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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA - FESP
COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO
HENRIQUE DE PAULA NETO
JUSTIÇA FISCAL VERSUS BENEFÍCIOS FISCAIS
JOÃO PESSOA
2012
HENRIQUE DE PAULA NETO
JUSTIÇA FISCAL VERSUS BENEFÍCIOS FISCAIS
Artigo apresentado à Coordenação de Curso de Di-reito da Faculdades de Ensino Superior da Paraíba - FESP, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Francisco Leite Duarte
JOÃO PESSOA
2012
P324j Paula Neto, Henrique de
Justiça fiscal versus benefícios fiscais / Henrique de Paula Neto. João Pessoa, 2012.
21f. Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de
Ensino Superior da Paraíba – FESP. 1. Justiça fiscal 2. Direito tributário. Benefícios
fiscais I.Título.
BC/FESP CDU: 34:336.2 (043)
HENRIQUE DE PAULA NETO
JUSTIÇA FISCAL VERSUS BENEFÍCIOS FISCAIS
Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de Artigos Científicos da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
____________________________ Prof. Orientador: Francisco Leite Duarte
_________________________________ Examinador
_________________________________ Examinador
JUSTIÇA FISCAL VERSUS BENEFÍCIOS FISCAIS
HENRIQUE DE PAULA NETO *
RESUMO
O artigo se volta a demonstrar o conflito existente na legislação tributária promovido
pela legislação infraconstitucional ao não respeitar os princípios do sistema tributário nacional
previstos na CF, criando benesses a contribuintes pontuais, promovendo assim, distorções que
ferem esses princípios promovendo o afastamento à justiça social e fiscal. Estão descritos
alguns princípios sem intenção de esgotá-los, bem como, parte da legislação
infraconstitucional que fere esses princípios. Por fim, intenções de mudanças sugeridas na
legislação que podem proporcionar um alcance maior da justiça fiscal, provendo o Estado dos
recursos necessários para atingir seus fins de forma mais justa e igualitária.
Palavras chave: Direito tributário. Benefícios fiscais. Justiça fiscal.
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista o Trabalho de Conclusão do Curso – TCC como exigência do currículo
pleno da estrutura curricular do Curso de Direito, como atividade obrigatória para conclusão
do Bacharelado, foi escolhido um tema de estudo que fizesse uma relação entre o aprendizado
curricular e a área profissional do autor.
No exercício profissional do autor, atuando como servidor público federal, na área fiscal,
ocupando o cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, vislumbrando como
pressuposto a busca da justiça fiscal no cumprimento das normas a que a instituição está
sujeita, vislumbra-se de forma positivada a fuga aos princípios tributários estabelecidos pela
Carta Maior, fuga esta, viabilizada pela legislação infraconstitucional promovendo
benefícios fiscais que geram distorções na busca plena dessa justiça fiscal.
Nesse foco, urge a necessidade da construção de uma legislação embasada nos
princípios constitucionais visando tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e equânime.
*Graduado em Direito pala Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP. E-mail: henriquepnetto@yahoo.com.br.
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Esse estudo tenta promover algumas sugestões nessa ótica. O Brasil tem grandes
extremos no campo social e econômico repercutindo também no sistema tributário, e é óbvio
que ele deve visar amenizar estes distanciamentos. Para isso as injustiças e alguns benefícios
nele presentes devem ser retirados em busca de uma maior progressividade e equidade na
esfera tributária. Nesse contexto, não há necessidade de reformas de grande monta, como
reforma tributária ou emendas à Constituição Federal, até mesmo porque seriam de difícil
alcance, bastando alterações na legislação infraconstitucional.
No que se refere a uma classificação quanto aos procedimentos técnicos utilizados para
o Tema escolhido de Justiça Fiscal versus Benefícios Fiscais, o artigo desenvolveu-se no
método de pesquisa bibliográfica, objetivando uma Pesquisa Descritiva na qual ao longo dos
tópicos foram descritas as características traçadas pelos constituintes para o sistema tributário
nacional, presentes nos Princípios estabelecidos pela Constituição de 1988 e a partir daí as
alterações promovidas pela legislação infraconstitucional que fogem a esses princípios,
eliminando a equidade proposta na Carta Maior desviando-se do pressuposto primordial de
um sistema justo, igualitário, que busque promover a redução das desigualdades sociais
promovendo a justiça fiscal. Pesquisas bibliográficas, segundo Antonio Carlos Gil, "são
desenvolvidas com base em material já elaborado, constituído principalmente por livros e
artigos científicos, que permitem ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos
muito mais ampla”. A pesquisa bibliográfica, utiliza toda a base doutrinária presente em livros,
artigos e leis que se relacionem com o tema, justificando, assim, a classificação em questão.
2 DA CONSTITUÇÃO FEDERAL DE 1988 E O SISTEMA TRIBUTÁRIO
2.1 Da Justiça Fiscal
A arrecadação tributária é o meio pelo qual o Estado se supre para atingir seus objetivos
fundamentais previstos no artigo 3o da Constituição Federal, quais sejam: construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A Constituição Federal de 1988 assumiu maior compromisso com a equidade da
tributação, visando a tornar o sistema tributário mais justo do ponto de vista fiscal e com
melhor distribuição do ônus entre os membros da sociedade.
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No entanto, a partir dos anos 1990 a legislação tributária sofreu modificações nas leis
ordinárias e nos regulamentos tributários que transferiram para a renda do trabalho e para a
população mais pobre o ônus tributário, alterando o perfil da arrecadação e comprometendo
os avanços tributários obtidos na Constituição.
As principais mudanças no sistema tributário ocorreram no período de 1995 a 2002,
com alterações na legislação infraconstitucional que caminharam no sentido oposto ao dos
princípios básicos do sistema tributário estabelecidos na Constituição de 1988, os quais
constituem uma base importante para formação de um sistema tributário baseado na justiça
fiscal e social.
