Post on 09-Nov-2018
FUNDAMENTOS DA PRÁTICA DE ENSINO NA CONCEPÇÃO DA
“PRÁXIS”
Luiz Antonio de Oliveira1
Resumo
Esta proposta pretende pensar o desafio que se estabelece entre o pensamento pedagógico desenvolvido no Curso de Formação Docente – Modalidade Normal diante da política para a educação proposta pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o que acontece nas escolas de 1ª a 4ª anos do Ensino Fundamental. Num confronto entre as motivações que levam às construções pedagógicas contraditórias já a partir das orientações da Prática de Ensino frente aos princípios pedagógicos para a formação docente definidos pela SEED-Pr, bem como para os outros segmentos do Ensino Básico: o trabalho como princípio educativo, a práxis como princípio curricular, o direito da criança ao atendimento escolar.
Palavras-chave: formação docente, prática de ensino, trabalho, práxis, princípio curricular..
1. Contextualizando a discussão
Este é um texto sobre a formação de professores, com referência
e base de análise na Formação Docente no Ensino Médio. Nasceu de
uma discussão proposta no PDE-Pr. Que teve por objeto a Prática de
Ensino numa perspectiva histórico-crítica. O que motivou o interesse
pelo objeto em questão foi o fato do projeto Político Pedagógico do
Colégio Estadual Cristo Rei, em Cornélio Procópio-Pr, estabelecer
como base teórica da formação docente o materialismo histórico.
A proposição inicial era promover um levantamento por meio de
1 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1994) e graduação em Pedagogia pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio (1993). Atualmente é professor QPM e pedagogo QPM nos quadros da Secretaria de Estado da Educação, lotado no Colégio Estadual Cristo Rei em Cornélio Procópio-Pr, participante do GEPEDUC (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação da FAFICOP (Cornélio Procópio) e Acadêmico do Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na Formação de Professores e Ensino Médio.
entrevistas e questionários juntos aos professores de Prática de Ensino
e Metodologias que nos permitisse estabelecer o perfil do curso
naquelas especificidades. E a partir daí, propor textos, ações,
discussões, entre outras ações e instrumentos que possibilitassem um
encaminhamento mais próximo da fundamentação teórica assumida
oficialmente no PPP e Propostas Curriculares. O desinteresse, o
descaso, a resistência evidenciada por parte de boa dos profissionais
em colaborar com esse processo, exigiram que se conduzisse um outro
Plano de ação na Escola. Foi assim que alteramos a proposta inicial no
PDE por uma outra. Nessa resistência evidenciou a primeira certeza: a
condução das Metodologias e da Prática de Ensino não segue numa
perspectiva histórico-crítica, uma vez que em grande parte não se
abrem à discussão os agentes educativos que aí atuam, sobretudo
porque se sentem invadidos por problematizações que alterariam suas
tranqüilidades. Ou seja, confirmar-se uma fragilização da função
específica da escola notadamente pelas pedagogias de projetos.
A relevância da discussão aqui proposta se dá pela necessidade
em se constituir uma rede de educação comprometida como um projeto
alternativo de sociedade baseado na oferta da educação para todos.
Sem o que, a educação se torna um dos mecanismos de segregação, de
contingenciamento social em função de um projeto sócio-econômico
seletista e excludente com base em competências e habilidades a
serviço do neoliberalismo intelectual, social e econômico. Contexto em
que a educação, mais uma vez, corre o perigo do ecletismo: tentar
conciliar o inconciliável, separação entre a atitude científica e a atitude
docente, processo oficializado nos PCN2 e no RCNEI3, que tem em
nosso entendimento produzido a banalização da função social da
educação escolar.
CZERNISZ & BUENO (2005) analisam como o modismo das
2 Parâmetros Curriculares Nacionais.3 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
competências na educação se desenvolveu a partir dos anos 90 do
século XX representando um processo de treinamento de adaptação do
sujeito ao contexto da flexibilização produtiva atingindo em cheio as
propostas de reformas educacionais de então. Reformas cuja função
principal foi possibilitar a inclusão de conceitos, práticas e métodos de
polivalência e empregabilidade. As reformas educacionais acontecidas
no Brasil nos últimos anos foram engendradas dentro das necessidades
econômicas de produção e lucro, tendo a pedagogia das competências
o papel de subserviência ao capital no processo de construção da
condição de adaptabilidade dos indivíduos. Tendência ainda muito forte
em autores que continuam sendo usados na fundamentação de PPPs4,
entre os quais citam Juan Carlos Tedesco com seu “Novo pacto
educativo”.
No Brasil o ideário de competências como solução dos problemas
no trabalho contemporâneo foi inserido oficialmente na educação pela
LDBEN5 (Lei 9394/96): os conteúdos como base foram substituídos pelo
construtivismo de base piagetiana. É apologia da tecnologia e das
informações sobre o trabalho e educação daí advindas (determinismo
tecnológico). São fixadas metas como mudança educacional,
reestruturação produtiva que irão incidir na precarização do trabalho.
É um processo que estabelece a construção de uma perspectiva
individualista e competitiva que culpa o indivíduo pelo insucesso no
mundo do trabalho e absolve o Estado, e responsabiliza a sociedade da
responsabilidade de oferta de trabalho (emprego). Neste contexto, a
função da educação em geral e da educação escolar em particular é
promover a adaptação ao processo de flexibilização da economia que
mantém do modelo taylorista-fordista o controle de forma acelerada
pelo advento das tecnologias da informática. Um novo conceito de
cidadania acaba sendo imposto: cidadão é aquele que está em
condições de adaptabilidade ao mercado produtivo, aquele que adquire
4 Projetos Políticos Pedagógicos.5 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
condições de consumo.
