Post on 23-Jul-2020
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO COLENDO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pela
Defensora Pública que esta subscreve, com endereço profissional para intimação
pessoal, conforme determina o artigo 128, inciso I da Lei Complementar 80/94, na Av.
Santos Dumont, 1535, Ferraz de Vasconcelos/SP, vem, respeitosamente, à presença de
Vossa Excelência, com fulcro no artigo 5º, incisos LXVIII e LXXVII, da Constituição da
República e artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente
ordem de
HABEAS CORPUS com PEDIDO LIMINAR
em favor de DANIEL MARCOLINO DA SILVA, brasileiro, solteiro,
RG nº 57.389.208-8, nos autos do processo n.º 0007700-51.2014.8.26.0191, indicando
como autoridade coatora o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o que faz
lastreado nos motivos de fato e de direito doravante delineados.
I – DOS FATOS
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O Paciente foi representado e processado pela suposta prática
de atos infracionais correspondentes aos crimes previstos nos artigos 129, 329 e 331,
todos do Código Penal, porque no dia 18 de agosto de 2014, por volta das 19h50min,
no local descrito na representação, teria ofendido a integridade física de Alex Sandro
Vascom dos Santos, desacatado os guardas civis Edivaldo Oliveira e Rosângela
Nascimento, assim como, supostamente, resistiu à execução de ato legal.
Em audiência de apresentação, explicou que a vítima se
recusou a entregar-lhe suco, lhe empurrou para fora da cozinha, e, por isso, jogou a
jarra na cabeça da vítima. Negou ter xingado as supostas vítimas.
Na audiência de instrução foram ouvidas as supostas vítimas e
as testemunhas e, declarada encerrada a instrução, o Ministério Público, em
memoriais, manifestou-se pela procedência da representação e aplicação de
liberdade assistida. No mesmo sentido, a Defensoria Pública pugnou pela parcial
procedência e aplicação de medida protetiva, consistente em acompanhamento
psicológico por tempo indeterminado, e, subsidiariamente, pela aplicação exclusiva
de liberdade assistida.
Contudo, a despeito do pedido formulado pelo órgão
acusatório, o Magistrado a quo responsabilizou o adolescente, imputando-lhe medida
de internação por prazo adequado, com sugestão de reavaliação em quatro meses,
acompanhada de avaliação e sessões psicoterápicas (fls. 160/166).
Diante do evidente constrangimento ilegal sofrido pelo
Paciente, impetrou-se ordem de Habeas Corpus perante o E. Tribunal de Justiça.
Todavia, o Ilmo. Desembargador Relator Eros Piceli, entendendo pela falta de interesse
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de agir julgou extinto o aludido remédio constitucional.
Desta feita, alternativa não há se não a impetração de nova
ordem perante esta Colenda Corte Superior.
Eis a síntese dos fatos.
II – DO DIREITO
II.1 – DA SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA
CONHECIMENTO DESTE WRIT
A despeito do teor da Súmula 691 do STF, que prevê não
competir àquele Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do
Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar, no
caso sob análise, principalmente por se tratar de decisão terminativa, que, portanto,
inviabiliza a adoção de qualquer medida perante àquela instância, há evidente
ilegalidade ocasionada por decisão teratológica, tanto do MM. Juiz da Vara da
Infância e Juventude de Ferraz de Vasconcelos, como a proferida pelo Ilmo.
Desembargador, restando devidamente justificado o manejo da presente ação
constitucional.
O Exmo. Desembargador Relator do HC apresentado indeferiu
liminarmente o pleito por considerar inexistir interesse de agir da defesa do manejo
da ordem constitucional, pela inadequação da via eleita. Respeitosamente, não há
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falar-se em inadequação da via eleita, tendo em vista que em outubro de 2014 foi
proposto Recurso de Apelação, que, segundo andamento fornecido pelo sítio
eletrônico do próprio Tribunal, apenas em janeiro de 2015 foi encaminhada àquela
Corte para julgamento. Desta feita, ainda que pudesse se cogitar da inadequação da
via eleita, há EVIDENTE incompatibilidade entre o objeto da Apelação e a delonga
(superior a 3 meses) apenas para o envio dos autos ao Tribunal ad quem.