Dentre os princípios destacam-se o da solidariedade, subjacente a todos os demais; a
capacidade contributiva; a progressividade; a legalidade; a isonomia ou igualdade; a
pessoalidade; além da universalidade e da essencialidade. A tributação deve ser
preferencialmente direta, de caráter pessoal e progressiva, em vista da justiça fiscal..
Entende-se por justiça fiscal a implantação de medidas efetivas para concretizar o artigo
mencionado anteriormente, ao diminuir as disparidades sociais. Consegue-se este objetivo
quando os cidadãos têm maior qualidade de vida nas áreas descritas e também, como
contribuintes, são tratados sem qualquer tipo de discriminação ou privilégios.
Algumas previsões constitucionais, como a implementação do imposto sobre grandes
fortunas ou a definição de alíquotas mínimas para o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de
Veículos Automotores, jamais ocorreram.
Entre janeiro de 1996 e dezembro de 2001 a tabela do imposto de renda manteve-se
congelada, isto é, sem nenhuma correção, enquanto a inflação crescia anualmente. A
defasagem na tabela do imposto de renda relativamente à inflação impôs significativo ônus
tributário aos contribuintes pessoas físicas.
Após a Constituição Federal de 1988 surgiram muitas lacunas em nosso sistema
tributário que, por desregulamentação ou por não regulamentação, contribuíram para
aprofundar a regressividade da tributação e as inequidades tributárias existentes, ampliando a
injustiça fiscal.
2.2 Dos Princípios Constitucionais
A justiça fiscal pode ser buscada, inicialmente, na elaboração da norma. Trata-se de
obediência a preceitos descritos nos artigos 150 e 151 da Constituição Federal, os quais
determinam, não taxativamente, as limitações ao poder de tributar da União, dos Estados, do
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Distrito Federal e dos Municípios, quanto à instituição e majoração tributária, bem como na
obediência aos demais princípios ali previstos e em outras legislações.
O Princípio da Legalidade, previsto no artigo 5o, inciso II da Constituição Federal, é um
dos primeiros a ser observado quando se trata da atuação estatal também na área tributária.
Segundo ele, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
Aplicado ao Sistema Tributário, o Princípio da Legalidade impede que as pessoas
políticas criem ou aumentem tributo sem lei que o estabeleça. É o que prevê o inciso I do
artigo 150 da Constituição Federal. O requisito da lei para a criação do tributo visa garantir o
contribuinte contra a voracidade fiscal, assegurando que o tributo, legalmente imposto, seja
bem definido, tipificado, sem generalidades ou abrangências convenientes ou coniventes.
Este princípio reza que somente a lei exija ou aumente tributos, altere os prazos,
promova parcelamentos e imponha obrigação acessória. Isto é, tudo o que for relevante em
matéria tributária deve ser previsto por lei: o fato tributável, a base de cálculo, as alíquotas,
etc.
A lei não poderá retroagir para instituir, majorar ou cobrar o tributo; ou para aplicar
alguma sanção a quem não tiver agido de tal sorte ou deixar de proceder a alguma
formalidade legal. Este é o chamado Princípio da Irretroatividade.
A chamada Legalidade Tributária, entre outras especificidades próprias à matéria,
enfatiza a necessidade de prévia disposição legal para o Estado exigir ou deixar de exigir
determinado tributo, bem assim para configurar ou não algum ato como crime; para
determinar sanção ou deixar de aplicá-la.
Além de o Estado não poder exigir sem previsão para tanto, ele também não poderá
conceder nenhum benefício sem anterior determinação legal.
Em se tratando de formação das leis tributárias, há a necessidade de obediência aos
Princípios da Igualdade, da Pessoalidade e da Capacidade Contributiva.
O Princípio da Igualdade, também chamado de Isonomia, prevê o tratamento igual para
os que estão em circunstâncias iguais; e desigual, para os de contexto diferenciado. Desse
modo, sem que este Princípio seja configurado, não pode ocorrer criação ou majoração de
tributo; concessão ou afastamento de benesse; caracterização e sanção criminal.
Ainda, a lei não pode atingir um grupo específico de contribuintes e afastar,
concomitantemente, outros que, comprovadamente, encontram-se sob mesma situação. Este
princípio trata, de fato, da prática da justiça distributiva por meio da tributação. Ele vale tanto
na elaboração da lei, a qual não pode prever casos em que a incidência tributária privilegie um
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segmento em detrimento de outro, quanto na sua aplicação.
A lei deve aplicar-se a todos que tenham praticado atos ou se encontrem em situação
descrita na hipótese relativa à incidência de um dado tributo.
Observe-se que a proibição de tratamento desigual estende-se também à ocupação do
contribuinte. Decorre dai que nada pode ser cobrado, determinado ou concedido
arbitrariamente em virtude de qualquer julgamento de cunho discriminatório.
A formulação da legislação tributária deve conter, sempre que possível, a observância
do Princípio da Capacidade Contributiva do contribuinte.
A capacidade contributiva refere-se ao ônus tributário ser distribuído na medida da
capacidade econômica dos contribuintes1 , isto é, a base de cálculo deve demonstrar a
capacidade de o contribuinte arcar com o pagamento do tributo, assim como as alíquotas
progressivas devem refletir esta capacidade.
O Princípio da Capacidade Contributiva, inscrito no artigo 145 da Constituição Federal,
por sua vez, estabelece que os impostos devem ter caráter pessoal e observar a capacidade
econômica do contribuinte ou simplesmente a capacidade contributiva, utilizada como um
critério para mensurar a isonomia entre os diferentes rendimentos. Quem detiver maior poder
econômico deve ser tributado proporcionalmente, por meio da progressão de alíquota. Ou seja,
os que gozam de benefícios ao capital, auferem riquezas, as quais devem ser tributadas
progressivamente.
