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FICHA CATALOGRÁFICA M152d Maciel, Joelson de Campos. O direito a saúde e a um meio ambiente favorável ao trabalho e aos
trabalhadores / Joelson de Campos Maciel. – 2012.
184 f. Orientador: Prof. Dr. Bismarck Duarte Diniz.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Direito, Pós-Graduação em Direito agroambiental, 2012. Inclui bibliografia. 1. Trabalhadores – Meio ambiente. 2. Direito do trabalho. 3. Direito ambiental. 4. Saúde do trabalhador. 5. Direito ambiental do trabalho. I. Título.
CDU – 349.22:331.4 Ficha elaborada por: Rosângela Aparecida Vicente Söhn – CRB-1/931
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO AGROAMBIENTAL NIVEL MESTRADO
JOELSON DE CAMPOS MACIEL
O DIREITO A SAÚDE E A UM MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES.
CUIABÁ – MT 2012
JOELSON DE CAMPOS MACIEL
O DIREITO A SAÚDE E A UM MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Agroambiental, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Bismarck Duarte Diniz
CUIABÁ – MT
2012
FOLHA DE APROVAÇÃO
JOELSON DE CAMPOS MACIEL
O DIREITO A SAÚDE E A UM MEIO AMBIENTE FAVORÁVEL AO TRABALHO E AOS TRABALHADORES.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Agroambiental, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Bismarck Duarte Diniz
AVALIAÇÃO:________
Professor Doutor Bismarck Duarte Diniz Orientador
Professora Doutora Carla Reita Faria Leal Membro
Professor Doutor Patryck de Araujo Ayala Membro
Dedico esta obra a Deus, nosso Pai, pelo seu infinito
amor e misericórdia. Aos meus pais José de
Barros Maciel e Maria Luzia de Campos Maciel, por tudo
que sou e ainda serei.
AGRADECIMENTOS
Ao meu nobre Orientador Professor Doutor Bismarck Duarte Diniz pela sua sabedoria, conhecimento e percepção em transformar a arte de ensinar na alegria da descoberta do inusitado.
Aos ilustres Membros da Banca Examinadora pelas preciosas orientações e correções. Ao querido Ministério Público do Estado de Mato Grosso, na pessoa do Exmo. Sr.
Procurador Geral de Justiça, Dr. Marcelo Ferra de Carvalho e do Exmo. Sr. Corregedor Geral do Ministério Público, Dr. Mauro Viveiros, pelo apoio e incentivo.
A todos os professores, professoras, funcionários e colegas do Mestrado em Direito
Agroambiental da Universidade Federal de Mato Grosso pela frutífera e agradável convivência.
À minha esposa Amini Haddad Campos pelo seu amor, paciência e determinação nos
momentos em que mais precisei do seu terno olhar nesta difícil caminhada. Aos nossos filhos Natalie Haddad Maciel e Tales Mateus Haddad Maciel por me
chamarem à vocação do amor. Aos meus irmãos Josemar de Campos Maciel e sua Lorene de Almeida Tiburtino da
Silva, Joel de Campos Maciel e sua esposa Lidice Pina de Lannes e Campos Maciel, bem como aos sobrinhos Nadine Lannes Maciel e Guilherme Lannes Maciel, pelo sorriso e vida.
Às amigas Verônica Costa Marques Martins, Rosa Graciela de Campos Lopes e Maria
Auxiliadora Gaiva Freire pelo apoio, oração e autenticidade em viver a verdade.
RESUMO
O direito ambiental do trabalho no Brasil visa essencialmente proteger a saúde do trabalhador, mas essa tutela positivada restringe-se, na prática, tão somente à prevenção e combate de doença, bem como os seus riscos ambientais evidentes. Entendemos que a defesa da saúde do trabalhador e da trabalhadora vai além desse aspecto casuístico e visa uma nova ordem constitucional voltada à promoção tanto dos direitos sociais como dos ambientais, de forma a compor o conceito de dignidade da pessoa humana no meio ambiente ecologicamente equilibrado por uma visão sistêmica do direito social à saúde e o correspondente direito ambiental à sadia qualidade de vida dentro do seu projeto existencial, conforme preceitua, em especial, o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como os tratados internacionais de direitos humanos relacionados à tutela da saúde em que o Brasil é signatário e as Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Ademais, para se compreender o real sentido de meio ambiente de trabalho e a sua categoria saúde do trabalhador faz-se também necessário realizar alguns estudos de ordem filosófica, buscando o próprio sentido da dignidade humana na atualidade, seus fins, o agir coletivo e as obrigações do Estado.
Palavras chaves: Direito Ambiental do Trabalho. Saúde do Trabalhador. Dignidade Humana.
ABSTRACT
Environmental law of labor in Brazil is intended primarily to protect worker health, but such protection is limited positivity in practice, if only to prevent and combat disease, and its evident environmental risks. We understand that protecting the health of the worker will look beyond this series and aims a new constitutional order dedicated to the promotion of social rights as well as environmental, in order to compose the concept of human dignity in an ecologically balanced environment for a systemic view of the social right to health and environmental law corresponding to a healthy quality of life within their existential project, as provided, in particular, Article 225 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, as well as international treaties related to human rights protection of health in which Brazil is a signatory and conventions and recommendations of the International Labour Organisation - ILO. Moreover, to understand the real meaning of working environment and their health category of the worker it is also necessary to carry out some studies of the philosophical, looking for the very meaning of human dignity today, its purposes, the collective action and obligations the state.
Key words: Environmental law of labor. Worker health. Human dignity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 08 CAPÍTULO 1 A DIGNIDADE DO TRABALHADOR ............................................................................ 13 1.1 KANT E O CONHECIMENTO DO POSSÍVEL ............................................................ 15 1.1.1 Fundamentação da metafísica dos costumes ............................................................ 20 1.1.2 Modelos kantianos sobre a dignidade humana ........................................................ 26 1.2 A DIGNIDADE HUMANA NO PENSAMENTO DE HOBSBAWM E EM ARENDT . 32 1.3 A DIGNIDADE HUMANA E O HOMO SACER .......................................................... 48 CAPÍTULO 2 DA SAÚDE E DO DIREITO AMBIENTAL ..................................................................... 56 2.1 A SAÚDE E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NOS NOVOS TERRITÓRIOS DO DIREITO ............................................................................................................................. 63 2.2 A TUTELA DA SAÚDE E A SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE ................ 71 2.3 MULTIPLICIDADE DE ASPECTOS QUE ENVOLVEM A SAÚDE E O MEIO AMBIENTE: O DIREITO À INFORMAÇÃO E O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ...................................................................................................................... 86 CAPÍTULO 3 DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO .................................................................... 103 3.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ............................................... 106 3.2 ABORDAGEM HISTÓRICA DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR .... 112 3.2.1 O homem-máquina: aspectos históricos da patologia do trabalho ........................ 112 3.2.2 O homem-político: o movimento operário no Brasil nos séculos XIX e XX ......... 115 3.3 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E A DEFESA DA SAÚDE DO TRABALHADOR ......................................................................................... 119 3.3.1 As Convenções ns. 148, 155, 161 e 187 da OIT e o Brasil....................................... 121 3.3.2 As Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a saúde do trabalhador em face dos princípios da prevenção e precaução do Direito Ambiental .. 127 3.3.3 As Convenções da OIT e o estudo de impacto ambiental no meio ambiente do trabalho no Brasil ............................................................................................................ 131 3.4 A DIMENSÃO DIFUSA DO DIREITO À SAÚDE E À SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ............................... 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 150 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 162 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 184
8
INTRODUÇÃO
Consideramos a existência de uma lacuna quando observamos o conteúdo humanista
das normas jurídicas brasileiras que tutelam o trabalhador em relação ao seu meio ambiente
do trabalho e a sua realidade existencial voltada para a saúde, fato este que dificulta a
compreensão do que denominamos fenômeno jurídico em seu pretenso projeto de regulação
da ordem social.
Vários fatores evidenciam esse distanciamento.
Levando-se em conta que o nosso foco é o direito ambiental do trabalho brasileiro,
iremos restringir a nossa análise à sistemática de proteção do trabalhador em relação ao seu
locus laboral.
Com efeito, o direito ambiental do trabalho no Brasil visa essencialmente proteger a
saúde do trabalhador. Contudo, essa tutela positivada restringe-se tão somente à prevenção e
combate de doença, bem como os seus riscos evidentes.
Pretendemos demonstrar que a defesa da saúde do trabalhador e da trabalhadora vai
além desse aspecto casuístico e visa uma nova ordem constitucional. Ordem esta voltada à
promoção tanto dos direitos sociais como dos ambientais, de forma a compor o conceito de
dignidade da pessoa humana no meio ambiente ecologicamente equilibrado por uma visão
sistêmica do direito social à saúde e o correspondente direito ambiental à sadia qualidade de
vida dentro do seu projeto existencial, conforme preceitua, em especial, o artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil.
O art. 6o da Constituição, por seu turno, elege a saúde como direito social básico de
todos e o art. 196, da mesma Constituição, expressamente dispõe sobre o seu acesso universal
e igualitário.
Portanto, somente pela leitura dos três artigos da Constituição/88 (6o, 196 e 225),
temos que todos, inclusive o ser trabalhador, possuem o direito à saúde (art. 6o) como forma
também de não estar doente, livrando-se ou reduzindo os riscos existentes.
Ademais os incisos XXII e XXIII do art. 7o da CRFB/88, expressamente também
defendem a saúde do trabalhador pelo direito à redução dos riscos laborais e de receber
adicional pelo exercício de atividades penosas, insalubres ou perigosas.
A proteção da saúde do trabalhador, portanto, não pode ser entendida apenas como um
mero estado de não doença.
9
Com efeito, o direito avança e alcança a condição de proteção própria do Estado de
Direito Ambiental esculpida no art. 225 CRFB/88, sendo que esta última somente é possível a
partir do efetivo equilíbrio do meio ambiente dentro dos seus sistemas ecológicos de
biodiversidade.
Esse sistema de interação entre o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a vida
saudável do trabalhador é dinâmico, onde a sua energia representa muito mais que o
aproveitamento eficiente da força de trabalho do operário através da preservação de sua saúde
física, ou estado de não doença, mas também envolve toda a respectiva ambiência sem
limitação clara de espaço e tempo, visto que o ser trabalhador se constitui enquanto tal desde
o momento que começa a produzir a sua força motriz e a vendê-la como mercadoria até o
instante que deixa de fazê-lo com a morte biológica.
Ademais, se a Constituição de 1988 não delimitou temporalmente o gozo do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e se este é essencial à sadia
qualidade de vida, devemos fazer o mesmo em relação ao meio ambiente do trabalho para que
ele não seja visto somente quanto ao aspecto de ausência de doença.
Em suma: o meio ambiente do trabalho implica então não somente no que há de
artificial ao redor do trabalhador e por ele é transformado em valor econômico, mas também
aquilo que ele deixa dentro do próprio objeto, ou seja, a sua alma e toda a sua história. Sendo
assim, a sua proteção deve ser alargada para alcançar todos esses aspectos.
Contudo, a redução da proteção do meio ambiente do trabalho ao estado de não
doença do trabalhador se tornou prática exigida pelo sistema econômico quando se iniciou a
calcular o custo da produção de cada peça fabricada pelo operário, já no período da revolução
industrial.
Com efeito, as preocupações em relação ao meio ambiente do trabalho tinham como
perspectiva a manutenção da produção operária e também o controle razoável dos efeitos
colaterais da exploração dessa mão de obra, dentre eles destaca-se o rápido crescimento das
cidades industriais, especialmente na Inglaterra, com a completa falta de saneamento coletivo
no século XVIII.
A partir da constitucionalização dos direitos sociais no final do século XIX e início do
XX (Constituições do México, Weimar e Rússia), onde se buscou conciliar os interesses
sociais com os do Estado, pode-se chegar ao atual estágio de construção teórica sobre um
meio ambiente ecologicamente equilibrado na relação de trabalho.
Assim, temos uma análise necessária em relação ao meio ambiente do trabalho e a
saúde do trabalhador: a visão sistêmica da constituição, onde o direito à saúde significa a
10 promoção da qualidade de vida do trabalhador como um todo e não somente ao simples
estado de não doença, sendo a mesma saúde parte integrante dos direitos sociais, os quais
compõem o conteúdo e forma da dignidade do trabalhador e permitem que ele ascenda ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Inobstante toda essa ordem normativa, os acidentes e doenças provocadas pelo
trabalho não param de crescer e, diante dessa contradição, fomos levados a investigar o meio
ambiente de trabalho e o direito à saúde do trabalhador numa nova perspectiva.
Ademais, para se compreender o real sentido de meio ambiente de trabalho e a sua
categoria saúde do trabalhador faz-se também necessário realizar alguns estudos de ordem
filosófica, buscando o próprio sentido da dignidade humana na atualidade, seus fins, o agir
coletivo e as obrigações do Estado.
Assim, no primeiro capítulo da dissertação trataremos da dignidade humana dentro do
mundo do trabalho, posto que o alargamento do direito à saúde em relação ao meio ambiente
do trabalho necessariamente remete à crítica do conceito de dignidade da pessoa humana
dentro dos modelos antropocêntricos clássicos kantianos de autonomia da vontade, visto que
neles os sujeitos são reciprocamente considerados iguais, o que verdadeiramente não ocorre
numa relação de trabalho.
Pelo modelo kantiano de autonomia de vontade não há motivos para alargar a proteção
do direito à saúde em relação ao ser trabalhador diante da consideração de isonomia a todos
os outros atores sociais envolvidos, especialmente o empregador.
Abordaremos, portanto, essa perspectiva clássica.
A investigação necessária neste projeto não se destina apenas em argumentar que o
trabalhador é a parte inferior numa relação trabalhista, mas sim em abordar se para o
alargamento do conceito de saúde do trabalhador é necessário sair do modelo kantiano de
dignidade de homem como fim em si mesmo e buscar valores no meio ambiente que podem
ser sustentados de forma independente, ou seja, pelo que a natureza se apresenta em si e não
pelo que está em função da humanidade.
Por outra mão, podemos também perguntar se somente o alargamento do atual modelo
antropocentrista bastaria para proteger o ser trabalhador.
Delimitado o que vem a ser dignidade da pessoa humana para os modernos,
especialmente Kant, trataremos no segundo capítulo sobre os temas saúde e meio ambiente e
suas relações.
Assim, iniciaremos com o conceito de saúde dentro da perspectiva de necessidade
vital em relação ao projeto ético de proteger a vida, mas, elevado a um plano biopolítico,
11 conforme critica Agamben, compõe-se também como ação do Estado em controlá-la dentro
de uma sociedade em franco processo de horizontalização da autoridade, como nos ensina
Friedman, o que provoca a construção de novos territórios do direito, dentro da análise de
Morand-Deviller.
Em seguida, analisaremos a tutela da saúde e a sua relação com o meio ambiente
enumerando vários documentos e programas internacionais que não somente alargam o
conceito de saúde como também o relaciona diretamente ao de meio ambiente.
Demonstraremos, assim, o duplo aspecto em relação ao direito fundamental à saúde, o qual
possui a sua dimensão ampla (social e ambiental) e também restrita (individual), sem olvidar
dos parâmetros para se aquilatar a saúde como qualidade de vida, especialmente se estiver em
foco o meio ambiente do trabalho.
Por último no segundo capítulo, apresentaremos a multiplicidade de aspectos que
envolvem a saúde e o meio ambiente, especialmente quanto ao direito à informação ambiental
e o Estado de Direito Ambiental.
Com efeito, iremos analisar que uma das formas de democratizar o exercício do poder
é através da participação popular dentro da ação de universalizar as informações relativas aos
riscos ambientais e, consequentemente, a saúde humana. O modelo de Estado de Direito
Ambiental é o que mais corresponde a essa necessidade, posto que é pautado nos seguintes
argumentos: a) concepção integrada do meio ambiente, ou seja, este engloba não somente os
aspectos naturais, mas também culturais e todas as influências sobre a vida e a sua qualidade
saudável; b) a institucionalização dos deveres fundamentais ambientais de responsabilidade
coletivo-ecológica-ecológica pela defesa e proteção do meio ambiente; c) o agir integrativo da
Administração onde todos são responsáveis pela defesa do meio ambiente.
No terceiro capítulo abordaremos o meio ambiente do trabalho iniciando com o
conceito de ambiente de trabalho, tendo em vista o aumento de seu estudo vinculado ao
Direito do Trabalho por causa do alto índice de acidente e doenças provocadas pelo trabalho
no Brasil, bem como no mundo, e levando-se em conta o enfoque constitucional em 1988
quando foram inseridos vários princípios de direitos humanos que tutelam o meio ambiente
humano, especialmente a dignidade humana, o dever de solidariedade e a equidade
intergeracional.
Com efeito, conceituaremos o meio ambiente do trabalho na perspectiva constitucional
dos artigos 225, 200 e 7o. Isso porque se por um lado a tutela do meio ambiente do trabalho
refere-se somente à saúde do trabalhador, por outro, este direito social vincula-se a inúmeros
12 preceitos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos que o torna abrangente
o bastante em conteúdo e forma para a formação do que seria a dignidade do trabalhador.
Assim, meio ambiente de trabalho é tudo o que condiciona a produção do trabalho,
desde o local onde o trabalho é realizado, a forma de prover o necessário para que ele se
desenvolva, o equilíbrio que deve ser buscado com os meios colocados à disposição do
trabalhador para que este produza, devendo o mesmo assegurar as condições necessárias para
uma condição de vida digna.
Depois iremos analisar alguns pontos históricos sobre a saúde do trabalhador e
também as principais Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre o
mesmo tema e sua relação com o Brasil.
Encerraremos o terceiro capítulo com o tratamento sobre a dimensão difusa do direito
à saúde e à segurança no meio ambiente do trabalho como direito fundamental, visto que
ambas as categorias compõem o núcleo do meio ambiente do trabalho equilibrado e possuem
todos os aspectos constitucionais de garantia dos direitos fundamentais, ou seja, são
irrenunciáveis e inerentes ao trabalhador, bem como não podem estar sujeitas a redução em
suas condições diante do princípio da impossibilidade do retrocesso em matéria social e
ambiental. Ademais, também devem estar vinculadas a todos os aspectos que ameaçam a
saúde do trabalhador, tais como físicos, químicos, biológicos, mecânicos, fisiológicos,
estressantes e psíquicos.
Estas são as razões que nos levaram a efetuar a presente investigação.
13
CAPÍTULO 1 A DIGNIDADE DO TRABALHADOR
Normalmente as produções voltadas ao direito ambiental do trabalho1 e sua relação
com a tutela da saúde do trabalhador seguem um modelo de roteiro onde se começa com a
apresentação do ambiente histórico de caos social tendo ao centro a questão operária2, a qual
surge das revoluções burguesa e industrial, a partir do iluminismo e todo o seu engodo em não
possuir um projeto social claro.
Em seguida, aborda-se criticamente o movimento constitucionalista em relação às leis
de proteção à saúde do trabalhador pelo espírito liberal como forma de implantação do
mecanismo de controle das relações sociais e aumento da produção. Assim, chega-se à
conclusão que esse mesmo modelo de positivação não atinge a relação capital/trabalho com
projetos sociais concretos, o qual sempre foi visto como pertencer ao âmbito privado e não
um problema do Estado propriamente dito.
Por último, então, há a abordagem da judicialização dos conflitos como uma espécie
de resposta antiliberal do problema através das várias atuações da Justiça do Trabalho.
Contudo, iremos apresentar uma sistemática diferente tendo em vista os pressupostos
filosóficos imprescindíveis para a abordagem do problema em si, quer seja, a definição
alargada de saúde do trabalhador, ultrapassando o mero estado de não doença. O caminho
traçado será pela crítica do conceito de dignidade dentro do sistema kantiano, onde as
máximas são ainda defendidas e, sendo assim, não podemos nos prender a fatos históricos
iniciais e nem finais da modernidade.
A proposta também é tangenciar esta última em seus aspectos de desarraigamento
operário, ou seja, a perda da capacidade de sonhar quando o trabalhador deixa de ser humano
para tornar-se o arauto da técnica de produção e, assim, questionar a existência da dignidade
humana por ter sido trocada por dinheiro, conforme retórica da esquerda do movimento
1 Entende-se por meio ambiente do trabalho, como sub ramo do meio ambiente geral, a [...] soma das influências que afetam diretamente o ser humano, desempenhando aspecto chave na prestação e performance do trabalho. Pode-se, simbolicamente, afirmar que o meio ambiente de trabalho constitui o pano de fundo das complexas relações biológicas, psicológicas e sociais a que o trabalhador está submetido. Cf. ROCHA, Julio César de Sá. Direito ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002. p. 127. 2 Cf. HOBSBAWM, Eric. Mundo do trabalho. BARCELLOS, Waldea e BEDRAN, Sandra (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 17 et seq. A questão operária pode ser definida como o que fazer com a classe trabalhadora dentro do espírito capitalista de um lado e os direitos humanos do outro. Os relatos começaram em 1830, especialmente na Inglaterra. Há leituras clássicas sobre o problema, como veremos.
14 operário em Simone Weil.3
Com efeito, apresentaremos primeiro o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) e seu
marco teórico, bem com os modelos atuais que poderiam representá-lo. Em seguida, serão
pautadas as repercussões de alguns movimentos operários históricos dentro do conceito de
dignidade humana e cidadania, numa abordagem marxista, arendtiana e de Agamben, de
forma a demonstrar que o modelo kantiano de dignidade e a complexidade humana exigem
um aprofundamento epistemológico para podermos entender o ser trabalhador.
Em outras palavras, para se alcançar o alargamento do conceito de saúde, como
veremos no segundo capítulo, devemos reconhecer igualmente que o seu objeto, a dignidade
do trabalhador, apresenta-se igualmente complexa e sujeita às críticas da filosofia moral.
Os elementos doutrinários de Kant restringir-se-ão à sua parte moral, especificamente,
na obra denominada Fundamentação da metafísica dos costumes4 onde o autor apresenta a lei
moral como fruto de nossa consciência com as suas máximas do homem como fim em si
mesmo e de promover as suas ações de forma a torná-las como lei universal.
Ademais, como forma de construção nessa nova arquitetura, também defende a
impossibilidade de conhecimento das coisas em si, mas tão somente o seu fenômeno e
representação. A grande contribuição de Kant para a filosofia foi ter enfrentado o problema da
metafísica e os seus fundamentos como forma de possibilitar uma nova epistemologia, sem
interferências do empirismo na formulação das leis universais.
Kant ao mesmo tempo em que limpou os sistemas filosóficos de sua época das
transcendências de fundamento teológico, injustificáveis pela razão, segundo ele, propôs a sua
máxima de homem como fim em si mesmo, dentro da moralidade prática.
Assim, livre das interferências divinas e contando somente com a razão, a máxima
antropocêntrica caiu como luva para o discurso iluminista liberal revolucionário burguês em
permanecer com as desigualdades sociais na busca da uniformização do homo sacer, como
veremos com a análise de Agamben.5
Bem, essa perspectiva jamais se concretizou. Ao contrário, da segunda metade do
século XX para cá, passamos a conviver com a terminologia crise no meio ambiente que foi
considerada o coroamento de todas as outras, dentre elas, a do desenvolvimento e a da 3 WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre opressão. Seleção a apresentação Ecléia Bosi. Therezinha G. G. Langlada (trad.). 2 ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 413 et seq. Numa visão mais ampla, v. FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o animal e o homem. Rejane Janowitzer (trad.). Rio de Janeiro: Difel, 2009. p. 37. 4 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. VELASCO, Luis Martinez de (trad.). Madrid: Austral. 2008. 5 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. BURIGO, Henrique (trad.). 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
15 economia. Percebe-se, contudo, um ponto comum entre todas elas: foram provocadas pelo
avanço da pobreza global e pelo processo de centralização das riquezas o que, por sua vez,
causa a escassez dos recursos naturais e uma onda sucessiva de catástrofes ambientais,
atingindo a todos, especialmente os mais vulneráveis.6
O diagnóstico marxista da sociedade, em resposta, propõe o argumento de
universalização dos direitos humanos, o qual foi utilizado pelo próprio iluminismo, como
forma de emancipar os trabalhadores do estado de miséria.
Ademais, o fato do iluminismo, como instituição, ter fracassado em seu projeto, fez
surgir uma distinção de pensamentos: o primeiro seria o iluminismo como razão contestadora
inicial e o segundo o iluminismo institucionalizado pela sociedade burguesa em nossos dias.
A dignidade humana do trabalhador e, consequentemente, o alargamento do conceito
de saúde, deve ser vista dentro dessa complexidade e não apenas como uma retórica bem
construída e permanecida como um desordenado projeto futuro.
1.1 KANT E O CONHECIMENTO DO POSSÍVEL
O pensamento de Kant é baseado na busca do conhecimento pela crítica de sua
possibilidade na Critica da razão pura7; pelo agir ético diante desse mesmo conhecimento na
Critica da razão prática8 e como devemos formular juízos de valor pelo saber desinteressado,
estético, na Crítica da faculdade do juízo9.
A obra Fundamentação da metafísica dos costumes,10 que ora nos interessa
diretamente, antecede a segunda crítica e aborda o conceito de moralidade com algumas
máximas. Kant viveu uma época de grande transformação do pensamento e da produção
científicas provocadas pelo iluminismo.
Este movimento histórico compreendeu uma profunda e radical mudança dos padrões
científicos, sociais e religiosos, ou seja, uma empresa de demolição global que não cabe aqui
6 Cf. THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future. New York: Oxford University, 2009. p. 28. 7 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. ROHDEN, Valério Rohden e MOOSBURGER, Udo Baldur (trad.). Consultoria: Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 8 KANT, Immanuel. Critica da razão prática. ROHDEN, Valério (trad.). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008b. 9 KANT, Emanuel. Crítica da faculdade do juízo. ROHDEN, Valério e MARQUES, António (trad.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. 10 loc. cit.
16 configurar as suas causas.11
Com efeito, Kant chamou para si a responsabilidade sobre parte desse conteúdo e
apresentou um conhecimento filosófico inédito que pudesse conceder a maioridade intelectual
ao homem e disseminasse o mote da época: sapere aude.12
A primeira transformação significativa que ocorreu foi com relação ao rompimento da
visão do cosmos dos antigos em ver o mundo fechado e em harmonia para ser substituído pelo
olhar newtoniano de universo infinito regido por leis que se fundam nos conflitos, choques e
forças antagônicas. Ademais, grandes foram as produções que representam essa guinada, tais
como: As revoluções das órbitas celestes, em 1543 de Copérnico, Principia mathematica, em
1687 de Newton, Princípio de filosofia, em 1644 de Descartes, além das polêmicas teses de
Galileu sobre as relações da terra com o sol.13
O grande terremoto em Lisboa em 1755, matando milhares de pessoas, demonstra que
a natureza apresenta-se instável e a harmonia que o mundo holístico dos antigos pregava não
passava de uma visão romântica, pueril e mesmo ignorante das suas verdadeiras realidades,
conforme pregavam essas produções.14
Ademais, a interpretação do cosmos como padrão ético pressupõe uma hierarquia de
normas e valores, onde as virtudes perfeitas são aquelas mais próximas do mundo natural,
como se não houvesse possibilidade de mudança em relação ao homem, conformando-se este
em ser um mero espectador e observador desse ambiente interpretado como supostamente
harmônico até então.15 Não havendo mais a consonância a ser implantada dentro do sistema
filosófico em relação ao cosmos, a soteriologia terá que contar com a capacidade do homem
em entender o mundo, agora descoberto como caótico, e prosseguir nessa trajetória.16
A razão iluminista, portanto, assume essa missão de salvar o homem do medo da
morte e da finitude17, descontaminando o conhecimento das limitações do empirismo. Kant
situa-se nessa transição sendo magistral na forma de apresentar a sua crítica contra todo esse
sistema confuso que precisava separar seu campo para tornar a razão pura· e mesmo plausível.
11 ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 203. 12 Ibid. p. 206. A expressão tem um sentido de atreva-se, “ouse saber”, em tradução livre. 13 FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três ‘Críticas’. Karina Jannini (trad.). Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. p. 19. 14 Ibid. p. 13. 15 Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Pietro Nassett (trad.). Martin Claret. São Paulo. 2000. p. 25-26. 16 WEIL, op. cit. p. 413 et seq. Weil aponta que o fim da preocupação humana em relação ao seu destino marca o rompimento da tradição ocidental com a cultura grega e forma um dos aspectos do desenraizamento da condição operária. Os outros são o status social, o desemprego e a instrução, sendo que esta última desde o Renascimento passou a ser reservada a uma determinada classe. Sem a cultura grega, portanto, o trabalhador perdeu a sua capacidade de sonhar. 17 Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. Maria Lucia Machado (trad.). Tradução das notas Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 206 et seq.
17 Ele aprofunda na investigação cartesiana e proclama que a crítica substitui a teoria18 ou a
contemplação do cosmos. Rompe também não somente com o sistema filosófico dos antigos,
mas também com a teologia, especialmente em relação à metafísica da relação entre Deus e
homem.
Desde o século XVII todos os argumentos cartesianos partiam da existência onisciente
de Deus, como valor absoluto, contra a finitude humana, a qual possui múltiplos aspectos:
pecado, morte, sensibilidade, medo, erro, etc. Assim, Deus era uma espécie de ponto fixo do
pensamento, um eixo, inquestionável e sem possibilidade de contraposição. Kant reduziu esse
argumento à sua dimensão racional: uma ideia, onde mesmo que seja verdadeira, permanece
como uma ideia e, como tal, pelos métodos científicos da época, não basta a si mesma.19
René Descartes (1596-1650), antes de Kant, diz que o método de descobrir as
verdades parte de dúvidas menos complexas tal como ocorre nas demonstrações da
matemática.20 Ressalte-se que a matemática na época de Descartes foi estruturada pelos
escolásticos em dois campos distintos: as matemáticas puras, que seriam a aritmética e a
geometria e as matemáticas mistas, das quais faziam parte a astronomia, a música, a óptica, a
mecânica, dentre outros.21
Assim, para o referido filósofo, o único caminho a seguir de forma segura para vencer
as questões, através do que ele chama de longas cadeiras da razão, seria pelos passos dos
geômetras, ou seja, pela matemática pura.22
Kant inverte esse projeto cartesiano e contrapõe as certezas científicas do seu tempo,
criando um divórcio entre razão e entendimento23, ao tempo que supera o modelo matemático
como o único caminho ao conhecimento.
Com efeito, mesmo que admitamos que haja a possibilidade de existência de Deus
como infinito e do homem como finito e sensível, a possibilidade dessa ideia deve partir do
homem e não o contrário. A finitude humana compreende a sua redução no tempo e no espaço
necessariamente e, mesmo que se queira pensar a partir da ideia de existência de algo infinito
18 LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da metafísica. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de (trad.). 2 ed. São Paulo: Matins Fontes, 2002. p. 6. 19 FERRY, loc. cit. p. 22-23. Não iremos adentrar nesse espinhoso tema da verdade revelada pela doutrina Cristã aplicada à teologia moral. A abordagem feita por Kant foi com a intenção de desmistificar o conhecimento da época e não simplesmente negar ou validar a existência de Deus, até porque todos sabemos que o filósofo em questão foi muito influenciado pelo pietismo materno e dos seus mestres. 20 DESCARTES, René. Discurso do método. Maria Ermantina Galvão (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 24. 21 Ibid. p. 91. 22 Ibid. p. 23. 23 LEBRUN, Gérard. Sobre Kant. José Oscar Almeida Moraes, Maria Regina Avelar Coelho da Rocha, Rubens Rodrigues Torres Filho (trad.). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo: Iluminuras, 1993. p. 26.
18 como Deus, será ele, o homem, limitado, quem irá conceber essa possibilidade e, portanto,
passível de crítica em relação à plausibilidade desse argumento, em outras palavras. Esse
dilema ou prisão em que o homem se encontra faz com que todo o pensamento
antropocêntrico humanista da ética não consiga outro modelo de dignidade humana sem sair
da perspectiva do próprio homem, ou seja, ele como fim em si mesmo ou, se carregarmos no
subjetivismo, o homem como medida de todas as coisas.24 Ferry expõe que toda ética
normativa é de alguma maneira humanista e antropocentrista.25
Portanto, essa ideia kantiana de partir do finito (homem, tempo e espaço) para o
infinito (absoluto ou desconhecido), embora aparentemente simples, é genial e inverte toda a
lógica do conhecimento filosófico herdado por Kant, o qual podemos encontrar, v. g., na
proposição 8 do livro Ética do espiritualista racional Baruch Spinoza (1632-1677) quando diz:
toda substância é necessariamente infinita.26
É a partir desse ponto de vista kantiano, ou seja, que o absoluto é uma ideia e, como
tal, deve ser considerado, que ele critica a metafísica de sua época lançando dúvidas sobre a
possibilidade de um ser finito, como o homem, poder conhecer algo que lhe seja superior e
onisciente como Deus, sem levar em conta a possibilidade da revelação que é reservado ao
campo da religião.
Ora, dentro da filosofia não haveria instrumental suficiente para essa análise do
infinito e, ademais, o mundo se preparava para se transformar no seu modo de produção.
Assim, não haveria mais ambiente para a metafísica anterior, ou seja, a não transitável
matematicamente e nem mais útil para a técnica nascente.
Isso é lançado por Kant logo nas primeiras páginas da Critica da razão pura quando
fala sobre a possibilidade de conhecer conceitos metafísicos sem exame prévio da capacidade
ou incapacidade da razão para um tão grande empreendimento.27 Assim, Kant critica
inúmeros filósofos que pretendem lançar bases de conhecimentos como se falassem da coisa
em si e, em verdade, expõem sobre a coisa, tais como Gottfried Wilhelm Von Leibniz (1646-
1716) com a teoria das mônadas por pressupor um espaço irreal, intuitivo, representando uma
24 “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, que elas são, e das que não são, que elas não são”. Frase atribuída a Protágoras de Abdera (final do século IV a. C.) pelo mais famoso dos seus inimigos: Platão. Protágoras foi um sofista e, assim como os outros de sua época, deixou poucos registros. Os que foram descobertos posteriormente são relatos dos que o combatiam, como Platão, motivo pelo qual, a palavra “sofista” ainda possui um sentido pejorativo, embora essa visão seja apenas parcial de todo o contexto da época visto que os historiadores da Grécia, desde o final do século XIX, imputam aos sofistas a arte de ensinar os fundamentos da democracia e cidadania. Cf. CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Volume I., 2 ed., rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 170. 25 FERRY, loc. cit. p. 223. 26 SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tomaz Tadeu (trad.). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 16. 27 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. loc. cit. p. 56.
19 concepção da metafísica sem parâmetros no sistema de pontos materiais governados pela lei
da atração28, o que ajudou ao final em transformar a filosofia num compêndio de opiniões e
descrições hipotéticas, ou seja, na história da filosofia.29
A ciência, para Kant, entraria em cena somente quando não houvesse mais as dúvidas
especulativas da filosofia em relação aos métodos e conceitos principais dos seus objetos.30
Assim, a intenção do investigador deve estar voltada para desnudar a realidade e
constituir o seu objeto. Não há pretensão, nesse momento, de querer resolver qualquer
problema e muito menos permanecer na descrição da coisa, visto que ela regula-se pelo
sujeito e não o contrário, tal qual propôs com a sua revolução copernicana.
Constata-se que a maior parte das críticas dirigidas por Kant visam universalizar
conceitos de ética e, assim, poderia argumentar que ignora os aspectos da individualização da
matéria. Contudo, Apel, um neokantiano, defende o universalismo como uma forma de
desenvolvimento do pluralismo que, por sua vez, representa as várias formas de vida.31
Outro aspecto importante do kantismo é a desconsideração sistemática de qualquer
determinação empírica em relação à conduta humana quando se pretende normatizá-la. Com
efeito, esta recupera somente a sua razão moral pura como procedimento metodológico de
forma a coincidir a reflexão moral com o rigor das ciências exatas de sua época para que haja
uma correspondência com o que ele acreditava haver em relação a uma interioridade
normativa, sendo esta, portanto, a fonte moral que o homem deveria seguir.
A contrário sensu, se considerar que o conhecimento e a normatividade da ética
procedem de todas as condicionantes recebidas pelo homem, conclui-se que seria impossível
uma regra universal sobre a conduta humana e ficaríamos sempre no ponto inicial em relação
às observações dos aspectos físicos e morais do universo, como se isso fosse possível.32
O processo de auto-objetivação moral do homem advém, segundo Kant, das
avaliações de sua conduta conforme o seu dever moral e, à medida que vai adquirindo novas
concepções pelas identificações interiores, começa a formar o seu perfil, passando do mundo
sensível ao mundo inteligível, retomando aqui o argumento da dialética platônica,
28 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. loc. cit. p. 27. 29 LEBRUN, Kant e o fim da metafísica. loc.cit. p. 7 e 14. Kant não nega que todo o conhecimento se inicia com a experiência, mas esta última pode ser formada por ela mesma ou por nossa faculdade de conhecimento. Assim, cabe ao investigador analisar qual é o conhecimento independente da experiência e dos sentidos, sendo portando o chamado conhecimento a priori. Cf. KANT. Critica da razão pura. op. cit. p. 53. 30 LEBRUN, Sobre Kant. loc. cit. p. 25. 31 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 10. 32 Ibid. p. 12.
20 especialmente porque rompe com a subjetividade das inclinações e com os fatores externos
como o medo e a esperança.33
Os deveres aos quais o homem é submetido, por outro lado, teriam que ser validados
pelo seu tribunal moral interior. Neste momento, entra em questão outro elemento importante
na filosofia kantiana, i. é, a consciência moral que é capaz de separar o sujeito inteligível do
sujeito empírico.
Assim, o homem não pode agir por simples causalidade como fazem os animais não
humanos, mas necessariamente deve ser imputado a ele a autonomia de vontade. Ainda sobre
esse ponto, Lucht apresenta bem a distinção entre esses dois universos em Kant, o humano e o
natural, ao relatar que em cada ordem vigora um princípio diferente. Em relação aos animais,
vigora a causalidade, o determinismo, como as coisas acontecem, sem valor algum se não
estiver associada a uma lei humana, enquanto que para o homem compete o reino da
liberdade, da razão, como as coisas devem acontecer dentro de um sentido, o qual pode estar
inclusive na possibilidade da auto submissão do dever, o que também pode ser entendido
como a reciprocidade aplicada.34
Desta forma, a filosofia kantiana imprimiu um rigor na forma do conhecimento,
delimitando os seus campos e transformando a realidade em dados a serem absorvidos.
Quanto à moralidade, Kant é expresso em dizer que somente cabe ao ser humano essa
categoria, posto que o seu fundamento é a autonomia de vontade, algo totalmente negado em
relação aos seres não humanos. Percebe-se o hercúleo trabalho de limpeza epistemológica
empreendida pelo criticismo, o qual veio a se adequar às novas exigências da revolução
industrial e consequente transformação do trabalhador em homem-máquina. Assim, o
alargamento do conceito de saúde para este último somente pode ser concebido dentro da
compreensão de todo esse processo de definição de sua dignidade humana.
1.1.1 Fundamentação da metafísica dos costumes
Na Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) Kant busca as limitações de
uma virtude imanente ao homem, ou uma fundamentação da ética a priori, uma vez que a
33 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 14. 34 LUCHT, Marc. Does Kant Have Anything to Teach Us about Environmental Ethics? In: American Journal of Economics and Sociology. vol. 66. n. 1. january, 2007. p. 127-149. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/118501180/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0 Acesso em: 18 jul. 2010.
21 filosofia, na sua época, encontrava-se numa situação precária, segundo ele, em não poder mais
se sustentar nem na teologia35, na antropologia ou no utilitarismo.36
Na referida obra Kant faz uma divisão do conhecimento da seguinte forma: o primeiro
é o material, formado pelos objetos. Esse mesmo material é dividido, por sua vez, em bens da
natureza, que segue a teoria da natureza e é estudado pela física. Há também a lei de bens da
liberdade que é estudado pela ética e se chama teoria dos costumes, onde há a autonomia de
vontade humana, embora se reconheça que ela seja afetada pela natureza em certa medida.37
Por outro lado, Kant não propõe hierarquia entre razão (primeiro aspecto – física) e
moral (segundo – teoria dos costumes). Ele quer somente separar os seus campos.
A segunda forma de conhecimento, segundo Kant, é o puro, formal, aquele onde há o
entendimento que formulamos das coisas sem precisar da experiência necessariamente, o que
se convencionou chamar de conhecimento a priori.
Desta forma, a filosofia fica divida entre esses dois grandes campos do conhecimento:
o puro e o formado pela experiência.38
O desafio enfrentado por Kant é procurar esse conhecimento puro, onde não há
necessidade de um investigador especial, mas sim consciente do seu objeto para poder separar
um mundo do outro. Ele compara esse processo ao da divisão do trabalho para fabricação de
uma coisa com maior eficiência posto que se procura refinar ao máximo a arte que lhe
compete no processo total.39
Assim, dentro de cada ramo da ciência e antes mesmo de se estabelecer a pesquisa
pelo seu método, deve-se buscar separar o que vem a ser empirismo em relação ao
conhecimento puro.
Kant declara estar interessado somente na filosofia moral e, sendo assim, lança o
desafio de construí-la [...] limpa de tudo quanto pode ser empírico e pertença a antropologia,
baseada somente no conhecimento puro, a priori, porque somente assim há a possibilidade de 35 Cf. GOETHE, Johann Wolfgang von. Memórias: poesia e verdade. Leonel Vallandro (trad.). 2 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986. p. 392. 36 Logo no prefácio Kant delimita os campos do conhecimento científico da antiguidade entre física, ética e lógica, já com clara intenção de desmascarar a pretensão metafísica da época em pressupor o conteúdo de várias categorias, como espaço e tempo, partindo de Deus, como fez Leibinz, ou seja, assumir o cosmos como modelo ético. A virtude, portanto, não está mais em imitar a natureza em sua pretensa estrutura, a qual, ao contrário, promove o caos com terremotos, destruições, etc. mas encontra-se, em verdade, na autonomia da vontade, na liberdade, como forma de enfrentar, desafiar e dominar essa mesma natureza. Aristóteles, em outra vertente, diz que [...] do mesmo modo Platão, no Timeu, compõe a alma a partir dos elementos, pois sustenta que o semelhante é conhecido pelo semelhante. Cf. ARISTÓTELES. De anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: 4 ed., 2006. p. 51. 37 Id. 38 Motivo pelo qual não se pode afirmar categoricamente que haja a possibilidade de um conhecimento neutro. 39 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc. cit. p. 44-45. Kant se assemelha ao que mais tarde foi concebido como método fordista de produção.
22 sua universalização como dever comum de todos. A experiência, formulada dentro da
antropologia ou física, nesse caso, constituiria uma regra prática, mas não uma lei moral tendo
em vista a impossibilidade de sua universalização.40
O conhecimento puro, portanto, deve [...] investigar a ideia e os princípios de uma
vontade pura possível, e não as ações e condições, tomadas em sua maioria pela psicologia,
no querer humano em geral.41
Kant em sua primeira crítica busca o fundamento para uma razão pura especulativa da
metafísica. Nesta Fundamentação da metafísica dos costumes ele também busca uma razão
pura, contudo, é para a moral e, por isso, chamou de metafísica dos costumes, ou seja, as leis
morais e deveres que existem, ou podem ser descobertos, como conhecimento puro, sem
intervenção empírica.
Em ambos os casos há um único princípio no conhecimento puro, embora no primeiro
(razão pura) ocorre a dialética de ideias o que dificulta a exatidão do método. No segundo
(razão prática) há a lei moral a ser aplicada, motivo pelo qual, torna-se mais fácil a sua
metodologia de construção dos conceitos, até porque se busca notadamente o princípio
supremo da moralidade.42
Kant, por estar engajado nessa ideia única citada, adverte, finalizando o prefácio, que a
metodologia empregada na obra, nos dois primeiros capítulos, é a sintética e não a analítica.
Tugendhat comentando essa produção kantiana, revela que essa nomenclatura advém
da matemática da época. Assim, o método analítico, com o próprio nome indica, parte da
diversidade de objetos e suas imbricações para se chegar aos princípios que norteiam esses
mesmos objetos e, assim, retornam a estes últimos. O método sintético é o contrário, ou seja,
inicia-se dos princípios e explica as suas ramificações.43
Ele diz que Kant não é rigoroso no emprego desses métodos e que as ideias expressas
não são necessariamente lineares, mas se vestem de [...] pretensões argumentativas.44 Assim,
40 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc. cit. p. 46. Sobre a possibilidade de discutir um querer universal prático onde a vontade poderia ser expressa por princípios a priori e não por algum motivo empírico, Kant diz que a obra do filósofo iluminista alemão Christian Von Wolff (1674-1754) chamada Filosofia prática universal é um ponto de partida, embora ninguém tivesse ousado, nem mesmo Wolff, separar o conhecimento puro do empírico, sendo, portanto, uma ideia inovadora a proposta por Kant. É justamente nesse aspecto que Kant faz a separação entre uma filosofia prática universal (Wolff), com a sua lógica que expõe as regras do pensamento em geral, da metafísica dos costumes, com a correspondente lógica transcendental que cuida somente do conhecimento puro. Cf. Ibid. p. 48-49. 41 Ibid. p. 49. 42 Ibid. p. 50. 43 TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre ética. Róbson Ramos dos Reis et al (trad.). Ernildo Stein (rev. org.). 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 102-104. 44 Ibid. p. 104.
23 no primeiro capítulo quando Kant parte da ideia comum de boa vontade para se chegar ao
princípio puro respectivo o método utilizado foi o analítico e não o sintético.
Assim, a obra é dividida em três capítulos que tentam demonstrar essa possibilidade
do conhecimento puro aplicado à lei moral, o qual caminho inicia pela análise do
conhecimento moral comum, ou vulgar. Em seguida, há a sua purificação em conhecimento
filosófico, deste para a metafísica dos costumes e, finalmente, a aplicação dela em razão pura
prática, sendo uma espécie de introdução à sua segunda crítica, ou seja, a Critica da razão
prática.
Kant parte do pressuposto que os comportamentos humanos, antes mesmos deles se
expressarem ou entrarem no mundo empírico já existem como valores absolutos por causa da
vontade que os orienta, como na análise da boa vontade sem restrição no capítulo primeiro45.
Esta é voltada para o conceito de bem, contudo, quanto mais há o uso da razão, mais
desgostoso torna-se o homem porque possui inclinações em sentido contrário, cujo conjunto
Kant chamou de dialética natural.
A solução para isso é a razão orientar a vontade, a qual pressupõe um dever consigo
mesmo e, assim, com o outro ser humano até atingir uma máxima universal como forma de
validar a lei moral como imperativo categórico.46
Deve-se asseverar que Kant, chama de dever a boa vontade, mesmo a despeito de
restrições e obstáculos subjetivos.47
Em seguida, inicia a analisar o motivo para cumprimento desse dever, sendo que o
divide em duas formas: por uma intenção egoísta; por dever, que seria a moral recomendada
por ser o dever um bem, ou, ainda, por inclinação, ou comiseração, o que é refutado por
45 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 53-71. 46 A boa vontade sem restrição referida por Kant significa que quando nós julgamos alguma ação moral, na verdade, estamos julgando a vontade e não a pessoa. Se mantivermos o mesmo propósito dessa vontade, então formaremos o caráter que também pode ser visto como virtude. Deve-se esclarecer também que boa vontade sem restrição não significa uma vontade pura, visto que, conforme esclarecido, trata-se de método analítico e parte do senso comum para depois chegar ao princípio. Tugendhat acrescenta que há somente um bem maior que a boa vontade, em Kant, quer seja, a felicidade, nos moldes propostos por Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) na Ética a Nicômaco. Aristóteles é importante para Kant porque ele foi o primeiro a propor uma unificação do conhecimento admitindo que a percepção das coisas pode ser tanto da forma sensível (empírica) quanto intelectiva, ou seja, o sujeito possui a parte intelectiva, mas esta capta somente o que for sensível nas coisas e, desta forma, há uma unidade do conhecimento através do ser. Cf. TUGENDHAT, loc. cit. p. 106. Sobre o bem supremo ser a felicidade, cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. op. cit. p. 20 et seq. Contudo, devemos ter o cuidado se separar a proposta dos dois filósofos. Em Aristóteles a busca pela felicidade é a finalidade e fundamento da moralidade. Já em Kant a felicidade não passa de impressões empíricas obtidas pela satisfação dos desejos humanos. O que rege a moralidade kantiana é o conhecimento “a priori” fundado em duas categorias: a boa vontade e a liberdade, onde ambas criam leis universais para regular o agir ético. Cf. AUGUSTIN, Günther. Kant no Brasil – fora do lugar? Impulso: Revista de Ciências Sociais e Humanas. V. 15, n. 38, set./dez. 2004, p. 11-21. Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit acesso em 29 de março de 2011. p. 78. 47 KANT, Immanuel. op. cit. p. 59.
24 entender que o agir, como lei moral universal ou imperativo categórico, não pode ter afeto
senão deixará de ser racional.48
No segundo capítulo49 Kant prossegue no conceito de dever argumentando que
inicialmente agimos por satisfação própria e que somente pela razão podemos ultrapassar
essas discussões, posto que a ação da lei moral possui fundamento a priori e independe de
suas fontes antropológicas. Assim, chega-se ao conceito de princípio objetivo como um
mandato à vontade e a fórmula desta última se dá pelo imperativo que, por seu turno, será
hipotético quando se pretende alcançar determinado fim empírico e, também, o categórico,
quando há uma ação necessária por si mesma.
Além de outros citados, merece destaque o imperativo da moralidade que é categórico,
culminando na célebre máxima kantiana do dever: age como se a máxima de sua ação deve
converter-se, por sua vontade, em lei universal da natureza50 e também de considerar o
homem, ou a humanidade, como um fim em si mesmo e não meio, usando a vontade como
fundamento de sua auto determinação.51
Toda a dignidade humana, portanto, consiste nessas máximas em transformar a pessoa
em legisladora e sujeito das leis morais.
Por outro lado, o homem consegue passar da lei universal representada pela ideia para
a singularidade do objeto através da intuição. O conceito desta é formulado de duas maneiras:
pela compreensão de vários objetos semelhantes entre si e que são reunidos sob determinado
grupo, havendo a extensão de suas características para incluir tantos outros quantos forem a
eles parecidos.
Assim, há uma dificuldade de, criado o conceito geral, especificá-lo em determinado
caso ou singularidade, momento em que há a necessidade da intuição para se fazer essa
transição.52
O terceiro capítulo da obra53 retoma os conceitos já apresentados sobre vontade com a
separação dos seres chamados de irracionais em relação aos racionais. Estes últimos podem
exercer a sua liberdade enquanto que os outros ficam submetidos a uma necessidade natural
ou relação de causa e efeito dentro da natureza. Por outro lado, a vontade pode ser
heteronômica, quando não legisla para si mesma, mas também busca outras leis para
48 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 59-61. 49 Ibid. p. 73-131. 50 Ibid. p. 95. Natureza aqui é entendida no sentido amplo, inclusive humana. Tradução livre. 51 Ibid. p. 104-105. 52 FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três ‘Críticas’. loc. cit. p. 27. 53 Ibid. p. 133-159.
