Post on 01-Feb-2021
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ (A) FEDERAL DA ____ VARAFEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO PARÁ, pelo Procurador da República e pela Promotora de Justiça
que a esta subscrevem, no exercício das funções institucionais, em especial, as
previstas nos arts. 127 caput e art. 129, inciso III, da Constituição da República;
art. 6º, VII, b e c, da Lei Complementar n. 75/93; art. 25, IV, a e b, da Lei nº
8.625/93 e nos artigos 1º, IV e 5º, I da Lei nº 7.347/85, vêm propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face do:
MUNICÍPIO DE SALVATERRA, pessoa jurídica de direito público
interno, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.884.517/0001-10, com sede na Rua
Victor Engelhard, nº 123, Bairro Centro, Salvaterra-PA, CEP 68.860-000,
Telefone: (91) 3765-1436, e-mail: procuradoriasalvaterra@gmail.com,
representada pelo Exmo. Sr. Prefeito ou Pelo Procurador Municipal.
VALENTIM LUCAS DE OLIVEIRA, brasileiro, Prefeito Municipal de
Salvaterra-PA, nascido em 21/05/1967, filho de Maria Helena Lucas, CPF
nº 293.686.262-00, podendo ser intimado no endereço da Prefeitura na Av. Victor
Engelhard, esquina com a Rua Cearense, Bairro Centro, Salvaterra-PA;
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ESTADO DO PARÁ, representado pela Procuradoria-Geral do Estado
localizada na Rua dos Tamoios, 1671, CEP: 66033-172, Batista Campos, Belém-
PA;
JOABE DAUZACKER MARQUES, brasileiro, solteiro, comerciante,
RG nº 2130909, CPF nº 035.914.431-40, residente na Avenida Hélio Gueiros,
nº212, condomínio Riviera Green, Casa nº 48, Bairro 40 horas (Coqueiro), CEP
67120-370, Ananindeua- Pará, telefone (091) 99182-9190;
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
(INCRA), pessoa jurídica de direito público, representada pela Procuradoria
Federal Especializada junto ao INCRA, cujo endereço é Rodovia do Murucutum,
sem número, Estrada da CEASA, bairro Souza, Belém/PA, CEP 66610-903;
UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada pela
Procuradoria da União no Pará, cujo endereço é Av. Assis de Vasconcelos, nº
625/623, Belém/PA, CEP 66017-070;
pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos:
I - DO OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente demanda tem como objeto:
I.1. Em sede de tutela provisória:
I.1.1. A realização de perícia para o levantamento e valoração de
danos ambientais eventualmente decorrentes das atividades
desenvolvidas no terreno localizado na Rodovia PA 154, Km 06, na Vila de
Condeixa por parte de Joabe Dauzacker Marques;
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I.1.2. A realização de perícia para o levantamento e valoração de
danos socioambientais decorrentes das atividades realizadas nas
Fazendas Boa Esperança e Jutuba sobre o Território Quilombola do
Rosário com o fim de reparação dos impactos já concretizados;
I.1.3. O bloqueio imediato das matrículas nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI
Salvaterra e nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra e seus registros
anteriores, nos moldes do art. 214, § 3º, da Lei nº 6.015/1973;
I.1.4. que a UNIÃO arrecade, declare de interesse do serviço
público, para fins de regularização fundiária de interesse social, e repasse
ao INCRA para destinar à Comunidade Quilombola do Rosário/Mangabal, o
imóvel da União, localizado no arquipélago do Marajó, município de
Salvaterra, descrito no RTID (Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação anexo), em favor do território quilombola do
Rosário/Mangabal, no prazo de 60 dias;
I.2. No mérito:
I.2.1. Declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
1184/2015 que autorizou a doação de terreno localizado na Rodovia PA 154,
Km 06, na Vila de Condeixa pela Prefeitura de Salvaterra em favor de Joabe
Dauzacker Marques;
I.2.2. Cancelamento das Licenças Ambientais vigentes para a
realização de atividades no terreno localizado na Rodovia PA 154, Km 06,
na Vila de Condeixa em nome de Joabe Dauzacker Marques;
I.2.3. A imposição de obrigação de fazer para que, diante da
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1184/2015 e do
cancelamento das licenças ambientais vigentes para atividades no terreno
localizado na Rodovia PA 154, Km 06, na Vila de Condeixa em nome de
Joabe Dauzacker Marques, sejam este e o réu Valentim Lucas de Oliveira
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obrigados a reparar os danos ambientais eventualmente identificados na
referida área;
I.2.4. O cancelamento da matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI
Salvaterra ante o reconhecimento da inconstitucionalidade da doação
efetivada pela Lei nº 1184/2015 e outras irregularidades verificadas no
próprio registro;
I.2.5. O cancelamento da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de
Salvaterra e seus registros anteriores referentes à Fazenda Boa Esperança
ante à não comprovação de destacamento do patrimônio público;
I.2.6. O cancelamento do CAR de Recibo nº PA1506302-
C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF das Fazendas Boa Esperança e
Jutuba ante à não comprovação do destacamento das áreas em relação ao
patrimônio público e dos outros 5 CARs também identificados pela SEMAS
na Nota Técnica nº 19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019 (fls. 296-300 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017), os quais estariam sobrepostos ao
Território Quilombola do Rosário;
I.2.7. O cancelamento da Licença de Atividade Rural nº 2168/2015
e Outorga nº 3822/2019 relativas às Fazendas Boa Esperança e Jutuba,
bem como outras licenças em vigor referentes a este imóvel em nome de
Joabe Dauzacker Marques;
I.2.8. A reparação dos danos socioambientais materiais e morais
causados ao Território Quilombola do Rosário em decorrência das
atividades desenvolvidas nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba por Joabe
Dauzacker Marques;
I.2.9. A destinação da indenização proveniente da reparação dos
danos socioambientais materiais e morais causados ao Território
Quilombola do Rosário/Mangabal em favor da ultimação do processo de
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão,
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titulação e registro do território ocupado pela comunidade remanescente
de quilombo do Rosário/Mangabal;
I.2.10. A condenação da UNIÃO e do INCRA ao pagamento de
indenização a título de dano moral coletivo em razão da demora no
processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação,
desintrusão, titulação e registro do território ocupado pela comunidade
remanescente de quilombo do Rosário/Mangabal e, além da UNIÃO e
INCRA, do ESTADO DO PARÁ, em razão dos danos morais causados à
comunidade por não ter sido considerada no processo de licenciamento
ambiental – que foi realizado sem estudo do componente quilombola e sem
obediência à C169 da OIT.
II - DOS FATOS.
A presente ação decorre das investigações realizadas no bojo do
Inquérito Civil nº 002048-040/2017 do Ministério Público do Estado do Pará e no
Inquérito Civil nº 1.23.000.000761/2016-87 do Ministério Público Federal, de
modo que a referência aos documentos de comprovação será realizada a partir
da indicação do número da folha de respectiva localização nos autos dos citados
Inquéritos Civis, cujas cópias seguem integralmente juntadas em anexo.
Conforme será explanado adiante, o presente caso versa sobre
irregularidades de registros e licenciamentos de atividades realizadas em
imóveis limítrofes a território quilombola em processo de titulação perante o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
A investigação foi iniciada a partir do recebimento de documento
intitulado “Carta de Repúdio à Implantação/Cultivo da Rizicultura na Ilha do
Marajó, precisamente no Município de Salvaterra, nas proximidades do quilombo
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do Rosário”, datado de 26 de setembro de 2014 (fl. 05 - Inquérito Civil nº
002048-040/2017).
Na referida carta, a Associação Comunitária de Remanescente de
Quilombola de Rosário expressou seu posicionamento contrário à instalação da
atividade de rizicultura em imóvel localizado nas proximidades do referido
Território Quilombola, devido aos impactos que seriam provocados à
comunidade, em especial no que se refere à possível contaminação do rio que
os moradores utilizam para realizar suas atividades pesqueiras, além de
utilização de agrotóxicos e desvio de cursos d´água. Também noticiaram que
uma extensa área fora desmatada e “feita aração para o referido plantio”. No
documento, foram relatados possíveis impactos decorrentes do uso de
agrotóxicos, tais como problemas respiratórios que estariam atingindo as
crianças das comunidades.
Também foi recebido, na oportunidade, documento intitulado “Projeto
de Lei nº 007/2014 de 31 de julho de 2014”, no qual se verifica a informação de
concessão de autorização ao Chefe do Poder Executivo do Município de
Salvaterra para a doação de uma área de 8.694 (sem a indicação de metros
quadrados ou hectares) a Joabe Dauzacker Marques, destinada ao
funcionamento de uma fábrica de beneficiamento e armazenamento de arroz, no
qual é possível verificar que foi atribuída dominialidade municipal ao referido
imóvel (fls. 04 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).