O Princípio da Capacidade Contributiva tende a assegurar uma tributação
proporcionalmente maior para quem aufere rendimentos mais elevados, detém maior
patrimônio e consome produtos menos essenciais. Nesse caso, os tributos diretos, que incidem
sobre a renda e o patrimônio, são os que atendem melhor a esse requisito. Já os tributos
indiretos, que incidem sobre bens e serviços, independentemente da capacidade econômica de
quem os adquire, acabam gravando mais pesadamente a renda de pessoas e famílias que
destinam maior parcela de seus ganhos ao consumo.
A aplicação prática do princípio da capacidade contributiva, especialmente no que diz
respeito aos impostos diretos incidentes sobre a renda do contribuinte, implica em aceitar os
seguintes preceitos:
a)Os tributos devem ser graduados em função da renda de cada contribuinte: quem ganha mais deve
pagar mais;
b)Quanto maior for a base de cálculo de um tributo, maior deve ser a sua alíquota;
1 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p 713-714
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c)A renda mínima destinada à sobrevivência deve ser minimamente tributada ou, em última instância,
deve ser livre de tributação.
Por este último preceito, entende-se que a capacidade contributiva do contribuinte se
inicia após a dedução dos gastos necessários à aquisição do mínimo indispensável a uma
existência digna para o contribuinte e sua família.
O artigo 145 também determina que a progressividade seja obrigatória, permitindo a
distinção da efetiva capacidade econômica do contribuinte. A tributação deve ser
preferencialmente direta, de caráter pessoal e progressiva. Assim sendo, ela alcança a justiça
social por meio de tratamento tributário equânime.
O escalonamento da tributação pelas diferentes e crescentes faixas de renda viabiliza a
distribuição da riqueza de uma determinada classe social e atende melhor ao princípio da
justiça tributária, o qual exige que se observe não apenas a isonomia como também:
a) o tratamento desigual aos desiguais, não discriminando a tributação segundo a
origemdo rendimento;
b) a aplicação de alíquotas mais condizentes com a realidade distributiva brasileira.
Justiça tributária implica também em aceitar que o Estado crie um sistema fiscal que,
dentre outros requisitos, assegure que todos paguem seus tributos em conformidade com seus
recursos. Assim, o Estado deve evitar sistemas fiscais que, além de regressivos, tributem
diferentemente rendas semelhantes.
Quanto à pessoalidade do tributo, o Estado tributa o sujeito passivo por suas
características pessoais, ou seja, levando-se em conta sua própria capacidade contributiva e, se
fixa em uma progressividade adequada, sem que tal encargo seja repassado a terceiros2.
Os Princípios Constitucionais analisados possuem o status de norma fundamental, o
alicerce positivo da própria Constituição Federal, o caráter basilar da estrutura jurídica; gozam
de superioridade, e, por essa razão, as demais normas devem se submeter a eles3.
A esse respeito, afirma Bandeira de Mello4:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
2 COELHO, Sacha C. N.. Curso de Direito Tributário Brasileiro . 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 3 CARRAZA, Roque A.. Curso de Direito Constitucional Tributário . 22. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 37 4 MELLO, Celso A. B. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
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Desse modo, o próprio Estado deve condicionar seus atos embasandos na ordem
jurídica em sua extensão maior, como se observa no que afirma Carlos Ari Sundfeld5 :
Segundo o princípio da submissão do Estado ao Direito, todo ato ou comportamento do Poder Público, para ser válido e obrigar os indivíduos, deve ter fundamento em norma jurídica superior. O princípio determina não só que o Estado está proibido de agir contra a ordem jurídica como, principalmente, que todo poder por ele exercido tem sua fonte e fundamento em uma norma jurídica.
Portanto, o Estado não poderá deixar de respeitar esses princípios, pois eles não têm
apenas a faculdade de limitar a atuação estatal em matéria tributária, mas também possuem
caráter de assegurar direitos e garantias constitucionais, inclusive, para atender ao contido no
artigo 3o da Constituição Federal.
Os princípios acima citados refletem os desejos de uma sociedade, os seus valores
essenciais6 .Sem eles, provavelmente torna-se inviável aplicar-se adequadamente a
Constituição Federal7 , quer por meio dela ou pelas leis criadas, acompanhar o
desenvolvimento da sociedade e, ao mesmo tempo, resguardar seus interesses, suas
necessidades, e, sendo mais enfático, ter como prioridade a proteção dos direitos e garantias
constitucionais, em busca da justiça fiscal.
Algumas das leis que causaram distorções em nosso sistema tributário não respeitaram,
em sua elaboração, os princípios aqui abordados, algumas serão tratadas nas próximas seções
com sugestões de alterações normativas.
O Estado deve estar cada vez mais próximo dos interesses da sociedade, da coletividade
e, para tanto, deve tomar iniciativas efetivas e favoráveis à justiça fiscal, como acabar com
benefícios e outras benesses injustificáveis a determinados setores ou grupos de contribuintes.
2.3 Dos Benefícios Fiscais
Benefícios fiscais são benesses que a legislação tributária estabelece proporcionando
redução na tributária aplicada a algum fato gerador ou até mesmo exclusão dessa imputação,
por prazo determinado ou não. O que uma sociedade justa e democrática não pode admitir é
que essas benesses firam os princípios constitucionais gerando distorções e injustiças fiscais.
5 SUNDFELD, Carlos A. Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 147. 6 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. 10. 2d. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008,
p.126. 7 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1998. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 17.