Contudo, também não há falar-se em inadequação da via
eleita diante do OBJETO do presente remédio, que visa sanar constrangimento ilegal
à liberdade de locomoção do Paciente, que encontra-se privado de sua liberdade em
razão de decisão do Juízo a quo que, além de evidentemente desproporcional, não
observou requisitos legais expressos. A teratologia das citadas decisões é marcante.
Assim, como é cediço, em casos de grave ilegalidade, abuso e
teratologia, como o presente, tanto o STJ como o STF têm superado o disposto na
súmula para conhecer do writ. Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A TRÁFICO ILÍCITO DE
ENTORPECENTES. INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO.
ROL TAXATIVO DO ART. 122 DO ECA. AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA
OU GRAVE AMEAÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE
NEGOU O PEDIDO DE TUTELA LIMINAR. SÚMULA 691/STF.
FLAGRANTE ILEGALIDADE. PARECER DO MPF PELO NÃO
CONHECIMENTO E PELA CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE
OFÍCIO, APENAS PARA ANULAR A SENTENÇA DE PRIMEIRO
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GRAU, TÃO-SOMENTE NO TOCANTE À MEDIDA DE
INTERNAÇÃO, A FIM DE QUE OUTRO DECISUM SEJA
PROLATADO.
1. Não se admite a impetração de Habeas Corpus neste STJ
contra decisão monocrática denegatória de liminar em writ
anterior, sob pena de indevida supressão de instância, a teor da
Súmula 691 do colendo STF.
2. Todavia, é assente, a possibilidade de mitigação desse
enunciado, em hipóteses excepcionais, como no caso em que
emergir dos autos situação de flagrante ilegalidade ou de
abuso de poder.
3. Esta Corte já pacificou a orientação de que a gravidade do
ato infracional equiparado ao tráfico de entorpecentes, por si
só, não autoriza a aplicação da medida sócio-educativa de
internação.
4. No caso em apreço, verifica-se que a decisão combatida
padece de flagrante ilegalidade, uma vez que diverge da
orientação já pacificada nesta Corte Superior, ensejando, no
caso, a mitigação do enunciado 691/STF.
5. Parecer do Ministério Público Federal pelo não
conhecimento e pela concessão da ordem de ofício.
6. Ordem não conhecida. Habeas Corpus concedido de ofício,
para anular a sentença de primeiro grau, tão-somente no
tocante à medida de internação, a fim de que outro decisum
seja prolatado, devendo, enquanto isso, permanecer o menor
em liberdade assistida, se por outro motivo não estiver
internado.” (STJ, HC 133864/SP, Quinta Turma, Rel. Min.
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Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08.09.2009) (g.n.)1.
Ademais, há de se considerar que, ainda que esta Corte
pudesse entender pela supressão de instância, mesmo que um novo Habeas Corpus no
Tribunal de Justiça fosse conhece, pelo tempo que se levaria em aguardar toda sua
tramitação, o remédio, ao tempo do julgamento, já terá perdido o objeto. Ou seja,
levando-se em consideração o tempo de julgamento de um habeas corpus, há notório
conflito de interesses entre a observância do posicionamento desta Suprema Corte e
a grave violação de direitos já suportada pelo Paciente. Neste sentido:
“DECISÃO: vistos, etc.
Trata-se de habeas corpus, aparelhado com pedido de medida
liminar, impetrado contra decisão de ministro do Superior
Tribunal de Justiça (relator do HC 245.560). Decisão que
indeferiu liminarmente o habeas corpus ali requestado, à falta
de seus pressupostos. 2. Pois bem, alega o impetrante que o
paciente responde pela suposta prática de ato infracional
equiparado ao delito tipificado no art. 33 da Lei 11.343/2006.
