma cidade semelhante à dos países centrais, embora de
dimensões mais modestas.
Já no que condiz a localização dos bancos comunitários de São Paulo, os quatro
bancos existentes - Apuanã, Paulo Freire, União Sampaio e Autogestão- estão em zonas
periféricas da metrópole de São Paulo, respectivamente nos distritos de Tremenbé (Zona
Norte), Cidade Tiradentes (Zona Leste), Campo Limpo e Jardim São Luís (ambos na Zona Sul
da capital). Colocamos aqui que "periferia" não está vinculado apenas a distância física do
centro da cidade, como também dificuldade em acessibilidade (SANTOS, [1975] 2008, p.
290).
Para se ter uma ideia palpável da dificuldade de acessibilidade, São Paulo possui
hoje um total de 2.548 agências bancárias13 (tanto de bancos públicos como de bancos
privados), desta totalidade apenas 37 agencias bancárias localizam-se nos distritos onde
estão os bancos comunitários. Um deles, é o caso do banco comunitário Paulo Freire no
distrito de Cidade Tiradentes, onde existe apenas uma agência bancária para atender uma
população de 211.50114. Ou seja, uma parcela significativa da população que vive nas
metrópoles não fazem parte do interesse dos bancos convencionais e ficam aquém do
sistema financeiro, processo este denominado de exclusão financeira.
Dentro da compreensão deste processo, Crocco e Menezes (2009, p. 376)
apontam que Leyshon e Thift (1997) já apontavam que esta pode ser evitada pelo aparato
estatal por meio de lei reguladoras e/ou através de infraestrutura financeira alternativa, que
Crocco e Menezes sugerem ser os bancos comunitários de desenvolvimento e o uso das
moedas locais no caso brasileiro. Concordamos com esses autores já que a implementação
de boa parte dos bancos comunitários no Brasil deu-se por uma ação do Estado.
13 Dados obtidos através do Banco Central do Brasil (2014).
14 Dados da Prefeitura de São Paulo, Censo de 2010.
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Entendemos que o evento e ação são sinônimos (SANTOS, [1996] 2008), p.147), e alguns
eventos podem ou não se geografizar nos lugares. Neste sentido, a "ação" do Estado - em
forma de política pública - é um evento que modificou os lugares por onde os bancos
comunitários se territorializaram, como já foi explicitado alguns indícios desta modificação e
a criação de horizontalidades através das moedas locais.
As horizontalidades são o locus de uma cooperação mais limitada, o teatro de
um cotidiano conforme mas não obrigatoriamente conformista, e simultaneamente o lugar
da cegueira e da descoberta, da complacência e da revolta (SANTOS, [1994] 2008, p. 88 e 89).
Entendemos que as horizontalidades se dão, neste caso, nas "zonas opacas" da metrópole,
lugar que os "homens lentos" compartilham seu cotidiano e encontram a possibilidade de
sobrevivência por conta de seu meio construído. Corroboramos com Milton Santos
quando o autor aponta que o esforço do geógrafo deve ser o de buscar os mecanismos
dessa nova solidariedade que está fundada nos tempos lentos da metrópole. É esta
solidariedade que desafia a perversidade dos tempos rápidos da competitividade (op.cit., p.
82).
"De um modo geral, as cidades são o ponto de intersecção entre verticalidades
e horizontalidades" (SANTOS, [1996] 2008, p. 286) e procuramos elencar esta intersecção
através dos fixos geográficos definidos (bancos de investimentos e bancos comunitários).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o desenvolvimento deste artigo tivemos como pressuposto o entendimento
de que “o meio ambiente construído diferencia-se pela carga maior ou menor de ciência,
tecnologia e informação, segundo regiões e lugares [...]” (SANTOS, [1994] 2013, p. 69).
Com base nessa formulação, buscamos problematizar a topologia de dois tipos
diferentes de fixos geográficos associados à atividade financeira – os bancos de
investimento e os bancos comunitários – na metrópole informacional de São Paulo em 2014.
Se, por um lado, os bancos de investimento apresentam uma distribuição
extremamente concentrada no quadrante Sudoeste da cidade, vetor mais recente de
expansão do capital imobiliário e onde se instalaram diversos agentes hegemônicos do
setor quaternário da economia, com ação marcada pelas “verticalidades”; por outro lado, os
bancos comunitários apresentam uma lógica locacional mais dispersa, presentes em áreas
periféricas da cidade, promovendo “horizontalidades” nos lugares onde foram
implementados, com base na co-presença, confiança e relações de vizinhança. Elucidado
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nosso pressuposto e o quadro empírico da distribuição na cidade de São Paulo de dois tipos
de bancos que “carregam” intensidades distintas das variáveis do nosso período, buscamos
ressaltar dois aspectos que consideramos centrais à caracterização da metrópole analisada.
Em primeiro lugar, a segregação socioespacial no tocante não apenas à
disponibilidade de serviços, mas também ao acesso da população à produção e ao
consumo. Milton Santos definiu esse viés da desigualdade expressa pela dimensão espacial
como parte da “involução metropolitana”: “Ao mesmo tempo que há uma modernização das
atividades, há, também, como já vimos, uma expansão da pobreza [...] A adaptação da
economia a essa “involução metropolitana” caracteriza-se por uma proliferação de
atividades com os mais diferentes níveis de capital, trabalho, organização e tecnologia,
menores que no setor moderno, que surgem como uma forma de suprir a demanda de
empregos e serviços provocada por aquela modernização e que a economia monopolista
não consegue atender” (SANTOS, [1994] 2002, p. 92)
Já em segundo lugar, buscamos explicitar que, em face dessa configuração
contraditória da metrópole em questão, a inserção dessa na dinâmica da economia global
se dá, de forma mais “acabada”, com base em partes dessa cidade, não vinculando-se,
portanto, a sua totalidade. Sendo assim, “O que tantas vezes se denomina espaço dos fluxos
não passaria de um subsistema do espaço global, subsistema de objetos dotados de nível
superior de tecnicidade e de ações marcadas por nível superior de intencionalidade e
racionalidade.” (SANTOS, [1994] 2013, p. 49).
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ESPAÇOS LUMINOSOS E ESPAÇOS OPACOS NA METRÓPOLE DE SÃO PAULO: UM ESTUDO DE CASO DA TOPOLOGIA DOS BANCOS DE INVESTIMENTO E BANCOS COMUNITÁRIOS
Eixo 3: Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo identificar o caráter desigual pelo qual se articula a relação
das finanças com a metrópole informacional de São Paulo. Para tanto, buscaremos apresentar
diferenciações da topologia de dois tipos de "fixos geográficos" que operacionalizam demandas
específicas do circuito superior e inferior da economia urbana no tocante aos respectivos nexos
financeiros que cada um destes são chamados a realizar: os bancos de investimento e os bancos
comunitários. A partir da distribuição desses "fixos geográficos" assim como dos distintos níveis de
tecnologia, capital e organização que cada um apresenta, é possível elaborar um retrato da
contraditória modernização contemporânea. De um lado evidencia-se a seletividade com que
operam os agentes hegemônicos na constituição de "espaços luminosos" (SANTOS, [1996] 2008),
espaços minoritários do ponto de vista da extensão da metrópole, porém economicamente
dominadores (SANTOS [1994] 2008). Do outro encontramos as "zonas opacas" da metrópole, lugar
onde os "homens lentos" compartilham seu cotidiano e encontram a possibilidade de
sobrevivência baseado em seu meio construído (op.cit).
Palavras-chave: topologia bancária; circuitos da economia urbana; metrópole informacional.
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