O Gestor Municipal de Salvaterra prestou informações ao Ministério
Público Estadual nos seguintes termos (fl. 17 - Inquérito Civil nº 002048-
040/2017):
Senhora Promotora,
Em atenção ao oficio nº 67/2015 –MP/PJS, que trata de doação de
terras pertencente à comunidade Quilombola do Rosário, oriundo
dessa Promotoria a seguir passo a me reportar:
Excelência, referido expediente encaminha oficio nº 122/2015-MP/8ªPJ
de Castanhal, subscrito pela Promotora de Justiça Ana Maria
Magalhães de Carvalho.
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Não existe em âmbito municipal doação de terreno na Comunidade de
Rosário em favor do Senhor Joabe Dauzacker Marques em área
quilombola.
A assessoria jurídica solicitou ao senhor acima mencionado que
apresentasse a documentação referente a área localizada na
Comunidade de Rosário, tendo sido apresentada Certidão de Bens do
Cartório de 1º Oficio de Soure, Licença de Atividade Rural e Carta de
localização quilombolas onde se verifica pelas legendas que a área em
questão não está em área quilombola (copias anexas).
Cumpre informar que o município através da Lei Municipal nº
1184/2015 (cópia anexa), doou ao referido senhor terreno com galpão
localizado na Vila de Condeixa, onde outrora funcionou uma antiga
fábrica de beneficiamento do fruto do abacaxi.
O prédio estava abandonado a mais de 10 (dez) anos e a doação
obedeceu aos tramites legais com avaliação prévia e autorização
legislativa.
Não houve licitação, pois, esta é dispensável quando o donatário não
for pessoa jurídica e que a doação contenha encargos e prazo de
cumprimento e clausula de retrocesso.
Conforme se depreende do corpo da Lei esta apresenta encargos,
prazo de cumprimento e cláusula de reversão.
O município com a doação visa ter futuramente uma fábrica de
beneficiamento e empacotamento de arroz que gerará empregos e
divisas para o município, porém se acautelou com a introdução da
cláusula de reversão.
O Prefeito Municipal de Salvaterra apresentou na oportunidade cópia
da Lei Municipal nº 1184/2015 de 02 de julho de 2015 que teria autorizado a
doação graciosa de terreno localizado na Vila de Condeixa a Joabe Dauzacker
Marques, nos seguintes termos (fls. 18 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017):
A Câmara Municipal aprovou e eu, Prefeito do Município de Salvaterra
sanciona e promulga seguinte lei:
Art. 1º- Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a doar, ao senhor
JOABE DAUZACKER MARQUES, o terreno localizado à Rodovia PA
154, Km 06, na Vila de Condeixa, uma área total de 8746 (oito mil
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setecentos e quarenta e seis metros) quadrados na cidade de
Salvaterra, de propriedade do Município, com as seguintes medidas e
confluências:
Lado Esquerdo: com terreno pertencente à Cleiton Bibiano, medindo
105 metros;
Lado Direito: Com terreno pertencente ao patrimônio público, medindo
126 metros;
Frente: rodovia PA-154, medindo 73 metros;
Fundos: área pertencente à comunidade da Vila de Condeixa, medindo
78 metros.
Parágrafo Único: O imóvel que trata este artigo destina-se ao
funcionamento de uma fábrica de beneficiamento e armazenamento de
arroz.
Art.2º - O beneficiado por esta lei não poderá, em qualquer tempo,
alienar o imóvel ou parte dele, sob pena de caducidade da doação e
reversão do imóvel, com todas as benfeitorias que nele existirem, ao
Patrimônio Municipal, sem qualquer ônus para o Município.
Art. 3º - O terreno de que trata esta Lei reverterá ao Patrimônio
Municipal, nas condições estabelecidas no artigo anterior, se no prazo
de 06 (seis) meses não colocar a empresa em pleno funcionamento e
uma vez extinta a empresa ou alteradas as suas finalidades ou ainda
quando mudar de endereço comercial para fora do município de
Salvaterra.
Art.4º A presente lei terá como objetivo principal:
a) a promoção da melhoria da qualidade de vida das famílias
circunvizinhas da fábrica;
b) criar e fomentar novos postos de trabalho diretos e indiretos,
especialmente por meio da cadeia produtiva da agricultura;
c) atender a demanda da mão de obra local, com oferecimento de
empregos.
Art. 5º- Esta Lei entra em vigor da data de sua publicação
Art. 6º - Revogam-se as disposições em contrário
Gabinete do Prefeito Municipal de Salvaterra, em 02 de julho de 2015.
Na resposta do Prefeito Municipal de Salvaterra, também foi
apresentada Licença Ambiental de Atividade Rural nº 2168/2015 em nome de
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Joabe Dauzacker Marques referente às Fazendas Boa Esperança e Jutuba (fls.
19 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).
Pelo exposto, observa-se que, inicialmente, havia dúvida sobre se o
terreno doado pela Prefeitura de Salvaterra a Joabe Dauzacker Marques seria
correspondente à área de cultivo de arroz às proximidades do Território
Quilombola do Rosário e se incidiria neste. Adiante, restou esclarecido, porém,
que a área onde seria implantada a rizicultura por Joabe Dauzacker Marques se
trataria das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, as quais seriam confinantes ao
Território Quilombola do Rosário e distintas do terreno doado pela Prefeitura
Municipal de Salvaterra à mesma pessoa acima referida. Este último estaria
localizado na Vila de Condeixa, cuja doação, conforme já exposto, foi realizada
por meio da autorização legal decorrente da Lei Municipal n.º 1184/2015 de 02
de julho de 2015.
II.1. DAS INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Com a apuração realizada nos autos do Inquérito Civil nº 002048-
040/2017, verificou-se: 1 - Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1184/2015
que autorizou a doação do terreno localizado na Vila de Condeixa pela Prefeitura
Municipal de Salvaterra a Joabe Dauzacker Marques; 2 - Irregularidades nos
registros imobiliários e no CAR das Fazendas Boa Esperança e Jutuba; e 3 -
Indícios de irregularidades no processo de Licenciamento Ambiental das
Fazendas Boa Esperança e Jutuba com elementos que indicam a não
consideração do Território Quilombola do Rosário para a emissão da Licença de
Atividade Rural nº 2168/2015, havendo possíveis impactos socioambientais a
reparar e outros a prevenir ante à obrigatoriedade de proteção do território
tradicional.
Por sua vez, com a apuração realizada nos autos do Inquérito Civil nº
1.23.000.000761/2016-87, além das constatações anteriores, verificou-se: 4 –
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Omissão do INCRA e da UNIÃO no processo de identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro do território ocupado
pela comunidade remanescente de quilombo do Rosário/Mangabal.
Tais constatações serão descritas nos itens seguintes:
II.1.1. Da doação de terreno localizado na Vila de Condeixa a Joabe
Dauzacker Marques pela Prefeitura Municipal de Salvaterra:
No início das investigações, conforme exposto nas linhas acima, o
Ministério Público do Estado do Pará recebeu cópia de Projeto de Lei nº
007/2014 de 31 de julho de 2014 que pleiteava a autorização legislativa para a
doação de terreno pertencente ao Patrimônio Municipal de Salvaterra em favor
de Joabe Dauzacker Marques, bem como a Carta de Repúdio da Associação
Comunitária de Remanescente de Quilombola de Rosário referente à instalação
de empreendimento de rizicultura nas proximidades do Território Quilombola (fls.
04-05 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017). Restou esclarecido, porém, que a
área doada seria diversa daquela onde seria implantado o cultivo de arroz, esta
última, sim, localizada nas proximidades do território quilombola.
A Prefeitura Municipal de Salvaterra, através do Ofício nº
018/2015/GBPMSVT (fl. 17 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), expôs que,
por meio da Lei Municipal nº 1184/2015, doou terreno localizado na Vila de
Condeixa a Joabe Dauzacker Marques, o qual estaria abandonado há mais de
10 anos, com a observância da legislação aplicável, tendo sido feita a avaliação
prévia e efetivada a doação através de ato legislativo. Esclareceu que não foi
realizada licitação em razão de que o donatário não seria pessoa jurídica e
de que a doação foi realizada contendo encargos, prazo de cumprimento e
cláusula de retrocesso. O objetivo da doação, segundo o gestor municipal,
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seria a futura implantação de fábrica de beneficiamento e empacotamento de
arroz que geraria empregos e divisas para o ente municipal em questão.
A Prefeitura Municipal de Salvaterra apresentou o shape file, o
Memorial Descritivo e o gerreferenciamento do terreno doado (fls. 50-76 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017).