Afirma que a representação contra o menor foi julgada
procedente, sendo-lhe aplicada medida socioeducativa de
liberdade assistida. Contra essa decisão, manejou-se recurso de
apelação, provido para determinar a imposição ao paciente de
medida socioeducativa de internação. Aduz, por fim,
constrangimento ilegal suportado pelo paciente e requer “... o
conhecimento do presente Habeas Corpus, a concessão da
ordem em liminar, para determinar a revogação imediata da
1 No mesmo sentido, STJ, HC 178191 / SP, Sexta Turma, Rel. Min, Maria Thereza de Assis Moura, j. 02.06.2011.
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internação, com a consequente expedição de mandado de
desinternação e, ao final, requer seja confirmada a ordem,
cassando a decisão da autoridade coatora, expedindo o
competente alvará de soltura”. Donde o pleito de superação da
Súmula 691/STF. 3. Feito esse aligeirado relato da causa,
decido. Fazendo-o, pontuo, de saída, que o poder de cautela
dos magistrados é exercido num juízo prefacial em que se
mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a
impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se
prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus
provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos
requisitos da plausibilidade do direito (fumus boni juris) e do
perigo da demora da prestação jurisdicional (periculum in
mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo
oculi, portanto. Não sendo de se exigir do julgador uma
aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação
dos fatos que lhe dão suporte, sob pena de antecipação do
próprio conteúdo da decisão definitiva. 4. No caso, tenho por
configurados os requisitos necessários à concessão do
provimento cautelar requestado, apesar do óbice da Súmula
691 deste Supremo Tribunal Federal. 5. Com efeito, é firme a
jurisprudência deste STF no sentido da inadmissibilidade de
impetração sucessiva de habeas corpus , sem o julgamento de
mérito do HC anteriormente impetrado (cf. HC 79.776, Rel.
Min. Moreira Alves; HC 76.347-QO, Rel. Min. Moreira Alves; HC
79.238, Rel. Min. Moreira Alves; HC 79.748, Rel. Min. Celso de
Mello; e HC 79.775, Rel. Min. Maurício Corrêa). Jurisprudência,
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essa, que deu origem à Súmula 691/STF, segundo a qual não
compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas
corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas
corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar . 6.
Sucede que esse entendimento jurisprudencial sumular
comporta abrandamento, quando de logo avulta que o
cerceio à liberdade de locomoção do paciente decorre de
ilegalidade ou de abuso de poder (inciso LXVIII do art. 5º da
CF/88). O que me parece ser o caso dos autos. Caso em que
identifico a plausibilidade jurídica do pedido veiculado na
impetração. 7. De saída, consigno, que a Constituição assegura
o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e um
particular conjunto normativo-tutelar (arts. 227 e 228 da
Constituição Federal) aos indivíduos em desenvolvimento.
Conjunto, esse, do qual pinço o seguinte aspecto: “§ 3º O
direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: V-
obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa de
liberdade”. (...) 15. Esse o quadro, não obstante o óbice da
Súmula 691/STF, defiro a medida cautelar requestada. O que
faço para suspender os efeitos do acórdão que reformou a
decisão de primeiro grau. 16. Comunique-se, com a máxima
urgência.” (Supremo Tribunal Federal; Medida Cautelar no
Habeas Corpus 114450, Min. Presidente Ayres Brito, 23 de
julho de 2012)
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“DECISÃO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO
ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL – INADEQUAÇÃO. INTERNAÇÃO
– AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 122 DA LEI Nº
8.069/90 – IMPLEMENTO DE LIMINAR DE OFÍCIO. 1. O Gabinete
prestou as seguintes informações: O paciente, recolhido em 2
de março de 2013, foi denunciado pela suposta prática de ato
infracional correspondente ao delito definido no artigo 33 da
Lei nº 11.343/2006 (tráfico ilícito de entorpecentes). O Juízo da
Seção da Infância e Juventude da Comarca de Bauru/SP
determinou a internação provisória. Entendeu ser medida
“imperiosa” à garantia da ordem pública. Consignou haver o
adolescente cometido “crime grave”. Asseverou tratar-se de
“pessoa perigosa, com hábitos antissociais e que está inapta
para a vida em sociedade”, razão pela qual, “em liberdade, com
certeza, voltará a delinqüir”. Contra essa decisão, a Defensoria
Pública do Estado de São Paulo/SP impetrou habeas corpus no
Tribunal de Justiça do Estado, buscando a concessão de
liberdade. O relator, desembargador Antônio Carlos Tristão
Ribeiro, indeferiu a liminar. Destacou a ausência de
constrangimento ilegal. Argumentou que os pontos suscitados
demandavam amplo exame das circunstâncias do caso,
situação inviável ante os limites da cognição sumária. No
Superior Tribunal de Justiça – Habeas Corpus nº 268.971/SP –, a
defesa sustentou a ilegalidade da medida socioeducativa de
internação. O relator, ministro Campos Marques,
desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,
convocado, indeferiu, liminarmente, o pedido de habeas.
