Post on 12-Jul-2020
Fernanda Nayanne Barbosa e Telma Borges
MÚSICA1: Este verbete objetiva estabelecer conexões entre Grande Sertão: veredas e
as músicas “Acerto de contas”e “Notícia do Norte”,ambas compostas e gravadas pelo
grupo Nhambuzim. O nome do grupo se deu em homenagem a um pássaro muito
comum no sertão mineiro, o qual Guimarães Rosa menciona em Grande sertão:
veredas: “Um pássaro cantou. Nhambú?” (ROSA, 2001, p. 120). Esse grupo nasceu em
São Paulo em 2002 e se dedica a fazer músicas urbanas com traços regionais,
preocupando-se em resguardar velhos costumes e preservar culturas populares.
Da teoria para prática: semiótica, paisagem sonora e modelo circumplexo
Semiótica e semiologia são termos constantemente confundidos; eram termos
sinônimos, talvez daí venha a possível confusão. Porém a semiologia tinha tendência
linguística e literária, enquanto a semiótica tinha tendência matemática e filosófica.
Todavia, ambas tinham o mesmo objetivo e funcionalidade de cientificar os signos a
partir de cada sistema de linguagem específico. Posteriormente essas ciências vieram a
se modificar, se distinguir e se separar. A semiologia passou a representar somente a
linguagem verbal, enquanto a semiótica passou a representar todas as formas de
linguagem, incluindo fenômenos linguísticos e culturais.
Tentando compreender o que é semiótica, Santaella nos propõe refletir sobre o
que há de imagem na palavra e o que há de palavra na imagem, isto é, qual relação
existe entre imagem e palavra, por exemplo, qual a relação entre a palavra guerra e sua
representação. Pensando em Grande sertão: veredas guerra é um signo forte, que está
conectado à morte. A guerra é desencadeada por causa da morte de Joca Ramiro,
representando nesse contexto vingança e termina com a morte de Diadorim,
representando as consequências advindas do signo guerra em sua significação mais
literal: “Luta armada entre nações ou partidos; conflito.” (FERREIRA, 2001, p. 357).
Ferdinand de Saussure, fundador da semiologia latina, chamou a imagem
acústica e visual de significante e a imagem mental de significado. Nesses moldes,
podemos refletir não apenas sobre imagem e palavra, mas também sobre significante e
significado. Sobre esse assunto, Santaella conclui que palavra e imagem são “meios
1 Autoria: Fernanda Nayanne Barbosa e Alves (adaptado de monografia defendida em 2014 na
Universidade Estadual de Montes Claros).
transparentes através dos quais a realidade se apresenta à compreensão”
(SANTAELLA, 1992, p. 37).
Seguindo os parâmetros de Saussure, a relação significante/significado
determina o signo. Na obra A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as
coisas, Santaella nos atenta para o cuidado com a simplificação do que seja signo, a fim
de não reduzir ou limitar tudo o que venha a constituir o signo, visto que tal limitação
pode vir a prejudicar seu rigor teórico. A exemplo das visões simplistas, a autora cita
Peirce, definindo signo como algo representando alguma coisa para alguém. Para que o
exemplo seja válido, há de se ressaltar que o alguém (sujeito) não precisa ser palpável,
existente ou humano. Pode-se tomar como sujeito um ser futuro, por exemplo. Outro
equívoco seria tomar a palavra coisa apenas como algo existente, afinal ela pode ser de
natureza ficcional, imaginária ou mítica. A partir de então, fica claro que se deve buscar
não apenas a definição de signo, mas a relação entre signo, objeto e interpretante
formando um processo ordenado. Nesse ponto, é válido mostrar que signo, objeto e
interpretante são de natureza sígnica sendo, portanto, três signos desempenhando papéis
diferentes em uma tríade. Aí está a relevância de se falar em relação: trata-se de três
signos e não apenas de um, como outrora pensado. A ênfase a cada correlato da tríade
determina o tipo de relação. Se enfatizado o signo, a relação é de significação ou
representação; se o objeto é enfatizado, a relação passa a ser de objetivação; e, por fim,
se o interpretante é enfatizado, temos uma relação de interpretação.
Há ainda uma outra ressalva:
(...) o signo perde o seu caráter de significante perfeito (isto é, genuíno) se a
série de interpretantes sucessivos vier a ter fim, implica o fato de que nenhum
interpretante de nenhum signo pode ser tido como absoluto ou definitivo. Faz
parte da própria forma lógica de geração do signo que ela seja a forma de um
processo ininterrupto, sem limites finitos. (SANTAELLA, 2008, p. 18).
Isso quer dizer que as interpretações atuais devem ser re-interpretadas e gerar
novas interpretações, seguindo sucessivamente nesses moldes. Se os estudos, pesquisas
e re-interpretações forem interrompidos, o signo perderá seu caráter de significante
perfeito. Santaella conclui: “Em síntese, a ação que é própria ao signo é a de crescer.”
(SANTAELLA, 2008, p. 19).
Santaella aponta vários processos interativos entre a palavra e a imagem, uma
vez que, segundo a autora, existem cinco classificações para as imagens. A primeira
seria a imagem gráfica, ligada à história da arte e exemplificada por estátuas, figuras e
designs. A segunda seria a imagem ótica, que se relaciona à física e tem como exemplo
o espelho. A terceira classificação seria a da imagem perceptiva, que envolve os
sentidos, como ocorre com a música. A quarta seria a imagem mental, embasada na
psicologia e na epistemologia, exemplificada por memórias, sonhos e ideias. A última
classificação seria a verbal, que se aproxima da crítica literária e tem como exemplo as
metáforas e descrições, tão presentes em Grande sertão: veredas. O que diferencia os
tipos de imagem são os canais de veiculação dessas imagens. Como trabalharemos com
canais diferentes, as imagens também serão diferentes.
Semiótica origina-se do termo grego ‘semeion’, que denota signo. Hildo
Honório Couto, em Uma introdução à semiótica, descreve-a como uma “(...) ciência
geral dos signos ou, melhormente, a ciência dos sistemas de signos.” (COUTO, 1983, p.
15). Iniciemos, pois, analisando o que podemos entender por ciência. Couto aceita
ciência como correspondente ao conhecimento sistematizado. Conhecimento
sistematizado, por sua vez, seria o oposto de conhecimento intuitivo. Assim, ele
apresenta o seguinte triângulo, onde “C” representa a ciência ou conhecimento, “S” o
sujeito intérprete e “O” o objeto cognoscível ou objeto do conhecimento.
C
/ \
S--------O
Nota-se pelo esquema que o conhecimento é que conecta o sujeito ao objeto
cognoscível. Assim, temos um fato relevante para tratar a semiótica como ciência. A
reafirmação da semiótica na postura de ciência é dada pelo próprio Couto: “a semiótica
é, como uma ciência, parte da ciência em geral; por outro lado, a ciência como
linguagem, é objeto da semiótica” (COUTO, 1983, p. 18).
Desenvolvendo seu trabalho, Couto trava comparações entre Saussure e Pierce.
Primeiro ele demarca as contribuições saussureanas para a semiótica, tais como as
dicotomias: língua e fala – a língua, chamada por Saussure de langue, constitui um
sistema abstrato correspondente ao acúmulo de conhecimentos da língua absorvidos e
guardados pelo nosso cérebro. A fala, parole, corresponde à concretização,
exteriorização da língua. A língua é comunitária, mas a fala é individual; sintagma e
paradigma – são formas de associar os signos da linguagem. O paradigma corresponde a
um modelo estrutural e o sintagma corresponde à combinação de signos (HOUAISS;
VILLAR, 2009); significante e significado – significante corresponde à imagem
acústica, ao som provocado pelo uso da palavra. Significado liga-se a imagem mental
evocada pelo ouvinte. A relação entre significante e significado, segundo Saussure,
resulta na produção do signo; diacronia e sincronia – a julgar pelos próprios radicais,
sincronia representa o que está junto, atual e diacronia representa o que está fora de
época, um recorte na linha do tempo.
Diferente de Saussure, Pierce trabalha com tricotomias e entende por signo
“algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém.”
(COUTO, 1983, p. 29). Seria um primeiro fator (conhecimento) posto em relação a um
segundo fator (objeto) determinando um terceiro fator (sujeito).
Conforme já fora citado, pretendemos aproximar aqui música e literatura, tendo
por base a obra Grande sertão: veredas. Daí utilizarmos a semiótica como aporte
teórico a fim de, através da literatura e da música, estabelecer relações entre o texto que
serviu como ponto de partida e sua tradução para o universo musical.
Música e literatura são artes que possuem teoria, o que lhes dá caráter científico
também. Como embasamento para as análises musicais, nos utilizaremos do conceito de
“paisagem sonora”, desenvolvido por Murray Schafer e do “modelo de circumplexo”,
de Russell.
R. Murray Schafer, canadense, foi o mentor de um novo conceito musical: a
paisagem sonora. Schafer definiu música como, “sobretudo, nada mais que uma coleção
dos mais excitantes sons concebidos e produzidos pelas sucessivas operações de pessoas
que têm bons ouvidos” (SCHAFER, 1991, p. 187). Para ele, “a mais vital composição
musical de nosso tempo está sendo executada no palco do mundo”. (SCHAFER, 1991,
p. 187). Isso quer dizer que os sons que nos rodeiam são interpretados como música.