25 constituir algum objetivo empírico (imperativo hipotético), por isso Kant não crê em vontade
livre totalmente porque, uma vez universalizadas pelas máximas, torna-se lei da moralidade.
São pontos importantes do terceiro capítulo a afirmação de Kant que não podemos
conhecer as coisas como elas são, mas tão somente os seus fenômenos como suas
representações, criando dois tipos de mundos, o sensível e o inteligível.54 O primeiro é
representado como o fenômeno que afeta as pessoas e o segundo [...] que lhe serve de
fundamento, permanece sempre idêntico.55 Diante disso, o homem não consegue se avaliar
como de fato é, vez que não há como ter conhecimento a priori de si mesmo e os fenômenos a
si sensíveis serão sempre intermediados pela sua razão. Por outro lado, havendo liberdade, o
mundo inteligível é o seu limite e parâmetro da razão.
Essas máximas kantianas da universalização da ação moral e do homem como fim em
si mesmo, dentro da autonomia de vontade, empreenderam a definição de dignidade humana
desde a era moderna a ponto de não conseguirmos sair dessa lógica ou, quando muito,
conseguimos alargá-la em seu círculo moral.
Abordaremos agora como Rawls analisa o problema da moralidade kantiana com a
formulação do imperativo categórico e o que significa a máxima do homem como fim em si
mesmo.56
Conforme vimos, o imperativo categórico é tido como uma regra que surge da lei
moral, a qual é a ideia geral que a razão possui de moralidade para aplicação em nós, seres
finitos.
Rawls propõe duas condições para que a razão prática exista em nós e se torne um
procedimento de formulação do imperativo categórico. O primeiro é sobre o seu conteúdo,
que deve ser estruturalmente coerente com as nossas delimitações humanas e, em segundo
lugar, é a liberdade que a pessoa deve ter para exercer a opção pelo imperativo.57
Por outro lado, como se trata de formulação moral, somos propensos a nos deixar
influenciar, em parte, por nossas inclinações naturais e nossos desejos.58 O problema não está
nessa influência, que nunca foi negada por Kant, mas sim em saber até que ponto ela ocorre e
onde podemos separá-la para que se torne uma regra moral pura e universal.
54 Isso gera representações equivocadas e ambivalentes sobre os próprios direitos humanos e seus simbolismos. Cf. NEVES, Marcelo. The symbolic force of human rights. In: Philosophy Social Criticism. vol. 33. n. 4. p. 411– 444. Los Angeles, London, New Delhi and Singapore: SAGE Publications, 2007. p. 412. Disponível em: http://psc.sagepub.com/cgi/content/refs/33/4/411 Acesso em: 04 jun. 2010. 55 Ibid. p. 140. 56 RAWLS, John. História da filosofia moral. Organizado por Barbara Herman. Ana Aguiar Cotrim (trad.). Revisão da tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 187 et seq. 57 Ibid. p. 188. 58 Ibid. p. 189.
26
Consequentemente, Kant não prevê um sistema matemático, mas a existência de
agentes ideais razoáveis e racionais, portadores de lucidez e sinceridade, além de
sensibilidade moral e, logicamente, capacidade de juízo apurado para poder proceder ao
julgamento moral.59
O procedimento para se alcançar um imperativo categórico segue quatro passos,
propostos por Rawls60:
(1) A máxima, ou seja, a regra moral que se candidate como tal, precisa ser racional para o agente, no sentido deste ter que agir sob um ponto de vista subjetivo e, ademais, ela deve ser sincera, significando que o agente deve estar esclarecido e consciente em sua ação.
(2) O próximo passo é universalizar essa máxima como aplicável a toda e qualquer pessoa racional.
(3) O passo seguinte é tornar essa máxima como parte da natureza humana, ou seja, como se nós já nascêssemos com ela.
(4) O último passo é relacionar essa máxima tornada como lei natural interna e, agora, universal com as outras leis existentes e também naturais para que se forme um mundo social ajustado.61
Eis, portanto, os motivos da máxima kantiana ser age como se a máxima de sua ação
deve converter-se, por sua vontade, em lei universal da natureza, citada anteriormente. A
interpretação que se propõe com a máxima de ser o homem fim em si mesmo significa que o
tratamento dispensado a ele deve ser em respeito às suas faculdades e capacidades e que
tenhamos sempre uma boa vontade sem restrições em relação a esse ato.62 Esse julgamento
moral formula uma ideia de dignidade humana pelo processo de consciência, num primeiro
momento,63 tal qual o sistema proposto por Arendt chamado por ela de dois-em-um.64
1.1.2 Modelos kantianos sobre a dignidade humana
O modelo kantiano de dignidade é a consideração do homem como fim em si mesmo
dentro do uso de sua autonomia de vontade.
Com efeito, ainda não temos uma proposta consistente que consiga retirar o homem do
59 RAWLS, John. loc.cit. p. 190-191. 60 Ibid. p. 193 et seq. 61 Ibid. p. 195. 62 Ibid. p. 217. 63 Deve-se fazer essa ressalva porque quando há a universalização desses imperativos, corre-se o risco de cairmos em conteúdos vazios ou, ao menos, sem ação política efetiva, conforme crítica de Agamben infra. 64 Infra.
27 centro das preocupações da filosofia e do meio onde vive e, sendo assim, não se admite o
conceito de dignidade humana fora da visão antropocêntrica como o seu pilar principal a
considerar apenas o homem como sujeito moral de sua construção, como aquele que merece a
proteção principal, em última análise.65
Flores apresenta um modelo de direitos humanos como um processo dinâmico de luta
pela dignidade humana.66 Cultura e dignidade são objetos inseparáveis para Flores. Contudo,
este não foge da máxima kantiana em ser o homem um fim em si mesmo apesar de usar a
lógica do materialismo marxista para análise da sociedade.
Com efeito, Flores alega ser a dignidade vinculada a vários fatores concretos que
formam a sociedade que vão desde as lutas feministas, problemas políticos de
governabilidade e também econômicos de centralização do capital. Assim, não se pode impor
a dignidade humana como uma espécie de política social dos direitos humanos ou como
produto ideológico do Ocidente oferecida ao sujeito em quantidades monetárias que apenas
alimentam todo esse ciclo de dominação e permanece grande parte da humanidade na mais
absoluta miséria.67
Ademais, a universalização dos direitos humanos não representa necessariamente o
reconhecimento da dignidade humana, posto que, em muitos casos, a sua consignação em
tratados e declarações internacionais não significa ações práticas de respeito aos próprios
direitos humanos diante da centralização do capital e a permanência do modelo civilizatório
colonialista.
Como exemplo, Flores cita o caso da Declaração dos Direitos Humanos no Islã (Cairo-
1990) onde em seu artigo 24 condiciona a implementação dos direitos e liberdades contidos
no documento às normas e procedimentos islâmicos contidos no Dar AL Islam.68
65 Se analisarmos os autores sobre o tema, compilados por Gosdal por exemplo, podemos perceber que o antropocentrismo kantiano é o definidor do conceito de dignidade humana. Cf. GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007. 66 FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como productos culturales. Critica Del humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005. p. 32-34. 67 Saavedra e Tommasi chamam essas “quantidades monetárias” de “complementos imprescindíveis”, o que no Brasil conhecemos como as várias bolsas destinadas à população de baixa renda. Contudo, o mesmo texto aponta os principais vícios desses programas: a) aumento da informalidade, já que não compensa ao trabalhador tornar-se formal diante dos benefícios que recebe estando na informalidade; b) cria, legalmente, uma classe social dos excluídos diante da grande diferença de renda; c) a estigmatização dos beneficiários dificulta a identidade deles em relação ao restante da população; d) risco do aparecimento do clientelismo político. Cf. SAAVEDRA, Jaime; TOMMASI, Mariano. Informalidad, Estado y contrato social en América Latina. Estudio preliminar. Revista Internacional del Trabajo. Vol. 126. N. 3-4. 2007. Disponível em: http://biblioteca.hegoa.ehu.es/system/ebooks/17390/original/Informalidad__estado_y_contrato_social_en_AL.pf Acesso em: 05 abr. 2011. p. 339. 68 FLORES, op. cit. p. 37.
28
Flores também entende que a dignidade humana somente é possível com oportunidade
de luta contra o processo de dominação do capital e que os direitos humanos representam
marcos do processo histórico de embate e resistência contra as diversas manifestações de
violência desse poder tanto em caráter individual quanto coletivo.69
Ele define bem qual é esse processo de dominação ao referir-se às teorias
neocontratualistas da justiça, através das quais resultou no chamado Consenso de
Washington70como um verdadeiro modelo de controle macroeconômico de desenvolvimento
da nova reconstrução do capital a partir dos anos noventa.71
Segundo Flores, os direitos humanos foram utilizados desde as revoluções burguesas
dos séculos XVII e XVIII como pretexto para abstração do capital e, assim, favorecer as
classes em ascensão que combatiam as monarquias absolutistas, tornando-o essencialmente
um referencial cultural seguro do mundo moderno.
Portanto, se considerar que os direitos humanos são produtos culturais de resistência à
estrutura de dominação do capital, então deve-se necessariamente criticar e mesmo negar os
fundamentos teóricos que justificaram o liberalismo econômico.72
Propondo um conceito de direitos humanos baseado na sua formulação cultural, Flores
apresenta a transformação do modelo raiz em rizomático.
O primeiro possui autoridade vertical, sem identidade entre os polos e já o segundo é
tipicamente dialógica e igualitária.73
Flores também apresenta a proposta de inflexão74 como a tomada de consciência dos
direitos humanos e estes como produtos culturais de fortalecimento dos indivíduos para
proporcionar o nível mínimo de possibilidade de resistência e luta por sua dignidade. O autor
69 FLORES, loc. cit. p. 37 et seq. 70 O chamado Consenso de Washington foi uma série de acordos entre o FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos para tentar monitorar a globalização do capital dentro da economia neoliberal e diminuir o grau de vulnerabilidade dos países em relação às suas dívidas externas e que tivessem histórico de moratórias. Em troca, estes teriam os seguintes benefícios: a) política cambial com baixa volatilidade nos momentos de crise de liquidez; b) melhor gestão da dívida pública; c) controles de perdas da balança comercial; d) controle da inflação; e) controle do passivo bancário. Cf. BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; BIANCARELI, André Martins e DEOS, Simone Silva. Controle de capitais: um bem necessário? In: Economia política internacional. Análise estratégica. Unicamp – Instituto de economia. Centro de estudos de relações econômicas internacionais – CEREI. n. 1. Abril a junho de 2004. p. 4-14. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_ceri/boletim/boletim1/versaointegral.pdf Acesso em: 20 jul. 2010. 71 FLORES, op. cit. p. 219-220. 72 Ibid. p. 221. 73 Ibid. p. 235 et seq. Friedman propõe um modelo similar em sua obra chamada Sociedade Horizontal, em tradução livre, ainda sem versão em português. Nela ele expõe que estamos passando de um modelo social de autoridade tipicamente vertical, cuja unidade familiar é o maior exemplo, para outro difuso e horizontal, onde a
globalização dos produtos, ou capital se quisermos usar o discurso de Flores, nos torna uma cultura global onde o senso de identidade torna-se volátil. Cf. FRIEDMAN, Lawrence Meir. The horizontal society. London: Yale University Press, 1999. 74 Ibid. p. 241.
29 não chega a conceituar a dignidade humana, mas conforme visto acima, ela seria imanente aos
direitos humanos, se expressos como identidade cultural na liberdade de existir e atuar, para
proporcionar a luta pela própria dignidade.75
Comentando o caso Pueblo Saramaka v. Surinam da Corte Interamericana dos
Direitos Humanos (CIDH), Ayala apresenta também uma abordagem semelhante entre
dignidade de vida e cultura ao considerar esta última como uma exteriorização do ser, ou de
identidades existenciais, nas palavras do autor. Com efeito, conclui, se houver agressão a
cultura nessas condições e sendo ela protegida como bem ambiental, a exemplo do art. 231
CF/88, então trata-se de dano ambiental extrapatrimonial passível de correção judicial porque
há agressão à dignidade humana do próprio titular.76
Hunt aborda outro aspecto interessante sobre a dignidade humana, quer seja, o fato
dela ter sido considerada como uma verdade auto evidente em vários documentos históricos,
tais como na Declaração de Independência dos Estados Unidos de 04 de julho de 1776, na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1791 e na Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, a partir da consideração que os direitos humanos dependiam da
autonomia moral para existir em liberdade e merecer a dignidade. 77
Ela diz que o termo direitos humanos somente ganhou forma política universal com o
iluminismo. Defende igualmente que a literatura, bem como a arte em geral ajudaram na
universalização dos direitos humanos na medida em que as pessoas já tinham começado a
perceber os seus corpos e a si mesmas como separadas do sagrado. Assim, houve um processo
gradual de individualização e demarcação dos direitos próprios e alheios.78
Mas esse processo não ocorreu linearmente.
Charles Taylor, por seu turno, analisa a preocupação da filosofia moral do Ocidente
em priorizar [...] mais no que é certo fazer do que no que é bom ser, antes na definição do
conteúdo da obrigação do que na natureza do bem viver [...] 79
75 FLORES, loc cit. p. 244 et seq. 76 Sobre o caso Pueblo Saramaka v. Surinam interessante destacar o voto do Juiz da Corte Interamericana dos Direitos Humanos Cançado Trindade sobre a possibilidade de dano espiritual quando houver prejuízo ao inter-relacionamento da cultura, como identidade, e a sobrevivência biológica de determinado povo indígena. Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 332 et seq. 77 HUNT, Lynn. O romance e as origens dos Direitos Humanos: interseções entre história, psicologia e literatura. Varia hist. [online]. 2005, vol.21, n.34, p. 267-288. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0104-87752005000200002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 21 jul. 2010. 78 Ibid. p. 275. 79 TAYLOR, Charles. As fontes do self. A construção da identidade moderna. Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo (trad.). São Paulo: Edições Loyola, 1997. p. 15. Kant, em sua segunda crítica, é um exemplo dessa postura ao analisar a possibilidade do conhecimento prático dentro do “agir ético”, embora reconheça
30
Com isso, houve uma perda gradual da identidade do próprio ser humano.
Taylor embora não utilize a mesma nomenclatura de Kant quando este se refere ao
“imperativo categórico”, reconhece que as nossas decisões morais são movidas por “fortes
valorações” as quais, normalmente, não dependem das nossas paixões e experiências
empíricas para que sejam legitimadas como normas de conduta sobre o certo, o errado, o pior,
o melhor, assim por diante.80
Ele aborda qual a relação entre o eu e a sua visão moral, ou seja, entre a identidade e o
bem, estando este dentro da visão da filosofia moral que vai paulatinamente sendo aberta,
partindo do sentido da interioridade humana existencial. O autor a sistematiza em três
períodos: de Agostinho aos modernos (Descartes e Montaigne); da Reforma ao iluminismo e
deste até os dias atuais.81
Hunt expõe que ações como a tortura, aceita como método judicial e mesmo a
autoridade do pai eram combatidas por grandes filósofos da época (Montesquieu, Voltaire e
Beccaria). Tais práticas se mostravam incompatíveis com os novos conceitos de integridade
corporal e autonomia do indivíduo, os quais surgiam a todo instante em expressões artísticas,
como, v. g., os quadros onde somente a pessoa era representada.82
A despeito das críticas de Taylor, é inegável a semelhança entre esse processo de
individualização e respeito ao sujeito e, ao mesmo tempo, universalização desse mesmo
direito através da cultura da época, motivo pelo qual, explica-se em parte a aceitação dos
direitos humanos como verdade auto evidente.
Hunt expõe que a autonomia moral foi sendo construída com a percepção de separação
dos corpos e da propriedade pela [...] ampliação do sentimento de empatia entre psiques
separadas no espaço83. Portanto, houve uma transformação individual onde se passou da
como parâmetro principal a autonomia de vontade. Cf. KANT, Immanuel. Critica da razão prática. Valério Rohden (trad.). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Ocorre que, segundo Kant, como é impossível conhecer as coisas como elas são em si, devemos então dar um sentido naquilo que delas podemos extrair e transformar como regras universais através dos chamados imperativos categóricos. Esse ponto de vista é integrado também em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes, já citada. Por outro lado, a “razão instrumental”, com o seu grande projeto da racionalidade libertadora do homem e, também devoradora da metafísica, do transcendente, caiu como luva nos processos de industrialização do Ocidente e, consequente, permitiu a formação da grande massa de consumidores junto à universalização do capital. A expressão “razão instrumental” foi empregada por Adorno e Horkheimer, ambos da Escola de Frankfurt, numa crítica à modernidade. Cf. ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Guido Antônio de Almeida (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. 80 TAYLOR, loc. cit. p. 20. 81 Ibid. p. 12 et seq. 82 HUNT, Lynn. loc. cit. p. 277. 83 Ibid. p. 275.
31 legitimação transcendental entre homem e Deus para a busca de uma justificativa interior do
sujeito com a necessidade de criar um consenso na comunidade.84
Somente após um processo de individualização é que a pessoa pode estar preparada
para exercer a sua autonomia moral e tornar a auto evidência da dignidade humana
justificável dentro da filosofia moral kantiana.85
Contudo, essa liberdade é plena se houver a possibilidade de exercê-la de forma
mínima, caso contrário, trata-se de retórica justificadora de revoluções liberais que promovem
ainda mais a desigualdade material entre os seres, conforme o ponto de vista marxista.
Outro exemplo de conceituação de dignidade dentro dos parâmetros kantianos do
homem como fim em si é o trazido por Dworkin86 quando se discute a possibilidade ou não da
eutanásia. Os que a defendem argumentam a ausência de dignidade no moribundo justamente
porque não há mais os parâmetros kantianos do agente racional que seriam as suas faculdades
e capacidades racionais, motivo pelo qual, ele deixa de ser fim em si mesmo para ser fim em
função dos que pensam por ele, como o Estado. Assim, por ter se transformado num ser
equiparável aos animais não humanos, ou irracionais, ocuparia uma posição de indignidade
perante o padrão cultural de sua comunidade e ensejaria então a morte.87
Veja que, novamente, avalia-se que dignidade cabe somente aos seres racionais como
fins em si e quando estes perdem a racionalidade, por doença ou demência, se questiona a
presença da própria categoria, cabendo aos que ainda a possuam deliberarem o que fazer com
os irracionais por contingência.
Idêntico posicionamento encontramos também em Perelman sobre a eutanásia e em
relação aos nascidos com deformidades e são classificados de anormais ou seres
monstruosos.88 Roberto Adorno expõe que a palavra dignidade apresenta-se bastante vaga nas
sociedades pluralistas no mundo ultramoderno. Apesar disso, ela surge como um valor auto
84 HUNT, loc. cit. p. 278. 85 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Rosaura Eichenberg (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 24 et seq. 86 DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução Jefferson Luiz Camargo. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 333-340. 87 Sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança onde se discutiu, dentre outros temas de direitos humanos, se o embrião é um ser humano e, assim, portador de todos os direitos inerentes à dignidade em potência. Se a ciência não define esse momento dele tornar-se ser como fim em si mesmo, então, optou-se por permitir a pesquisa com esses embriões, como células tronco, por serem úteis em tratamentos terapêuticos, o que dá na mesma pela máxima kantiana v. ADI 3510 (Rel. Ayres Britto) Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000168856&base=baseAcordaos Acesso em: 05 abr. 2011. 88 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão (trad.). Revisão da tradução Eduardo Brandão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 311.
32 evidente e de forma intuitiva nas civilizações, perfazendo a sua conceituação pela negação, ou
seja, por atos considerados de indignidade.89
Comentando o conceito de dignidade em Kant, Roselló diz que trata-se de uma ideia
defendida pelo filósofo e não atributo concedido por alguém, como uma espécie de título de
nobreza como se faziam nas sociedades aristocráticas. Assim, havendo a racionalidade do
agente e autonomia, a dignidade lhe compõe como parte do conceito de ser racional livre.
Mesmo que ele pratique atos indignos, permanecerá com dignidade, posto que esta é um
conceito e não precisa se vincular aos atos cometidos por seus agentes.90
Os modelos ora apresentados de dignidade humana não fogem da perspectiva
antropocêntrica, embora algumas apresentem de forma alargada ou até mesmo indireta. Com
efeito, precisamos aprofundar diretamente no significado de dignidade humana dentro do
mundo do trabalho, partindo do pressuposto que este último transformou o conceito daquele
em substância e finitude ao pressupor a desigualdade entre o proletariado e a sociedade
burguesa.
1.2 A DIGNIDADE HUMANA NO PENSAMENTO DE HOBSBAWM E EM ARENDT.
Analisaremos alguns pontos de intercessão entre as ideias de Kant, Hobsbawm e
Arendt. Isso porque precisamos demonstrar que o modelo antropocêntrico kantiano de
dignidade e a complexidade humana exigem um aprofundamento epistemológico para
podermos entender o ser trabalhador a fim de possibilitar o alargamento do conceito de saúde.
Hobsbawm inicialmente delimita o conceito dos movimentos operários como as lutas
ocorridas na Europa, especialmente Inglaterra, entre os séculos XIX e XX, onde: os
trabalhadores fizeram os seus primeiros atos de mobilização reivindicando melhores salários e
mesmo a possibilidade de sindicalizarem-se. Essa mesma ação, prossegue, foi a
disseminadora do universalismo dos direitos humanos sob o ponto de vista material, valendo-
se da noção de dignidade e cidadania como obrigação estatal em relação aos indivíduos.91
O ponto central é discutir o que provocou esses movimentos e quais as suas resultantes
diante da ideia iluminista de igualdade formal sem a sua correspondência material.
Hobsbawm, com efeito, toca várias vezes em definições kantianas sobre a moralidade.
89 In: ROSELLÓ, Francesc Torralba. Qué es la dignidad humana? Ensayo sobre Peter Singer, Hugo Tristram Engelhardt y John Harris. Barcelona: Herder Editorial, 2005. p. 53 et seq. 90 Ibid. p. 68-74. 91 HOBSBAWM. loc. cit. p. 417 et seq.
33
Ele define um modelo de direito natural, como preâmbulo ao conceito de dignidade e
direitos humanos, vinculado às necessidades básicas onde o conjunto formado de carências
cria um consenso de percepções na coletividade sobre a caracterização desse direito natural,
levando as pessoas a reivindicá-lo.
Essa concordância, especialmente, se aproxima da epistemologia de Kant na medida
em que ele, igualmente, acreditava que não podemos conhecer as coisas como elas são
realmente, mas apenas podemos validá-las pela estrutura de pensamento humano que,
necessariamente, é coincidente em todos nós.92
Há dois lados dissecados: o primeiro refere-se ao indivíduo perceber a sua necessidade
e, o segundo, identificar tais carências nas outras pessoas subprivilegiadas por uma relação de
intersubjetividade e, assim, criar um laço de consciência coletiva e buscar os meios de supri-
los.93
Quando explicamos sobre o imperativo categórico de Kant, dissemos que o homem,
como agente moral, consegue imprimir alguma máxima racional de caráter moral ou pura, se
houver objetivo prático ou de sistematização do conhecimento, respectivamente, na
coletividade e seguir os passos citados se houver um mundo social ajustado para recebê-la.
Vimos também que esse mundo pressupõe como conceito de dignidade humana a máxima de
ser o homem fim em si mesmo, significando que o tratamento dispensado a ele deve ser em
respeito às suas faculdades e capacidades.
Ocorre que a análise de Hobsbawm parte do pressuposto da desigualdade entre as
classes de pessoas e esta somente poderá ser vencida pela luta entre elas. A partir de toda essa
provocação, que situa a sociedade num estágio inferior ao proposto por Kant, já que nem
todos gozam da mesma autonomia de vontade segundo Hobsbawm, é que o mesmo autor
conceitua direito natural e o conceito de dignidade humana, motivo pelo qual, distancia-se um
pouco das ideias kantianas iniciais.
Por outro lado, Hobsbawm adota uma retórica de Kant ao dizer que os direitos que
não forem baseados num consenso semelhante (de carência, no caso) não poderão ser
distinguidos com facilidade, ou talvez de forma nenhuma, dos desejos subjetivos.94
O termo consenso semelhante tem o mesmo significado que mundo social ajustado de
Kant. Não se trata de harmonia social, onde todos encontrariam seus bens e valores
92 Kant era um fenomenologista, discípulo de David Hume, e podemos verificar esses traços característicos especialmente em sua primeira crítica: Crítica da Razão Pura. 93 HOBSBAWM. loc. cit. p. 418. 94 Id.
34 respeitados. O que Kant referiu-se é o seu aspecto racional, porque esta foi a crítica em toda a
sua produção como filósofo: possibilitar um conhecimento dissecado.
Seja na análise de Hobsbawm ou criticista (Kant), a racionalidade em ambos volta
para o aspecto humano da sobrevivência e chega a uma espécie de consenso de
intersubjetividades, sendo que, em se tratando de conceito de direitos, este configura-se como
o resultado de uma determinada privação provocada sistematicamente de forma organizada
pela economia liberal, segundo Hobsbawm.
Este último cita como exemplo a Lei dos Pobres na Inglaterra sobre o movimento dos
trabalhadores do campo reivindicando direito às condições mínimas de existência a partir de
uma ideia sobre o que seria uma ordem social justa, dentro dos conceitos de E. P.
Thompson.95
Contudo, a Lei dos Pobres, como um direito de natureza paternalista, situa-se no
período pré-industrial e, assim, difere-se dos novos elementos que surgiram em seguida,
especialmente pelas revoluções americana e francesa, influenciadas pelo iluminismo.
Hobsbawm aponta três diferenças básicas entre esses direitos: primeiro que os anteriores viam
os pobres como inferiores, ou seja, aceitava a desigualdade, algo que passou a ser combatido
com o iluminismo, como sabemos. Em segundo lugar, para cada dever correspondia uma
obrigação. Por último, a diferença entre os direitos anteriores e posteriores ao iluminismo é
que eram vagos os primeiros e detalhados como passaram a ser depois.96
Em uma sentença: antes, ao julgar a possibilidade de conceder algum direito,
analisava-se a pessoa e a sua condição social preliminarmente. Depois do iluminismo e a sua
ideia de universalidade, passou a julgar a intenção dessas pessoas.
Quando falamos sobre o conceito de boa vontade desinteressada da moral kantiana
referíamos que o julgamento deve ser vinculado à intenção da pessoa e não como ela se
apresenta com o resultado do seu ato. Em outras palavras, mesmo que ninguém fique
sabendo, o fato de alguém subtrair para si alguma coisa de outrem, é moralmente reprovável
para Kant, posto que a sua intenção, ora em julgamento, é a de agressão ao direito alheio,
mesmo que esta vítima sequer saiba que foi objeto de fraude.
95 HOBSBAWM. loc. cit. p. 420. Thompson discorre sobre o termo inglês riot (motim – tradução livre), como consequência da combinação entre desempregados e a alta de preços dos produtos essenciais para a sobrevivência humana. Assim, essas revoltas não são inicialmente ações políticas organizadas, mas sim reações instintivas da fome, ou como Thompson mesmo a classifica: "rebellions of the belly" ou “revolta da barriga”, em tradução livre. Cf. THOMPSON, E. P. The moral economy of the english crowd in the eighteenth century. Past and Present. Oxford Journals. n. 50, 1971. p. 76-136. Disponível em: http://past.oxfordjournals.org/content/50/1/76.citation Acesso em: 25 abr. 2011. 96 Id. Sobre a segunda característica, Hobsbawm cita o preâmbulo do Estatuto dos Artífices, Inglaterra, em 1563 como dever do Estado banir a indolência e pagar salários proporcionalmente convenientes.
35
Assim, se nos prendermos à intenção do ato (vontade) como referencial a ser
normatizado, podemos então dizer que não precisamos da experiência daquela pessoa
especificamente e, assim, há um conhecimento a priori do conteúdo da norma podendo a
mesma, portanto, ser universalizada.
Por outro lado, levando em consideração somente como essa pessoa se apresenta
socialmente e a considerarmos como inferir, jamais se poderia admitir uma regra universal
sob esse parâmetro, mesmo a despeito da hipocrisia liberal que acaba contrariando o próprio
projeto iluminista como razão pura.
Hobsbawm expõe que os chamados Direitos do Homem surgidos no final do século
XVIII não representam um produto voltado exclusivamente para a classe burguesa, em que
pese fossem de grande utilidade ao liberalismo de Adam Smith.97 Esses direitos possuem três
características marcantes: primeiro que pertencem ao indivíduo como ideia. Com isso, surgiu
a oportunidade da pessoa ser vista fora da sua comunidade e, por conseguinte, do Estado. Essa
transcendência gera a possibilidade do indivíduo resistir aos atos tidos como arbitrários do
Estado e da comunidade, fazendo o caminho inverso.98
Com a transcendência, há a universalização dos direitos, que é a segunda
característica. Assim, tanto os senhores quanto os empregados tinham os mesmos direitos, em
tese.
A terceira característica é que esses direitos do homem foram proclamados para firmar
garantias constitucionais, isto é, possuíam natureza essencialmente política e jurídica.
Contudo, eram direitos de defesa, isto é, contra atos arbitrários e não possuíam um programa
econômico de promoção dos mesmos direitos proclamados.99
Portanto, é lançado o desafio de aplicação dos Direitos do Homem no plano
econômico para a correção das desigualdades. O cartismo, como movimento histórico na Grã-
Bretanha, representou mais um projeto político que social, sendo que somente com o
nascimento dos partidos socialista e trabalhista, já no século XIX, é que pode-se entender a
política como um meio para uma meta maior de efetivar os direitos e não como um fim em si
mesmo.100
97 HOBSBAWM. loc. cit. p. 423. Weber diz em auri sacra fames (sagrada fome pelo ouro - tradução livre) na sua retórica da busca da felicidade individual como mandamento divino para a promoção da coletividade. Cf. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Pietro Nassetti (trad.). São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. p. 49. 98 Ibid. p. 424. 99 Ibid. p. 425. 100 Ibid. p. 426. Isso se percebe quando Engels (1820-1895) escreve sobre os principais pontos de reivindicação do cartismo, ou Carta do Povo, elaborada pela Associação Geral dos Operários de Londres e direcionada especialmente à Câmara Baixa para que ela fosse acessível ao proletariado: (1) sufrágio universal; (2) renovação
36
Engels propunha que a dignidade humana do trabalhador somente pode ser
configurada na medida em que houver uma forte oposição contra as suas condições de vida
em relação à classe burguesa exploradora, a qual possuía total controle do Estado.101
Note que o primeiro período do século XVIII foi marcado por ações de extrema
violência dos trabalhadores em relação à industrialização, entendida esta como expressão da
burguesia, onde houve várias destruições de máquinas e fábricas vieram a baixo na região da
Boêmia em 1844, o que demonstra a ausência de identificação dos direitos humanos e sua
dignidade em relação à classe trabalhadora. Engels também cita leis burguesas que
consolidam a diferença social entre a burguesia e o proletariado, v. g., Reform Bill, mas que,
por outro lado, dava a liberdade de associação aos trabalhadores.102
A medida que houve participação crescente dos trabalhadores na política, como classe
organizada e não somente como um movimento de reação à exploração, pode-se garantir a sua
luta pela cidadania. Ademais, esta representa, para os trabalhadores, o direito à greve, à
sindicalização e a não passar fome.103
Toda essa mobilização dos trabalhadores representou uma reação à ideia da economia
liberal, segundo a qual o problema social seria resolvido quando houvesse um aumento dos
lucros que, por sua vez, beneficiariam cada vez mais um maior número maior de pessoas. Mas
esta lógica não foi expressa em forma de direitos e, assim, seria inevitável o recrudescimento
da reivindicação dos trabalhadores o que, no entender de Hobsbawm, fez com que os Direitos
Humanos fossem não somente formalmente universalizados, mas também materialmente.104
A diferença entre a liberdade formal e material quanto aos direitos humanos e ao
conceito de dignidade foi expressa por Marx em sua obra Sobre a questão judaica105 quando
trata da emancipação cidadã e política dos judeus alemães sem que estes tivessem a
necessidade de renunciar aos preceitos e leis de sua religião ou cultura, ao contrário do
anual do Parlamento; (3) remuneração para os parlamentares para que haja oportunidade de participação em relação àqueles sem recursos; (4) voto secreto para evitar corrupção eleitoral da burguesia; (5) colégio eleitoral igual para representação paritária entre proletariado e burguesia; (6) fim das exigências de propriedades fundiárias (trezentas libras) como condição de elegibilidade. Cf. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. B. A. Schumann (trad.). Edição José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 262. 101 HOBSBAWM. loc. cit. p. 248. 102 Ibid. p. 249. 103 Ibid. p. 428. 104 Ibid. 429 et seq. 105 MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant (trad.). São Paulo: Boitempo, 2010.
37 proposto por Bauer. E mais, há necessidade de questionar também como se deve proceder a
essa emancipação e em nome de quem ou do que deve ser ela procedida, aponta Marx.106
Em outras palavras, universalizar os direitos e emancipar politicamente o judeu, para
Marx, não implica em supressão de cultura ou de religião para que se aceite uma espécie de
denominador comum entre os diferentes que compõem o mesmo Estado.
Assim, emancipação política deve ser entendida como um problema de Estado e não
teológico. Marx cita o exemplo da América onde é considerada a terra da religiosidade, mas
nem por isso se torna um problema para o Estado no processo de emancipação.107
Pela propriedade privada se instalam as relações de produção e trabalho, motivo pelo
qual, as liberdades individuais, mesmo que declaradas universais como direitos no Estado
político, permanecem vinculadas à sociedade burguesa da propriedade e da religião, sendo
estes dois aspectos do individualismo barreiras, segundo Marx, a universalização efetiva dos
direitos humanos e da dignidade.108
Rouanet abranda um pouco a crítica marxista ao dizer que ela não foi direcionada aos
direitos humanos ou à sua declarada universalização, mas ao que o iluminismo fez deles, ou
seja, Marx critica este último pela sua forma de liberdade formal em contraposição à liberdade
material que não ocorreu em verdade até a presente data.109
Deve-se atentar como se procede a justificação do direito à dignidade levando-se em
conta que todos possuem as faculdades de expressá-la por um processo de consciência.
Assim, sendo esse mesmo processo comum em todos os seres, tal qual como reconhecido por
Kant dentro do processo de validação do conhecimento, seria então possível um conceito
universal de dignidade como parte dos direitos humanos.
Esse é o entendimento de Arendt diante de sua experiência, como judia e mulher, com
o nazismo.
Com efeito, Parekh110 nos ensina que em ambas as tradições, tanto ocidentais quanto
não ocidentais, os direitos humanos são justificados, em parte, por causa de seu recurso à
consciência que a pessoa tem de si e não necessariamente pela utilização de retóricas
argumentativas sobre a origem divina desse direito ou argumentos baseados na razão.
106 MARX, Karl, loc. cit. p. 36. 107 Ibid. p. 37 et seq. 108 Ibid. p. 40. 109 ROUANET, loc. cit. p. 205. 110 PAREKH, Serena. Conscience, morality and judgment. In: Philosophy & Social Cristicism. vol. 34. ns. 1-2. p. 177-195. Los Angeles, London, New Delhi e Singapore: 2008. passim. Os textos citados foram traduzidos livremente. Disponível em: http://psc.sagepub.com/content/34/1-2/177.short Acesso em: 09 jul. 2010.
38
Em contraste, prossegue a autora, as justificações contemporâneas dos direitos
humanos visam um objetivo básico ou simplesmente afirmam o pragmatismo importante dos
mesmos direitos como suas justificações. Com efeito, há distintas vantagens e problemas
nesse caminho de arguição e, desta forma, busca-se recurso no pensamento de Arendt sobre
consciência como a habilidade para ser e pensar pelo ser humano autêntico, isto é, sem as
influências das regras totalitárias muito questionadas por Arendt. Ademais, dentro dessa
mesma visão filosófica sobre julgamento político, há a possibilidade de entender como a
consciência pode ser aceita como elemento subjetivo, mas não arbitrário.
Em parte os direitos humanos são justificados por recorrerem à consciência. Contudo,
para Michel Perry os direitos humanos são respeitados porque são considerados sagrados,
utilizando-se, para tanto, de argumentos transcendentais. A crítica a esse ponto de vista seria
bastante óbvia, posto que sendo os direitos humanos universalizados, eles não poderiam estar
fundados no que somente alguns poderiam aderir a ele pelo aspecto sagrado.111
Alan Gewirth, por seu turno, alega que os direitos humanos são respeitados porque nós
somos constrangidos a nos limitar pelos outros seres humanos, ou seja, aplicamos a regra
kantiana da reciprocidade. Contudo, se assim o fizermos, seremos levados a nos aprofundar
cada vez mais em nível existencial e subjetivo numa perspectiva agostiniana. A terceira
resposta seria a reafirmação do pragmatismo dos direitos humanos. São escritores dessa
corrente Richard Rorty, Michael Ignatieff e John Rawls. Contudo, apesar de seu caráter
prático, não responde à questão: por que ser moral?112
O problema que se coloca então é descobrir qual o caminho percorrer para se alcançar
a autenticidade do ser humano consigo mesmo e, a partir dela, a do senso moral necessário
para separar o julgamento subjetivo desejado do arbitrário sem cair necessariamente em
subjetivismos condenados por Kant.
Após um período em que os filósofos dos direitos humanos ficaram longe dos seus
fundamentos subjetivos, a ideia de direitos humanos como consciência retorna como o seu
fundamento dentro da proposta de Arendt, especialmente quando se analisa o comportamento
111 PAREKH, Serena. loc. cit. p. 178. Contudo, Perry ressalta que a moralidade dos direitos humanos possui como parâmetro o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos composto pelos seguintes documentos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (“Universal Declaration of Human Right” - 1948), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (“Internacional Covenant on Civil and Political Rights” – ICCPR - 1966) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“Internacional Covenant on Economic, Social, and Cultural Rights” – ICESCR -1966). Cf. PERRY, Michel J. Human rights as morality, human rights as Law. In: Social Science Research Network. n. 08-45. p. 1-63. University of San Diego Law School (USA): 2008. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1274728 Acesso em: 10 abr. 2011. 112 Id.
39 de alguns personagens na Segunda Grande Guerra Mundial em relação a normatização
positiva totalitária da época.
Em certa medida, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 veio ratificar
esse entendimento de consciência dos direitos humanos. Assim, Parekh expõe que a
consciência, entendida como a capacidade de distinguir o certo do errado, é pressuposto em
nossa teoria moral, política e jurídica. 113
Ela cita os julgamentos do pós-guerra criminal desde Nuremberg até os casos
ocorridos na prisão de Abu Ghraib em que se pode presumir que os soldados sabiam
distinguir o certo do errado.114
Parekh, então, define consciência como sendo uma voz que toda pessoa sã carrega
dentro de si ou se diz o certo do errado, independentemente da lei ou as opiniões das pessoas
em torno dela ou dele.115
Arendt distingue igualmente pensar de conhecer. Pensar para seria usar as
potencialidades do cérebro, ir além do conhecimento, assumir que temos uma inclinação.
Igual distinção é encontrada também em Kant. O problema do pensar, por outro lado, é que
ele não produz certezas científicas como ocorre no conhecimento. Assim, o ato de pensar
deve ser repetido a cada dia. Com efeito, a própria consciência é desvendada e vivenciada no
processo de pensamento, onde o relato para mim mesmo reflete o ato de pensar de forma
consciente.116
O relacionamento entre consciência e moralidade fica evidente quando, ao responder a
pergunta sobre o que fazer para separar o certo do errado, se propõe qual o melhor
procedimento para podermos viver conosco mesmo. Arendt identifica três formas de ser e
estar consigo mesmo: solicitude, isolamento e solidão, da seguinte forma:
Solicitude é o modo de ser consigo mesmo que eu estou em pensamento. Isto é, eu não estou realmente sozinho, mas eu estou em silencioso diálogo comigo mesmo; eu estou dois-em-um. Isolamento é o modo de ser em mim
113 PAREKH, loc. cit. Id. Esta é uma das visões em relação ao conceito do que vem a ser direitos humanos. A professora de Antropologia e Direito da Universidade de Sussex (Reino Unido), Marie-Bénédicte Dembour, elenca, pelo menos, quatro escolas de pensamentos sobre o conceito de direitos humanos: a) referente a “escola natural”, conceituando direitos humanos como norma dada; b) a “escola deliberativa” apresentando os direitos humanos como normas provenientes de acordos sociais; c) a “escola de protesto”, apresentando os direitos humanos como fruto de lutas e, por último, d) a “escola discursiva”, onde os direitos humanos são fruto do diálogo. Cf. DEMBOUR, Marie-Bénédicte. What are human rights? Four schools of thought. In: Human Rights Quarterly. vol. 32. n. 1. pp. 1-20. Baltimore (USA): february, 2010. Tradução livre. Disponível em: http://muse.jhu.edu/journals/hrq/summary/v032/32.1.dembour.html Acesso em: 11 abr. 2011. 114 Id. 115 Ibid. p. 183. 116 Ibid. p. 184.
40
mesmo quando eu estou nem comigo mesmo ou em companhia de outros, mas conectado com o mundo. Isto é a condição do trabalho, a forma como uma pessoa está, quando ele ou ela estão concentrados em uma tarefa, como uma construção de uma casa ou lendo um livro. Neste caso, outras pessoas e até mesmo o seu pensamento são uma desconcentração para você.117
Ambos os modelos podem ser contrastados com o que Arendt chama de solidão, como
uma das mais desesperadas experiências do homem. Na solidão profunda a pessoa não está
nem consigo mesma e nem absorvida pelo mundo, mas está radicalmente sozinha,
dolorosamente sozinha a pessoa está. A única saída para escapar dessa solidão é restabelecer
uma íntima relação consigo mesmo através do pensamento.118
Assim, se é correto que o ser humano é um ser pensante e preso nas suas recordações,
então o mesmo pensamento deve colocar limites para essa mesma forma de agir. E mais,
esses limites não podem vir de fatores externos ao pensamento, mas dele próprio, como
dissemos desde Sócrates.
Arendt admite que não há regras universais sobre esse pensamento consigo mesmo,
mas o mal extremo como o holocausto ou o julgamento do nazista Ich Bin Adolf Eichmann
podem servir de exemplo do que evitar o que seria isso.119
A mesma autora explica que nesse período em que as pessoas aprovaram a ditadura,
elas deixaram regras gerais e categorias externas tomarem conta delas como se fossem as suas
próprias experiências, ou seja, houve uma aceitação sem as categorias internas do juízo onde a
consciência é fruto do pensamento reflexivo no modelo proposto dois-em-um.120
O julgamento subjetivo não é arbitrário, alega Arendt e, para tanto, lembra ela a obra
de Kant chamada Crítica da faculdade do juízo para explicar qual a conexão entre o
pensamento subjetivo e a consciência como juízo das concepções ligadas ao conceito de belo
e feio a partir da impressão ou repulsa, respectivamente, que essas imagens causam em nossa
mente, as quais são percepções, ou apreensões, desinteressadas, onde pode não ser
objetivamente válidos como deseja o direito positivo, mas são universalizados
subjetivamente.
Ademais, não são julgados os objetos em si, mas sim nossa representação dele. O
julgamento estético está baseado em senso comum reflexivo e, sobre isso, Kant diz que seria
117 PAREKH loc. cit. p. 185. 118 Id. 119 O nazista Ich Bin Adolf Eichmann foi preso em 11.05.1960, subúrbio de Buenos Aires/ Argentina, sendo julgado em Israel e condenado à morte, cuja execução deu-se em 31 de maio de 1962. Cf. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. José Rubens Siqueira (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 270 et seq. 120 PAREKH, op. cit. p. 187.
41 uma comparação nossa com o que os outros julgam com as limitações próprias das nossas
abstrações.
Arendt adota essa postura kantiana em relação ao julgamento político ao dizer que
somos capazes de julgar especialmente quando os conceitos estão disponíveis pelos
momentos de crise a que estão vinculados os direitos humanos, ou seja, quando há realmente
necessidade de fazer esse julgamento. Essas decisões não são arbitrárias, portanto, e negar a
sua necessidade beira ao infantilismo alienado.
A mentalidade alargada desse julgamento pelo senso estético é comum ao sensus
communis.121
Portanto, o alargamento em Arendt procede do ponto de que [...] o juízo, então, não
depende apenas das minhas próprias experiências e percepções, mas do jeito que eu sou
capaz de imaginar as coisas do ponto de vista dos outros.122
Seria uma representação coletiva dentro de mim, onde penso como todos fariam, mas
com a diferença que, por partir de mim, não está sujeito aos padrões impostos e às leis criadas
por regimes ditatoriais. São vários pontos de vista dentro de mim a construir o juízo de valor
consciente pela visão alargada do senso comum.
Esse processo empregado de alargamento de mentalidade para chegar ao julgamento
intersubjetivamente válido é a razão porque a consciência faz julgamentos não arbitrários mas
subjetivos. O que eu quero para mim ou o que eu posso fazer com a minha vida é determinado
em parte pelo que me vejo em outras pessoas. Por exemplo, quando olho várias pessoas
passando fome na rua e consigo me colocar na situação delas, eu faço o julgamento uno de ser
injusta a situação de miséria e fome tanto para mim quanto para elas.
O kantiano Hans Jonas, em sua obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma
ética para a civilização tecnológica123 possui uma leitura interessante de alargamento do
conceito de dignidade especialmente em relação às futuras gerações.
Nessa obra o autor critica o modelo tradicional de ética, porque fundado dentro dos
limites de responsabilidade somente em relação ao ser humano e, em resposta, busca integrar
os seres extra-humanas.124 Jonas reformula a máxima kantiana para abranger também as
futuras gerações, ou seja, agir de forma a preservar a vida na terra no presente e no futuro e
tudo o que estiver em função dela.
121 PAREKH, loc. cit. p. 188. 122 Ibid. p. 188 et seq. 123 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. (trad.). Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. Passim. 124 Ibid. p. 18.
42
Em outras palavras, age de forma a não acabar com tudo ou, ainda, não coloque em
perigo a humanidade, não destrua a possibilidade de vida, etc. Em suma, seria um
alargamento do conceito kantiano de ética antropocêntrica para que homem seja não somente
um fim em si mesmo, mas possa assimilar esse mesmo compromisso em relação ao seu
entorno e com as futuras gerações, sendo estas muito caras para o citado filósofo que lutou e
sofreu os devaneios da segunda guerra mundial.
Com efeito, dentro da responsabilidade do agir humano e visando a construção
racional dessa ética, Jonas critica a postura moderna da tecnologia que define ou delimita a
ciência como um banco de dados sem qualquer vinculação ética, sem nenhum compromisso
com valores de responsabilidade de suas consequências com as gerações futuras. Isso tornou o
cientista uma máquina de descobertas e um sonhador inconsequente com as gerações futuras.
Jonas parte de proposições para conhecer o sombrio devir, ou seja, o que nos espera a
partir da vivência de hoje, assumindo assim o que denominou a heurística do medo. Para
tanto, a ética deve abandonar o seu modelo clássico de utopia e mesmo a tendência que
sempre teve de concentrar-se na qualidade moral do ato momentâneo em si ao invés de
desvendar as consequências tardias no destino ignoto.125
Para que pudesse permanecer somente no presente sem se preocupar com as
consequências de seus atos, a tecnologia criou o que ele denomina de
utopismo implícito,126 que se antes era ligado somente ao imaginário das mitologias, hoje faz
com que o homem acredite que sempre a tecnologia irá resolver todos os seus problemas,
tornando o futuro não somente incerto pela escala crescente de uso dos bens disponíveis mas
também pela racionalidade infinita que isso gera do idealismo humano.
Jonas prossegue explicando que a ética cuida dos aspectos do agir humano em seus
três pontos fundamentais: (1) a natureza humana e a natureza das coisas definem a condição
humana; (2) com base na delimitação pela condição humana, pode-se fixar o que é bom para o
homem; (3) o alcance da ação humana é definida de forma vigorosa pela racionalidade do
homem.127
Contudo, hoje em dia se perderam esses conceitos dentro da ética moderna. Isso
porque se o agir humano foi cada vez mais se adequando à técnica moderna. O próprio
conceito de ética tornou-se uma categoria sem parâmetros seguros sobre o que o homem pode
125 JONAS, Hans. loc. cit. p. 22. 126 Id. 127 Ibid. p. 29.
43 ou não fazer, visto que, a própria razão humana vive em processo de aperfeiçoamento
ilimitado da técnica.128
Desta forma, cria-se um impasse: a ciência não teria limites e a ética, por seu turno,
que estaria vinculada à ciência para organizá-la, compromete-se fortemente em encontrar os
seus contornos.
Sobre esse ponto Jonas cita o discurso de Sófocles que louva os feitos humanos que,
por sua ação, domina a natureza e a ela tudo pode, sendo que cumprindo os preceitos das leis
da terra, i. é, as leis da relação de causalidade, e da justiça divina terá a recompensa em sua
cidade e, por outro lado, em sendo mal por descumprir uma dessas leis, terá o desterro como
pena. Trata-se, portanto, do canto coral da Antígona, o qual é considerado um dos primeiros a
relatar o sentido arquétipo sobre o poder e o fazer, uma nota tecnológica dos instrumentos
usados para a dominação da natureza.129
Outro ponto interessante relatado nessa passagem de Sófocles, citado por Jonas, é a
crença que a natureza possuía uma espécie de força geradora ilimitada, o que levava a
conclusão que a humanidade, por mais que quisesse, não conseguiria alterar o seu curso ou,
em outras palavras, a natureza seria inesgotável pela sua enorme capacidade de auto-
regeneração.
Merece nota a análise de Jonas quando expõe que toda a construção racional do
homem deu-se somente dentro da cidade e esta se fez ilimitada pela razão instável. Fora da
cidade, na natureza, acreditava-se que havia uma lógica própria, uma relação de causalidade
direta, um mistério que a regia divinamente onde o homem não teria poderes para alterar. À
natureza, por ter suas próprias leis, deveria aplicar somente a inteligência e a inventividade de
dominação humanas, não era necessária a ética, que era própria das cidades como produto da
técnica para organizá-la. Na cidade, portanto, a inteligência deve casar-se com a moralidade,
pois essa é a alma de sua existência.130
Dessa separação entre a natureza inesgotável, como produto fora da cidade e a ética
humana pode-se chegar às principais características da ética no presente, ou seja, que a sua
manipulação se dá por necessidade humana, sempre voltada para o presente e não em respeito
a pretensos direitos que a natureza possui, visto que não precisamos dela para entender o
pensamento humano.131
128 LUCHT, Marc. loc. cit. p. 128. 129 JONAS, loc. cit. p. 31. 130 Ibid. p. 34. 131 Ibid. p. 35.
44
Ressalte-se que a ética não estando vinculada à natureza, mas somente à razão
humana, aquela possui a sua existência separada desta última. Kant pregava que a liberdade
gerava a responsabilidade. Jonas avança e não aceita esse preceito porque parte do
pressuposto que dentro da heurística do medo deve-se evitar os grandes males que coloquem
em risco a sociedade, portanto, havendo necessidade, pode-se contrariar interesses coletivos
para se evitar tragédias de extinção em massa.