Ao apresentar esclarecimentos nos autos do Inquérito Civil nº 002048-
040/2017 (fls. 227-231), Joabe Dauzacker Marques expôs que, no terreno
doado pela Prefeitura Municipal, localizado na Rodovia PA 154, Km 06, Vila de
Condeixa, seriam desenvolvidas atividades de armazenamento e silagem de
grãos com respaldo na Licença de Operação nº 005/2015 emitida pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Salvaterra (fl. 229 - Inquérito
Civil nº 002048-040/2017), a qual teria validade até 30 de dezembro de 2018.
Informou, ainda, que a área do empreendimento seria de 8.746m² e seria
desenvolvida por pessoa física. Reforçou que a área em questão foi objeto de
doação pela Prefeitura Municipal de Salvaterra por meio da Lei nº
1184/2015.
Adiante, em audiência extrajudicial de 17 de abril de 2018 (fls. 234-
235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), acerca da doação do terreno
localizado na Vila de Condeixa, Joabe Dauzacker Marques prestou, em resumo,
as seguintes declarações: que teria solicitado a doação do terreno de forma
verbal, o que teria sido deferido pelo Poder Público Municipal; que não teria
realizado nenhum pedido escrito; que não teria relação com o Prefeito Municipal
de Salvaterra; que a doação teria ocorrido sem procedimento formal, mas
apenas por pedido verbal de Joabe Marques ao Prefeito de Salvaterra; que,
quando recebeu a doação, já possuía as Fazendas Boa Esperança e
Jutuba.
Em decorrência das deliberações da audiência extrajudicial citada no
parágrafo acima, Joabe Dauzacker Marques apresentou a Certidão da
matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 - Inquérito Civil
nº 002048-040/2017). Da leitura da referida certidão, depreende-se que a
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matrícula em questão tem como objeto área de 8.694m², situada na Rodovia PA
154, Km 06, Vila de Condeixa, Município de Salvaterra-PA. Inicialmente, consta
a informação de que o Requerido Joabe Marques teria adquirido a área por
meio de Título de Doação expedido pela Prefeitura Municipal de Salvaterra
de acordo com a Lei nº 1163/2012. Em seguida, a Averbação nº 02/172 indica
que teria sido construído um galpão no terreno por Joabe Marques.
Ainda a partir da análise do inteiro teor da matrícula nº 172, fl. 177, L
2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), verifica-
se que o Registro nº 03/172, de 17 de julho de 2015, indica que a área foi
novamente objeto de doação decorrente da já citada Lei nº 1184/2015
efetuada pelo Poder Público Municipal de Salvaterra a Joabe Dauzacker
Marques. Vê-se, pois, que a matrícula imobiliária aponta que a mesma área foi
objeto de duas doações em momentos diferentes e à mesma pessoa. Além
disso, observa-se que o imóvel foi dado em garantia de crédito ao Banco da
Amazônia.
Verifica-se que tanto a Prefeitura de Salvaterra quanto o Requerido
Joabe Marques afirmam que o terreno da Vila de Condeixa teria sido objeto de
doação por meio da Lei Municipal nº 1184 de 02 de julho de 2015. Segundo
afirmado, a doação não teria sido precedida de qualquer procedimento
formal e teria sido iniciada a partir de requerimento verbal.
A inexistência de procedimento formal com o encadeamento de todos
os atos que culminaram na alienação do terreno onde seria instalada a fábrica
de beneficiamento de arroz viola princípios constitucionais basilares da
Administração Pública, a obrigatoriedade de licitação estabelecida também na
CF/88 e o interesse público que deve permear a gestão dos bens públicos.
Segundo alegado pela Prefeitura de Salvaterra, a doação teria
prescindido de licitação sob o fundamento de que esta seria dispensável em
razão do donatário ser pessoa física e de a doação ter sido realizada com
encargos. A não realização da licitação no presente caso é inconstitucional,
violando a obrigação prevista na Carta Magna da República. De fato, a
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Constituição Federal possibilitou que hipóteses excepcionais fossem dispostas
em lei, porém o caso em tela não recai em qualquer das ressalvas assentadas
na Lei nº 8.666/93 referentes às situações em que a licitação, na modalidade
concorrência , seria efetivamente dispensada.
Os fatos em questão apontam para a absoluta
inconstitucionalidade da Lei nº 1184/2015. Sendo declarada inconstitucional a
lei que autorizou a doação, por consequência, não pode permanecer qualquer
respaldo para que Joabe Dauzacker Marques continue se utilizando do terreno
para a realização de atividades econômicas, de maneira que devem ser
canceladas as licenças ambientais referentes ao terreno de Vila de
Condeixa, haja vista a apropriação e ocupação indevidas de bem público
para atender a expectativas eminentemente privadas.
Acerca das licenças ambientais para o terreno doado, onde seria
realizado o beneficiamento do arroz, nos autos do Inquérito Civil nº 002048-
040/2017, foi apresentada Licença de Operação nº 005/2015 emitida pela
SEMMA de Salvaterra em favor de Joabe Dauzacker Marques. A Licença de
Operação em questão teria sido requerida na data de 10 de janeiro de 2014,
ou seja, antes da própria doação realizada pela Lei nº 1184/2015. Ora, se o
imóvel ainda não tinha sido transferido ao patrimônio do particular Joabe
Marques, como este poderia ter pleiteado o licenciamento ambiental para
atividades a serem realizadas na referida área? Pior ainda, como o Poder
Público poderia ter emitido a licença em questão?
Observa-se, portanto, a ilegalidade da expedição da Licença de
Operação nº 005/2015, a qual, tendo em vista a validade até o dia 30 de
dezembro de 2018, não pode ter prosseguimento com renovações, devendo ser
canceladas as licenças atualmente vigentes e reparados os danos ambientais
provocados na área. Vale destacar mais um elemento de, no mínimo,
inconsistência do referido documento: trata-se de uma Licença de Operação
com numeração do ano de 2015, que teria sido requerida em janeiro de 2014,
mas tem assinatura datada de 02 de janeiro de 2013.
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Diante da constatação de que a ocupação é indevida e de que devem
ser canceladas as licenças ambientais, faz-se necessária a reparação dos danos
ambientais eventualmente decorrentes das atividades realizadas por Joabe
Dauzacker Marques no terreno da Vila de Condeixa a fim de se recompor o
status quo ante e do imóvel ser restituído ao patrimônio público para a
destinação de acordo com os imperativos do ordenamento jurídico.
Pelo que consta demonstrado nesta oportunidade, também deve ser
combatida a matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra (fls. 243-244 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017) por padecer de vícios insanáveis. A
referida matrícula indica duas doações realizadas a Joabe Dauzacker
Marques tendo como objeto o mesmo terreno da Vila de Condeixa, uma
realizada no ano de 2012 e outra em 2015, envolvendo as mesmas partes, as
quais afirmam que a área teria sido doada efetivamente em 2015.
O mesmo imóvel não poderia ser objeto de duas doações, não
havendo, na matrícula, qualquer ato acerca do cancelamento do registro da
primeira doação, existindo, portanto, uma clara irregularidade registral, que
deve desembocar no seu cancelamento. Isto é reforçado pela demonstração de
nulidade da doação realizada através da Lei nº 1184/2015, a qual as partes
afirmam ser efetivamente o ato do qual decorreu a transferência do imóvel para
o patrimônio particular. Além disso, da Certidão de Inteiro Teor da matrícula ora
em comento, também se observa a prática de ato ilegal pelo Requerido Joabe
Marques ao dar em garantia de crédito oriundo de instituição financeira a área
objeto de doação nula.
Isto posto, da declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
1184/2015 no tocante à doação do terreno da Vila de Condeixa, pleiteada por
meio desta ação, também deve decorrer o cancelamento de todas as licenças
ambientais em vigor para atividades na referida área em nome do Requerido
Joabe Marques; a determinação de reparação dos danos ambientais
eventualmente praticados no terreno em questão; e o cancelamento da matrícula
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nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra em razão de negociações ilegais
envolvendo o patrimônio público.
II.1.2. Irregularidades nos registros imobiliários e no CAR das Fazendas
Boa Esperança e Jutuba:
Conforme o Termo de Declarações de 17 de abril de 2018 (fls. 234-
235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), o Requerido Joabe Dauzacker
Marques informou que existiriam duas áreas de sua propriedade, sendo uma
onde ocorre a produção de arroz nas margens do Rio Camará, próxima à
Comunidade do Rosário, e outra na Vila de Condeixa, a qual seria utilizada
apenas para silagem e armazenamento de grãos. Esclareceu que se tratariam,
na verdade, de três imóveis rurais, de modo que a área onde ocorre o cultivo de
arroz seria composta da Fazenda Boa Esperança, objeto da matrícula nº 4246,
fl. 165, L 20, CRI Soure (fl. 23 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017) e de uma
outra porção de terras de 750ha sem registro imobiliário, denominada Jutuba.