A partir do termo Landscape, que significa paisagem, Murray criou o
neologismo Soundscape (paisagem sonora). Inicialmente, os estudos de Schafer “tinham
como preocupação analisar o ambiente acústico a sua volta e realizar um mapa sonoro
das regiões estudadas (geralmente o próprio Canadá) criando um catálogo dos sons
característicos de cada região.” (TOFOLLO; OLIVEIRA; ZAMPRONHA, 2003, p. 03).
Todavia, as mudanças sonoras nas paisagens decorrentes de processos como
urbanização e industrialização atrapalharam os planos de Murray. A paisagem sonora
ficou compreendida como um conjunto de sons (ambiente acústico) que remete a uma
paisagem visual (região, cidade ou mesmo lugar específico). A paisagem sonora deve
permitir ao ouvinte reconhecer um ambiente apenas através do som.
Usaremos também em nosso trabalho o circumplexo de Russell. Esse
circumplexo se apresenta sob a forma de um plano cartesiano contendo, naturalmente,
dois eixos: um vertical e outro horizontal. O eixo vertical nos apresenta o grau de
atividade, o que significa dizer se a música provoca maior (para cima) ou menor (para
baixo) agitação. O eixo horizontal guarda as valências positiva (para a direita) e
negativa (para a esquerda). As sensações e emoções promovidas pelas músicas são
apuradas de forma genérica, e não individualmente. No gráfico, as descrições gerais dos
sentimentos ficam sempre nas bordas, formando quase um círculo. Isso porque o centro,
encontro dos eixos, é nulo, ou seja, representa a ausência de sentimentos. Veja na figura
1 o modelo desse circumplexo:
FIG. 1: Modelo circumplexo de Russell.
FONTE: GERLING; SANTOS; DOMINICI, 2009, p. 55.
A relação entre música e literatura é mais intrínseca do que se pensa.
Trabalharemos a música sob o viés de arte complementar à literatura, pois como nos
afirma Gabriela Reinaldo, “(...) o que a palavra em seu uso ordinário não diz, a música
sugere.” (REINALDO, 2005, p. 22). Assim, notamos o caráter complementar entre tais
artes. O próprio Guimarães Rosa, em correspondência ao crítico Günter Lorenz, disse
que “a música da língua deve expressar o que a lógica da língua obriga a crer (Rosa,
apud LORENZ, 1983, p. 88)” (PESSÔA, 2008. p. 01).
Segundo Paulo Costa Lima, foi a partir da década de 1980 que surgiram as
primeiras abordagens que uniam música e literatura. Antes, só se comparava literatura à
pintura. Hoje, a literatura é um objeto de comparação para várias outras artes e mídias,
como por exemplo, teatro, cinema, propagandas e até a própria literatura. Em seus
comentários, Lima nos aponta um problema: “quando música e palavras são
combinadas, estamos tratando da confluência de dois sistemas lingüísticos? Ou trata-se
de apenas um sistema lingüístico empurrado ao lado de outro sistema sonoro, não-
linguístico? (sic)” (Lima, 2010, p. 01). Acreditamos, apesar das particularidades de cada
sistema, que se trata de dois sistemas linguísticos, uma vez que tomamos a música como
correlata à literatura, como forma de linguagem, comunicação e, mais especificamente
neste trabalho, como forma de reprodução da linguagem literária.
Guimarães Rosa pode ser considerado um escritor compositor pelo fato de
produzir uma literatura carregada de musicalidade. Não é à toa que encontramos uma
quantidade considerável de músicas compostas a partir das suas obras. São gravados
CDs inteiros apenas com músicas baseadas na literatura rosiana, como por exemplo o
CD Rosário e o CD Imaginário Roseano,sem mencionar outras músicas que são
inspiradas na musicalidade das obras de Guimarães. “O conceito de musicalidade
incorpora as virtualidades sonoras da língua, as cantigas populares e as técnicas e
formas eruditas da música” (SIQUEIRA, 2009, p. 05) como melodia, harmonia,
cadências e ritmos.
No que diz respeito à aproximação entre música e Grande sertão: veredas,
Gabriela Reinaldo afirma que há cadência rítmica nas frases da obra e denomina essa
rítmica de “música subjacente”. Não há como determinar o ritmo que atende à produção
em questão, mas há como demonstrar a forte presença musical que caracteriza
Guimarães Rosa. Como alguns exemplos citamos a “Cantiga de Siruiz” e a cantiga de
guerra do bando “Olererê baiana”. Acrescentamos ainda que o romance se inicia
chamando atenção para os barulhos de tiros, evocando a audição. Com esses exemplos
não é difícil notar a expressiva presença musical em Grande sertão: veredas.
O próprio Guimarães Rosa afirmou a presença da musicalidade em sua obra:
“Sou precisamente um escritor que cultiva a ideia antiga, porém sempre moderna, de
que o som e o sentido de uma palavra pertencem um ao outro (Rosa, apud LORENZ,
1983, p. 88)” (PESSÔA, 2008. p. 01).
Nesta seção apresentamos as bases teóricas com as quais trabalharemos para
analisar as músicas nas próximas seções.
A notícia que veio do canto do Nhambú
Tomaremos como ponto de partida o signo guerra, já conceituado anteriormente.
É importante nos atentarmos para esse signo porque é através dele que conseguiremos
unir Grande sertão: veredas às músicas mencionadas. Guerra será a fita que enlaça
esses dois sistemas semióticos.
Em Grande sertão: veredas,variadas guerras acontecem em vários momentos,
com finalidades distintas. Todavia, é a guerra pela vingança da morte de Joca Ramiro a
que nos interessa para este estudo. É necessário esclarecer que essa guerra é resultado
de outras guerras e, por sua complexidade, nos instiga a refletir sobre suas causas e suas
consequências.
Primeiro descreveremos a causa. Tudo começou quando Zé Bebelo que, apesar
de ser jagunço, decidiu entrar para a política e acabar com a jagunçagem. Deu-se que,
por esse motivo, o bando de Joca Ramiro enfrentou o bando dos Bebelos e capturou o
chefe, a fim de julgá-lo. Hermógenes, companheiro fiel de Joca Ramiro, pronunciou-se
a favor da pena de morte para Zé Bebelo. Contudo, após ouvir vários pronunciamentos,
Joca Ramiro sentenciou Zé Bebelo apenas ao desterro, sem carecer da pena de morte.
Hermógenes não gostou de ter sido contrariado: “Mesmo eu vi o Hermógenes: ele se
amargou, engulindo de boca fechada. – ‘Diadorim’ – eu disse – ‘esse Hermógenes está
em verde, nas portas da inveja...’” (ROSA, 2001, p. 298-297). Foi pela inveja, ciúmes e
contradição que Hermógenes veio a matarJoca Ramiro, desencadeando nova guerra por
novo motivo.
A primeira música a ser analisada (anexo A), intitulada “Notícia do Norte”,
apresenta o motivo que desencadeou a guerra principal da obra: a morte de Joca
Ramiro. A morte nos aparece, então, como causa para o aparecimento desse signo
guerra. É interessante notarmos na letra o jogo do título com a notícia tal como é
apresentada na música: notícia do Norte, notícia de morte. A troca de um único fonema
nos descreve a notícia, amplia os sentidos da letra e retém maior carga imagética.
Ainda na introdução da música há a representação de alguns sons que fazem
referência aos sons descritos na cena de chegada da notícia como a chuva, reproduzida
por um instrumento percussivo conhecido como Pau de Chuva, e o barulho das garças,
reproduzido por apitos “Bateu o primeiro toró de chuva.” (ROSA, 2001, p. 310); “As
garças é que praziam de gritar, o garcejo delas (...)” (ROSA, 2001. p. 310-311).
O vocábulo garcejo mostra-nos um pouco da particularidade de Guimarães Rosa
em preocupar-se com a sonoridade e significação das palavras. Como vimos
anteiormente, o romancista diz que “o som e o sentido de uma palavra pertencem um ao
outro (Rosa, apud LORENZ, 1983, p. 88)” (PESSÔA, 2008. p. 01). Exemplificamos,
assim, forte relação entre significante e significado.
Toda a letra da música é composta de palavras fortes, tais como ódio, traição e
vingança que formam signos intensos caminhando para um sentimentalismo fúnebre,
cujo apogeu desemboca na própria notícia: o fim de Joca Ramiro.
A música em compasso binário (2/4) e ritmo de baião (figura 2), que tem o
segundo tempo com marcação forte prolongada (síncope), traduz o estilo sertanejo tão
presente na obra. O uso do triângulo, outro instrumento percussivo, reafirma essa
presença sertaneja.
FIG 2: Desenho rítmico do baião
FONTE: NOVAES, 2012.