O relatório Delors da Unesco evidencia bem essa realidade dos
saberes adaptados à civilização cognitiva (2000, p. 89). Cria-se a
concepção de um contexto único que desmaterializa o conhecimento.
Idéias que influenciaram profundamente a essência dos DCNEM6
(Parecer 15/98), focando sensibilidade, identidade e igualdade. Sujeito
e autonomia são pensados para a capacidade adaptativa (o novo
conceito de cidadania); bem como os DCNEP7 (Parecer 16/99) que está
fixado sobre a competitividade e o desenvolvimento econômico:
qualificação segundo as perspectivas do capital e transferência de
responsabilidade para os indivíduos na busca de emprego, educação e
qualificação. É a individualização da cidadania. A revogação do Decreto
2.208/97 e o advento do 5.154/2004 que propõe a integração do Ensino
Médio e Profissional possibilitam uma perspectiva
emancipadora/emancipatória, respeitando a diversidade brasileira
segundo Frigotto et alii (2004, p.14).
Aos educadores, e em essência aos educadores formadores de
educadores, cabe a responsabilidade de definir uma concepção de
educação para a emancipação do homem e a sociedade nesse contexto
de contradições existentes, onde não se promova a adaptação, mas a
problematização da realidade e dos conteúdos na busca das
possibilidades de superação.
De outro lado, enquanto as disciplinas de fundamentação optam
por uma linha com base no materialismo histórico e pedagogia
histórico-crítica, esta não é uma realidade presente no
encaminhamento de Prática de Ensino em sua totalidade, mas se
apresenta de forma esparsa. A intenção é promover uma discussão
desta questão, e avançar neste sentido quanto à condução da Prática
6 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.7 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.
de Ensino, que deve ser focada numa perspectiva que possibilite a
definição de uma consciência da prática que leve à procura de
conhecimento teórico possibilitando um refazer-repensar. “A tomada
de consciência sobre essa prática deve levar o professor e os alunos à
busca do conhecimento teórico que ilumine e possibilite refletir sobre
seu fazer prático cotidiano” (GASPARIN, 2005, p. 6).
2. Especificidade da educação escolar
Qual é a especificidade da educação escolar? Qual é a
especificidade da educação pública escolar? Pensar a formação de
professores exige discutir o entendimento da especificiadade da
educação pública, uma vez que esta está posta para atender todo
cidadão, mas de uma forma especial na educação brasileira, aos filhos
da classe trabalhadora. Tratar da formação de professores exige pensar
essa questão, sobretudo quando das temáticas dea. A perspectiva aqui
proposta, fundamentando um projeto de pessoa, cidadão e sociedade
opta pela resposta dada por Saviani (1992, p. 19-30). Compreender a
natureza da educação exige compreender a natureza do homem: o homem
é uma produção contínua. Na medida em que transforma a natureza,
exerce uma atividade intencional que recebe o nome de trabalho. Essa
transformação leva à transformação do homem. O trabalho nasce da
necessidade de sobrevivência diante do desafio de transformação da
natureza. Esse processo gera cultura. A educação situa-se como
exigência do trabalho: é um trabalho. É uma ação intencional que
provoca transformações. A necessidade de produzir a subsistência
material gera a produção material, que, por sua vez gera a antecipação da
produção/ação. Essa antecipação é a representação mental que se gera a
partir do conhecimento / ciência do mundo real que, por sua vez gera
posicionamento (valoração/ética) e produz uma simbologia (uma forma de
expressar-se). A produção material gera uma produção não-material:
conceitos, idéias, valores, dentre outros.
Este não é um questionamento novo. A escola vivencia já há um
bom tempo um processo de esvaziamento de conhecimentos científicos.
Consequentemente este vácuo está sendo preenchido com bandeiras
temporárias de governos; superficialidades e frivolidades por conta de
professores maus constituídos do ponto de vista do saber científico e
das possibilidades da metodologia de ensinar e de aprender;
responsabilização por papéis que deturpam tal razão específica de ser.
Diante deste quadro, mais do que nunca se tem constituído numa
escola como aparelho ideológico do Estado, da sociedade e
particularmente da mídia. A formação de professores, por exemplo,
assumido essa superficialidade na medida em que se abre mão do
conhecimento científico e se perde em programas de auto-ajuda e
concepções de que sua missão seria salvar o mundo da falta de ética e
de amor. Decididamente, escola não é lugar de formação para o amor
quando o maior sinal de desamor se expressa na desigualdade social
que é estrutural na falta de compromisso com o saber científico que os
meninos e meninas deveriam apreender para poder construírem novos
conhecimentos no enfrentamento de problemas e dificuldades. Sem
esse compromisso com a ciência a escola não cumpre o seu fim de
ensinar a pensar corretamente, o seja, a pensar com observação
experimental, de forma organizada e metódica.
Uma pseudo-concepção de escola nova tem se instalado nas
escolas brasileiras, constatação que apontam pesquisas acadêmicas e
observação participante não sistematizada nestes anos de profissão.
Não é um fenômeno novo, nos anos de 1890, o Dr. Caetano de Campos
já afirmava esta preocupação quando então era diretor da Escola
Normal do primeiro governo republicano paulista (governador Dr.
