Post on 17-Jan-2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes – CCHLA
Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA
Campus I – João Pessoa/PB
Etnografando índios na cidade: Uma descrição metodológica num contexto urbano sobre os
índios na cidade.
Jamerson Bezerra Lucena1
1 Formado em Administração e mestrando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação da UFPB.
Resumo: Este artigo apresenta uma metodologia etnográfica sobre os indígenas Potiguara que
vivem na cidade de João Pessoa, e busca identificar como eles constroem suas redes de
relações sociais na cidade e consequentemente a sua interação com a aldeia, pois as suas
famílias, seus descendentes continuam vivendo na aldeia. Sendo assim, o trabalho parte da
história dos índios Potiguara no litoral norte da Paraíba e o deslocamento ou circulação de
indígenas que vieram construir suas vidas na capital da Paraíba. Focaliza os indígenas
vivendo no contexto urbano, além de demonstrar uma harmonia com os trabalhos etnográficos
de Mariana Ciavatta Pantoja, Os Milton: cem anos de história nos seringais e também do
antropólogo José Miguel de Nieto Olivar, Devir puta: Políticas de prostituição de rua na
experiência de quatro mulheres militantes. Também apresento conceitos relacionados à
Identidade étnica e seus desdobramentos que são utilizados para fundamentar cientificamente
a discussão e em seguida fazer uma reflexão sobre como fazer um trabalho de campo que
traga legitimidade, mas que não procure enveredar num sentido militante durante o trabalho
de campo até a conclusão da sua tese.
Palavras-chave: Indígenas na cidade; Identidade Étnica. Procedimentos metodológicos.
Abstract: This paper presents an ethnographic methodology on Potiguara indigenous people
living in the city of João Pessoa, and seeks to identify how they build their networks of social
relations in the city and hence its interaction with the village, for their families, their
descendants still live in village. Thus, the work of the history of Potiguara Indians on the
northern coast of Paraíba and the displacement or movement of Indians who came to build
their lives in the capital of Paraiba. Focuses on the indigenous living in the urban context, and
demonstrate a harmony with the ethnographic work of Mariana Ciavatta Pantoja, The Milton
hundred years of history in the rubber and also the anthropologist José Miguel Nieto Olivar,
Becoming a bitch: street prostitution policies in experience of four women activists. Also
present concepts related to ethnic identity and its consequences that are used as scientific
basis for the discussion and then to reflect on how to do field work to bring legitimacy, but try
not to go down a militant sense during the fieldwork to completion of his thesis.
Key-words: Indigenous in the city; Ethnic identity. Methodological procedures.
2015
1
INTRODUÇÃO
A princípio gostaria de esclarecer como foi que me aproximei, conheci os índios
Potiguara que vivem no litoral norte da Paraíba, e consequentemente o meu interesse em
estudar essa etnia indígena. Em primeiro lugar eu tive contato com os índios Potiguara
quando comecei a trabalhar na FUNAI em João Pessoa, capital do estado da Paraíba no início
do ano de 2010 como estagiário vinculado ao meu curso de graduação em Administração. A
partir desse período de estágio que durou aproximadamente 02 (dois) anos, percebi processos
de natureza política/administrativa, cujos impactos sobre o povo indígena Potiguara despertou
minha atenção. E foi por meio dessa relação de estágio com a FUNAI que comecei a me
deparar com esses processos de natureza administrativa e política, o que me despertou a
curiosidade, o interesse em entender e conhecer melhor esses processos que envolvem
indígenas e indigenistas desse órgão federal de assistência aos índios. Outro dado que me
chamou a atenção na época foi o trânsito de índios Potiguara que trabalham, estudam e vivem
na cidade de João Pessoa e que mantinham (e ainda mantém) contato com a FUNAI, e
também com suas aldeias no litoral norte do estado paraibano que ficam a 90 km da capital da
Paraíba.
Passados esses anos e inserido meus estudos na área de Antropologia consigo refletir
sob um olhar antropológico as relações sociais entre indígenas e atores externos que fazem
parte de ações sociais que são utilizadas, nesse caso, no contexto urbano a fim de alcançar
seus objetivos, sejam eles particulares ou direcionados a sua comunidade indígena. Analisar a
situação social, as inter-relações da etnia indígena Potiguara presentes no contexto urbano e
compreender como se formam as redes sociais dos indígenas Potiguara, que vive em João
Pessoa, e sua relação com a Funai e o Dsei-Potiguara são alguns dos objetivos específicos do
meu estudo antropológico.
As Terras Indígenas (TI) da etnia Potiguara estão distribuídas ao longo de três cidades
situadas naquela região, a saber: Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição.
O Povo Indígena Potiguara está situado no litoral norte da Paraíba, aonde se
encontram distribuídos em 32 aldeias, dentro da referida TI. Deste modo, é preciso enfatizar
que a formação desses três municípios guarda uma estreita relação com a constituição dos
aldeamentos missionários de São Miguel de Baía da Traição e Monte-Mór, sendo este último
originado da destruição do aldeamento de Mamanguape. O grupo passou a constituir as
2
aldeias de Baía da Traição e da Preguiça no município de Mamanguape assistidos pelos
missionários do Carmo da Reforma em 17462
Com um território de aproximadamente 34 mil hectares, a localização dos Potiguara
em tais faixas de terras guarda uma estreita relação com os processos históricos do século
XVIII e XIX que marcaram a conquista definitiva do território pelos portugueses.