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2.3.1 Dos Benefícios ao Capital
No Brasil, até 31 de dezembro de 1995, os juros pagos a sócios, acionistas e titulares de
empresas, como forma de remuneração do capital próprio, não eram contabilizados como
custo e, portanto, não poderiam ser descontados quando da apuração do lucro real.
Com a edição da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, houve a concesssão de uma
grande injustiça fiscal com a concessão de benefícios para pequenos grupos detentores de
riquezas, favorecendo o aumento da disparidade sócio-econômica, em visível desrespeito aos
princípios contidos na Constituição Federal.
2.3.1.1 Dos Juros Sobre o Capital Próprio
A edição dessa lei possibilitou aos sócios e acionistas serem remunerados com juros
equivalentes à aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre o patrimônio líquido
da empresa. Essa possibilidade permite a dedução desses gastos para apuração do Lucro Real,
conforme previsão no artigo 9º da Lei n° 9.249/95:
Artigo 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os
juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de
remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados
à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.
O parágrafo primeiro deste artigo estabelece a forma como os juros serão deduzidos:
Artigo 9o [...]
§ 1o O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.
Esses dispositivos permitem às empresas deduzirem de seus lucros o montante de juros
que teriam sido pagos, caso todo o seu capital tivesse sido tomado emprestado. Eles reduzem,
portanto, a base de cálculo do Imposto sobre a Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), reduzindo dessa forma o recolhimento
desses tributos. Essa possibilidade denomina-se dedução de juros sobre capital próprio e
beneficia principalmente as grandes empresas com disponibilidade de grandes recursos
monetários, principalmente os bancos.
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Nossa legislação tributária depara-se com um privilégio criado para as rendas do capital,
permitindo às grandes empresas reduzirem seus lucros tributáveis a partir da dedução de
despesa fictícia, os juros sobre o capital próprio, ou seja, os juros que em tese deveriam ser
pagos, na hipótese do seu capital ter origem proveniente de uma operação de empréstimo ou
mútuo. Como isso representa significativa economia tributária, as empresas passam a
remunerar o capital próprio, do proprietário, dos sócios ou acionistas com juros, substituindo
dessa forma o pagamento de dividendos, que seria a situação normal como ocorre em outros
países.
Os sócios e os acionistas que recebem esse rendimento, normalmente com valores
expressivos, pagam apenas 15% de Imposto sobre Renda na fonte. Isto implica em enorme
renúncia fiscal.
Esse dispositivo, segundo argumentação do governo à época de sua criação, visou a
diminuir os reflexos negativos relacionados ao aumento da tributação em virtude do fim da
correção monetária. Justificou-se que daria isonomia de tratamento entre o capital de terceiros
e o capital próprio, evitando-se a bitributação.
Essa justificativa mostra-se falaciosa quando se verifica o tratamento dado às pessoas
físicas, para as quais também existem efeitos do fim da correção monetária ou da pretendida
desindexação da economia.
Se por um lado os empresários receberam a compensação do mecanismo de pagamento
de juros sobre o capital próprio, por outro lado as pessoas físicas foram oneradas pelos efeitos
da inflação, que continua a existir, embora em índices menores.
Como exemplo, podemos citar a manutenção dos bens e direitos nas declarações de
ajuste anual por seu valor histórico sem qualquer atualização.
Isso demonstra claramente um aumento da tributação sob o título de ganho de capital
nas alienações desses bens. Logo, o alegado tratamento isonômico não existe, pois as pessoas
físicas em sua maioria trabalhadores, suportam o aumento de carga tributária em face da
inflação. A defasagem da tabela do Imposto de Renda, tratada mais adiante, gera o mesmo
efeito.
O parágrafo 2o do artigo 9o, por sua vez, determina que "os juros, ficarão sujeitos à
incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 15%, na data do pagamento ou crédito
ao beneficiário."
É injusta a tributação exclusiva na fonte dessa renda, porque o rendimento do capital
não é submetido totalmente à tributação progressiva, mas apenas à proporcionalidade, o que
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fere os Princípios da Igualdade e da Progressividade.
A Constituição Federal estabelece o ponto de discriminação para o Princípio da
Isonomia, qual seja, a capacidade pessoal contributiva.
No caso do Imposto de Renda, é o valor da renda. Observa-se aí a problemática da
empresa remunerar os sócios e os acionistas objetivando reduzir ainda mais o pagamento dos
tributos mencionados.
Se à época em que esta lei foi editada a nossa moeda, criada havia pouco mais de um
ano, estava em notório fortalecimento de seu valor econômico, não se justifica a criação,
tampouco a permanência deste instrumento legal.
Esse artigo ofende os Princípios da Capacidade Contributiva, da Pessoalidade e da
Igualdade. Constitui-se numa benesse equivocada para planejamento tributário empresarial e
injusta com os demais contribuintes.
2.3.1.2 Da Isenção do Imposto sobre a Renda sobre Distribuição de Lucros ou
Dividendos a Sócios ou Acionistas
A isenção do imposto de renda de pessoas físicas, quando da distribuição de lucros, está
prevista no artigo 10 da Lei 9.249/95, aqui citado:
Artigo 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Isso implica que os rendimentos das pessoas físicas provenientes de lucros ou
dividendos não são tributados na fonte nem na declaração de ajuste anual de rendimentos. São
informados na declaração de imposto de renda das pessoas físicas beneficiadas como
rendimentos isentos e não tributáveis.
É de praxe que os sócios ou os proprietários de empresas, quando da declaração de
ajuste anual do imposto de renda, declarem recebimento baixíssimo a título de pro labore,
ficando muitas vezes abaixo do limite da faixa de isenção do tributo na tabela, e elevados
valores a título de lucros e dividendos distribuídos.