Prudente de Moraes).
Não há (sic) ‘ordem’, não ha ‘progresso’ onde a anarquia mental, direi melhor, onde a selvageria da ignorancia(sic) imperar em absoluto, sob o pretexto de que cada um tem o direito de não aprender, ou de só aprender o que ele, ignorante, julga preciso (in MOACYR, 1942, p.90).
Descontextualizamos a afirmativa que pelo autor é usada para
tratar das dificuldades inerentes ao seu tempo quando se pensava que
ofertando a escola públicas das primeiras letras se estavam fazendo
muito, não sendo necessária a oferta dos patamares superiores do
ensino onde se privilegiaria o enfoque científico. Mesmo assim, seu
posicionamento não é de todo inadequado ao que aqui tratamos.
Tratar da formação de professores exige pensar essa questão,
sobretudo quando das temáticas de Prática de Ensino. Em nossa
perspectiva, fundamentando um projeto de pessoa, cidadão e sociedade
optamos pela resposta dada por Saviani (1992, p. 19-30). Compreender
a natureza da educação exige compreender a natureza do homem: o
homem é uma produção contínua. Na medida em que transforma a
natureza, exerce uma atividade intencional que recebe o nome de
trabalho. Essa transformação leva à transformação do homem. O trabalho
nasce da necessidade de sobrevivência diante do desafio de
transformação da natureza. Esse processo gera cultura. A educação
situa-se como exigência do trabalho: é um trabalho. É uma ação
intencional que provoca transformações. A necessidade de produzir a
subsistência material gera a produção material, que, por sua vez gera a
antecipação da produção/ação. Essa antecipação é a representação
mental que se gera a partir do conhecimento / ciência do mundo real que,
por sua vez gera posicionamento (valoração/ética) e produz uma
simbologia (uma forma de expressar-se). A produção material gera uma
produção não-material: conceitos, idéias, valores, dentre outros.
Pensar a educação como ensino exige não separar produto e
produtor. A educação é uma atividade produtiva não-material na qual
não se pode separar produtor do consumo. A produção não-material
interessa à educação como necessária aos homens para a constituição
da natureza humana. Por isso a educação tem como uma de suas
funções a identificação dos elementos culturais que devem ser
assimilados para humanizar os homens, e outra função tão fundamental
quanto essa é identificar as formas de como realizar essa tarefa. Entre o
que é essencial e o acidental é importante a noção de "clássico" na
escolha dos conteúdos. O que se deve entender como clássico? Aquilo
que garante o acesso aos elementos da humanização. Aqui está o ponto
que define o papel específico da escola e da educação: a socialização
do saber sistematizado. O conhecimento científico, elaborado, deve
superar o conhecimento espontâneo; o conhecimento sistematizado deve
superar o conhecimento fragmentado, a cultura erudita deve fazer
avançar o conhecimento popular. A função da educação escolar não é a
doxa (opinião cotidiana) nem a sofia enquanto experiência de vida, mas
o conhecimento metódico e sistematizado (episteme).
O que justifica a existência da escola? A apropriação do
conhecimento sistematizado e de forma metódica pelas novas gerações.
É função da escola possibilitar a aquisição dos instrumentos de acesso
a rudimentos do saber sistematizado (cultura erudita = letrada):
aprender a ler e escrever, aprender a linguagem dos números, aprender
a linguagem da natureza; aprender a linguagem da sociedade. Sem o
acesso ao saber sistematizado fica comprometida a democratização. Nesse
processo de esclarecimento é necessário repensar o conceito de
currículo assumido. Muitos conceitos justificam um elenco de
atividades, justificam fazer de tudo, menos a função específica da
escola: transmissão / assimilação de conhecimentos sistematizados.
Atividades extra-curriculares, por exemplo, só têm sentido se
enriquecem as atividades curriculares (o conhecimento sistematizado).
Do contrário serão sempre atividades alheias à função da escola.
A função principal da escola é passar do romantismo para o clássico,
para o racional, para o que permanece, para o que resiste ao tempo e à
discussão. O que seria o clássico na escola? A transmissão-assimilação
do saber sistematizado, bem como a organização de métodos que o
tenham como meta. Nesta perspectiva, currículo é a escola desenvolvendo
a função que lhe é própria. No exercício do que lhe é próprio, a escola
deve definir o "saber escolar": a organização da dosagem e da
sequência com que se deve trabalhar o saber sistematizado (científico)
para que possa ser transmitido e assimilado. O descompasso com essa
missão explica os equívocos da Escola Nova e a decadência da Escola
Tradicional. No processo de humanização do homem, a liberdade depende
de certos domínios, de certos mecanismos, de concentração e esforço que
sempre antecedem a automatização (exemplo do dirigir). Dominar
mecanismos de linguagem escrita e oral exigem a integração ao nosso
ser de certas formas básicas (internalização): aprender é hábito,
disposição permanente, processo deliberado e sistematizado, que exige
insistência e persistência. Quais são os elementos culturais dos quais não
podemos abrir mão para que se possa contribuir com a humanização dos
homens? O que deve ser essencial em educação? O que é acidental? O que
existe de conhecimento sistematizado e metódico na educação escolar?