Em termos demográficos, os Potiguara constituem um dos maiores grupos indígenas
brasileiros com uma população estimada em 14.831 pessoas3, o que corrobora com a
classificação de ser uma das maiores populações indígenas brasileira e a maior do nordeste
etnográfico4.
E o que se observa é que com o passar dos anos é cada vez maior a presença de
indígenas na cidade, pois se torna uma realidade irrefutável com a expansão metropolitana, e
com os índios Potiguara a situação não é diferente. Vale destacar que as circunstâncias sociais
atribuídas a esse processo de deslocamento indígena da aldeia para a cidade são bem
diversificadas, pois alguns se deslocam no sentido rural-urbano porque suas terras foram
ocupadas por latifundiários ou empresários, e em outras situações, como é o caso dos índios
Potiguara, os indígenas possuem suas terras reconhecidas, pela União através de
procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas realizado pela FUNAI, mas
procuram viver na cidade porque em muitos casos percebem que poderão ter ali, na área
urbana, uma maior possibilidade de conseguir algo a mais com seus esforços e determinação.
E o que seria esse “algo a mais”?! Esse “algo a mais” está entrelaçado com seus direitos a
melhores condições de vida, novos desejos e expectativas incorporadas ao longo do processo
de contato interétnico sofrido pelos indígenas, que por sua vez não descaracteriza o grupo
enquanto tal. Com relação a contato interétnico, o antropólogo João Pacheco de Oliveira diz
que:
2 Esta informação foi obtida por mim no site socioambiental.org acessado em 29 de junho de 2014, cujo texto
tem autoria de José Glebson Vieira. 3 Este número foi obtido por mim a partir de dados do Distrito Sanitário Especial Indígena, o DSEI Potiguara do
Ministério da Saúde em: 01 de julho de 2012. 4 Este termo designa a região compreendida pelos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e
Bahia (Norte e Oeste) onde vivem mais de 40 grupos étnicos indígenas cuja longa história de contato, relações
com o estado e a própria produção antropológica sobre esses povos, lhes conferem características particulares
que nos permitem agrupá-los em um conjunto relativamente definido. Para mais informações e algumas análises
sobre essa área etnográfica, inclusive os modos através dos quais foi pensada veja-se Galvão ([1959], 1979),
Ribeiro (1986), Dantas, Carvalho e Sampaio (1992), Melatti (1997), Oliveira (2004) e Schettino (2003).
PALITOT, Estêvão Martins. Quem são os Potiguara? In:_____. Os Potiguara da Baía daTraição e Monte-
Mór: História, Etnicidade e Cultura. 2005. Introdução, p. 4. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal de Campina Grande, 2005.
3
[...] o contato interétnico precisa ser pensado como uma situação, isto é, como um
conjunto de relações entre atores sociais vinculados a diferentes grupos étnicos. A
unidade desta situação não é um pressuposto teórico que explique todos os fatos,
mas algo a ser pesquisado e cuidadosamente definido pelo estudioso do contato, que
deve buscar tal unidade no processo concreto de interação social e nas percepções
que dele têm os diferentes grupos (étnicos e outros) envolvidos. (OLIVEIRA, 1988,
p. 58)
Sendo assim, toda situação de contato interétnico também é uma situação de
classificação e categorização dos atores e de seus comportamentos de acordo com a estrutura
de poder que se delineia nestes momentos, assim, os sujeitos assumem suas posições no
quadro interativo a partir deste processo de escolhas conscientes dentro dos referenciais
sociais e culturais postos na cidade, por exemplo.
Pautado nisso, começo a observar que o cotidiano dos indígenas Potiguara que vivem
na cidade de João Pessoa é permeado de interações sociais que envolvem a aldeia e a cidade,
fazendo com que se construa uma rede de interações sociais bastante ampla e complexa, pois
implica (até onde pude observar) uma gama de inter-relações de interesses subjetivos e
comunitários, mantendo uma relação de interdependência com uma família, por exemplo, e
às vezes dependendo do tamanho da comunidade essa relação entre aldeia e cidade acaba
trazendo soluções para toda uma aldeia. Por exemplo, a compra de uma peça da máquina de
produzir a farinha de mandioca em uma determinada aldeia, como destacou o jovem indígena
Antônio Altino da aldeia Tramataia localizada no município de Marcação/PB5.
Além da observação participante, também pretendo realizar além de entrevistas
individuais, Entrevistas Narrativas (EN). Penso que o objetivo básico desta técnica de
obtenção de dados é reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva do informante.
Neste sentido, ao me deparar com a obra seminal da autora, Mariana Ciavatta Pantoja, Os
Milton: cem anos de história nos seringais, senti-me influenciado pela forma como a autora
delineou o seu trabalho de campo com sua metodologia, e através disso a autora vai
enfatizando que as questões que ela enfrentou no campo até conseguir realmente desenvolver
o seu trabalho. Como a autora diz é preciso “compreender a experiência coletiva enfatizando a
singularidade e os pequenos eventos da vida social (PANTOJA, 2008, p.57)”. É a partir das
histórias de vida que a autora vai tecendo sua pesquisa de forma magistral. Pantoja dar
sustentação teórica sobre esse assunto quando ela cita Carlo Guinzburg, e diz que “o autor
tende a refletir sobre o indivíduo com ênfase no seu pertencimento social, e irá afirmar que
5 O exemplo dado não se refere exatamente a uma peça de casa farinha, mas outro instrumento que tem valor
similar quanto a sua relevância para aquela comunidade da aldeia citada.