Segundo Alex Ross, a sequência de segundas descentes desencadeia sentimentos
tristes nos ouvintes. “Notícia do Norte” possui uma sequência de acordes que formam
segundas descendentes (de dó para si e de si para lá) nos encaminhando para o pesar da
notícia. Temos então, aqui, um exemplo extraído de Gabriela Reinaldo: “(...) o que a
palavra em seu uso ordinário não diz, a música sugere.” (REINALDO, 2005, p. 22).
Isso quer dizer que a música acrescenta novas ideias à palavra. O som auxilia a
compreensão daquilo que se quer dizer. O ritmo, harmonia, cadências, escalas, tipos de
instrumentos dentre outros, ajudam a compor a ideia do texto.
A música é interpretada por três vozes que se alternam, como se não fosse
possível a um só cantar ou, no caso, a um só dar a notícia. Como se fosse necessário um
fôlego extra para se conseguir repassá-la, tal qual ocorre na narrativa: “O Gavião-Cujo
abriu os queixos, mas palavra logo não saiu, ele gaguejou ar e demorou (...)” (ROSA,
2001, p. 311).
No sexto verso – “No céu brotaram as nuvens do ódio” – a palavra ódio é
cantada pelos três intérpretes, que fazem três melodias diferentes: primeira voz, segunda
voz e terceira voz (figura 3). O fato de três vozes cantarem a palavra ódio nos faz
entender que, mesmo de maneiras diferentes, o ódio pertencia a todos, era sentido por
todos.
FIG. 3: Desenho das três vozes em partitura.
FONTE: NOVAES, 2012.
No sétimo e oitavo versos – “Um bramava, um calava / Um outro caía” – as três
vozes se entrecruzam numa espécie de representação da letra e da própria cena. O uso
de notas longas tem como função preencher o tecido musical e, no caso, promover a
encenação dos jagunços bramando, gritando e caindo (figura 4).
FIG. 4: Vozes entrecruzadas na partitura.
FONTE: NOVAES, 2012.
É relevante notar que a palavra caía literalmente cai, uma vez que a partitura nos
mostra notas descendentes. No plano da narrativa caía também comunga desse sentido
literal, assumindo a postura de descendência, de ir para baixo. Diadorim caiu no sentido
de ser atraído pela gravidade. É possível, ainda, observar esse verbo no sentido de uma
retirada de alicerce. Diadorim caiu porque perdeu sua base, sua muleta, representada
pela figura de Joca Ramiro, seu pai. Cair passa, então, a ser equivalente à
desnorteamento, desestruturação.
Logo após o décimo verso – “Zunido de bala” –, há uma sequência de notas
(figura 5) que faz alusão à viola, instrumento de tradição sertaneja. Essa sequência se
apresenta em forma de solo, acompanhada apenas por um instrumento percussivo que
vai perdendo sua intensidade evidenciando, assim, o som do piano que executa esse
solo. Esse tipo de desenho musical nos provoca inquietação e suspense por causa da
velocidade e repetição das notas.
FIG. 5: Sequência de notas tocadas pelo piano em alusão à viola caipira.
FONTE: NOVAES, 2012.
Essa mesma escala se repete em outras partes da música, porém em uma oitava
abaixo e acompanhada de vários outros instrumentos, inclusive instrumentos
harmônicos como o violão, o que a deixa em menor evidência.
Esse suspense e inquietação podem fazer alusão à relação de Riobaldo com o
Hermógenes, autor do crime. “Aquele Hermógenes (...) Eu criava nôjo dele, já disse ao
senhor. Aversão que revém de locas profundas.” (ROSA, 2001, p. 203). Riobaldo nunca
gostou do Hermógenes, mesmo antes de ter algum motivo para isso. No decorrer da
narração, vão sendo deixadas pistas de maus pressentimentos de Riobaldo em relação ao
Hermógenes. O solo supracitado vem sugerir esses pressentimentos.
Ao final da música, fica-se repetindo, como arranjo de fundo, a frase “sabe
sinhô”, em caráter dialógico2, como se fosse Riobaldo contando a história ao doutor do
sertão. Também são reproduzidos alguns gritos enfatizando a dor provocada pela
notícia. Seguimos observando o trecho da obra ao qual a música se refere:
O Gavião-Cujo levantou um braço, pedindo prazo. À fé, quase gritou:
– “Mataram Joca Ramiro!...”
Aí estralasse tudo – no meio ouvi um uivo doido de feras! Que no céu, só vi
tudo quieto, só um moído de nuvens. Se gritava – o araral. As vertentes
verdes do pindaibal avançassem feito gente pessoas. Titão Passos bramou as
ordens. Diadorim tinha caído quase no chão, meio amparado a tempo por
João Vaqueiro. Caiu, tão pálido como cera do reino, feito um morto estava.
Ele, todo apertado em seus couros e roupas, eu corri, para ajudar. A vez de
ser um desespero. O Paspe pegou uma cuia d’água, que com os dedos
espriçou nas faces do meu amigo. Mas eu nem pude dar auxílio: mal ia pondo
a mão para desamarrar o colete-jaleco, e Diadorim voltou a seu si, num
alerta, e me repeliu, muito feroz. Não quis apoio de ninguém, sozinho se
sentou, se levantou. Recobrou as cores, e em mais vermelho o rosto, numa
fúria, de pancada. Assaz que os belos olhos dele formavam lágrimas. Titão
2 Toma-se caráter dialógico, aqui, com o sentido de diálogo, conversa entre duas ou mais pessoas.
Passos mandava, o Gavião-Cujo falava. Assim os companheiros num estupor.
Ao que não havia mais chão, nem razão, o mundo nas juntas se
desgovernava. (ROSA, 2001, p. 311-312).
Dividiremos, pois, a música em seis partes para a confrontarmos com a
passagem referida de Grande sertão: veredas. Antecipamos que toda a música
representa, dentro dos tipos de imagem descritos por Santaella, uma imagem perceptiva,
já que envolve os sentidos. Antes de começarmos a análise de cada parte, gostaríamos
de reiterar a musicalidade na escrita de Rosa. No trecho supracitado, temos a presença
de ecos, assonâncias (“...braço, pedindo prazo”/ “...ouvi um uivo doido...”/ “...vertentes
verdes...”) e rimas internas (“Titão Passos mandava, o Gavião-Cujo falava.”) que
imprimem ritmo e musicalidade ao romance. Na mesma medida em que temos música
na literatura, temos litaretura na música. Observamos a literariedade encontrada na letra
da música tais como o jogo das expressões Notícia do Norte e notícia de morte, bem
como a personificação de elementos naturais que engrandecem o sertão rosiano: “no céu
moídas as nuvens da dor/ no céu brotaram as nuvens do ódio”.
A primeira parte equivale aos quatro primeiro versos – “Brabo pardo chegou
banhado de lama / Gavião-cujo que veio do norte/ Trouxe agouro e notícia de morte/
Notícia do fim de Joca Ramiro” – que reproduzem a chegada da notícia e a notícia em
si. Não houve grande alteração entre os sistemas semióticos. Edson Penha se manteve
bastante fiel à obra deixando transparecer a notícia da morte de Joca Ramiro e o
portador da notícia: Gavião-Cujo. O compositor relatou ainda o lugar de onde se trazia a
notícia (Norte) e como se encontrava Gavião-Cujo (banhado de lama). O uso do verbo
“banhar” faz analogia ao motivo pelo qual Gavião-Cujo estava naquele estado: havia
tomado muitas chuvas: “Era um brabo nosso, um cafuz pardo, de sonome o Gavião-
Cujo, que de mais norte chegava. Ele tinha tomado muitas chuvas, que tudo era lamas,
dos copos do freio à boca da bota (...)” (ROSA, 2001, p. 311). Há na música uma
pequena alteração na ordem dos fatos em relação à obra. Em Grande sertão: veredas,
primeiro narra-se o nome do portador da notícia, depois de onde ele vinha e por último
como ele estava, ao passo em que na música, primeiro se relata o estado do portador da
notícia, seguido por seu nome e pelo local de onde vinha.
A inversão na ordem desses fatos nos permite produzir sentidos variados. Essa
troca de lugar enfatiza elementos diferentes. No romance, enfatiza-se o estado físico do
Gavião-Cujo, chamando atenção para a chuva no sertão, o que é raro. Já na música, a
ênfase maior fica para o lugar de onde o Gavião-Cujo vinha. A música muda o foco
para consolidar seu título “Notícia do Norte”. Assim, o Norte torna-se mais relevante do
que o estado físico do noticiário. Porém, ambos os sistemas semióticos nos apresentam
esses fatos gradativamente, como se fossem nos preparando para a notícia. Cada detalhe
de espaço, tempo e modo nos certificam, lentamente, de que algo importante será dito
ou será realizado. Tanto a música quanto a literatura conseguem nos tencionar para um
fato posterior a partir de descrições anteriores.