3. Educação na perspectiva de análise histórico-crítica
A formação de professores é um problema sociológico que deve
se basear na formação da dimensão política e científica, com
supremacia da segunda. No Estado do Paraná, a opção por uma sólida
formação a partir do materialismo histórico como origem de teorias do
conhecimento fundamentadas no trabalho como princípio educativo, na
práxis como princípio curricular e no direito da criança a uma escola
de qualidade social, demanda aprofundar a compreensão destas
categorias de análise no curso de Formação de Professores.
O que é ter o trabalho como princípio educativo? É conceber
o trabalho como presente na definição ontológica do ser humano. É
assumir o trabalho como uma produção histórica, portanto pertencente
à definição de homem: o que caracteriza o humano é a criação das
condições materiais e específicas da existência. A educação é um
trabalho, uma realização histórica, marcada pela possibilidade de
reprodução e transformação social. Sendo a emancipação um dos
objetivos da educação, isso se dá na produção e apropriação coletiva
dos saberes. Educar é libertar tudo o que impede a existência do ser
criativo e reflexivo.
O conhecimento para o materialismo histórico é fruto da relação entre o homem e a natureza, e, das relações
sociais mais amplas. As forças sociais que se materializam em instituições, grupos, formas de pensar e interpretar o mundo são a base sobre a qual criam-se os instrumentos de apreensão dos fenômenos naturais e sociais. Quando afirmamos que o trabalho é o princípio educativo que orienta o currículo, estamos dizendo que compreendemos essa produção histórica como parte da totalidade trabalho, no sentido ontológico, ou seja, elemento pertencente ao ser humano. Ser humano significa que criamos para viver e sobreviver. Criamos as condições materiais e espirituais de nossa existência. (SILVA, 2003, 13).
Consciência do trabalho como processo de construção intelectual,
social e histórica é compromisso com o direcionamento e construção de
um homem autônomo e social. Na construção da dimensão humana,
trabalho é uma necessidade para a sobrevivência consciente e a
liberdade. O trabalho é elemento constitutivo, fundante, na definição
da realidade da essência humana (um ser que constrói e constrói-se
permanentemente). No trabalho se faz presente na dimensão educativa
da criação e da recriação econômica, cultural, de respostas às
necessidades de cada tempo e lugar.
Nesta concepção de trabalho o mesmo se constitui em direito e dever e engendra um princípio formativo ou educativo. O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza e, portanto, têm necessidade de alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida. É fundamental socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência e outras esferas da vida pelo trabalho, é comum a todos os seres humanos, evitando-se desta forma, criar indivíduos ou grupos que exploram e vivem do trabalho dos outros. (FRIGOTTO, 2005, 3)
O que é ter a práxis como princípio curricular? É pensar a
elaboração e reelaboração da realidade (pensar a existência humana)
como uma atividade humana e social demarcada pelo contexto
histórico. Daí a necessidade de constante reelaboração teórica e
material da prática docente.
[...] Pensar a práxis como princípio curricular significa...
comprometer-se com a transformação da realidade da educação: ensino médio, formação de professores, educação infantil e ensino fundamental. O objetivo é tornar as práticas docentes como objetos de estudo e de transformação da realidade educativa... Contudo, o esforço deverá ser no sentido de configurarmos um espaço educativo que leve a essa compreensão e ação da superação da realidade.” (SILVA, 2003, 15).
O conceito de práxis ultrapassa a definição de prática: é ação
mediatizada/refletida e intencional; constituída de valores escolhidos
por um homem histórico. É um agir intencional, com desejo de
transformação. Em se tratando da educação, e especificamente da
educação de professores é preciso pensar uma teoria dialética do
conhecimento, na qual o processo de conhecimento tem como ponto de
partida a prática social. É a teoria em função do conhecimento
científico da prática social que serve como guia para ações
transformadoras.
Se a teoria dialética do conhecimento afirma que; 1º o processo de conhecimento tem como ponto de partida a prática social; 2º a teoria está em função do conhecimento científico da prática social e serve com o guia para ações transformadoras e 3º a prática social é o critério de verdade e o fim último de todo processo cognitivo, a concepção metodológica dialética adota o mesmo paradigmas, qual seja – 1º) partir da prática; 2º) teorizar sobre ela e 3º) voltar à prática para transformá-la. (CORAZZA apud GASPARIN, 2005, p. 6)
O que é o direito da criança ao atendimento escolar? É um
direito social (por isso, um compromisso com as classes trabalhadoras/
populares) a uma escola de qualidade social e um dever do Estado que
impõe a responsabilidade deste na formação intelectual adequada do
professor (aquele que constrói consciência do projeto educacional e
participa de sua elaboração). As crianças das classes trabalhadoras
“têm direitos sociais que devem ser respeitados; para que isso
aconteça é preciso que haja uma rede de escolas e professores com
formação adequada para garantir a socialização dos saberes, condição
para a emancipação dessas crianças e de suas classes sociais.” (SILVA,
2003, 16).
Num histórico processo de fragilização da educação, as novas
demandas sociais aparecem como uma reação importante evidenciada
na luta das classes trabalhadoras. É certo que a escola não faz
transformação social por si e a partir do que faz em sua especificidade.
Entretanto, transformação social só será promissora e sólida com o
acesso ao saber científico, social e historicamente construído, elemento
fundamental às conquistas no processo. Negar o acesso a um saber
com tal qualidade é comprometer o futuro da luta da classe
trabalhadora, e dos excluídos.