Dessa forma os sócios e proprietários pagarão muito pouco ou até não pagarão imposto
de renda, já que este incidirá apenas sobre o pro labore declarado. Permitida pela legislação,
essa prática, dá tratamento tributário desigual e injusto aos contribuintes. Enquanto os lucros e
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dividendos gozam de isenção, os rendimentos provenientes do trabalho submetem-se a
alíquotas de até 27,5%.
A alegação do governo, à época em que a lei foi sancionada, foi de que o lucro
distribuído já havia sido efetivamente tributado na pessoa jurídica e que, ao se exigir a
tributação da pessoa física, estaria praticando bitributação.
Nota-se que esta preocupação de evitar uma suposta prática de bitributação não alcança
os demais contribuintes, especialmente, as pessoas físicas. Como exemplo para ilustrar esta
situação: se um trabalhador, residente na cidade de João Pessoa, muda-se para a cidade de
Natal, alugando a casa em que residia e com o recurso desse aluguel estabelece nova moradia
na capital do Rio Grande do Norte, terá os recursos recebidos pelo aluguel do imóvel de João
Pessoa tributados e não poderá deduzir o gasto realizado com o aluguel da nova moradia em
Natal.
Este trabalhador não teve um só real de acréscimo em sua renda, mas poderá ter que
pagar impostos adicionais. Se a tributação da renda do sócio seria bitributação, o que falar
dessa situação descrita a título ilustrativo? O legislador protegeu os detentores do capital em
detrimento daqueles com menor capacidade contributiva, no caso os trabalhadores com
vínculo empregatício.
O Código Tributário Nacional - CTN, em seu artigo 43 é bem claro e estabelece que o
imposto de renda deve incidir tanto sobre o capital como sobre o trabalho:
Artigo 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
O CTN também define, no artigo 45, quem é contribuinte do IR:
Artigo 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.
Nessa norma, fica evidente que é sobre o titular da disponibilidade da renda e dos
proventos que recai o recolhimento do imposto de renda, seja ele o proprietário de bens de
produção ( o dono do capital aplicado produtivamente, quotista ou acionista de empresa ) ou
simplesmente qualquer outro contribuinte ( os trabalhadores com ou sem carteira assinada,
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autônomos, prestadores de serviço, comerciantes, rentistas, etc ).
Em síntese, quem recebe rendimentos, seja de capital, do trabalho, ou da combinação de
ambos, deve pagar o imposto, independentemente da pessoa jurídica pertencente ao
proprietário dos meios de produção ter sido tributada.
A pessoa física não se confunde com a pessoa jurídica. A pessoa física tem
personalidade civil conforme definida no artigo 2º do Código Civil Brasileiro, e a pessoa
jurídica de direito privado surge com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
como consta no artigo 45 do mesmo código, aqui descrito:
Artigo 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Logo, existem dois sujeitos passivos distintos, com existência legal claramente definida,
ambos com suas respectivas responsabilidades tributárias, inclusive a de cumprir com sua
obrigação principal, qual seja, o pagamento do tributo.
Diante da análise feita até aqui e dos dispositivos legais citados, extraem-se as seguintes
conclusões:
a) O fato gerador de imposto de renda é a disponibilidade econômica ou financeira de
renda quer seja do capital, do trabalho ou de ambos.
b) O imposto de renda deve ser graduado segundo a capacidade pessoal econômica do
contribuinte. Quem obtiver maior renda deve pagar mais.
c) Se dois contribuintes auferem renda, ambos devem ser tratados de forma igual, sem
distinção da ocupação profissional, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos (rendimento do capital, do trabalho ou ambos).
Assim sendo, os rendimentos e ganhos de capital devem ser incluídos na declaração de
ajuste anual de imposto de renda, permitindo-se a compensação do respectivo imposto que
houver sido recolhido. A distribuição de lucros e dividendos, das aplicações financeiras e dos
ganhos de capital das pessoas físicas e jurídicas deve ser submetida à tabela progressiva do
imposto de renda.
2.3.2 Da Regulamentação do Parágrafo Único do Artigo 116 do Código Tributário
Nacional
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O artigo 116, parágrafo único, do CTN, prevê a regulamentação, pela autoridade
administrativa, da desconsideração de atos ou negócios jurídicos formalizados para fins
indevidos.
Artigo 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
A falta de regulamentação tem dificultado a ação dos Auditores-Fiscais, uma vez que,
em vistas deste fato, faz-se necessária a descrição de. situações próprias para constar quais
atos ou negócios jurídicos e em quais circunstâncias eles teriam dissimulado a ocorrência do
fato gerador e, dessa forma, serem desconsiderados.
Sem a respectiva lei para instrumentalizar o procedimento a ser adotado, a atuação das
Autoridades Fiscais fica impossibiliatada apesar da previsão do CTN. Ocorre, de fato, um
impeditivo ao atendimento pleno do Princípio da Eficiência contido no artigo 37 da
Constituição.
O prejuízo fica para a sociedade, mesmo que as Autoridades Fiscais busquem o Poder
Judiciário para desconsiderar tais atos ou negócios jurídicos, pois nesse caso, dada a
morosidade dos processos judiciais, pode ocorrer a decadência da constituição do crédito
tributário, o desaparecimento de provas, a remessa de valores ao exterior e quaisquer práticas
a reforçarem a dissimulação não só do fato gerador, mas de provas que configurem a autoria
ou até mesmo a prática de crimes.
2.3.3 Da Regulamentação da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Numa relação de trabalho entre contratante e contratado, tem sido comum uma pessoa
física constituir-se como pessoa jurídica, às vezes pela exigência da empresa contratante, com
a única finalidade imoral de pagar menos tributos. O que ocorre em casos como este é, na
verdade, uma relação empregatícia mascarada sob esta forma de contratação. O ordenamento
jurídico brasileiro necessita de regulamentação para esta situação específica praticada há anos.