A segunda parte é composta pelos versos cinco, seis, dezenove, vinte, vinte e
um, e vinte e dois – “No céu moídas as nuvens da dor / No céu brotaram as nuvens do
ódio/ Vazio ficou o chão/ E o mundo se perdeu da razão/ Vazio ficou o chão/ E o mundo se
perdeu da razão” –e mimetiza o que a notícia provocou: dor, ódio, vazio e perda da
razão. Todos esses substantivos abstratos foram concretizados com a partida de Joca
Ramiro. Isso porque Joca Ramiro não era apenas um chefe, era um amigo, um homem
de grande caráter e de muitos conhecimentos: “Ah, Joca Ramiro para tudo tinha
resposta: Joca Ramiro era lorde, homem acreditado pelo valor.” (ROSA, 2001. p. 275).
Também foram representados na música outros elementos que nos remetem à obra
como as nuvens e o vazio do chão. Não há na música a citação de um mundo
desgovernado fazendo alusão ao papel de chefe do bando atribuído à Joca Ramiro, o
que pode vir a dificultar o entendimento do ouvinte, já que esse fato intensifica a dor da
perda. Há de se ressaltar que a variação do texto entre diferentes sistemas semióticos é
previsível, até porque os próprios sistemas são diferentes e possuem características
específicas. A música, por exemplo, não dispõe de tanta liberdade descritiva quanto a
literatura. Por isso encontramos na obra muitos elementos que não foram representados
na música.
A terceira parte aborda as formas como a notícia foi recebida. Ela é marcada
pelos versos sete, oito, dezesseis, dezessete e dezoito – “Um bramava, um calava/ Um
outro caía/ Caiu e de fúria explodiu/ Um rio de lágrimas sobre a face vermelha/ Um rio
de lágrimas”.
O sétimo e oitavo versos relatam as reações gerais dos jagunços, enquanto os
outros versos mencionados caracterizam a reação específica de Diadorim. Ele caiu e
teve seus olhos embriagados de lágrimas. A música expõe o choro de Diadorim como
em maior quantidade do que existe no romance. A obra não menciona um rio de
lágrimas, apenas diz que lágrimas se formaram nos olhos de Diadorim. É interessante
ressaltar, porém, o jogo de palavras que forma a expressão “rio de lágrimas” quando rio
deixa de ser substantivo e passa a representar um verbo flexionado em primeira pessoa
do singular, como se fosse possível achar graça do choro de tristeza: eu rio de lágrimas.
O sentido hiperbólico dessa expressão será mais explorado à frente.
A reação extrapolada de Diadorim tinha um motivo: Joca Ramiro era seu pai.
Ele mantinha em segredo o verdadeiro motivo da sua dor. Riobaldo desconfiava: “Mas
Diadorim pensava em amor, mas Diadorim sentia ódio. Um nome rodeante: Joca
Ramiro – José Otávio Ramiro Bettancourt Marins, o Chefe, o pai dele?” (ROSA, 2001,
p. 444) “– ‘Riobaldo, escuta, pois então: Joca Ramiro era o meu pai...’” (ROSA, 2001,
p. 54) .
A paternidade de Joca Ramiro explica o desejo de vingança de Diadorim. Era
papel dos filhos vingarem a morte dos pais. “‘Filho, isso é a tua maioridade. Na velhice,
já tenho defesa, de quem me vingue...’” (ROSA, 2001, p. 126). “(...) Diadorim tanto não
vivia. Até que viesse a poder vingar o histórico de seu pai (...)” (ROSA, 2001, p. 46).
Mas a vingança já é tema da quinta parte da música.
A parte quatro, construída pelos versos nove e dez – “Traição pelas costas/
Zunido de bala” –, guarda as informações de como ocorreu a morte de Joca Ramiro. Ele
foi baleado pelas costas por um homem que pertencera ao seu bando e agora o traíra:
Hermógenes. “– ‘... Matou foi o Hermógenes...’” (ROSA, 2001, p. 312). “Aí, atiraram
em Joca Ramiro, pelas costas, carga de balas de três revólveres... Joca Ramiro morreu
sem sofrer.” (ROSA, 2001, p. 314). Mesmo sem dizer o nome do traidor, a música
esclarece dois fatos importantes da história: houve uma traição e Joca Ramiro foi morto
a tiro. Em apenas dois versos pequenos, Edson Penha foi capaz de descrever o
acontecimento sem que houvesse prejuízo de sentido ou incompreensão. Desse modo,
nota-se a música como sendo bastante pertinente à obra. Se a tradução da ideia deve
exceder a tradução do signo, então temos um excelente trabalho realizado pelo grupo
Nhambuzim, já que as principais ideias da cena selecionada de Grande sertão: veredas
estão presentes na música.
Conforme já fora dito, a quinta parte, versos onze e doze – “Trouxe raiva e
vingança de morte/ Vingança ao fim do grande Ramiro” –, tem a temática da vingança.
Chegamos a um ponto importante do nosso trabalho. A vingança é a consequência da
morte de Joca Ramiro, pois se este não tivesse sido assassinado não haveria uma nova
guerra. Mas a vingança pode ser interpretada também como a causa da guerra, pois foi
por querer vingar que uma nova guerra se iniciou. Há que se refletir, então, que a
vingança como causa é a consequência da morte de Joca Ramiro. Para vingar a morte de
Joca Ramiro, era preciso matar seu assassino, ou seja, só uma morte poderia pagar outra
morte. Assim, mais uma vez, a música se apresenta em sintonia com a obra: “– ‘Hem,
diá! Mas quem é que está pronto em armas, para rachar Ricardão e Hermógenes, e
ajudar a gente na vingança agora, nas desafrontas? (...)’” (ROSA, 2001, p. 313). “Era a
outra guerra.” (ROSA, 2001, p. 314).
Por fim, a última parte é composta de um só verso: o verso quinze – “Amigo
olhar-de-esmeralda”. Essa expressão se comporta como uma metonímia do nome
Diadorim, pois este tinha olhos verdes, tal qual a cor da esmeralda. Também devemos
pontuar que a esmeralda é uma pedra muito valiosa. Assim, é possível depreender que
eram cheios de valores e preciosos os olhos de Diadorim. Logo, a expressão escolhida
pelo grupo musical para substituir o nome Diadorim foi de extrema pertinência e
inteligência. “Olhei: aqueles esmerados esmartes olhos, botados verdes, de folhudas
pestanas, luziam um efeito de calma, até que me repassasse.” (ROSA, 2001, p. 119-
120).
A fixação de Riobaldo pelos olhos de Diadorim é constante em toda a narrativa.
A própria citação (acima) da cena da chegada da notícia da morte de Joca Ramiro faz
referência aos olhos de Diadorim por meio do adjetivo belos: “Assaz que os belos olhos
dele formavam lágrimas.” (ROSA, 2001, p. 312). Logo no primeiro encontro entre os
personagens, Riobaldo e Diadorim, Riobaldo destaca o que lhe chamou atenção: “(...)
era um menino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-grandes, verdes.” (ROSA,
2001, p. 118). Também no segundo encontro, ocorrido anos mais tarde após o primeiro,
Riobaldo novamente chama atenção para os olhos de Diadorim: “Os olhos verdes,
semelhantes grandes, o lembrável das compridas pestanas (...)” (ROSA, 2001, p. 154).
Sobre esses dois encontros, é curioso o jogo realizado por Guimarães com relação às
aparições de Diadorim: primeiro ele aparece no porto, depois aparece na porta. Tanto o
porto quanto a porta são lugares de entremeio, que dividem dois espaços distintos
sugerindo a travessia, tão marcante na obra. Também a semelhança sonora entre essas
palavras desencadeia a “música subjacente”, teorizada por Gabriela Reinaldo. Fazem
parte dessa música rosiana outras palavras e expressões presentes no relato, que contêm
sonoridades muito singulares e que, discretamente, evocam ritmo e musicalidade como
“vuvu vavava”, “ronda-roda”, “garcejo”, “dansa”, “sofrerzinho”, “cavalheiro-da-sala”,
“jagunçosisso”, “burumbum”, “desmorder os dentes”, “cabeleira sem cabeça”,
“versegurar com os olhos”, “feito coisa-feita”, entre muitas outras.
O canto para o “Acerto de contas”
Hermógenes matou Joca Ramiro por motivo de inveja e raiva da contradição à
sua opinião no julgamento de Zé Bebelo. É bom esclarecer que Hermógenes, ainda na
época em que pertencia ao bando de Joca Ramiro, era visto por Riobaldo como um
homem muito ruim, que tinha pacto com o Diabo:
Se assina o pacto. Se assina com sangue de pessoa. O pagar é a alma. Muito
mais depois. O senhor vê, superstição parva? Estornadas! “... OHermógenes
tem pautas...” Provei. Introduzi. Com ele ninguém podia? O Hermógenes –
demônio. Sim só isto. Era ele mesmo. (ROSA, 2001, p. 64).
“(...) o Hermógenes era pactário!” (ROSA, 2001. p. 66). Riobaldo se assustava
com essa ideia. Acreditava nos boatos e fofocas por antipatizar-se com o Hermógenes.