Sendo o aprender uma condição definidora do homem
(CHARLOT, 2000), este é o único ser entregue a si mesmo num mundo
pré-existente. Não está entregue à natureza como constituição e
definição de seu ser; daí que a construção do saber e da relação com os
saberes é específica no sujeito e seus contextos. Por essência o homem
precisa aprender. É uma questão de sobrevivência, de sobrevivência de
existência. Aprender é condição humana para existir. É no processo do
aprender que o homem é inserido no mundo humano pré-existente. Ele
é o único ser cuja existência está entregue a ele mesmo. A
aprendizagem do ser humano é uma condição de temporalidade que se
define a partir de situações, influências e necessidades. Aprender é
uma exigência da condição humana em um tempo determinado que só
é possível em função de um passado. O humano sobrevive muito mais
em função do passado do que do futuro. O próprio processo do futuro
depende da dinâmica da relação com o passado. Não existe ensinar e
aprender sem essa dimensão do passado, sem a mediação com o
passado, portanto sem o envolvimento do aluno, que é sempre mediado
e determinado em um contexto de espaço e tempo. O processo do
aprender e conseqüentemente a produção dos saberes escolares (do
processo, do conteúdo, do entendimento da função e especificidade da
disciplina) na sua relação com os múltiplos saberes que se fazem
presentes na realidade social e educacional, por professores e alunos, é
complexo e contínuo que exige consentimento entendido como desejo.
Aprender e produzir saberes envolve opção por fazê-lo. Daí vem a
interrogação: de onde e como surge esse desejo? É possível provocá-lo,
instigá-lo? É possível despertar esse desejo? Quais os desejos que são
provocados por uma opção histórico-crítica? Quais são os desejos
provocados pela proposta de desescolarização (pedagogia do aprender
a aprender)?
Considerar que aprender exige desejo para, nos coloca diante de
uma encruzilhada existencial para a educação escolar. A de que, no
mínimo, ela não pode ou não deveria ser imposição. De outro lado, se é
obrigação do conjunto humano garantir a sobrevivência da humanidade
através da transmissão de saberes constituídos, como processar isso
quanto à necessidade de desejo? Se uma das finalidades da educação é
levar o aluno a produzir conhecimento, a existência do desejo se
apresenta como pré-condição. A experiência mostra que esta pré-
condição nem sempre se faz presente; indaga-se: como se deverá agir?
Será possível produzir conhecimentos e saberes e transmiti-los? Será
correto afirmar que se transmite conhecimento? Não seria melhor falar
em transmissão de informação? E estes termos não seriam só uma
manipulação lingüística de vocábulos? Não seriam a mesma coisa?
Não, se o entendimento em questão for o de inteligibilidade,
aclaramento, comunicabilidade, conjunto de relações. Parece, então,
que o que escola tem feito é transmitir informação e não conhecimento
em forma de saberes. Saberes dizem respeito a uma condição de
reflexão, o que dependeria da vontade (desejo) a produção de saber ou
transmissão-assimilação de informação? É possível fazer o aluno
produzir conhecimento?
Isso faz pensar na temática dos saberes significativos ao
aluno? O que é isso? Como deve ser pensada esta relação significativa?
Ou a aprendizagem seria uma atividade solitária? O perguntar pelo
conteúdo significativo envolve pensar no fundo teórico que precisa
estar claro, uma vez que gera a pergunta e encaminha a resposta. É
significativo em que bases?
O ato de aprender tem sido submetido a teorias e propostas as
mais variadas, e com muita facilidade os responsáveis pela educação
têm embarcado em propostas diversas e contraditórias. Contraditórias,
sobretudo, no que concerne ao entendimento da especificidade da
escola pública. O professor tendo sido vítima, mas ao se descobrir
vítima precisa pensar-se como agente da história. O professor precisa
entender-se como “gerenciador” de condições do trabalho educativo
que leve os educandos ao encontro das competências de que precisa,
não aquelas que estão definidas nos manuais e na oficialidade. È na
sala de aula que acabam sendo processadas ou não aquelas ações que
permitirão ou não o aprimoramento do ato do aprender e das relações
do aprender. Contribuição que não pode ser entendida de forma
isolada, mas que socialmente estará sempre agregada a outras
influências e circunstâncias que permitirão a valorização e o
reconhecimento da diversidade das influências presentes no processo
educativo.
Um dos problemas da educação a ser enfrentado é exatamente o
das modalidades, dos tipos de relação com o saber. Qual o tipo de
relação que interessa? Qual tipo de relação está sendo evidenciado nas
práticas educativas escolares? Causadora de prazer? Provocadora de
sentido e desejo? As respostas demandam conseqüências pedagógicas
decisivas. O que não se pode esquecer é que a “a função central da
escola é instruir, mas ela participa da educação e é também um espaço
de vida” (CHARLOT, 2000, p.67). Não pode deixar perder de vista na
ação pedagógica que o aprendizado envolve relações entre pessoas de
gerações e perspectivas diferenciadas (importância de investir no
relacionamento), momentos históricos e lugares específicos (que não
possuem a mesma lógica e a mesma perspectiva). A relação com o
saber não tem expressão única, mas diversificada porque plural,
situada, histórica, temporal; depende do sujeito desejante, sem ele não
há relação com o saber. Para que apareça o desejo, o saber precisa ter
significação como valoração (importância positiva ou negativa) e como
significação (entendimento: saber do que se trata, aprender)
(CHARLOT, 2000, p. 82). As pessoas aprendem de forma diferente e
coisas diferentes, mesmo quando são as mesmas coisas, por causa da
singularidade.