Além disso, haveria o terceiro imóvel tocante ao terreno doado pela Prefeitura de
Salvaterra, localizado na Vila de Condeixa, onde seria feito o beneficiamento de
arroz. Na referida audiência extrajudicial, determinou-se, ao Requerido Joabe
Marques, que apresentasse Certidão de Inteiro Teor das três áreas referidas.
Em atenção ao compromisso firmado, no tocante aos registros das
Fazendas Boa Esperança e Jutuba, o Requerido apresentou certidão de inteiro
teor da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra (fls. 240-242 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017). A citada matrícula faz referência apenas
ao imóvel denominado Boa Esperança com área de 2311, 7371ha e indica as
matrículas nº 4246, fl. 165, L 2-O e nº 144, fl. 145, L 2-RG, ambas do CRI de
Soure, como registros anteriores.
A matrícula nº 4246, fl. 165, L 2-O, CRI de Soure (fls. 23-27 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017) também possui como objeto a Fazenda
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Boa Esperança localizada nas margens do Rio Camará, Município de Salvaterra,
com área de 2.311,7371ha de propriedade de Joabe Dauzacker Marques. Nesta
matrícula, consta averbação de encerramento em agosto de 2015 no Cartório de
Soure, advindo, posteriormente, a supracitada matrícula nº 216, fl. 225, L 2-A, no
Cartório de Registro de Imóveis de Salvaterra, onde a Fazenda Boa Esperança
está localizada. Analisando a cadeia dominial, a matrícula nº 4246, fl. 165, L 2-O,
CRI de Soure aponta como registro anterior a matrícula nº 144, fl. 145, L 2-RG,
do CRI de Soure.
A matrícula nº 144, fl. 145, L 2-RG, do CRI de Soure (fls. 307-317 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017) tem como objeto área desmembrada da
Fazenda Santa Rita, a qual, conforme as transmissões entre particulares
indicadas na Certidão de Inteiro Teor, foi adquirida por Joabe Dauzacker
Marques por meio de Escritura Pública de Compra e Venda de 27 de setembro
de 2012. Da leitura da certidão de inteiro teor da matrícula nº 144 (fls. 307-317 -
Inquérito Civil nº 002048-040/2017), depreende-se que, após a certificação do
georreferenciamento, foi encerrada a matrícula nº 144 e transferida para a
matrícula nº 4246 em 10 de abril de 2015. Por fim, deve-se ressaltar que a
matricula nº 144, fl. 145, L 2-RG, do CRI de Soure aponta como registro anterior
a transcrição constante do L 3-A, fl. 66v, nº 942, do CRI de Soure, cuja certidão
não foi remetida pelo Cartório, conforme exposto a seguir, ou apresentada por
Joabe Marques.
Por meio do Ofício nº 230/19-MP/8ªPJ (fl. 278 - Inquérito Civil nº
002048-040/2017), o Ministério Público requereu, ao Cartório de Registro de
Imóveis de Soure, todos os registros anteriores da matrícula nº 216, fl. 225, L 2-
A, CRI de Salvaterra a fim de verificar a cadeia dominial. Em resposta, por meio
do Ofício nº 0022/2019 (fl. 303-318 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), o
Cartório de Soure encaminhou apenas as certidões de inteiro teor das matrículas
nº 4246, fl. 165, L 2-O e nº 144, fl. 145, L 2-RG, não apresentando a certidão da
transcrição do L 3-A, fl. 66v, nº 942, do CRI de Soure e de possíveis registros
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anteriores, que permitiriam prosseguir na análise da cadeia dominial da Fazenda
Boa Esperança e na verificação sobre o destacamento do patrimônio público.
Por sua vez, embora na audiência extrajudicial de 17 de abril de 2018
(fls. 234-235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017) tenha sido determinada, ao
Requerido Joabe Marques, a apresentação das Certidões de Inteiro Teor das
três áreas, este apresentou (fls. 240-244 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017),
em relação à Fazenda Boa Esperança, apenas a certidão da matrícula nº 216, fl.
225, L 2-A, CRI de Salvaterra e a certidão da matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI
Salvaterra referente ao terreno doado pela Prefeitura de Salvaterra. Vê-se, pois,
que o Requerido não apresentou os registros anteriores da matrícula da
Fazenda Boa Esperança com o fim de demonstrar o destacamento do
patrimônio público e não juntou qualquer documento da Fazenda Jutuba,
não se desincumbindo do ônus de demonstrar a regular aquisição de
propriedade do imóvel e seu regular destacamento do patrimônio público.
Ao apresentar informações nos autos do Inquérito Civil nº 002048-
040/2017, o ITERPA (fl. 49) expôs a existência de pedido de regularização
fundiária protocolado sob o nº 2014/540896, em nome de Joabe Dauzacker
Marques, relativo à Fazenda Jutuba, com área de 1225,9021ha. No documento,
o ITERPA ressaltou a existência de CAR nº 160076 (Título nº 90606/2014) que
seria referente às Fazendas Boa Esperança e Jutuba e indicaria como
fundamento a matrícula nº 144. Sem acesso ao inteiro teor da matrícula, o
ITERPA declarou que se poderia presumir apenas que a Fazenda Boa
Esperança teria sido destacada do patrimônio público, reforçando as
constatações acerca do não destacamento da Fazenda Jutuba do
patrimônio público, já que haveria pedido de regularização fundiária em
relação a esta.
Conforme já exposto acima, a matrícula nº 144, L 2-RG, fl. 145, CRI
de Soure se encontra na sequência de registros da cadeia dominial da Fazenda
Boa Esperança, a qual teria área de 2311, 7371ha. Logo, vislumbra-se que o
CAR em questão (fl. 108 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), de forma
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irregular, tem como objeto área de 3539,5194ha, referente à somatória das
Fazendas Boa Esperança e Jutuba, de modo que essa última ainda se
encontrava em processo de regularização fundiária. Além disso, ainda traz
como fundamento registro imobiliário que não corresponde à totalidade do
imóvel inscrito no SICAR.
Desse modo, ao indicar registro imobiliário no CAR, Joabe Marques
se fundamenta em suposto direito de propriedade, porém, como já elucidado, o
referido não é proprietário da Fazenda Jutuba, posto que os registros de
imóveis não correspondem a esta porção de terras e para a qual requereu a
regularização fundiária no ITERPA.
Na Análise Técnica nº 782/2018 (fls. 267-273 - Inquérito Civil nº
002048-040/2017), elaborada também pelo Grupo de Apoio Técnico
Interdisciplinar do MPE/PA, verificou-se que a área constante no CAR das
Fazendas Boa Esperança e Jutuba, supracitado, seria maior do que aquela
inscrita no Registro de Imóveis e certificada no SIGEF, o que indicaria a
existência de ilegalidade no CAR em questão haja vista a inserção de área
não destacada do patrimônio público.
Além disso, conforme consta na Análise Técnica nº 782/2018, a área
de Reserva Legal indicada no CAR seria de apenas 14,5% da área total
apontada no referido documento, demonstrando o descumprimento das
disposições legais acerca dos percentuais de Reserva Legal de imóveis
localizados na Amazônia Legal.
Verifica-se que, ao constar a Fazenda Jutuba no CAR, tendo este
área maior do que aquela inserida nos registros imobiliários da Fazenda
Boa Esperança, verifica-se que o Requerido Joabe Marques incluiu, no
SICAR, um sistema público, terras públicas sobre as quais não é possível
reconhecer a posse, tampouco a propriedade. Desse modo, o Código
Florestal dispõe que deve ser realizado o CAR em áreas de posse ou
propriedade, não se verificando quaisquer das hipóteses no presente caso,
razão pela qual o CAR deve ser cancelado.
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Ademais, inobstante a oportunidade conferida no curso das
investigações, o Requerido Joabe Marques não apresentou, também,
demonstração da cadeia dominial completa da Fazenda Boa Esperança
com a comprovação do destacamento da área em relação ao patrimônio
público, o que deve culminar no cancelamento dos registros referentes a
este imóvel.
II.1.3. Irregularidades no Licenciamento Ambiental das Fazendas Boa
Esperança e Jutuba ante à não consideração de impactos sobre a
Comunidade Quilombola do Rosário:
Com o fim de realizar o levantamento dos possíveis impactos
socioambientais sobre o Território Quilombola do Rosário decorrentes da
rizicultura desenvolvida nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba, foi realizada
Vistoria por técnicos do Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar do Ministério
Público do Estado do Pará (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).