Não se tratam de atos e negócios jurídicos ilegais cometidos por uma pessoa jurídica. O
problema está na sua própria constituição. Ela mesma e por si só, em seu surgimento, é
fraudulenta, pois foi criada para um fim ilícito. E o prejuízo maior é para toda a sociedade que
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perde com o menor recolhimento de tributo.
O contrato entre a empresa contratante e a pessoa física obrigada a constituir-se como
jurídica, porém com características de uma relação empregatícia, é um negócio jurídico com
vício. A essa situação é possível também aplicar o artigo 116, parágrafo único do CTN, a fim
de que tal negócio seja desconsiderado. Todo o processo de constituição da pessoa física em
jurídica é viciado, pois ocorre com o intuito único de fraudar o Fisco. Não apenas seus atos ou
negócios praticados são inválidos, como também a sua formação, pois a pessoa jurídica foi
criada com a finalidade de ocultar a relação de emprego.
Não há ilegalidade no ato de uma pessoa física constituir-se em jurídica para prestar
seus serviços. NO entanto, constitui uma dissimulação, ato fraudulento como destacado acima,
o uso desta prática para mascarar um vínculo de cunho trabalhista, uma vez verificados os
seus elementos caracterizadores, a saber:
a) Pessoalidade - só a pessoa pode prestar diretamente o serviço;
b) Habitualidade ou Continuidade - o serviço prestado pela pessoa deve ser contínuo,
não admitindo a sua interrupção sem justo motivo. A Jurisprudência trabalhista tem
firmado que a prestação do serviço feita duas vezes ou mais na semana é considerada
habitual;
c) Contraprestação ou Onerosidade - o serviço é prestado mediante recebimento de uma
contrapartida, a qual, não necessariamente, ocorre por meio de pecúnia. A
contraprestação pode ser feita dando ao trabalhador vestimentas, alimentos, etc;
d) Subordinação - aquele que presta o serviço submete-se a ordens superiores para
execução de seus trabalhos.
Um exemplo típico é o caso bastante comum do jornalista contratado por uma empresa
de comunicação. Muitos são contratados como pessoas jurídicas, prestadoras de serviço,
embora nesta contratação haja a presença dos quatro elementos essenciais caracterizadores da
relação empregatícia: prestação de seus serviços de forma pessoal, habitual, com uma
contrapartida e sujeita a ordens (hierarquia).
Fica assim evidente que a contratação de jornalistas e outros profissionais como pessoas
jurídicas é um meio utilizado para mascarar junto aos entes fiscais a relação empregatícia,
com a finalidade de recolher menos tributos.
Uma vez verificada a relação empregatícia mascarada, as Autoridades Fiscais devem
agir de imediato, constituindo o crédito tributário omitido.
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O Código Civil, em seu artigo 50, regulamenta a desconsideração da personalidade
jurídica:
Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Trata-se aqui, de desconsideração para recair obrigações sobre as pessoas dos sócios, ou
administradores.
Da mesma forma, o CTN trata da responsabilidade tributária de terceiros, recaindo a
mesma sobre a pessoa dos diretores, sócios e quaisquer outros representantes de pessoas
jurídicas de direito privado, inclusive em decorrência de fraudes.
Vale a pena ressaltar que há ainda sério prejuízo para Previdência em função da falta do
recolhimento patronal, em torno de 20% sobre a remuneração do trabalhador. Dessa feita, essa
ocultação de vínculo empregatício por meio da pessoa jurídica criada para prestar serviços
gera mais esse efeito negativo à sociedade.
2.3.4 Da Defasagem na Correção da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física
A tabela do imposto de renda pessoa física ficou congelada no período de 1996 a 2001.
Em 2002, com a sanção da Lei n° 10.451, ela foi corrigida em 17,5%. Em 2005, em 10,0%.
Em 2006, em 8,0% e de 2007 a 2011, em 4,5% ao ano. O último reajuste foi em abril de 2011.
Essas correções foram apenas parciais, não refletindo toda a inflação registrada após 2002.
No período de 1996 a 2001, a tabela do imposto de renda pessoa física não foi
reajustada, enquanto a inflação, medida pelo índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA),
apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 45,68%. Entre 2002
e out/2011 o reajuste da tabela do IR foi de 66,46%, enquanto a inflação acumulada foi de
85,88%. No acumulado de jan/1996 a out/2011, a inflação foi de 170,79%. Portanto,
descontados os reajustes já concedidos, que somam 66,46%, a Tabela do Imposto de Renda
ainda precisaria ser corrigida em 62,67% até outubro de 2011.
De 2007 a 2011, a tabela do imposto de renda foi corrigida em 4,5% ao ano, segundo a
Lei n° 11.482, de 31 de maio de 2007. Posteriormente, em 26 de agosto de 2011, foi
sancionada a Lei n° 12.469, que estabelece a correção de 4,5% sobre as alíquotas vigentes na
tabela progressiva do IRPF a partir do exercício de 2011 (ano-calendário 2012) até o exercício
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de 2015 (ano-calendário 2014).
A Lei n° 11.482/07 também introduziu duas novas alíquotas a partir do ano-calendário
2009, a saber, 7,5% e 22,5%. Estas alíquotas implicam pequena desoneração para os
contribuintes. Beneficiam-se integralmente os contribuintes abrangidos pelas referidas
alíquotas, anteriormente enquadrados nas alíquotas de 15% e 27,5%, respectivamente, e
parcialmente alguns que se enquadravam na alíquota de 15%, a partir de então tributados a
7,5%.