“Só o Hermógenes, arrenegado, senhoraço, destemido. Rúim, mas inteirado, legítimo,
para toda certeza, a maldade pura. Ele, de tudo tinha sido capaz, até de acabar com Joca
Ramiro, em tantas alturas.” (ROSA, 2001, p. 425)
Terminado o julgamento, os jagunços tomaram rumos diferentes. Zé Bebelo foi
com seus homens sobreviventes para Goiás; João Gonhá foi para a Bahia; Antenor e
alguns hermógenes seguiram rumo à beira do Ramalhada; Alaripe, Titão Passos,
Riobaldo e Diadorim foram seguindo o São Francisco até depois do Jequitaí; e Joca
Ramiro voltou para São João do Paraíso com Ricarddão e Sô Candelário. Diadorim,
que tanto confiava no Hermógenes e brigava com Riobaldo por modo de defendê-lo,
sentiu-se, pela primeira vez, amedrontado com o comportamento de Hermógenes: “... A
ser que você viu o Hermógenes e o Ricardão, gente estarrecida de iras frias... Agora,
esses me dão receio, meu medo... Deus não queira...” (ROSA, 2001, p. 300).
Pensando no título da música, notamos um caráter de vingança. Acerto de contas
é uma expressão utilizada para representar outra expressão: “você me paga!”. Diadorim
queria cobrar a morte do seu pai, por isso tinha contas para acertar com Hermógenes,
que agora estava em saldo devedor. Assim, podemos notar que a música terá sua base
na passagem da guerra entre bebelos e hermógenes. A música divide-se em introdução,
três estrofes e refrão.
A introdução é composta por uma célula em ostinato (que se repete), que sugere
tensão de acordo com o circumplexo de Russell, isso por apresentar maior atividade e
maior negatividade devido às escolhas de ritmo, sequência de notas e intervalos
incomuns como, por exemplo, a quarta aumentada, isto é, um intervalo de três tons
(trítono). Esse tipo de intervalo nos provoca inquietação, tanto que na Idade Média ele
era evitado e levava o nome de diablos que, como o próprio nome sugere, representava
algo negativo. O arranjo da música também acaba por contribuir para esse sentimento
através de, por exemplo, andamento e uso de notas em estacato, que é o corte rápido do
som produzido. Todos estes fatores nos encaminham para o setor da negatividade do
circumplexo e, no caso, nos remetem à situação da guerra. A introdução é executada por
um piano juntamente com um contrabaixo, instrumento de timbre grave, fazendo alusão
ao modo rude e grosseiro da vida dos jagunços. Logo após a célula em ostinato, o tecido
musical é preenchido com outros instrumentos. Um dos instrumentos harmônicos
acompanhante é a viola caipira. A viola é um instrumento da família das cordas muito
próximo ao violão. Ela possui um timbre mais agudo e é considerada um dos símbolos
da cultura sertaneja, nos encaminhando, assim, mais uma vez, ao sertão rosiano. Outro
instrumento que colabora com a harmonia é o piano.
É pertinente pensarmos no piano como um instrumento, historicamente,
pertencente à classe burguesa, que remonta a postura urbana em contraposição à viola,
que remonta a postura rural. Podemos refletir por esse viés o encontro entre Riobaldo
(representado pela viola) e o doutor do sertão (representado pelo piano). O jogo entre
dois instrumentos, um considerado clássico3 e outro popular, trazem à música um tom
ousado e interessante. O piano, ainda hoje, é considerado em um instrumento mais
erudito, pelo fato de não atingir massas como outros instrumentos mais práticos e
portáteis, como a viola caipira e o violão. Também, as principais composições para
piano enquadram-se no estilo erudito, ao passo que a viola e o violão já dispõem de um
acervo imensurável de composições populares.
Assim como a música “Notícia do Norte”, “Acerto de Contas” também é em
ritmo de baião, atentando para a tradição sertaneja. Lembramos aqui do conceito de
paisagem sonora explorado por Murray Schaffer. Segundo ele, paisagem sonora seriam
todos os sons que nos remetem a uma paisagem específica. No caso da música em
questão, os compositores tiveram o cuidado de escolher elementos (arranjos,
instrumentos, tipo de interpretação) que pudessem projetar nos ouvintes a paisagem
sonora do sertão. Por isso explicamos a presença de instrumentos percussivos, viola
caipira, dentre outros. Esses elementos buscam compor tal paisagem através dos sons.
Lembramos, ainda, do piano que, opondo-se a esses elementos, completa o jogo dual
3 Estamos entendendo por clássica ou erudita músicas mais complexas, com formas mais distantes da
população, músicas mais raras e que não atingem às massas, o oposto das formas populares.
presente na música, reiterando a oposição entre o Dr. do sertão e o jagunço, ainda que
letrado, Riobaldo.
As duas primeiras estrofes apresentam a mesma linha melódica, ou seja, são
cantadas da mesma forma, mudando apenas a letra. Inclusive, dentro das próprias
estrofes, a melodia se repete.
O refrão segue com a ideia de coletividade, uma vez que é interpretado por três
vozes simultâneas cantando a mesma melodia em sinal de reforço à afirmação que está
sendo dita. Podemos pensar em discurso coletivo, como se houvesse uma opinião
unânime acerca do que estava acontecendo (a terra em transe, o guerrear). Também o
uso de notas longas pode nos servir de analogia à ideia de amplidão da cena da guerra,
nos fazendo perceber que esta estava espalhada por toda parte, até perder de vista.
Ainda no refrão, torna-se mais perceptível o estilo de cantar dos vocalistas
semelhante ao aboio. O aboio é um tipo de canto dos vaqueiros para tocar a boiada,
muito comum no nordeste e interior mineiro. O aboio quase não usa palavras e procura
seguir o ritmo dos passos dos bois. Assim, notamos que as músicas traduzem não
apenas as histórias do romance, mas também contemplam a tradução das culturas
mimetizadas na obra.
A segunda parte não apresenta novidade. Já a terceira, reflete a mágoa e a
solidão através de acordes dissonantes (com intervalos exóticos, incomuns). Nessa parte
as três vozes seguem com a interpretação e a viola fica em maior evidência. Um arranjo
deve ser observado: um instrumento percussivo (espécie de chocalho) produz um som
semelhante ao sibilamento da cascavel no fundo da melodia. A cascavel é um animal
muito comum no sertão, assim como o aboio, já mencionado. Podemos, então, concluir
que esse dois elementos também ajudam a compor a paisagem sonora. O som da
cascavel ganha novo sentido quando associado a um ser traiçoeiro. Esse sentido parte da
Bíblia, quando uma cobra induziu Eva a comer do fruto proibido no livro de Gênesis.
Trazendo a cobra como sinônimo de traição para Grande sertão: veredas, associamos
esse som à figura de Hermógenes, que traiu Joca Ramiro e todo o bando.
Há nessa terceira parte uma quebra do ritmo dançante, apontando para uma
atmosfera amórfica. A repetição dessa parte é executada por um só homem nos
sugerindo, talvez, a voz de Riobaldo em um momento introspectivo. Trata-se, aqui, de
um discurso individual e interiorano. É importante notarmos o tom interrogativo na
repetição da terceira estrofe da música, implicando dúvida ao fato de a paixão ter se
mantido resguardada. Há nesse tom uma insinuação de que a paixão fora de alguma
forma exteriorizada. Riobaldo não conseguia conter seu desejo, por mais que o
escondesse. Esse sentimento resistente estava sempre guardado em seu coração.
Também Riobaldo sempre estava junto de Diadorim, se preocupando com ele e sentindo
o que ele sentia, deixando transparecer, ainda que de forma discreta, seu amor, isto é,
não o mantendo tão resguardado. Quando Diadorim passa a ser comparado com a
figura do diabo, a demonstração desse amor fica muito evidenciada em toda a obra.
Trata-se de um jogo que Guimarães faz. Ele esconde o amor de Riobaldo e Diadorim,
deixando-o mais visível do que se imagina. Trataremos disso mais adiante. Por fim, a
entonação interrogativa nos leva a refletir: será que essa paixão realmente se manteve
resguardada?
Percebemos aqui nova diferença entre os sistemas semióticos. A literatura deixa
espaço para a interpretação do receptor, pois as palavras não alcançam as situações e os
sentimentos. É papel do leitor escolher sua própria interpretação diante de um leque de
possibilidades. Não podemos, por exemplo, grafar a ironia. Cabe ao leitor entender o
texto como irônico ou não. Já a música vem com a interpretação direcionada, guiada
pela entonação, diminuindo significativamente esse leque.
Trabalharemos a letra da música em comparação à obra da mesma forma que
fizemos anteriormente, isto é, dividindo-a. Serão, ao todo, quatorze partes. A primeira
parte é formada pelos dois primeiros versos – “O dia: era de acerto/ A data: da
conclusão” –e resume o motivo da guerra que era acertar as contas, vingar a morte de
Joca Ramiro. O termo “data da conclusão” vem antecipar que a guerra será finalizada
ali, naquele momento, uma vez que concluir engloba em seus sentidos os verbos
terminar e finalizar: “A modo que o resumo da minha vida, em desde menino, era para
dar cabo definitivo do Hermógenes – naquele dia, naquele lugar.” (ROSA, 2001, p.
590). Temos aqui a resposta antecipada de um questionamento que será discutido na
parte oito: Riobaldo sabia qual era o seu destino? A última citação vem nos mostrar que
ele não sabia, mas que ele reconheceu o seu destino depois de cumpri-lo.