Jonas é um típico neokantiano, ou seja, possui o seu eixo no antropocentrismo com
perspectivas alargadas para abranger o seu entorno, criticar a sociedade moderna e,
igualmente, fazer a opção pelo interesse coletivo. Assim, segundo ele, agir ético individual é
totalmente diferente do coletivo.
Neste último a humanidade descobre que a natureza é vulnerável e foi com esse
desvelar que surgiu o conceito da ciência do meio ambiente com as suas leis próprias, mas
que poderiam sofrer péssimas interferências humanas, especialmente após a primeira era da
revolução industrial e as duas grandes guerras subsequentes.
Contudo, há dois fatores importantes: mesmo sabendo que a condição humana na terra
depende da preservação da natureza, essa perspectiva se mostra antropocêntrica. Segundo, as
ações humanas em relação a natureza são cumulativas, ou seja, mesmo que se perdoe o erro
do desastre ambiental pelo homem a ele se somarão outros novos sem que haja possibilidade
de recomeço do zero, fazendo com que a cumulação coloque em risco o próprio devir da
vontade como ato singular.
Assim, para os novos tipos de agir humano, há também necessidade de novos padrões
éticos que possam atuar com previsão e responsabilidade compatíveis para integrar o domínio
do próprio homem, afinal, tudo o que ele transforma acaba por ser gerido ou identificado com
a sua própria condição humana132.
A responsabilidade com o homem deve levar ao questionamento ético de [...] antes de
se perguntar sobre que poderes representariam ou influenciariam o futuro, devemos nos
perguntar sobre qual perspectiva ou qual conhecimento valorativo deve representar o futuro
no presente.133
Com essa perspectiva é que devemos perguntar qual seria o significado dessa dinâmica
utópica dentro do processo valorativo da responsabilidade. Vivemos dias em que o próprio
senso comum se tornou unido ao tecnológico diante da popularização dos seus meios de
produção.
132 JONAS, loc. cit. p. 58. 133 Ibid. p. 64.
45
Portanto, a utopia se tornou não um projeto poético em que pode ser cantado como
fizeram os gregos, conforme visto acima. Ela se tornou a possibilidade de um sombrio futuro
e, diante do excesso de conhecimento tecnológico que a envolve, devemos ter humildade em
reconhecer as suas múltiplas possibilidades de análise e somente assim assimilar os seus
desígnios.
O mesmo movimento do saber tecnológico que fez com que pudéssemos descobrir as
forças existentes pelas ciências naturais, destruiu a possibilidade de se fazer um sistema de
normas que pudessem não somente controlar esse uso da força, mas também torná-lo com
justificação responsável para o ser.
A razão substituiu o medo que, por sua vez, substituiu a virtude e a sabedoria e é por
ele que construímos os modernos sistemas de proteção contra a nossa própria tecnologia,
posto que trata-se de saber se, sem restabelecer a categoria do sagrado, destruída de cabo a
rabo pelo Aufklãrung (iluminismo) científico, é possível ter uma ética que possa controlar os
poderes extremos que hoje possuímos e que nos vemos obrigados a seguir conquistando e
exercendo.134
A partir desse ponto, Jonas apresenta quais seriam as feições para a construção de uma
ética do medo, sempre voltada para a apresentação coletiva e, para tanto, aplicação da
filosofia política, ou seja, a justiça do Estado. Assim, o universalismo do potencial
apocalíptico dos grandes males leva a um prognóstico coletivo que, necessariamente, exige
um agir responsável para se evitar o aniquilamento da humanidade.
Os preceitos de Jonas que justificam o elemento do agir dentro da ética são: (1) a
observância da coletividade dentro da ética, posto que é por ela que existe a regra da
responsabilidade de forma coercitiva em relação à filosofia política, isto é, a aplicação da
justiça; (2) a humanidade não tem direito ao suicídio135; (3) os grandes riscos tecnológicos
mostram a soberba e o excesso de condições, ou confortos, dados à existência humana,
portanto, não devem ser levados em conta para a preservação da humanidade; (4) a existência
humana deve ficar a salvo de experiências que a coloquem em risco ou em estado de
vulnerabilidade.136
Jonas busca integrar elementos extra-humanos à ética tradicional kantiana embora não
consiga sair do modelo antropocêntrico do homem como fim em si mesmo.
134 JONAS, loc. cit. p. 65. 135 Ibid. p. 85. 136 Ibid. p. 83-88.
46
A consciência, dentro do sistema dois-em-um, é fundamental na experiência de
pensamento e forma de julgar. Ademais, ela possui uma base subjetiva dos direitos humanos,
mas nem por isso possui total liberdade de julgamento e muito menos pode-se considerá-la
como arbitrária.137
Hunt arremata dizendo que o conflito entre o universalismo dos direitos humanos e a
permanente prática de exploração de minorias, como em relação as mulheres, questionavam
qual o sentido próprio desses direitos defendidos.138
Com efeito, a dignidade do trabalhador necessariamente vincula-se ao conceito de luta
por seus direitos sociais e, para se chegar a esse ponto, somente por um despertar de
consciência dois-em-um o sujeito consegue se ver como digno a ter direitos.
Mas seria possível conciliar a ideia de consciência de Arendt com as análises sociais
de Marx?
Wagner139 enfrenta esse desafio e apresenta as particularidades desses dois
pensadores, especialmente porque Marx analisa a sociedade capitalista e Arendt a polis pré-
filosófica como espaço político de desenvolvimento da vita activa.140 Assim, uma das
principais críticas de Arendt a Marx é questionar o resultado da revolução proposta por ele ao
correr-se o risco de retorno à comunidade pré-política ou mesmo ao projeto totalitário como
resultado141.
Ademais, prossegue Arendt, Marx não separou as várias ações vinculadas à tradição,
desde a polis, levando o trabalho a ser considerado como momento único de produção e não a
distinção seguida por ela entre labor e trabalho, ou seja, respectivamente, o que se consome
para sobreviver (fator vida) e o que se produz como objeto de inter relações sociais (fator
mundanidade).142
Sócrates vivia dentro da polis. Quando foi condenado a morte porque não conseguiu
convencer os juízes de sua inocência, fez acreditar na falha de seu método dialético, motivo
pelo qual, provocou o afastamento dos filósofos da política e, em verdade, separou o
pensamento da ação. Platão, com o mito da caverna, fica impressionado com o fim de
137 Cf. ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Cesar Augusto R. de Almeida, Antônio Abranches e Helena Franco Martins (trad.). Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2008. p. 202-216. 138 HUNT, Lynn. loc.cit. 139 WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx. O mundo do trabalho. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. 140 Sobre vita activa (labor, trabalho e ação) V. ARENDT, H. A condição humana. Roberto Raposo (trad.). Posfácio de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1993. Capítulo I. 141 WAGNER, op. cit. p. 30. 142 O comunismo sempre teve grandes dificuldades em lidar com os dissidentes do seu projeto totalitário. Cf. CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier; PISIER-KOUCHNER, Évelyne. História das ideias políticas. Carlos Nelson Coutinho (trad.). 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 234.
47 Sócrates e leva à polis uma filosofia de ideias absolutas, sem dialética, como luz para guiar as
pessoas. A partir de então, dentro dessa tradição, a política passou a ser guiada por ideias
filosóficas, para compreensão dos relacionamentos humanos.143
Contudo, isso rompeu-se com a Idade Moderna, i. é, chega ao fim a separação entre
vita activa e vita contemplativa, onde pensamento e ação, nessa ordem, não representavam
nada mais que a mesma expressão da realidade vista por Marx, o qual não aceitou essa
separação proposta por Hegel e a inverteu, alegando a primazia da ação em relação ao
pensamento.144
A separação entre labor (vida) e trabalho (mundanidade) em Arendt é importante
porque ela consegue configurar o caráter utilitarista e de violência em relação ao mundo do
trabalho, onde o homo faber constrói o seu referencial tornando a natureza como realidade
objetiva, com planejamento, finalidade e esgotamento/destruição dos seus recursos e do
próprio homem, inclusive.
Como proposto pela vita activa, o homem não nasceu para o trabalho, este é o lado
violento de sua existência e composição de sua dignidade pela face utilitarista, pelo lado
mensurável de construção do mundo, do espaço e do tempo.
O homem, a sua condição humana, é muito mais que isso. Ela decorre da pluralidade
de relações intersubjetivas e de consciência das regras morais dentro do sistema dois-em-um
de Arendt.
Com efeito, se pelo lado marxista a dignidade humana promoverá o proletariado como
o arauto do fim da história e da realização do regime totalitário ideal145, pelo lado arendtiano é
preciso decompor esse discurso, retomar a tradição e separar o animal laborans (necessidades
biológicas) do homo faber (transformação objetiva da natureza, violência) em relação à vita
activa, preservando a consciência do existente na comunidade política onde o homem deve
ser visto como um complexo de pensamento e ação.
143 WAGNER, loc. cit. p. 34 et seq. 144 Ibid. p. 38. 145 CHÂTELET; DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER, loc. cit. p. 86.
48 1.3 A DIGNIDADE HUMANA E O HOMO SACER
Dando seguimento a essa pesquisa arendtiana, Agamben apresenta o conceito de homo
sacer146 como o protagonista da vida nua, esta no sentido de matável147, essencial para a
política moderna, ou biopolítica.148
Em tradução livre, homo sacer significa “homem sagrado”.
O termo representa uma figura arcaica romana que era empregada aos condenados por
algum delito, mas como também eram oferecidos em sacrifício aos deuses ínferos, eram
considerados sagrados. Inobstante, a morte deles não representava qualquer ilícito aos autores.
Essa contradição, ou seja, proibição de violar qualquer coisa sacra, mas permitida a
execução do homo sacer, representou o que Agamben chama de teoria da ambivalência do
sagrado, posto que a sua representação era interpretada ora como tabu, ora como sacro, sem
que se definisse necessariamente qual lado se tratava.149
Assim, a doutrina da ambiguidade do sagrado entrou no racionalismo moderno quando
propõe o homo sacer, ou seja, todo ser humano vivo, como um ser pertencente a Deus, ao
divino, com insacrificabilidade e, ao mesmo tempo, integrante da sua comunidade como vida
matável.
Essa contradição foi traduzida para a lei, na medida em que ela se aplica nas
regulamentações sociais sem que faça parte delas e sem se sujeitar a elas, especialmente
diante do poder soberano, como acentua Agamben.
O mesmo autor ressalta os valores epistemológicos implementados pela filosofia
moral de Kant ao dizer sobre a “vigência sem significado” da lei como projeto racionalista da
modernidade:
[...] é em Kant que a forma pura da lei como “vigência sem significado” aparece pela primeira vez na modernidade. Aquilo que na Crítica da razão prática ele chama de “simples forma da lei” [...] é, de fato, uma lei reduzida ao ponto zero de seu significado e que, todavia, vigora como tal.150
146 AGAMBEN, loc. cit. Passim. 147 Ibid. p. 16. 148 Termo de Michel Foucault que representa a preocupação do Estado Moderno com a vida natural na medida em que esta categoria passa a constar [...] nos cálculos do poder estatal [...] e o consequente aumento vertiginoso da importância da vida biológica e da saúde da nação como problema do poder soberano [...]. Ibid. p. 10 e 11. 149 Ibid. p. 74-88. 150 Ibid. p. 57.
49
Em seguida, sobre o mesmo ponto, arremata:
O limite, e ao mesmo tempo a riqueza da ética kantiana, está justamente em ter deixado vigorar como princípio vazio a forma da lei. A esta vigência sem significado na esfera da ética, corresponde, na do conhecimento, o objeto transcendental. O objeto transcendental não é, de fato, um objeto real, mas uma “pura ideia da relação” [...], que exprime apenas o ser em relação do pensamento com um pensado absolutamente indeterminado.151
A vida, a saúde e a dignidade, objetos de tutela da lei e representantes de seu
significado, devido ao esvaziamento de conteúdo desta mesma, pautam-se somente pelo
respeito como acepção de suas substâncias [...] dado que a lei, em relação ao elemento
formal do livre-arbítrio, é a única coisa que resta, uma vez que eliminou a matéria do livre-
arbítrio.152
A substância da proteção jurídica, pelo projeto racionalista moderno, foi trocado pela
horizontalidade da lei que necessariamente não pode se apegar a nenhum aspecto subjetivo do
homem, ou de sua consciência e, assim, a dignidade deste passa a ser mensurável somente
quanto à utilidade a que se estabelece dentro do sistema de produção de forma a integrá-lo ao
exército de corpos a serviço do capital.
Interessante notar também que Agamben propõe que a biopolítica, ou seja, a
preocupação, ou obsessão, do Estado em medir e controlar a vida do homo sacer, quer seja
visto ele como elemento sacro ou tabu daquele, torna-se uma característica marcante nos
regimes totalitários:
Esta neutralização das diferenças politicamente relevantes e a deriva de sua decisão se desenvolveram a partir da emancipação do terceiro estado, da formação da democracia burguesa e da sua transformação industrial de massa, até o ponto decisivo em que ora se convertem no seu oposto: em uma total politização (totale Politisierung) de tudo, mesmo dos âmbitos vitais aparentemente neutros. Assim, teve início na Rússia marxista um estado do trabalho que é mais intensivamente estatal do que jamais tenha ocorrido nos estados dos soberanos absolutos; na Itália fascista um estado corporativo que regula normativamente, além do trabalho nacional, até mesmo o Dopolavoro e toda a vida espiritual; e na Alemanha nacional-socialista um
151 AGAMBEN, loc. cit. Id. 152 Ibid. p. 58. O homem não consegue penetrar na lei, mas esta foi destinada somente para ele, para resguardar a sua vida, a qual, agora, desarraigada (Simone Weil), apresenta-se vazia e sem sentido. Por isso Agamben cita o conto “Diante da Lei” de Franz Kafka, que trata do mesmo tema. Cf. KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas. Modesto Carone (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 27-29.
50
estado integralmente organizado, que politiza através das leis raciais inclusive a vida que tinha sido até então privada.153
A despeito desse fenômeno, mesmo antes com a Revolução Francesa, a declaração dos
direitos do homem e do cidadão, em 1789, inaugurou o conceito de biopolítica do Estado
moderno, posto que fez alargar o conceito de corpus e transformou o antigo conceito de
Estado-nação, das soberanias nacionais, onde o homem passa de servo do Estado para titular
de direitos e, para tanto, basta nascer, ou seja, ser portador de vida natural. O homem, com a
sua vida nua e sacra, mas matável, é o fundamento da soberania moderna. A vida fundamenta
a soberania .
Agamben conclui:
Não é possível compreender o desenvolvimento e a vocação “nacional” e biopolítica do Estado moderno nos séculos XIX e XX, se esquecemos que em seu fundamento não está o homem como sujeito político livre e consciente, mas, antes de tudo, a sua vida nua, o simples nascimento que, na passagem do súdito ao cidadão, é investido como tal pelo princípio de soberania.154
O autor prossegue explicando que essa relação entre “nascimento-nação” foi quebrado
após a Primeira Guerra Mundial com o grande fluxo de refugiados que precisavam de “novas
cidadanias”, muitas vezes em países antes inimigos. Os nazistas, julgados em Nuremberg,
com o fim da Segunda Guerra-Mundial, foram desnacionalizados para poderem ser
submetidos à jurisdição do Tribunal.
Assim, a cidadania passou a ser não somente um fato natural relacionado ao antigo ius
sanguinis e o ius soli dos romanos e assimilados pelos alemães como “solo e sangue”, mas
também um atributo onde o seu titular deve ser merecedor dela, competindo, portanto, não
somente direitos mas também obrigações a todos.
Contudo, esse limite entre o poder soberano do Estado e os direitos humanos
universalizados ainda não foi solucionado, posto que o humanitário (direitos do homem)
acabou por estar separado do político (direitos do cidadão), ou seja, ser homem, com os seus
direitos inalienáveis e imprescritíveis, não toca o poder soberano do Estado estrangeiro de
forma a obrigá-lo a fornecer condições de sobrevivência em suas terras, haja vista a crise
153 LÖWITH, K. Der okkasionelle Dezisionismus Von C. Schmitt. In: AGAMBEN, Giorgio. loc.cit. p. 118. 154 AGAMBEN, loc. cit. p. 125.
51 internacional gerada pelos diversos movimentos migratórios de refugiados de guerra e, agora,
do clima.155
Em outras palavras, a manutenção ou eliminação da vida nua, ou vida sacra, do homo
sacer não é alcançado pelos diversos tratados e declarações de direitos humanos, mas trata-se
de uma decisão eminentemente política, levada a termo em diversos exemplos históricos,
especialmente com os programas da eutanásia, de saúde e eugenética do partido nacional-
socialista.156
Conforme vimos, as críticas endereçadas ao modelo kantiano de moral delineado na
obra Fundamentação da metafísica dos costumes relacionam-se mais aos desastres filosóficos
da era pós-moderna em permitir atos atrozes contra a humanidade (Marx e Engels) e
explorações deliberadas entre os povos (Flores).
Contudo, quase todos possuem um lugar comum: para se promover a dignidade
humana deve-se resguardar os direitos sociais básicos da pessoa e, assim, promover o homem
como um fim em si mesmo para esta geração e para a futura.
A cidadania, dentro do conceito de direito a ter direito157, é construída paulatinamente
juntamente com os direitos humanos de primeira (liberdade individual), segunda (igualdade
política) e terceira (fraternidade – direitos sociais) gerações, ou dimensões posto que eles se
sobrepõem continuamente.
À medida em que o conceito de universalização desses mesmos migra para dentro das
constituições, eles são nomeados como direitos fundamentais e não apenas direitos humanos.
Contudo, a motivação central do constitucionalismo dos direitos sempre foi controlar o
poder do governante, quer nos embates dos aristocratas contra o rei João Sem Terra no século
XIII com a Carta Magna quer, séculos depois, com muito mais violência, entre o terceiro
estado158 e a monarquia, na Revolução Francesa com a Assembleia Constituinte, a qual
tornou-se inevitável pela expansão das ideias iluministas.159
Os direitos sociais não faziam parte do projeto iluminista pela simples razão de ambos
os lados da disputa serem fartamente supridos por eles, i. é, tanto os burgueses quanto os
155 AGAMBEN, loc. cit. p. 129. 156 Ibid. p. 136. A vida nua possui um valor estimável para a biopolítica, unindo a biologia com a economia, v. g., Zahn diz em 1.061 bilhões de marcos a “riqueza vivente” dos alemães em 1942. O médico seria, portanto, o economista do valor humano. Cf. Ibid. p. 141. 157 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados, 1997. p. 58. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a05.pdf Acesso em: 02 ago. 2010. 158 Composta pela sociedade menos o clero e a aristocracia, ou seja, especialmente a burguesia. Cf. SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?). 4 ed. Organização e introdução Aurélio Wander Bastos. Norma Azevedo (trad.). Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p. 13 et seq. 159 LEFEBVRE, Georges. A revolução francesa. Ely Bloem de Melo Pati (trad.). 2 ed. São Paulo: IBRASA, 1989. p. 177 et seq.
52 aristocratas nunca trabalharam manualmente e nunca passaram fome ao ponto de motivar uma
revolução social.
Com efeito, no Estado Liberal revolucionário, havia o mote iluminista da razão
universal (Kant)160 em defender o homem das arbitrariedades do próprio Estado para
oportunizar o crescimento do terceiro estado. Assim, o incipiente conceito de direitos
humanos de primeira geração penetra no discurso liberal de liberdade individual sem qualquer
projeto afirmativo de uso dos progressos científicos em favor dos pobres, ou seja, da classe
dos trabalhadores pré-industriais, posto que vendia-se o discurso que o mercado teria a função
auto regulatória nesse sentido.
A própria burguesia, na Revolução Francesa, concordava com a aristocracia nesse
ponto: consideravam o proletariado como destinados ao trabalho manual e reduzidos, por
este fato, a um nível inferior de civilização161, o que explica, portanto, os direitos políticos
terem sido conquistados somente mais tarde.
Os movimentos operários, como o cartismo, deram início a uma mudança significativa
de participação dos trabalhadores no poder (direitos políticos), o que resultou na
constitucionalização dos direitos sociais mais tarde.
Portanto, a base do Estado Social, como terceira geração de direitos, é a democracia,
cuja raiz podemos encontrar no pensamento de contrato social em Rousseau (1712-1778) e
nos que lhe deram sequência, inclusive Rawls.
Rousseau sistematizou um modelo de sociedade não mais pautado em classes que
dominam, mas sim no consentimento racional dos indivíduos, ou seja, dos cidadãos. A sua
proposta é a democracia como ação política, nas palavras de Bonavides162, similar ao modelo
dos gregos e dentro do pensamento de Arendt quando expõe esta última sobre a política
(polis) como o espaço da existência humana, da vita activa, em última análise.
Bonavides define o Estado Social com a interdependência das teorias contratualistas
sobre a democracia e a marxista do capital. Assim, seguindo essa ordem, parte-se do
consentimento existente no contrato social para se elaborar o que ele chama de socialismo
moderado163 e, ao final, com elementos kantianos sobre a boa vontade, arremata sobre a
importância da democracia no Estado Social: democracia é conciliação de classes, acordo de
160 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editora, 1998. p. 23. 161 LEFEBVRE, loc. cit. p. 63. 162 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 5 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 162. 163 Ibid. p. 171.
53 energias humanas, quando a sua colaboração mútua se faz livre, e por isso mesmo
entretecida de entusiasmo e boa vontade.164
Percebe-se, assim, que no lugar da violência marxista como elemento de concretização
dos trabalhadores na estrutura de poder do Estado, Bonavides propõe o consentimento, desde
que haja, logicamente, assegurado o princípio basilar de toda a sua ideia que é a participação
popular, ou seja, a democracia participativa.
Como visto, havia uma hierarquia entre os direitos civis (primeira geração) e os de
segunda (políticos), posto que o direito ao voto era exercido somente por algumas pessoas que
tinham status ou propriedades. Somente com a revolução industrial, no final do século XIX,
criando uma grande massa consumidora de assalariados e, via de consequência, com o
movimento operário, é que os direitos políticos começaram a se universalizar, conforme visto
por Engels.
Depois dessa fase, início do século XX, o Estado foi obrigado a constitucionalizar os
direitos sociais, surgindo assim o Welfare States.
A revolução Russa em 1917, a Constituição mexicana do mesmo ano, especialmente o
art. 123 sobre o trabalho, e a Constituição social-democrata da República de Weimar em 1919
são exemplos clássicos de inserção dos direitos sociais como direitos fundamentais nesse
modelo de Estado, onde o cidadão passa a ser um credor daquele.165
Mas Weimar não foi forte o bastante para impedir a ascensão de Hitler ao poder pelo
partido nazista e, desta forma, a Segunda-Guerra mundial envergonhou não somente a sua
República Alemã como também ao mundo.
Após, como uma resposta de reconstrução, surgiu o Estado Democrático de Direito
através da Lei Fundamental de Bonn em 1949 na Alemanha dominada pelos vencedores da
Segunda-Guerra. Assim, ela visa corrigir as desigualdades, primeiro na direção leste/oeste
durante a guerra fria e, tão logo houve a queda do muro de Berlim, no sentido norte/sul entre
os países ricos (industrializados) e pobres (subdesenvolvidos).166
Com efeito, cidadania seria a união dos três núcleos de direitos, ou seja, os individuais
que, expressando a liberdade, formulam os direitos políticos dentro da democracia (igualdade)
e, assim, concretizam os direitos sociais (fraternidade).
164 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. loc.cit. p. 170. 165 Cf. GUERRA, Sidney. Cidadania e democracia no Brasil: projetos a serem alcançados. Revista de Direito da Unigranrio. p. 4. Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr Acesso em: 06 ago. 2010. Há várias outras classificações trazidas especialmente por Bonavides, Alexandre de Moraes, Canotilho e outros. Sobre a deste último, falaremos mais adiante. 166 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. loc. cit. p. 517 et seq.
54
Por outro lado, o processo de industrialização do mundo moderno, dentro desse
modelo de Estado democrático e social onde a soberania pauta-se no povo, causou uma
divisão entre os vários tipos de “povo”: ou seja, aquele que é assimilado pelo sistema de
acumulação de riqueza e que usufrui dele e, em lado oposto, aquele que não participa de suas
realizações e projetos, que normalmente classificamos como “excluídos”.
Agamben esclarece:
Nesta perspectiva, o nosso tempo nada mais é que a tentativa – implacável e metódica – de preencher a fissura que divide o povo, eliminando radicalmente o povo dos excluídos. Esta tentativa mancomuna, segundo modalidades e horizontes diversos, direita e esquerda, países capitalistas e países socialistas, unidos no projeto – em última análise vão, mas que se realizou parcialmente em todos os países industrializados – de produzir um provo uno e indiviso. A obsessão do desenvolvimento é tão eficaz, em nosso tempo, porque coincide com o projeto biopolítico de produzir um povo sem fratura.167
E conclui:
[...] o projeto democrático-capitalista de eliminar as classes pobres, hoje em dia, através de desenvolvimento, não somente reproduz em seu próprio interior o povo dos excluídos, mas transforma em vida nua todas as populações do Terceiro Mundo. Somente uma política que saberá fazer as contas com a cisão biopolítica fundamental do Ocidente poderá de frear esta oscilação e pôr fim à guerra civil que divide os povos e as cidades da terra.168
Assim, o projeto racionalista kantiano de demolição do conhecimento de sua época,
especialmente em relação à metafísica, para a construção de um agir ético universal e, ao
mesmo tempo, declarar o homem como fim em si mesmo, como imperativo categórico de seu
conceito de dignidade humana, não soube lidar com as sequelas da biopolítica dos países
autoritários com os seus campos de extermínio, ou dos democráticos, quando estes
pretenderam uniformizar todo o povo como massa de consumidores.
E mais, o mote kantiano de universalizar as ações por critérios unicamente racionais,
ou seja, o conhecimento a priori, esvaziou os seus próprios conceitos, a exemplo de boa
vontade sem restrições, legando ao direito positivo ocidental uma vigência sem significado,
conforme criticou Agamben. 167 AGAMBEN, loc. cit. p. 174. 168 Ibid. p. 175.
55
O conceito de dignidade humana que trate o ser trabalhador dentro somente dos
limites humanistas das declarações universais sem estabelecer um projeto político concreto
dessa dignidade (Hobsbawm), alimenta não somente o vazio da lei que tutela esse mesmo
trabalhador como torna-o uma peça estrutural da máquina de produção, reproduzindo novos
modelos de Estados biopolíticos com uma visão restrita sobre o direito à saúde, como
veremos.
56
CAPÍTULO 2 DA SAÚDE E DO DIREITO AMBIENTAL
A saúde, em sua definição básica, constitui-se como um estado de necessidade vital
em relação ao projeto ético de proteger a vida, mas elevado a um plano biopolítico, compõe-
se como ação do Estado em controlá-la. Inobstante, há uma ação básica em [...] não matar
membros da mesma espécie169, em última análise.
Mas qual a importância de sua regulamentação dentro da relação homem e meio
ambiente, qual a sua extensão e em que medida o direito pode intervir nessa simbiose?170
Estas são questões imbricadas que, para o Meio Ambiente do Trabalho, podem ser
restritas ao bem estar do homem que exerce o seu ofício, embora o seu campo de aplicação
não pode ser resumido nele em si, mas alçado em sua relação com o outro e, por esta, em suas
necessidades criadas com o meio material em que vive e se projeta como identidade.
Dentro dessa mesma perspectiva podemos determinar o que vem a ser necessidade
vital para que possamos compor os elementos necessários ao conceito de saúde e, por
derivação, de meio ambiente.
Por outro lado, devemos nos ater que o padrão de racionalidade imposto à
hermenêutica jurídica desloca o argumento de simples necessidades vitais do ser biológico
para abstrações codificadas que não levam em conta a estrutura da repartição do poder de
vinculação entre esses mesmos seres171, até porque essa distribuição encontra-se em processo
de horizontalização.
169 TAYLOR, loc. cit. p. 17. 170 Cf. ESER, Albin. Derecho ecológico. In: Revista de derecho publico 11. n. 100/101, 1985. 171 Cf. ALFONSIN, Jaques Távora. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 21. Bosselmann, analisando o conceito do princípio da sustentabilidade, faz advertência similar sobre a perversão que o termo “sustentabilidade” sofreu, tal qual o conceito de justiça, especialmente quando houve a separação entre o direito e a moral, bem como o estabelecimento do domínio do positivismo no século XVIII tornando o sistema legal europeu moderno formal. Desta forma, quando nos anos 60 houve os primeiros rascunhos de normas sobre a tutela do meio ambiente, essa separação (entre direito e moral) já havia se completado. Cf. BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: Transforming Law and Governance. USA, England: Ashgate, 2008. p. 13. Sobre o tema, i. é, sobre o esvaziamento dos conceitos da filosofia moral no direito positivo v. a obra clássica de Otfried Höffe “Justiça Política” em que o autor expõe sobre a importância da discussão interdisciplinar do direito em relação à filosofia para se retomar o processo perdido. Tal provocação dialética foi marcada na postura dos neo-contratualistas, baseados especialmente em Locke, Rousseau e Kant, do porte de John Rawls, o qual traz a ideia de justiça como equidade por reconhecer a necessidade de estabelecer um novo contrato social com base nos princípios basilares da justiça através do esclarecimento de todos, ou, como ele define, “atrás do véu de ignorância” que cada um de nós carregamos. Essa ideia hipotética inicial de Rawls baseia-se na obra kantiana sobre moralidade “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” que foi debatida no capítulo primeiro da presente dissertação. Cf. RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, Massachutts: Havard University Press, 1971. p. 12 et seq. Há uma tradução para o português dessa obra: ________. Uma teoria da justiça. Carlos Pinto Correia (trad.). Lisboa: Editorial Presença, 1993.; HÖFFE, Otfried. Justiça Política.
57
Friedman nos relata que o mundo atual pode ser caracterizado pela identificação entre
conflitos étnicos e políticas intervencionistas, o que fez, inclusive, introduzir novos conceitos
dentro do direito internacional, tais como o de limpeza étnica.172
A identidade inicia de forma individual, prossegue o mesmo autor, desde quando nos
olhamos no espelho e perguntamos quem somos nós: cheios de números que nos identificam e
nos separam dos outros, que começam com documentos pessoais a tamanhos e formas do
nosso corpo.173
Podemos, por outro lado, fazer laços que ultrapassam as nossas próprias identidades de
forma a compor grupos. Identidades estas que para muitos de nós significam pertencer a um
determinado corpo social que adota determinado comportamento. Inclusive, podemos
observar que a filosofia moral priorizou mais o estudo do que é certo fazer que a definição do
conteúdo do seu agir em si.174
Os laços fortes, relativos a esse processo de identificação entre as pessoas, começam
dentro da família e se estendem para os parentes mais distantes e assim sucessivamente até se
formar grupos maiores com identidades nacionais a formar tribos, etnias e nações. Contudo,
não há somente um aspecto único da identidade a dominar o universo individual o tempo
todo, posto que depende das necessidades que vão se apresentando no cotidiano.175
Friedman propõe então a definição de dois tipos de identidades: uma horizontal e outra
vertical. A vertical seria composta por relações primárias e tradicionais de autoridade, v. g., o
núcleo familiar onde se percebe um relacionamento complexo formado entre os arranjos de
parentescos tanto nas sociedades matriarcais quanto nas patriarcais, especialmente na Idade
Média.176
Nas sociedades modernas, por seu turno, a identidade e a autoridade são formadas
dentro de um plano horizontal, uma vez que as pessoas possuem muito mais liberdade para
formar relacionamentos dentro de aspectos de igualdade, mesmo que esta seja aparente e não
material ou real. Há uma característica própria na formação da identidade nesse aspecto, a
qual peculiaridade faz crer que a autoridade é inacabada e se apresenta fluida e
multifacetada.177
Fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do estado. Ernildo Stein (trad.). Petrópolis: Vozes, 1991. p. 17. 172 FRIEDMAN, Lawrence Meir. The horizontal society. London: Yale University Press, 1999. p. 02. 173 Ibid. p. 03. 174 Com essa observação Taylor abre a sua obra. Cf. TAYLOR. loc. cit. p. 15. 175 FRIEDMAN. op. cit. p. 04. 176 Ibid. p. 05. 177 Id.
58
Toda essa fluidez da autoridade e do direito, logicamente, produz uma mobilidade na
sociedade que é expressa pelos diversos conflitos que surgem do próprio corpo social
complexo, à semelhança do que ocorre com os vários sistemas que compõem o organismo
vivo e que, a todo instante, precisa se auto-destruir para permanecer vivo.178
Seria uma ilusão querer entender esse caos de relações, não porque ele é regido pela
autonomia de vontade humana baseada na pretensão kantiana em considerar o homem
separado da natureza, mas porque a própria razão humana não possui capacidade de sair de si
mesma para medir a si própria, posto ser impossível ela ser e não-ser ao mesmo tempo.179
Por outro ângulo, mesmo diante dessa fluidez sobre a identidade humana frente ao
direito, verifica-se que o capitalismo nunca conseguiu atender às necessidades naturais
básicas do homem, entendidas estas com as de sua sobrevivência, as quais se assemelham às
dos animais. O lado irônico nessa história é que esse mesmo capitalismo obriga classes
inteiras de pessoas a lutarem por esses bens essenciais à sobrevivência vital mas esquece que
eles eram supridos satisfatoriamente em sociedades primitivas pré-capitalistas e, por último,
num arroubo de esquizofrenia messiânica, tenta promover o Welfare State.180
Dentro do marxismo, portanto, pode-se constatar que a necessidade humana cria o seu
próprio corpo inorgânico que, por sua vez, gera consciência, vontade e sociabilidade na
medida em que lhe é inerente como produto de sua vida produtiva.181
Assim, se levarmos em conta que as necessidades naturais seriam aquelas a nós
vinculadas por princípio de sobrevivência, tais como a [...] necessidade de alimento, de
proteção contra o meio ambiente, de satisfação sexual,182 estaríamos voltando à época da
idade das pedras se não admitirmos que construímos a nossa corporalidade a partir das
mesmas e, mais, se permitirmos que aspectos técnicos do direito impeçam a sua tutela ao se
178 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. O indivíduo e o corpo social: corpo biológico e corpo social. In: MARQUES, Cláudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da (coord.). O novo direito administrativo ambiental e urbanização: estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 36. 179 Ademais, essa razão do aufklärung transformou o planeta num imenso terreno baldio, gratuito e sem propósito, preparado para a dominação do homem dentro da técnica que, acreditava-se, caminhava num progresso ininterrupto. Cf. LUCHT, Marc. Does Kant Have Anything to Teach Us about Environmental Ethics? In: American Journal of Economics and Sociology. vol. 66. n. 1. january, 2007. p. 128. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/118501180/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0 Acesso em: 18 jul. 2010. 180 ALFONSIN, loc. cit. p. 23. 181 Ibid. p. 25. 182 Ibid. p. 23.
59 interpretar que todo esse conjunto de necessidades não fazem parte do ser humano e,
logicamente, não compõe o seu estado de saúde.183
Lembrando as ideias de Roig, Alfonsín elenca vários tipos de necessidades: a) as
instrumentais, que são os meios para se obter a satisfação de outras; b) as básicas que se
justificam por si mesmas; c) as derivadas ou não derivadas, conforme surjam ou não de um
ser humano; d) as constitutivas ou circunstanciais, que permanecem substanciais e, por
último, e) as verdadeiras ou falsas, que são as necessidades construídas ou fruto da
manipulação do sistema capitalista.184
Esta última categoria é a que nos interessa ao lembrarmos as ideias de Marx posto que
há uma vinculação entre necessidade e dinheiro dentro do regime capitalista, o que vem a
torná-la como categoria ontológica, ou histórica, a ser definida como verdadeira ou falsa.185
Inquestionavelmente tanto o alimento, a moradia e o trabalho, v. g., são direitos e
necessidades reconhecidos como vitais para a promoção da saúde, os quais são também
verdades sociobiológicas e garantidos como direito humano fundamental até mesmo pelo
sistema capitalista de livre mercado, especialmente diante da obrigação constitucional do
Estado de planejar a atividade econômica, como ocorre no art. 174 CRFB/88.186
O problema que se coloca não é tanto em reconhecer como verdadeiras essas
necessidades que promovem a saúde, mas sim o modo de supri-las, posto que a realidade
humana é complexa e indefinida.187
183 Por isso deve-se evitar, lembra Alfonsín, a redução do direito a aspectos rígidos e dicotômicos, os quais são sempre falhos para atender às necessidades humanas. Cf. ALFONSIN. loc. cit. p. 28. 184 Ibid. p. 31 et seq. 185 Ibid. p. 25
186 Diz o texto: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei. Sobre o tema, v. ADRI, Renata Porto. O planejamento da atividade econômica como dever do Estado. Prefácios de Sérgio Ferraz, Marcelo Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 187 Contraditoriamente essa mesma realidade é plasmada dentro do processo de produção segmentado que torna o homem não somente abstrato, mas também “massa” dos desejos do capital. Cf. BARCELLONA, Pietro. O egoísmo maduro e a insensatez do capital. Sebastião José Roque (trad.). São Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. Durkheim conclui sobre essa complexidade a que se tornou o homem com a divisão social do trabalho: [...] se, aliás, analisamos esse complexus mal definido a que chamamos civilização, descobrimos que os elementos de que é composto são desprovidos de qualquer caráter moral. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Eduardo Brandão (trad.). 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 15. Sobre o problema das necessidades humanas básicas para quem não possui trabalho v. SANTOS, João Feitosa dos. O avesso da maldição do Genesis: a saga de quem não tem trabalho. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Governo do Estado do Ceará, 2000. p. 239-289.
60
Com efeito, a saúde se compõe como um bem humano e a sua tutela segue a regra
quase universal de não agredir membros da mesma espécie. Contudo, conforme a cultura de
cada povo, a maneira de se construir essa proteção pode receber diversas formas e
implementar diferentes aspectos dinâmicos dentro da sociedade, especialmente se levarmos
em conta que existe uma hierarquia moral em relação aos seres vivos e que a ela cabe o
processo de positivação estatal de tutela desse mesmo bem e dele em relação ao meio
ambiente, vez que somente respeitamos o meio se pudermos enxergá-lo também no outro.188
Assim, aqueles seres que são considerados mais próximos de Deus estariam numa
escala de valor superior em relação aos tidos como desalmados ou irracionais, motivo pelo
qual, o respeito a vida e à saúde dos primeiros é evidentemente privilegiada, segundo Taylor.
Este mesmo autor completa afirmando que essas aproximações epistemológicas [...] parecem
deveras análogos(as) aos predicados teóricos das ciências naturais [...], posto que estão
distantes do nosso cotidiano e querem representar uma leitura do universo e do nosso lugar
nele.189
Sob qualquer prisma, há sempre o problema da onisciência da ontologia moral por trás
das escolhas de tutela da saúde em relação aos seres vivos, a qual justifica-se no livre-arbítrio
do ser racional que é o merecedor de uma dignidade eleita como verdadeira premissa
irretocável, mesmo que seja apenas para adornar alguns belos discursos fascistas ou
declarações internacionais.
Efetivamente, essa ontologia moral dos modernos que fundamenta a proteção à saúde
em forma de respeito ao outro, segundo Taylor, possui como peculiaridade [...] o fato de sua
formulação predileta desse princípio do respeito ter sido feita em termos de direitos [...]
dentro de quase todos os sistemas legais, tornando-o como verdadeiro “direito subjetivo” ou,
a partir das teorias sobre direito natural no século XVII, como direito universal, fundado
especialmente na autonomia de vontade kantiana.190
188 Mariana Filchtiner Figueiredo traz uma análise cronológica do conceito de direito à saúde iniciando-se por suas justificações místicas até o reconhecimento dos fatores externos como influenciadores da mesma. Cf. FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 77 et seq. 189 Cf. TAYLOR, loc. cit. p. 21. Taylor também destaca duas formas diferentes de lidarmos com esse padrão de moralidade: o primeiro seria por reação instintiva de repulsa ou atração e o segundo implica em afirmações sobre a [...] natureza e condição dos seres humanos. 190 Ibid. p. 25 et seq. Taylor também expõe alguns pontos distintos dessa autonomia, dentre eles destaca-se a aversão que o iluminismo trouxe em relação ao sofrimento desnecessário (herança dos Escolásticos), fazendo com o que o homem não fosse mais comprometido a responder ao cosmos todas as vezes que ocorresse um pretenso desequilíbrio em suas relações de forças. Em outras palavras, para cada agressão praticada, a reação (ou pena aplicada), deve levar em conta também a medida de sua utilidade mais comezinha.
61
Outra transformação trazida pela ontologia moral foi a ideia que essa lei sobre os
direitos básicos dos seres humanos fosse observada independentemente da vontade do agente
e, mais, que ela se tornasse independente dele ou, em outras palavras, inalienável, conforme
perspectiva fundada em Locke em sua tríade desses direitos: vida, liberdade e propriedade.
Afinal,
[...] embora seja esse um estado de liberdade, não é um estado de licenciosidade; embora o homem nesse estado tenha uma liberdade incontrolável para dispor de sua pessoa ou posses, não tem liberdade para destruir-se ou a qualquer criatura em sua posse, a menos que um uso mais nobre que a mera conservação desta o exija. O estado de natureza tem para governá-lo uma lei da natureza, que a todos obriga; e a razão, em que essa lei consiste, ensina a todos aqueles que a consultem que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses.191
Nas palavras de Taylor,
[...] falar de direitos humanos universais, naturais, é vincular o respeito pela vida e integridade humanas à noção de autonomia. É conceber as pessoas como colaboradores ativos no estabelecimento e garantia do respeito que lhes é devido. E isso exprime uma característica central de nossa perspectiva moral ocidental moderna.192
Com efeito, da vida contemplativa dos gregos, a sua imitação do cosmos, da ética
aristotélica sobre a felicidade, passa-se a uma ontologia moral prática, com exigências de
resultados palpáveis e, especialmente, úteis para o crescimento das cidades e enriquecimento
das sociedades burguesas, conforme análise marxista surgida depois.
A vida quotidiana dos modernos reformula-se como o bem-estar necessário e eficaz
para todo o cidadão e, desta forma, apresenta-se sob a influência da matéria numa clara
secularização do próprio sentido da existência do ser.
Assim, conclui Taylor:
[...] creio que essa afirmação da vida cotidiana, embora não incontestada e com frequência aparecendo em forma secularizada, tornou-se uma das ideias poderosas da civilização moderna. Ela está na base de nossa política ‘burguesa’ atual, tão preocupada com questões de bem-estar, e ao mesmo
191 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Julio Fischer (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 384. 192 TAYLOR. loc. cit. p. 26.
62
tempo serve de combustível à mais influente ideologia revolucionária de nosso século, o marxismo, com sua apoteose do homem enquanto produtor. Esse sentido da importância do cotidiano na vida humana, ao lado de seu corolário referente à importância do sofrimento, colore toda a nossa compreensão do que é de fato respeitar a vida e a integridade humanas. Junto com o lugar central atribuído à autonomia, ele define uma versão dessa exigência que é peculiar à nossa civilização, o Ocidente moderno.193
Nota-se, portanto, que tanto a saúde quanto o meio ambiente estão vinculados nessa
lógica de promoção do bem-estar, ou seja, de um lado encontra-se a necessidade de respeitar e
promover a integridade física do homem para que produza sempre em condições otimizadas e
do outro o meio de onde ele mesmo retira a sua fonte de riquezas que, por sua vez, também
deve atender às demandas do seu bem-estar tipicamente burguês.
Intermediando todo esse processo encontram-se duas categorias citadas acima por
Taylor e que são vitais para o sucesso desse empreendimento. A primeira é a aceitação do
sofrimento como forma de moldar a personalidade do homem para as necessidades de
produção do mercado194 e a segunda é a autonomia de vontade humana, sempre soberana
frente a natureza e com o objetivo de subjugá-la. Em ambos os casos busca-se o bem-estar
como resultado dessas concepções, o qual será exercido ou processado dentro do modelo de
família que a sociedade ocidental originalmente concebeu como parcela menor da própria
sociedade, sem prejuízo da constante preocupação que temos em relação ao nosso
comportamento no espaço público.
Contudo podemos perceber que a sociedade industrial resultante não obteve sucesso
em se conseguir conquistar nem a natureza como fonte infinita de riqueza e nem em
transformar o homem em máquina perfeita de trabalho, posto que em ambos os casos houve o
rompimento da capacidade de racionalizar o seu projeto de produção, o que fez sair do
modelo da razão instrumental dos modernos, demonstrando, dentro da ontologia moral, o
quanto é necessário alargarmos os seus conceitos, quer em relação ao que se entendia como
saúde, quer como meio ambiente.
Com efeito, sob qualquer análise dessas intuições da ontologia moral, ou seja, o
sofrimento, a autonomia de vontade, a produção, o espaço público ou a família, dispomos de
uma moldura do próprio conceito de dignidade um pouco diferente do trazido no primeiro
capítulo e em franco processo de horizontalização. Passamos a ser respeitados, ou tornados 193 TAYLOR, loc.cit. p. 28. 194 A maldição do sofrimento como um dos elementos do trabalho, dentro da perspectiva histórica-religiosa (Gênesis 3,17) aponta para a necessidade humana em perceber o mundo exterior como algo diferente do projeto existencial inicial humano e, ao mesmo tempo, consolar-se pela transformação desse mesmo sofrimento, agora como ação, em alimento daquele, ou seja, o mundo da matéria dentro da medida do salário.
63 dignos, quando dominamos determinado espaço público ou quando a nossa vida se transforma
num centro para nós e para os outros, ou mesmo quando nos sentimos úteis e admirados pelos
outros, subvertendo assim os modelos tradicionais de poder que eram tipicamente verticais.195
Assim, a saúde, dentro desse contexto complexo de necessidade vital, pode ser
definida como [...] bem fundamental que por meio da integração dinâmica de aspectos
individuais, coletivos e de desenvolvimento vista assegurar ao indivíduo o estado de completo
bem-estar físico, psíquico e social.196
2.1 A SAÚDE E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NOS NOVOS TERRITÓRIOS DO DIREITO.
Silva197 nos propõe que os direitos humanos, dentre eles o direito à saúde, e a defesa
do meio ambiente são intimamente ligados. Contudo, apesar de se reconhecer que a
preocupação com a natureza sempre acompanhou o homem, a sua dimensão coletiva e,
consequentemente política, é recente.198
Dentro do ideário do liberalismo clássico, o Estado Social pregava que o crescimento
econômico teria como consequência natural o progresso e a qualidade de vida,199 ou seja, o
bem-estar.
Contudo, os principais problemas gerados por esse modelo econômico de Estado da
Providência foram: a) ineficiência estatal em intervir nas áreas a que se prestou; b) falta de 195 O respeito pelos outros e a obrigação para com eles; o sentido da vida e, por último, a dignidade são os três grandes eixos da ontologia moral dos modernos citados por Taylor. Cf. TAYLOR. loc. cit. p. 29 et seq. 196 DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Direito sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010. p. 13. O autor traz os elementos do conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), como veremos. 197 SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem. Responsabilidade administrativa em matéria de ambiente. Cascais. Portugal: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, 2000. p. 09-21. 198 A crise do Estado Social trouxe também a da ecologia para dentro da comunidade, especialmente quando o modelo daquele primeiro enfrenta os seus piores momentos no final dos anos 60 e 70 com a chamada crise do petróleo onde houve um risco real de desabastecimento do combustível fóssil por causa dos diversos conflitos nas regiões produtoras do Oriente Médio. 199 Derani expõe a distinção do conceito qualidade de vida para o direito econômico e para o direito ambiental. Para aquele primeiro a qualidade de vida visa quantificar o indivíduo de bens materiais para lhe conferir existência digna (art. 170, caput, da CRFB/88). Para o direito ambiental, qualidade de vida possui um conceito mais alargado de existência (art. 225, caput, CRFB/88), posto que representa a qualificação do seu bem-estar, abrangendo não somente os seus aspectos materiais, mas também os espirituais, tais como: liberdade, segurança, trabalho, educação, nível de vida, entorno físico, entorno social, saúde, justiça. Cf. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 59. Segundo BECK et al, qualidade de vida significa um [...] construto multifacetado que envolve capacidades comportamentais e cognitivas do indivíduo, bem-estar emocional e habilidades que requerem o desempenho de papéis domésticos, vocacionais e sociais. Cf. BECK, Carmem Lúcia Colomé; BUDÓ, Maria de Lourdes Denardin; GONZALES, Rosa Maria Bracini. A qualidade de vida na concepção de um grupo de professoras de enfermagem – elementos para reflexão. In: Rev. Esc. Enf. USP, 1999, v. 33, n. 4. p. 348-54. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v33n4/v33n4a04.pdf Acesso em: 09 dez. 2011.
64 legitimidade; c) incapacidade de manter o equilíbrio do meio-ambiente; d) vazio existencial
quanto ao progresso científico e tecnológico; e) crise de confiança no Estado para resolver os
conflitos sociais.200
Essa conjuntura crítica do Estado Social veio revelar que a proteção do meio ambiente
deve ser vista de forma a envolver toda a sociedade, isto é, trata-se de uma necessária resposta
política. Esta, com o início dos movimentos ecologistas da década de 70, veio de forma
extrema e pueril, típico em todos os movimentos sociais nascentes. Nos anos 80 e 90 houve
uma maior disseminação dos problemas ambientais e, assim, a consciência ecológica tornou-
se difusa, alcançando as forças políticas globais.
Assim, com o aperfeiçoamento das ciências relacionadas ao ambiente e as suas
resultantes na saúde humana, bem como diante do aumento de leis de proteção sobre o tema,
houve uma disseminação da consciência ecológica sob dois níveis. A primeira (a) relaciona-se
com a dimensão particular, como problema cívico, onde cada qual é responsável pela
permanência dos bens ambientais e, consequentemente, respeito ao outro num processo de
alteridade201. A (b) segunda dimensão é a institucional onde o Estado cria organismos de
defesa do meio ambiente e promoção da saúde, refletindo também em âmbito internacional
essa nova perspectiva com o surgimento do Direito Internacional do Meio Ambiente na
segunda metade do Século XX.