4. Elementos para pensar a práxis como princípio curricular.
No fundamento da Prática de Ensino a partir da concepção da
práxis como princípio curricular para se conceber e assumir o trabalho
como princípio educativo, e a convicção profissional e sócio-política do
direito da criança ao atendimento escolar demandam-se o
enfrentamento dos seguintes elementos:
a) O esclarecimento do conceito de currículo. O que entender
por currículo e como o construir no cotidiano escolar? Em tempos atuais
existe um medo generalizado em entender currículo com aquilo que
está escrito. É claro que se deve entender como todo o conjunto de
relações (conteúdos / pessoas / valores / fundamentação teórica: o que,
por que e para quem?) que de forma consciente ou inconsciente
perpassam a realidade escolar. Seguir tendências e modelos tem sido a
tônica, o que não exige reflexão. A reflexão é o momento gerador de
toda prática pedagógica que se quer consciente. Faz-se necessária
investigação de toda e qualquer proposta curricular, utilizando os
fundamentos da educação. O professor consciente de sua prática
deverá levar em consideração o currículo em suas múltiplas facetas,
sabendo a quem interessa realmente os currículos formais e as
conseqüências de tais práticas no currículo em ação.
b) A definição da especificidade da escola pública. Qual saber
deve a escola difundir? Como, a quem, e por quê? Numa perspectiva da
práxis, o saber científico e filosófico. Conhecimentos racionais (que
permitem atitude interrogante do sentido das coisas e do próprio
homem). Conhecendo as nós mesmos (nossas limitações, nossas
fraquezas, nossas acomodações, nossos potenciais, etc.), nossos alunos,
e, sobretudo nosso conteúdo. É preciso romper com a crença comum
de que o que importa é o método. A todos os que vêm até a escola para
aprender, mesmo que expressem que querem outras coisas. Por quê?
Porque um direito (que ainda não sabe e não tem clareza) aprender o
saber produzindo pela humanidade.
Daí a essencialidade da retomada de determinados instrumentos
no processo escolar, como: uma memória que possibilite a
autoconsciência do entendimento; a inteligência entendida como
abertura ao entendimento conhecimento; vontade como disposição
permanente para entender e estudar; a autonomia que esvazia do
determinismo, mas que também não significa o que bem quiser; a
abertura ao conhecimento verdadeiro (amor pelo conhecimento); o
amor pelo enriquecimento do outro (conhecer os alunos, conhecer e
acreditar em suas capacidades, ter como finalidade o que lhe falta); o
esforço de paciência (entender o tempo do outro); o esforço de
exigência (não ser superficial e jamais se contentar que alunos sejam
superficiais); o esforço de constância (ser metódico e coerente); o
esforço da humildade (contribuir para que o outro cresça). O saber
escolar é um recorte dos conteúdos científicos, organizados para
situações de aprendizagem, sendo assim os conteúdos precedem os
métodos eleitos, visto suas especificidades. Com relação aos conteúdos
escolares é importante levar em consideração o que a sociedade espera
da escola, que não é diferente da aquisição de conteúdos para melhoria
qualitativa de suas vidas.
c) Equilíbrio no respeito ao pluralismo de idéias e
concepções. É muito importante a manifestação do pluralismo de
idéias e concepções pedagógicas, mas que elas não negligenciem a
postura quanto ao conteúdo, sobretudo, que também se tenha a certeza
da linha teórica para não se perder no ecletismo. O qual foi banalizado
pela pedagogia da existência, no escolanovismo e mais tarde nas
concepções tecnicistas e neoliberais, por acreditarem que o conteúdo é
apenas uma convenção cultural. Assumir uma Pedagogia Histórico -
critica, não permite reproduzir o discurso da sociedade como se
encontra, nem acreditar que o psicologismo vai redimir a escola e a
sociedade, mas partir para a dialogicidade das questões sociais; então
os conteúdos relevantes que devem ser apropriados são os que buscam
superar as problemáticas da prática social. Apesar de os pais não
saberem expressar tão bem, é claro que querem conteúdos ricos, para
seus filhos, por parte da escola pública. Neste caso, quando os alunos
percebem a relação dos conteúdos escolares para a sua emancipação,
fora vencido sua alienação. Daí a importância do papel do educador.
Um posicionamento crítico precisa ter clareza de que muitos pseudo-
conteúdos amorosos na educação escondem e mascaram a verdadeira
função da escola. E no caso da escola pública não se pode continuar
negligenciando a sua função mais específica: ensinar o conteúdo
sociamente produzido e que acaba sendo apropriado por uma minoria e
distribuído aos filhos de trabalhadores na forma de conta-gotas. Tal
situação impede qualquer projeto de uma sociedade mais humana e
mais justa. Precisamos construir uma escola realmente pública. E neste
sentido só pode ser pública uma escola que responda aos
questionamentos feitos (Qual saber deve a escola difundir? Como, a quem,
e por quê?) de forma realmente a contribuir com a possibilidade de
superação da concentração do saber que só privilegia quem já concentra os
meios e os bens de produção.
d) Clareza da fundamentação teórica. Até que ponto se tem
clareza teórica das opções que se faz? Em geral essa clareza é ausente.