Segundo consta na Nota Técnica da vistoria acima referida (fls. 80-98
- Inquérito Civil nº 002048-040/2017), a Comunidade do Rosário está
localizada na zona rural de Salvaterra-PA. Conforme relatado no documento
supramencionado, por meio de cadastro realizado pelo INCRA em 2014, foram
identificados, na área, 144 moradores e 38 residências. Através da vistoria,
constatou-se que, no território da Associação Comunitária de Remanescente de
Quilombo de Rosário, existem duas áreas de moradia – Rosário e Mangabal,
bem como vastas áreas de florestas e campos com cursos d’água usados pela
população local para deslocamento e provisão alimentar.
Pelo trabalho de campo, ainda foi possível apurar a característica
peculiar do território, o qual, no inverno, tem vasta porção de sua área inundada,
de maneira que as roças são desenvolvidas nas chamadas “ilhas”, constituindo-
se em trechos que não alagam durante o tempo das chuvas. Assim como as
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“ilhas”, também são de grande importância para a comunidade os igarapés e
furos.
Pela oitiva das lideranças da comunidade, pôde-se coletar as
informações de que o escoamento da produção de arroz do imóvel limítrofe
estaria sendo realizado por dentro do território quilombola através de
caminhões que trafegariam em velocidade inadequada; que as atividades
do empreendimento de rizicultura teriam iniciado em 2014 sem o contato
prévio com os moradores da Comunidade Quilombola; que a rizicultura
estaria sendo desenvolvida em área de uso da comunidade; que os
comunitários não teriam sido esclarecidos sobre a utilização de
agrotóxicos, de modo que a hidrodinâmica do território quilombola, com
inundações em determinados períodos do ano, poderia contribuir para a
dispersão dos produtos químicos; que não teria sido realizada Consulta
Prévia por parte da SEMAS para o licenciamento da atividade de rizicultura;
que os canais abertos dificultariam o tráfego dentro do território
quilombola; que os igarapés, que constituiriam áreas de coleta, pesca e
caça da comunidade, estariam sendo utilizados para drenar a água através
dos canais; e que teria havido alterações da paisagem natural.
As lideranças comunitárias também relataram que o proprietário das
Fazendas Boa Esperança e Jutuba já teria oferecido apoio e serviços à
comunidade, a qual os teria aceitado, ressaltando, inclusive, que isto teria sido
incentivado pela Prefeitura de Salvaterra em algumas situações. Tais serviços
perpassaram, por exemplo, reforma de igreja e mecanização de uma área de
cultivo da comunidade.
Ademais, os técnicos verificaram que áreas importantes não apenas
para a Comunidade do Rosário, mas também para outros territórios
quilombolas, passaram a estar inseridas nas Fazendas Boa Esperança e
Jutuba, tendo José Marques “autorizado” que a comunidade continuasse
utilizando as referidas porções de terras. Desse modo, observou-se que, mesmo
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reconhecendo a ancestralidade de tais áreas, os quilombolas não apresentavam
oposição aos particulares que se declaram proprietários das referidas fazendas.
Em oitiva de representantes da Comunidade Quilombola do Rosário
realizada em 04 de outubro de 2017 (fl. 158 - Inquérito Civil nº 002048-
040/2017), estes afirmaram que não teria havido confirmação de contaminação
por agrotóxicos e que as Fazendas Boa Esperança e Jutuba não estariam dentro
do território coletivo, o que teria sido constatado a partir de trabalho realizado
pelo INCRA. Relataram, porém, a existência de temor em relação à pulverização
aérea de agrotóxicos realizada nos imóveis citados e que os caminhões de
escoamento da produção de arroz passam por dentro do território, causando
impactos como a morte de animais e danos às estradas.
Dentre as deliberações da audiência extrajudicial realizada no dia 17
de abril de 2018 entre a Promotoria de Justiça Agrária da 1ª Região e Joabe
Dauzacker Marques (fls. 234-235 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017),
constou a determinação de que este último apresentasse a declaração dos
agrotóxicos utilizados nas Fazendas Boa Esperança e Jutuba com a indicação
do profissional responsável pelo assessoramento do manejo de tais produtos.
Em atenção ao compromisso firmado na audiência extrajudicial
supracitada, Joabe Marques apresentou prescrição de uso de defensivos
agrícolas para a Cultura do Arroz Sequeiro (fls. 237-239 - Inquérito Civil nº
002048-040/2017), datada de 27 de abril de 2018 e assinada por André Bueno
Barros, Engenheiro Agrônomo. Posteriormente, apresentou cópias de
receituários agronômicos e comprovante de devolução de embalagens vazias de
agrotóxicos (fls. 282-295 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017).
Conforme já exposto anteriormente, constam declarações de
membros da Comunidade Quilombola do Rosário acerca da realização de
pulverização aérea de agrotóxicos pelo Requerido nas Fazendas Boa Esperança
e Jutuba (fl. 158 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), as quais são
confinantes ao território quilombola. São vislumbrados riscos de
contaminação à comunidade quilombola limítrofe.
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No âmbito das investigações, foi apresentada cópia da Licença de
Atividade Rural nº 2168/2015 (fl. 19 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), para
cultura de ciclo curto, emitida em nome de Joabe Dauzacker Marques, a qual
fora requerida em 04 de junho de 2013 por meio do processo nº
2013/0000017238, tendo validade até 14 de junho de 2020.
Embora nos autos do Inquérito Civil nº 002048-040/2017, em anexo,
constem apenas cópias incompletas da LAR nº 2168/2015, em pesquisa
realizada no sítio eletrônico da SEMAS, foi possível acessar a versão completa
do documento citado. A análise da LAR em questão permitiu a constatação
de inexistência de quaisquer condicionantes referentes ao Território
Quilombola do Rosário ou a outros territórios tradicionais nas
proximidades das Fazendas Boa Esperança e Jutuba.
A desconsideração de impactos sobre o território quilombola do
Rosário por ocasião do licenciamento da rizicultura é reforçada pelas
declarações de membros da comunidade, por ocasião da Vistoria de técnicos do
MPPA (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº 002048-040/2017), de que a comunidade
jamais teria sido consultada sobre a implantação do empreendimento e,
tampouco, esclarecida acerca dos possíveis impactos da atividade.
Além disso, na mesma Nota Técnica (fls. 80-98 - Inquérito Civil nº
002048-040/2017), os membros da Comunidade Quilombola do Rosário
afirmaram a informalidade de tratativas com os proprietários das Fazendas Boa
Esperança e Jutuba, os quais lhes ofereciam determinados serviços. Deve-se
ressaltar, ainda, que as referidas declarações indicaram ações do Poder Público
que reforçariam as interferências no território quilombola por parte dos titulares
do empreendimento.
No Inquérito Civil nº 002048-040/2017, juntamente com a Licença de
Atividade Rural nº 2168/2015, consta documento denominado “Carta de
Localização Quilombola” (fls. 21-22). Não se tem clareza acerca da finalidade da
elaboração de tal documento ou se o mesmo foi apresentado no processo de
licenciamento, mas o que se observa é que o referido mapa não expõe que as
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Fazendas Boa Esperança e Jutuba são limítrofes ao Território Quilombola do
Rosário.
A SEMAS, por meio da Nota Técnica nº
19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019 (fls. 296-300 - Inquérito Civil nº 002048-
040/2017), informou a existência de dois processos em nome de Joabe
Dauzacker Marques, quais seriam: 1 - processo nº 2013/0000017238 referente à
Licença de Atividade Rural nº 2168/2015, já referido; e 2 - processo nº
2019/0000012206, referente a pedido de outorga.
Ao realizar a busca no sítio eletrônico da SEMAS acerca do processo
nº 2019/0000012206, verificou-se que se trataria de pedido de outorga para
captação de água superficial no Rio Camará em ponto localizado nas Fazendas
Boa Esperança e Jutuba. Mais uma vez, não são verificadas condicionantes
relativas ao Território Quilombola do Rosário ou outra comunidade
tradicional. Além disso, a outorga foi deferida e tem validade até 16 de
julho de 2024 (Outorga nº 3822/2019).
Na mesma Nota Técnica nº 19309/GEOSIG/DIGEO/SAGRA/2019,
elaborada pela SEMAS, consta a informação de que existem 6 Cadastros
Ambientais Rurais incidentes no Território Quilombola do Rosário, dentre
eles um seria de Joabe Dauzacker Marques (Recibo PA1506302-
C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF), cuja sobreposição deste seria de
pouco mais de 4ha.