Este ramo do direito começa a ganhar independência e a engolir o sistema
westphaliano de reserva de domínio dos Estados quando este torna-se frágil na
regulamentação das novas composições das relações internacionais, dentre elas, podemos
citar as demandas comerciais globalizadas dos grandes blocos econômicos, o apelo ao
fortalecimento, tutela e universalização dos direitos humanos202, o crescimento populacional
200 SILVA, Vasco, loc.cit. p. 10. 201 Obviamente que não estamos imunes às várias críticas em relação à razão instrumental que os modernos deixaram de herança, ou seja, quase todo o conteúdo da filosofia do sujeito se tornou envolvente com as ciências humanas, o que fez gerar vários “déficits empíricos” sobre o seu próprio projeto existencial, conforme nos relata o filósofo de Frankfurt Jürgen Habermas ao citar Foucalt: [...] estas ciências afastam-se da aporética de autotematização contraditória do sujeito que procurou conhecer-se e, ao fazê-lo, envolveu-se ainda mais no cienticismo auto-reificante. Cf. HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Ana Maria Bernando et al (trad.). Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. p. 275. 202 Sobre a discussão entre autodeterminação dos povos e não-intervenção, ambos como traços de Westphalia, dentro das relações internacionais v. BRAGA, Leonardo Carvalho. O debate cosmopolitismo x comunitarismo sobre direitos humanos e a esquizofrenia das Relações Internacionais. In: Contexto internacional. Rio de Janeiro, vol. 30, no 1 janeiro/abril 2008, p. 141-169. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v30n1/04.pdf Acesso em: 09 ago. 2010; RAWLS, John. O direito dos povos. BORGES, Luiz Carlos (trad.), CUNHA, Sérgio Sérvulo da (rev.). São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 103-105.
65 sem controle e, ainda, as várias crises ambientais com as chamadas poluições transfronteiriças
após a Segunda Guerra Mundial.203
Com efeito, o conceito de soberania externa dos estados nacionais tanto depois da
Carta da ONU de 1945, quanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi
reformulado para a promoção da paz e da defesa dos direitos humanos declarados como
universais e inalienáveis, conforme ressaltou o projeto liberal de Locke.204
Portanto, o direito fundamental ao meio ambiente205 e, nele incluído o da promoção da
saúde, como terceira geração de direitos humanos, é caracterizada pela luta do sujeito contra o
poder, o qual pode ser representado tanto por organismos públicos quanto privados que
degradam e agridem a vida na terra.206
203 Entende-se por transfronteiriço o problema ambiental (derramamento de óleo em mares, chuva ácida, nuvem carregada de elementos poluentes, poluição em rios, etc...) que ultrapassa os limites territoriais pela força do vento, da água e do ar. Cf. SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Leonardo Nemer Caldeira Brant, coordenador da coleção. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 11 et seq. Interessante notar que três anos antes da Declaração de 1948 a Carta da ONU, em seu art. 2 n. 7, reafirma, em parte, os preceitos westphalianos sobre a soberania dos Estados os quais, por sua vez, foram questionados concretamente pela poluição transfronteiriça, num exemplo clássico de antinomia jurídica. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57. 204 Cf. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. Carlo Coccioli, Márcio Lauria Filho (trad.). Revisão da tradução Karina Jannini. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 40. O mesmo autor conclui que houve uma mudança do sistema pactício, tipicamente bilateral, para um ordenamento jurídico supra-estatal. Id. A Organização das Nações Unidas, juntamente com o seu órgão judiciário chamado de “Corte Internacional de Justiça”, foi criada formalmente em 26 de junho de 1945, no final da segunda guerra mundial diante do fracasso da Sociedade das Nações (ou Liga das Nações) que, por sua vez foi criada em 28 de junho de 1919 como parte do Tratado de Versailles. O Brasil aderiu à Sociedade das Nações através do Decreto 3.875 de 11 de novembro de 1919, ratificado em 10 de dezembro de 1919 e promulgado pelo Decreto 13.990 de 12 de janeiro de 1920, tendo saído da Sociedade das Nações em 12 de junho de 1926. Em relação às Nações Unidas, o Brasil aprovou a sua carta de constituição pelo Decreto-lei 7.935 de 04 de setembro de 1945 e promulgado pelo Decreto 19.841 de 22 de outubro de 1945, tendo entrado em vigor em 24 de outubro de 1945. A ONU, para desenvolver os seus objetivos, é composta pelos seguintes órgãos: uma Assembléia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado (art. 7º da Carta das Nações). Há também a possibilidade de outras entidades, chamados de organismos especializados, serem vinculadas à ONU na forma do seu art. 57 da mesma Carta das Nações, a exemplo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a OMS (Organização Mundial da Saúde), OIT (Organização Internacional do Trabalho), etc... Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 572-591. 205 Merece destaque a Conferência de Estocolmo em 1972 onde houve o encontro definitivo entre os direitos humanos, já confessados universais na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, trezentos anos depois de Westphalia, e a proteção do meio ambiente. A partir de então, começou a se considerar o direito ao meio ambiente saudável como também integrante dos direitos humanos. Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 39. 206 GUERRA, Sidney. loc. cit. Passim. Como vimos, Marshal apresenta outra classificação sobre as gerações de direitos humanos: primeiro são os direitos civis, compostos dos direitos necessários à liberdade individual - liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé ́, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Depois são os políticos, ou seja, o exercício do poder político, como membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. Por último há a geração dos direitos sociais, que referem-se a desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões mínimos de existência que prevalecem na sociedade.
66
Essa geração de direitos, de Estado de ambiente, Estado protetor do ambiente, não se
resume em policiar as agressões contra o meio ambiente, mas em promover um garantismo
individual sem distanciar da necessidade da intervenção estatal. Há dois pontos que se
contrapõem, mas ao mesmo tempo, se complementam: a garantia dos valores individualistas
na busca da identidade do sujeito e a insistência na solidariedade social para a proteção
contra os riscos coletivos que não prescindem de atuação pública.207
Em outras palavras, a tutela do meio ambiente pelo direito subjetivo nasce da
consciência que a pessoa possui de ser integrante desse meio. Nesse aspecto, em nada
acrescenta a atribuição do meio ambiente como sujeito moral, posto que esvaziaria todo o
caráter necessário para essa consciência em construção em relação ao bem natural.208
Silva cita o exemplo do caso do pescador de chalupa como uma das primeiras
sentenças da jurisprudência alemã que aceitou esses direitos subjetivos no campo ambiental a
partir do reconhecimento do seu direito ao meio ambiente equilibrado contra a ação
degradante de uma fábrica que poluía o local onde o mesmo exercia a sua atividade.209
Por outro lado, há necessidade de comunicação entre as ordens nacional e
internacional sobre essa proteção ambiental a partir da ética ambiental, a qual possui respostas
jurídicas concretas como se verifica nos princípios da precaução, prevenção e
desenvolvimento sustentável que vieram para o plano internacional na década de 90 com a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD em
1992.
Portanto, deve ter a construção de experiência jurídica vocacionada à principiologia
para proporcionar proteção do meio ambiente.
O desenvolvimento dos direitos sociais, econômicos e culturais não podem estar
dissociados,210 conforme deixam evidentes os Pactos de 1966,211 os quais foram celebrados
207 SILVA, Vasco Pereira da. loc. cit. p. 15. 208 Ademais, é possível um humanismo não metafísico? O retorno do amor à natureza implicaria numa renúncia ao que há de melhor na cultura moderna, ou seja, o consumo? É possível a civilização do desarraigamento (desvinculação do homem em relação à natureza) se conciliar com o cuidado com o mundo natural e com respeito às diversas visões filosóficas de ecologia existentes que desaprovam uma visão global única ? Essas questões existenciais são enfrentadas por Luc Ferry, especialmente quando há a crítica ao que ele chama de “antropocentrismo arrogante”, em sua obra: FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o animal e o homem. loc. cit. p. 26 et seq. 209 SILVA, Vasco Pereira da. op. cit. p. 16, nota 16. 210 Mesmo porque [...] todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados [...], art. 5. da Declaração e programa de Ação de Viena (1993), sistema global de proteção dos direitos humanos. Cf. MAZZUOLI. Coletânea de direito internacional. Constituição Federal. 8 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p.797. 211 Dentro também do sistema global de proteção dos direitos humanos há o Pacto Internacional sobre Direito Civil e Políticos (adotado pela XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16.12.1966, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 226 de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto 592 de 06.07.1992), bem
67 justamente como uma resposta à falência do Estado da Providência, conforme lembra
Goldblatt sobre a queda das utopias nesse modelo estatal.212
Portanto, a experiência jurídica dos tratados de proteção dos direitos humanos e do
meio ambiente devem se comunicar com outras experiências existenciais humanas,213 afinal
de contas, a crise dos recursos naturais possui múltiplos aspectos que também se encontram e
formam uma rede de risco social.
As regras de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, uma vez
comunicadas em sua finalidade de impedir a extinção do homem, provocam a criação de
novos territórios para o próprio direito.
Nesse sentido merece reflexão a abordagem de Morand-Deviller214 ao mostrar como o
direito possui uma realidade multiforme, com os seus territórios em ebulição e fragmentação,
com total liberdade, fluidez, instabilidade e energia.
Regular a convivência entre o homem e a natureza, conforme diz a autora, é construir
um novo conceito de autoridade para o direito.
Com efeito, Morand-Deviller diz que o modelo kelseniano de norma com a sua
abstração e generalidade, sem qualquer intercorrência subjetiva de decisão como forma
legitimadora do sistema piramidal, encontra-se abalado diante da ausência de respostas
suficientes à realidade pós-moderna. Paralelamente, Dworkin também é citado sobre o seu
conceito de direito narrativo em que os personagens vão se sucedendo em escritas para um
depositário comum, no caso, o juiz.215
como o Protocolo facultativo relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (adotado pelas Nações Unidas em Nova York, em 16.12.1966, entrando em vigor internacional em 23.03.1976, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 311/2009, sem promulgação ainda), além do já referido Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 212 GOLDBLATT, David. Teoria social e ambiente. Ana Maria André (trad.). Lisboa: Instituto Piaget: 1996. p. 237. 213 Cf. SHELTON, Dinah. Developing substantive environmental rights. Journal of Human Rights and the Environment. vol. 1. n. 1. USA, UK: March 2010, p. 89–120. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1576508 Acesso em: 30 ago. 2010. Shelton expõe que a interpretação dos tratados sobre as garantias dos direitos humanos como direito ao meio ambiente equilibrado, aplicando o art. 31 da Convenção de Viena do Direito dos Tratados, deve ser ampla e conter a leitura do seu contexto histórico, do preâmbulo do próprio tratado, do direito consuetudinário e natural e das regras aplicáveis ao direito internacional dos direitos humanos como, por exemplo, a proibição de retrocesso. No item 4.1 do artigo de Shelton há uma pesquisa interessante sobre várias normas internacionais e nacionais que garantem o meio ambiente equilibrado como direito humano, dentro dos limites precaucionais de cálculo do risco sobre cada atividade impactante. 214 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Os territórios do direito. Reflexões sobre a generalidade e a impessoalidade da regra de direito. In: MARQUES, Cláudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da (coord.). O novo direito administrativo ambiental e urbanização: estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. 2010. p. 62 et seq. 215 Cf. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Luis Carlos Borges (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 263. Dworkin fala que interpretar não é inventar, mas fazer uma leitura dos fatos a partir das teorias estética e política. Ademais, as teorias das ciências são complexas e permitem que os fatos tenham tensões internas. Portanto, a interpretação objetiva dos fatos que possa servir como regra geral, para Dworkin, é um
68
Morand-Deviller propõe então uma nova forma de tratar essas questões a que ela
classifica como do pós-pós-modernismo para conduzir à unidade os territórios do direito a
partir de três regras, as quais surgiram de preocupações ambientais sobre a ausência de
regulamentação internacional eficaz do direito quanto ao problema econômico, considerado
este a raiz da crise do Estado Social e das grandes mutações.216
A primeira regra redefine o interesse geral representado pelo princípio da legalidade
para a manutenção da ordem pública e também concessão das prestações estatais no Estado da
Providência que foram paulatinamente sendo transferidas ao setor privado com flagrante
insubsistência em seu fim social.217
Por outro lado, os interesses privados tornam-se públicos diante da limitação das
vontades individuais e, levando-se em conta o interesse geral como o ápice da legalidade, os
interesses públicos e os particulares se convergem a ele, transformando a norma abstrata em
fluida e indeterminada ainda mais, especialmente em relação ao meio ambiente, onde a
imprecisão dos seus termos pede ajuda ao princípio da precaução para o cálculo científico dos
seus riscos projetados sendo, portanto, uma necessidade de eficácia a imprecisão da norma. A
norma fluida, portanto, atende mais às demandas atuais do direito comunitário, como ocorre
na Europa, onde o particularismo e as diferenças são superadas pelo diálogo e pelo consenso
para se alcançar um juízo único. As normas não descem às minúcias esquizofrênicas para não
provocar a fragmentação do interesse geral e situações de privilégios, subjetivismos e
desigualdades.218
A segunda regra proposta por Morand-Deviller é sobre a configuração das diferenças a
partir da constatação que os direitos abstratos proclamados no século XVIII precisaram ser
criticados em sua excessiva abstração para se alcançar o século XX com o conceito material
embuste, isto é, não há como saber se os nossos julgamentos são realmente verdadeiros. Por outro lado, não admite o ceticismo absoluto, posto que ele negaria a si mesmo e esse tipo de julgamento é desestruturado o bastante para poder ser controlado por outros julgamentos. Dworkin volta ao ponto inicial para responder à uma solução, ou seja, que interpretações plausíveis devem estar ligadas às teorias estéticas ou políticas normativas plausíveis. 216 MORAND-DEVILLER. loc. cit. p. 62. 217 Ibid. p. 63. Em verdade, a lacuna do liberalismo existe no fato do mercado não possuir nenhum projeto ou ação política de emancipação dos pobres e aplicação da solidariedade social. Essa análise pode ser verificada em HOBSBAWM, Eric. Mundo do trabalho. loc. cit. p. 417 et seq.; ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. B. A. Schumann (trad.). Edição José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 262 et seq. 218 Ibid. p. 64 e 65. A autora cita a crise do meio ambiente, representada pela escassez dos recursos naturais e temor do crescimento tecnológico sem fim, como exemplo justificador existencial das normas fluidas que permitem tratar esses problemas de forma global diante do risco de extinção que passou a ser o mote do interesse geral. A natureza deixa de ser vista como um recurso inesgotável e a ética não mais se baseia na razão dominadora daquela. Há, portanto, a busca de novos elementos para poder alargar o conceito e a finalidade do agir humano, embora a ética permaneça ainda antropocêntrica, não se admitindo como sujeitos morais os seres não humanos, conforme vimos em Hans Jonas.
69 de sujeito de direito, ou seja, o cidadão que possui direitos econômicos reais para ter
condições de exercer a sua liberdade.
Contudo, com o Estado da Providência e a acumulação de riquezas da sociedade pós-
revolução industrial no século XX surge outro problema: até que ponto haveremos de admitir
o direito à diferença como indispensável ao principium individuationis219 do sujeito ou do
grupo social e, ainda, como conjugar esse direito à diferença com a ideia de igualdade
genérica.
Aristóteles dizia que tudo o que existe no mundo de forma independente é chamado de
substância, ou seja, aquilo que não precisa do outro como predicado ou adjetivo para existir e,
como tal, possui as suas características individualizadoras. Ocorre que o conhecimento
humano sempre caminhou para as generalizações e assim se estruturou dentro do positivismo
ao ponto de afirmar que conhecemos somente os fenômenos das coisas, os quais são
validados em consenso220 pela universalidade da estrutura do pensamento humano, conforme
argumento kantiano na modernidade.221
Pelo ponto de vista lógico, cria-se então uma tensão dentro do direito que vem da
própria epistemologia: a realidade mostra-se, estrutura-se de uma forma individual
(substância), mas, o conhecimento que construímos dela necessariamente deve se sistematizar
de outra (coletivo, genérico), caso contrário, não haveria a menor possibilidade da edição das
leis, centralização do poder, etc. 219 Sobre o tema v. AQUINO, Tomás de. Os atos humanos: sua natureza, estrutura e dinamismo. In: Suma Teológica. Seção I. Parte II. Questão 6. Artigo 1. (trad.) Aldo Vannucchi et al. Edições Loyola: São Paulo, 2003. p. 117-120; AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina (trad.). 24 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 230-232. O estudo do principium individuationis (princípio individualizador das coisas) vem desde a época clássica com Aristóteles e Sócrates e encontra ressonância com o cristianismo inicialmente em Santo Agostinho e, depois, Santo Tomás e Duns Scot, culminando em Leibniz com a teoria das mônadas. Há outra corrente do principium individuationis que começa com os filósofos palacianos como René Descartes e termina em Kant. A diferença básica entre elas é que a primeira (Aristóteles, Agostinho, Tomas de Aquino) trata do ‘eu’ real, do existente, que sente as dores e as agruras deste mundo e que confessa os seus pecados (Agostinho). Já a segunda corrente seria um ‘eu’ filosófico, que somente existe enquanto pensa, sem nenhum caráter de temporalidade. S. Tomas disse que as ideias são idênticas à essência divina, como, de fato, cada criatura possui o seu próprio ser. Assim, esse processo de individualização se origina da sua particular declaração de vontade nos atos humanos voluntários e, formalmente, livres. 220 Dentro da teoria política, a essa categoria, Rousseau nomeava de “vontade geral”. Cf. ROUSSEAU, Jean Jaques. Do Contrato Social. Livro II. p. 36 et seq. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf Acesso em: 12 out. 2011. 221 Cf. ARISTÓTELES. Metafísica. v. III. Sumários e comentário. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Marcelo Perine (trad.). São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 578 (Metafísica, Livro XI, 12, 1068b, 15-20) e 581 (Metafísica, Livro XII, 1, 1069a, 18-b2). v. ARISTOTELES. De anima. loc. cit. p. 147 e 204. As categorias aristotélicas são: substância, qualidade, lugar, ação, paixão, relação e quantidade (Metafísica, Livro XI, 12, 1068b, 15-20). Porém, segundo Aristóteles (Metafísica, Livro XII, 1, 1069a, 18-b2), [...] as substâncias, de fato, o ser fundamental e, por isso, só delas é possível uma busca das causas e dos princípios. Dessa afirmação decorre que: a) a substância vem primeiro na totalidade do real; b) tudo o que não é substância está em função dela; c) a substância possui autonomia; d) há três distintos gêneros de substância (sensível corruptível – animais e plantas; sensível incorruptível – céus; supra-sensível, imóvel, eterno), sendo que as duas primeiras são estudadas pela física e astronomia e a última pela metafísica.
70
Devemos nos valer, portanto, do processo real de construção desses territórios
individualizadores do direito, que não podem ser dissolvidos numa total heterogeneidade,
senão haveria a negação do Estado. Igualmente deve-se admitir a pretensão da unidade dada
por Hegel.
Sob qualquer aspecto e somando-se ao argumento inicial de Morand-Deviller, há duas
abordagens que se dialogam, ou seja, a igualdade como limite universal de racionalidade
normativa e a concretização da justiça que necessariamente precisa particularizar e medir as
diferenças para poder existir como padrão de julgamento.
Essas diferenças existem quando verificamos a finitude dos bens naturais e a sua
desigual distribuição no planeta. Assim, situações de desigualdade devem também gerar
normas que façam a adaptação e o ajuste necessários para que todos no presente e futuro.
Contudo, essas desigualdades devem ser medidas em graus ou níveis que possam ser
regulamentadas por conta de uma norma em comum ou, ainda, deve haver um limite de
tolerância em relação a elas caso contrário, se a cada diferença houver uma lei, voltaríamos ao
subjetivismo impraticável já criticado por Morand-Deviller.222
A terceira e última regra apresentada pela autora para conduzir à unidade os territórios
do direito é sobre a recomposição da autoridade a partir da análise da crise de sua fonte
geradora formal, ou seja, o Estado. Assim, esse passa a conviver com outras fontes de poder
além dele, as quais são representadas por organizações multiformes, fazendo perder o seu eixo
central clássico do próprio domínio.223
Na medida em que o Estado Provedor foi apresentando as suas falhas em resolver os
problemas ambientais e sociais, bem como diante do processo de democratização do poder e
consequente aumento gradativo dos territórios do direito com a participação de seus novos
agentes (mulheres, minorias, sindicatos, etc.), a identidade da norma foi sendo moldada pela
legítima representação dos interesses sociais, provocando o que a autora chama de norma de
proximidade224 permeada de significado ético de dever e planejamento futuro plausível com o
desenvolvimento sustentável e a precaução como princípios.225
222 MORAND-DEVILLER, Os territórios do direito. loc. cit. p. 67. A autora lembra que o juiz deve fazer as adaptações necessárias da norma à realidade evitando a fragmentação exagera dos territórios do direito. Igualmente ressalta que pode ocorrer uma sobreposição de vários territórios do direito sobre uma mesma normatização. 223 A autora remete também às ideias de Friedman sobre a sociedade horizontal, conforme supra. Cf. Ibid. p. 68. 224 Ibid. p. 69. 225 Cf. SHELTON, Dinah. loc. cit. id. Como exemplo de avanço nesse sentido, a autora cita a Convenção de Aarhus. Esta Convenção é analisada por Shelton, a qual destaca as suas principais características e promover a união entre meio ambiente e direitos humanos, além de assegurar a aplicação dos princípios da equidade intergeracional, desenvolvimento sustentável, participação democrática nos problemas ambientais.
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Assim, se a sociedade horizontaliza-se pelas novas formas de identidades formadoras
de seus territórios do direito e, assim, a estrutura de poder passa a ser difusa, as suas
respectivas fontes nacionais e internacionais desse mesmo poder, seja ele dentro ou fora do
Estado, precisam se dialogar para a construção de um sistema de defesa dos direitos humanos,
nestes incluídos o meio onde eles conseguem ser desenvolvidos em respeito e dignidade, ou
seja, o meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado para esta e para as futuras
gerações.
A propósito, a crise enfrentada no meio ambiente nos deixa nus por perceber que [...]
a experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de
classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a
modernidade une a espécie humana.226
Se somos unidos por essa tragédia material, também somos capazes de nos fazer unir
pelo espírito de poder universalizar materialmente o direito à saúde, desde que tornemos a
discussão da divisão dos riscos ambientais possível também aos mais vulneráveis, como alerta
Shelton227, legitimando os territórios do direito, conforme sustenta Morand-Deviller, desde
que sejamos reconhecidamente humanos, limitados, carentes do outro e com medo de perder
o lugar onde criar os nossos filhos e netos. Humanos, somente isso.
2.2 A TUTELA DA SAÚDE E A SUA RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE
Figueiredo nos revela que o conceito de saúde saiu da sua relação promíscua com a
religião e os ensinamentos místicos e pode alçar voo dentro dos critérios científicos iniciais do
renascimento, retomando a tradição greco-romana e vindo a influenciar [...] as primeiras
políticas concretas do que hoje se conhece por Direito Internacional Sanitário.228
226 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriarri (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 15. 227 SHELTON, Dinah. Equity. In: BODANSKY. Daniel et al. The Oxford Handbook of International Environmental Law. 2008. p. 640 et seq. 228 FIGUEIREDO, loc. cit. p. 78. O historiador Jean Delumeau possui uma visão mais ampla desse período e relata combates travados entre o nominalismo de Guilherme de Occam e os discípulos de S. Tomás e Aristóteles, particularmente quando estes últimos uniam o universal e o particular e Occam negava a possibilidade da existência de um ser que fosse, ou existisse, ao mesmo tempo em vários objetos. Assim, o caráter universal das leis e conceitos tomistas sobre bem comum, dentre outros, ficavam apoiados inicialmente somente em construções mentais ou como verdades reveladas, dentro da doutrina cristã. Cf. DELUMEAU, Jean. O pecado e o medo: a culpabilização no ocidente (séculos 13-18). Álvaro Lorencini (trad.). Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 273 et seq. Deve-se ressaltar que foi após a Revolução Industrial que a promoção da saúde passou a ser concebida como um problema de política pública, ou de biopolítica, quer pela pressão dos sindicatos nascidos dos movimentos operários, quer pela necessidade de otimizar o próprio modo de produção industrial, em que pese o seu processo de monetarização ainda constituir um verdadeiro muro à universalização dos seus
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O primeiro alargamento do conceito de saúde adveio com a Organização Mundial de
Saúde (OMS)229 em sua Carta de Constituição, que diz: A saúde é um estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade.230
A Declaração de Alma-Ata, surgida da Conferência Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde, realizado em Alma-Ata, ex-URSS, de 6-12 de setembro de 1978,
expressamente prevê o mesmo sentido ao proclamar a saúde como direito fundamental logo,
em seu início e declarando como, em seu conteúdo o estado vai além da ausência de doença
ou enfermidade:231
I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor sau ́de.232
Dentro do Direito Internacional Público há, igualmente, vários atos internacionais que
demonstram uma visão ampla em relação ao ser humano e o seu direito fundamental à saúde,
o qual não é visto como mera ausência de doença, comprovando-se, sob qualquer aspecto, a
necessidade de análise multidisciplinar do problema.
São eles, a título de exemplo:
a) Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de
1948:233
paradigmas. 229 A Organização Mundial de Saúde OMS (World Heath Organization - WHO) é uma das entidades especializadas da ONU, na forma do art. 57 da Carta das Nações de 1945 e foi criada em 07 de abril de 1948 por uma iniciativa da delegação brasileira na Conferência de São Francisco de 1945. Possui sede em Genebra, Suíça. Endereço: http://www.who.int/en/ acesso em 14 de outubro de 2011. Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. loc. cit. p. 587. 230 Cf. Biblioteca Virtual dos Direitos Humanos. Universidade de São Paulo (USP). Disponível http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html Acesso 15 out. 2011. 231 Id. 232 Disponível em: http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf Acesso em: 12 jul. 2010. 233 Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em: 20 out. 2011. Embora formalmente trata-se de uma declaração internacional, tendo em vista o seu conteúdo universal e o seu simbolismo revolucionário em matéria de direitos humanos, acabou sendo aceito como uma norma do direito costumeiro internacional. Contudo, à luz das regras do Direito Internacional, somente os tratados e acordos internacionais devidamente ratificados obrigam os respectivos países-membros. Assim, quando se tratar de
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1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
b) Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e seu Anexo
(Declaração de Filadélfia – 1946)234, especialmente os anexos I, II e III, nos quais destacamos
os seguintes princípios:
A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma mercadoria; b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto; c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral; d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um
declaração internacional, há somente uma obrigação moral, que por vezes torna-se regra de direito costumeiro internacional, a ser cumprida. Apenas a título de exemplo de direito costumeiro internacional citamos o direito do mar, cuja grande quantidade de normas consuetudinárias acabaram sendo incorporadas pela memorável Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção de Montego Bay) de 10 de dezembro de 1982, entrada em vigor no Brasil pelo Decreto 1.530 de 22 de junho de 1995. Sobre os erros e correções no processo de publicação legislativa brasileira de Montego Bay, Cf. SOARES, loc. cit. p. 103-104 e nota 4, p. 103; CARVALHO, Gustavo de Lemos Campos. O mar territorial brasileiro de 200 milhas: estratégia e soberania, 1970-1982. In: Revista brasileira de política internacional [online]. v. 42. n. 1. 1999. p. 110-126;
234 Chamada também de Declaração Referente aos Fins e Objetivos da Organização, no Brasil aprovada pelo Decreto Legislativo n. 5, de 26.08.1947, promulgada pelo Decreto n. 3.597, de 12.09.2000. in MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1443-1444. A Organização Internacional do Trabalho foi criada em 1919 como parte do Tratado de Versailles, em sua Parte XIII, durante a Primeira Guerra Mundial, pela então Sociedade das Nações (ou Liga das Nações) que foi a sua mantenedora. Com a extinção desta última e a criação da Organização das Nações Unidas em 26 de junho de 1945 a OIT passou a ser um organismo especializado da ONU, conforme dispõe o art. 57 da Carta das Nações Unidas, sendo classificada pela doutrina como pessoa jurídica de direito público internacional, posto que é vinculada à ONU mas não a integra. O objetivo da OIT é uniformizar o tratamento dado à relação capital e trabalho dentro dos parâmetros da justiça social. A sua competência (ratione materie et personae) é delimitada somente pelos princípios dos direitos humanos e sociais. Seus principais atos legislativos são chamadas de Normas Internacionais de Trabalho (NIT) e atingem somente os Estados-membros, as quais causam grande repercussão econômica e social nos Estados, são de duas ordens: as Convenções, como acordos vinculantes aos países-membros de forma a obrigar a legislação interna, sofrendo portanto o controle de convencionalidade, e as recomendações, de caráter declaratório. Há 185 Convenções Internacionais do trabalho, sendo que atualmente 95 foram ratificadas pelo Brasil, até o início de 2010. As principais Convenções são: a) Liberdade sindical (Convenções n. 87 e 98); b) Proibições de trabalhos forçados (Convenções n. 29 e 105); c) Igualdade de oportunidade e de tratamento: Convenções n. 100 e 111; d) Idade mínima de admissão ao emprego e proteção do trabalho do adolescente: Convenções n. 138 e 182; e) Promoção e proteção da saúde do trabalhador e do meio ambiente do trabalho: Convenções 148, 155, 161 e 187. Destas últimas, que tratam diretamente sobre a saúde do trabalhador, somente a Convenção 187 não foi ainda ratificada pelo Brasil. Cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p. 70 et seq.; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. loc. cit. p. 907 et seq.; SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3 ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 120 et seq.; CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 51 et seq.
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esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum;235
c) Princípio 8 da Declaração Sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo, junho de
1972), que diz: O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao
homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar, na Terra, as condições necessárias
à melhoria da qualidade de vida.236
235 A teoria do controle de convencionalidade no direito brasileiro propõe que uma lei doméstica somente terá validade se houver respeito também aos tratados internacionais, especialmente quando estes versam sobre a matéria de defesa dos direitos humanos. Ademais, a EC 45/2004, inovou com a possibilidade do controle concentrado de convencionalidade no Brasil. Essa tese foi apresentada pela primeira vez pelo Pós-Doutor Valério de Oliveira Mazzuoli, com a qual doutorou-se (summa cum laude) em 04 de novembro de 2008 na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assim, segundo a tese, toda produção legislativa nacional deve sofrer um duplo grau de análise de compatibilidade, levando-se em conta que vivemos no Estado Constitucional e Humanista de Direito por causa da universalidade dos direitos humanos: a) Constituição e os tratados de direitos humanos (material ou formalmente constitucionais) ratificados pelo Estado; e (2) os tratados internacionais comuns também ratificados e em vigor no pais. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. loc. cit. p. 179; ________. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais, 2009, vol. 889, p. 105; ________. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. 236 Cf. MAZZUOLI, Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1.127. Vários fatores motivaram a Convenção de Estocolmo em 1972, mas vamos citar somente dois que reputamos os principais: o primeiro diz respeito ao processo de “africanização da ONU”, ou seja, quando os países africanos deixaram de se tornar colônias dos países desenvolvidos e, agora como membros da ONU, com direito a voto e assento em sua Assembléia Geral inclusive, puderam expor ao mundo a miséria resultante do processo de industrialização que as suas ex-metrópoles deixaram como rastro. O segundo fator foi o fenômeno conhecido como “marés negras”, i. é, o derramamento acidental de óleo bruto no mar, destacando-se o ocorrido com o super-petroleiro Torrey Canyon em 18 de Marco de 1967, nas costas de Bretanha (França). Assim, em 03 de Marco de 1968, a 23a Assembléia Geral da ONU, através da Resolução n. 2.398, recomendou ao seu Conselho Econômico e Social (ECOSOC) a necessidade de realizar uma Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano. Após, houve intensa preparação para a conferência nas reuniões preliminares, destacando-se o Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Founex, próximo a Genebra, de 04 a 12 de junho de 1971. Outro aspecto relevante das reuniões que antecederam a conferência foi a rivalidade propostas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que os primeiros queriam que a conferência desse destaque às medidas para obstar o avanço da poluição provocada pelo processo de industrialização desorganizado. Já os segundos entendiam que tais medidas a serem adotadas afetariam a política interna deles e os impediriam de desenvolver. Com efeito, ficou célebre a frase dos países africanos francófonos que resume bem esse embate: “Si vous voulez que nous soyons propres, payez-nous le savon!” (Se vocês querem que sejamos limpos, pague-nos o sabão! – em tradução livre). A despeito disso, os frutos da Conferência de Estocolmo foram: a Declaração de Estocolmo, com os seus famosos 26 princípios; o Plano de Ação para o Meio Ambiente; a Resolução a respeito dos aspectos financeiros e estruturais da ONU e a criação de um organismo voltado para o meio ambiente, ou seja, o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Pnuma ou Unep em inglês ou, ainda, Pnue, em francês). Este último estruturou-se como órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU, como agencia especializada, tal qual a OIT, OMS, dentre outros. Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 51-55.
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d) Artigo 12 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas
(1966), que diz:
Art. 12 - 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar [...]. b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;237
e) A Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre a
segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, adotada em Genebra, em
1981, durante a 67ª Seção da Conferência Internacional do Trabalho.238
f) Convenção 161 da OIT (1985) sobre serviços de saúde no trabalho, que
expressamente diz em seu artigo 3. 1:
Todo Membro se compromete a estabelecer progressivamente serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, incluídos os do setor público e os membros das cooperativas de produção, em todas as áreas de atividade econômica e em todas as empresas. As disposições adotadas deveriam ser adequadas e apropriadas aos riscos específicos que prevalecem nas empresas.239
g) Carta de Ottawa (Canadá – 1986). Promoção da Saúde nos Países Industrializados
(1ª Conferência Internacional sobre), Promoção da Saúde especialmente:
A conservação dos recursos naturais do mundo deveria ser enfatizada como uma responsabilidade global. Mudar os modos de vida, de trabalho e de lazer tem um significativo impacto sobre a saúde. Trabalho e lazer deveriam ser fontes de saúde para as pessoas. A organização social do trabalho deveria contribuir para a constituição de uma sociedade mais saudável. A
237 MAZZUOLI, Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 877. Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução N.º 2200-A (XXI), de 19.12.1966. No Brasil pelo Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991, e promulgado pelo Decreto nº 591, 06.07.1992. 238 No Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo n. 2, de 1992 e promulgado pelo Decreto 1.254 de 29 de setembro de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1254.htm Acesso em: 23 jun. 2010. 239 No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a Convenção pelo Decreto Legislativo n. 86, de 14 de dezembro de 1989, promulgado pelo Executivo através do Decreto 127 de 22 de maio de 1991, D. O. U. 23 de maio de 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0127.htm Acesso em: 05 jul. 2010.
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promoção da saúde gera condições de vida e trabalho seguras, estimulantes, satisfatórias e agradáveis.240
h) Relatório de Brundtland (1987), especialmente o:
[...] terceiro grupo de assuntos abordados merece uma referência especial, pois as questões sociais ligadas à pessoa humana passam a figurar com destaque numa relação de problemas ambientais. Os assuntos mencionados são: uso da terra e sua ocupação, abrigo, suprimento de água e saneamento, administração do crescimento urbano acelerado, entre outras questões sociais em especial a educação;241
i) Declaração de Adelaide (Austrália – 1988). Promoção da Saúde e Políticas Públicas
Saudáveis (2ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde), especialmente:
As iniquidades no campo da saúde tem raízes nas desigualdades existentes na sociedade. Para superar as desigualdades existentes entre as pessoas em desvantagem social e educacional e as mais abastadas, requer-se políticas que busquem incrementar o acesso daquelas pessoas a bens e serviços promotores de saúde, e criar ambientes favora ́veis.242
j) Plataforma de Tlatelolco (07 de março de 1991), especialmente sobre o tópico da
erradicação da pobreza em assentamentos humanos;243
k) Declaração de Sundsvall (Suécia - 1991) − Promoção da Saúde e Ambientes
Favoráveis à Saúde (3ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde):
240 CARTA DE OTTAWA. Tópico Criando ambiente favoráveis. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf Acesso em: 12 jul. 2010. 241 Cf. NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex, 1995. p. 35. O Relatório Brundtlant foi um importante estudo sobre o meio ambiente humano elaborado pela World Commission on Environment and Development por determinação da Assembléia Geral da ONU através da Resolução 38/161 e adotada na sua 38a Sessão em 1983. Assim, para presidir os trabalhos dessa comissão foi designada a Primeira Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. Dentre os vários conceitos trazidos ao mundo por esse relatório, destaca-se o de equidade intergeracional, que pode ser explicado pelo seu princípio, de mesmo nome, constante em seu Anexo I.1, item Princípios Gerais, Direitos e Responsabilidades: States shall conserve and use the environment and natural resources for the benefit of present and future generations. Em tradução livre: Os Estados devem conservar e utilizar o meio ambiente e os recursos naturais para o benefício das presentes e futuras gerações. Cf. The World Commission On Environment And Development. Our common future. New York: Oxford University, 2009. p 347. 242 DECLARAÇÃO DE ADELAIDE. Tópico Equidade, acesso e desenvolvimento. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Adelaide.pdf Acesso em: 12 jul. 2010. 243 Cf. SOARES, loc. cit. p. 54.
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A pobreza frustra o desejo e os sonhos das pessoas de construírem um futuro melhor, enquanto seu acesso limitado às estruturas políticas solapa as bases de sua autodeterminação. Para muitos, a educação é inatingível ou insuficiente, ou ainda falha em capacitar e fortalecer as populações mais pobres. Milhões de pessoas não tem acesso à educação básica e tem pouca esperança num futuro melhor. As mulheres, maioria da população mundial, ainda são muito oprimidas. Elas sãos sexualmente exploradas e sofrem discriminação no mercado de trabalho e em muitas outras áreas, impedindo-as exercer um papel mais relevante na criação de ambientes favoráveis à sau ́de.244
l) O preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), que diz:
Conscientes de que a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica é de importância absoluta para atender as necessidades de alimentação, de saúde e de outra natureza da crescente população mundial, para o que são essenciais o acesso a e a repartição de recursos genéticos e tecnologia;245
m) Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro Sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (1992): Os seres humanos estão no centro das preocupações com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com
a natureza;246
n) Agenda 21, especialmente o seu Capítulo 29 intitulado Fortalecimento do papel dos
trabalhadores e de seus sindicatos com os seguintes objetivos gerais e específicos:
O objetivo geral é a mitigação da pobreza e o emprego pleno e sustentável, que contribui para ambientes seguros, limpos e saudáveis: o ambiente de trabalho, o da comunidade e o meio físico. Os trabalhadores devem
244 DECLARAÇÃO DE SUNDSVALL. Tópico Uma convocação para ação. Disponível http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Sundsvall.pdf Acesso em: 12 jul. 2010. 245 MAZZUOLI, loc. cit. p. 1.133. Adotada no Rio de Janeiro, 05.06.1992. No Brasil, Decreto Legislativo 2, de 03.02.1994, e promulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998. Essa convenção fez parte da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, ocorrida no Rio de Janeiro em junho de 1992, a qual provocada pela Resolução n. 44/288 de 22 de dezembro de 1989 na XLIII Sessão da Assembléia Geral da ONU. A CNUMAD nasceu sob os efeitos da “africanização” da ONU, na década de 60, que, por sua vez, causou a criação da Unctad (United Nations Conference on Trade and Development) em 1964 que se firmou como critico do Gatt e tinha três linhas de defesa: liberdade (no comércio internacional), desigualdade (a ser reconhecida entre Estados desenvolvidos e os em desenvolvimento) e não-reciprocidade (no tratamento das relações entre os países industrializados e os em vias de desenvolvimento). Cf. SOARES. loc. cit. p. 71, nota 2; WEISS, Edith Brown; JACKSON, Jonh. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VARELLA, Marcelo D.; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (organizadores). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009. p. 177-204. 246 Ibid. p. 1.129. Adotada no Rio de Janeiro ao final dos trabalhos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 1992.
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participar plenamente da implementação e avaliação das atividades relacionadas com a Agenda 21. 29.3. Para esse fim, propõe-se a realização dos seguintes objetivos até o ano 2000: (a) Promover a ratificação das convenções pertinentes da OIT e a promulgação de legislação em apoio dessas convenções; (b) Estabelecer mecanismos bipartidos e tripartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável; (c) Aumentar o número de acordos ambientais coletivos destinados a alcançar um desenvolvimento sustentável; (d) Reduzir os acidentes, ferimentos e moléstias de trabalho, segundo procedimentos estatísticos reconhecidos; (e) Aumentar a oferta de educação, treinamento e reciclagem para os trabalhadores, em particular na área de saúde e segurança no trabalho e do meio ambiente;247
o) Declaração de Jacarta (Indonésia - 1997). Promoção da Saúde no Século XXI (4ª
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde), especialmente:
Os pré-requisitos para a saúde são: paz, abrigo, instrução, segurança social, relações sociais, alimento, renda, direito de voz das mulheres, um ecossistema estável, uso sustentável dos recursos, justiça social, respeito aos direitos humanos e equidade. A pobreza é, acima de tudo, a maior ameaça à saúde.248
p) Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu
seguimento - 86ª. Sessão, Genebra, junho de 1998, especialmente a parte que diz:
A Conferência Internacional do Trabalho, 1. Lembra: a) que ao incorporar-se livremente à OIT, todos os Membros aceitaram os princípios e direitos enunciados em sua Constituição e na Declaração de Filadélfia, e se comprometeram a esforçar-se para atingir os objetivos gerais da Organização com o melhor de seus recursos e de acordo com suas condições específicas; b) que esses princípios e direitos se expressam e desenvolvem na forma de direitos e obrigações específicos em Convenções reconhecidas como fundamentais dentro e fora da Organização. 2. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as Convenções, têm um compromisso derivado do simples fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas Convenções, isto é: (a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (c) a efetiva
247 AGENDA 21. Disponível em: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=872 Acesso em: 24 jun. 2010. 248 DECLARAÇÃO DE JACARTA. Tópicos Determinantes da saúde: novos desafios. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Jacarta.pdf Acesso em: 13 jul. 2010.
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abolição do trabalho infantil; e (d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação;249
q) art. 11 da Carta Social Europeia, cuja entrada em vigor internacional deu-se em 1o
de julho de 1999: Todas as pessoas têm o direito de beneficiar de todas as medidas que lhes
permitam gozar do melhor estado de saúde que possam atingir;250
r) Declaração do México (2000). Promoção da Saúde: Rumo a Maior Equidade (5ª
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde);
s) Carta de Banguecoque (Tailândia - 2005). Promoção da Saúde num Mundo
Globalizado (6ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde).
Emprestamos de Câmara et al o quadro que se segue, onde temos o registro de alguns
marcos históricos internacionais sobre a saúde e o meio ambiente:251
249 CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO. Disponível em: http;//www.oitbrasil.org.br/.../declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf Acesso em: 23 jun. 2010. 250 CARTA SOCIAL EUROPÉIA. Disponível em:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/rar64A_2001.html Acesso em: 28 out. 2011. 251 CÂMARA, Volney de Magalhães; GALVÃO, Luiz Augusto Cassanha. A Patologia do Trabalho numa Perspectiva Ambiental. In: MENDES, René; WAISSMANN, William. Patologia do trabalho. 2 ed. atual. e ampl. 2 vol. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1.660. Alguns marcos históricos citados já o foram também anteriormente com o seu conteúdo normativo específico.
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ANO/LOCAL TÍTULO TÓPICOS ABORDADOS
1972, Suécia Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
Incorporação das questões ambientais na agenda dos grandes temas internacionais.
1980-1997, México Criação do Centro Pan-Americano de Ecologia Humana e Saúde (ECO/OPAS)
Apoio aos países das Américas sobre conceitos e metodologias em saúde ambiental.
1987, EUA
Relatório Nosso Futuro Comum da Comissão Brundtland (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento da ONU)
Discute o conceito de desenvolvimento sustentável como forma de proteger futuras gerações. Relação das questões ambientais com o desenvolvimento econômico: Relatório Nosso Futuro Comum em 1987.252
1988, Austrália Recomendações de Adelaide Inclusão de ambiente de suporte entre as cinco áreas de ação para a promoção da saúde.
1991, Suécia Declaração de Sundsvall
O desenvolvimento como melhoria da qualidade de vida e de saúde e preservação da sustentabilidade.
1992, Brasil Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD
Convenções sobre diversidade biológica e mudanças do clima; Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Agenda 21 etc.
1994, EUA Cúpula das Américas A integração regional do tema saúde ambiental.
1995, América do Sul Instalação do Mercado Comum do Cone Sul – MERCOSUL
Integração normativa de questões relacionadas ao ambiente.
1995, EUA Carta Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento
Proposta de uma estratégia comum nas Américas para discussão de temas de saúde ambiental.
252 Sobre esse relatório histórico, que já falamos anteriormente, cabe esclarecer que após a Convenção de Estocolmo (1972) e a consequente criação do Pnuma, houve uma considerável quantidade de tratados e convenções internacionais sobre o meio ambiente, conforme pode-se comprovar pela publicação do respectivo Pnuma (www.unep.org). Assim, novos conceitos surgiram, representando o Relatório Brundtland como uma resposta científica a essa necessidade existencial humana em não ser extinto do planeta e preparando para a Conferência da Rio 92, anos mais tarde. Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Dez anos apos Rio-92: O cenário internacional, ao tempo da cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável (Joanesburgo, 2002). In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira; IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney (org.). Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato: Cathedral Publicações, 2009. p. 36-60.
81
Com efeito, sobre a relação entre o direito fundamental à saúde e o meio ambiente,
Cançado Trindade, expõe:
Pertencendo, como o direito à vida, ao domínio dos direitos básicos ou fundamentais, o direito à saúde é um direito individual no sentido de que requer a proteção da integridade física e mental do indivíduo e de sua dignidade; e é também um direito social no sentido de que impõe ao Estado e à sociedade a responsabilidade coletiva pela proteção da saúde dos cidadãos e pela prevenção e tratamento das doenças. O direito à saúde, assim apropriadamente entendido, fornece, como direito à vida, uma ilustração vivida da indivisibilidade e da inter-relação de todos os direitos humanos.253
O direito à saúde não pode ser interpretado somente de modo restritivo. Desta forma,
os Estados devem ser impelidos a adotar todas as medidas necessárias para a proteção e
promoção desse direito fundamental.
Em outras palavras, é reconhecido não somente o direito de proteção à saúde, mas que
esta possua um patamar existencial para a preservação da vida e, assim, seguir a citada regra
universal de não extinção da raça humana.
É por essa perspectiva dupla do direito à vida, ou seja, direito à vida propriamente
dito, direito de não ser abolido, e o direito de viver com qualidade, que podemos constatar a
abrangência dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, reconhecer a sua indivisibilidade e
inalienabilidade.
Reforçando essa ideia, Cançado Trindade cita a interpretação de alguns membros do
Comitê de Direitos Humanos sobre o art. 6o do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações
Unidas de 1966, que trata especificamente do direito à vida, para que o Estado tome medidas
positivas para assegurar à vida, inclusive providências para reduzir o índice de mortalidade
infantil, prevenir os acidentes industriais, e proteger o meio ambiente [...]254
Concluindo a sua ideia, leciona que:
[...] tomando os requisitos essenciais do direito de viver255 (supra) como um corolário do direito à vida, tem Desch argumentado que a distribuição não-equitativa de alimentos ou medicamentos pela autoridades públicas, ou mesmo a tolerância da subnutrição ou a não-redução da mortalidade infantil constituiriam violações do artigo 6 do Pacto se acarretassem uma privação arbitrária da vida. A atual doutrina internacional dos direitos
253 CANÇADO TRINDADE, loc. cit. p. 84. 254 Ibid. p. 73. 255 Ibid. p. 71. Cançado Trindade se refere à doutrina do Direito Internacional que restringe a pena de morte
82
humanos efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vida em sua ampla dimensão do direito de viver; Gros Espiell tem argumentado que se encontram eles ‘necessária e dialeticamente inter-relacionados e não podem ser plenamente entendidos sem referencia um ao outro.256
Portanto, há duas obrigações básicas diante do direito fundamental à vida: de impedir,
ou restringir, a sua extinção e, também, de promover a sua qualidade. De outro ângulo, assim
como esse direito deve ser visto de forma ampla, os riscos que o ameaçam devem também ser
interpretados de forma extensiva de modo que o direito à vida seja substituído pelo direito de
viver.257
Se com a tutela do direito à vida se preserva também a saúde, este último,
especificamente, representa o passo definitivo a um meio ambiente com qualidade.
Com efeito, tal qual o direito à vida, o direito à saúde representa obrigações negativas
e positivas, no sentido de proporcionar tratamento digno a todo e qualquer ser humano, bem
como [...] tomar todas as providências apropriadas para proteger e preservar a saúde
humana (inclusive medidas de prevenção de enfermidades).258
É por essa obrigação positiva em se promover a saúde que há a aproximação desse
mesmo direito em relação ao meio ambiente, especialmente em alguns documentos
internacionais de forma expressa, como o art. 12 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais das Nações Unidas (1966), tornando, portanto, o direito à saúde um direito humano
à salubridade ambiental.259
A Organização Mundial da Saúde - OMS e o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente - Pnuma, ambas as agências especializadas da ONU, na forma do art. 57 da
Carta das Nações, desenvolvem o programa Health and Environment Linkages Initiative
(HELI)260 para estudar e implementar ações sobre a relação e influências entre a saúde e o
meio ambiente.
Com efeito, eles levam em consideração vários indicadores científicos para não
somente relacionar uma área com a outra como também possibilitar a implementação de
políticas públicas que promovam o meio ambiente saudável e, consequentemente, a saúde
humana.
Dentre os documentos publicados sobre o tema, vela ressaltar dois reputados mais
importantes: o primeiro foi o resultado de uma Conferência ocorrida no Gabão (África), entre 256 CANÇADO TRINDADE, loc. cit. p. 73. 257 Ibid. p.76 e 77. 258 Ibid. p. 83. 259 Ibid. p. 84. 260 Disponível em: http://www.who.int/heli/en/ Acesso em: 30 out. 2011.
83 26 e 29 de agosto de 2008, cujo tema foi: Health Security through Healthy Environments -
First Interministerial Conference on Health and Environment in África.261
Basicamente o documento ressalta que o meio ambiente é um dos principais fatores
determinantes da saúde do indivíduo e traça a importância dos estudos de impacto,
especialmente: a avaliação de impacto ambiental (environmental impact assessment - EIA),
avaliação integrada (integrated assessment - IA), avaliação de impacto à saúde (health impact
assessment - HIA)262 e a avaliação ambiental estratégica (strategic environment assessment -
SEA).