Existe, mas parece ser uma raridade. As pessoas da educação são
levadas a nivelarem arcabouços teóricos que são contraditórios (pensar
que tudo é igual). Por exemplo, durante muito tempo o professor foi
induzido a pensar e dizer que Vygostsky e Piaget são semelhantes,
complementares, quando não iguais, em suas proposições teóricas. E
na verdade são totalmente antagônicos. Seus fundamentos filosóficos
definem concepções de homem, de economia, de sociedade, e de
escola, totalmente diferentes. Os professores têm sido vitimados pelas
facilidades do pronto, mas outros elementos o contribuem para tal
situação: deficiência na formação, não gosto pela leitura/estudos,
improvisação de conteúdos e métodos.
e) Envolvimento na definição de conteúdos. Como são
definidos os conteúdos no Planejamento das nossas escolas? Quem os
discute? Como deveriam ser escolhidos e discutidos? Na verdade, não
ficaram claro na cabeça dos educadores suas funções profissionais, as
quais contemplam a reflexão pedagógica, o planejamento real, ainda
continuam nas posturas da tendência tecnicista, onde o conteúdo
deveria ter caráter oficial, elaborado por técnicos supostamente
preparados. Assim o papel do professor seria também um técnico em
aplicação de conteúdos. O desfio está em transformar essa
mentalidade, para que o professor adquira o status de pesquisador
ativo que promova mudanças significativas em sua ação pedagógica e
do grupo a qual pertence. Não podemos esquecer os interesses da
mantenedora. Os conteúdos deveriam ser escolhidos e discutidos pelos
professores. A equipe pedagógica, com base na perspectiva PPP da
escola deve tomar coragem e questionar junto aos professores a
escolha dos conteúdos. Eles devem ser escolhidos com base no coletivo
da escola, e não se pode esquecer que o coletivo da escola se expressa
nas definições do PPP. Há necessidade de ir construindo uma postura e
compromisso nesse sentido.
f) Superação do senso comum pedagógico. Fazemos um
balanço dos pre-conceitos, dos julgamentos precipitados e do senso
comum que ocorrem nas nossas escolas? Como nossas escolas se
posicionam perante tais situações? Normalmente não se discute a fundo as
questões. No lugar da busca da radicalidade (raiz das coisas)
preferimos as respostas do senso comum ou o não envolvimento.
Adapta-se e acostuma ao senso comum, visto que na maior parte das
situações não nos vemos como capazes de produzir conhecimentos
acreditamos que existe alguém pago para pensar e outros para
executar tarefas. O professor historicamente sempre foi desencorajado
ao questionamento, à não discutir a fundo as questões. Isto também se
deve ao tipo de gestão, a qual se manifesta sobre a forma do
autoritarismo. O senso comum acalma os ânimos e condiciona a
permanência e não ao enfrentamento das problemáticas.
g) Articulação coletiva do processo educativo e escolar.
Como articular os desejos individuais de mudança para se tornarem
realmente coletivos? O que é um projeto de escola? Com ele está
vinculado a um projeto Sociedade? Não se render ao comodismo. Insistir
nos momentos coletivos, sobretudo, de estudo e definição do projeto de
escola (assumir de forma consciente e engajada a constituição
curricular da escola: conteúdo, comportamento, valores, filosofia,
ideologia). Articular a um projeto de sociedade que questione as
estruturas sociais, as condições de vida, o acesso ao saber e aos bens
econômicos. Tendo compromisso com o conteúdo científico e filosófico
produzido e sistematizado pela sociedade. As discussões pedagógicas
em termos de formação continuada apontam para propiciá-la de forma
não estanque, onde se tenha acompanhamento responsável por parte
dos órgãos mantenedores para sua efetiva realização.
h) Conscientização política dos formadores. O que precisa
acontecer para que a Escola Pública garanta um maior padrão de
conscientização política (ensino de qualidade para todos os sujeitos
escolares)? Para enfrentar o que a questão acima propõe a escola (aos
que a compõe) urge uma avaliação desinteressada (não corporativista)
de si mesma e do trabalho docente. Partir dos resultados obtidos e
rever a prática. À sociedade, ao governo e a nós mesmos: não tratar a
docência como trabalho de segunda categoria. À Sociedade e ao
governo: não remunerar de forma deficiente, oportunizar acesso ao
conhecimento científico e filosófico. Há trabalho nesse sentido sendo
construído. A questão da conscientização política do educador faz-se
necessária no momento que se entende, como a compreensão de sua
verdadeira função, a qual propiciaria através do ensino, possibilidade
de transformação social para uma sociedade verdadeiramente justa e
fraterna. A questão política na escola deve ser vista com bastante
cuidado e exige muita atenção. O maior papel político do educador é
garantir o ensino dos conteúdos ricos ao aluno, que não terá
possibilidade fora da escola, principalmente em se tratando da escola
pública.
4. Conclusão
A educação, em qualquer lugar, época ou instância (familiar,
escolar governamental, escolar, particular), mas, sobretudo, a
sistemática escolar, sempre estará comprometida com este ou aquele
projeto de história, de homem, de sociedade, de pessoa. Ela nunca será
neutra. Portanto, se a educação quer cumprir uma função na
construção da cidadania, não pode negligenciar tal realidade.
Conscientes ou não, educadores cumprem uma função política porque
a educação o é. Negar ou conquistar a cidadania tem relação direta
com o conteúdo que se oferece aos estudantes.