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Entendeu cabível e apropriada a sanção imposta. Apontou
inexistir decisão de mérito capaz de inaugurar a competência
do Superior Tribunal de Justiça, fazendo incidir à espécie o
Verbete nº 691 da Súmula do Supremo. Neste habeas, a
impetrante procura demonstrar a inadequação do
pronunciamento formalizado pelo Juízo, ressaltando a falta de
enquadramento do caso no artigo 122 da Lei nº 8.069/90.
Articula com o Verbete nº 492 da Súmula do Supremo, segundo
o qual “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só,
não conduz obrigatoriamente à imposição de medida
socioeducativa de internação do adolescente”. Sustenta não
haver ocorrido a prática de violência. Salienta existir evidente
constrangimento a justificar o afastamento do Verbete nº 691
da Súmula do Supremo. Requer, liminarmente, seja
determinada a liberação do paciente e a entrega à família. No
mérito, pretende a confirmação da providência, bem como a
imposição de medida socioeducativa diversa da internação. O
processo encontra-se instruído para exame do pedido de
concessão de liminar. 2. Este habeas ganha contornos de
substitutivo do recurso ordinário constitucional. Mostra-se,
assim, inadequado. O quadro retratado, no entanto, autoriza o
implemento de liminar de ofício. Conforme decorre do artigo
12 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90
–, a internação é providência excepcional. Apenas surge
cabível quando se cuidar de ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ocorrer
reiteração no cometimento de infrações graves ou houver o
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descumprimento reiterado e injustificável de medida
anteriormente imposta. Nota-se que, na decisão proferida no
Processo nº 161/13, o Juízo da Seção Infância e Juventude da
Justiça de São Paulo não aludiu a uma dessas premissas.
Apontou que o adolescente teria praticado crime grave e que
estaria em jogo a saúde pública. Partiu, então, para a
presunção do extravagante, ou seja, que, em liberdade, voltaria
a delinquir, ressaltando, com base na imputação, tratar-se de
pessoa perigosa. 3. Defiro a liminar, de ofício, para afastar a
internação. O menor, com o acompanhamento da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, deverá ser entregue à família.
4. Colham o parecer da Procuradoria Geral da República. 5.
Publiquem. Brasília – residência –, 30 de maio de 2013, às
18h25. Ministro MARCO AURÉLIO Relator”. (Supremo Tribunal
Federal; Medida Cautelar no Habeas Corpus 117633, Min.
Relator Marco Aurélio, 30 de maio de 2013).
Por todo o exposto, deve ser superado o óbice expresso na
Súmula 691, a fim de que as ilegalidades já perpetradas contra o Paciente não lhe
causem danos ainda mais graves.
II.2 – DA ILEGALIDADE DA MEDIDA IMPOSTA
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Considerando as normas expressas na Constituição Federal e
no Estatuto da Criança e do Adolescente, a aplicação de medida socioeducativa de
internação é completamente inadequada.
A despeito do fato de o tipo imputado envolver,
abstratamente, violência contra a pessoa, a conduta do adolescente não demonstra
gravidade em concreto, nos termos do art. 122, do ECA. Conforme reconhecido pelo
próprio órgão ministerial a liberdade assistida se mostra adequada para a continuidade
dos atendimentos e acompanhamento do jovem. Ainda nos termos consignados pelo
órgão constitucionalmente competente para promover a acusação, toda confusão
começou em situação cotidiana que poderia ter sido facilmente contornada com maior
perspicácia do educador, “o que parece ter faltado, desde o momento em que
amassou o copo do adolescente”. Aduz a acusação também que “a despeito de
reprovável a conduta do adolescente, os educadores da entidade não souberam
adequadamente lidar com questão disciplinar. Veja-se que toda problemática
eclodiu em razão de um copo de suco” (fls. 142).
Ainda que se considere estar provada a autoria e materialidade
delitiva de todos os atos imputados ao paciente, o que se faz apenas a título de
retórica, a aplicação de uma medida em meio aberto, eventualmente cumulada com
medida protetiva consistente em acompanhamento psicossocial, seria suficiente para
a responsabilização do Paciente.