Interessante notar que o documento expressamente reconhece quais são as principais
declarações internacionais que ligam diretamente a saúde e o meio ambiente, a saber: a)
Stockholm Declaration on the Human Environment (1972); b) Alma-Ata Declaration on
Primary Health Care (1978); c) Bamako Convention on Hazardous Wastes (1991); d)
Declaration of the UN Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro (1992);
e) Millennium Declaration and the subsequent Millennium Development Goals (2000); f)
Johannesburg Plan of Implementation adopted by the World Summit on Sustainable
Development (2002); g) Health Strategy of the African Union (2006); h) The
recommendation of the Joint International Conference on “Desertification and the
International Policy Imperative” (2006); i) Algiers Declaration on Health Research in Africa
(2008); j) Ouagadougou Declaration on Primary Health Care and Health Systems (2008); k)
The Ethekwini Declaration on Hygiene and Sanitation (2008); l) Bali Declaration on Waste
Management for Human Health and Livelihood (2008).263
O segundo documento denominado Health environment: managing the linkages for
sustainable development: a toolkit for decision-makers: synthesis report aborda a necessidade
de integração de ações conjuntas entre os dois campos a fim de aproveitar a sinergia existente
entre a saúde e o ambiente. Assim, os estudos sobre o ambiente têm muito a ensinar sobre o
monitoramento da poluição ambiental e a sua regulação, ao passo que os estudos relacionados 261 World Health Organization and United Nations Environmental Programme. Health Security through Healthy Environments - First Interministerial Conference on Health and Environment in África. Nairobi: WHO/UNEP, 2008. p. 19. Disponível em: http://www.unep.org/health-env/pdfs/WHOLibrevilleReport.pdf Acesso em: 30 de out. 2011. 262 Sobre a metodologia de aplicação da “avaliação de impacto à saúde” (HIA), v. KEMM, John. What is HIA and why might it be useful? In: WISMAR, Matthias; BLAU, Julia; ERNST, Kelly; FIGUERAS, Josep. The Effectiveness of Health Impact Assessment. Scope and limitations of supporting decision-making in Europe. Copenhagen (Denmark): WHO Regional Office for Europe, 2007. p. 3-13. Disponível em: http://www.euro.who.int/PubRequest Acesso em: 1 nov. 2011. 263 Ibid. p. 19. Conforme site oficial do Ministério das Relações Exteriores, Divisão de Atos Internacionais (Disponível em: www2.mre.gov.br/dai Acesso em: 31 out. 2011), somente os itens “a” e “d” foram incorporados no Brasil como direito costumeiro internacional, posto que tratam-se de declarações internacionais e, assim, não passam pelo processo de ratificação formal dos tratados.
84 à saúde podem evidenciar os riscos ambientais para a saúde humana e o seu bem-estar.264
As variáveis utilizadas nos estudos de impacto (EIA, IA, HIA e SEA) do HELI são
relacionadas às respectivas áreas especializadas, o que os peritos chamam de “foco
setorial”.265
Via de regra, essas variáveis giram em torno dos problemas advindos da
industrialização e do aquecimento global: poluição do ar urbano, riscos em populações
particularmente vulneráveis (populações urbanas, crianças ou trabalhadores), exposição a
agentes químicos, físicos e fatores de risco biológicos, além dos desafios "tradicionais" em
países como os da África (falta de acesso a higiene, água potável e saneamento; irrigação
ausentes ou mal projetadas; infraestrutura rodoviária inexistente ou mal construída; falta de
habitação; ausência de gestão de resíduos, etc.). A despeito desse grande número, todos os
quadros dos estudos de impacto levam à mesma conclusão básica: bens e serviços ambientais
sustentam a saúde humana, e as más condições ambientais causam uma proporção
significativa da carga global de doenças.266
Assim, tendo em vista essa abrangência de conteúdo e suas repercussões
internacionais sobre a tutela da saúde e a sua relação com o meio ambiente, a Constituição
Federal de 1988, seguindo essa mesma linha, introduziu vários aspectos de proteção em
relação ao tema.
Com efeito, Figueiredo pondera que:
[...] ao aduzir à ‘recuperação’, estaria conectada ao que se convencionou chamar de saúde curativa; as expressões ‘redução do risco de doença’ e ‘proteção’, por seu turno, teriam relação com a saúde preventiva; enquanto, finalmente, o termo ‘promoção’ estaria ligado à busca da qualidade de vida.267
Desta forma, uma vida somente pode ser considerada digna se possui a tutela de sua
saúde abrangida em todos os aspectos funcionais e socioambientais do sujeito de forma a
compor o que podemos chamar de qualidade ambiental.
Nesse ponto vale ressaltar que a saúde é um direito social fundamental contido no art.
6o da CRFB/88 e que integra como um dos elementos da cidadania. Mas também relaciona-se
264 Cf. World Health Organization and United Nations Environmental Programme. Geneva (Switzerland): WHO/UNEP, 2008. Disponível em: www.who.int/heli Acesso em: 30 out. 2011. 265 KEMM, loc. cit. p. 33. 266 World Health Organization and United Nations Environmental Programme. op. cit. p.12. (Tradução livre). 267 FIGUEIREDO, loc. cit. p. 81.
85 diretamente ao conteúdo do próprio art. 225 da mesma Constituição quando este evoca que o
meio ambiente equilibrado é “essencial à sadia qualidade de vida”, o que imprime
necessariamente a ideia de interdependência entre a própria vida com qualidade e a saúde, ou
seja, vida digna é equivalente à vida saudável.268
Vê-se o duplo aspecto em relação ao direito fundamental à saúde, o qual possui a sua
dimensão ampla (social) e também restrita (individual). Assim, a judicialização do seu acesso
é não somente plausível como efetiva.
Deve-se estabelecer, por outro lado, quais são os parâmetros para se aquilatar a saúde
como qualidade de vida, especialmente se estivermos em foco o meio ambiente do trabalho.
A saúde como qualidade de vida, dentro da visão crítica desenvolvida neste trabalho,
significa a [...] busca de justiça e igualdade material, pela compensação das deficiências
naturais, entre as quais se insere a própria doença.269
Benjamin270 adverte que saúde e meio ambiente ecologicamente equilibrado não se
confundem, posto que a proteção daquele bem, muitas vezes está vinculada à medida sanitária
do meio ambiente do trabalho e somente indiretamente pode afetar o meio ambiente
natural.271
Por outro lado, o termo “qualidade de vida” do dispositivo constitucional brasileiro,
268 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 76. V. HABER, Lilian Mendes. O sobreprincípio da soberana qualidade de vida. Revista de Direito Ambiental, vol. 55, 2009. p. 87. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/authentication/formLogin?ndd=2&redirect=%2Fmaf%2Fapp%2Ftocectory%3Fndd%3D2%26tocguid%3Dbrroot%26stnew%3Dtrue&tocguid=brroot&stnew=true Acesso em: 27 dez. 2011. 269 FIQUEIRERO, loc. cit. p. 83. V. também DALLARI, Sueli Gandolfi; JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Direito sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010. p. 11. 270 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 90-91. O mesmo autor acrescenta que diante desse estado de constitucionalização do direito ambiental, o Estado brasileiro teve uma redução em sua discricionariedade e está obrigado a agir para promover tal estado constitucional por ele declarado em várias oportunidades na Constituição. Cf. Ibid. p. 75. 271 No meio ambiente do trabalho quando há exposição direta a produtos perigosos (agrotóxicos, por exemplo) o trabalhador é o primeiro a sofrer as consequências nocivas e até letais em sua saúde. Fiorillo apresenta a divisão do meio ambiente em: a) natural: compreende o ambiente físico composto pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas, pelo solo, pelo subsolo, pela fauna e flora. Nele encontra-se o fenômeno da homeostase, i. é, o equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem; b) artificial: engloba o espaço urbano construído com as edificações (espaço urbano fechado) e equipamentos públicos (espaço urbano aberto); c) cultural: envolve a produção histórica e cultural do povo, com as quais forma a sua identidade e aspectos de sua cidadania; d) trabalho: permeia a relação capital e trabalho, sobre o qual desenvolveremos no próximo capítulo. Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 20-23. Essa divisão é apresentada apenas para fins didáticos, posto que ela apenas alimenta a nossa crítica desenvolvida no primeiro capítulo sobre a pretensa racionalização e domínio sobre a natureza que os modernos (Kant) pretenderam realizar, como se cada campo não estivesse ligado a outro umbilicalmente.
86 segundo o mesmo autor, igualmente representa o alargamento do antropocentrismo estrito, ou
seja, cuida da vida em geral que, direta ou indiretamente, afeta a vida humana e as suas
relações entre si.272
2.3 MULTIPLICIDADE DE ASPECTOS QUE ENVOLVEM A SAÚDE E O MEIO AMBIENTE: O DIREITO À INFORMAÇÃO E O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL
O direito à saúde e ao meio ambiente saudável exigem o exercício democrático do
poder para viabilizar o seu pleno gozo.
Contudo, este mesmo poder sofre atualmente um processo de horizontalização e busca
novos territórios do direito, como vimos.
Com efeito, uma das formas de democratizar o exercício desse poder é através da
participação popular dentro da ação de universalizar as informações relativas aos riscos
ambientais e, consequentemente, à saúde humana.
Mas para tanto, há necessidade da informação conseguir chegar ao seu destinatário
sem perder ou perverter o seu conteúdo.
Dentro desse processo enfrentamos outro problema da modernidade: o acesso à
informação num mundo de cultura de massa.
Adorno e Horkheimer, grandes críticos da massificação cultural ou “indústria
cultural”, contestando a tese que vivemos uma era de caos cultural pelo “desenraizamento”273
provocado pelo iluminismo e sua alienação em relação à metafísica e à religião, afirmam:
Na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religião objetiva fornecia, a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a um caos cultural. Ora, essa opinião encontra a cada dia um novo desmentido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. Até mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmo louvor do ritmo de aço. Os decorativos prédios administrativos e os centros de exposição industriais mal se distinguem nos países autoritários e nos demais países. Os edifícios monumentais e luminosos que se elevam por toda parte são os sinais exteriores do engenhoso planejamento das corporações internacionais, para o qual já se precipitava a livre-iniciativa dos empresários, cujos
272 BENJAMIN, loc. cit. p. 108. 273 Vide Capítulo I.
87
monumentos são os sombrios prédios residenciais e comerciais de nossas desoladas cidades.274
E arrematam:
Mas os projetos de urbanização que, em pequenos apartamentos higiênicos, destinam-se a perpetuar o indivíduo como se ele fosse independente, submetem-no ainda mais profundamente a seu adversário, o poder absoluto do capital. Do mesmo modo que os moradores são enviados para os centros, como produtores e consumidores, em busca de trabalho e diversão, assim também as células habitacionais cristalizam-se em complexos densos e bem organizados. A unidade evidente do macrocosmo e do microcosmo demonstra para os homens o modelo de sua cultura: a falsa identidade do universal e do particular.275
Por outro ângulo, o modelo de crise ambiental que enfrentamos atualmente exige
novas ações emergenciais de um modelo democrático de Estado, o que inclui, portanto,
formas de acesso à informação sobre a saúde e o meio ambiente tanto para legitimar as
decisões do Estado quanto para se romper com o processo de industrialização cultural a que
estamos inseridos.
Assim, a par dessa crise do meio ambiente, há também o problema do crescimento
demográfico, o qual, conjugado ao primeiro, torna ainda mais difícil a preservação da
natureza se não houver a integração do bem ambiental276 e a sua informação específica como
objetos de tutela.
Em suma, tanto o modelo socialista, com a sua economia planificada, quanto o
capitalista, com a sua agressividade consumista sobre os recursos naturais, bem como o
Estado de Bem-estar, dentro de sua política do pleno emprego e maximização da produção,
não incluíram em seus programas a questão social ambiental, i. é, não repartiram nem as
riquezas e nem as misérias do processo produtivo,277 o que veio a provocar um “esgotamento
dos modelos de desenvolvimento econômico e industrial experimentados.”278
274 Cf. ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Guido Antônio de Almeida (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 99. 275 Ibid. p. 99-100. 276 Derani propõe, como forma de controlar ou diminuir a crise do meio ambiente, a economia ambiental como forma de calcular o valor do bem ambiental. Assim, monetariza os efeitos externos da produção dos recursos renováveis ou não. Contudo, critica Ayala, a monetarização desse fluxo não impõe, necessariamente, limites à própria produção e ao consumo sempre crescentes. Cf. DERANI, loc. cit. p. 125-132; LEITE; AYALA, loc. cit. p. 26. 277 Assim, a sociedade de riscos é a sucessora da “sociedade industrial ou de classes”, posto que a preocupação deixa de ser a forma de repartir a riqueza mas como dividir os riscos de forma a não impedir o processo de modernização e nem tão pouco esgotar a capacidade de tolerância ecológica, médica, psicológica e social. Cf.
88
Diante de toda essa complexidade da crise ambiental e como resposta a ela, Canotilho
propõe as gerações do direito ambiental a caracterizar o Estado de Direito Ambiental:279 a
primeira, notadamente antropocêntrica, é caracterizada por normas de proteção do meio
ambiente para o controle da poluição, mas sem perder de vista a necessidade crescente da
produção. Assim, não se tem ainda a agudeza que os efeitos provocados pela crise ambiental
ultrapassam fronteiras e mesmo continentes. A segunda geração já possui essa percepção e
enfrenta os problemas consequentes de alta complexidade e de impacto global, sem limitação
temporal ou física, causado pela ação antrópica no meio ambiente, tais como, aquecimento
global, ameaças aos ecossistemas, epidemias, dentre outros.
Em outra oportunidade, Canotilho280, fazendo uma retrospectiva histórica sobre o
Estado Ambiental em Portugal, alega que em forma semelhante ao que ocorre com a
classificação dos direitos fundamentais por geração ou dimensão, o direito ambiental também
passou de uma antropocêntrica para outra mais alargada, dentro do sistema constitucional
português cujas normas fundamentais iniciaram em 1976 com a respectiva Constituição.
Inobstante, a doutrina constitucional possui resistência em aceitar a natureza como sujeito de
direito, o que fez acreditar que a Constituição Portuguesa de 1976, como a brasileira de 1988,
não ultrapassou a barreira do antropocentrismo kantiano.
Desta forma, prossegue Canotilho, apesar de haver o deslocamento do eixo kantiano
do antropocentrismo ecológico de uns anos para cá, ainda não se pode dizer que se vive
plenamente um Estado democrático ambiental. Em verdade, continua o autor, a primeira
geração de direito ambiental relaciona-se à prática preservacionista pura e simples. Contudo,
apesar dos termos empregados na Constituição de Portugal de 1976 serem os mesmos, as
sucessivas interpretações causadas por revisões constitucionais alargaram o círculo de tutela
do meio ambiente, o que ensejou a segunda geração de direito ambiental que foi a
BECK, Ulrich. La sociedad Del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 2006. p. 30. 278 LEITE; AYALA, loc. cit. Id. 279 O nome “Estado de Direito Ambiental” possui os seguintes termos equivalentes: Estado socioambiental, Estado Pós-social, Estado Constitucional Ecológico, Estado do Ambiente, Estado Ambiental de Direito, Estado Ambiental e Estado de Bem-Estar Ambiental. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico)?: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 15-16; LEITE, José Rubens Morato e BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque da hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental, 2009, vol. 56, p. 55; LEITE; AYALA, loc cit. p. 33-70. 280 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativas de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1-11.
89 incorporação de valores extra-humanos aos do direito ambiental tradicional preservacionista,
fase esta a que o autor chamou de pluralismo legal ambiental.281
Conclui Canotilho que essa mudança de perspectiva ocorreu pela nova visão
internacional e europeia a partir de 1976 quando se percebeu que os problemas ambientais
possuem implicações duradouras e transfronteiriças, ao ponto de comprometer os interesses
das futuras gerações.
A poluição ambiental somente passou a se tornar uma preocupação internacional
quando ultrapassou as fronteiras, ou seja, tornou-se transfronteiriça e, assim, pôs em questão
não somente a permanência do homem na terra como também a necessidade de rediscussão
dos conceitos de soberania, vez que a antiga teoria do domínio reservado não mais servia para
solucionar o problema.
O marco histórico dessa alteração de pensamento ocorreu pela sentença arbitral do
caso Fundição Trail entre EUA e Canadá, em 1941, cujo teor foi o seguinte: nenhum Estado
tem o direito de usar ou de permitir o uso de seu território de tal modo, que causa dano em
razão do lançamento de emanações no, ou até o território de outro.282 Portanto, trata-se de
verdadeiro princípio geral do direito internacional do meio ambiente onde houve a imposição
de limitações claras à soberania sob o ponto de vista da máxima kantiana da reciprocidade.
Outro marco importante para o direito internacional do meio ambiente foi o ocorrido
na década de 60 com o processo de africanização da ONU283, ou seja, os países africanos
foram descolonizados e pela primeira vez puderam se expressar livremente na Assembleia
Geral da ONU com peso igual em seu voto em relação aos demais membros.
A partir de então, foram sendo criados sistemas de proteção do meio ambiente que se
comunicavam com os dos direitos humanos, até que na Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente realizado em Estocolmo em 1972 essa perspectiva humana fica evidente e
segue num crescente de alargamento do conceito de meio ambiente humano para incluir
também a defesa das futuras gerações. Isso veio expresso no Relatório de Brundtland em
1987284 e, finalmente, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento realizado no Rio de Janeiro em 1992 sedimentou além do tema da
sustentabilidade, também o direito ao desenvolvimento como princípio global.
Assim, a partir da constatação da crise ambiental, a qual se caracteriza pela falta de
recursos naturais, provocada pelos sucessivos desastres no meio ambiente, conforme relatado 281 CANOTILHO, loc. cit. p. 02. 282 SOARES, loc. cit. p 44. 283 Ibid. p. 46. 284 SOARES, op. cit. p. 73.
90 no próprio Relatório de Brundtland, pode-se perceber que a qualidade de vida estava sendo
afetada rapidamente e o próprio crescimento populacional tornou-se um dos fatores do
agravamento desse problema.285
Portanto, em nome das futuras gerações prejudicadas por essa crise houve uma
implementação na leitura do texto constitucional português de 1976 centrado em três
paradigmas: sustentabilidade e racionalidade no uso das fontes naturais para a sua salvaguarda
das futuras gerações e, consequente, estabilização em relação aos problemas criados até então.
Contudo, esse mesmo quadro somente será efetivo dentro de uma rede de pluralismo legal
global do próprio direito.
Como se pode constatar, a tutela do meio ambiente não pode ser restringida à proteção
de seus aspectos naturais, mas também aos relacionados ao ser humano em sua relação
complexa e formação do conceito de dignidade.
Esse amplo conceito de meio ambiente acabou sendo reproduzido no art. 3o, I da Lei
6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, como o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Desta forma, o direito ao ambiente sadio e equilibrado vai além de dever fundamental
do Estado em promovê-lo e, conforme compreende o sistema constitucional moderno,
vincula-se a várias dimensões de tutela, as quais são disseminadoras a todo o resto do
ordenamento jurídico e da participação popular pelas leis infraconstitucionais. Contudo, toda
essa força normativa necessita de implementações concretas dos agentes públicos e políticos
em colocarem como medida e finalidade de suas ações políticas.
Canotilho assenta que, como princípio geral, cabe ressaltar que não se pode retroagir
em políticas ambientais, admitindo-se este como princípio geral, caso contrário, poderá haver
a responsabilização por omissão do agente. Mas, segundo o mesmo autor, para que seja
implementado o princípio da irretroatividade em política ambientais, especialmente quanto
aos direitos dos seres humanos em viver num ambiente ecologicamente equilibrado, há a
necessidade de criar uma responsabilidade em relação às futuras gerações, primado este
declarado especialmente na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento realizado no Rio de Janeiro em 1992.
Ademais, prossegue, dessa obrigação em relação às futuras gerações decorre uma série
de desdobramentos de deveres estatais relacionados a proteção da vida humana e de todas as
285 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 23.
91 formas de vida dos ecossistemas que povoam o planeta. Também há necessidade de nível
técnico aplicado condizente com a necessidade de preservação, ou seja, standard como o que
ocorre, v, g., no ordenamento jurídico da União Europeia em âmbito de ambiente, da saúde,
do emprego 286 do trabalhador com o questionamento de existência de um núcleo mínimo de
existência ecológica, o qual deve ser sopesado com o princípio da proibição geral de
retrocesso em relação às medidas compensatórias.
Assim, o Estado de Direito Ambiental pode ser compreendido como produto de novas
reivindicações fundamentais do ser humano e particularizado pela ênfase que confere à
proteção do meio ambiente.287
Ainda segundo Canotilho, a fim de alcançar essa nova dimensão do Estado de Direito
Ambiental, i. é, para ele poder harmonizar os ecossistemas pertencentes e dignificar não
somente o homem como seu integrante, o seu conceito deve abranger bases não somente
jurídicas, como sociais e políticas.
Desta forma, Canotilho elenca três pressupostos para a construção desse Estado de
Direito Ambiental: a adoção de uma concepção integrada do meio ambiente; a
institucionalização dos deveres fundamentais ambientais; e o agir integrativo da
Administração.288 O primeiro ponto deve permitir que a proteção do meio ambiente não se
restrinja somente ao ambiente físico, mas também toda e qualquer influência sobre a vida na
terra, ou seja, seja ela de natureza natural, artificial ou cultural.289
O segundo elemento ocorre quando o direito fundamental ao meio ambiente ultrapassa
a esfera individual e forma a responsabilidade coletiva-ecológica pela defesa e proteção desse
mesmo patrimônio, de forma que essa relação seja constituída constitucionalmente. Com a
intermediação do Estado nessa relação, surge, então, o terceiro e último elemento: o agir
integrativo da Administração, onde todos são responsáveis pela defesa do meio ambiente.
Por essa análise, percebe-se que o direito à saúde, em sua concepção alargada como
defendemos, somente poderá ser plenamente exercitado se houver a aplicação dos parâmetros
mínimos do Estado de Direito Ambiental.
Por outro lado, o “agir integrativo da Administração” no Estado de Direito Ambiental
necessita da participação da população em todos os processos para a efetividade da tutela
ambiental. 286 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 7. 287LEITE; BELCHIOR, loc cit. p. 5. 288 Ibid. p. 5 et seq. 289 Este é o conceito legal de meio ambiente (art. 3º, I da Lei 9.638/81), que adotamos: meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
92
Assim, o direito à informação ambiental, nesta incluída toda e qualquer relativa ao
risco da saúde humana, deve ser exercido com todos os instrumentos jurídicos e políticos
possíveis. Porém, conforme advertido por Adorno e Horkheimer,290 o processo de
massificação da informação gera os seguintes problemas: a) concentração do poder e estrutura
hierárquica; b) destruição da memória coletiva; c) manipulação das informações por artifícios
e manobras.291
Com efeito, o principal problema suscitado com o direito à informação dentro do
Estado de Direito Ambiental é creditar que esse direito pode ser exercido pelo cidadão mesmo
fora de um processo judicial formal. Assim, apesar de reconhecer que a Constituição
brasileira seja o ápice do Estado de Direito Ambiental, mas não o seu centro exclusivo, muitas
vezes o intérprete do direito possui dificuldade em visualizar a perspectiva ambiental de
forma holística e, assim, reconhecer o direito fundamental à informação sem que seja
provocado por uma ordem judicial ou, no mínimo, demonstre interesse.
Sobre essa questão vale trazer a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos
que assegura o direito à informação mesmo fora de processo judicial. Trata-se do caso Claude
Reyes y otros Vs. Chile, com sentença de 19 de setembro de 2006. Houve um pedido de
informação pela parte autora em 17.12.1998 contra o Estado Chileno (Comité de Inversiones
Extranjeras - CIE) sobre a autorização conferida por este último à empresa florestal Trillium
y el Proyecto Río Condor a respeito de um projeto de desmate que ocorreria na 12a região do
Chile e poderia ser prejudicial ao meio ambiente e impedir o desenvolvimento sustentável do
Chile. O Chile negou o pedido alegando falta de interesse, mas a Corte Interamericana de
Direitos Humanos julgou procedente o pedido fundamentando no fato que não há necessidade
de interesse para se pleitear uma informação ambiental, posto tratar-se de direito
fundamental.292 Interessante reproduzir esse argumento do julgado:
En cuanto al argumento sostenido por Chile ante este Tribunal en el sentido de que ya no existe interés en la entrega de la información dado que el Proyecto “Río Cóndor” no se realizó, es preciso señalar que el control social que se buscaba con el acceso a la información bajo el control del Estado y el carácter de la información solicitada son motivos suficientes para atender al requerimiento de información, sin que deba exigirse al requirente que acredite una afectación directa o un interés especi ́fico.293
290 Supra. 291 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006. p. 30. 292 Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_esp.pdf Acesso em: 23 out. 2011. 293 Ibid. p. 61.
93
Outro exemplo dessa problemática podemos encontrar na alteração do Ato Único
Europeu em seu art. 130 R, 130 S e 130 T, atuais arts. 174 e 175, que fez inserir o meio
ambiente por ações práticas em sua defesa, bem como dispôs vários elementos que vão além
dos valores naturais: o homem, o planejamento urbano e da paisagem, a gestão do solo, a
gestão dos resíduos e da água e o uso dos recursos naturais, em particular da energia.294
Hoje em dia, o art. 2o da Diretiva 2003/4 do Parlamento e do Conselho da
Comunidade Europeia disciplina o acesso à informação sobre o meio ambiente dividindo-o
nas seguintes áreas: a) meio natural, incluindo os organismos geneticamente modificados; b)
substâncias ou energias que são depositadas nesse meio e que venha a modificá-lo; c) medidas
públicas ou acordos que tenham por objeto as alíneas a e b; d) relatórios sobre o meio
ambiente; e) análises, inclusive econômicas, do custo/benefício da alínea c; f) estado de saúde
e segurança das pessoas, em sua cadeia alimentar inclusive, quanto aos elementos da alínea a
diretamente ou indiretamente pelas alíneas b e c.295
A Convenção de Aarhus de 1998, denominada Convenção sobre Acesso à Informação,
Participação do Público no Processo Decisório e o Acesso à Justiça em Matéria Ambiental,
concebida pela UNECE (United Nations Economic Commission for Europe, integrante da
ONU) define em seu artigo segundo, item 3, o que seria informações sobre o meio ambiente
para fins da Convenção nas seguintes categorias: a) meio ambiente natural e a relação entre
eles; b) fatores que afetam esse meio; c) estado de saúde e segurança humana. Ela prevê
também a participação das Organizações Não Governamentais - ONGs no processo de
informação, conforme art. 2-5.296
Shelton,297 analisando essa importante convenção, diz que logo em seu preâmbulo há
destaque sobre o meio ambiente reconhecendo que a [...] adequada proteção ao meio
ambiente é essencial ao bem-estar humano e ao gozo dos direitos humanos fundamentais,
incluindo o próprio direito à vida.
Assim, segundo Shelton, a Convenção de Aarhus possui vários pontos fundamentais
para o Estado de Direito Ambiental: a) une meio ambiente e direitos humanos; b) reconhece
que devemos obrigações às futuras gerações; c) estabelece que o desenvolvimento sustentável
294 MACHADO. loc. cit. p. 75. 295 Ibid. p. 76. 296 Embora a Convenção de Aarhus não tenha sido ratificada pelo Brasil, o conteúdo da Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 integra ao espírito da convenção sobre uma cultura global influenciada por uma sociedade da informação ambiental. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação Internacional para a Preservação do Meio Ambiente: O Direito Brasileiro e a Convenção de Aarhus. Revista de Direito Ambiental, vol. 62, 2011. p. 223. p. 09. Disponível em: http://www.unece.org/env/pp/documents/cep43e.pdf Acesso em: 31 out. 2011. 297 SHELTON. Developing Substantive Environmental Rights (March 2010). loc. cit.
94 por ser implementado somente através de um envolvimento de todos os interessados; d) liga a
responsabilidade dos governos à proteção do meio ambiente; e) foca uma inter-relação entre o
público e autoridades públicas num contexto democrático.
Segundo Mazzuoli e Ayala, a Convenção de Aarhus serve de padrão ético para o
Brasil, posto que, a respeito da cooperação internacional para a tutela do meio ambiente, [...]
consagra aos cidadãos o acesso à informação, a participação na tomada de decisões e o
ingresso à justiça em matéria ambiental [...] através do tripé: informação, participação
pública nos processos de decisão, e acesso à justiça [...].298
Além dos citados acima, os documentos internacionais que introduziram o direito à
informação ambiental foram: a) UN Conference on the Human Environmental (Declaração de
Estocolmo de 1972); b) UN Environmental Programme – UNEP (Programa de Meio
Ambiente das Nações Unidas) 1972); c) Internacional Covenant on Civil and Political Rights
- ICCPR (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ) entrado em vigor em 1976; d)
International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights – ICESCR, entrado em vigor
em 1976; e) Vienna Convention for the Protection of the Ozone Layer (1985); f) UN World
Commission on Environmental and Development (Brundtland Report, 1987); g) Montreal
Protocolo n Substances that Deplete the Ozone Layer (1991); h) Agenda 21 of the Conference
on Environment and Development (1992); i) Commission on Sustainable Development
(1992); j) Environmental Committee of the Organization for Economic Cooperation and
Development (1992); k) Framework Convention on Climate Change (FCCC, 1994); l) Kyoto
Protocol to the FCCC (2005).299
Kiss ressalta que a participação pública e direito à informação, quanto à defesa do
meio ambiente, surge pela legitimidade do direito, especialmente quanto à participação nos
estudos de impacto e outros procedimentos. Ademais, o direito de participação pública é
baseado no direito daqueles que serão afetados, incluindo os estrangeiros, a dizer e determinar
o futuro do seu meio ambiente.300
A Declaração do Rio/92 foi fundamental quanto à promoção do direito à informação
ambiental, posto que resguardou a participação nos Princípios 10 (caráter geral), 20 (sobre a
participação da mulher), 21 (participação dos jovens) e 22 (participação dos índios e
comunidade local).
298 MAZZUOLI e AYALA. loc. cit. p. 10. 299 TRAER, Robert. Doing environmental ethics. Philadelphia/USA: Westview Press, 2009. p. 163 et seq. 300 KISS, Alexandre Charles; SHELTON, Dinah. International environmental law. 3 ed. New York: Transnational Publishers, 2004. p. 674.
95
No World Charter for Nature de 1982 (Carta Mundial da Terra), princípio 23, prevê o
mesmo conteúdo.
All persons, in accordance with their national legislation, shall have the opportunity to participate, individually or with others, in the formulation of decisions of direct concern to their environment, and shall have access to means of redress when their environment have suffered damage or degradation.301
A Espoo Convention on Environmental Impact Assessment in a Transboundary
Context (1991) determina que os Estados-parte notifiquem a população que será afetada pelo
empreendimento poluidor para que a mesma se manifeste, por audiências públicas. A decisão
final sobre a possibilidade do empreendimento levará em conta não somente os estudos de
impacto ambiental como também as opiniões das pessoas afetadas.302
Há também outros exemplos de tratados e convenções internacionais sobre a
participação pública na defesa do meio ambiente citados por Kiss: a) the United Nations
Conference on Desertification (UNCOD), 1991, art. 3o; b) North American Agreement on
Environmental Cooperation (NAAEC ou NAFTA), 1993, segundo Kiss, este foi o primeiro
acordo que permite que indivíduos, organizações ambientalistas e entidades de negócios
reclamem sobre a falha do Estado em fazer cumprir as leis ambientais, incluindo os
decorrentes de acordos internacionais; c) acordo entre Estados Unidos e Canadá em 1991
sobre a qualidade do ar, onde o público deverá ser ouvido para preparar o relatório sobre a
matéria a cargo do Comitê da Qualidade do Ar.303
Com efeito, estando implantado uma “cultura internacional (e, porque não, global) de
informação ambiental,304 o seu reflexo no direito constitucional brasileiro foi uma questão de
tempo.
Thieffry, analisa a formação da Agência Europeia para o Ambiente, criada em 07 de
maio de 1990, ressaltando que ela possui a função específica de [...] fornecer aos Estados
membros informações objetivas, fiáveis e compatíveis ao nível europeu, que lhes permitam
tomar as medidas necessárias para proteger o ambiente, avaliar a sua implementação e
301 KISS; SHELTON, loc. cit. id. 302 Ibid. p. 675. 303 Ibid. p. 676. 304 MAZZUOLI; AYALA, loc. cit. p. 223. p.10.
96 assegurar a boa informação do público sobre o estado do ambiente.305 Assim, o acesso à
informação ambiental, dentro dos propósitos da Agência Europeia para o Ambiente, [...] deve
ser favorecido a fim de lhe permitir participar na tomada de decisão regulamentar ou
individual [...] correspondendo, desta forma, ao terceiro parâmetro do Estado de Direito
Ambiental: o agir integrativo da Administração.306
Com efeito, a chamada “constitucionalização do direito ao meio ambiente sadio e
equilibrado” surgiu especialmente na década de 80, alcançando ao todo 43 países abrangendo
os continentes da África, América do Norte, Central e do Sul, Ásia, Oceano Índico e
Europa.307 Já a chamada constitucionalização do direito à informação sobre o meio ambiente
foi mais marcante nos países que passaram pelo processo de redemocratização: Eslováquia,
Letônia, Polônia, Rússia e Ucrânia, merecendo destaque esta última diante das informações
incompletas sobre o número de atingidos e mortos pelo desastre de Chernobyl que pode ter
passado de 4.000 mortos.308
No Brasil, conforme art. 225, parágrafo 1o, IV, o acesso à informação se dá, além da
forma pontual,309 pelos estudos prévios de impacto ambiental.310
Assim, observamos que a Convenção de Estocolmo em 1972 iniciou formalmente toda
a discussão da tutela do meio ambiente como patrimônio público e humano.
A partir dessa convenção, criou-se no Brasil a Secretaria Especial do Meio Ambiente -
SEMA, integrada ao Ministério do Interior, em 1973.311
Posteriormente, como a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31
de agosto de 1981), estruturaram-se formalmente alguns conceitos importantes: a) o meio
ambiente como patrimônio público; b) a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente –
305 Trata-se do Artigo 1, Parágrafo 2º do Regulamento n. 1210/90, que formalizou a criação do órgão europeu. THIEFFRY, Patrick. Direito Europeu do Ambiente. Maria Fernanda Oliveira (trad.). Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 192. 306 Ibid. p. 194. 307 MACHADO, loc. cit. p. 79 et seq. 308 Ibid. p. 90. Sobre a evolução histórica internacional e brasileira do direito ambiental, v. MUKAI, Toshiro; NAZO, Georgette Nacarato. O Direito Ambiental no Brasil: evolução histórica e a relevância do Direito Internacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental, vol. 28, 2002. p. 70. 309 Refiro-me à Lei 10.650, de 16.04.2003 que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama (criado pela Lei 6.938, de 31.08.1981). 310 Em verdade, a Constituição brasileira deve ser interpretada sistematicamente como uma Constituição ambiental (ou verde), em especial: a) no dever geral de solidariedade para com a humanidade (art. 3º, I e 225, caput, CRFB/88); b) pelo princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CRFB/88); c) na aplicação da equidade intergeracional (art. 225 caput CF/88); d) no direito fundamental ao meio ambiente saudável (art. 225, caput CF/88); e) no princípio da proibição de retrocesso social. Cf. AYALA, Patryck de Araújo. Direito fundamental ao ambiente, mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso na ordem constitucional brasileira. Revista dos Tribunais, vol. 901, 2010. p. 29. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2007. 311 MACHADO, op. cit. p. 179.
97 SISNAMA; c) criação do CONAMA como iniciativa da participação pública; d) surgem os
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, dentre eles o Sistema Nacional de
Informações sobre o Meio Ambiente e a Avaliação de Impactos Ambientais; e)
responsabilidade objetiva; f) legitimidade do Ministério Público da União (MPU) para propor
ação contra atos que causem danos ao meio ambiente.312
Historicamente situa-se a criação da Lei 6.938/81 como resultado da situação crítica a
que chegou Cubatão/SP por causa da poluição que gerou [...] tristes imagens de crianças
natimortas, anencéfalas, de pessoas com problemas respiratórios graves, leucopenia,
mortandade de peixes e diminuição da fauna e flora [...].313
Muito a propósito, Ayala analisa os problemas ambientais de segunda geração,
notadamente o aquecimento global, e a correspondente Política Nacional do Meio Ambiente
como forma de mitigar e adaptar os efeitos da crise ambiental sobre a biodiversidade.314
Com efeito, conclui Ayala, com os parâmetros da Constituição ambiental
(solidariedade com toda a humanidade, princípio da dignidade da pessoa humana, equidade
intergeracional, direito fundamental ao meio ambiente saudável e proibição de retrocesso
social), o jurista ultrapassa a visão individualista da qualidade de vida para decisões e
conceitos alargados dessa mesma qualidade de forma a assegurar a esta e às futuras gerações
o direito de não ser extinto diante do panorama dos riscos ambientais pelo qual estamos
passando.
A tomada de decisões não prescinde do processo de escolha esclarecida. 312 MACHADO, loc. cit. p. 180. 313 CAZETTA, Ubiratan. Divagações sobre o licenciamento ambiental. In: ROCHA, João Carlos de Carvalho et al. Política nacional de meio ambiente: 25 anos da Lei n. 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 98. A falta de informação ambiental determinada por lei (art. 9, VII da Lei 6.938/81) gera responsabilidade objetiva do Estado em relação às pessoas prejudicadas (art. 37, parágrafo 6º CRFB/88) e o poluidor possui a obrigação de manter informada a autoridade pública sobre a sua atividade e consequências (art. 14, parágrafo 1o da Lei 6.938/81). O Estudo de Impacto Ambiental (EIA), previsto na Resolução 01/86 do CONAMA, de 23 de janeiro de 1986, possui a inspiração no National Environmental Policy Act, Lei Nacional Ambiental Americana, de 1969, que possui uma natureza de planejamento. Contudo, no Brasil se transformou em requisito do licenciamento ambiental. Cf. CAPPELLI, Silvia. O estudo de impacto ambiental na realidade brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman (coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 165. A origem do EIA no Brasil ocorreu pelas exigências internacionais dos financiadores, tendo a mesma iniciado pela Lei 6.803/80 que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas criticas de poluição. Cf. Ibid. p. 157. 314 AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade na Política Nacional do Meio Ambiente. Revista dos Tribunais, vol. 63, 2011. p. 103. O mesmo autor aponta como conceito de mitigação o constante no texto legal do art. 2º, VII da Lei 12.187/2009 (Institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas – PNMC): VII - mitigação: mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os sumidouros; e adaptação o referente ao inciso I do mesmo artigo: I - adaptação: iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima;. Sumidouro é: processo, atividade ou mecanismo que remova da atmosfera gás de efeito estufa, aerossol ou precursor de gás de efeito estufa; (inciso IX do mesmo artigo).
98
Assim, podemos citar como exemplos de direito à informação ambiental nas leis
brasileiras:315
Lei 7.802 de 11.7.1989 – registro de agrotóxicos e a informação. Segundo artigo 5o,
uma vez protocolado o pedido de registro de manipulação do produto regulado, deverá o
mesmo ser publicado.
Lei 8.078 de 11.09.1990 (CDC). Art. 6o sobre a obrigação de informar e o consumidor
pode exigir a informação.
Lei 9.433 de 08.01.1997 da Política Nacional de Recursos Hídricos. Art. 26 sobre o
acesso aos dados e informações garantido a toda a sociedade (inciso III). A Lei 9.984/2000
criou a Agência Nacional de Águas onde o seu artigo 8o determina a publicidade dos pedidos
de outorga de direito de uso de recursos de domínio da União.
Lei 10.257 de 10.07.2001 – Estatuto da Cidade. Publicidade do plano diretor (art. 39)
e participação popular no Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV (art. 37 e ss.).
Lei 10.650 de 16.4.2003 – regula acesso aos dados e informações existentes nos órgão
e entidades integrantes do SISNAMA. A Lei se inspirou na Convenção de Aarhus, já citada.
Lei 11.105 de 24.3.2005 – trata sobre biossegurança e informação. Fiscalização sobre
a manipulação dos organismos geneticamente modificados (OGM). Há o Conselho Nacional
de Biossegurança (CNBS), a quem cabe liberar o uso comercial dos OGM’s dentro da Política
Nacional de Biossegurança - PNB. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -
CTNBio avalia o risco referente às atividades que envolvem pesquisa de OGMs quanto à
saúde e meio ambiente.316
Dentre as maiores dificuldades para efetivamente implantar o sistema de informação
ambiental no Brasil podemos citar: a) problemas estruturais: as amostras da qualidade dos
produtos são enviadas pelos próprios poluidores ao órgão da fiscalização;317 b) problemas
políticos: os órgãos colegiados são compostos em sua maioria pelo próprio Governo;318 c)
receio de democratizar a participação popular como o plebiscito ambiental na Itália e Suécia,
especialmente em matéria de política nuclear;319 d) risco de transformar essa participação
popular direta em esquemas plebiscitários.320
315 MACHADO, loc. cit. p. 196 et. seq. 316 Ibid. p. 215. Aplica-se, portanto os princípios da precaução e da prevenção. Conforme art. 14 da lei referida, o CTNBio deve divulgar as suas atividades por meio do Sistema de Informações em Biossegurança (SIB). 317 CAPPELLI, Silvia. O estudo de impacto ambiental na realidade brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman (coordenador). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 165. 318 Ibid. p. 102-103. 319 Ibid. p. 104. 320 CANOTILHO, loc. cit. p. 294.
99
Medeiros, analisando a participação popular em matéria ambiental, ressalta que o
Estado Democrático de Direito possui um caráter transgressor, instável e reestruturante da
sociedade, em processo dialético com o modelo liberal de juridicialidade, o qual traz a certeza
e a segurança jurídica como seus primados. Assim, somente os novos paradigmas do Estado
de Direito Ambiental poderá alcançar esse movimento pendular da democracia.321
Gavião Filho faz uma distinção entre organização e procedimento, em matéria de
participação popular no meio ambiente. Assim, o direito à organização é uma expressão da
cidadania política de acesso à informação. Procedimento é a forma como esse direito é
exercido.322
O direito à organização e ao procedimento possui dupla função: promover resultado
[...] conforme o conteúdo material desse direito fundamental de tutela do meio ambiente e também promover a resolução do conflito entre posições constitucionais conflitantes como, por exemplo, as que se opõem na relação ente o direito fundamental ao ambiente e o direito fundamental da livre iniciativa ou o direito de propriedade.323
Ebbesson324 revela que o aumento das normas de participação pública em matéria
ambiental reflete a governança internacional325, assim como o envolvimento de numerosos
atores internacionais não-estatais, especialmente as ONG’s. Contudo, essa participação
depende da integração entre as normas internacionais e nacionais, bem como, dependendo das
características de cada pais e região.
321 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 154. 322 GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 75. 323 Ibid. p. 76. 324 EBBESSON, Jonas. Public participation. In: BODANSKY. Daniel et al. The Oxford Handbook of International Environmental Law. Oxford, New York: 2008. p. 682-703. 325 Termo surgido na década de 80 quando houve o fim da guerra-fria com a queda do Muro de Berlim, fazendo com que a bi-polaridade mundial entre capitalismo e socialismo desse lugar a novos problemas mundiais (ozônio, mudanças climáticas, perda da biodiversidade, esgotamento da água, poluentes orgânicos persistentes, fim dos estoques pesqueiros, etc...) sem ideologia formal, forçando uma redefinição do cenário internacional sobre os novos riscos ambientais e proporcionando a emergência de novos atores sociais para inovadoras tomadas de decisões (ONG, redes de política pública, setor privado, comunidades indígenas, etc...). Cf. BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Novos atores, governança global e o Direito Internacional Ambiental. Centro de Direito Internacional da Universidade de Paris X (colóquio). França: março de 2001. p. 11. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/31997/31239 Acesso em: 01 nov. 2011; ________. Atores, interesses e prospectivas das negociações multilaterais sobre o aquecimento global: que governança? In: DAILBERT, Arlindo (organizador). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 190-206; LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoit. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo D.; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (org.). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009. p. 237-302.
100
O mesmo autor cita um caso interessante sobre acesso à informação ambiental: do
caso Guerra and Others v. Italy, 14967/89 Eur. Ct. H. R. 7 (1998) (19 fevereiro de 1998). A
Corte Europeia dos Direitos Humanos entendeu que há violação ao direito fundamental de
proteção à privacidade e à vida familiar se o Estado não providencia informação essencial
sobre as implicações das atividades perigosas para que os cidadãos possam avaliar os riscos a
que eles e seus familiares estão sujeitos. Há estreita ligação, portanto, entre o direito
ambiental e os direitos humanos pela necessidade de construção de um meio ambiente
esclarecido.326
Leite e Ayala ensinam que a participação nos processos normativos de
desenvolvimento criam duas situações: uma negativa, em mostrar o nu social e uma positiva
como proposta de implementação do Estado de Direito Ambiental com novas necessidades e
interesses até então não previstos pelo projeto liberal. Assim, novas prioridades são
construídas, com interesses mais próximos da coletividade (como os ecológicos).327
Por outro lado, prosseguem, há necessidade de uma autêntica ruptura com o modelo
de cidadania no Estado Democrático de Direito para se alcançar o modelo ambiental de
cidadania para a inclusão dos mais vulneráveis que não teriam representatividade no modelo
clássico de democracia por representar uma minoria. São premissas desse novo modelo:
reorganização qualitativa dos interesses, necessidades e pretensões nos espaços de interação
social, político e jurídico para se alcançar os novos interesses.328
Pelo modelo liberal, os padrões tradicionais de conflitos são: relações bilaterais,
sujeitos individualizados e perfeitamente identificados, conflitos que se desenvolvem em torno
de objetos que, ao menos mediata ou potencialmente, sejam suscetíveis de apreciação
econômica, titulares que exercem direitos em regime de exclusividade, respostas orientadas
no sentido de satisfação patrimonial desses interesses e rígida diferenciação dos domínios de
proteção dos interesses público e privados, regime fundamentado em restrita interpretação
da separação funcional do poder político e que se mostrou funcional ao desenvolvimento do
projeto representativo da modernidade. Contudo, hoje os interesses são: a) não exclusivos; b)
indeterminados prima facie; c) anônimo por natureza; d) formas e padrões poligonais; e) falta
de contorno entre o público e o privado; f) intensa conflitualidade.329
Assim, é necessária
326 EBBESSON. loc. cit. p. 699. 327 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 305. 328 Ibid. p. 308. 329 Ibid. p. 309.
101
[...] a nova racionalidade ambiental ou ecológica, que ordena toda a compreensão da integralidade do conteúdo dos problemas ambientais e da formulação de hipóteses de decisão eficientes à realização dos objetivos que norteiam a reprodução de um Estado de segurança ambiental, que ocupa o lugar dos modelos de segurança patrimonial do já falido modelo estatal liberal.330
Em 1957 há a imagem de um objeto que foi lançado ao espaço como o primeiro
satélite artificial: o homem quer se libertar e fugir da terra. Esta, por sua vez, possui vários
conceitos de prisão tanto para os cristãos (vale de lágrimas) quanto para os filósofos (o corpo
aprisiona a mente e a alma) e até mesmo a proveta também é a tentativa do homem de sair do
vínculo com o Planeta Terra.
Qual a direção do nosso conhecimento científico e técnico: destruição ou criação?
A ciência fez descobertas para separar o homem do pensamento, como a automação,
que promete libertá-lo do fardo do trabalho e da necessidade. Quando houve a alienação do
ser humano e quando houve o voo do mundo para dentro do ser humano?
Com essas questões preliminares Hannah Arendt inicia a sua obra prima A condição
humana331 onde a filósofa da Escola de Frankfurt denuncia o lento e gradual processo de
“desencantamento” que o homem passa em relação ao seu mundo com a consequente perda
de identidade com o coletivo; ruptura com o cosmos e uso da técnica como forma de suprir as
suas necessidades que se auto alimentam e formam batalhões de consumidores por toda parte.
Charles Taylor,332 analisando as três “maleitas” da modernidade toca no mesmo tema.
Assim, ele diz que vivemos numa era da celebração do individualismo, desencantados com o
mundo antigo e a sua metafísica. Estamos totalmente presos no universo individual, onde as
coisas perdem o seu significado por se tornarem descartáveis ou etéreas, como disse Marx.333
A segunda preocupação de Taylor é com a razão instrumental, i. é, tudo é
monetarizado e colocado dentro da lógica relação custo-benefício. Deus morreu, a metafísica
perdeu para a racionalidade kantiana, a felicidade e o bem-estar são quantificados, medidos,
calculados e podem ser obtidos com moedas de troca.
A terceira preocupação é a consequência desses dois males na vida política, ou seja,
estamos assistindo os problemas ambientais de segunda geração devorarem as nossas vidas,
mas permanecemos anestesiados pelo “despotismo suave”, segundo Tocqueville, uma tirania
doce, que nos degrada sem percebermos, que nos tutela ao ponto de não querermos mais nos
330 LEITE; AYALA. Direito ambiental na sociedade de risco. loc. cit. p. 311. 331 ARENDT, H. A condição humana. loc. cit. p. 09-15. 332 TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. Lisboa: 70 ed. 2009. p. 17-27. 333 BERMAN, Marshall. loc. cit. p. 108
102 preocupar com o outro, ou sequer querer vê-lo em nosso universo individualizado e,
gradativamente, sem liberdade.
Tocqueville sentencia:
Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo: vejo uma multidão incalculável de homens semelhantes e iguais que giram sem repouso em torno de si mesmo para conseguir pequenos e vulgares prazeres com que enchem sua alma. Cada um deles, retirado à parte, é como que alheio ao destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares formam para ele toda a espécie humana; quanto ao resto de seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-os, mas não os sente – cada um só existe em si mesmo e para si mesmo e, se ainda lhe resta uma família, podemos dizer pelo menos que pátria ele não tem.334
Se Tocqueville tinha previsto essa tragédia, também mostra que somente a [...] cultura
política vigorosa que valorize a participação [...] poderá nos retirar desse torpor moral
individualista.335
A crise ambiental que estamos vivendo coloca que questão a funcionalidade desse
individualismo criticado por Taylor e, mais, nos joga ao encontro da necessidade de
participação política ambiental, com o pleno exercício do direito à informação para que
possamos decidir não somente por nós, pela nossa saúde e qualidade de vida, mas para poder
salvar também as futuras gerações, às quais resta-nos vínculos existenciais de julgamento das
nossas escolhas em mitigar e diminuir os riscos ambientais para formar o Estado de Direito
Ambiental.
334 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Sentimentos e Opiniões. Eduardo Brandão (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 389. 335 TAYLOR. loc. cit. p. 24.