Pelo exposto, depreende-se que os impactos socioambientais
decorrentes das atividades desenvolvidas nas Fazendas Boa Esperança e
Jutuba sobre o Território Quilombola do Rosário não foram objeto de avaliação
prévia ou posterior e que, tampouco, a comunidade foi esclarecida ou
consultada acerca da implantação do empreendimento.
Tem-se, pois, violação de normas referentes à proteção dos territórios
quilombolas e de seu entorno enquanto área de amortecimento dos impactos
decorrentes de externalidades negativas de empreendimentos econômicos ou
de outras espécies. Além disso, são violados regramentos referentes à
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autodeterminação das comunidades tradicionais e ao seu direito de serem
consultadas acerca de quaisquer iniciativas que sejam potencialmente
causadoras de danos.
Desse modo, considerando as irregularidades do próprio Cadastro
Ambiental Rural das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, cujo cancelamento é
pleiteado por meio desta ação, e considerando as irregularidades do próprio
licenciamento ambiental das atividades dos imóveis referidos, devem ser
canceladas a LAR expedida para as Fazendas Boa Esperança e Jutuba,
com validade até o dia 14 de junho de 2020, e a Outorga vigentes. Ademais,
deve haver a avaliação dos danos socioambientais já causados até o
momento para que sejam devidamente reparados. Por fim, observa-se,
ainda, a existência de 6 Cadastros Ambientais Rurais sobrepostos ao
território, os quais não são de titularidade da comunidade quilombola,
devendo, portanto, haver o cancelamento dos registros no SICAR.
II.1.4. Da omissão do INCRA e da UNIÃO no processo de identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro
do território ocupado pela comunidade remanescente de quilombo do
Rosário/Mangabal:
O processo de regularização fundiária da comunidade quilombola do
Rosário/Mangabal se iniciou no dia 31/01/2007 no Instituto de Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA (Proc. nº 54100.000076/2007-11, em
anexo), ou seja, há mais de 13 (treze) anos e até hoje não foi concluído.
A referida comunidade quilombola teve seu RTID (Relatório Técnico
de Identificação e Delimitação – Documento em anexo) publicado após 10
(dez) anos de tramitação do procedimento e até hoje ainda não foram ultimadas
as demais fases do processo administrativo.
Os argumentos apresentados pelo INCRA para justificar a demora
não se mostram razoáveis, frente ao agravamento dos conflitos, como no caso
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presente, onde atividades econômicas (Rizicultura) foram licenciadas e iniciadas
sem que nem mesmo o INCRA, a UNIÃO ou a Fundação Cultural Palmares se
manifestassem nos referidos licenciamentos sobre a necessidade de respeito ao
território quilombola em comento.
A Comunidade Quilombola referida na presente ação vive em uma
grande insegurança jurídica e vulnerabilidade social, realidade essa que o
INCRA e a UNIÃO são conhecedores e mesmo assim permeiam de morosidade
as suas atribuições, o que contribui significativamente para o agravamento dos
os conflitos fundiários no território quilombola.
A omissão administrativa do INCRA e da UNIÃO contraria a
Constituição Federal de 1988 que assegurou em seu texto a proteção das terras
que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos
diretamente no art. 68 do ADCT, ao estabelecer que a elas seria “reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.”
É evidente que a insuficiência das medidas adotadas pelo INCRA e
pela UNIÃO na titulação das terras da referida comunidade remanescente de
quilombos tem gerado danos a essa coletividade, como no caso dos autos, e
está colaborando, à miúde, para a total desconsideração da referida comunidade
quilombola impactada nos processos relativos à implantação e desenvolvimento
da atividade de Rizicultura pelo réu Joabe Dauzacker Marques.
Diante de comprovada incapacidade administrativa, urge a
necessidade de medidas judiciais que obriguem a autarquia federal e a União a
repararem os danos que vêm sendo causados à referida comunidade em razão
da morosidade e omissão dos seus atos em relação às medidas necessárias
para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão,
titulação e registro do território ocupado pela comunidade remanescente de
quilombo do Rosário/Mangabal.
III – DO DIREITO
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III.1. Da declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 1184/2015 que
autorizou a doação do terreno localizado na Vila de Condeixa pela
Prefeitura de Salvaterra em favor de Joabe Dauzacker Marques. Do
cancelamento de licenças ambientais. Da reparação de danos ambientais.
Do cancelamento de matrícula.
O Prefeito Municipal de Salvaterra, Valentim Lucas de Oliveira,
através da Lei Municipal nº 1184/2015 de 02/07/2015, doou ao réu JOABE
DAUZACKER MARQUES a área correspondente a 8.746 m², localizada na
rodovia PA 154, Vila de Condeixa – Salvaterra, a qual seria destinada para
beneficiamento e armazenamento de arroz.
A Administração Pública entendeu conveniente e oportuno doar ao
réu, sem formalidade, sem burocracia, bem pertencente ao patrimônio público.
Tal fato torna relevante lembrar que os bens e os interesses públicos não estão à
livre disposição da vontade do administrador.
É evidente que a Administração Pública Municipal de Salvaterra
relegou o interesse público ao dispor de seu patrimônio sem adotar o
procedimento legal para doação de bem público imóvel em favor do réu JOABE
DAUZACKER MARQUES, o que tornou a sua conduta ilegal e dilapidatória do
patrimônio público.
Cabe à Administração Pública, pois é seu dever, em qualquer
circunstância, adotar medidas em prol da coletividade e em observância do
princípio da supremacia do interesse público. Nesse sentido, tem-se o seguinte
ensinamento:
“A natureza da administração pública é a de um múnus público paraquem exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação eaprimoramento dos bens, serviços e interesse da coletividade.Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprirfielmente os preceitos do direito e da moral administrativa que regem asua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agentedo poder assume para com a coletividade o compromisso de bem
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servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimodestinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo povo”.(grifou-se)1
O art. 37, XXI, da Constituição Federal assim dispõe:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo delicitação pública que assegure igualdade de condições a todos osconcorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações depagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos dalei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica eeconômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O dispositivo constitucional supracitado se pauta no princípio da
indisponibilidade aplicável à Administração Pública, segundo o qual “a
administração não pode transigir, ou deixar de aplicar a lei, senão nos casos
expressamente permitidos. Nem dispor de bens, verbas ou interesses fora dos
estritos limites legais”2.
A Carta Magna autorizou, no art. 37, XXI, da CF/88, que fossem
previstas exceções à obrigatoriedade da realização de licitação para obras,
serviços, compras e alienações realizados pela Administração Pública. Estas
ressalvas, no que tange às alienações de bens imóveis, estão dispostas no art.
17, I, “a” a “i”, da Lei nº 8666/93, não se enquadrando, o caso em tela, em
quaisquer das hipóteses legais.
Desse modo, observa-se que, ao deliberadamente não realizar
procedimento licitatório para a doação do terreno da Vila de Condeixa, sob o
fundamento de que o donatário seria pessoa física, a Administração Pública
Municipal de Salvaterra afrontou gravemente a imposição constitucional de
realização de licitação, não se coadunando, ademais, às exceções legalmente
estabelecidas, conforme autorização da Carta Magna. Vê-se, pois, a flagrante
inconstitucionalidade que recai sobre a Lei Municipal nº 1184/2015.
1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed., pg.84.2 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo; FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo deDireito Administrativo. 30ª ed. fl. 19.
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Dentro da hierarquia verificada no ordenamento jurídico, tem-se que
os atos infraconstitucionais devem tirar o seu fundamento de validade da
Constituição Federal, tanto do ponto de vista material quanto formal. O “controle
de constitucionalidade é o mecanismo previsto na Constituição para controlar (=
verificar = fiscalizar) a compatibilidade dos atos infraconstitucionais com a
Constituição”3.
No presente caso, pretende-se combater a inconstitucionalidade
material da Lei nº 1184/2015, haja vista ter autorizado a doação de terreno pela
Prefeitura Municipal de Salvaterra sem a prévia realização de procedimento
licitatório violando frontalmente a Constituição da República, conforme já
exposto acima. Tratando-se de um caso concreto, pretende-se a declaração de
inconstitucionalidade pela via difusa a fim de tornar sem efeito a doação
realizada e imputar as consequências advindas do seu desfazimento. Sobre o
controle de constitucionalidade difuso, tem-se o seguinte ensinamento:
Controle difuso-concreto (modelo incidental, concreto, americano,surgido no caso Marbury versus Madison): nesse sistema, qualquerórgão jurisdicional (= qualquer juiz ou tribunal) pode declarar ainconstitucionalidade de uma lei, porque se considera que o exercíciodo controle de constitucionalidade é algo intrínseco à própria jurisdição(poder de julgar casos concretos); contudo, a decisão não valerá paratodos (ou seja, não terá efeitos erga omnes), mas apenas para aquelecaso concreto.4
Observa-se que a Lei Municipal n.º 1184/2015 não é genérica e nem
abstrata, possui natureza formal de lei e natureza material de ato administrativo,
portanto é norma dotada de concretude e singularidade, que repercute
diretamente na esfera jurídica do indivíduo, sendo cabível o controle
jurisdicional, via ação civil pública, como assim se posiciona CARVALHO FILHO:
"No que tange a esse tipo de atos concretos, a ação civil pública éinteiramente cabível para permitir que o autor postule a condenação doréu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, e isso nãosomente quando a ofensa decorre de algum ato praticado com base na
3 CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Direito constitucional objetivo: teoria e questões.Brasília: Alumnus, 2019. 7ª ed. fl. 351.