A segunda parte, versos três, quatro, cinco e seis – “De botar bala no peito/ Não
medir quem é direito/ Nem lembrar quem tem defeito/ Só vazar o coração” –, sintetiza tudo o
que aconteceria naquela guerra. No momento da guerra, os valores e posturas não
importam. Os tiros correm por todos os lados e em todas as direções. Assim, muitos
inocentes e pessoas de boa índole acabam morrendo injustamente, apenas pelo motivo
de estarem no lugar da guerra. Vazar o coração era o comando dos jagunços. Matar
acima da razão e do bom senso. A finalidade de ali estarem era o guerrear.
Do sétimo ao décimo segundo versos – “Os canos matraqueavam/ De zunir em
queimação/ Tinha bala com endereço/ Outras sem qualquer pretexto/ Se tornavam
adereços/ Em toda povoação” –, temos a terceira parte onde consta a maneira como a
guerra estava acontecendo. As armas zuniam queimando as pessoas com pólvora. Os
verbos matraquear e zunir podem ser considerados onomatopéias que auxiliam a
compreensão do texto e a visualização sonora da cena. Alguns tiros eram trocados por
motivos pessoais e específicos, como, por exemplo, a morte de Joca Ramiro, mas outros
aconteciam sem motivo algum ou pela simples ação de guerrear. As balas atingiam
pessoas ativas na guerra, mas também pessoas que nada tinham a ver com o
acontecimento.
O décimo terceiro verso – “Arrê, terra em transe! Arrê, é o guerrear!” – compõe
a quarta parte. Ela é especial porque, apesar de ter somente um verso, carrega a questão
do guerrear, muito presente e dotada de significações em toda a obra: “- ‘Tempo de
guerrear!’ – eu disse (...)” (ROSA, 2001, p. 482). É válido notar que esse verbo deriva
do substantivo guerra, que já fora trabalhado anteriormente e sobre o qual
desembocamos a tarefa de ligar as músicas à obra. Esse verso nos apresenta, também,
um processo transmidiático, do cinema para a música, já que Terra em transe é o nome
de um filme dirigido por Glauber Rocha, que dialoga, entre outras obras, com Grande
sertão: veredas. Desse modo, temos nesse verso não apenas dois, mas três sistemas
semióticos. O termo transe significa perigo, momento crítico. Notamos, pois, que “terra
em transe” refere-se ao momento pelo qual passava o sertão mineiro, na luta entre
bebelos e hermógenes. Podemos ainda, tomar a expressão transe no sentido de trânsito,
travessia e ampliar as suas significações para Grande sertão: veredas. Outro ponto a ser
demarcado é o uso da expressão “Arrê”, que pode denotar agonia ou apreensão e é
muito utilizada no sertão para tocar boi, retomando a questão do aboio. Essa expressão
também aparece na obra, porém grafada de forma mais semelhante à oralidade: “–
‘Ar’uê, então?!’” (ROSA, 2001, p. 311).
O décimo quarto e décimo quinto versos – “No chão o sangue coalha/ Medo e
ódio se espalham” – retomam a terceira parte com outros acontecimentos da guerra:
sangue coalhando no chão, medo e ódio invadindo a todos. O ódio provinha do desejo
de vingança e o sangue era a consequência da realização desse desejo. Ódio somado à
vingança resulta em guerra. Se a primeira música abordava o motivo da guerra, e essa
segunda música aborda suas consequências, temos, então, a prova de que a guerra é o
nosso signo-chave. “Dali, o Hermógenes não saía com vida, maneira nenhuma,
testamental. Tive ódio dele? Muitos ódios. Só não sabia por quê. Acho que tirava um
ódio por causa de outro, cosidamente, assim seguido de diante para trás o revento todo.”
(ROSA, 2001, p. 589-590). “Gemidos de todo ódio.” (ROSA, 2001, p. 611).O sangue
coalhado remete à cena em que a mulher do Hermógenes limpa o rosto de Diadorim, já
morto: “(...) limpou as faces de Diadorim, casca de tão grosso sangue, repisado.”
(ROSA, 2001, p. 614).
A quinta parte é formada pelos versos dezesseis e dezenove – “Foi a última
batalha do sertão sem dimensão/ É o mundo dos avessos”. A utilização do adjetivo
última para designar batalha, não só retoma a parte um, que menciona a conclusão da
guerra, como antecipa um acontecimento: a aposentadoria de Riobaldo da jagunçagem.
Ou seja, a última batalha representa tanto a batalha final quanto a derradeira
participação bélica de Riobaldo. Após essa batalha, Riobaldo deixa a vida de jagunço
para viver em tranquilidade: “Resoluto saí de lá, em galope, doidável. Mas, antes,
reparti o dinheiro, que tinha, retirei o cinturão-cartucheiras – aí ultimei o jagunço
Riobaldo! Disse adeus para todos, sempremente.” (ROSA, 2001, p. 616). As palavras
ultimei, adeus e sempremente deixam clara a retirada de Riobaldo do bando. Riobaldo
viveu o resto de seus dias como homem simples e humilde, mesmo tendo herdado duas
fazendas do seu padrinho Selorico Mendes: “(...) eu já estava retirado para ser criador, e
lavrador de algodão e cana.” (ROSA, 2001, p. 183).
A quinta parte nos revela ainda um pouco sobre outro signo muito constante na
obra: o sertão. Não podemos deixar de falar sobre o amor de Guimarães Rosa pelo
sertão de Minas Gerais. Ele não fala do sertão apenas como um conjunto de elementos
naturais, mas também como expressão de valores, culturas e modo de viver. Ao longo
da narrativa, muitos conceitos de sertão são abordados; na música “Acerto de Contas”,
dois desses conceitos são retratados: o sertão mundo dos avessos, e o sertão sem
dimensão. “O sertão está em toda a parte.” (ROSA, 2001, p. 24). Notamos, pois, o
caráter comum, ao romance e a música, do sertão como lugar imenso. Essa imensidão
não advém apenas do tamanho, mas também da quantidade de símbolos, simbologias,
crenças e costumes que habitam esse lugar, tornando-o cada vez maior.
Os versos dezessete e dezoito – “Se pensar, perde a coragem/ Se rezar perde
atenção” –, sexta parte, tratam dos cuidados necessários na guerra: o que não deveria ser
feito a fim aumentar as chances de sobrevivência. Não se deveria pensar, para manter a
coragem, e não se deveria rezar, para manter a concentração: “-‘Carece de ter coragem.
Carece de ter muita coragem... ’” (ROSA, 2001, p. 124-125). “Sofri rezar, e não podia,
num cambaleio.” (ROSA, 2001, p. 611).
A sétima parte, versos vinte, vinte e um e vinte e dois – “A vingança não tem
preço/ Nem requer lembrar de apreço/ No tecer da situação” – representa os sentimentos
provocados pela vingança, como, por exemplo, a insanidade. No momento de vingar o
vingador se esquece do mundo, dos valores, dos direitos, da razão. Se a vingança
provém do ódio e estimula a perda da razão, temos aqui uma intertextualidade entre as
próprias músicas: “E o mundo se perdeu da razão” (PENHA, 2008). Para se vingar do
Hermógenes, Diadorim não se importou com os riscos que seus companheiros iriam
correr, não se atentou para os cuidados com Riobaldo, já que por este guardava enorme
estima, e não se preocupou com o preço da sua vingança: a própria vida.
A oitava parte dialoga com a primeira. Os versos vinte e três e vinte e quatro –
“O destino estava feito/ A vingança um conceito” – retornam à reflexão sobre o destino
de Riobaldo. Conforme já fora antecipado na discussão da primeira parte da música, o
destino de Riobaldo era vingar a morte de Joca Ramiro, mas foi somente após a guerra
que Riobaldo soube do seu destino:
– “Você sabe do seu destino, Riobaldo?” – ele reperguntou. Aí estava
ajoelhado na beira de mim.
– “Se nanja, sei não. O demônio sabe...” – eu respondi – “Pergunta...”
Me diga o senhor: por que, naquela extrema hora, eu não disse o nome de
Deus? (ROSA, 2001, p. 212).
Na citação acima temos elementos ligados à oitava parte, seguidos por
elementos ligados à nona parte, o que nos faz entender que o compositor transferiu para
a letra da música a cena supracitada.
A nona parte corresponde ao verso vinte e cinco – “O demônio e o redemunho”
– e diz respeito a uma dúvida que percorre toda a obra: Riobaldo fez um pacto com o
diabo? Retomaremos, pois, a discussão iniciada no momento em que tratávamos do tom
interrogativo na repetição da terceira parte da música. No decorrer da narrativa de
Grande Sertão: Veredas, aparecem, em vários momentos, reflexões sobre a existência
do demônio e indagações sobre um possível pacto entre Riobaldo e o diabo:
Então, não sei se vendi? Digo ao senhor: meu medo é esse. Todos não
vendem? Digo ao senhor: o diabo não existe, não há, e a ele eu vendi a
alma... Meu medo é este. A quem vendi? Medo meu é este, meu senhor:
então, a alma, a gente vende, só, é sem nenhum comprador... (ROSA, 2001,
p. 501).