A introdução das alíquotas de 7,5% e 22,5% torna o Imposto de Renda mais progressivo,
promovendo maior justiça social e fiscal. Esta, contudo, pode e deve ser aprofundada por
meio da ampliação da base de arrecadação do imposto de renda pessoa física, agregando-lhe
três tipos de contribuintes: o acionista beneficiado na distribuição de lucros das empresas, a
pessoa física que cria uma pessoa jurídica para recolher menos impostos, e a pessoa jurídica
constituída por imposição de um empregador. Estes casos foram discutidos e analisados
anteriormente. Com o aumento da base arrecadatória proveniente da inclusão desses
contribuintes, a ampliação do número de alíquotas atuais do imposto de renda pessoa física
aumentaria efetivamente a carga tributária de quem hoje contribui com pouco e diminuiria a
carga de quem contribui em excesso.
Além da correção da tabela pelo IPCA (acumulado até out/2011), como medida de
justiça e adequação aos princípios constitucionais aplicáveis à tributação, seria necessário
reajustar as deduções a seguir mencionadas. Os valores das deduções, propostos a seguir, são
os vigentes para o ano-calendário 2011 e foram reajustados pela defasagem do IPCA (62,6%).
Estas deduções, sem as devidas correções, não cumprem seu papel de dar efetividade ao
princípio da capacidade contributiva.
Dependentes: O contribuinte pode deduzir mensalmente por dependente R$157,47
(R$ 1.889,64 ao ano). O valor é irrisório, insuficiente para a proteção à família (assistir, criar
e educar filhos menores). Para repor a inflação do período, este valor deveria ser corrigido
para R$ 256,04 mensais (R$ 3.072,55 ao ano).
Educação: A dedução das despesas com educação foi sendo limitada ao longo dos
últimos anos e hoje podem ser deduzidos apenas os pagamentos do ensino formal, dos cursos
de especialização e de outros cursos profissionalizantes. A parcela anual individual dedutível
para o ano-calendário 2011 é de R$ 2.958,23. Apenas para repor a inflação acumulada até
out/2011, faz-se necessária a correção deste valor para R$ 4.810,08.
Saúde: A legislação atual do Imposto de Renda restringe a dedução das despesas com
saúde. Uma dessas restrições é a não permissão da dedução de gastos com medicamentos,
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exceto aqueles fornecidos pelo próprio estabelecimento hospitalar. A parcela da renda do
contribuinte gasta com medicamentos, indispensáveis e vitais, não pode ser tributada porque
não há capacidade contributiva, a qual só começa depois de deduzidas as despesas necessárias
à sobrevivência. Afinal, medicamentos não são supérfluos, e sim uma necessidade vital do ser
humano.
Moradia: É importante, também, que se volte a deduzir do Imposto de Renda as
despesas com moradia. A questão habitacional é um dos itens centrais do mínimo existencial,
o qual é proibido tributar por falta de capacidade contributiva. Até 1988, era permitida a
dedução das despesas com moradia, tais como aluguel e juros de financiamento da casa
própria.
Portanto, caso a tabela fosse corrigida, todas as faixas de rendimento da tabela vigente
seriam beneficiadas. Contudo, as menores faixas de rendimento tributáveis seriam as mais
beneficiadas com a correção. Dentro da distorcida estrutura de rendimentos brasileira, estes
rendimentos, correspondem, em grande parte, à chamada "classe média".
Destes dados, pode-se afirmar, como observado anteriormente, que a introdução de
novas alíquotas contribui para melhorar a progressividade do Imposto de Renda Pessoa Física,
mas não é suficiente. Outras medidas também poderiam contribuir para tornar mais justo, do
ponto de vista social, o tributo.
2.3.5 Do Imposto sobre Grandes Fortunas - IGF
A tributação sobre grandes fortunas está prevista no inciso VII do artigo 153 da
Constituição Federal. Com este mecanismo a União tem competência para regular, nos termos
do artigo 7o do Código Tributário Nacional (CTN), a tributação sobre grandes fortunas. É
possível, portanto, à União, por intermédio do Congresso Nacional, exercer a permissividade
constitucional de tributar as grandes fortunas. Até o presente momento, e apesar de diversas
iniciativas no Congresso Nacional a respeito, o IGF não foi instituído, constituindo-se num
raro caso em que a União não exerce sua competência tributária.
O fato de que a União não tenha instituído o imposto, entretanto, não lhe retira a
faculdade de fazê-lo em qualquer oportunidade. A legislação infraconstitucional deve definir
não somente o que é grande fortuna, mas também deve ocorrer a sua tributação. Fato gerador,
alíquotas e base de cálculo são alguns conceitos a serem definidos por lei complementar.
Em sistemas tributários regressivos como o brasileiro, há maior incidência tributária
sobre o consumo do que sobre a renda. A renda não consumida pode ser transformada em
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poupança na forma de ativos, reais ou financeiros, constituindo o patrimônio dos indivíduos.
A poupança (patrimônio) dos segmentos de maior renda é maior do que daqueles de menor
renda. Portanto, a fortuna define, e em muitos casos aumenta a capacidade contributiva do
indivíduo.
A tributação incidente sobre o patrimônio opera como um instrumento de correção de
distorções distributivas. Nesse sentido, o IGF comparece como promotor de maior justiça
tributária. Ao incidir sobre a renda estocada sob forma de bens e direitos, ele de fato incide
mais sobre as maiores rendas que foram relativamente menos tributadas quando destinada ao
consumo.
A enorme disparidade distributiva brasileira coloca nosso país numa das piores posições
do ranking mundial. O número de pobres no Brasil ainda é muito elevado, apesar das políticas
públicas de transferência de recursos às famílias de baixa renda.
Isso implica também em uma concentração de renda no Brasil sendo apontado como um
dos paises cujo número de milionários cresce mais rapidamente no mundo. Certamente o
poder aquisitivo desta faixa da população é elevado o suficiente para também acumular outros
investimentos patrimoniais como imóveis, bens de luxo, coleções, etc.