4
mesmo a singularidade tem contornos muito claros dados pela cultura de seu tempo (idem,
2008, p. 58, grifo meu)”.
Baseado nesses estudo utilizarei entrevistas narrativas que serão realizadas com
indígenas Potiguara que ocupam várias funções, atividades na cidade, tais como servidores
públicos da FUNAI e UFPB, por exemplo, jovens, senhores, senhoras e famílias que vivem
em João Pessoa há muito tempo. Entre os entrevistados também pretendo incluir ainda
pessoas que possivelmente são dotadas de potencial narrativo significativo acerca da
construção da etnicidade indígena no contexto urbano, tais como indígenas jovens, adultos e
anciãos que constituíram suas famílias aqui na cidade João Pessoa. Aqui nessa parte pretendo
seguir alguns “passos metodológicos” adotados pelo o antropólogo, José Miguel Nieto Olivar,
no seu célebre livro, Devir puta:
Busquei realizar conexões intraetnográficas e intranarrativas que permitissem
compreender as experiências delas mesmas (as prostituas/autoras que contribuíram
para o trabalho do antropólogo), para depois, sim, oferece-las ao exterior: isto é, não
explicar dados desde objetivações numéricas, mas tentar tecer os sistemas de
conceitualizações e significações “nativas”, locais, endógenas6 (OLIVAR, 2013,
p.42, grifo meu).
Nesse sentido, pretendo seguir essa lógica de trabalho e procurar esforçar-me ao
máximo para tentar construir uma “descrição densa” como mencionado por Geertz (1989, p.
31) quando afirma que a descrição etnografia “ela é microscópica”. Neste encalço, procurarei
compreender com cuidado as vicissitudes da vida dos indígenas pesquisados, e assim, tentar
descrever as redes de relações sociais que eles fazem, procurando verificar com isso, uma
lógica particular de construção dessas interações entre os Potiguara num contexto urbano. A
trajetória de vida do ser humano é carregada de experiências particulares e cada um de nós
tem sua “caixa de material cultural” que não é estanque, mas dinâmica. Diante disso, podemos
entender que as particularidades do indivíduo são complexas e possuem, assim, um caráter
único. De acordo com José Miguel Nieto Olivar (2013, p. 43), “A narrativa permite ver,
imaginar, compreender os processos complexos”, sendo assim, podemos considerar que as
narrativas de trajetória de vida dos índios Potiguara que vivem na cidade serão capazes de
criar elos de compreensão significantes que, consequentemente, chegará a interpretações
fornecidas por esse processo, e juntamente com a etnografia possivelmente darão um
embasamento metodológico eficaz para a construção da minha dissertação.
6 Tentando seguir as recomendações de Latour (2008) sobre ator-rede ou o conceito de “contexto” de Wagner
(2010).
5
A proximidade da área rural com a área urbana o indígena sente-se de certa maneira
forçado a conviver na área urbana dada a essa aproximação e interatividade existentes entre
Terra Indígena – TI e a cidade na qual está inserido ou nos seus arredores. Diante disso,
também tem o fato de que o indígena está disposto a morar, viver na cidade, pois o seu intuito
é ganhar experiência, vivenciar coisas novas para poder trocar experiências com seus
familiares que vivem na aldeia. E também se pode refletir no sentido de que o indígena que
vive na cidade ganha reconhecimento também como agente altruísta, pois ele facilita em
certas ocasiões o acolhimento de outros indígenas na cidade, dando apoio moral, hospedagem
enquanto o índio da aldeia resolve suas pendências, faz um tratamento de saúde, por exemplo.
O fato de o índio morar na cidade pode trazer-lhe certo status mais elevado relacionado à
aldeia em que viveu (e que de vez em quando vai para visitar seus familiares) no sentido de
uma educação de ensino superior ou tecnológico e capacidade técnica em determinada área de
trabalho, em suma uma área de conhecimento empírico, científico ou tecnológico que o
indígena não usufrui com tanta facilidade, comodidade se estivesse vivendo na aldeia. Mesmo
ele se deslocando todos os dias para a área urbana e voltando para a zona rural, essa
experiência de viver na cidade torna-se mais duradoura e enriquecedora porque existirá a
possibilidade de uma troca de experiência, de costumes que o índio poderá adquirir sem
necessariamente entrar num processo de assimilação ou aculturação.
Nota sobre construção do conhecimento e militância no trabalho etnográfico
A partir daqui farei uma pequena reflexão sobre construção do conhecimento e
militância no trabalho etnográfico, procurando de certa forma buscar uma reflexão sobre o
meu trabalho de campo com os indígenas que vivem na cidade de João Pessoa, além de
procurar outras formas criativas de urdir as narrativas e texto etnográfico com análise teórica.