4 Idem. fl. 357.
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lei errônea, mas também quando provém diretamente da própria lei,sem qualquer ato nela fundado. Nesse caso, a lei é, sem dúvida,inconstitucional, mas não pode ser objeto de ação direta deinconstitucionalidade, como já decidido mais de uma vez pelo EgrégioSupremo Tribunal Federal. Sendo assim, e mais ainda por se tratar deverdadeiro ato administrativo, pode a lei de efeitos concretos serhostilizada incidentalmente por via principal, sendo totalmente cabível,na espécie, a ação civil pública"5
O controle difuso, em relação às partes, tem efeitos retroativos (ex
tunc). É de se depreender, portanto, que a declaração de inconstitucionalidade
da Lei Municipal nº 1184/2015 torna sem efeito a doação do terreno da Vila de
Condeixa, desfazendo, assim, os atos dela decorrentes. Isto para que se restitua
o imóvel ao patrimônio público e se restabeleça o status quo ante.
Dentre as consequências do desfazimento da doação e considerando
que a área seria utilizada para beneficiamento de arroz, devem ser canceladas
as licenças ambientais vigentes, as quais teriam respaldo na titularidade do
Requerido sobre a área, e reparados os danos ambientais que tenham sido
praticados no imóvel.
O art. 225, §3º, da Constituição Federal estabelece o dever de
reparação de danos ambientais:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambientesujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penaise administrativas, independentemente da obrigação de reparar osdanos causados.
Segundo o art. 3º, II, da Lei nº 6938/81 (Estabelece a Política
Nacional do Meio Ambiente), a degradação da qualidade ambiental se constitui
na alteração adversa das características do meio ambiente. O poluidor, por sua
vez, é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. "AÇÃO CIVIL PÚBLICA ", Rio de Janeiro, EditoraLumen Juros, 6a. edição, 2007, pág. 98.
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direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental,
conforme disposto no art. 3º, IV, da Lei nº 6938/81.
Dentre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, nos
termos do art. 4º, VII, encontra-se a imposição, ao poluidor e ao predador, da
obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. A
avaliação dos impactos ambientais consiste em um dos instrumentos da Política
Nacional do Meio Ambiente visando à identificação da maneira adequada para a
reparação dos danos ambientais. Isto posto, faz-se necessária a realização da
perícia para a avaliação dos impactos ambientais e a imposição de obrigação de
fazer para que o Requerido realize a reparação.
Ainda, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
1184/2015 e, portanto, sendo desfeita a doação do terreno da Vila de Condeixa,
não pode subsistir a matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI Salvaterra, que tem por
objeto a área doada a Joabe Dauzacker Marques, haja vista a invalidade do
título. O art. 1245 do Código Civil dispõe que a aquisição da propriedade
somente ocorre por meio da transcrição do título válido. Sendo inválido o
título, aqui em decorrência da declaração de inconstitucionalidade, cancelada
deve ser a matrícula dele decorrente.
Deve-se vislumbrar, inobstante isso, que a matrícula nº 172, fl. 177, L
2-A, CRI Salvaterra apresenta outra irregularidade decorrente do fato de
apresentar a origem do imóvel em duas doações realizadas em momentos
distintos entre as mesmas partes, não havendo qualquer registro ou averbação
que torne sem efeito a primeira doação realizada. Tendo em vista que a
Prefeitura de Salvaterra e Joabe Marques afirmam que a área teria sido objeto
de doação realizada no ano de 2015, nada mencionando sobre a doação
anterior, e já estando demonstrada a ilicitude da doação de 2015, são verificados
fortes indícios de fraude relativos à matrícula nº 172, fl. 177, L 2-A, CRI
Salvaterra, devendo esta ser cancelada para a garantia da higidez do sistema
registral sobre o qual recai o interesse público.
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III.2. Do cancelamento das matrículas da Fazenda Boa Esperança. Do
cancelamento do CAR das Fazendas Boa Esperança e Jutuba.
O art. 228 da Lei nº 6015/1973 dispõe que “a matrícula será efetuada
por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta Lei, mediante
os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele
mencionado”.
Ademais, dentre as hipóteses de cancelamento da matrícula, consta
aquela decorrente de “decisão judicial” disposta no art. 223, I, da Lei nº
6015/1973. Nas palavras de Luiz Guilherme Loureiro6, “o cancelamento
judicial pode ocorrer por nulidade do título que serviu de base ao registro
determinante da abertura da matrícula”.
O Direito de Propriedade só é concretizado com o registro, no Cartório
Competente, do Título que embasa o referido direito, devendo este emanar de
ato jurídico válido e fidedigno que possua alguma vinculação ao ato
emitido pelo Poder Público.
Vale citar o entendimento do professor Girolamo Domenico Treccani,
em O Título De Posse e a Legitimação de Posse como Formas de Aquisição da
Propriedade7, o qual sabiamente doutrina no sentido de que:
Todo e qualquer documento de propriedade imobiliária, para serconsiderado juridicamente válido, deverá apresentar sua vinculação aum ato emanado pelo poder público competente que lhe dê a garantiade que aquela terra foi legalmente descorporada do patrimônio público.
6 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 7 ed. Salvador:Juspodium, 2016.
7 TRECCANI, Girolamo. O Título De Posse e a Legitimação de Posse como Formas deAquisição da Propriedade. Disponível em:http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7TRECCANITitulodePosse.pdf
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A aquisição da propriedade, segundo a regra do art. 1.245, § 2º do
Código Civil, dá-se mediante o registro do título no Ofício de Registro de Imóveis
e desta condição não sairá até que transfira a propriedade ou até que seja
promovida ação própria de invalidade e cancelamento do título (art. 252 da Lei
nº 6015/1973).
A previsão legal para o cancelamento ou a anulação de registro
fraudulento também se encontra prevista no art. 216 da Lei de Registros
Públicos e no art. 233, o qual permite o cancelamento da matrícula por meio de
decisão judicial.
No presente caso, embora tenha sido oportunizado a Joabe
Dauzacker Marques a demonstração da titularidade das Fazendas Boa
Esperança e Jutuba, aquele apenas apresentou certidão de inteiro teor da
matrícula mais recente da Fazenda Boa Esperança, qual seja a matrícula nº 216,
fl. 225, L 2-A, CRI de Salvaterra, sem a apresentação da cadeia dominial
completa. Ademais, conforme relatado, nas investigações realizadas pelo
Ministério Público, foram requeridos, ao Cartório de Soure, todos os registros
anteriores da Fazenda Boa Esperança para a verificação da cadeia dominial, de
modo que as certidões de inteiro teor apresentadas também não trouxeram a
sucessão dominial desde o destacamento do patrimônio público.
Vê-se que Joabe Dauzacker Marques não se desincumbiu do ônus de
comprovar o destacamento da Fazenda Boa Esperança, tampouco da Fazenda
Jutuba, em relação à qual não foi apresentado qualquer registro imobiliário,
havendo, porém, informação do ITERPA de que haveria processo de
regularização fundiária para esta última área, o que demonstra se tratar de terra
pública. Frise-se que o processo encontra-se, inclusive, arquivado na autarquia
agrária estadual (Vide documento de fls. 44 - Inquérito Civil nº
1.23.000.000761/2016-87).
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Conforme consta nas fundamentações do Provimento nº 10/2012-
CJCI-CJRMB, foi declarado o entendimento no sentido de que cabe ao particular
provar o destacamento do imóvel em relação ao patrimônio público.
Observa-se, ademais, que, no intuito de convalidar a grilagem de
terras públicas, o requerido formulou Cadastro Ambiental Rural (CAR) que lhe
permitiu, inclusive, obter licença ambiental perante o órgão ambiental estadual.
Todavia, como se observa, premiar a manutenção do CAR seria premiar também
a grilagem de terras públicas, fazendo-se necessário seu urgente cancelamento.