103
CAPÍTULO 3 DIREITO AMBIENTAL DO TRABALHO
Nos últimos anos, o que mais tem gerado polêmica e ganhado atenção ao mesmo, em
se tratando de estudo vinculado ao Direito do Trabalho, foi o ambiente de trabalho.
Especialmente após o enfoque constitucional em 1988 quando foram inseridos vários
princípios de direitos humanos que tutelam o meio ambiente humano, especialmente a
dignidade humana, o dever de solidariedade e a equidade intergeracional.336
A partir da década de setenta no Brasil, o ambiente de trabalho era estudado como
sendo as boas condições físicas para a realização do trabalho, como por exemplo, higiene,
iluminação, conforto térmico e outros fatores. Não obstante, devido também às alterações nas
relações de trabalho, o ambiente laboral passou a ganhar novos estudos, agora sobre fatores
ou condições imateriais.
Esta atenção especial e consequente mudança no ponto gravitacional de enfoque deu-
se por uma questão bastante objetiva. Trata-se do aumento do número de doenças e acidentes
motivados pela forma como o trabalho está sendo produzido.337 Sabe-se que existe uma
336Respectivamente art. 1º, III, 3º, I e 225, caput, todos da CRFB/88. Cf. DINIZ, Bismarck Duarte. Ambiente de trabalho (aula) ad tempora. Mestrado em Direito Agroambiental. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: Set. de 2010. 337 Conforme artigo 19 da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, que Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências [...] acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. A doença profissional é aquela [...] produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social (art. 20, I da mesma lei) e a doença do trabalho caracteriza-se como [...] a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I (art. 20, II da mesma lei). Ambas devem constar na relação do Anexo II do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6/5/1999 para que o segurado faça jus ao benefício do INSS. Segundo a OIT, acidente do trabalho é todo evento inesperado e imprevisto, mesmo que seja por atos de violência, tendo a origem no trabalho, resultando em lesão, doença ou morte, sendo que esta poderá ocorrer até um ano após o acidente. No Brasil, o Ministério da Saúde lançou em 2006 o Protocolo de Notificação de Acidentes do Trabalho Fatais, Graves e em Crianças e Adolescentes e definiu como acidente de trabalho como: o evento ocorrido no exercício de atividade laboral, independentemente da situação empregatícia e previdenciária do acidentado, e que acarreta dano à saúde, potencial ou imediato, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa, direta ou indiretamente, morte, ou a perda, ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Inclui o ocorrido em situação em que o trabalhador esteja representando os interesses da empresa ou agindo em defesa de seu patrimônio; assim como o ocorrido no trajeto da residência para o trabalho ou vice-versa. Esse mesmo documento define como acidente fatal: acidente do trabalho fatal é aquele que leva a óbito imediatamente após sua ocorrência ou que venha a ocorrer posteriormente, a qualquer momento, em ambiente hospitalar ou não, desde que a causa básica, intermediária ou imediata da morte seja decorrente do acidente. Já o acidente mutilante (grave) é: aquele que acarreta mutilação, física ou funcional, e o que leva à lesão cuja natureza implique comprometimento extremamente sério, preocupante e que pode ter consequências nefastas ou fatais. O mesmo Protocolo ainda define quais são os critérios objetivos para definição dos acidentes graves: 1) necessidade de tratamento em regime de internação hospitalar; 2) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; 3) incapacidade permanente para o trabalho; 4) enfermidade incurável; 5) debilidade permanente de membro,
104 resistência dos órgãos responsáveis por determinar aquilo que é ou não é doença profissional
do trabalho. Porém, sabe-se também que os novos métodos, as novas condições, as metas a
serem atingidas no trabalho são elementos decisivos para a produção de todos essas
verdadeiras “aberrações” praticadas contra o trabalho humano.
Com efeito, Dejours destaca que:
[...] os especialistas do homem em situação de trabalho nunca sequer mencionam a ansiedade dos trabalhadores em linha de montagem ou na produção por peças. Entretanto, esta ansiedade permeia todos os textos escritos por trabalhadores e todas as suas falas espontâneas, por menor atenção que se lhes dê. De onde provém esta ansiedade? Provém muito menos das condições fisico-químicas do trabalho, do que do rendimento exigido, ou seja, do ritmo, da cadência e das cotas de produção a serem respeitadas.338
Durkheim, ao analisar a divisão do trabalhado e as suas consequências na felicidade
humana, define que esta representa [...] a saúde da vida física e moral em seu conjunto e não
a satisfação de prazeres momentâneos.339 O XVIII Congresso Mundial sobre segurança e
saúde no trabalho, ocorrido no ano de 2008 em Seul, República da Coréia do Sul, sob a
coordenação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), apresentou algumas
conclusões que demonstram a importância com que deve ser tratado referido assunto340.
Dentre as quais, citamos o fato de embora os recursos destinados à segurança no trabalho
sentido ou função; 6) perda ou inutilização do membro, sentido ou função; 7) deformidade permanente; 8) aceleração de parto; 9) aborto; 10) fraturas, amputações de tecido ósseo, luxações ou queimaduras graves; 11) desmaio (perda de consciência) provocado por asfixia, choque elétrico ou outra causa externa; 12) qualquer outra lesão levando à hipotermia; doença induzida pelo calor ou inconsciência requerendo ressuscitação ou requerendo hospitalização por mais de 24 horas; 13) doenças agudas que requeiram tratamento médico em que exista razão para acreditar que resulte de exposição ao agente biológico, suas toxinas ou a material infectado. Cf. Ministério do Trabalho e Emprego. Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul. Análises de acidentes do trabalho fatais no Rio Grande do Sul: a experiência da Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador (SEGUR). Porto Alegre: Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul. Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador (SEGUR), 2008. p. 19-20. Disponível http://www.mte.gov.br/geral/publicacoes.asp Acesso em: 02 nov. 2011. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Caminhos da análise de acidentes do trabalho. – Brasília : MTE, SIT, 2003. p. 105. Disponível http://www.mte.gov.br/geral/publicacoes.asp Acesso em: 02 nov. 2011. Sobre a Lei 8.213/91 Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm Acesso em: 02 nov. 2011. 338 DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Ana Isabel Paraguay e Lúcua Leal Ferreira (trad.). 5 ed. ampl. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992. p. 73. 339 Cf. DURKHEIM, loc. cit. p. 236. Sobre a divisão do trabalho, sua organização como estrutura de micro-poder que pode levar a sofrimentos psíquicos e doenças decorrentes nos trabalhadores, v. SELIGMANN-SILVA, Edith. Psicopatologia e Saúde Mental no Trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2 Ed. atual. e ampl. vol. 2. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1143-1144. 340 V. DECLARAÇÃO DE SEUL SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO onde relata que anualmente, segundo a OIT, 2,3 milhões de pessoas são vítimas de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho, estimando a perda de aproximadamente 4% do PIB mundial. Disponível em: http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/declaracaoseul.pdf Acesso em: 01 nov. 2011.
105 terem aumentado nos últimos anos, o número de acidentes de trabalho não letais não tem
reduzido, assim como houve aumento dos acidentes letais identificados no mundo.341 No
mesmo evento ficou declarado que nos países em processo de rápida industrialização ou
aqueles considerados pobres, não contam com sistemas efetivos de segurança e saúde no
trabalho.342
Procurou-se neste trabalho tratar de outros aspectos do ambiente de trabalho que
repousam em elementos psíquicos, sociológicos, comportamentais, que se destoados, não
permitem o crescimento do homem trabalhador enquanto ser dotado de espírito e energia
criativa, podendo chegar ao ponto de responsabilizar imediatamente o empregador, e, por via
indireta, o poder público. Barcelona reproduz o depoimento de um operário italiano que
denuncia essa realidade alienante do trabalho contemporâneo que favorece o aumento de
acidentes e doenças no trabalho:
Sinto-me incomodado. Estou esperando, sem fazer nada, o tempo da máquina. Sou o observador da máquina. Às vezes, sou constrangido a ficar parado porque o terminal está parado. O tempo parece infinito. Irrita-me sentir o tempo imposto pela calculadora, sobretudo quando afrouxo, parece-me sair ‘fora da cabeça’. O trabalho é em blocos, em parcelas. Se amanhã tivesse que executar outro trabalho, a minha experiência de vinte anos não serviria para coisa alguma. Se saísse da empresa, não saberia fazer outro trabalho. Com a introdução desse sistema eletrônico teremos sempre mais pessoas que, na maior parte do tempo, fazem a mesma coisa sem saber quais sejam os objetivos dos outros. Um tempo que acumulava experiência no trabalho, resultava na capacidade profissional, agora não serve mais. Quando você estiver no fim de carreira será um pobre desgraçado; nem pense tampouco que terá desenvolvido um trabalho, mas terá visto pacotinhos descerem por um tubo de vinte anos. A máquina não o conhece; aperte o botão e basta. Você não sabe que coisa significa a tabela; você é um numero que aperta o botão; vem trabalhar sem satisfação. Tudo é mais automático e tudo é mais estranho, o programa diz o que deve ser feito; o que você fez não é patrimônio seu.343
341 No Brasil todo acidente de trabalho ou doença profissional deve ser comunicado ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) através do Cadastro da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), conforme prescreve a Lei nº 8.213/91, art. 22, sob pena de multa em caso de omissão. Disponível em: http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=297 Acesso em: 31 dez. 2011. 342 BINDER e ALMEIDA elenca três tipos de acidentes de trabalho: o tipo um prende-se a uma sequencia linear de acontecimentos, geralmente em empresas onde não há proteção mínima em relação às máquinas e postos de trabalho; o tipo dois agrega várias variáveis no acidente e ocorre em empresas de maior organização no trabalho e com grau aceitável de engenharia de segurança, sendo que os acidentes ocorrem quando da manutenção das máquinas; o tipo três ocorre por conjunções de mudanças e variáveis independentes entre si, ocorrendo em empresa de elevado padrão tecnológico, com os acidentes devidos aos sucessivos erros e afastamento de regras de segurança. Cf. BINDER, Maria Cecília Pereira; ALMEIDA, Ildeberto Muniz. Acidentes do Trabalho: Acaso ou Descaso? In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2 ed. atual. e ampl. vol. 1. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 776-777;
343 BARCELLONA, Pietro. loc. cit. p. 30. Mendes chama de “subcarga” a essa tarefa desenvolvida pelo operário, ou seja, quando ele não utiliza grande parte dos músculos, não há interação entre os colegas, há
106
Caso não sejam considerados os elementos acima, agora mais visíveis, poderá ser
construída uma nova equação. Esta nova equação estaria sedimentada no fato do homem não
participar como sujeito central realizador do trabalho, com as finalidades do trabalho voltadas
para ele, de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal. A nova equação pressupõe o
homem como uma mera engrenagem, elemento descartável imerso no modo de produção,
constituindo-se como que um acessório da produção.
Desta feita, faz-se necessário partir para o estudo também desses elementos imateriais,
tomando como parâmetro aquilo que constitucionalmente está reservado para o trabalho,
devendo-se pensar antes de tudo sobre o ambiente que está construído ou que esta sendo
construído para a produção do trabalho. Um ambiente de trabalho que não valorize o ser
humano, não exteriorize os elementos para a formação de uma sociedade solidária,
responsável e, não atente para os valores humanos, não alcançará as finalidades do trabalho.
É exatamente neste ponto que repousa o presente capítulo, ou seja, no ambiente de
trabalho, considerando-o enquanto um componente importantíssimo para a produção do
trabalho digno, permeado por elementos imateriais relacionados à saúde em seu conceito
alargado que se avoluma a cada dia mais para a geração também de uma sociedade digna.
O ambiente de trabalho é um dos primeiros fatores ou um dos principais elementos
para a produção do verdadeiro trabalho digno, saudável e, a ele, deve ser dada importância, ao
ponto de ser indispensável para que seja alcançada a dignidade da pessoa humana.
3.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
A Constituição Federal, no seu artigo 225, diz:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
monotonia e falta de desafios, etc. Cf. MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2 ed. atual. e ampl. vol. 1. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 49. A psicologia também estuda esse comportamento e o classifica como síndrome de burnout, onde o trabalhador não mais quer se relacionar com o que produz e vê-se totalmente desmotivado. Cf. ABREU, Klayne Leite de et al . Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 22, n. 2, jun. 2002. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03 jan. 2012.
107
O conceito de meio ambiente é trazido no art. 3o, I da Lei de Política Nacional do
Meio Ambiente, constitui-se meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas.344
Para José Afonso da Silva, trata-se o meio ambiente de uma mistura, que envolve
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem ou contribuam para o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.345
Transportando o conceito de meio ambiente para o local onde o trabalho é prestado,
tem-se que ele passa a englobar os métodos de trabalho, as práticas para a realização das
tarefas, a forma como o empregador relaciona-se com o empregado e vice-versa, as formas
como o empregado relaciona-se com os colegas de trabalho, as medidas de segurança, os
procedimentos preventivos para que se evite acidentes de trabalho, a adoção de novas
ferramentas de trabalho que evite o desgaste excessivo do trabalhador e outras práticas aqui
não elencadas.346
O conceito de meio ambiente do trabalho, portanto, não pode se restringir nem ao
elemento espacial e nem tão pouco à dicotomia natural x artificial.347
Ademais, tendo em vista o alto índice de doenças e acidentes decorrentes do
trabalho348 e, especialmente, diante da Constituição ambiental (ou verde) de 1988 onde há o
encontro dos direitos humanos com a proteção ambiental, não será possível restringir-se
somente nos elementos naturais apresentados para se definir o meio ambiente de trabalho. É,
nesse sentido, que merece o tema um maior aprofundamento, não podendo esvaziar-se
somente com os elementos descritos, devendo aqui o estudo ser detido em questões que a
cada dia ganham maior relevância.349
344 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm Acesso em: 30 dez. 2011. 345 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 17. 346 DINIZ, Bismarck Duarte. Ambiente de trabalho (aula) ad tempora. Mestrado em Direito Agroambiental. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: set. 2010. 347 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2 ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 40. 348 Sobre os números de acidentes de trabalho no Brasil, v. Ministério do Trabalho e Emprego ... [et al.] Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. Brasília: MTE, 2007. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=634 Acesso em: 04 jan. 2012. 349 Benjamin afirma que diante desse estado de constitucionalização do direito ambiental, o estado brasileiro teve uma redução em sua discricionariedade e está obrigado a agir para promover tal estado constitucional por ele declarado em várias oportunidades na constituição de 1988, especialmente quanto à promoção da saúde do trabalhador. Sarlet arremata declarando que o Estado deve estar apto para [...] garantir aos cidadãos a segurança necessária à manutenção e proteção da vida com qualidade ambiental, vislumbrando, inclusive, as consequências futuras resultantes da adoção de determinadas tecnologias. Cf. BENJAMIN, loc. cit. p. 75; SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti; BARCELLOS, Ana Paula de .et al]. Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
108
Segundo Fiorillo, portanto,
[...] constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e a ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.).350
O mesmo autor expõe que apesar do meio ambiente do trabalho estar relacionado
diretamente à tutela da saúde do trabalhador e receber a colaboração do sistema único de
saúde, conforme arts. 200, VIII351 e 7o, XXII e XIII, todos da CRFB/88, bem como art. 3o da
Lei 8.080/1990, a tutela mediata do meio ambiente do trabalho concentra-se no caput do art.
225 da Constituição da República Federativa do Brasil.352
Vale reproduzir o teor do art. 3o da citada Lei 8.080/90 para se notar a relação direta
entre saúde e meio ambiente no Brasil:
Art. 3o - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo Único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem- estar físico, mental e social.353
Advogado Editora, 2010. p. 15. Sobre o mesmo tema, v. COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas - um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais. Sur, Rev. int. direitos human. [online]. 2008, vol.5, n.9, p. 88-119. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-64452008000200006&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em 1 jan. 2012; LOBO, Ricardo Torres. O direito ao mínimo existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 35 et seq.; BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo existencial para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 99 et seq.; DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.110-113. 350 FIORILLO, loc. cit. p. 73. 351 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
[...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: 04 jan. 2012. Especificamente sobre esse inciso, Belfort conclui: [...] o que designamos como intervenção do Estado nos riscos de trabalho, é conhecido no Direito Ambiental como ‘Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal’. Cf. BELFORT, Fernando José Cunha. Meio ambiente do trabalho: competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 59. Figueiredo acrescenta os princípios da prevenção, da precaução, da participação, da informação, da educação ambiental e do desenvolvimento sustentado como comuns entre o Direito Ambiental e o Direito Ambiental do Trabalho, sobre os quais falamos no segundo capítulo e prosseguiremos neste. Cf. FIGUEIREDO, loc. cit. p. 59-66. 352 FIORILLO, op. cit. p. 74 e 497. 353 Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf Acesso em: 1 jan. 2012.
109
Se por um lado a tutela do meio ambiente do trabalho refere-se somente à saúde do
trabalhador (art. 200, VIII CRFB/88), por outro, este direito social vincula-se a inúmeros
preceitos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos que o tornam
abrangente o bastante em conteúdo e forma para a formação do que seria a dignidade do
trabalhador.
Assim, meio ambiente de trabalho é tudo o que condiciona a produção do trabalho,
desde o local onde o trabalho é realizado, a forma de prover o necessário para que ele se
desenvolva, o equilíbrio que deve ser buscado com os meios colocados à disposição do
trabalhador para que este produza, devendo o mesmo assegurar as condições necessárias para
uma condição de vida digna.354
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), não ficou de fora da luta pela
proteção ao meio ambiente de trabalho, conforme se desponta, por exemplo, na sua
Convenção n. 155, onde foi estabelecido o treinamento e a educação ambiental para a
efetivação de políticas nacionais de saúde e segurança no trabalho, incluindo o treinamento e
a qualificação dos trabalhadores para tanto.
Trata-se de uma verdadeira política pública que procura disseminar práticas educativas
em todos os sentidos, para se valorar e tornar o meio ambiente algo mais humano, incluindo-
se aí o meio ambiente do trabalho, envolvendo a parte da população que trabalha e também
aquela que ainda não precisa buscar o seu sustento próprio.
Desta forma, não importa o enfoque que se queira dar ao meio ambiente, se material
ou imaterial, a sua compreensão foge de um individualismo, tomando o sentido de um direito
transindividual e difuso em determinadas situações, e, em outras, de um direito coletivo.
Neste último caso, quando se referir a um grupo de trabalhadores, que deve ser amparado por
políticas públicas privadas, com vistas a construir uma sociedade solidária, o que também
implica na redução das desigualdades sociais.
Essa revolução de pensamento representa as preocupações com os riscos ambientais355
354 Cf. SILVA, José Afonso da. loc. cit. p. 21. 355 Sobre a categoria “risco ambiental”, há alguns esclarecimentos. O modelo apresentado pela modernidade com a razão instrumental, o qual possui como meta o domínio e uso da natureza, permitiu um salto epistemológico desse mesmo grau de incerteza trazendo basicamente duas consequências: o homem passa a vincular o seu projeto existencial no adiamento do encontro com a finitude diante da aceleração do consumo dos recursos naturais que promovem o seu conforto e consolo, bem como, em segundo lugar, transformou esse mesmo problema da finitude num parâmetro científico, o qual passou-se a chamar risco. O risco, portanto, surge como um conceito científico no século XX onde se pretendeu calcular o índice de domínio da natureza e as suas repercussões em toda a sociedade para que houvesse a possibilidade de alargar os limites da racionalidade humana e, assim, tornar a sua existência previsível e, cada vez mais, controlável. Se antes do século das grandes revoluções científicas e industriais que causaram irreversíveis impactos na natureza e, pela primeira vez, introduziram conceitos de crise ambiental ou crise no meio ambiente, o risco era visto pela imprevisibilidade da
110 de segunda geração, i. é, quando o encantamento com o direito ambiental ultrapassa a barreira
individualista da qualidade de vida e alcança toda a coletividade, tendo em vista o grau de
incerteza dos riscos a que estamos todos, trabalhadores especialmente, submetidos.356
Contudo, essa análise não desnatura o fato do meio ambiente do trabalho se constituir,
também, em um direito subjetivo, na medida em que o resultado danoso do ambiente, causado
ao empregado, proporciona-lhe a possibilidade de, através de medidas judiciais, ser ressarcido
por estes prejuízos, muito embora os meios judiciais, nesses casos, não são tão eficazes se
comparados à política de prevenção na redução dos riscos laborais.357
natureza em relação ao homem, a exemplo do terremoto em Lisboa em 1755, a partir de então inverte-se a retórica, ou seja, a natureza passa a ter um aspecto de benevolência e a técnica, bem como a ciência, formam o seu fator de ameaça traduzidos nessa variável mensurável chamada de risco. Com efeito, o risco para a sociedade do Século XX deixa de ser necessariamente um sinônimo de progresso e a sua presença se torna inevitável no mundo científico, transformando-se como modelo de gestão o seu controle e eventual diminuição, mas jamais passou-se a admitir a sua eliminação total dentro do conceito de risco zero. O risco pode ser analisado por diversas frentes, destacando-se três. A primeira seria a sua leitura original ainda dentro da herança do pensamento filosófico da modernidade, ou seja, a ação em transformar tudo em dados, informações técnicas, medidas da razão, etc... Assim, há uma relação direta entre o que dizem os especialistas e qual o tipo de decisão que os políticos terão em relação a esses dados, levando-se em consideração a gravidade da informação e como esta será assimilada pela população em geral. A segunda forma de analisar o risco envolve a iniciativa da sociedade como atores responsáveis por pressões políticas para o direcionamento de estudos dos riscos que impactam diretamente a todos. Há vários exemplos nesse aspecto, mas vale citar a proibição de entrada do amianto em alguns países por causa das doenças graves que provoca nos trabalhadores e nos consumidores. No Brasil ainda se permite o uso desse produto. A terceira vertente procura envolver todos esses aspectos de atores, cientistas, natureza e todas as relações justapostas com as fontes de informações existentes dentro da sociedade global. Assim, a variante não depende somente do avanço da ciência, mas como esta é traduzida em outras fontes de conhecimento em seus aspectos variados. Cf. BECK, loc. cit.; FRANÇA, Conselho de Estado. Responsabilidade e socialização do risco. Marcelo Dias Varella (coordenação). Michel Abes (trad.). Brasília: UniCEUB, 2006; LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. Revisão técnica de Paulo Freire Vieira. 4 ed. revista. São Paulo: Cortez, 2007; LEITE; AYALA, loc. cit.; VEYRET, Yvette (org.). Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. Dilson Ferreira da Cruz (trad.). São Paulo: Contexto, 2007. Sobre o problema do amianto no Brasil, v. GIANNASI, Fernanda. A Ação Política para Reduzir e Eliminar a Nocividade do Trabalho: A Construção de Contrapoderes no Brasil, na Luta Contra o Amianto (Estudo de Caso). In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. vol. 2. 2. ed. atual. E ampl. vol. 2. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1890-1900; CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas: os provimentos mandamentais como instrumentos de proteção da saúde do cidadão-trabalhador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Direito, Pós-Graduação em Direito Agroambiental, 2011. 299 p. 356 AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade na Política Nacional do Meio Ambiente. loc. cit. p. 103. 357 Desde logo deve-se definir risco ambiental para o meio ambiente do trabalho. O seu conceito é trazido pela NR-9, que criou o Programa de Riscos Ambientais – PPRA, nos seguintes artigos:
9.1.5 Para efeito desta NR, consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador. 9.1.5.1 Consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores, tais como: ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não ionizantes, bem como o infra-som e o ultra-som. 9.1.5.2 Consideram-se agentes químicos as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão. 9.1.5.3 Consideram-se agentes biológicos as bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários, vírus, entre outros.
111
Assim como a saúde, o meio ambiente de trabalho também faz parte dos chamados
direitos fundamentais, reconhecidos pela Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo, em
1972, adotado pela Conferência das Nações Unidas, editando-se 26 princípios, que passaram
a compor a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Vale aqui serem citados o
princípio 1 e o princípio 8, que diz:
Princípio 1 – O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presente e futuras.358
Observa-se do estudo do conteúdo desses princípios, que se menciona assegurar ao
homem um ambiente de vida e de trabalho favorável. Favorável ao que? Ao seu
desenvolvimento e formação, de tal maneira que melhore as condições e ou qualidade de vida.
De quem? Somente dos que estão trabalhando? Evidentemente que não. Para melhorar as
condições de todos os homens, de todas as vidas.359
O homem está inserido no meio ambiente, assim como está inserido no meio ambiente
do trabalho, sendo que este faz parte daquele. Considerando-se o que foi dito no início, ou
seja, os objetivos a serem alcançados através do trabalho, que no seu conjunto constituem-se
em um dos grandes sustentáculos da República Federativa do Brasil, na forma do artigo 1 º,
inciso IV, combinado com o artigo 7 º, inciso XXII, que trata da redução dos riscos no
trabalho, e, artigo 200, VIII, que traz literalmente, colaborar na proteção do meio ambiente,
nele compreendido o do trabalho, tem-se que é obrigação da União, através do Sistema Único
de Saúde, cuidar do ambiente de trabalho como um todo.
Conclui-se que a simples questão da segurança e saúde no trabalho como “estado de
não doença” não mais consegue compreender o real sentido da expressão ambiente de
trabalho, significando também a proteção a um universo criativo que permita a sustentação do
próprio Estado Democrático de Direito e que deve fazer parte das políticas públicas a
imediata defesa do meio ambiente do trabalho.
As Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (NR) foram criadas pela Portaria 3.214 de 08.06.1978. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm Acesso em: 04 jan. 2012. 358 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1.127. O princípio 8º está citado no capítulo II. 359 Até porque a própria Declaração de Estocolmo não se restringe somente aos trabalhadores, mas está inserida na dinâmica dos direitos humanos como universais por natureza.
112
Com efeito, não há como negar uma perspectiva alargadora do conceito de saúde
quanto ao meio ambiente do trabalho de forma que essa proteção consignada na Constituição
seja ampliada à sua condição humana de homo sacer para que se promova a sua qualidade de
vida e não somente o seu “estado de não-doença.”
3.2 ABORDAGEM HISTÓRICA DA PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR
3.2.1 O homem-máquina: aspectos históricos da patologia do trabalho360
Conforme vimos, o direito ambiental do trabalho, compreendendo este todo o espaço
físico e temporal que envolve a atividade de produção humana capitalista, possui dois pontos
chaves essenciais tutelados na Constituição: a saúde e a segurança do trabalhador e estão
previstos em vários dispositivos constitucionais (art. 7o, incisos XXII, XXIII, XXVIII; art.
200, inciso VIII e art. 225).
Portanto, da esfera particular da defesa da saúde caminha-se para o seu alargamento e
projeção do ambiente que envolva não somente o corpo físico do trabalhador como também
toda a sua ação produtiva e cultural.361
Em outras palavras, o meio ambiente do trabalho passou pela fase inicial de relacionar
saúde com trabalho e, posteriormente, ampliou o conceito de saúde para o de bem-estar até
alcançar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como parâmetro último trazido na
Constituição e em vários outros documentos internacionais.
Segundo René Mendes e Willian Waissmann362 a patologia no trabalho relaciona-se
diretamente ao modo de produção econômica.
Contudo, essa análise, no período clássico e na Idade Média, quase sempre era restrita
à observação dos efeitos da profissão, ou ofício, sobre o corpo humano, dentro de um olhar
isolado, sem sair do círculo médico de relação com o paciente.
360 Sobre o conceito de patologia do trabalho, Mendes a expõe como [...] a resultante do complexo somatório das dimensões individuais, socialmente definida em função da dinâmica de padrões culturais, econômicos, políticos, científicos e de conhecimento/informação. Cf. MENDES, René. Conceito de Patologia do Trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. vol. II, 2 ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 50. 361 Sobre a necessidade da cultura na vida do trabalhador através de “escolas desinteressadas” v. GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. vol. 1. Carlos Nelson Coutinho (org. trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 75 et seq. 362 MENDES, René; WAISSMANN, William. Aspectos históricos da patologia do trabalho. loc.cit. p. 3-45.
113
Assim, houve algumas referências isoladas associando as patologias laborais e as
ocupações, mas nada que ultrapassasse o conhecimento médico de então.
Segundo os mesmos autores, no final da Idade Média e início da Moderna, com o
desenvolvimento do comércio, das técnicas de navegação e a gradual ascensão da burguesia,
inicia-se um período de grandes transformações das riquezas naturais, especialmente os
metais nobres e as atividades de mineração.
Com efeito, em 1524 (embora a obra tenha sido feita em 1473), surge o primeiro livro
sobre o tema escrito por Ellenbog (1440-1499) que descreve os riscos relacionados ao ofício
de ourives e relata também algumas medidas para diminuir os efeitos maléficos dos vapores
de mercúrio e chumbo.363
Agrícola (1429-1555) também ficou conhecido em relacionar saúde e trabalho em seu
livro De Re Metallica, em 1556, sobre estudos de casos de extração e fundição de metais
argentíferos (prata) e auríferos sobre as suas propriedades corrosivas e causadoras da chamada
“asma dos mineiros”, com sintomas muito próximos do que hoje sabe ser a silicose. Assim,
conclui-se que há determinados grupos de pessoas que são mais frágeis que outros como, por
exemplo, os mineiros. Agrícola tinha noção que esses problemas todos poderiam ser
impedidos, ou seja, não se tratava de problema médico, mas de política organizacional do
trabalho a ser desenvolvido.
Após 11 anos, Paracelso (Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim – 1493-
1541) fez também publicação em três volumes sobre as doenças pulmonares dos mineiros em
sua obra Von der Bergsucht anderen Bergkrankheitem. A importância do seu trabalho foi a
relação que fez entre os métodos de trabalho dos mineiros, as substâncias manipuladas e as
doenças provenientes.
Somente em 1700, antes da Revolução Industrial, surge a obra de Bernardino
Ramazzini, denominada De morbis artificum diatriba como a mais significativa no gênero.
Ela trouxe as seguintes inovações para o estudo da patologia do trabalho: a) foi o primeiro a
tratar o problema da doença dos trabalhadores como uma questão de classe social, sob os
fundamentos humanitários de Hipócrates (460-373 a. C.), pai da medicina, o qual foi
constantemente citado por Ramazzini;364 b) estabeleceu a relação entre as doenças e as
condições de vida dos trabalhadores, trazendo os primeiros preceitos da Medicina Social; c)
avanço na metodologia de abordagem do problema, especialmente quanto à anamnese
363 MENDES; WAISSMANN. loc.cit. p. 7 et seq. 364 Interessante de Hipócrates em sua obra Ares, Água e Lugares faz relação entre o ambiente e a saúde. Ibid. p. 05.
114 ocupacional, além da abordagem clínico-individual; d) sistematizou e classificou as doenças
segundo a natureza e o grau de nexo com o trabalho.
Assim, há dois campos distintos, o primeiro das doenças profissionais ou tecnopatias,
que advém de inalações e absorções de substâncias nocivas (pó químico, chumbo, mercúrio,
etc...) e o segundo de doenças que surgem de esforços exagerados e repetitivos do corpo
humano em executar a tarefa, que são chamadas de doenças adquiridas ou mesopatias.365
Sobre o meio ambiente e as doenças dos trabalhadores, na citada obra De morbis
artificum diatriba, Capítulo IV, Ramazzini aborda a doença dos químicos ressaltando a
necessidade de ações primárias preventivas em relação à ela e a outras também. Por último,
merece destaque a sua forma de analisar os impactos da poluição ambiental a partir dos
registros de óbito, o qual método ainda é utilizado.366
Após a obra de Ramazzini, o mundo conheceu a máquina à vapor de Watson sendo
utilizada largamente no tear mecânico, peça-chave que inaugurou o período da Revolução
Industrial.
Diante da explosão da produção e consequentemente utilização da mão-de-obra da
massa proletária, especialmente crianças e mulheres, o estudo da patologia dos trabalhadores
iniciou a descrever, com agudeza de espírito, os desencantos da época vivida.
Assim, os estudos de Percival Pott (1713-1788) sobre a relação entre o câncer de
escroto e o trabalho de adolescentes que limpavam as chaminés das fábricas antecipou a
descoberta da substância 3,4-benzopireno como o seu causador.367
Diante desses e de outros estudos, o parlamento inglês se viu pressionado a promulgar
leis de proteção aos menores trabalhadores. Em 1788, portanto, aprovou leis que limitavam o
trabalho de crianças pré-puberes, bem como tornava obrigatório o uso de aparatos de proteção
e medidas de higiene nas fábricas, as quais foram consideradas as primeiras normas dessa
natureza.368
No entanto, ainda na Inglaterra, as condições permaneciam precárias ao ponto de
haver uma preocupação da classe privilegiada inglesa sobre os riscos de uma epidemia
generalizada e ocorrência de revolta popular com a consequente redução da mão-de-obra
barata. Assim, como consequência houve a criação das Leis Health and Morals of
Apprentices Act (1802), sobre a idade mínima para o trabalho e proteção no ambiente das
fábricas. Seguiu também a Factory Act (1833) que amplia as medidas de proteção a todas as 365 Essa classificação é utilizada até hoje no Brasil. 366 MENDES; WAISSMANN, loc. cit. p. 12. 367 Ibid. p. 13. 368 Id.
115 fábricas e estas começam a contratar médicos para o controle da saúde dos seus trabalhadores
e, ainda, a Lei dos Pobres em 1834 com a universalização da normatização da saúde dos
trabalhadores para a indústria têxtil.
A partir dessa época se intensificaram estudos similares também na França, bem como
as ações políticas diante da mobilização da classe operária, surgindo vários movimentos
políticos dos trabalhadores, dentre eles o cartismo.
3.2.2 O homem-político: o movimento operário no Brasil nos séculos XIX e XX
No capítulo I discorremos sobre os movimentos operários e seu processo
revolucionário que acabou por universalizar vários direitos sociais diante da precariedade dos
trabalhadores na época. No Brasil, a escravidão somente foi abolida oficialmente no final do
século XIX,369 sendo assim, não se poderia pensar em liberdade no trabalho como valor
universal antes dessa data e muito menos no conceito de meio ambiente do trabalho.
Mesmo com a Proclamação da República, as oligarquias permaneceram por longas
décadas no poder e a estrutura latifundiária, mantida praticamente intacta como na
escravatura, alimentava uma grande massa de analfabetos que era em torno de 70%, sendo
que apenas 16,6% das pessoas moravam nas cidades em 1920, conforme expõe Luca.370
Com efeito, o processo de industrialização ocorreu de forma tardia, visto que o Brasil
sempre esteve voltado aos interesses externos, motivo pelo qual, a produção dos bens de
consumo sempre prevaleceu em relação aos de produção e, assim, a mobilização de
trabalhadores somente ocorreu com o movimento migratório no final do século XIX e início
do XX.371
Soma-se a isso, revela Furtado, o fato de não haver grandes comerciantes no Brasil.
Assim, o Brasil não passou pelas fases da industrialização como ocorreu com a Europa
(artesanato, manufatura e indústria), indo direto da agricultura para a industrialização no final
do século XIX com a chegada dos imigrantes, dificultando, assim, a necessária identidade
entre o trabalhador e a sua classe.372
369 Ainda se vê inúmeros casos de escravidão no mundo. Cf. PÉTRÉ-GRENOUILEAU, Olivier. A história da escravidão. Mariana Echalar (trad.). São Paulo: Boitempo, 2009. p. 100-101. 370 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY Jaime; PINSKY Carla Bassanezi (org.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. p. 470. 371 ANDRADE, Laura Martins Maia de. Meio ambiente do trabalho e ação civil pública trabalhista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 86 et seq. 372 A falta de comércio forte no Brasil colônia e na época da abolição da escravatura, já independente, foi uma das marcas deixadas por Portugal e o seu notório atraso em relação à Europa, posto que mesmo aquele
116
A par do processo constitucional conhecido no mundo todo como a
Constitucionalização dos Direitos Sociais373, a cidadania na relação trabalhista nos primeiros
anos da Era Vargas era somente para quem podia pagar por ela. Por outro lado, o Estado não
tinha interesse em intervir na relação capital/trabalho mas teve que conter a onda crescente de
violência resultante dos protestos e também as diversas mobilizações de greve, especialmente
as ocorridas em São Paulo e Rio de Janeiro entre 1917 e 1920. A resposta encontrada para
solucionar os dois lados foi a criação de um instrumento de desmobilização do movimento
operário chamado de Caixa de Aposentadoria e Pensões - CAPs, em 1923, relativo aos
ferroviários para fins de assistência médica, aposentadoria, pensões e funerais.374
As CAPs eram entidades autônomas, mas compostas basicamente pelos funcionários
mais graduados da empresa. Ademais, a adesão era compulsória e o empregado contribuía
com 3% do seu salário mensal. Havia também a contribuição da empresa em 1% do seu
faturamento bruto anual. Esse modelo de assistência foi seguido e em 1930 já havia várias
outras entidades de assistência criadas, sem que isso representasse necessariamente conquistas
dos direitos sociais, mas apenas modelos de contenção dos embates dos trabalhadores.375
Na Era Vargas, deu-se início à retórica paternalista em relação aos trabalhadores e
seus direitos sociais, a qual pode ser percebida com a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio em 1930. Com isso, quase toda a mobilização dos operários passou a ser
judicializada e encontrou no direito positivo, especialmente na Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT aprovada em 1943,376 o seu momento de lógica pacificadora.377
Esta pacificação era também traduzida em atos de controle sindical (Decreto 19.770 de
março de 1931, por exemplo) e mesmo na proibição de pluralidade sindical, como ainda é
funcionava somente como uma espécie de entreposto dos produtos que eram vendidos para a Europa. Cf. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil: edição comemorativa: 50 anos. Organização Rosa Freire de Aguiar Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 156-161. 373 Os direitos sociais passaram a constar nas Constituições passando de direitos humanos para direitos fundamentais, nesta ordem cronológica: a) a Constituição francesa de 1848 (art. 13); b) a da Suíça em 1874, emendada em 1896; c) a do México e da Rússia em 1917; d) e da Alemanha em 1919. Cf. ADORNO JÚNIOR, Hélcio Luiz. Apontamentos sobre a história do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, 2010, vol. 140. p. 61. 374 LUCA, loc. cit. p. 475. 375Ibid. p. 477. 376 Decreto-Lei 5452 de 1o de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm Acesso em: 30 dez. 2011. 377 Bonavides diz que no Brasil o positivismo é uma seita religiosa e não um pensamento. Cf. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 9 ed. Brasília: OAB Editora, 2008. p. 236. Embora saia do foco filosófico deste artigo, é imperioso lembrar que a Justiça do Trabalho, já citada pela Constituição de 1934 (art. 122), foi oficialmente criada em primeiro de maio de 1941 e tem buscado uma prática antiliberal contestadora dessa retórica positivista cartorialista. Sobre o tema, v. MOREL, Regina Lucia M.; PESSANHA, Elina G. da Fonte. A justiça do trabalho. Tempo soc. [online]. 2007, vol.19, n.2. p. 87-109. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n2/a03v19n2.pdf Acesso em: 06 ago. 2010.
117 hoje.378
Assim, os direitos sociais, para o senso comum e até hoje, são representados como
presentes da Era Vargas379, bem distante do conceito de cidadania como direito a ter direitos,
i. é, o direito (individual) a ter direitos (sociais) através do exercício dos direitos políticos,
conforme definição clássica380, ou seja, os direitos do indivíduo eram concebidos como
dádiva do soberano em face do direito divino dos reis.381
A tortura do trabalho382 é adocicada pelo olhar paternalista do Estado que, ao mesmo
tempo, consola o trabalhador e o impossibilita de enxergar que a desigualdade foi construída e
não se trata de uma mera e difusa questão social. Assim, quer-se imputar a culpa em
problemas relacionados à falta de adaptação ao alto desenvolvimento tecnológico no século
XIX que resultou nos conhecidos métodos de produção sempre citados nas abordagens
históricas do direito laboral relacionados com a era pós-vitoriana: o taylorismo, o fordismo e
o toyotismo.383
Segundo Dejours esses métodos de produção compõem um dos quadros do sofrimento
psíquico do trabalhador. A figura do artesão que podia criar livremente com o seu trabalho
não existe mais e é substituída pelo trabalhador eficiente, ou seja, aquele que consegue
produzir somente partes do objeto industrial num menor espaço de tempo, cronometrando os
seus movimentos e eliminando os que sejam inúteis, evitando assim o que Frederick Taylor
chamou de “vadiagem no local de trabalho”. Em outras palavras, conclui Andrade, o
trabalhador é obrigado a fabricar o vazio existencial num espaço curto de tempo e dentro do
padrão imposto para que não seja classificado como “vagabundo”.384
A Constituição de 1988 universalizou formalmente os direitos políticos com a inclusão
do voto do analfabeto; elencou os direitos sociais no art. 6o e formalizou a dignidade humana
como fundamento do Estado (art. 1o, III). Desta forma, o acesso a esse sistema de proteção 378 A Constituição de 1988 acabou com a intervenção estatal nos sindicatos (art. 8, I), mas o pluralismo ainda é um tabu a ser quebrado, especialmente frente a Convenção 87 da OIT datada de junho de 1948 que, vergonhosamente, ainda não foi ratificada pelo Brasil. Deve-se asseverar que a Constituição de 1934, arts. 120 et seq. não proibia a pluralidade sindical. Contudo, já na Constituição de 1937 (art. 138) a unicidade se torna regra. 379 LUCA, loc. cit. p. 486. 380 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 22 et seq. 381 Ibid. p. 17 382 Segundo Arendt, a mundanidade é a condição humana do trabalho, ou seja, a construção artificial de coisas produzidas por ele gera no homem uma existência artificial, fora do seu ciclo biológico, de caráter efêmero e fútil. Exemplificando, Arendt cita a possibilidade do homem morar em outro planeta e, assim, ficar totalmente dependente da sua mundanidade e, ao mesmo tempo, condicionado à ela por integrá-la à sua existência, sempre. Cf. ARENDT, loc. cit. p. 15-19. 383 HOFFMANN, Fernando. O princípio da proteção ao trabalhador e a atualidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 142. 384 Cf. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcua Leal Ferreira. 5 ed. ampliada. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992. p. 37; ANDRADE. loc. cit. p. 81.
118 constitucional já foi institucionalizado pelo Estado (art. 5o, XXXV) e qualquer outra forma de
sua concretização como ação política clientelista é considerada como manobra subversiva da
própria ordem pública.
Portanto, o trabalhador apesar de permanecer, formalmente, como um fim em si
mesmo, não lhe foi dada a oportunidade de conquistar nenhum direito no modelo como
narrado por Arendt, ou seja, de dentro para fora. Ademais, pelo fato dele estar sempre
vinculado às suas necessidades materiais, o seu imaginário permanece reduzido a esse estado
de consumo primário, o que faz crescer a concentração de riquezas, especialmente no Brasil,
bem como a aproximação entre trabalhador e consumidor.385 Estaríamos, portanto, retornando
à época revolucionária do século XVIII em que se considerava o proletariado em nível
inferior de civilização à burguesia e aristocracia, como aponta o historiador Lefebvre?386
Ademais, validando essa argumentação, conforme assentado por Flores,387 a
centralização do capital nos anos 90 e a consequente preocupação de sua circulação sem os
impeditivos estatais regulatórios fez surgir a ideia do Estado Mínimo Neoliberal onde
praticamente volta-se ao momento histórico da liberdade ampla na formulação das relações
trabalhistas com a fluidez da flexibilização das cláusulas contratuais, tornando o próprio
contrato de trabalho um arremedo de negócio jurídico, tendo o sindicato como o seu gerente
de vendas, ainda mais no Brasil onde a pluralidade sindical não é permitida (art. 8o, II
CRFB/88).
Embora a Constituição brasileira de 1988 defina a busca do pleno emprego como um
dos princípios que delineiam a ordem econômica (art. 170, VIII), o que se percebe no Brasil e
em toda a América Latina são dois blocos assimétricos de direitos humanos: o primeiro é
composto pelos direitos civis e políticos, os quais são exercidos de forma satisfatória em
quase todos os países, o segundo compõe-se pelos direitos econômicos, sociais e culturais,
que ainda são incipientes pelas barreiras históricas de concentração de renda e volatilidade da
economia. 388
385 Como exemplo, podemos constatar que o setor de serviços ou terciário corresponde a dois terços do PIB nos Países desenvolvidos e no Brasil representa aproximadamente três quartos da população economicamente ativa com 45,6% dos acidentes e doenças no trabalho, conforme estatística da Previdência Social em 2009. Assim, além de quebrar o mito que esse setor afeta pouco a saúde do trabalhador, ele representa a maior aproximação entre o trabalhador e o consumidor. Cf. PENA, Paulo Gilvane Lopes; MINAYO-GOMEZ, Carlos. Premissas para a Compreensão da Saúde dos Trabalhadores no Setor Serviço. Saúde Soc. São Paulo. v. 19. n. 2. p. 371-383, 2010. Disponível em : http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v19n2/13.pdf Acesso em: 28 abr. 2011. 386 LEFEBVRE, loc. cit. p. 177. 387 FLORES, loc. cit. p. 32-34. 388 Cf. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). La protección social de cara al futuro: acceso, financiamento y solidaridad. CEPAL (ONU). Montevideo (Uruguay), 2006. p. 21 Disponível em: http://www.eclac.org/publicaciones/xml/9/24079/lcg2294e.pdf Acesso em: 28 abr. 2011; SAAVEDRA, Jaime;
119
Outro elemento que deve ser levado em conta e que afeta diretamente a qualidade dos
direitos sociais dos trabalhadores é a chamada crise ambiental, a qual passou a ser fortemente
discutida somente na segunda metade do século XX pelos sucessivos tratados e convenções
internacionais a partir da Convenção sobre o Meio Ambiente Humano realizado em
Estocolmo em 1972, como vimos.
No Brasil, as transformações sociais foram feitas sem levar em consideração esse
conceito de crise ambiental, até porque mantivemos o nosso atraso no processo de
industrialização por longo período em relação à Europa.
Ademais, a classe trabalhadora quase sempre esteve alheia a todos esses fenômenos,
motivo pelo qual, somando-se ao fato da unicidade sindical ainda persistir como regra legal e
ser um entrave à democracia, houve um despertar dos direitos difusos e coletivos na área
trabalhista somente mais tarde, ou seja, quando o plano internacional pressionou o Estado
brasileiro a tomar decisões importantes em defesa e consagração dos direitos sociais e
também dos ambientas, conforme se verifica na Constituição de 1988 sobre a relação entre a
tutela do meio ambiente e o direito à saúde.389
3.3 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E A DEFESA DA SAÚDE DO TRABALHADOR.
Conforme assentado,390 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada
como parte do Tratado de Versaille em 1919 e, desde então, possui uma política voltada para
definir ações de promoção dos direitos sociais dentro da relação capital e trabalho.
A saúde do trabalhador sempre esteve em discussão em suas reuniões e há uma
TOMMASI, Mariano. Informalidad, Estado y contrato social en América Latina. Estudio preliminar. Revista Internacional del Trabajo. Vol. 126. N. 3-4. 2007. Disponível em: http://biblioteca.hegoa.ehu.es/system/ebooks/17390/original/Informalidad__estado_y_contrato_social_en_AL.pdf Acesso em: 22 mar. 2011; MAYER, Ricardo. Sociologia da experiência e lutas por reconhecimento. Associações de geração de trabalho e renda no sul do Brasil. Sociologia, problemas e práticas. n. 61. 2009. p. 65-85. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n61/n61a04.pdf Acesso em: 29 mar. 2011. 389 Antes de finalizar o tópico, necessitamos definir alguns conceitos: a) direitos fundamentais: são os direitos humanos inscritos e garantidos nas Constituições, ao passo que os direitos humanos são os declarados universalmente por documentos tradicionalmente aceitos e constantes em tratados internacionais; b) direitos subjetivos: são bens incorpóreos que podem ser defendidos e dispostos pelo titular conforme o seu livre entendimento; c) direitos públicos subjetivos: são os exercidos contra as entidades de direito público interno; d) direitos individuais: termo em desuso, representam a primeira geração de direitos (Revolução Francesa) e são representadas pela liberdade de defesa perante os atos do Estado; e) liberdades públicas: são limitações que o Estado sofre em relação ao campo privado do indivíduo, sendo que inversamente, há o direito de tolerar a intervenção estatal quando se mostrar mais benéfica ao sujeito. Cf. SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista: uma proposta de defesa judicial do direito humano ao meio ambiente do trabalho no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 27 et seq. 390 V. Capítulo II.
120 quantidade considerável de convenções sobre o tema, conforme demonstramos abaixo:391
continua
Nº ASSUNTO SITUAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL
103 Convenção sobre o amparo a maternidade. Em vigor no Brasil desde 18.6.1966 - Decreto n. 58.820/1966.
115 Convenção sobre a proteção contra as radiações ionizantes.
Em vigor no Brasil desde 5.9.1967 - Decreto n. 62.151/1968.
121 Convenção sobre as prestações em caso de acidentes do trabalho e doenças profissionais. Não ratificada pelo Brasil.
127 Convenção sobre o peso máximo das cargas. Em vigor no Brasil desde 21.8.1971- Decreto n. 67339/1970.
134 Convenção sobre prevenção de acidentes de trabalho dos marítimos.
Em vigor no Brasil desde 25.7.1997 - Decreto n. 3.251/1999.
136 Convenção sobre proteção contra os riscos de intoxicação provocados pelo benzeno.
Em vigor no Brasil desde 24.3.1994 - Decreto n. 1.253/1994.
139 Convenção sobre a prevenção e controle de riscos profissionais causados pelas substancias ou agentes cancerígenos.
Em vigor no Brasil desde 27.6.1991- Decreto n. 157/1991.
148 Convenção sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos devidos a contaminação do ar, ao ruído e as vibrações no local de trabalho.
Em vigor no Brasil desde 14.1.1983-Decreto n. 93.413/1986.
152 Convenção sobre segurança e higiene nos trabalhos portuários.
Em vigor no Brasil desde 17.5.1991- Decreto n. 99.534/1990.
155 Convenção sobre segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho.
Em vigor no Brasil desde 18.5.1993 - Decreto n. 1.254/1994.
159 Convenção sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes.
Em vigor no Brasil desde 18.5.1991- Decreto n. 129/1991.
161 Convenção sobre os serviços de saúde no trabalho.
Em vigor no Brasil desde 18.5.1991 - Decreto n. 127/91.
162 Convenção sobre a utilização do asbesto com segurança.
Em vigor no Brasil desde 18.5.1991- Decreto n. 126/1991.
163 Convenção sobre a proteção da saúde e a assistência médica aos trabalhadores marítimos.
Em vigor no Brasil desde 3.3.1998 - Decreto n. 2.671/1998.
167 Convenção sobre segurança e saúde na construção.
Em vigor no Brasil desde 19.5.2007 - Decreto n. 6.271/2007.
391 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p. 76. Sobre todas as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil v. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011.