Nesse sentido, é evidente que a medida aplicada ao paciente
foi desarrazoada. Ademais, o incidente não teria tomado a proporção que tomou se,
a suposta vítima, tivesse agido de forma adequada, com o profissionalismo que se
espera de um educador, que trabalha diariamente com crianças e adolescentes. Com
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efeito, não pode se negar que o adolescente está sendo responsabilizado, com uma
medida de tamanha gravidade, pela total falta de profissionalismo do educador do
lar.
Ademais, há de se considerar também que um adulto, em
situação semelhante, jamais seria condenado a uma pena privativa de liberdade,
razão pela qual há evidente constrangimento ilegal do paciente na manutenção da
internação. Logo, a sentença proferida pelo Magistrado a quo não violou apenas
norma infraconstitucional, que determina observância obrigatória da Legalidade nos
procedimentos afetos à Infância e Juventude, mas infringiu também dispositivo
constitucional que, à luz da doutrina da proteção integral, adotou em seu artigo 227,
§ 3º, inciso V, os princípios da necessidade, excepcionalidade e brevidade 2 ,
postulados de observância obrigatória quando da restrição da liberdade de crianças
e adolescentes.
Em razão dos citados princípios, que fundamentam e norteiam
a aplicação da medida de internação, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispôs
em seu artigo 122 as hipóteses taxativas de aplicação da medida de internação3 e,
mais, no parágrafo 2º, deste mesmo artigo, esclareceu que “em nenhuma hipótese
será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”.
2 CF - Art. 227. (...) § 3.º O direito da proteção especial abrange os seguintes aspectos:(...)V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade (...).
3 Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
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Dessa forma, deve representar fundamento essencial da
sentença que decreta a privação da liberdade a real necessidade de intervenção
socioeducativa na vida do adolescente, bem como a demonstração da impossibilidade
de aplicação de medida menos drástica. Ademais, deve o Magistrado ponderar os três
requisitos dispostos no §1°, do artigo 112, do ECA: “A medida aplicada ao adolescente
levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da
infração”, a fim de se aplicar a medida que mais se adeque ao adolescente.
Contudo, não foi o que se viu nos autos.
Além do fato narrado na representação configurar mais uma
‘ confusão generalizada’ do que um ato típico que deve ser ferozmente reprimido
pelo poder punitivo estatal, não pode se ignorar também, como já mencionado, que
a situação só tomou tal proporção por total falta de habilidade do educador, cuja
profissão seria justamente evitar o agravamento de situações de indisciplina.
Contudo, mesmo desconsiderando todas essas alegações, percebe-se que a conduta
do paciente, a despeito do tipo penal imputado, não apresente gravidade concreta.
Dessa forma, nada obstante a presente ordem não ter como
objeto reavaliar a prova produzida, cabe apenas destaca-la, sucintamente.
A própria vítima Alex afirmou que Daniel reagiu apenas
quando tirei ele da cozinha. Ele jogou a jarra de suco, que pegou na minha cabeça.
Minha cabeça ficou vermelha, mas não cortou. Quando os guardas foram apreendê-lo,
ele apenas se debateu e foram os demais meninos partiram para cima. Foi uma
confusão generalizada. Ele não xingou os guardas.
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No mesmo sentido, a testemunha Silvia relatou que logo após
o ocorrido conversou com Daniel, ele não estava tão tenso, a namorada sim. Os
demais adolescentes, quando viram os guardas na porta do Lar, ficaram com os ânimos
exaltados e por isso eles adentraram. O Daniel, antes da guarda chegar, estava
tranquilo. O tumulto generalizado começou quando a Tauani xingou os guardas. Os
outros adolescentes estavam excitados e xingando. Não ouvi ameaças. São comuns
episódios de indisciplina entre os jovens.
Conforme já expôs o ilustre Defensor Público Flávio Américo
Frasseto:
“Por diversas vezes, também, lembrou-nos o STJ que a
gravidade do ato infracional, como indicador isolado, não
justifica a adoção da medida mais severa. Trata-se de condição
necessária, mas não suficiente para a internação. Tampouco
basta agregar-se à gravidade do ato infracional menções
genéricas a passagens anteriores, maus antecedentes, vida
ociosa, falta de respaldo familiar como se tais circunstâncias
reclamassem, de forma natural, a segregação como estratégia
ressocializadora. A caracterização da excepcionalidade
motivadora da internação requer do magistrado um juízo mais
profundo e considerações mais amplas sobre múltiplos
aspectos do caso, que vá além dos habituais automatismos
lógicos-dedutivos utilizados nas sentenças”. (Ato Infracional,
Medida Socioeducativa e Processo: a Nova Jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça. Disponível no site:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?