Isto porque, no CAR de Recibo nº PA1506302-
C41FD2D618E64F698FD48207D8C99EBF, o Requerido Joabe Dauzacker
Marques incluiu área que seria referente à somatória das Fazendas Boa
Esperança e Jutuba. Inobstante isso, segundo já demonstrado, a Fazenda
Jutuba se trata, inequivocamente, de terra pública. Além disso, o Requerido
subsidiou o cadastro em suposto direito de propriedade indicando a matrícula nº
144, L 2-RG, fl. 145, CRI de Soure. Tal matrícula se refere exclusivamente à
Fazenda Boa Esperança, não se constituindo em fundamento tocante à Fazenda
Jutuba.
Com efeito, o que resta evidente é que, visando dar aparência de
legalidade à ocupação das Fazendas Boa Esperança e Jutuba, o Requerido
Joabe Marques inseriu no sistema público referente ao Cadastro Ambiental Rural
áreas públicas e indicou registro imobiliário que não se refere à totalidade do
imóvel cadastrado.
A leitura das disposições do art. 29 da Lei nº 12.651/2012 conduz à
conclusão de que deve ser realizado o Cadastro Ambiental Rural não apenas de
áreas de propriedade, mas também das áreas de posse. Isto, porém, não pode
ser dissociado do entendimento de que não há possibilidade de
reconhecimento de posse em áreas de domínio público.
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De acordo com Andréia Barreto8, a Constituição Federal de 1988 veda
a usucapião de terras públicas, o que consiste na impossibilidade de
aquisição da propriedade de área pública por ato exclusivo do particular,
como ocorria anteriormente por meio da legitimação de posse.
É por esta razão que há muito tempo a jurisprudência e a doutrina
têm afirmado a impossibilidade da configuração de posse em terras
públicas a fim de assegurar o patrimônio público e sua adequada destinação,
evitando-se desvios e mesmo privilégios injustificados no acesso à terra,
objetivando, ademais, garantir a sua finalidade. O Supremo Tribunal Federal
proferiu diversas decisões nesse sentido, conforme indicado a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DEPOSSE. IMÓVEL PÚBLICO. DISTINÇÃO POSSE NOVA E POSSEVELHA. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃOPROVIDO. 1. A apropriação de terras e imóveis públicos implicadever de imediata desocupação de área, sendo desnecessária aprova de posse anterior por parte do Município, pois possui aposse jurídica’. 2. A posse dos bens que não podem ser usucapidosnão tem eficácia, pois a ocupação de imóvel público caracterizaapenas mera detenção. 3. Deve ser mantida a liminar que determinoua reintegração da posse do Município”. (eDOC 3, p. 88) No recursoextraordinário, interposto com fundamento no art. 102, inciso III, alíneaa, da Constituição Federal, sustenta-se violação dos artigos 1º, III; 5º,XXIII e XXXV;6º; 23, IX; 93, IX; 170, III; e 182, § 2º, do textoconstitucional. Na espécie, a decisão agravada aplicou o art. 543-B doCPC, com fundamento no entendimento firmado pelo Supremo TribunalFederal no julgamento do AI-QO-RG 791.292, de minha relatoria, DJe13.8.2010, quanto à suposta ofensa aos arts. 5º e 93, IX, da CF/88,bem como negou seguimento no que concerne à questãoremanescente. É o relatório. Decido. O recurso não merece prosperar.O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na Questão de Ordem no AI760.358, de minha relatoria, DJe 3.12.2009, firmou o entendimento deque não cabe a esta Corte rever decisão que, na origem, aplica asistemática da repercussão geral. Confira-se: “Questão de Ordem.Repercussão geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento oureclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aosprocessos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversãodo agravo de instrumento em agravo regimental. 1. não é cabívelagravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, emcumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão
8 BARRETO, Andréia Macedo. Detenção Agrária de terras públicas: implicações jurídicas naregularização fundiária. 2011. 150f. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Pará, Instituto deCiências Jurídicas, Belém, 2011. Programa de Pós-Gradução em Direito. Disponível em:http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/7335
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de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar oprejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo emque interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não estáexercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que aremessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nostermos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa deretratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplosdo quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito dasmatérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questãoconstitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte emagravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem”. (AI-QO760.358, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 3.12.2009)(grifei) Incabível, portanto, a interposição do agravo previsto no art.544do CPC contra decisão que, na origem, aplica a sistemática darepercussão geral. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte,as decisões que concedem ou denegam medidas cautelares ouprovimentos liminares não perfazem juízo definitivo deconstitucionalidade a ensejar o cabimento do recurso extraordináriopelo art. 102,III, a, da Constituição Federal.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LEGITIMIDADEPASSIVA. BEM PÚBLICO. MERA DETENÇÃO. BENFEITORIA.INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. I—(...) II - Em se tratandode terra pública, o poder de fato sobre ela exercidoeventualmente por terceiro não caracteriza posse, mas meradetenção decorrente de ato de tolerância do poder público. Comefeito, é insuscetível de produzir os efeitos da posse. III - Oparticular não tem qualquer direito de ser ressarcido porbenfeitorias que edificou no bem público. IV — (...)’ (APC2009.01.1.018425-9, Relator Desembargador José Divino deOliveira, DJ-e de 24.3.2010) ‘PROCESSO CIVIL -MANUTENÇÃO DE POSSE - CERCEAMENTO DE DEFESA —INOCORRÊNCIA - TERRA PÚBLICA — DETENÇÃO —BENFEITORIAS - DIREITO À INDENIZAÇÃO — INEXISTÊNCIA- SENTENÇA MANTIDA.
(...)
ARE 669.811 / DF Em se tratando de bem público, não há que se falar em posse,haja vista a existência de mera detenção tolerada pelo PoderPúblico. Mesmo que a ocupação do terreno tenha se dado deboa-fé, se não há posse, não há benfeitorias a seremindenizadas.’ (APC 2005.01.1.0487535, Relator DesembargadorSérgio Bittencourt, DJ-e de 16.11.2009)
Esclarecendo tal posicionamento, a Ministra Rosa Weber do S.T.F.
manifestou-se no RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 669.811 nos
seguintes termos:
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A documentação carreada aos autos pelo réu comprova que a áreaocupada pelos apelantes é pública, de propriedade da TERRACAP.Porque pública, é insuscetível de ascendência possessória porparticulares. O poder de fato sobre ela exercido decorre de meratolerância do Poder Público. Irrelevante a boa ou má-fé dosocupantes. Caracteriza, a ocupação, simples detenção, nãopassível de se lhe estenderem os efeitos da posse, entre eles aproteção dos interditos e a indenização por benfeitorias (grifamos).
Também é esta a posição preponderante do S.T.J. nos julgados que
exemplificam tal entendimento:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃOREIVINDICATÓRIA. ÁREA PÚBLICA. BENFEITORIAS.INDENIZAÇÃO. PEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. MERA DETENÇÃO.PRECEDENTES DO STJ. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.
1. De acordo com a jurisprudência do STJ, a ocupação de bempúblico não gera direitos possessórios, mas mera detenção denatureza precária.
2. Pedido de indenização por benfeitorias que se afasta ante a nãocaracterização da posse no presente caso.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1448907/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,QUARTA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe 21/03/2017)
ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA PORPARTICULARES. JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO. MERADETENÇÃO. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS.
INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa elegítima do titular do domínio, é mera detenção, que não gera osdireitos, entre eles o de retenção, garantidos ao possuidor de boa-fépelo Código Civil. Precedentes do STJ.
2."Posse é o direito reconhecido a quem se comporta comoproprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos quecaminham juntos, não havendo de se reconhecer a posse a quem, porproibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar dequalquer dos poderes inerentes à propriedade.A ocupação de áreapública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mascomo mera detenção. Se o direito de retenção ou de indenização pelasacessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode,ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimentodaqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de seindenizar as benfeitorias úteis e necessárias" (REsp 863.939/RJ, Rel.Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24.11.2008).
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3. "Configurada a ocupação indevida de bem público, não há falar emposse, mas em mera detenção, de natureza precária, o que afasta odireito de retenção por benfeitorias" (REsp 699374/DF, Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 18.6.2007).
4. "A ocupação de bem público não passa de simples detenção, casoem que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contrao órgão público. Não induzem posse os atos de mera tolerância (art.
497 do Código Civil/1916)" (REsp 489.732/DF, Rel. Min. BarrosMonteiro, Quarta Turma, DJ 13.6.2005).
5. "Tem-se como clandestina a construção, a qual está inteiramente emlogradouro público, além do fato de que a sua demolição não vai trazernenhum benefício direto ou indireto para o Município que caracteriz