121
conclusão
170 Convenção sobre a segurança na utilização de produtos químicos no trabalho.
Em vigor no Brasil desde 22.12.1997 - Decreto n. 2.657/1998.
171 Convenção sobre o trabalho noturno. Em vigor no Brasil desde 18.12.2003-Decreto n. 5.005/2004.
174 Convenção sobre a prevenção de acidentes industriais maiores.
Em vigor no Brasil desde 2.8.2002 - Decreto n. 4.085/2002.
176 Convenção sobre segurança e saúde nas minas. Em vigor no Brasil desde 18.5.2007 - Decreto n. 6.270/2007.
182 Convenção sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil.
Em vigor no Brasil desde 2.2.2001- Decreto n. 3.597/2000.
184 Convenção sobre a segurança e a saúde na agricultura. Não ratificada pelo Brasil.
187 Marco promocional para a segurança e saúde no trabalho. Não ratificada pelo Brasil.392
Tendo em vista as peculiaridades de cada qual em relação ao tema da presente obra,
iremos analisar as Convenções 148, 155, 161 e 187 em relação ao Brasil.
3.3.1 As Convenções 148, 155, 161 e 187 da OIT e o Brasil.
A Convenção n. 148 da OIT foi adotada na 63º reunião da Conferência Internacional
do Trabalho em 1977. Foi aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 56/1981, ratificada
em 14 de janeiro de 1982 e entrou em vigor um ano após, em 14 de janeiro de 1983.
Finalmente, foi promulgada pelo Decreto n. 93.413/1986.
Segundo a mesma Convenção, a principal responsabilidade quanto ao Estado-membro
é estabelecer e investigar critérios que devem ser reavaliados periodicamente para se definir
os riscos de exposição à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações nos locais de trabalho,
fixando limites de exposição, após consulta com pessoas tecnicamente qualificadas
designadas pelas organizações interessadas representativas de empregadores e trabalhadores.
392 Süssekind acrescenta à esta lista a Convenção n. 119/63, que regula a proteção das máquinas (ratificada pelo Brasil em 16 de abril de 1992, promulgada pelo Decreto n. 1.255, de 24 de setembro de 1994 e em vigência desde 16 de abril de 1993) e a Convenção n. 120/64, trata da higiene no comércio e nos escritórios (ratificada pelo Brasil em 24 de março de 1969, promulgada pelo Decreto n. 66.498, de 27.4.70 e em vigência nacional desde 24 de março de 1970). Cf. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 388; Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT, 2002. p. 62. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011.
122
Quanto aos empregadores, há as seguintes responsabilidades, quando houver os fatores
de risco profissional pela contaminação do ar, ruído ou vibrações: a) eliminar os riscos, o
máximo possível por aprimoramento de técnicas e, em último caso somente, fornecer os
equipamentos individuais de proteção (IPI); b) fazer um acompanhamento dos empregados
submetidos a esses riscos através de exames admissionais e periódicos; c) proceder todas as
medidas pra adaptar às novas funções os trabalhadores que não possam permanecer em seu
posto por razões médicas; c) notificar a autoridade competente todas as vezes que for
introduzir tecnologia ou medicamento que exponha o trabalhador a risco de sua saúde; d)
designar pessoa competente ou serviços especializado para tratar das questões relativas à
prevenção e limitação dos riscos existentes; e) promover o acesso à informação sobre os
riscos laborais; f) obrigar a todos os trabalhadores a observação das normas de segurança para
prevenção e limitação desses riscos.
Interessante destacar, portanto, que a Convenção n. 148 da OIT optou por eliminar os
riscos, ao invés de neutralizá-los, tendo em vista o grave problema de contaminação que
ocorre nas fábricas por esses agentes, especialmente os gases, vapores, fumos e poeiras.393
Vale destacar que aplica-se o direito à informação ambiental sobre os riscos (art. 7.2
da Convenção) e limite de tempo para exposição quanto ao mesmo (art. 8.2), bem como a
participação ativa dos empregados nos processos técnicos de prevenção dos riscos (art. 5o),
em que pese ser da responsabilidade do empregador a implementação dessas medidas (art.
7o).
Há também o direito dos representantes dos empregados acompanharem a fiscalização
realizada pelo agente de inspeção sobre a segurança do trabalho (art. 4.4).
Todavia, as empresas estavam impedindo ou dificultando esse acompanhamento, o
que fez a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho - OIT, depois de
várias reclamações recebidas, recomendar a alteração da legislação brasileira sobre essa
matéria para que superasse o impasse.394
Oliveira esclarece que trata-se da NR-1 que incluiu o item 1.7, a alínea “d”, ficando
com o seguinte teor: Cabe ao empregador: [...] d) permitir que representantes dos
trabalhadores acompanhem a fiscalização dos preceitos legais e regulamentares sobre
segurança e medicina do trabalho.395
393 OLIVEIRA, loc. cit. p. 77. 394 Ibid. p. 77 e 78. Sobre a atuação da Comissão de Peritos, v CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 78-84; SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 248-258. 395 Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/05/mtb/1.htm Acesso em: 1 jan. 2012.
123
Ainda há setores dos empregadores, prossegue Oliveira, que defendem a ideia que os
representantes dos empregados sejam somente os membros da Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes - CIPA396 e não os sindicatos.
Mas, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou a matéria, conforme decisão:
TRABALHISTA. CONVENÇÃO 148 DA OIT. DECRETO 93.413/86. CLT, ART. 513, "a". DIRIGENTES SINDICAIS. 1. A representação dos trabalhadores nas inspeções de controle das medidas de proteção à saúde e à higiene dos locais de trabalho, previstas na Convenção nº 148 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, promulgada pelo Decreto nº 93.413/86 é prerrogativa dos dirigentes sindicais da respectiva categoria profissional, nos termos do art. 513, "a", da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. 2. Recurso improvido.397
A Convenção n. 155 da OIT foi aprovada pelo Decreto Legislativo no 2, de 17 de
março de 1992, ratificada em 18 de maio de 1992 e promulgada em pelo Decreto no 1.254, de
19 de setembro de 1994.
Süssekind registra que a referida Convenção foi fruto dos estudos do Programa
Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho
(PIACT), em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), cujo ponto central do documento é o alargamento do conceito de meio ambiente
de trabalho.398
396 Criada pelo art. 163 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que diz: Art. 163 - Será obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), de conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho, nos estabelecimentos ou locais de obra nelas especificadas. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977). Parágrafo único - O Ministério do Trabalho regulamentará as atribuições, a composição e o funcionamento das CIPA (s). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm Acesso em: 1 jan. 2012. A NR 5 regulamenta a CIPA, a qual é composta por representantes dos empregados e empregadores (art. 5.6) e possui como meta, conforme art. 5.1, [...] a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. Disponível em: http://carep.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_05.pdf Acesso em: 1 jan. 2012. 397 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=conven%E7%E3o%20148%20oit Acesso em: 1 jan. 2012. Em sentido contrário, v. BIGNAMI, Renato. Acompanhamento da inspeção do trabalho por entidades sindicais. Revista de Direito do Trabalho, 2004, vol. 116. p. 205. 398 O mesmo autor cita quais são os objetivos do PIACT: a) proteção contra os efeitos desfavoráveis de fatores físicos, químicos e biológicos no local de trabalho e no meio ambiente imediato; b) prevenção da tensão mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho; c) promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada do tempo e do bem-estar dos trabalhadores; d) adaptação das instalações e locais de trabalho à capacidade mental e física dos trabalhadores, mediante aplicação da ergonomia. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3 ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 389. Nessa mesma linha, a OIT possui o programa Qualidade de Vida no Trabalho (QVT)
124
Ela vincula o Estado-membro da convenção às seguintes obrigações, conforme expõe
o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil:
1) Dever de: • formular e por em prática uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, para prevenção de acidentes e danos à saúde consequentes ao trabalho, que guardem relação com a atividade que laboram ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes no meio ambiente de trabalho, considerando: projeto, ensaio, seleção, substituição, instalação, disposição, utilização e manutenção dos componentes materiais do trabalho (locais e meio ambiente de trabalho, ferramentas, máquinas e equipamentos, substâncias e agentes químicos, biológicos e físicos, operações e processos); relações entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam e supervisionam e adaptação de máquinas, equipamentos, tempo de trabalho, organização do trabalho, operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores; • formação, qualificação e motivação das pessoas que intervêm para que se alcancem níveis adequados de segurança e higiene; • comunicação e cooperação em todos os níveis; • proteção dos trabalhadores e seus representantes contra toda medida disciplinar resultante de ação de acordo com a política. 2. Necessidade de estudos periódicos, globais ou referentes a determinados setores, da situação em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, para identificação de problemas principais, proposição e priorização de medidas e avaliação de resultados. 3. Dever da autoridade competente de: • Determinar, de acordo com a natureza e graus de risco, as condições de concepção, construção, início de operação e processos a serem modificados em empresa, assim como a segurança de equipamentos técnico e procedimentos de trabalho; • determinar proibição, limitação ou controle de operações e processos, substâncias e agentes; • estabelecer e aplicar procedimentos para notificação de acidentes do trabalho e doenças profissionais, elaborando estatísticas anuais; • realizar inquéritos em caso de acidentes ou doenças profissionais que indiquem situação grave;
que busca melhorias das condições e ambientes de trabalho através da “democracia industrial”, ou seja, aumentar a participação dos trabalhadores nas decisões relacionadas à sua vida profissional e provocar uma olhar sobre o seu ser que ultrapasse os portões das fábricas. Cf. LACAZ, Francisco Antônio de Castro. Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232000000100013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 jan. 2012; ________. O campo Saúde do Trabalhador: resgatando conhecimentos e práticas sobre as relações trabalho-saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, Abr. 2007. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000400003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 jan. 2012. O QVT foi uma resposta à crise do modo de produção fordista diante da sua incapacidade de adaptar às novas exigências do mercado neoliberal, a partir da crise do petróleo na década de 70, onde passou-se a exigir maior flexibilização do trabalhador para transformá-lo em massa consumidora e produtora, ao mesmo tempo, o que fez gerar uma forte e maléfica taxa de rotatividade (substituição de um trabalhador por outro) no trabalho. Cf. CRIVELLI, loc. cit. p. 107-110. Sobre esses fenômenos no Brasil v. DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE, 2011. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/geral/publicacoes/ Acesso em: 04 jan. 2012.
125
• publicar anualmente informações sobre a aplicação da política nacional, acidentes do trabalho e doenças profissionais; • estabelecer sistema de análise de agentes químicos, físicos ou biológicos que possam trazer danos à saúde dos trabalhadores. 4. Dever de zelar para que pessoas que projetam, fabricam, importam, fornecem ou transferem máquinas, equipamentos ou substâncias para uso profissional: • Garantam que os mesmos não tragam perigos à segurança e saúde das pessoas; • forneçam informação sobre a instalação e uso correto de máquinas e equipamentos, utilização adequada de substâncias e agentes físicos e à biológicos e formas de prevenção dos riscos conhecidos. 5. Proteção do trabalhador que interrompa situação de trabalho por acreditar que a mesma traga perigo grave e iminente à sua vida ou saúde. 6. Dever de promover a inclusão de questões de segurança, higiene e meio ambiente de trabalho em todos os níveis de ensino e formação. 7. Dever de exigir dos empregadores: • Garantia de que seus locais de trabalho, máquinas, equipamentos, operações e processos sejam seguros e não tragam risco à segurança e à saúde dos trabalhadores; • garantia de que agentes e substâncias químicas, físicas ou biológicas sob seu controle não tragam riscos à saúde quando se tomam as proteções adequadas. 8. Necessidade no âmbito da empresa de medidas de promoção da segurança e saúde, por meio da cooperação e comunicação ampla entre trabalhadores e empregadores e do fornecimento de informações e formação adequadas.399
Oliveira lembra que a Convenção n. 155 OIT é importante também por trazer um
conceito mais alargado de saúde, em comparação ao que a OMS apresenta como “completo
bem-estar”, como vimos, posto que inclui, pela primeira vez em uma norma, o
reconhecimento da necessidade da saúde mental como parâmetro de qualidade de vida, ainda
mais em nossa época onde o desgaste cerebral e o assédio moral são problemas crônicos e
desafiadores: A saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de
doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente
relacionados com a segurança e a higiene do trabalho (art. 3, alínea e).400
Outro ponto inovador na Convenção n. 155 da OIT é a inversão da lógica da
instrumentalização do homem em relação ao trabalho. Assim, conforme art. 5 da Convenção,
é a técnica que deve se adaptar ao homem e não o contrário. O art. 13 de Convenção permite
que o empregado pare de trabalhar quando houver razoável motivo que represente perigo para
a sua saúde ou vida, sem que com isso sofra punição do empregador.
399Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT, 2002. p 62. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011. 400 OLIVEIRA, loc. cit. p. 80 et seq.
126
Quanto à obrigação de inserir no sistema de ensino a formação sobre segurança,
higiene e meio ambiente de trabalho, o art. 14 da Convenção traz esse dever ao Estado-
membro, tornando a Convenção de n. 155 inovadora também por esse aspecto.
A Convenção n. 161 da OIT foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 86, de 14 de
dezembro de 1989, ratificada em 18 de maio de 1990, promulgada pelo Decreto n. 127, de 22
de maio de 1991.
Como dever aos Estados-membros da Convenção há a obrigação de formular e aplicar
uma política nacional coerente que estabeleça progressivamente os serviços de saúde no
trabalho para todos os trabalhadores, sendo públicos ou de cooperativas de produção (art. 3o),
com as funções de: a) identificação e avaliação dos riscos à saúde nos locais de trabalho; b)
vigilância da saúde dos trabalhadores e dos fatores e práticas de trabalho que possam afetá-la;
c) assessoria em matéria de saúde, segurança, higiene no trabalho e ergonomia, equipamentos
de proteção individual e coletiva, assim como no planejamento e organização do trabalho; d)
participação em programas de melhorias nas práticas de trabalho e inspeções de novos
equipamentos; e) fomento da adaptação do trabalho aos trabalhadores; f) assistência na
adoção de medidas de reabilitação profissional; g) colaboração na difusão de informações, na
formação e educação em matéria de saúde e higiene no trabalho e ergonomia; h) organização
dos primeiros socorros e atendimento de urgência; i) participação na análise de acidentes do
trabalho e doenças profissionais (art. 5o).
Há que se respeitar também a independência dos profissionais que prestem serviços de
saúde no trabalho (art. 10), inclusive não os encarregando na verificação das causas da
ausência dos empregados (art. 15, parte final).401
Ressalte-se que o empregador e também os trabalhadores possuem o dever de informar
ao serviço de saúde sobre todo fator existente no meio ambiente de trabalho que possa afetar a
saúde dos trabalhadores (art. 14). Há também, para o trabalhador e sob o ônus do empregador,
o direito à informação ambiental dos riscos para a saúde existentes em seu trabalho (art. 13).
Oliveira destaca a importância da multidisciplinaridade conferida pelos arts. 9 e 11 da
Convenção. Assim, a Recomendação n. 171, art. 36, da OIT elenca que os serviços de saúde
no trabalho devem ser compostos por [...] especialistas em medicina do trabalho, higiene do
trabalho, ergonomistas, enfermeiros e outras profissões conexas, de acordo com as tarefas
executadas pelo empreendimento.402
401 Oliveira entende que somente haverá independência completa do profissional da saúde que atue nos serviços de saúde no trabalho se não sofrer demissão arbitrária. Cf. OLIVEIRA, loc. cit. p. 85. 402 Id. p. 85.
127
A Convenção n. 187 da OIT adotada em sua 95ª Conferência Internacional do
Trabalho, realizada em 2006, possui como título Marco promocional da segurança e saúde
no trabalho. Contudo, ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas já há a Portaria lnterministerial
n. 152, de 13 de maio de 2008, que instituiu a Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no
Trabalho, como forma de avaliar e propor medidas para implementação da Política Nacional
de Segurança e Saúde do Trabalhador - PNSST, como forma de atender as diretrizes da
Convenção n. 187 da OIT.
Conforme site oficial da organização,403 os 20 países que já ratificaram a convenção
foram: Áustria, Bósnia e Herzegovina, Canadá, Chile, Cuba, Chipre, República Checa,
Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Japão, República da Coréia, República da Moldávia, Níger,
Federação Russa, Sérvia, Eslováquia, Espanha, Suécia, Reino Unido.
Conforme acentua Oliveira, há três linhas básicas para se implementar a Convenção n.
187: a) elaborar uma política nacional sobre segurança e saúde no trabalho e no meio
ambiente do trabalho (art. 3); b) estabelecer, manter e desenvolver de forma progressiva, com
reexame periódico, um sistema nacional de segurança e saúde no trabalho (art. 4); c) elaborar,
aplicar, controlar e reexaminar periodicamente um programa nacional de segurança e saúde
no trabalho (art. 5).404
Como visto, a cultura prevencionista é incentivada pela Convenção e deve englobar
todos os níveis administrativos e produtivos da sociedade de forma a criar uma política
nacional para proporcionar aos trabalhadores um ambiente seguro e saudável.
3.3.2 As Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a saúde do trabalhador em face dos princípios da prevenção e precaução do Direito Ambiental.
Vimos que as convenções da OIT sobre a saúde do trabalhador foi caminhando da
estratégia curativa dos males advindos do processo de industrialização para o progressivo
alargamento do que se entende como saúde e ambiente de trabalho, integrando este ao
conceito de meio ambiente em geral, o qual, por sua vez, passa a conceitua-se como tudo o
que afeta e permeia a vida humana e não-humana. Esse caminhar hermenêutico ultimou com a
403 Disponível em: HTTP://www.ilo.org/ilolex/cgi-lex/ratifce.pl?C187 Acesso em: 02 nov. 2011. 404 OLIVEIRA, loc. cit. p. 87.
128 análise preventiva dos riscos ambientais aos quais o trabalhador está sujeito e, indiretamente,
afeta toda a sociedade, tendo em vista os problemas ambientais de segunda geração.405
Ayala assinala que as categorias risco e perigo formam o primeiro critério de
separação entre os dois princípios, sendo que o perigo concreto relaciona-se ao princípio da
prevenção, i. é, o saber-se perigoso pela certeza ou verossimilhança, e o perigo abstrato,
incerto, risco iminente, desconhecido, com o princípio da precaução.406
Assim, deve-se analisar objetivamente qual é o perigo que a atividade representa como
risco poluidor em relação ao meio ambiente do trabalho.
Sobre o tema risco, Ayala407 destaca três documentos internacionais: o Princípio 15 da
Declaração sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento;408 Convenção sobre a Diversidade
Biológica409 e a Convenção-quadro sobre a Mudança do Clima.410
Segundo o mesmo autor, os pontos principais apresentados pela Comissão das
Comunidades Europeias sobre o princípio da precaução são:
405 Indiretamente, a discussão é o que fazer com a propriedade privada e os seus efeitos deletérios advindos do seu uso ou, na linguagem da economia ambiental, as externalidades negativas, sobre a qual veremos mais a frente. Há várias metáforas interessantes sobre o assunto. Serres apresenta uma a respeito da gênese da propriedade privada e a poluição nela produzida pelo homem. Assim, segundo o autor, o direito de propriedade possui um fundamento estercoral, tal qual os animais que selam o seu território com os próprios excrementos. Com efeito, os humanos marcam e poluem a sua propriedade privada para delimitar o seu espaço no mundo e mostrar aos outros humanos a sua transformação por ação antrópica. SERRES, M. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 45. Ost, sob o mesmo ângulo, afirma que [...] toda a ideia de proteção da natureza é, assim sacrificada sobre o altar da propriedade e da liberdade econômica. Uma lei francesa de 4 de setembro de 1791 determina que ‘os bosques pertencentes a particulares deixarão de estar sujeitos aos agentes florestais, e cada proprietário será ́ livre de os administrar e deles dispor no futuro, como lhe aprouver’. Na mesma altura, são abolidos os domínios das águas e das florestas, enquanto que as florestas das comunidades eclesiásticas são vendidas como bens nacionais, em pequenos lotes, a compradores que se apressam a abater as árvores. Cf. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 61. 406 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 71-95. 407 Ibid. p. 73 et seq. 408 Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Adotada na cidade do Rio de Janeiro, ao final dos trabalhos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 3 a 14 de junho de 1992. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1.131. 409 Observando também que quando exista ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça. Adotada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992. Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 2, de 03 de fevereiro de 1994, e promulgada pelo Decreto 2.519 de 16 de Marco de 1998. Cf. LEITE; AYALA, op. cit. p. 1.132. 410 Adotada pelas Nações Unidas, em Nova York, em 09 de maio de 1992. Aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 1, de 03 de fevereiro de 1994 e promulgada pelo Decreto 2.652 de 01 de julho de 1998. Cf. Ibid. p. 1.150-1.166.
129
a) a necessidade de se compreender este princípio como pressuposto prévio de todos os processos de decisão política que tenham por conteúdo a gestão de riscos, estabelecendo-se três estágios elementares: avaliação, gestão e a comunicação dos riscos; b) identificação da relevância do princípio como um importante instrumento de distribuição do ônus da prova; c) análise dos mais relevantes princípios que orientam sua aplicação: os princípios da proporcionalidade, da não-discriminação, coerência, fungibilidade (ou modificabilidade) e balanceamento (balancing ou abwagung); d) Destaque da importância da correta compreensão do problema da avaliação científica, relativamente ao momento e à responsabilidade pela atividade.411
Com efeito, não havendo certeza científica plena sobre os riscos que envolvem a
atividade humana exploratória dos recursos naturais, há que se buscar soluções de negociação,
cooperando com todos os canais científicos disponíveis para que haja um escalonamento da
certeza científica sobre a ocorrência do perigo da atividade, optando-se, portanto, para uma
atitude proativa nos processos de decisão e, assim, perfazer um risco considerado aceitável.
Havendo necessidade, aplica-se o princípio da proporcionalidade aferindo-se os meios e as
metas a serem atingidas, tendo-se a dignidade humana como base de toda a análise.412
411 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 74-75. Cabem alguns esclarecimentos sobre princípios e regras jurídicas. O princípio se distingue da regra jurídica porque nesta há uma descrição de hipótese certa que traz consequências jurídicas na medida em que for aplicada ou subsumida ao fato concreto. Ademais, aquele possui um valor inerente, objetivo em seus postulados, apesar de não se saber necessariamente a sua origem certa no tempo, mas são sempre aplicados nos chamados hard cases, normalmente em questões constitucionais complexas em que a regra jurídica não consegue solucionar satisfatoriamente, até porque os princípios são mais abstratos que as regras de direito. Assim, em grau crescente de abstração, com base na doutrina alemã, classificamos os princípios em: "princípios constitucionais especiais", "princípios constitucionais gerais" e "princípios estruturantes". Estes últimos, conforme o nome indica, são os pilares políticos do Estado com a sua ordem constitucional e, no caso do Brasil, conforme podemos ler no “Preâmbulo” e art. 1o da Constituição de 1988, o princípio do Estado de Direito, o princípio democrático, o princípio federativo e o princípio republicano. Quando há duas ou mais regras de direito que incidem sobre o mesmo fato, há diversos protocolos a serem obedecidos para se decidir qual delas se aplicará, conforme o legislador mesmo dispõe na criação das leis. Mas com os princípios ocorre algo diferente, posto que eles vivem em aparente tensão e não regulam nenhum caso concreto. Assim, como exemplo dado por Willis Santiago Guerra Filho, se aplicarmos em excesso o princípio da igualdade formal entre as pessoas, poderemos infringir o princípio democrático, posto que estas vivem em desigualdade material. Para solucionar o problema, invoca-se o princípio da proporcionalidade, que é considerado “o princípio dos princípios”. Este, por seu turno, divide-se em três sub-princípios ("princípio da proporcionalidade em sentido estrito" ou "determinação de sopesamento", "princípio da adequação" e "princípio da exigibilidade" ou "determinação do meio mais suave") de forma a sempre conciliar o meio empregado com o fim a ser alcançado pela norma jurídica, sem que haja prejuízo do seu núcleo principal, no caso, a dignidade humana. O princípio da proporcionalidade não está expresso na Constituição de 1988, mas implicitamente no conteúdo do disposto no § 2º do art. 5º. V. GUERRA FILHO, Willias Santiago. Sobre princípios constitucionais gerais: isonomia e proporcionalidade. Revista dos Tribunais, 1995, vol. 719. p. 57; ________. Teoria da ciência jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 148-192; CAMPOS, Amini Haddad. O devido processo proporcional: o princípio da proporcionalidade constitucional na teoria processual: as concepções do direito brasileiro. São Paulo: LEJUS, 2001. p. 57-127; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Loc. cit. p. 228-265; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 edição. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. p. 265 et seq.; ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Virgílio Afonso da Silva (trad.). São Paulo: Malheiros Editora, 2008. p. 85-179. 412 Cf. LEITE; AYALA, loc. cit. p. 79. Os mesmos autores citam ainda uma resolução do Conselho Europeu de Nice onde se aplica diretamente o princípio da proporcionalidade em relação à saúde e ao meio ambiente: [...]
130
Godard afirma que o princípio da precaução nasceu do temor de se repetir as
catástrofes provocadas pelo homem (guerras, Seveso, Bhopal, Chernobyl...) que, se repetidas,
tornará a vida na terra impossível. Por isso, o princípio lança questionamentos não somente
sobre as descobertas científicas e suas incertezas, mas também a quem confiar a possibilidade
de ser o tomador de decisões para poder traduzir em medidas jurídicas necessárias para o
momento histórico em questão com o fim de preservar as gerações futuras.413
Kiss ressalta que o princípio da precaução vincula-se diretamente aos direitos e
interesses das gerações futuras. Assim, o conceito de equidade intergeracional surge em 1980
devido as preocupações com os problemas ambientais da segunda metade do século XX,
especialmente os relacionados ao crescimento populacional desenfreado e o uso
indiscriminado dos recursos naturais. Assim, os direitos das gerações futuras tornaram-se um
princípio de direito internacional e são aqueles que compõem o patrimônio natural e cultural
recebidos dos nossos antepassados e que devem ser repassados para as gerações vindouras
sem possibilidade de retrocesso nos avanços alcançados. Há vários tratados e documentos
internacionais que declararam esse princípio, sendo significativo citar a Declaração de
Estocolmo de 1972 e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de
1992.414
Segundo Machado, o procedimento prévio de identificação e análise dos riscos é
fundamental para a aplicação do princípio da precaução.
Assim,
[...] além da saúde humana, a avaliação de riscos, conforme o caso, abrangerá o meio ambiente. A avaliação científica dos riscos é habitualmente definida, tanto a nível internacional como comunitário, como um processo científico que consiste em identificar e caracterizar um perigo, em avaliar e em caracterizar o risco.415
quando houver várias possibilidades de alcançar o mesmo nível de proteção da saúde ou do meio ambiente, deve optar-se pelas medidas menos restritivas para as trocas comerciais. 413 GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais. In: VARELLA, Marcelo; PLATIAU, Ana Flávia Barros (coord.). Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 159. O mesmo autor cita uma decisão 99, caso C 180/96, da Corte de Justiça Europeia sobre a aplicação do princípio da precaução em relação à saúde pública e à segurança alimentar: [...] quando as incertezas subsistem quanto à existência ou extensão dos riscos para a saúde das pessoas, as instituições podem tomar medidas sem ter de esperar que a realidade e a gravidade destes riscos sejam plenamente demonstradas. Ibid. p. 160. Sublinhado pelo autor. 414 KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In: VARELLA; PLATIAU, op. cit. p. 1-12. 415 MACHADO, Paulo Affonso Leme. O Princípio da Precaução e a avaliação dos riscos. Revista dos Tribunais, 2007, vol. 856. p. 35.
131
Interessante notar que Machado também lembra a inversão do ônus da prova, ou seja,
em estudo de impacto ambiental para se avaliar o risco, aplicando-se o princípio da
precaução, o empreendedor do impacto é quem deverá provar cientificamente o grau de
tolerância aceitável em relação ao risco ambiental do produto a ser produzido, dentro da mais
ampla participação popular em todo esse processo.416
Dentro dos princípios da precaução e da prevenção, a Convenção n. 184, de 2001, da
OIT é explícita em aplicá-los, especialmente em seu artigo 7o, “c”, quando expõe que o
trabalhador na agricultura tem o direito de interromper imediatamente a sua atividade laboral
quando houver [...] um iminente e sério perigo para a sua segurança e saúde e evacuar os
trabalhadores como apropriado. 417
3.3.3 As Convenções da OIT e o estudo de impacto ambiental no meio ambiente do trabalho no Brasil.
As Convenções da OIT418, bem como a sua própria Carta de Constituição,419 estão
sempre voltadas para aspectos de análise dos riscos em relação à atividade laboral e, agora, ao
meio ambiente do trabalho.
Por outro lado, os incisos II, III, IV e V do parágrafo primeiro do art. 225 da
Constituição de 1988 traçam os aspectos do princípio da precaução no Brasil.
Em relação ao meio ambiente de trabalho, para os fins deste tópico, interessa-nos 416 O mesmo autor cita a decisão da Comissão das Comunidades Européias sobre o Princípio da Precaução/2000, item 6.4. Trata-se já de uma forma de aplicar o princípio da precaução deslocando a responsabilidade da produção das provas científicas. Enquanto o nível de risco para a saúde ou para o ambiente não possa ser avaliado com suficiente certeza, o legislador não tem fundamento jurídico para autorizar a utilização da substância, a não ser em condições excepcionais para a realização de ensaios. Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. O Princípio da Precaução e a avaliação dos riscos. loc. cit. p. 7 et seq. 417 Tradução livre. A Convenção n. 184 ainda não foi ratificada pelo Brasil. Ela versa sobre a tutela da saúde dos trabalhadores da agricultura. Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/english/convdisp1.htm Acesso em: 05 de janeiro de 2012. O art. 13 da Convenção n. 155 da OIT possui o mesmo conteúdo preventivo, conforme supra. No plano nacional das normas trabalhista, Figueiredo cita os arts. 160 e 161 da CLT como exemplos de aplicação do princípio da precaução e prevenção. Sobre esses artigos, falaremos mais adiante. Cf. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2 ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 61. 418 Especialmente a Convenção n. 155 da OIT, cujo art. 11, “a”, declara: Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a realização das seguintes tarefas: a) a determinação, quando a natureza e o grau de risco assim o requererem, das condições que regem a concepção, a construção e o acondicionamento das empresas, sua colocação em funcionamento, as transformações mais importantes que forem necessárias e toda modificação dos seus fins iniciais, assim como a segurança do equipamento técnico utilizado no tratado e a aplicação de procedimentos definidos pelas autoridades competentes; Disponível em: http://www.institutoamp.com.br/oit155.htm Acesso em: 04 jan. 2012. 419 V. Anexo – Declaração Referente aos Fins e Objetivos da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf Acesso em: 04 jan. 2012.
132 diretamente o inciso VIII do art. 200, o inciso IV do art. 225, bem como o inciso XXII do art.
7o, todos da Constituição de 1988, tendo em vista o princípio da precaução e o direito à
informação ambiental, já abordados neste trabalho.
A par de artigos citados, deve-se ressaltar que o art. 170, VI da CRFB/88 cita
expressamente a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental dos produtos e serviços a
serem implantados dentro da ordem econômica.420
Por outro lado, seguindo a Resolução 01/86 do CONAMA,421 esse estudo será
realizado nos casos elencados no art. 2o da Resolução e possuirá as seguintes características:
Artigo 6º – O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I – Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico – o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d’água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais – a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a
420 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VI - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/art_170_.shtm Acesso em: 02 nov. 2011. O Princípio 17 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, adotada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 3 a 14 de junho de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, também dispõe sobre a necessidade de avaliação de impacto ambiental em toda atividade planejada pelo Estado que causa alteração no meio ambiente: A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional competente. Cf. MAZZUOLI, Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. loc. cit. p. 1131 421 Segundo o art. 6º., II da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é um [...] órgão consultivo e deliberativo: [...] com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Ao CONAMA compete, além de outras atribuições, normatizar os critério de licenciamento ambiental através de Resoluções (art. 8º , I da mesma Lei).
133
sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II – Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III – Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. lV – Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.422
O art. 7o, XXII da CRFB/88 é um dos fundamentos do direito ambiental do trabalho e
diz que são direitos do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança.
Assim, diante de todo o contexto de promoção alargada da saúde do trabalhador pela
aplicação do princípio da precaução nas Convenções da OIT, em especial, as de n. 148, 155,
161 e 187, bem como somando-se ao fato que toda a atividade econômica produz um risco ao
meio ambiente423 e este mesmo deve ser calculado por métodos científicos quanto aos seus
impactos (art. 170, VI CRFB/88), propomos a possibilidade de exigir o mesmo estudo de
impacto ambiental em relação ao meio ambiente do trabalho com a ampla participação dos
órgão representativos dos empregados, especialmente os sindicatos e as CIPA’s, além do
Ministério Público do Trabalho, por dever funcional.424
422 Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=23 Acesso em: 02 ago. 2010. Segundo essa mesma Resolução, há dois relatórios básicos desses estudos: o primeiro é o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), de caráter técnico, o segundo é o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que traduz o EIA em linguagem simples para possibilitar a sua discussão com participação popular. 423 CANOTILHO, loc. cit. p. 1304 et seq. 424 Art. 129, III da Constituição. O art. 114 da CRFB/88 determina a competência da Justiça do Trabalho. A Emenda Constitucional 45 de 2004 alterou o citado artigo, motivo pelo qual a competência da Justiça do Trabalho em matéria de interesse difuso e coletivo trabalhista passou a ser regulada ratione materiae dentro do conceito de relação de trabalho e não mais em razão da pessoa que compõe um dos polos. Assim, houve uma ampliação do conceito, uma vez que a relação de trabalho é tudo o que significa produção de valores para fins de mercantilização. Já a relação de emprego representa o vínculo de subordinação entre quem manda e quem obedece dentro dos parâmetros legais dos arts. 2º e 3º da CLT, respectivamente. Essa observação é importante para não condicionar a competência da Justiça do Trabalho somente quando houver a subordinação na relação de trabalho e, assim, excluir importante faixa de trabalhadores que não integram a figura clássica positivada. Em última análise, o conceito de relação de trabalho, para fins de tutela do meio ambiente do trabalho, é amplo dentro da Constituição de 1988 e não há motivos para a doutrina fazer acepções. Cf. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Ação civil pública e Justiça do Trabalho. In: MILARÉ, Edis (coord.). A Ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 274.
134
Com efeito, constatamos que as normas de saúde, higiene e segurança do
trabalhador425 não conseguem garantir o seu estado de dignidade planejado nos dispositivos
constitucionais, haja vista o alto índice registrado de acidentes de trabalho.
Assim, deve-se promover estudos de impacto ambiental do meio ambiente do trabalho,
com participação dos trabalhadores nas audiências públicas, para que haja plena ciência do
modelo de risco a que serão inseridos.
O próprio inciso VI do art. 170 da CRFB/88 usa o termo impacto ambiental e,
logicamente, levando-se em conta que em todo empreendimento econômico há trabalhadores
envolvidos, é clara a inclusão do meio ambiente do trabalho dentro do mesmo inciso.
Haveria, portanto, necessidade de alteração somente da Resolução 01/86 do
CONAMA para que haja previsão desse tipo de estudo também.
Com efeito, se há estudo de impacto ambiental para as agressões futuras e incertas
provocadas pelas atividades econômicas que afetarão o homem, deve-se também realizar o
mesmo estudo direcionado ao meio ambiente do trabalho onde se afeta diretamente o
trabalhador e, através dele, toda a sociedade.
Ademais, o preço e o custo da segurança do empreendimento não deve ser avaliado
somente pelas instituições e especialistas, mas deve merecer um espaço democrático de
discussão com ampla aplicação do direito à informação ambiental.
Busca-se retirar, com isso, o meio ambiente do trabalho da visão privatista que sempre
lhe foi destinada em que trata o trabalhador como máquina.
Afinal, o meio ambiente descrito no artigo 225 da Constituição é unitário em seu
conceito para fins de tutela, ou seja, engloba todas as formas de vida e impõe como direito
fundamental do ser humano o acesso a ele.426
O meio ambiente do trabalho, integrante desse todo, também deve ser tutelado com as
mesmas prescrições que dizem respeito ao meio ambiente geral, inclusive em relação às
futuras gerações de trabalhadores.
Sobre esse ponto, vale citar o julgado do STJ que entendeu ser plausível a propositura
de ação civil pública para tutelar as presentes e futuras gerações de trabalhadores e, em caráter
explicitamente precaucional, quanto à saúde do trabalhador:
425 Tratam-se as normas que atuam em caráter preventivo intituladas “Da Segurança e Saúde do Trabalho”, no Capítulo V do Titulo II da CLT e das Normas Regulamentadoras, sobre as quais falaremos mais adiante. 426 Esse mesmo caráter é trazido no art. 3o, I da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 9.638/81), não havendo porque insistir-se na separação entre meio ambiente artificial, cultural e natural.
135
[...] cabível ação civil pública com o objetivo de afastar danos físicos a empregados de empresa em que muitos deles já ostentem lesões decorrentes de esforços repetitivos (LER). Em tal caso, o interesse a ser defendido não é de natureza individual, mas de todos os trabalhadores da ré, presentes e futuros, evitando-se a continuidade do processo de degeneração física. (REsp. 207336/SP. Relator Min. Antonio de Pádua Ribeiro. J. 5.12.2000. publ. 11.6.2001)427
Nesse sentido, Fernandes esclarece:
Não obstante o caráter unitário do conceito de meio ambiente, uma vez que se rege por princípios e diretrizes comuns, torna-se imperioso conferir maior efetividade às normas e princípios do direito ambiental ao meio ambiente do trabalho, pois, se por um lado, a conscientização da sociedade na preservação principalmente do meio ambiente natural - ar, água, solo, fauna, flora, incluindo os ecossistemas - artificial e cultural, atingiram um nível elevado nos últimos anos, o mesmo não se pode dizer em relação à proteção do meio ambiente do trabalho. Com efeito, mesmo entre os operadores do direito, vê-se certa incompreensão e até antipatia com as normas de medicina e segurança do trabalho, relegando-se a tais normas uma importância menor em comparação com as que compõem o ordenamento jurídico trabalhista, ligadas à obtenção de conquistas no plano material.428
Fernandes ainda elenca as vantagens trazidas por esta proposta de inclusão do meio
ambiente do trabalho no EIA/RIMA. A primeira será a maior aproximação entre o meio
ambiente geral e o meio ambiente do trabalho, pertencente a ele. A segunda é a viabilidade de
aplicar o princípio da prevenção concretamente, ou seja, colheita de provas sobre o
empreendimento poluidor para instrução de eventual Ação Civil Pública. A terceira vantagem
é de caráter pedagógico ao difundir a educação ambiental do trabalho.429 A quarta e última é a
427 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp Acesso em: 02 jan. 2012. 428 FERNANDES, Fábio de Assis F. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho. O Ministério Público do Trabalho e o licenciamento ambiental trabalhista. Revista de Direito Ambiental. vol. 49, 2008. p. 119. ________. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica. São Paulo: LTr, 2009. p. 231-246. Segundo o mesmo autor, 95% dos danos ambientais causados aos diversos tipos de ecossistemas naturais originaram-se do ambiente do trabalho. Ele também defende que o estudo de impacto ambiental do meio ambiente do trabalho deverá ser feito pelo Ministério do Trabalho devido ao seu recurso técnico, humano e normativo para elaboração do estudado. Contudo, discordamos em parte desse posicionamento porque se defendemos que o conceito de saúde deve ser alargado para que alcance o de dignidade humana, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 3º, III da Constituição), o meio ambiente do trabalho deve ser visto como uma preocupação da própria cidadania com aplicação direta dos princípios a ela vinculados no direito ambiental, dentre eles, o da precaução, da participação popular e do acesso à informação ambiental. Assim, o estudo de impacto sobre o meio ambiente do trabalho deve ser elaborado conforme a Resolução 01/86 do CONAMA, com a participação direta do Ministério do Trabalho e demais órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público do Trabalho, mas sem a sua exclusividade sobre o assunto. 429 Id. Conforme Art. 225, inciso VI da Constituição Federal: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
136 possibilidade de integração entre os órgãos estatais de fiscalização para que possam crescer
em eficiência e organização sistemática em defesa do meio ambiente do trabalho.
3.4 A DIMENSÃO DIFUSA DO DIREITO À SAÚDE E À SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL.
Dentro dos direitos fundamentais do trabalhador que se relacionam com o meio
ambiente do trabalho destacam-se a saúde e a segurança laborais, como vimos.
Ocorre que a saúde é um direito social difuso por excelência, isto é, indivisível e
pertence não somente aos trabalhadores, mas a todos, indistintamente, até porque possui o seu
fundamento no próprio direito à vida digna. A segurança no trabalho, por outro lado, apesar
de estar restrita a uma determinada classe de pessoas e, por isso, poderia ser conceituada
como direito coletivo, também é entendida como um dos requisitos do conceito de saúde
dentro da ordem social para a promoção do bem estar e qualidade de vida como forma
existencial humana. Fiorillo arremata explicando que os direitos difusos não se confundem
com os bens públicos ou privados, em sua clássica acepção.430
Assim, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) houve por bem definir os
três tipos de direitos ou interesses coletivos (lato sensu) em seu § único do art. 81.
A distinção clássica, portanto, entre esses direitos pode ser encontrada em Mazzilli ao
dizer que os interesses ou direitos difusos possuem uma indeterminação no grupo dos seus
titulares, bem como a indivisibilidade do seu objeto. O único ponto comum é a origem em
relação ao fato ou circunstância que gera a fruição do bem e cria um momento de identidade
entre os sujeitos desconhecidos. Os direitos ou interesses coletivos também possuem a
indivisibilidade do seu objeto, mas, por outro lado, o grupo pode ser determinável uma vez
que há uma relação jurídica básica entre eles. Por derradeiro, os direitos ou interesses
individuais homogêneos também possuem um grupo determinável, mas diferencia-se dos
demais pelo fato de ter o seu objeto divisível e uma origem comum. Este último foi
introduzido no sistema brasileiro através do Código de Defesa do Consumidor e possui como
meta a economia processual especialmente. 431
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...];
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 430 FIORILLO, loc. cit. p. 51. 431 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 58.
137
Analisando os conceitos dos diversos tipos de direitos coletivos, em seu momento de
fruição pela comunidade, percebe-se que eles sofrem influência direta dos chamados bens
comunais.
Bem comunal ou recurso natural comunal, segundo Hardin,432 é aquele cuja
exploração é concorrencial e se dá por acesso livre.
Assim, obviamente que os direitos difusos típicos dos trabalhadores que se relacionam
diretamente com o meio ambiente do trabalho, como a saúde e a segurança, não são
enquadrados como bens comunais típicos, já que apesar de haver acesso livre sobre eles, a
fruição de tais bens não implica em concorrência. Contudo, tanto a saúde quanto a segurança
dos trabalhadores são diretamente afetados pela exploração dos bens comunais.
Pensemos na exploração de qualquer recurso natural. A sua dinâmica segue a corrida
concorrencial e caminha sempre para o esgotamento do mesmo, se tratar de recurso não
renovável especialmente. Aquele que estiver na sua extração deseja fazê-lo com o menor
custo de produção e num menor espaço de tempo, por evidente.433
O meio ambiente do trabalho, nesse caso, é vítima dessa ação que sistematiza a
poluição e, eufemisticamente, chama-a de ambiente insalubre tolerável no processo de
crescimento econômico.
Contudo, há algumas incorreções que não são levadas em conta.
A primeira é que, como se trata de bem com acesso livre, é pertencente à fruição de
todos, inclusive aos trabalhadores e demais pessoas que apenas sofrem os efeitos das
externalidades negativas da exploração.434
432 LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica internacional. Jacob Gorender (trad.). 2 ed. São Paulo: Editora SENAC, 2005. p. 42-43. 433 Em se tratando de recursos naturais renováveis, como o haliêutico por exemplo, podemos notar dois critérios científicos e econômicos conjugados de regulamentação e controle dos mesmos dentro do setor primário da economia: o TAC (total allwable catch – total admissível de captura) e o MSY (maximum sustainable yield – rendimento constante máximo). Cf. MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. v. 2. Prefácio de M. Franchini, 15. ed. (rev. e aum.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 1.266. Os outros setores seguem a mesma lógica e, além de emitirem diretamente a poluição, tornam o trabalho como fator de adoecimento para o trabalhador devido a sistemática adotada na segunda metade do século XX com o toyotismo, fordismo ou taylorismo, conforme já dito. 434 Externalidades negativas são os efeitos deletérios da exploração dos recursos naturais, cujo custo não é contabilizado no preço final do produto. Hoje é possível não somente calcular o custo dessa poluição como criar mecanismos de compensação dos seus efeitos através cargas fiscais e aplicação de princípios constitucionais, dentre eles, inclusive adotados no Brasil, o do poluidor pagador e o do poluidor usuário (art. 170, VI e § 3o do art. 225, ambos da CRFB/88). Cf. LE PRESTRE, op. cit. p. 45; IRIGARAY, Carlos Teodoro J. Hugueney. O emprego de instrumentos econômicos na gestão ambiental. In: FIGUEIREDO, Guilherme J. Purvin. Direito ambiental em debate. v. 2. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004. p. 81/92; SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. Sobre externalidade negativa, trazendo um exemplo da nossa região do cerrado sobre o uso do agrotóxico, v. SOARES, Wagner Lopes; PORTO, Marcelo Firpo. Atividade agrícola e externalidade ambiental: uma análise a partir do uso de agrotóxicos no cerrado brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, 2007, vol. 12(1). 2007. p.131-143. Disponível em:
138
Em segundo lugar, e como consequência da primeira conclusão, os instrumentos
jurídicos devem também fazer essa correlação entre a proteção dos bens comunais para a
preservação do direito de fruição que todos possuem sobre eles e a dependência que a
qualidade da saúde do trabalhador possui em relação à essa ação de tutela.
Com efeito, essa mesma atividade gera substâncias altamente prejudiciais à saúde do
trabalhador, v. g., os vários tipos de gases, líquidos e resíduos tóxicos despejados no meio
ambiente do trabalhado e no meio ambiente em geral. Assim, o trabalhador é duplamente
penalizado: primeiro pela redução ou eliminação do direito de fruição dos bens comunais e,
segundo, porque absorve diretamente a externalidade negativa da exploração na forma do
ambiente insalubre, para dizer o mínimo, a qual lugubridade afeta a geração presente e futura
de trabalhadores, apesar desta estar constitucionalmente protegida.435
Soares436, dispondo sobre os instrumentos de tutela dos direitos difusos dos
trabalhadores, faz uma distinção entre as que são constitucionais de caráter mediatas e
imediatas no meio ambiente do trabalho.
Tutela imediata são as normas que protegem a saúde do trabalhador como fundamento
ao meio ambiente do trabalho equilibrado. São exemplos dessas normas o art. 200, VIII e os
incisos XXII, XXIII, XXVIII, todos do art. 7o da CRFB/88, além do correspondente art. 39, §
3o também da CF/88, que se relaciona ao inciso XXII citado sobre o direito ao meio ambiente
do trabalho saudável, seguro e com higiene.437
As tutelas constitucionais mediatas do meio ambiente do trabalho são as normas que
protegem a saúde em geral, da população, e como o trabalhador está inserido nesse contexto,
a ele também se refere, a exemplo do que expressa o art. 225 da CRFB/88.
O art. 189 da CLT que define como atividade insalubre [...] aquelas que, por sua
natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à
http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232007000100016&script=sci_arttext Acesso em: 02 nov. 2011. 435 Art. 225 caput CRFB/88. 436 SOARES. loc. cit. p. 71-72. 437 O § 3º. do mesmo art. 38 CRFB/88 diz que incluem aos servidores públicos os seguintes direitos dos trabalhadores (art. 7º CRFB/88): salário mínimo (inciso IV); garantia salarial em não receber abaixo do mínimo (VII); décimo terceiro salário (VIII); adicional noturno (IX); salário-família (XII); jornada não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (XIII); repouso semanal remunerado (XV); pagamento por hora-extra (XVI); adicional por gozo de férias com o mínimo de um terço a mais que o salário normal (XVII); licença à gestante (XVIII); licença-paternidade (XIX); proteção do mercado de trabalho da mulher (XX); ambiente seguro, saudável e higiênico (XXII) e proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX).
139 saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do
agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.438
Por sua vez, prossegue, o art. 3o III da Lei 6.938/1981 traça a definição de poluição
como [...] a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; [...] e)
lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Ocorre que o trabalhador faz parte da categoria “população” e possui direito à saúde,
por sê-la de acesso universal e, ao mesmo tempo, ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, conforme art. 225 caput da CRFB/88.
Mas se o trabalhador tem direito à tutela direta ao meio ambiente com a insalubridade
controlada, ou seja, dentro dos níveis ambientais estabelecidos (alínea e da lei citada), por
outro lado, como ser humano, também possui direito à tutela mediata de viver e trabalhar em
ambiente que não prejudique a sua saúde e segurança (alínea a da Lei citada e art. 225 da
CRFB/88).
Portanto, como entender essa aparente antinomia439 em ter direito à redução e
indenização dos riscos da insalubridade (incisos XXII e XXIII, art. 7o CRFB/88) e, ao mesmo
tempo, ao ambiente laboral salubre e equilibrado ecologicamente (art. 225 CRFB/88)?
Ademais, o pagamento pela insalubridade não pode representar uma compensação
digna, vez que o meio ambiente sadio como qualidade de vida e direito difuso é inestimável e
trata-se de direito fundamental relacionado diretamente à dignidade humana (art. 1o, III
CRFB/88). Assim, os adicionais de insalubridade devem ser substituídos pela sua própria
ausência para se chegar à dimensão difusa do direito à saúde, tal como proposto pelas
convenções da OIT analisadas, especialmente a de n. 148 e 155, supra.
Desta forma, apenas pagar ao trabalhador para poder submetê-lo a um ambiente de
risco sem nenhum projeto existencial futuro é o mesmo que voltar aos primeiros tempos dos
estudos da patologia do trabalho, i. é, analisar a doença como fato isolado e, mais grave,
concluir que o fornecimento de métodos terapêuticos é o bastante para proteger a sua saúde,
438 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm Acesso em: 04 jan. 2012. 439 Entende-se por antinomia: [...] a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que coloquem o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado. Cf. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 212.