Nessa tentativa de utilizar meios criativos para a construção do trabalho etnográfico
procurarei utilizar fontes de escrita distintas na narração das histórias contadas pelos
indígenas Potiguara, assim como rubricas7 para que o leitor se situe no cenário onde foi
realizada a entrevista e o comportamento gestual/corporal do narrador ou entrevistado naquele
momento, além da postura do entrevistador nesse momento da ação. Após trechos de
Entrevistas Narrativas (EN) Individuais ou em grupo farei uma espécie de análise das
7 O termo rubrica inserido aqui designa um pequeno comentário escrito que tem a função de orientação de gestos
ou movimentos dos indivíduos que estão sendo entrevistados num determinado local. A ação, o momento e o
local tem muita importância na pesquisa de campo.
6
narrativas...uma interpretação, comentando e urdindo com a teoria antropológica utilizada no
estudo(baseado numa estrutura de análise de conteúdo), realizando essa estratégia por bloco
de narrativas.
Focando agora na construção do conhecimento e militância no trabalho etnográfico,
gostaria de fazer uma observação pertinente com relação aos trabalhos de José Miguel Nieto
Olivar e a Mariana Ciavatta Pantoja é que me parece “carregar” (carregar no sentido de que já
foi “pego” por aquilo, e assim, “carrega” essa ‘carga militante’.) uma militância impregnada
em suas pesquisas, tais como as putas e os seringueiros, respectivamente. Neste sentido, ao
que me parece os autores foram aos poucos sendo afetados pelas circunstâncias do objeto de
estudo, e desse modo foram assumindo, de certa forma, a posição de militante durante o
processo de construção do trabalho etnográfico. Isto fez-me lembrar (não quero dizer aqui que
tenha o mesmo sentido) o trabalho de Jeanne Favret-Saada, Ser afetado, que fala sobre a
feitiçaria no Bocage francês. O sentido que coloco aqui é que o etnógrafo vai sendo afetado
pelo processo constitutivo do seu objeto de estudo com o seu envolvimento no decorrer do
tempo.
Pois é apenas com o tempo, e com um tempo não mensurável pelos parâmetros
quantitativos mais usuais, que os etnógrafos podem ser afetados pelas complexas
situações com que se deparam o que envolve também, e claro, a própria percepção
desses afetos ou desse processo de ser afetado por aqueles com quem os etnógrafos
se relacionam. (GOLDMAN, 2005, p. 150)
Sendo assim, deveríamos pensar numa forma de construção do conhecimento sem
necessariamente procurar se envolver numa certa militância. Mas como seria isso?
Poderíamos buscar uma forma de produção do conhecimento com uma postura de
reflexividade e criticidade no sentido de ir construindo e ao mesmo tempo se policiando com
relação ao seu trabalho etnográfico, porém tentando sempre manter um equilíbrio interacional
nos dois lados, a sociedade e a academia. Assim, é preciso tomar os devidos cuidados para
que não se chegue a uma “atmosfera militante” e que dessa forma possamos trabalhar no
intuito de abordar um discurso teórico, mas criativo e crítico ao mesmo tempo.
Algumas dificuldades encontradas no campo
7
Basicamente ainda não entrei no campo, mas consigo perceber que o campo está se
abrindo, e que de certa forma um pouco “turva”, mas consigo visualizar os caminhos por onde
devo seguir...já tive contato com alguns indígenas Potiguara na capital, porém todos com
quem falei são estudantes e o meu foco são os que vivem em João Pessoa, tais como anciãos,
adultos e até jovens, mas que trabalhem ou recebam benefícios do INSS e vivam na cidade. E
não está sendo fácil entrar em contato com esse pessoal. Entretanto, o fato de comunicar-me
com os estudantes está me levando a se aproximar dos que vivem na capital, e isso é um dado
bastante importante para a minha pesquisa. Por exemplo, ao me comunicar com o estudante
indígena da UFPB de João Pessoa, Antônio Altino da aldeia Tramataia que fica localizada no
município de Marcação/PB, ele diz que o seu primo8 vive (mora no bairro do Valentina
Figueiredo, zona sul da cidade de João Pessoa) e trabalha como porteiro há bastante tempo no
mesmo bairro onde reside. Altino falou que o seu primo está aqui a aproximadamente uns
cinco anos e que é casado com uma mulher não-indígena natural da capital. Outra informação
importante que o Altino me contou foi que outro estudante indígena, conhecido por Leco9
mora com sua tia no bairro de Mangabeira (zona sul). Ela reside em João Pessoa há tempos,
declara Altino.
A estudante indígena da UFPB Campus I, Jaine de Azevedo da aldeia Três Rios
localizada também no município de Marcação fala que sua tia mora na cidade de Bayeux, mas
que dificilmente vai por lá, e que prefere ficar hospedada às vezes no apartamento da sua
amiga indígena que mora no bairro de Manaíra (zona leste). Jaine diz que sua amiga mora
aqui faz alguma tempo, e que por dificuldades de conseguir emprego lá em Marcação veio
para a capital e trabalha como operadora de caixa nas lojas C&A e estuda Fisioterapia na
Faculdade Maurício de Nassau.
Há pouco tempo estive na Funai de João Pessoa e fiquei sabendo através de um
servidor do órgão indigenista que um casal formado por um índio Tabajara e uma índia
Potiguara estão prestes a se casar, e que eles vivem no bairro do Grotão, zona sul da capital.