A disparidade distributiva também se reflete nos rendimentos tributáveis do Imposto de
Renda Pessoa Física (IRPF). A estrutura da distribuição de renda no país não se alterou
substancialmente a ponto de indicar que esta distribuição de declarantes por faixa de
rendimento tributável tenha se alterado sensivelmente.
O conceito de riqueza abrange a renda monetária total e o patrimônio (bens e direitos)
do indivíduo. A declaração de ambos é obrigatória para todos os contribuintes quando da
declaração de rendimento anual de pessoas físicas. Nem todas as categorias de renda e de
patrimônio são alcançadas pela tributação do IRPF, mas poderiam sê-lo pelo IGF caso ele
fosse regulamentado. É o caso dos rendimentos isentos e não-tributáveis e dos rendimentos
sujeitos à tributação exclusiva. Algumas categorias de rendas classificadas como isentas e não
tributáveis reproduzem-se produtiva ou financeiramente e vão compor a riqueza individual
dos contribuintes. Destacam-se os lucros e dividendos recebidos e as transferências
patrimoniais a título de herança, doações ou meações.
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3 CONCLUSÃO
Para se alcançar maior justiça fiscal é preciso aperfeiçoar e também alterar a legislação
tributária. Não basta o Estado bater recordes de arrecadação de imposto sobre a renda, por
exemplo. Quem sustenta essa estatística é a exigida classe média, notadamente os
trabalhadores.
Quando se fala em progressividade tributária, que de fato ela se aplique às pessoas
físicas e jurídicas, considerando a respectiva capacidade contributiva, a fim de conferir a
todos o tratamento isonômico e não mais com benefícios concedidos arbitrariamente e em
discriminação.
As benesses aqui comentadas, legalmente constituídas ou gozadas diante das lacunas da
lei, são ofensivas a muitos princípios constitucionais. Cada centavo de tributo não recolhido
ao tempo devido ou sob o valor adequado constitui irrefutável e incalculável prejuízo para a
coletividade.
Quem perde não é o Poder Público, mas a sociedade, pois à Administração compete
zelar, recolher, orientar e aplicar os recursos provenientes da arrecadação tributária em
benefício do interesse público. Ao abrir mão do tributo devido ou limitar a atuação das
Autoridades Fiscais, o reflexo é o que se tem visto neste país há anos: falta de recursos para se
garantirem os direitos dos cidadãos na educação, saúde, segurança, habitação, entre outros
deveres do Estado, assim como a inobservância dos objetivos fundamentais determinados no
artigo 3o da Magna Carta.
Para se alcançar os objetivos e fundamentos previstos na atual Constituição brasileira,
devem-se resgatar os princípios de justiça tributária. O Estado tem a obrigação de intervir e
retificar a ordem social a fim de remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais.
Assim, a contribuição de cada indivíduo para as despesas do Estado deve alcançar todos os
cidadãos que se acham na mesma situação jurídica, sem privilegiar indivíduos ou classes
sociais. A lei tributária deve ser igual para todos, e a todos deve ser aplicada com igualdade.
Nesse sentido, é necessário revogar algumas das alterações realizadas na legislação
tributária infraconstitucional após 1996 que sepultaram a isonomia tributária no Brasil com o
favorecimento da renda do capital em detrimento da renda do trabalho. Ao mesmo tempo, é
preciso suprir algumas lacunas em nossa legislação tributária que têm impedido um estado de
maior justiça fiscal. Entre essas mudanças destacam-se:
a) Fim da possibilidade de remunerar com juros o capital próprio das empresas, reduzindo-lhes o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre
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o Lucro Líquido das pessoas jurídicas; b) Fim da isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e divididendos; c) Submissão universal de todos os rendimentos de pessoas físicas à tabela progressiva do imposto de renda, sendo o valor já tributado abatido como antecipação do ajuste a ser feito na ocasião da declaração de ajuste anual do imposto de renda pessoa física; d) Atualização com os índices de inflação na tabela do Imposto de Renda Pessoa Física para os períodos de congelamento e manutenção de correção a cada ano-calendário; e) Regulamentação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, alterado pela Lei Complementar n° 104/2001, para permitir à autoridade administrativa desconsiderar atos e negócios jurídicos que visem a ocultar a ocorrência do fato gerador. A falta de regulamentação permite que uma pessoa física se constitua como pessoa jurídica com a única finalidade de não pagar impostos e contribuições, pouco restando ao Fisco fazer para impedir essa conduta. Na prática, o Auditor-Fiscal não pode valer-se deste artigo para coibir o fato gerador dissimulado. f) Implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). O sistema tributário brasileiro não alcança apropriadamente o conceito de fortuna. Muitos bens e direitos, adquiridos em razão direta do crescimento da renda, ficam excluídos da tributação. A implementação do IGF pode ser uma oportunidade para a prática da justiça tributária, aplicando-se corretamente o princípio constitucional da capacidade contributiva. Cabe ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional a iniciativa de traduzir em lei a previsão constitucional do IGF para que o IGF cumpra sua função social.
JUSTICE VERSUS TAX TAX
ABSTRACT
The article again demonstrates the conflict in tax legislation, sponsored by constitutional leg-islation by failing to respect the principles of the national tax system provided for in CF, creating specific handouts to taxpayers, thus promoting distortions that violate these prin-ciples by promoting the removal of social justice and tax. Some principles are described with no intention of exhausting them, as well as part of constitutional legislation that hurts those principles. Finally, intentions to suggested changes in legislation that may provide a greater range of tax justice, the rule providing the necessary resources to achieve their goals in a more just and equal. Keywords: Tax Law. Tax benefits. Tax Justice.
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REFERÊNCIAS
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COELHO, Sacha C. N.. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
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MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. 10. 2d. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
MELLO, Celso A. B. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
SUNDFELD, Carlos A. Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.