Como uma das reflexões sobre o diabo, não podemos deixar de citar a
semelhança, já explorada por muitos autores, entre os nomes Diadorim e Diabo. Na obra
mesmo, encontramos indícios que sugerem essa relação. Observemos com cuidado as
citações que seguem: “O que vendo, vi Diadorim – movimentos dele. (...) E tinha o
inferno daquela rua, para encurralar comprido...” (ROSA, 2001, p. 610). O substantivo
rua é acompanhado pelo adjetivo inferno, posto que inferno é a casa do Diabo. Também
o verbo vendo tanto pode ser uma flexão do verbo ver quanto uma flexão do verbo
vender, nos encaminhando outra vez à dúvida: Riobaldo vendera sua alma ao diabo?
“Diadorim a vir – do topo da rua (...)” (ROSA, 2001, p. 610). Se a rua é o inferno, quem
vem do seu topo é o demônio. Essas frases estão situadas, sequencialmente, na mesma
página da obra, bem perto uma da outra, o que sugere ainda mais a proximidade entre
Diadorim e o diabo. O indício maior encontra-se também na mesma página: “... o Diabo
na rua, no meio do redemunho... O senhor soubesse... Diadorim (...)” (ROSA, 2001. p.
610). Aqui podemos concluir que Diadorim pode vir a ser o próprio diabo. O pacto de
Riobaldo era com Diadorim. Riobaldo vendera sua alma, na verdade, ao amor de sua
vida, sendo que vender toma a posição de se entregar.
A frase “O diabo na rua no meio do redemoinho...” aparece já na folha de rosto
do livro, como uma espécie de subtítulo. Daí notarmos a importância destinada a essa
questão. Outro importante fator é que essa frase aparece repetidas vezes com pequenas
alterações, formando nova música subjacente e corroborando para a forte relação
existente entre Música e Grande sertão: veredas:
“O diabo na rua, no meio do redemoinho...” (ROSA, 2001, folha de rosto).
“O diabo na rua, no meio do redemunho...” (ROSA, 2001, p. 611).
“O demônio na rua, no meio do redemunho...” (ROSA, 2001, p. 174).
Notamos, pois, a alternância entre os substantivos diabo e demônio, bem como
redemunho e redemoinho. A alternância entre essas palavras pode simbolizar um efeito
de oralidade que busca aproximar a obra da realidade a qual ela pertence; pode ainda
expressar a instabilidade dos objetos que representam. O diabo é inconstante no
romance, ora aparecendo como real, ora como superstição; ora como o selvagem
comprador de almas, ora como o protetor dos pecadores. O redemoinho surge do nada,
às vezes em dia que nem tem vento; aparece em momentos sombrios levando Riobaldo
a refletir sobre seu suposto pacto com o diabo. Da mesma forma, assume esse
comportamento incerto, de oscilação.
Chega um momento da obra em que Riobaldo se cansa dessa discussão: “Não
sou do Demo e não sou de Deus!” (ROSA, 2001, p. 510). Nesse ponto cabe fazer uma
ressalva para a fixação de Riobaldo com o lugar de meio. O personagem é dotado de
questionamentos e acaba por sempre se manter na dúvida, entre uma questão e outra
sem se definir. Como exemplos citamos o fato de ele gostar e não gostar de seu
padrinho Selorico, sentir e não sentir saudades da fazenda São Gregório onde crescera,
pensar que fez e que não fez o pacto com o diabo. “A gente não sabe, a gente sabe.”
(ROSA, 2001, p. 150). “Eu devia? Não devia?” (ROSA, 2001, p. 167). “É, e não é. O
senhor ache e não ache. Tudo é e não é...” (ROSA, 2001, p. 27). É como se ele estivesse
em constante travessia, e no fim da obra ele revela: “O diabo não há! É o que eu digo, se
for... Existe é homem humano. Travessia.” (ROSA, 2001, p. 624).
A décima parte é formada pelos versos vinte e seis e vinte e sete – “Na rua facas
em punho/ Quem quis ser, foi testemunho”. Esta parte mimetiza a cena da luta de
Diadorim com Hermógenes:
Ao ferreio, as facas, vermelhas, no embrulhável. A faca a faca, eles se
cortaram até os suspensórios. ... O diabo na rua, no meio do redemunho...
Assim, ah – mirei e vi – o claro claramente: ai Diadorim cravar e sangrar o
Hermógenes... Ah, cravou – no vão – e ressurtiu o alto esguicho de sangue:
porfiou para bem matar! (ROSA, 2001, p. 611).
Facas em punho refere-se ao acerto de contas entre Diadorim e Hermógenes,
enquanto o testemunho fica por conta de Riobaldo, que viu toda a cena, e dos demais
que presenciaram o momento em meio a guerra. Hermógenes foi morto à faca não por
acaso, mas por tradição. No sertão, no tempo da jagunçagem, de acordo com a obra, o
homem que traía tinha de ser morto à faca: “O Judas algum? – na faca! Tinha de ser
nosso costume.” (ROSA, 2001, p. 53). Assim, percebemos que Hermógenes não poderia
morrer de outra forma, pois era um traidor e a tradição deveria ser seguida.
A décima primeira parte, vigésimo oitavo verso – “O fim foi desolação” –,
antecipa a consequência, também interpretada como fim, da guerra: desolação.
Desolação provocada pelas perdas, apesar da vitória na guerra, afinal haviam atingido o
objetivo de acabar com Hermógenes. Desolação de Riobaldo pela morte de Diadorim;
desolação de todos os jagunços por outras perdas: “Diadorim tinha morrido – mil-vezes-
mente – para sempre de mim; e eu sabia, e não queria saber, meus olhos marejaram.”
(ROSA, 2001, p. 612). “ – ‘Mortos, muitos?’ – ‘Demais...’” (ROSA, 2001, p. 613).
Percebemos, pois, que, se Diadorim outrora derramara, segundo a música “Notícia do
Norte”, um rio de lágrimas pela morte de Joca Ramiro, os olhos de Riobaldo merajaram,
ou seja, derramaram um mar, pela morte de Diadorim segundo a obra. Nota-se, então, o
caráter hiperbólico presente tanto na música quanto na literatura. Esse exagero produz
um efeito que enfatiza a dor provocada pelas perdas de Joca Ramiro e de Diadorim.
A décima segunda parte completa a décima primeira com outras consequências
da guerra: mágoa e solidão, presentes nos versos vinte e nove e trinta – “E a tarde trouxe
mágoa/ E a noite solidão”. Esta última consequência liga-se à relação de
companheirismo e parceria que existia entre Riobaldo e Diadorim, agora separados para
sempre: “Sufoquei, numa estrangulação de dó.” (ROSA, 2001, p. 614). A passagem
reafirma a dor de Riobaldo pela morte de Diadorim: “(...) assim tristonhamente, a gente
vencia.” (ROSA, 2001, p. 612). Fica claro que a vitória não compensava as perdas.
A penúltima parte, versos trinta e um e trinta e dois – “O estranho se fez claro/
Na nudez revelação” – faz alusão ao romance proibido de Riobaldo e Diadorim. No
primeiro verso encontramos um paradoxo na medida em que o estranho encontra-se
obscuro, sob neblina. Como seria, então, possível o estranho se fazer claro? O estranho
refere-se ao sentimento que Riobaldo destinava ao seu grande amigo. Era um
sentimento acima das suas forças, mas proibido e sufocado, pois Riobaldo pensava que
Diadorim era um homem e, por isso, se negava a acreditar que o amava. O que tornava
esse fato ainda mais estranho era a virilidade de Riobaldo descrita na obra, sempre se
aproximando das mulheres, namorando-as sem tendências homossexuais. Esse amor
carrega uma série de questões sociais rotuladas de problemas como preconceito, homo
afetividade, medo, introspecção. Há que se ressaltar que o fato de Riobaldo ser um
jagunço dificultou ainda mais a materialização desse amor, pois a cultura que o rodeava
na história era dotada de machismo. Dentro das cinco classificações para as imagens
propostas por Santaella, temos através desse amor um exemplo de imagem mental, já
que ele tem base psicológica e fica no plano das ideias: “(...) eu, às loucas, gostasse de
Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de não ser possível
dele gostar como queria, no honrado e no final.” (ROSA, 2001, p. 55). Riobaldo
considerava uma loucura gostar de Diadorim e tinha raiva por não conseguir acabar com
seu sentimento, bem como por não ter a liberdade de vivê-lo. A dúvida e a luta contra
esse amor persistem por toda a obra: “Diadorim, eu gostava dele? Tem muitas épocas de
amor.” (ROSA, 2001, p. 482).
A revelação só acontece ao fim da narrativa. Depois de ser morto na guerra,
Diadorim foi recolhido a uma sala onde limpariam o seu corpo e lhe vestiriam roupas
limpas para ser enterrado. Foi no momento em que a viúva do Hermógenes despiu
Diadorim que a revelação aconteceu: “(...) tanto segredo, sabendo somente no átimo em
que eu também só soube... Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita...
Estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa.” (ROSA, 2001, p. 615). Essa
passagem nos revela dois pontos: a verdadeira identidade de Diadorim e o motivo do
amor de Riobaldo. A surpresa dessa revelação causou enorme impacto em Riobaldo,
levando-o à depressão por um período de tempo: “O que eu pensei, o pobre de mim. (...)
me vinha um assombramento de espírito (...)” (ROSA, 2001, p. 617). “Como é que
sabia destornar contra minha tristeza?” (ROSA, 2001, p. 617). A verdadeira identidade
de Diadorim fora revelada. Diadorim, na verdade se chamava Deodorina, que tem o
radical latino da palavra Deus (Deo). Diadorim e o diabo. Deodorina e Deus. A real
dúvida de Riobaldo era se fizera o pacto com o Diadorim que ele conhecia ou com o
Diadorim que realmente existia (Deodorina). Ele se entregara ao Diadorim Diabo ou à
Deodorina Deusa?
Os três últimos versos – “A paixão tão rechaçada/ Se manteve resguardada / No
final da contação” – formam a última parte da música, que completa a décima terceira
parte, e dá continuidade à exploração do romance entre Riobaldo e Diadorim. Podemos
notar também a ideia de contação no sentido de infinidade, de narrativa sem fim, tal
como demarca o próprio Rosa.
Primeiro esses versos falam da proibição desse amor metaforizado pelo adjetivo
rechaçada. Esse amor proibido pode ser encontrado na seguinte passagem:
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um
feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava.
Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar
por longe, e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo
era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que.
Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em
mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro
do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente – tentação
dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos. Conforme,
por exemplo, quando eu me lembrava daquelas mãos, do jeito como se
encostavam em meu rosto, quando ele cortou meu cabelo. Sempre. (ROSA,
2001, p. 162-163).
Riobaldo envergonhava-se dos seus sentimentos e tentava lutar contra eles, mas
em seu íntimo os guardava com prazer. Ilustra-se uma luta constante entre razão e
emoção. O sentimento permanecera às escuras, interiorizado, escondido ao máximo. O
amor fora rechaçado devido a uma questão cultural da qual Riobaldo estava
embriagado.
Depois esses versos culminam com o fim destinado ao amor dos personagens: a
não realização. Com a descoberta e explicação para todo o seu tormento, Riobaldo não
consegue se conter: “Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca. (...) E eu não sabia
por que nome chamar; eu exclamei me doendo: ‘Meu amor!...’” (ROSA, 2001, p. 615).
Temos com essa passagem a prova de que o amor não se mantivera plenamente
resguardado, mas também não se concretizara.
Retomando a primeira seção, percebemos que a relação entre signo, objeto e
interpretante proposta por Santaella é variável quando um dos três elementos é mudado.
Para o intérprete Diadorim, o signo guerra liga-se ao objeto vingança (causa), mas para
Riobaldo o mesmo signo liga-se ao objeto revelação (consequência). Na linguagem de
Saussure teríamos um mesmo significante com dois significados distintos. Na
linguagem de Hildo Honório Couto, teríamos:
C (guerra – causa) C (guerra – consequência)
/ \ / \
S--------O S-------O
Diadorim vingança Riobaldo revelação
A transposição da obra para a música é realizada de maneira cuidadosa, uma vez
que poucos versos conseguem traduzir variadas cenas e passagens da obra como a
dúvida de Riobaldo com relação ao pacto com o diabo, o amor proibido por Diadorim, o
sertão e algumas tradições. A composição “Acerto de Contas”aborda, de certa maneira,
um resumo de toda a obra Grande sertão: veredas.
A reinterpretação de vários dos signos presentes em Grande sertão: veredas,
dentre os quais o signo guerra, através das músicas, demandam para esses signos o
caráter de significante perfeito, afinal, são novos signos formulados a partir de antigos
conceitos.
De acordo com Rosa, “a música da língua deve expressar o que a lógica da
língua obriga a crer (ROSA, apud Lorenz, 1983, p. 88). Ou seja, a língua dispõe de
uma musicalidade que deve ser observada e valorizada. A música, por sua vez,
representa a sonoridade da palavra, que deve nos remeter ao seu significado. Por
exemplo, o uso da sibilante “s” para a palavra serpente é de extrema pertinência,
uma vez que nos remete ao som produzido pelo próprio animal. É sobre essa
relação de som e significado que Rosa vem refletir.
Gabriela Reinaldo argumenta que “(...) o que a palavra em seu uso ordinário
não diz, a música sugere.” (REINALDO, 2005. p. 22). Assim vem estreitar as
convergências entre esses sistemas colocando-os como independentes e
complementares, o que quer dizer que eles não sobrevivem por si só, mas juntos
ou contrapostos ganham novas dimensões.
Portanto, não há como não mudar o texto quando mudamos o meio de
veiculação. Todavia, essa mudança é necessária para que não haja grandes discrepâncias
entre as ideias do texto que serviu de base e do texto que foi baseado nele. No caso do
Nahmbuzim, as ideias se mantiveram quase que imutáveis.
Algumas das diferenças entre os sistemas semióticos, aqui apontadas, foram:
alteração na ordem de alguns acontecimentos, sintetização do texto original, uso de
recursos (instrumentos, ritmos, melodia) para traduzir algumas ideias, encenação por
meio de elementos musicais (escalas, notas longas, entonação) e interpretação prévia
proporcionada pelos vocalistas. Apesar de todas essas diferenças, os textos são
semelhantes e, na tradução para a música, o texto original não perdeu sua essência.
Entendendo por texto original aquele que veio primeiro, que serviu de base para uma
tradução. Não podemos deixar de mencionar a presença do signo guerra em ambos os
sistemas semióticos. O romance se inicia com barulhos de tiro. Foi a guerra o principal
fator que nos permitiu analisar as músicas em relação à obra. A guerra como causa
originou a música “Notícia do Norte” e como consequência originou a música “Acerto
de contas”. Se uma música expressa a causa e a outra consequência, notamos a forte
ligação entre elas. Temos, então, uma espécie de narrativa musical, fragmentada em
diferentes canções, mas que dá conta da estrutura segmental da linguagem do texto
literário.
O grupo Nhambuzim teve os devidos cuidados ao realizar essa tradução, a
começar pela escolha do sistema semiótico (música), que é muito pertinente às obras de
Guimarães Rosa, já que estão repletas de musicalidade.
As músicas trabalhadas integram ou mesmo facilitam a compreensão da obra,
reforçando ideias, apresentando novas, ou talvez propondo um novo olhar para um
trecho, passagem ou cena específica. Nesse ponto, notamos a relevância de casar música
e literatura, concluindo que esses sistemas são, além de pertinentes um ao outro,
complementares.
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Anexo A – Notícia do Norte
Música: Joel Teixeira
Letra: Edson Penha
insp. emGrande Sertão: Veredas
1 Brabo pardo chegou banhado de lama
2 Gavião-cujo que veio do norte
3 Trouxe agouro e notícia de morte
4 Notícia do fim de Joca Ramiro
5 No céu moídas as nuvens da dor
6 No céu brotaram as nuvens do ódio
7 Um bramava, um calava
8 Um outro caía
9 Traição pelas costas
10 Zunido de bala
11 Trouxe raiva e vingança de morte
12 Vingança ao fim do grande Ramiro
13 No céu moídas as nuvens da dor
14 No céu brotaram as nuvens do ódio
15 Amigo olhar-de-esmeralda
16 Caiu e de fúria explodiu
17 Um rio de lágrimas sobre a face vermelha
18 Um rio de lágrimas
19 Vazio ficou o chão
20 E o mundo se perdeu da razão
21 Vazio ficou o chão
22 E o mundo se perdeu da razão
Anexo B – Acerto de Contas
Música: Joel Teixeira e Edson Penha
Letra: Edson Penha
insp. emGrande Sertão: Veredas
1 O dia: era de acerto
2 A data: da conclusão
3 De botar bala no peito
4 Não medir quem é direito
5 Nem lembrar quem tem defeito
6 Só vazar o coração
7 Os canos matraqueavam
8 De zunir em queimação
9 Tinha bala com endereço
10 Outras sem qualquer pretexto
11 Se tornavam adereços
12 Em toda povoação
Refrão
13 Arrê, terra em transe! Arrê, é o guerrear!
14 No chão o sangue coalha
15 Medo e ódio se espalham
16 Foi a última batalha do sertão sem dimensão
17 Se pensar, perde a coragem
18 Se rezar perde atenção
19 É o mundo dos avessos
20 A vingança não tem preço
21 Nem requer lembrar de apreço
22 No tecer da situação
23 O destino estava feito
24 A vingança um conceito
25 O demônio e o redemunho
26 Na rua facas em punho
27 Quem quis ser, foi testemunho
28 O fim foi desolação
Refrão
29 E a tarde trouxe mágoa
30 E a noite solidão
31 O estranho se fez claro
32 Na nudez revelação
33 A paixão tão rechaçada
34 Se manteve resguardada
35 No final da contação