Disse a ele que desejaria no futuro próximo falar com o casal para saber como eles vivem aqui
na capital e que relações eles mantém ainda com a aldeia, e também contatos com a Funai.
Existem outros indígenas que vivem na cidade de Bayeux, como por exemplo, a irmã
do indígena e servidor da Funai, Marcos Santana, que vive há mais de vinte e cinco anos na
cidade de Bayeux. Ela saiu ainda jovem da aldeia Camurupim que fica localizada também na
cidade de Marcação e veio morar em Bayeux, mas de acordo com informações do seu filho,
8 Ainda não tenho autorização para colocar o nome das pessoas citadas e que vivem na capital.
9 Leco é nome fictício pelas mesmas razões citadas acima.
8
Daniel Santana que falou comigo pelo facebook10
sua mãe mantém contato com familiares
que moram tanto na capital como na aldeia. Mas, ainda não tive como localizá-los e
aproximar-me deles...por enquanto. E também vou procurar saber como são construídas as
redes de relações sociais entre os Potiguara daqui da capital com as aldeias no litoral norte da
Paraíba, além de procurar identificar as interações dos indígenas com a Funai e o Dsei-
Potiguara11
.
O que eu consigo perceber com essas parcas informações (mas relevantes para o meu
estudo), é que cada indivíduo têm suas peculiaridades, necessidades específicas, estratégias e
decisões para poder alcançar os seus objetivos, interesses, e que não necessariamente estão
relacionados às necessidades de sua família ou comunidade, mas a sua vida própria.
No caso do Leco, amigo de Altino, por exemplo, que mora com sua tia em
Mangabeira. Altino falou que ele está vendo a possibilidade de morar só, ter mais liberdade,
pois ele se acha muito “preso” na casa da tia. Mas para isso conseguir um emprego, melhorar
a sua renda e conciliar com seus estudos. Também temos que ver que sua tia possivelmente
está dando apoio ao rapaz por causa da relação familiar que existe e porque de certa forma
mantém o vínculo mais forte com a família que vive na aldeia... existindo, nesse sentido, uma
lógica de solidariedade por parte da tia de Leco que faz com a família se aproxime mais dela e
vice-versa. E isto parece ser muito forte entre eles, pois pelo que eu sei da história dos
Potiguara, e dos indígenas de uma forma geral (podemos citar o trabalho de Mariana Pantoja
com os Kuntanawa, por exemplo). Nesse caso, existe uma possibilidade que a tia de Leco
utilize esse “elo de solidariedade” para reforçar o laço familiar e “encurtar” a distância entre a
cidade e a aldeia.
Nesse sentido, procurarei verificar e compreender os pontos de conexão da malha da
rede (ou malhas... pois, pelo o que pude perceber até agora, existem malhas grandes, pequenas
e minúsculas) que eles conseguem construir no contexto urbano e consequentemente saber
que vínculos essa rede de relações sociais dos indígenas costuradas aqui na cidade faz com as
aldeias no litoral norte da Paraíba. Vale ressaltar, que muitos indígenas não constroem ponto
de conexão com essa “malha maior” tecida por índios Potiguara que estão há mais tempo na
capital...é como se eles (os mais jovens, por exemplo) construíssem outra malha, outra forma
de conexão que não necessariamente estaria conectada ou dependeriam das outras malhas.
Neste caso, essas malhas pequenas ou minúsculas se comportariam como malhas
10
Aliás muitas dessas conversas que tive com Jaine Azevedo, Antônio Altino e Daniel Santana foram vias
facebook e WhatsApp. 11
Distrito Sanitário Especial Indígena – Potiguara (DSEI-Potiguara) localizado na Av. Epitácio Pessoa, João
Pessoa/PB.
9
independentes que talvez possa fazer conexão ou não com as malhas maiores, mas ao que me
parece não existe interdependência com as outras malhas maiores.
Procedimentos metodológicos para a dissertação
Para desenvolver esta investigação entendo que é necessário adotar alguns critérios
metodológicos quais sejam: pesquisa descritiva com enfoque qualitativo que tem como
objetivo descrever dados etnográficos sobre os indígenas da etnia Potiguara que vivem na
cidade de João Pessoa, estado da Paraíba. E a partir de informações etnográficas que se
relacionam às situações históricas em que esses índios estão inseridos no contexto urbano, e
as interações sociais e situacionais estabelecidas entre essa etnia na capital, com o órgão
indigenista do Estado, a FUNAI e a SESAI que realiza seus trabalhos de saúde indígena junto
com o Distrito Sanitário Especial Indígena - DSEI Potiguara12
responsável pelo atendimento
local dos indígenas, cuja sede está localizada na capital paraibana.
De acordo com Oliveira, situação histórica pode ser conceituada da seguinte forma:
[...] é uma noção que se refere “a modelos ou esquemas de distribuição de poder
entre diversos atores sociais. (...) Trata-se de uma construção do pesquisador, uma
abstração com finalidades analíticas, composta dos padrões de interdependência
entre os atores sociais, e das fontes e canais institucionais do conflito.”
(OLIVEIRA, 1988, p.57) (grifos no original).