Neste sentido, é que acreditamos que tudo o que se afirmou
acima pode ser colocado dentro da indagação de SAVIANI (apud
Bicudo, 1996): O que é necessário alguém saber para se constituir,
converter em professor? Saber atitudinal, saber crítico-contextual,
saber específico, saber pedagógico, saber didático. Na formação de
professores para a escola pública deve-se contribuir para que os
professorandos sejam iniciados, de forma sistemática, na construção de
tais saberes, de forma que essa seja uma busca que se prolongue por
toda uma vida profissional.
Atitudinal “compreende o domínio dos comportamentos e
vivências consideradas adequadas ao trabalho educativo. [...]
competências que se prendem à identidade e conformam a
personalidade do educador, mas que são objeto de formação por
processos tanto espontâneos, como deliberados e sistemáticos” (p.
148). A mediação aqui inerente ao professor é a questão ética,
sobretudo quanto ao direito do aluno da escola pública ao
conhecimento decididamente relevante, que adquire qualidade de
significativo exatamente pela sua relevância na compreensão do
processo social humano. A especificidade da função da escola pública
deve ser o conhecimento científico e filosófico que a humanidade
produziu, produz, está produzindo e produzirá.
O crítico-contextual envolve o saber relativo à compreensão das
condições sócio-históricas que determinam a tarefa educativa. É a
dimensão da prática social inicial, ou seja, o contexto no qual se dá a
práxis educativa. O Contexto é o da prática social do capitalismo, onde
poucos detém os meios de produção e os demais são os trabalhadores e
os excluídos. Pensar o contexto prática social é pensar basicamente a
dinâmica excludente da realidade. E a partir daí responder que
conteúdos os alunos precisam dominar para o enfrentamento desta
situação. Com certeza uma compreensão devidamente fundamentada
não permitirá a superficialização do conhecimento a ser ensinado.
Demanda, por exemplo, conhecer história da educação de forma mais
profunda. Sem isso não poderá o professor perscrutar os caminhos de
manipulação de processo educacional a serviço de interesses que não
são coletivos, que não tem compromisso com a verdadeira
democratização do conhecimento. O saber crítico-contextual permitirá
ao professor a diferença fundamental entre democratização do acesso e
democratização do conhecimento.
No específico “incluem-se os saberes correspondentes às
disciplinas em que se recorta o conhecimento socialmente produzido e
que integram os currículos escolares – sejam elas oriundas das ciências
da natureza, das ciências humanas, das artes ou das técnicas ou de
outras modalidades” (149). O que demandará, na linha da reflexão até
aqui conduzida, compromisso com a instrução, com o ensino, com a
transmissão Ao professor cabe o compromisso ético de saber o
conteúdo específico de sua disciplina, e ao Estado selecionar de forma
coerente os profissionais. Escola virou lugar de leilão e não de
conhecimento específico na hora da escolha de professores, sobretudo
no caso dos professores temporários, no Paraná estes são conhecidos
como PSS. Quando falta o conhecimento específico (aquilo que o
professor deve saber) não há didática e pedagogia que dê jeito.
Ao saber pedagógico “se incluem os conhecimentos produzidos
pelas ciências da educação e sintetizados nas teorias educacionais,
visando a articular os fundamentos da educação com as orientações
que se imprimem ao trabalho educativo” (p.149); enquanto no didático-
curricular “compreendem-se os conhecimentos relativos às formas de
organização e realização da atividade educativa no âmbito da relação
educado-educando. [...] é o domínio do saber-fazer” (p.149). O
pedagógico deve garantir o direito das crianças e adolescentes
oriundos das classes sociais trabalhadoras e dos imensos grupos
excluídos o acesso ao conhecimento, sem ceder ao discurso
tendencioso de que não conseguem aprender.
Enquanto no saber didático – Curricular “compreendem-se os
conhecimentos relativos às formas de organização e realização da
atividade educativa no âmbito da relação educado-educando. [...] é o
domínio da saber-fazer” (p.149). É preciso estudar o outro: como ele
aprende, como ele processa a informação. Não um “saber-fazer”
qualquer do professor, mas um fazer pedagógico comprometido com o
aprender do e pelo aluno. Dada a sua relevância no processo o saber
didático nunca é algo pronto, mas um saber o qual o professor deve
constantemente buscar. Um bom professor não se faz sem saber
didático. A percepção dos alunos denuncia esta inoperância todo dia
nas tantas vezes que afirma: “professor fulano sabe muito, mas não
consegue ensinar”.
Nenhuma ação educativa escolar por parte do professor é isenta
de posicionamentos. Da mesma forma não é orientação pedagógica
assumida pelo professor, de forma consciente ou levado pela onda do
momento, que tem compromisso com a democratização do
conhecimento. Como pode estar a serviço da democratização do
conhecimento direcionamentos pedagógicos que insistem em colocar o
conhecimento científico e filosófico em segundo plano e ficam
patinando no senso comum e naquilo que o aluno já sabe. O campo do
ensino da história é carregado de ações nas quais os alunos ficam
meses e meses estudando aquilo que já conhecem: o bairro onde
moram, onde circulam todo dia. Isso é um “significativo” que não é
relevante. Aquilo que o menino pode aprender de outra forma não é
substancial no trabalho da escola.
Sem estes saberes não se consegue fazer da práxis um princípio
curricular que permita vivenciar o trabalho como princípio educativo,
no enfrentamento do direito da criança ao atendimento escolar, não se
faz professor. A Formação de Professores não pode continuar formando
profissionais que acreditam que a transmissão de conhecimento
(ensinar) é um crime e que o aprender é uma questão só de interesses.
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