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idPagina=3066, São Paulo, 2002, p. 15, visualizado em
04/07/2013 – sem grifo no original).
Este Superior Tribunal de Justiça, indubitavelmente, não
desconhece que a realidade da internação em muito foge da finalidade educativa
erigida pelo ECA, e, considerando as circunstâncias pessoais de Daniel,
institucionalizado desde os 5, não deve restar dúvida que a manutenção da medida
socioeducativa de internação somente agravará o processo de estigmatização do
jovem, que, desde a infância encontra-se privado do convívio familiar, e agora será
privado também do regular convívio com todas as pessoas que mantém com ele laço
de afeto e amizade.
Diante do exposto, nos termos dos artigos 121 e 122, §2º,
tendo em vista que não estão presentes os requisitos para aplicação da internação,
e, em razão dos citados postulados constitucionais, requer-se a imediata colocação
do jovem em medida em meio aberto, nos termos pleiteados pelo Ministério Público
em sede de memoriais.
III – DA CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM
Considerando todo o conteúdo exposto, estão presentes
os requisitos que autorizam a concessão, em caráter liminar, da ordem de habeas
corpus, com o fim de relaxar a internação provisória da paciente. Senão vejamos.
A matéria é exclusivamente de direito. A fumaça do bom
direito reside, além dos documentos já acostados (Cópia integral dos autos), em todas
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as alegações expendidas. Trata-se de simples subsunção do fato à lei, que impõe que
toda internação provisória seja devidamente fundamentada. Exceções não podem
ser admitidas no que tange ao respeito aos direitos e garantias de crianças e
adolescentes submetidos a processo socioeducativo, sob pena de violação, não só do
devido processo legal, como ao próprio Estado Democrático de Direito.
Ademais, em caso de dúvida desse Ilustre Julgador,
considerando o delito em tese praticado e os direitos fundamentais em conflito, há de
se ponderar e optar, no caso concreto, pela situação mais favorável ao paciente, qual
seja, sua imediata liberação.
Tendo em vista que o processo socioeducativo (e todos os
outros) possui como fundamento de existência a necessidade de cumprir alguma
finalidade que, nesse caso, seria a responsabilização do jovem, conforme
demonstrado, pelas circunstâncias concretas, tratando-se de ato que não envolve
violência ou grave ameaça, e considerando que o jovem não é reiterante na prática de
atos graves, como ao final restaria ilegal a imposição de medida de internação, o
decreto de internação provisória mostra-se desproporcional.
Por sua vez, o perigo na demora também é evidente, pois,
como mencionado, o paciente encontra-se custodiado desde 09/09/2014, em razão de
ato legal que não cumpriu as finalidades expressas no ECA e na Constituição Federal,
ensejando grave constrangimento ilegal, que só se perpetuará caso não concedida a
presente ordem.
IV – DOS PEDIDOS
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Diante do exposto, requer:
a) a concessão, em caráter liminar, da ordem de habeas
corpus para determinar a imediata colocação do paciente em liberdade assistida,
conforme pleiteado pelo Ministério Público e Defensoria Pública;
b) a intimação do I. representante do Ministério Público
para intervir no feito;
c) a concessão, ao final, do pedido formulado, a fim de
tornar a liminar definitiva, reconhecendo-se a total inadequação da medida ao caso
concreto;
d) com fundamento no art. 128, I da LC nº 80/94, seja
esta Defensora Pública intimada pessoalmente de todos os atos e decisões praticados
no feito, mesmo que tal se dê mediante carta, com aviso de recebimento, a ser
enviada em seu nome na sede da Defensoria Pública em Ferraz de Vasconcelos.
Termos em que,
Pede deferimento.
Ferraz de Vasconcelos, 12 fevereiro de 2015.
RAFAELA SOARES MOURÃO SOUSA
1a Defensoria Pública de Ferraz de Vasconcelos
Av. Santos Dumont, 1535 - Ferraz de Vasconcelos/SP – CEP: 08531-100 – Tel.: (11) 4678-3076.18