Pautado nisso, invoco a noção de campo político intersocietário, proposta por Oliveira
Fº (1988:14), é de que esta noção possibilita uma abordagem dinâmica das relações
interétnicas numa perspectiva em que o contato não se reduz a uma percepção dualista da
realidade que vivenciam; outrossim, constitui-se num processo fundamentado em Inter(-
rel)ações estabelecidas entre os mais variados agentes presentes em cada situação.
Nesse sentido, será realizada uma pesquisa de campo de observação direta, analisar
documentos históricos oficiais, de ordem primária e outras pesquisas já realizadas tais como
12
DSEI Potiguara – É uma unidade gestora descentralizada do Subsistema da SESAI. O DSEI é responsável pela
execução de ações de atenção à saúde nas aldeias e de saneamento ambiental e edificações de saúde indígena e
sua sede gerencial e administrativa está localizada em João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, distante das
terras indígenas cerca de 90 km. Dispõe de três Polos Base, situados nos municípios de Baía da Traição,
Marcação e Rio Tinto, os quais são responsáveis pela administração local dos serviços de atenção básica das 32
aldeias existentes.
10
dissertações e teses, dados secundários; verificar esse processo de mobilização social ocorrido
com os indígenas Potiguara num contexto urbano, nesse caso específico do litoral norte para a
capital João Pessoa, envolvendo também agentes históricos (ligados ao Estado, Igreja etc.) e
que tenha ligação direta ou indireta com esse fluxo migratório que ocorre com os indígenas e
consequentemente uma relação com a FUNAI, sendo possível a partir disso se familiarizar
melhor com o recorte do objeto a ser pesquisado. Para isso será necessário o levantamento dos
índios Potiguara que vivem em João Pessoa, assim como mapear a concentração das famílias
Potiguara e em que bairros da capital existem a maior concentração destas. Vale ressaltar, que
que tais dados estatísticos serão coletados com o auxílio do órgão indigenista, FUNAI, com a
SESAI e IBGE, além de contar com o apoio da Prefeitura Municipal de João Pessoa.
A concentração de indígenas vivendo nas cidades é cada vez maior no Brasil e isso
pode-se dizer que é efeito de um processo de mútua constituição, num mundo que hoje é cada
vez mais pensado a partir de noções como as de fluxos, redes e processos, têm permanecido
de fora de uma pesquisa aprofundada. Neste sentido, deve-se imaginar a cidade como um
cenário de múltiplas articulações e que os atores sociais estão num processo de inter-relação,
movendo-se num fluxo de interações interétnicas constante, dinâmico, e que sempre está
ocorrendo numa atmosfera antropológica espacial, principalmente num contexto urbano.
De acordo com Magnani (2002, p. 25):
Para identificar essas práticas e seus agentes, foi proposta uma estratégia que
recebeu a denominação de um olhar de perto e de dentro, em contraste com visões
que foram classificadas como de fora e de longe. Ao partir dos próprios arranjos
desenvolvidos pelos atores sociais em seus múltiplos contextos de atuação e uso do
espaço e das estruturas urbanas, este olhar vai além da fragmentação que, à primeira
vista, parece caracterizar a dinâmica das grandes cidades e procura identificar as
regularidades, os padrões que presidem o comportamento dos atores sociais. Supõe
recortes bem delimitados que possibilitam o costumeiro exercício da cuidadosa
descrição etnográfica.
A análise dos dados coletados e dos instrumentos de observação que serão reunidos ao
longo do período entre 2014 e 2016 e dependerá importância sequencial. Vale ressaltar que
antes de iniciar a minha pesquisa (após uma socialização mais próxima com os indígenas na
cidade de João Pessoa nos bairros onde existe uma maior concentração).
Pretendo apresentar e entregar uma cópia do meu projeto de pesquisa para o público
presente, associação ou famílias, e explicar o objetivo da pesquisa, além de informar os
procedimentos metodológicos que serão adotados ao longo da investigação, esses
apontamentos constituem os direitos das populações que são objeto de pesquisa a serem
11
respeitados pelos antropólogos e antropólogas, além das responsabilidades dos antropólogos e
antropólogas, de acordo com o Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia –
ABA, pois as populações tem o direito de acesso aos resultados da investigação, de ser
informadas sobre a pesquisa entre outros direitos pertinentes às populações pesquisadas,
assim como os antropólogos têm suas responsabilidades bem definidas, tais como Oferecer
informações objetivas sobre suas qualificações profissionais e a de seus colegas sempre que
for necessário para o trabalho a ser executado; Na elaboração do trabalho, não omitir
informações relevantes, a não ser nos casos previstos anteriormente e Realizar o trabalho
dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática científica.
Após essa explanação e de algumas perguntas (que surgirão naturalmente) acerca da
pesquisa, explicarei os procedimentos necessários para a técnica de coleta de dados prevista
para a primeira etapa do trabalho de campo.
Ao observar o cotidiano dos indígenas no meu trabalho de campo, desde os primeiros
contatos, pretendo registrar os “aspectos imponderáveis da vida real e do comportamento
típico”, como disse Malinowski, dos índios Potiguara na capital, pois esses registros captados
através da observação serão de fundamental relevância para realizar a minha interpretação
etnográfica relacionada ao meu objeto de estudo.
Dando continuidade também pretendo realizar além de Entrevistas individuais, pois
esse tipo de entrevista é mais elaborada e profunda em relação ao mundo que vive o
indivíduo. Neste sentido, essa forma de entrevista qualitativa é fortemente estruturada em
profundidade e permite levar em conta reações subjetivas, o que no caso da pesquisa que será
realizada é fundamental.
As Entrevistas Narrativas – EN, como eu já havia falado no início, é de fundamental
relevância, pois o objetivo básico desta técnica de obtenção de dados é reconstruir
acontecimentos sociais a partir da perspectiva do informante e dessa forma o enredo deve
seguir uma sequência lógica com início, meio e fim, que será fundamental para a estrutura
narrativa. Destarte, utilizarei quando necessário e conveniente o gravador de voz para registro
das informações, desde que permitido pelos índios, após o devido esclarecimento feito pela
minha parte.
A permissão para a entrevista será mediante a leitura e entrega do Termo de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) quando se fizer necessário e propício, seguindo
também, com rigor, o código de ética da ABA e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(Parecer nº 695/2008/CONEP), e também penso em realizar ainda entrevistas
semiestruturadas com indígenas que apresentarem algum desconforto ou resistência diante
12
dos procedimentos da EN, tais como a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).
Outra fonte de obtenção de dados que merece destaque é o uso das tecnologias de
comunicação (que já começo a utilizar com muita eficácia), além de telefonemas, a troca de
mensagens no ambiente virtual, tais como E-mail, Skype, Facebook e WhatsApp, favorecerá
o acompanhamento contínuo das ações indígenas e o conhecimento das dinâmicas sociais em
curso. Esses recursos tecnológicos, a meu ver, expandem a definição da pesquisa de campo,
complexificam a delimitação do estar lá e do estar aqui (GEERTZ, 1989) e constituem novas
possibilidades de acesso a informações para a pesquisa.
Os fatos sociais relevantes serão anotados no diário de campo. Estas anotações
constituirão reflexões iniciais, esboços preliminares de ensaios interpretativos que integrarão a
minha dissertação. Isto porque “o diário, parte dele, quando você não registra apenas datas e o
que você fez no dia, quando você põe o material etnográfico dentro dele, passa a ser muitas
vezes um pré-texto. E um pretexto para um artigo, como sugere a homofonia das palavras...”
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000).
Além disso, utilizarei a máquina fotográfica digital para registrar alguns momentos
relevantes e que certamente farão parte do acervo iconográfico da minha pesquisa. E também
considerando que a relação entre texto e imagem é bastante promissora para a antropologia,
uma vez que através da combinação de procedimentos imagéticos com o discursivo podemos
contar com dois elementos que permitem duas leituras complementares (CARDOSO DE
OLIVEIRA, 2000).
No que se refere à forma como apresentarei os dados na dissertação devo fazer
algumas ponderações. Dentre as possibilidades que a antropologia oferece, optarei pelo relato
etnográfico (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000) por acreditar que ele continua sendo o
veículo mais eficaz para comunicar o encontro com a alteridade. Isto porque a confluência
com o “outro”, experiência no trabalho de campo, é por meio dele comunicado.
A opção que adotarei e os caminhos que percorrerei nessa direção serão permeados
pela atenção a um elemento decisivo na minha pesquisa: trata-se do exercício antropológico
na cidade, pois o espaço tem relação com os vetores de direção, “animado pelo conjunto de
movimentos que aí se desdobram” de acordo com Michel de Certeau (1998, p. 202). Espaço
está para lugar assim como a palavra quando falada – dependente das múltiplas condições
colocadas como atos de um presente. “Em suma, o espaço é um lugar praticado” (idem, p.
202) Nesse sentido, a rua é transformada pelo pedestre.
13
Esse dado, pela relevância que possui na análise da etnicidade dos indígenas Potiguara
de João Pessoa merece algumas considerações. Por meio das reflexões que seguem,
evidenciaremos os princípios que nortearão a prática etnográfica desenvolvida.
Além disso, pretendo coletar dados, informações de documentos pertinentes que estão
sob os cuidados dos órgãos de apoio aos indígenas, tais como FUNAI e SESAI juntamente
com o DSEI-Potiguara que estão inerentes ao processo de inter-relação num campo político
intersocietário como, por exemplo, levantamento de famílias indígenas Potiguara que moram
nas cidades, especificamente na cidade de João Pessoa, ofícios expedidos e recebidos,
memorandos expedidos e recebidos, enfim, todos os processos que estão relacionados com
indígenas Potiguara que vivem em João Pessoa, e também buscarei informações no Ministério
Público Federal da Paraíba. Também pretendo entrar em contato com outros órgãos
competentes a fim de coletar dados pertinentes, tais como o IBGE, onde buscarei informações
a respeito do Censo demográfico de 2010 (último censo realizado) e a Prefeitura de João
Pessoa no intuito de adquirir cartografias (mapas) dos bairros da cidade, especificamente os
bairros onde se concentra o maior número de indígenas Potiguara, mas pretendo apreciar
todos os bairros habitados pelos indígenas dessa etnia.
Sendo assim, pretendo participar das reuniões das associações indígenas, do DSEI
Potiguara e SESAI, Assembleias dos Povos Indígenas da Paraíba, Assembleia dos Povos
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME). Visitarei ainda aldeias do
município de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação para procurar identificar e entender quais
são as situações sociais pertinentes que levam os indígenas Potiguara a viver na capital
paraibana, e dessa forma buscam manter relações de contato com os órgãos indigenistas que
dão assistência aos indígenas nas aldeias e cidade.
Por fim, deve-se enfatizar também a importância da escrita etnográfica, pois segundo
James Clifford (2002, p. 21) “Esta escrita inclui, no mínimo, uma tradução pela experiência
para a forma textual. O processo é complicado pela ação de múltiplas subjetividades e
constrangimentos políticos que estão acima do controle do escritor. Em resposta a estas
forças, a escrita etnográfica encena uma estratégia específica de autoridade”.
Pautado nisso, observa-se que a etnografia constitui uma tradução subjetiva onde a
interpretação que o antropólogo atribui ao seu estudo etnográfico deve ser tratado com
acuidade e esmero, levando sempre em consideração todo o processo antropológico
vivenciado e submetido ao estranhamento fundamental para a sua análise e conclusão desse
trabalho científico.
14
Portanto, posso dizer que as leituras etnográficas contribuíram no sentido de refletir de
forma mais aprofundada sobre o meu trabalho de campo, e também poder me policiar para
que não desenvolva no processo do trabalho etnográfico uma construção do conhecimento
“carregada” de uma militância que futuramente poderá não dar muita legitimidade ao estudo
antropológico. Porém, o que chama atenção são os pontos positivos dos trabalhos citados, de
José Miguel Nieto Olivar e Mariana Ciavatta Pantoja, em que os autores conseguiram
construir teses com um teor narrativo e análise teórica riquíssimas, e também a forma criativa
e desprendida como eles foram urdindo o texto com o material teórico e etnográfico de
experiência durante esse tempo de vivência na mata ou na cidade, além da reflexividade que
construíram e que, no caso da Mariana Pantoja, eclodiu na reconhecimento de uma etnia
indígena, os Kuntanawa, na região do Acre.
Os Kuntanawa foram supostamente exterminados durante as perseguições armadas aos
povos indígenas, as chamadas correrias, que acompanharam a abertura e a instalação dos
seringais em todo o Acre, no final do século XIX e início do século XX. Os últimos
descendentes conhecidos desse grupo são os membros de uma família extensa, conhecida até
recentemente no alto Juruá como “os caboclos do Milton”, numa referência ao nome do seu
patriarca (Milton Gomes da Conceição)13
. Através do trabalho de Mariana Pantoja foi
possível “construir” a retomada de sua origem indígena, pois a denominação de “caboclos” no
Acre refere-se a uma ascendência de etnia indígena, e que esse processo de retomada da etnia
Kuntanawa parece resultar num sentimento de indianidade, como explica o antropólogo João
Pacheco de Oliveira (1988, p. 14):
Em função do reconhecimento de sua condição de índios por parte do
organismo competente, um grupo indígena especifico recebe do Estado
proteção oficial. A forma típica dessa atuação/presença acarreta o
surgimento de determinadas relações econômicas e políticas, que se repetem
junto a muitos grupos assistidos igualmente pela FUNAI, apesar de
diferenças de conteúdo derivadas das diferentes tradições culturais
envolvidas. Desse conjunto de regularidades decorre um modo de ser
característico de grupos indígenas assistidos pelo órgão tutor, modo de ser
que eu poderia chamar aqui de indianidade para distinguir do modo de vida
resultante do arbitrário cultural de cada um.
Calcado nisso, esse processo de reconhecimento étnico indígena amparou-se na
ascendência indígena e na história particular do grupo: a luta recente(pois esse processo foi
13
Esta informação foi obtida por mim no site do socioambiental.org
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kuntanawa.
15
desenvolvido desde a conclusão do trabalho da antropóloga Mariana Ciavatta Pantoja em
2005) pela criação e manutenção da Reserva Extrativista do Alto Juruá; as relações de contato
com povos indígenas vizinhos; e também devemos ver a retomada de rituais com a bebida
ancestral ayahuasca, assim como, a percepção da discriminação étnica e política incrustada
naquela região do norte do país.
São essas experiências fantásticas que marcaram e possivelmente influenciarão o meu
trabalho de campo, que desembocará na construção da minha dissertação. Nesse sentido,
refletindo sobre esses dois trabalhos etnográficos, apesar de me aproximar mais do trabalho
da Mariana Pantoja, pois o meu trabalho está relacionado com indígenas também, mas
também comungo bastante com o trabalho do José Miguel, uma vez que o autor utiliza
técnicas muito interessantes de construção de conhecimento científico e comunicação com os
seus informantes, além de possivelmente ter uma visão ampla do que acontece em volta dos
seus círculos de trabalho de campo no contexto urbano... e isso me faz refletir sobre a análise
situacional de Max Gluckman que também percebo na obra de Mariana Pantoja na região do
Alto Juruá no estado do Acre.
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ANEXO
Mapa da cidade João Pessoa e regiões próximas
17
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.portal.abant.org.br/index.php/institucional/codigo-de-etica. Acesso em: 08 Jun
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18
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