140 quando, na verdade, deve-se combater o ambiente hostil diretamente e não aplacar os seus
efeitos.440
Oliveira chama a atenção para o fato da Constituição de 1967 constar como direito dos
trabalhadores “higiene e segurança no trabalho” enquanto que a atual Constituição de 1988
consta como direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança. Assim, como o conceito de saúde é alargado dentro da estrutura
constitucional brasileira e conforme demonstram os documentos internacionais, pode-se
afirmar, conclui Oliveira, que a redução dos riscos a um limite de tolerância441
necessariamente deve envolver os vários aspectos que ameaçam a saúde, tais como físicos,
químicos, biológicos, mecânicos, fisiológicos, estressantes, psíquicos.442
Por outro ângulo, Sady critica o conceito de insalubridade do art. 189 da CLT, posto
que vincula a critérios jurídicos de eleição quais são as atividades consideradas insalubres,
conforme preceitua o art. 200 da CLT, a qual tarefa fica a cargo da Medicina do Trabalho e da
Engenharia de Segurança do Trabalho.443
Conclui o mesmo autor que:
[...] existem dois grandes blocos de situações insalubres. Numa faixa, temos aquelas em que a agressividade à saúde é caracterizada por apresentar o ambiente agentes danosos em intensidade superior aos limites de tolerância (índices de morbilidade) fixados pelo Estado. Em outra, temos aquelas em que o tipo de agente agressivo à saúde envolvido torna o ambiente insalubre pela sua simples presença, independentemente do grau de intensidade.444
440 Deve-se ressaltar que em nenhum momento estamos sugerindo que os problemas ambientais somente podem ser resolvidos fora do capitalismo e do regime democrático. A mentalidade ecofascista de James Lovelock, contraria a essa ideia, v. WHITE. Micah. An alternative to the new wave of ecofascism. The Guardian (Environment). Reino Unido, 16 de Setembro de 2010. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cif-green/2010/sep/16/authoritarianism-ecofascism-alternative Acesso em: 16 set. 2011. Interessante assentar que os regimes democráticos foram os que possibilitaram a divulgação mundial da crise ambiental no pós-segunda guerra, vez que os Estados ditos socialistas bloqueavam essas informações diante da estatização das empresas poluidoras, v. g., até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas foram afetadas diretas ou indiretamente pelo acidente em Chernobil na Ucrânia (ex-URSS) em 1986. 441 Entende-se por Limite de Tolerância, para os fins desta Norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral. MTE. Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1979. NR-15. Item 15.1.5. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/legislacao/norma-regulamentadora-n-15-1.htm Acesso em: 02 nov. 2011. 442 OLIVEIRA, loc. cit. p. 121. 443 No caso, a NR 15 define quais são essas atividades. MTE. Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1979. NR-15. Item 15.1.5. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/legislacao/norma-regulamentadora-n-15-1.htm Acesso em: 02 nov. 2011. Cf. SADY, João José. Direito do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 59. 444 Há ainda uma terceira classe [...] cuja caracterização exige prévia inspeção do Ministério do Trabalho (radiações não ionizantes, vibrações, frio, umidade). Cf. Ibid. p. 61.
141
Ademais, deve-se levar em consideração que há agentes agressivos à saúde do
trabalhador, mas que pode demorar até trinta anos para se manifestar.445 Diante desse quadro
e para que haja critérios científicos a acompanhar sempre a progressão dos riscos que
envolvem a atividade do trabalhador, o Ministério do Trabalho, hoje Ministério do Trabalho e
Emprego, criou um sistema de normas administrativas chamadas Normas Regulamentadoras -
NR’s que tratam de questões de higiene e segurança dos trabalhadores urbanos (Portaria MTb
n. 3.214 de 08 de junho de 1978) e dos trabalhadores rurais (Portaria MTb n. 3.067 de 12 de
abril de 1988).446
A periculosidade se distingue da insalubridade porque
[...] esta, enquanto não houver sido eliminada ou neutralizada, afeta continuamente a saúde do trabalhador, acarretando as doenças profissionais; já a periculosidade corresponde apenas a um risco, que não age contra a integridade biológica do trabalhador, mas que eventualmente, pode atingir sua integridade física em face da ocorrência de sinistros.447
Com efeito, a periculosidade vem definida no art. 193 da CLT:
São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977).
Os seus elementos são: a) contato com inflamáveis; b) risco acentuado; c) contato
permanente; d) contato com energia elétrica (Lei 7.369/85).448
Soares449 completa que, apesar do art. 7o. XXIII da Constituição Federal prever o
pagamento dos adicionais por insalubridade, periculosidade e penosidade ao trabalhador
privado, esta monetarização deve ser vista como provisória e desmotivadora para que
finalmente sejam eliminados tais riscos, conforme prevê o próprio artigo 191 da CLT.450 O
445 OLIVEIRA, loc. cit. p. 60. 446 Em ambos os casos. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm Acesso em: 30 dez. 2011. 447 PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 58. 448 A Lei 8.270 de 17.12.91 criou também o adicional de periculosidade em caso de irradiação ionizante e a gratificação por trabalhos com Raios-X para os servidores públicos federais. 449 SOARES, loc. cit. p. 73. 450 A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. Parágrafo
142 art. 225 da Constituição, conclui ela, busca uma política de prevenção à situação de risco, mas
como essa ação é ausente no Brasil, optou-se por compensar a existência desses riscos com o
pagamento dos adicionais.
Portanto, o meio ambiente do trabalho, está em crescente expansão e emancipação
diante da necessidade de controle da poluição advinda do mundo industrial, ou seja, da falta
de proteção do próprio meio ambiente do trabalho.451
Inobstante, é direito fundamental do trabalhador o direito ao meio ambiente do
trabalho equilibrado, com o alargamento do conceito de saúde de forma a ter níveis tolerados
de insalubridade, sob pena do empregador responder por essa responsabilidade constitucional
civil e criminalmente, conforme acentua Figueiredo sobre a aplicação dos arts. 54 e 60, ambos
da Lei 9.605/98.452
Ao Estado também cabe a promoção do meio ambiente do trabalho com o alargamento
do conceito de saúde do trabalhador, sendo este direito social, portando, o seu foco dentro do
Sistema Único de Saúde através da Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90).453
único - Caberá às Delegacias Regionais do Trabalho, comprovada a insalubridade, notificar as empresas, estipulando prazos para sua eliminação ou neutralização, na forma deste artigo. A definição de periculosidade, por sua vez, vem no art. 193 da mesma lei: São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. § 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. § 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. 451 SOARES. loc. cit. p. 74. 452 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm Acesso em: 30 dez. 2011. Cf. FIGUEIREDO, loc. cit. p. 179. Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.”
Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm Acesso em: 02 nov. 2011. 453 Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf Acesso em: 30 dez. 2011.
143
Com efeito, o art. 6o da referida lei prescreve as várias afirmações de defesa e
assistência ao meio ambiente do trabalho.454
Assim, o meio ambiente do trabalho equilibrado possui todos os aspectos
constitucionais de garantia dos direitos fundamentais, ou seja, é irrenunciável e inerente ao
454 Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde-SUS:
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas, para consumo humano;
IX - participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
§ 1º - Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.
§ 2º - Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.
§ 3º - Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa a recuperação e a reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde-SUS, em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde - SUS, da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentem riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam á saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e a empresas sobre os riscos de acidente de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração, a colaboração das entidades sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf Acesso em: 02 nov. 2011.
144 trabalhador, bem como não pode estar sujeito a redução em suas condições diante do
princípio da impossibilidade do retrocesso em matéria social455 e ambiental.
Há necessidade, portanto, de recorrermos à análise sistemática e equitativa das normas
que tutelam o meio ambiente do trabalho e Shelton traz uma abordagem interessante sobre a
fluidez das normas de proteção do direito internacional do meio ambiente que se aplicam
também ao presente estudo.
Ela parte da utilização da equidade como método para impor responsabilidades
comuns, mas diferenciadas, a exemplo como que ocorreu na Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (1992) e o Protocolo de Kyoto em 1997. Ela lembra que
ambos não são ratificados pelos EUA conforme votação expressiva do Senado americano em
1997 por noventa e sete a zero. Assim, esse ato deixou a impressão que acordos internacionais
que não tratassem os Estados-partes de forma rigorosamente igual seriam injustos.456
Equidade, prossegue Shelton, possui tanto o sentido processual de acesso democrático
à discussão sobre a repartição dos riscos ambientais como também sentido material de justiça
distributiva, sendo que ambos estão imbricados e, necessariamente, um processo justo leva a
resultado também justo.457
Genericamente ela apresenta três tipos de equidade: contra legem, quando a decisão
refere-se a um caso particular a despeito da lei dispor de forma diferente; praeter legem
quando se decide para suprir determinada lacuna do direito em novos casos e infra legem
quando a própria lei escolhe a equidade como critério de decisão diante de circunstâncias
diferentes entre os sujeitos.458 Sob qualquer aspecto, esses modelos aplicam-se para as
presentes (equidade intra-geracional) quanto futuras (equidade inter-geracional) gerações.
Há duas razões importantes para se aceitar a aplicação da equidade como método de
interpretação das normas de tutela do meio ambiente internacional.
A primeira é a sua eficácia na delimitação do uso comercial dos recursos naturais, o
que significa dizer que os agentes devem compartilhar o recurso de forma que todos têm 455 A proibição de retrocesso quanto aos direitos sociais na Constituição de 1988 alcança tanto as normas de organização, normas definidoras de direito quanto também as normas programáticas, conforme sistematização do Professor Luís Roberto Barroso. Cf. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 224 456 SHELTON, Dinah. Equity. loc. cit. p. 640-662. 457 Ibid. p. 641. Na mesma página Shelton cita um estudo de 1983 da US General Accounting Office que conclui que três em cada quatro comunidades localizadas em aterros de resíduos perigosos são de população pobre. Em nível internacional, diz a autora, é a mesma lógica, ou seja, os países em desenvolvimento são verdadeiros importadores da poluição dos países ricos por conta das empresas destes que se instalam ali. Na teoria aqueles possuem a soberania de não aceitar empresas poluidoras em suas terras, mas na prática o que ocorre é omissão quanto à aplicação de suas leis ambientais por conta dos altos investimentos estrangeiros dessas empresas poluidoras. 458 SHELTON, op. cit. p. 646 et seq.
145 direito a uma parte e nenhum tem o direito de todos. Assim, embora isso seja senso comum na
comunidade internacional, o problema emerge quando se discute quais seriam os critérios
dessa distribuição justa entre os povos.
A segunda razão de aceitar um papel proeminente à equidade como forma de
sistematizar as normas de tutela do meio ambiente é a necessidade de impor encargos e
despesas que se destinam a reduzir a poluição, a qual é a principal causa da degradação
ambiental e, consequentemente, diminuição da oferta dos recursos naturais.
Eis, portanto, a necessidade de estimular responsabilidades comuns, mas diferenciadas
tanto na proteção do meio ambiente pelo controle da poluição quanto no usufruto dos seus
recursos naturais.
Shelton apresenta argumentos impactantes para essa assertiva: no início do século
XXI, o mundo industrializado, que representa apenas 20% da população mundial, conseguiu
produzir 80% da poluição global e usou cerca de 80% da energia disponível nos recursos
naturais, dentre eles os minerais. O impacto dessa degradação atingiu mais a população dos
países pobres. O PIB dos países desenvolvidos, por outro lado, representa 83% do PIB
mundial, demonstrando o fosso existente entre eles e os países em desenvolvimento. Em
suma, a pobreza tem representado uma importante fonte de estado de degradação ambiental.
Soma-se a isso o fato dos países em desenvolvimento deterem a maior parte dos
recursos biológicos da Terra, em parte por causa da falta de industrialização e também por
razões climáticas. Assim, eles alegam o direito de compartilhar os benefícios resultantes da
utilização de tais recursos pelos países desenvolvidos e, igualmente, uma partilha equitativa
dos encargos decorrentes da poluição.
Assim, segundo Shelton, podemos elencar os problemas a serem enfrentados pela
equidade nesse meio: a) gestão compartilhada; b) compartilhamento da responsabilidade
quanto à conservação do estado natural do meio ambiente, inclusive quanto ao controle da
poluição e, por último, (c) distribuição dos custos pela prevenção da poluição desse meio
ambiente.459
Shelton conclui460 o seu artigo argumentando que a equidade possui uma dimensão
moral que muitas vezes é considerada como sinônimo de justiça e um fim em si mesmo.
Ademais, o reconhecimento de que os recursos globais devem ser partilhados e
459 Sobre o tema, v. sobre o Princípio de Responsabilização Compartilhada, especialmente face o disposto na Constituição brasileira, art. 225 caput sobre a responsabilidade de todos em tutelar o meio ambiente, uma vez que é interesse de todos, inclusive as futuras gerações. Cf. AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 230. 460 SHELTON, Dinah. Equity. loc. cit. p. 661.
146 racionalizados, diante dos perigos iminentes do aquecimento global, da perda da
biodiversidade e esgotamento dos bens finitos deu origem ao dever de auxílio aos Estados que
não podem participar na utilização dos mesmos pelos mais diferentes motivos, que vão desde
barreiras de subdesenvolvimento até problemas geográficos.
Trazendo a mesma análise ao meio ambiente do trabalho, Soares aponta que os
maiores problemas a serem superados pela equidade para que haja proteção do trabalhador
são a desigualdade na distribuição de riquezas que, por sua vez, gera diferenças étnicas de
tratamento, como o racismo tóxico que é a opção em construir aterros sanitários de resíduos
sólidos nos bolsões onde residem a grande maioria dos trabalhadores pobres.461
Outro problema apontado por Soares é a segregação de gênero, onde os melhores
empregos são destinados aos homens e os piores às mulheres e crianças, isso sem levar em
conta o universo de trabalhadores informais462 que não possuem acesso ao sistema de
proteção do Estado, conforme aponta ela sobre o Brasil onde 60% dos trabalhadores estão do
mercado informal e dos 40% restantes que são pertencentes ao emprego formal somente 09
milhões estão inscritos no Sistema de Saúde e Medicina do Trabalho.463
Sem condições de satisfação das necessidades vitais, não se pode satisfazer também os
direitos básicos à saúde e, consequentemente, o direito à própria liberdade, conforme também
expõe Sen: uma renda inadequada é, com efeito, uma forte condição predisponente de uma
vida pobre.464
Desta forma, a equidade como método de compartilhamento de responsabilidades,
tanto em relação ao Estado omisso quanto ao poluidor do meio ambiente do trabalho, deve ser
buscada através dos instrumentos que dispõe o operador do direito tanto a nível nacional
quanto internacional.
A saúde, portanto, possui um conceito alargado e compreende não somente o estado
de “não doença”, mas também um completo bem-estar físico, mental e social da pessoa
humana, conforme definição da OMS. 461 SOARES. loc. cit. p. 78. A recente Lei nº 12.305, de 2 de Agosto de 2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos possui como meta (art. 7º) a redução dos riscos dos resíduos sólidos. 462 De definição complexa a informalidade, mas resumiremos como os trabalhadores que estão fora do sistema de proteção social do Estado por não terem contrato de trabalho formalizado ou carteira assinada. 463 SOARES. op. cit. p. 81. 464 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Laura Teixeira Motta (trad.). Revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 109 et seq. Em outra obra o mesmo autor diz em sermos responsáveis pelo nosso poder em transformar o meio ambiente, motivo pelo qual, mesmo as pessoas pobres devem ser vistas como agentes racionais e não meros recipientes necessitados. SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 69; ________. A ideia de justiça. Denise Bottmann, Ricardo Dominelli Mendes (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 401-405.
147
O acesso a esse direito fundamental (art. 196 da CRFB/88) igualmente deve levar em
conta todos os aspectos do seu titular, ou seja, o econômico e o social para que haja perfeita
conjugação com os direitos sociais, dos quais a saúde é um dos integrantes (art. 6o da
CRFB/1988) e também a promoção de vida digna às pessoas, sem qualquer tipo de
discriminação.
A tutela dos direitos metaindividuais, incluído a saúde, numa visão geral, sofreu
influência da class action for damages do modelo anglo-saxão, que possui sua aplicação,
junto com a equidade, muito além dos Estados Unidos, embora esteja neste o seu referencial
mais importante465, especialmente quando nos anos 60 se levantou a questão do
reconhecimento de um "constitucional right of environment", o qual não tinha equivalente no
texto constitucional americano. Assim, conseguiu enquadrá-lo como resultado do "due
process of law clause", das Emendas V e XIV, com sua vedação de atentados à vida, à
propriedade e à liberdade sem o devido processo legal.466
Assim, a doutrina do meio ambiente e, consequentemente, do meio ambiente do
trabalho é relativamente recente e diz respeito exatamente à terceira geração de direitos, ou
seja, os direitos de “solidariedade” que determina ao Estado, além de outras entidades
também coletivas, o dever de respeito a esses interesses coletivos e difusos, bem como à
fruição de bens insuscetíveis de apropriação individual, integrantes do patrimônio histórico,
cultural e natural comum.467
O meio ambiente do trabalho tem sua origem na Constituição Federal e envolve
direitos e obrigações que visam assegurar, pelo Poder Público,468 o direito material
465 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 33. 466 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo e tutela do meio ambiente na ordem constitucional brasileira. Revista de Processo. 1992, vol. 68. p. 86. 467 Ibid. p. 01. Sobre as gerações dos direitos fundamentais v. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. loc. cit. p. 516-531. Com efeito, Grinover explica o caráter prático dessa ação coletiva ao lembrar, inclusive, que foi por ela que os direitos individuais homogêneos foram introduzidos no sistema brasileiro através do Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei 8.078/90). Dentro dessa mesma sistemática, foi também criada a chamada ação de classe brasileira ou ação civil coletiva nos arts. 91 a 100 do CDC para instrumentalizar a proteção de citados direitos individuais homogêneos. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação da classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 19-39. A autora expõe sobre os requisitos e objeto utilitarista da Regra 23 das Federal Rules de 1966. Essa separação de nomenclatura entre ação civil pública e ação civil coletiva possui pouca utilidade prática, na visão de Mancuso, até porque, citando Leal, as duas grandes alterações trazidas pela LACP foram o aumento do número de legitimados e também a concepção da própria ação civil pública como uma ação coletiva. Ademais, o próprio art. 21 da Lei 7.347/85 (LACP) inclui também as três categorias de direitos ou interesses (difusos, coletivos e individuais homogêneos) para aplicação do Título III do CDC, ou seja, remeteu à mesma parte que engloba o art. 91 do CDC. 468 Trata-se do próprio art. 225, § 1º V, da Constituição.
148 constitucional à saúde do trabalhador,469 sofrendo esse conceito um alargamento necessário
para que constitua um dos fundamentos da República Federativa do Brasil pela promoção da
dignidade da pessoa humana (art. 1o, III da Constituição) em ser a pessoa um fim em si
mesmo dentro do agir ético kantiano.470
Fiorillo acrescenta que, diante do fato de ser a saúde, dentro do seu conceito alargado
como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de
doença ou enfermidade (OMS), objeto essencial da tutela do meio ambiente do trabalho, esta
deve ser tipicamente preventiva e inibitória do estado de degradação humana a que o
trabalhador é submetido diariamente.471
Ademais, levando-se em conta a necessidade de integração de todos os dispositivos
constitucionais em torno do fundamento da República Federativa do Brasil de promoção da
dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,472 o empregador está
também obrigado a compatibilizar a sua atividade econômica com o princípio do pleno
emprego, da defesa do meio ambiente, nele incluído o do trabalho, como forma de promover a
saúde e, via de consequência, uma existência digna fundamentada na valorização do trabalho
humano.473
469 Não somente pela promoção da saúde, mas também por políticas de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, com o objetivo de prevenir danos ambientais que afetem diretamente a saúde dos trabalhadores, conforme art. 7º, XXII da Constituição. 470 Inicialmente essa ideia parece estranha ao mundo do trabalho. O problema configura-se pelo fato da sistematização dos conflitos sociais ainda estarem sob olhares civilistas que insistem em particularizar, domesticar e dimensionar meticulosamente os seus sujeitos, sem levar em conta as grandes transformações que estamos sofrendo pela crise ambiental onde o direito necessita ampliar cada vez mais os seus instrumentos de tutela num fenômeno chamado de creeping jurisdiction ou jurisdição crescente, como ocorre no Direito Internacional Público. Cf. MELLO, Celso D. Albuquerque. loc. cit. p. 1.266. 471 FIORILLO, loc. cit. p. 80 e nota 37. Assim, apesar da saúde ser um direito difuso por ser de acesso universal, as ações civis públicas que versam sobre o meio ambiente do trabalho, via de regra, versam sobre situações ocorridas em determinada categoria de trabalhadores e, assim, se restringem aos direitos coletivos, dentro da definição destes que é trazida no Inciso II do Parágrafo único do art. 81 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). 472 Art. 1º, III e IV da CRFB/88. 473 Art. 170 da CRFB/88. Assim, todo e qualquer ato do empregador que tenha ou que venha a causar lesão a esse direito, deve ser enfrentado por meio de ação civil pública cujo objeto tanto poderá ser a prevenção da lesão (obrigação de não fazer) ou reparação do dano (obrigação de fazer), sem prejuízo de condenação em dinheiro, inclusive por dano moral (art. 3o da Lei da Ação Civil Pública - LACP). Deve-se ressaltar que a responsabilidade do empregador, em relação à tutela do meio ambiente do trabalho, é objetiva, posto que, em se tratando de atividade de natureza econômica, seguem-se os parâmetros do art. 170 da CRFB/88 e, também, aplica-se o princípio do poluidor-pagador, conforme disposto no Parágrafo 3o do art. 225 da CRFB/88. Ademais, há um corpo legislativo infraconstitucional específico sobre as obrigações do empregador em relação ao risco ambiental do trabalho. Cf. ANDRADE, Laura Martins Maia de. Meio ambiente do trabalho e ação civil pública trabalhista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 157-158. A mesma autora cita o art. 157 da CLT e a Norma Regulamentadora (NR) n. 9 da Portaria n. 3.214, de 1978 do Ministério do Trabalho, além de outras leis estaduais. Cappelletti, em sua clássica obra Acesso à justiça, descreve bem essa crise existencial do direito a qual pode ser lida como muito além da simples necessidade de democratizar o acesso à justiça mas também em ampliar, de forma urgente, o seu objeto de tutela, no caso, a saúde do trabalhador. Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Ellen Gracie Northfleet (trad.). Porto Alegre. Fabris, 1998.
149
Em verdade, o alargamento do conceito de saúde transforma-o num direito
metaindividual fundamental, ou seja, com acesso universal e inalienável, inclusive aos
trabalhadores e responde ao projeto de transformação do direito positivo como ícone da
racionalidade moderna em relação ao seu mote inicial iluminista de tudo medir, regular,
explicar, particularizar e monetarizar474 ao ponto de criticar o que seria possível se conhecer,
como fez Kant na Crítica da razão pura e, por fim, matar a metafísica, como vimos.
Com efeito, o direito à saúde e à redução aos riscos laborais, ambos como categoria
jurídica analítica475, é a retomada da discussão desse propósito iluminista falido diante da
crise instaurada no meio ambiente a qual se apresenta de forma clara e questionadora do nosso
projeto existencial moderno da razão instrumental.
474 Referimo-nos aos adicionais da insalubridade e periculosidade, como abordado. 475 V. Capítulo I – item 1.1.1 Fundamentação da metafísica dos costumes. Cf. TUGENDHAT, loc. cit. p. 102-104.
150
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente investigação teve por objeto alargamento do conceito de saúde para que o
direito ambiental do trabalho, que possui nessa categoria o seu fundamento de tutela, fosse
analisado além do estado de não doença humano e, assim, promovesse a dignidade do
trabalhador com parâmetros concretos, tais como a sadia qualidade de vida, conforme prevê a
Constituição.
Paralelamente, fizemos incursões dentro da filosofia para entender o pensamento a
partir da época dos modernos e como ele possibilitou o desenvolvimento da razão
instrumental dentro do projeto iluminista em matar a metafísica e transformar o homem em
fim em si mesmo a serviço da produção, do consumo e do crescimento, até então crido como
infinito, do desenvolvimento econômico.
No primeiro capítulo, sobre o conceito de dignidade humana, os principais pontos
levantados foram:
1.1 - Immanuel Kant foi o demolidor do pensamento racional de sua época,
especialmente quanto a metafísica, porque sistematizou o conhecimento através de sua crítica,
seja esta em relação à possibilidade de se conhecer, de como aplicar esse conhecimento no
agir humano e, também, de como promover novas apreensões desse conhecimento pelo senso
estético desinteressado, que Arendt chamou de mentalidade alargada.
1.2 - Nesse período ocorreu o rompimento da visão do cosmos dos antigos,
especialmente em ver o mundo fechado e em harmonia para ser substituído pelo olhar
newtoniano de universo infinito regido por leis que se fundam nos conflitos, choques e forças
antagônicas, o que fez a soteriologia contar somente com a capacidade do homem em
entender o mundo, agora descoberto como caótico, e prosseguir nessa trajetória. A razão
iluminista, portanto, assume essa missão de salvar o homem do medo da morte e da finitude,
descontaminando o conhecimento das limitações do empirismo.
1.3 - A intenção do investigador da época foi voltada para desnudar a realidade em
rápida transformação e constituir o seu objeto. Não há pretensão, nesse momento, de querer
resolver qualquer problema e muito menos permanecer na descrição da natureza, visto que ela
regula-se pelo sujeito que a conhece e não o contrário, tal qual propôs com a revolução
copernicana em Kant.
1.4 - Esse fenômeno vai se refletir na condição operária, posto que esta torna-se
desenraizada, alienada, em relação à tradição ocidental da cultura grega. O desenraizamento
151 também é favorecido pela condição social da classe operária nascente, com o seu desemprego
crescente e a pela sua baixa instrução. Sem a cultura grega, portanto, o trabalhador que surge
perde a sua capacidade de sonhar.
1.5 - Percebe-se o hercúleo trabalho de limpeza epistemológica empreendida pelo
criticismo (Kant), o qual veio a se adequar às novas exigências da revolução industrial e
consequente transformação do trabalhador em homem-máquina. O alargamento do conceito
de saúde para este último somente pode ser concebido dentro da compreensão de todo esse
processo de definição de sua dignidade humana.
1.6 - A dignidade humana dentro do modelo kantiano é seguida pelo imperativo
categórico do dever: age como se a máxima de sua ação deve converter-se, por sua vontade,
em lei universal da natureza. Há também a consideração do homem, ou a humanidade, como
um fim em si mesmo e não meio, usando a vontade como fundamento de sua auto
determinação.
1.7 - Toda a dignidade humana, portanto, consiste nessas máximas em transformar a
pessoa em legisladora e sujeito das leis morais.
1.8 - Com efeito, ainda não obtivemos sucesso em descobrir uma proposta consistente
que consiga retirar o homem, e toda a sua construção teórica de direitos humanos, do conceito
de dignidade humana fora da visão antropocêntrica como o seu pilar principal a considerar
apenas o homem como sujeito moral de sua epistemologia, como aquele que merece a
proteção principal, em última análise.
1.9 - Os principais autores apresentados e que conceituam dignidade humana não
fogem da dessa lógica kantiana, embora abordem o problema em níveis de percepções
diferentes, tais como: materialismo (Flores, Hobsbawm, Thompson, Engels e Marx),
existencialismo (Sócrates, Agostinho, Parekh, Arendt e Taylor), existencialismo pela
heurística do medo (Jonas), literário (Hunt), utilitarista (Dworkin, Perelman e Weber),
político (Rawls e Bonavides) e biopolítico (Agamben).
1.10 - A dignidade humana, como objeto de proteção jurídica, pelo projeto racionalista
moderno, foi horizontalizada na lei que necessariamente não pode se apegar a nenhum
aspecto subjetivo do homem, ou de sua consciência e conteúdo. Assim, a dignidade deste
passa a ser mensurável somente quanto à utilidade a que se estabelece dentro do sistema de
produção de forma a integrá-lo ao exército de corpos a serviço da minoria detentora do poder,
seja este econômico, político e social. Ademais, o conhecimento a priori proposto por Kant
esvaziou o conteúdo do direito positivo, a exemplo do que fez no conceito de boa vontade
152 sem restrições, legando ao mundo ocidental uma norma com vigência sem significado,
conforme criticou Agamben.
1.11 - O conceito de dignidade humana que trate o ser trabalhador dentro somente dos
limites humanistas das declarações universais sem estabelecer um projeto político concreto
dessa dignidade, alimenta não somente o vazio da lei que tutela esse mesmo trabalhador como
torna-o uma peça estrutural da máquina de produção, reproduzindo novos modelos de Estados
biopolíticos com uma visão restrita sobre o direito à saúde.
No segundo capítulo, sobre o conceito e elementos da saúde e do direito ambiental, os
principais pontos levantados foram:
2.1 - A saúde se compõe como uma necessidade vital humana e a sua tutela segue a
regra quase universal de não agredir membros da mesma espécie.
2.2 - A saúde e o meio ambiente estão vinculados na lógica de promoção do bem-
estar, ou seja, de um lado encontra-se a necessidade de respeitar e promover a integridade
física do homem para que produza bens sempre em condições otimizadas e do outro o meio
de onde ele mesmo retira a sua fonte de riquezas que, por sua vez, também deve atender às
demandas do seu bem-estar tipicamente burguês.
2.3 - A sociedade industrial resultante não obteve sucesso em se conseguir conquistar
nem a natureza como fonte infinita de riqueza e nem em transformar o homem em máquina
perfeita de trabalho, posto que em ambos os casos houve o rompimento da capacidade de
racionalizar o seu projeto de produção, o que fez sair do modelo da razão instrumental dos
modernos, demonstrando, dentro da ontologia moral, o quanto é necessário alargarmos os
seus conceitos, quer em relação ao que se entendia como saúde, quer como meio ambiente.
2.4 - A falência do Estado Social se fez representar nos seguintes aspectos: a)
ineficiência estatal em intervir nas áreas a que se prestou; b) falta de legitimidade; c)
incapacidade de manter o equilíbrio do meio-ambiente; d) vazio existencial quanto ao
progresso científico e tecnológico; e) crise de confiança no Estado para resolver os conflitos
sociais. Com isso, levando-se em conta o aperfeiçoamento das ciências relacionadas ao
ambiente e as suas resultantes na saúde humana, houve uma disseminação da consciência
ecológica sob dois níveis. A primeira (a) relaciona-se com a dimensão particular, como
problema cívico, onde cada qual é responsável pela permanência dos bens ambientais e,
consequentemente, respeito ao outro num processo de alteridade. A (b) segunda dimensão é a
institucional onde o Estado cria organismos de defesa do meio ambiente e promoção da
saúde, refletindo também em âmbito internacional essa nova perspectiva com o surgimento do
Direito Internacional do Meio Ambiente na segunda metade do Século XX.
153
2.5 - Portanto, o direito fundamental ao meio ambiente e, nele incluído o da promoção
da saúde, como terceira geração de direitos humanos, é caracterizada pela luta do sujeito
contra o poder, o qual pode ser representado tanto por organismos públicos quanto privados
que degradam e agridem a vida na terra. Essa geração de direitos, de Estado de ambiente,
Estado protetor do ambiente, possuem dois pontos que se contrapõem, mas ao mesmo tempo,
se complementam: a garantia dos valores individualistas na busca da identidade do sujeito e a
insistência na solidariedade social para a proteção contra os riscos coletivos que não
prescindem de atuação pública.
2.6 - A experiência jurídica dos tratados de proteção dos direitos humanos e do meio
ambiente devem se comunicar com outras experiências existenciais humanas. As regras de
proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, uma vez comunicadas em sua finalidade
de impedir a extinção do homem, provocam a criação de novos territórios para o próprio
direito. Morand-Deviller propõe três regras para tratar essas questões e conduzir à unidade os
territórios do direito: a) a que redefine o interesse geral representado pelo princípio da
legalidade para a manutenção da ordem pública e também concessão das prestações estatais
no Estado da Providência; b) a regra sobre a configuração das diferenças a partir da
constatação que os direitos abstratos proclamados no século XVIII precisaram ser criticados
em sua excessiva abstração para se alcançar o século XX com o conceito material de sujeito
de direito, ou seja, o cidadão que possui direitos econômicos reais para ter condições de
exercer a sua liberdade; c) a regra sobre a recomposição da autoridade a partir da análise da
crise de sua fonte geradora formal, ou seja, o Estado. Assim, este passa a conviver com outras
fontes de poder além dele, as quais são representadas por organizações multiformes e seus
novos agentes (mulheres, minorias, sindicatos, etc.), fazendo perder o seu eixo central
clássico do próprio domínio.
2.7 - A sociedade horizontaliza-se pelas novas formas de identidades formadoras de
seus territórios do direito e, assim, a sua estrutura de poder passa a ser difusa, as suas
respectivas fontes nacionais e internacionais desse mesmo poder, seja ele dentro ou fora do
Estado, precisam se dialogar para a construção de um sistema de defesa dos direitos humanos,
nestes incluídos o meio onde eles conseguem ser desenvolvidos em respeito e dignidade, ou
seja, o meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado para esta e para as futuras
gerações.
2.8 - Há vários exemplos de documentos e atos internacionais que são exemplo desse
diálogo necessário que provocou o alargamento do conceito de saúde ultrapassando o mero
estado de não doença, a começar pelo seu conceito trazido pela OMS em sua Carta de
154 Constituição, que conceitua saúde em sua perspectiva holística, englobando bem-estar físico,
mental e social. Assim, o direito à saúde não pode ser interpretado somente de modo restritivo
e os Estados devem ser impelidos a adotar todas as medidas necessárias para a proteção e
promoção desse direito fundamental.
2.9 - A vida somente pode ser considerada digna se possui a tutela de sua saúde
abrangida em todos os aspectos funcionais e socioambientais do sujeito de forma a compor o
que podemos chamar de qualidade ambiental, posto que, no caso do Brasil, a saúde é um
direito social fundamental contido no art. 6o da CF/88 e que integra como um dos elementos
da cidadania, mas também relaciona-se diretamente ao conteúdo do próprio art. 225 da mesma
Constituição quando este evoca que o meio ambiente equilibrado é “essencial à sadia
qualidade de vida”, o que imprime necessariamente a ideia de interdependência entre a
própria vida com qualidade e a saúde, ou seja, vida digna é equivalente à vida saudável. O
direito à saúde e ao meio ambiente saudável exigem o exercício democrático do poder para
viabilizar o seu pleno gozo e uma das formas de democratizar o exercício desse poder é
através da participação popular dentro da ação de universalizar as informações relativas aos
riscos ambientais e, consequentemente, à saúde humana.
2.10 - O modelo de crise ambiental que enfrentamos atualmente exige novas ações
emergenciais de um modelo democrático de Estado, o que inclui, portanto, formas de acesso à
informação sobre a saúde e o meio ambiente tanto para legitimar as decisões do Estado
quanto para se romper com o processo de industrialização cultural a que estamos inseridos.
Desta forma, o direito ao ambiente sadio e equilibrado vai além de dever fundamental do
Estado em promovê-lo e, conforme compreende o sistema constitucional moderno, vincula-se
a várias dimensões de tutela, as quais são disseminadoras a todo o resto do ordenamento
jurídico e da participação popular pelas leis infraconstitucionais. Contudo, toda essa força
normativa necessita de implementações concretas dos agentes públicos e políticos em
colocarem como medida e finalidade de suas ações políticas. Nessa perspectiva, o Estado de
Direito Ambiental possui três pilares: a) concepção integrada do meio ambiente, ou seja, este
engloba não somente os aspectos naturais, mas também culturais e todas as influências sobre
a vida; b) a institucionalização dos deveres fundamentais ambientais de responsabilidade
coletiva-ecológica pela defesa e proteção do meio ambiente; c) o agir integrativo da
Administração onde todos são responsáveis pela defesa do meio ambiente.
2.11 - Por essa análise, percebe-se que o direito à saúde, em sua concepção alargada
como defendemos, somente poderá ser plenamente exercitado se houver a aplicação dos
parâmetros mínimos do Estado de Direito Ambiental. Com os parâmetros da Constituição
155 ambiental (solidariedade com toda a humanidade, princípio da dignidade da pessoa humana,
equidade intergeracional, direito fundamental ao meio ambiente saudável e proibição de
retrocesso social), o jurista ultrapassa a visão individualista da saúde para a de qualidade de
vida com conceitos alargados dessa mesma qualidade de forma a assegurar a esta geração e às
futuras o direito de não ser extinto diante do panorama dos riscos ambientais pelo qual
estamos passando.
Sobre o terceiro capítulo, que aborda o direito ambiental do trabalho, podemos
destacar os seguintes pontos principais:
3.1 - O ambiente de trabalho tem gerado grande interesse de estudo vinculado ao
Direito do Trabalho tendo em vista o alto índice de acidente e doenças provocadas pelo
trabalho no Brasil, bem como no mundo, e levando-se em conta o enfoque constitucional em
1988 quando foram inseridos vários princípios de direitos humanos que tutelam o meio
ambiente humano, especialmente a dignidade humana, o dever de solidariedade e a equidade
intergeracional. Assim, fica evidente que há outros aspectos do ambiente de trabalho que
repousam em elementos psíquicos, sociológicos, comportamentais, que se destoados, não
permitem o crescimento do homem trabalhador enquanto ser dotado de espírito e energia
criativa, podendo chegar ao ponto de responsabilizar imediatamente o empregador, e, por via
indireta, o poder público. Caso não sejam considerados os elementos acima, agora mais
visíveis, poderá ser construída uma nova equação. Esta nova equação estaria sedimentada no
fato do homem não participar como sujeito central realizador do trabalho, com as finalidades
do trabalho voltadas para ele, de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal. A nova
equação pressupõe o homem como uma mera engrenagem, elemento descartável imerso no
modo de produção, constituindo-se como que um acessório da produção.
3.2 - O ambiente de trabalho é um dos primeiros fatores ou um dos principais
elementos para a produção do verdadeiro trabalho digno, saudável e, a ele, deve ser dada
importância, ao ponto de ser indispensável para que seja alcançada a dignidade da pessoa
humana.
3.3 - Transportando o conceito de meio ambiente, como o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas, conforme art. 3o, I da Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente, para o local onde o trabalho é prestado, tem-se que ele passa a englobar os
métodos de trabalho, as práticas para a realização das tarefas, a forma como o empregador
relaciona-se com o empregado e vice-versa, as formas como o empregado relaciona-se com os
colegas de trabalho, as medidas de segurança, os procedimentos preventivos para que se evite
156 acidentes de trabalho, a adoção de novas ferramentas de trabalho que evite o desgaste
excessivo do trabalhador e outras práticas aqui não elencadas. Assim, o meio ambiente do
trabalho está relacionado diretamente à tutela da saúde do trabalhador e recebe a colaboração
do sistema único de saúde, conforme arts. 200, VIII e 7o, XXII e XIII, todos da CF/88, bem
como art. 3oda Lei 8.080/1990. Contudo, a sua tutela mediata encontra-se no próprio caput do
art. 225 da Constituição.
3.4 - Se por um lado a tutela do meio ambiente do trabalho refere-se somente à saúde
do trabalhador (art. 200, VIII CF/88), por outro, este direito social vincula-se a inúmeros
preceitos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos que o tornam
abrangente o bastante em conteúdo e forma para a formação do que seria a dignidade do
trabalhador. Assim, meio ambiente de trabalho é tudo o que condiciona a produção do
trabalho, desde o local onde o trabalho é realizado, a forma de prover o necessário para que
ele se desenvolva, o equilíbrio que deve ser buscado com os meios colocados à disposição do
trabalhador para que este produza, devendo o mesmo assegurar as condições necessárias para
uma condição de vida digna.
3.5 - A Organização Internacional do Trabalho visa proteger, com suas ações, o meio
ambiente de trabalho, conforme se desponta, por exemplo, na sua Convenção n. 155, onde foi
estabelecido o treinamento e a educação ambiental para a efetivação de políticas nacionais de
saúde e segurança no trabalho, incluindo o treinamento e a qualificação dos trabalhadores
para tanto. Desta forma, não importa o enfoque que se queira dar ao meio ambiente, se
material ou imaterial, a sua compreensão foge de um individualismo, tomando o sentido de
um direito transindividual e difuso em determinadas situações, e, em outras, de um direito
coletivo. Neste último caso, quando se referir a um grupo de trabalhadores, que deve ser
amparado por políticas públicas privadas, com vistas a construir uma sociedade solidária, o
que também implica na redução das desigualdades sociais. Essa revolução de pensamento
representa as preocupações com os riscos ambientais de segunda geração, i. é, quando o
encantamento com o direito ambiental ultrapassa a barreira individualista da qualidade de
vida e alcança toda a coletividade, tendo em vista o grau de incerteza dos riscos a que estamos
todos, trabalhadores especialmente, submetidos.
3.6 - Assim como a saúde, o meio ambiente de trabalho também faz parte dos
chamados direitos fundamentais consagrados em várias constituições, inclusive a brasileira.
Com efeito, não há como negar uma perspectiva alargadora do conceito de saúde quanto ao
meio ambiente do trabalho de forma que essa proteção consignada na Constituição seja
ampliada à sua condição humana de homo sacer para que se promova a sua qualidade de vida
157 e não somente o seu “estado de não-doença.”
3.7 - A elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto
Ambiental, conforme resolução 01/86 do CONAMA, deve prever também a abordagem do
meio ambiente do trabalho, tendo em vista os dispositivos constitucionais que o situam como
parte do meio ambiente geral.
3.8 - A tutela imediata da saúde do trabalhador, como direito difuso, são as normas
que a protegem como fundamento ao meio ambiente do trabalho equilibrado. São exemplos
dessas normas o art. 200, VIII e os incisos XXII, XXIII, XXVIII, todos do art. 7o da CF/88.
As tutelas constitucionais mediatas do meio ambiente do trabalho são as normas que
protegem a saúde em geral, da população, e como o trabalhador está inserido nesse contexto,
a ele também se refere, a exemplo do que expressa o art. 225 da CF/88.
3.9 - Apesar do art. 189 da CLT definir atividade insalubre, o trabalhador possui o
direito de promoção da sua saúde, por sê-la de acesso universal e, ao mesmo tempo, ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, conforme art. 225 caput da CF/88. Assim, os
adicionais de insalubridade devem ser substituídos gradativamente pela sua própria ausência
para se chegar à dimensão difusa do direito à saúde, tal como proposto pelas convenções da
OIT.
3.10 - Como o conceito de saúde é alargado dentro da estrutura constitucional
brasileira e conforme demonstram os documentos internacionais, pode-se afirmar que a
redução dos riscos a um limite de tolerância necessariamente deve envolver os vários aspectos
que ameaçam a saúde, tais como físicos, químicos, biológicos, mecânicos, fisiológicos,
estressantes e psíquicos do trabalhador. Deve-se levar em consideração que há agentes
agressivos à saúde do trabalhador, mas que pode demorar até trinta anos para se manifestar.
Diante desse quadro e para que haja critérios científicos a acompanhar sempre a progressão
dos riscos que envolvem a atividade do trabalhador, o Ministério do Trabalho, hoje Ministério
do Trabalho e Emprego, criou um sistema de normas administrativas chamadas Normas
Regulamentadoras - NR’s que tratam de questões de higiene e segurança dos trabalhadores
urbanos (Portaria MTb n. 3.214 de 08 de junho de 1978) e dos trabalhadores rurais (Portaria
MTb n. 3.067 de 12 de abril de 1988).
3.11 - O art. 225 Constituição, busca uma política de prevenção à situação de risco no
meio ambiente do trabalho, mas como essa ação é tímida no Brasil, optou-se por compensar a
existência desses riscos com o pagamento dos adicionais, mas esta monetarização deve ser
vista como provisória e desmotivadora para que finalmente sejam eliminados tais riscos,
conforme prevê o próprio artigo 191 da CLT. Assim, o meio ambiente do trabalho equilibrado
158 possui todos os aspectos constitucionais de garantia dos direitos fundamentais, ou seja, é
irrenunciável e inerente ao trabalhador, bem como não pode estar sujeito a redução em suas
condições diante do princípio da impossibilidade do retrocesso em matéria social e ambiental.
Levando-se em conta a necessidade de integração de todos os dispositivos constitucionais em
torno do fundamento da República Federativa do Brasil de promoção da dignidade humana,
dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o empregador está também obrigado a
compatibilizar a sua atividade econômica com o princípio do pleno emprego, da defesa do
meio ambiente, nele incluído o do trabalho, como forma de promover a saúde e, via de
consequência, uma existência digna fundamentada na valorização do trabalho humano.
Historicamente percebemos que apesar das próprias normas de proteção do meio
ambiente em geral terem nascido da necessidade de controlar a poluição advinda da relação
existente entre o homem e a máquina, ou seja, da revolução industrial, há uma resistência em
admitir um conceito mais alargado de saúde como objeto de proteção do meio ambiente do
trabalho.
Com efeito, a preocupação de tutela do meio ambiente do trabalho somente ocorreu
efetivamente na segunda metade do século XX quando os desastres ambientais deixaram de
ser discretos e começaram a se democratizar atingindo pobres e ricos com os problemas
ambientais de segunda geração. Com efeito, embora se reconheça que as Convenções da OIT
de proteção do trabalhador são do início do referido século, elas não se relacionam
especificamente com a proteção do meio ambiente do trabalho como hoje se interpreta.
Essa desvinculação inicial das Convenções da OIT com o meio ambiente do trabalho
justifica-se, assim, pela preocupação existente na época de melhorar o locus do trabalhador
somente com o objetivo de sempre poder contar com essa mão de obra para não esgotar a
fonte de renda da revolução industrial. Paralelamente a isso podemos notar que as primeiras
normas de proteção do meio ambiente também foram focadas muito mais em aspectos
econômicos que ambientalistas.
Assim, o ser trabalhador era visto pelo liberalismo, e ainda o é atualmente, como uma
máquina privada sem consciência de si e nem senso de identidade, não se permitindo criar um
pensamento sistemático que associe a poluição gerada pelo mundo do trabalho e a degradação
do meio ambiente natural e do próprio homem.
Com efeito, com a perda gradativa de identidade, perde-se o sentido de seu projeto
existencial e, somente pelo alargamento do conceito de saúde e suas implicações estruturais
de tutela constitucional em relação ao meio ambiente do trabalho se poderá provocar novos
diálogos profundos entre o ser e o produzir que ultrapassem a matéria monetarizada.
159
Em qual sentido um trabalhador deixa de ser humano com direito à saúde em sua
acepção alargada para tornar-se máquina? Como ele se transforma? Como a técnica lhe
conduz a uma despersonalização? Onde está a sua dignidade?
A máxima kantiana relacionada à dignidade é considerar o homem como um fim em si
mesmo, agindo de tal forma que essa mesma máxima se torne universal.
Seguindo o caminho do imperativo categórico explicado por Rawls percebemos que
essa mesma regra tornada universal deve estar harmonizada com o que Kant chamou também
de mundo social ajustado, i. é, um conjunto de condições onde as potencialidades humanas
fossem respeitadas e desenvolvidas.
Assim, cada sujeito, num conceito abstrato dele, teria condição de expressar a
consciência necessária para validar essas máximas em seu tribunal interior de moralidade e
torná-la, novamente, a regra a ser cumprida, universalizada e assim sucessivamente.
A interpretação desse tipo de moralidade de dignidade significa que o tratamento
dispensado ao homem baseia-se na boa vontade sem restrições. Em outras palavras, as
relações intersubjetivas havidas entre os sujeitos, devem ter essa característica.
Exige-se, portanto, um alto grau de consciência humana e de preservação das suas
potencialidades nesse processo de significado e entendimento da regra moral básica
antropocêntrica tanto por quem está expressando a regra quanto a quem ela se dirige.
O homem trabalhador, dentro do princípio kantiano de ser fim em si mesmo, exige,
para fins de validade desse princípio, que esteja resguardado em seus direitos sociais básicos,
destacando-se a saúde, e que o conceito desta última ultrapasse o seu estado de não doença,
ou seja, que seja alargado e alcance as condições psíquicas e ambientais do meio laboral do
seu artífice.
Caso contrário, o trabalhador agirá para reivindicar esse direito fundamental e, assim,
chegaremos à análise marxista proposta para resolver o problema sobre o binômio carência
material e luta de classes por direitos sociais. Ao final ficaremos presos nesse estágio de
negação do próprio Estado Ambiental de Direito.
É um erro histórico, portanto, desconsiderar as várias ações vinculadas à tradição
levando o trabalho a ser considerado como momento único de produção e não a distinção
seguida por Arendt entre labor e trabalho, respectivamente, entre o que se consome para
sobreviver como homo laborans e o que se produz como objeto de inter-relações sociais como
homo faber.
Assim, melhor será a construção do alargamento do conceito de saúde do homem
trabalhador fazendo essa separação arendtiana, sendo que o homo laborans deverá ter acesso
160 aos bens sociais básicos para que o homo faber não sofra tanto os efeitos da violência gerada
pelo trabalho no mundo em transformação material e política.
Como homo laborans o trabalhador constrói a sua cidadania, por ter direito à saúde e,
a partir do qual, volta-se ao meio ambiente equilibrado com a sua expansão e como parte de
construção da sua dignidade.
Por outro lado, a violência do homo faber em visualizar o trabalho como tortura
(tripalium) estaria pela troca desigual entre a sua dignidade por péssimas condições de
existência?
Portanto, a justificação do trabalho seria uma contradição com o conceito kantiano de
dignidade tendo o homem como fim em si mesmo e repleto de faculdades a serem exercidas
num mundo socialmente ajustado?
Em verdade, a própria presença dos trabalhadores dentro da sociedade capitalista, a
partir do século XVIII, é um questionamento incomensurável ao projeto iluminista racional de
igualdade política e de liberdade individual, posto que não há como ser livre sem poder
expressar as suas potencialidades que começam pela participação política e se materializam
pelos direitos sociais.
Portanto, a verdade kantiana está longe da realidade material.
Ademais, a riqueza produzida por uma classe e usufruída por outra também questiona
os métodos de divisão do trabalho empreendidos pelo liberalismo e, posteriormente, com o
neoliberalismo.
Apesar disso, há um fio condutor em toda essa construção lógica de defesa do direito
fundamental ao meio ambiente equilibrado pelo alargamento do conceito de saúde de forma a
resguardar a dignidade do trabalhador: a própria universalidade dos direitos.
Ela é apenas um apelo à reflexão sobre o alargamento do conceito de saúde, posto que
como projeto racional autônomo, não soube lidar com as concepções biopolíticas totalitárias e
democráticas, como esclarecido por Agamben.
Assim, como convite, assemelha-se e argumenta-se com o discurso sentimentalista de
Hume, antecessor de Kant, ao adagio molto e cantabile, 3o movimento, da 9a Sinfonia de
Beethoven, música de protesto e revolta da época, assim como fez o jazz posteriormente,
aonde os instrumentos vão entrando em nosso universo, em nossa confusa constituição de
alma, corpo, cicatrizes internas, defeitos físicos, angústias, inclinações e paixões, deixando
quase tudo arrumado para ouvir e para transcender.
É um momento em que o ser humano se sente identificado, como o dois-em-um de
Arendt, para poder construir uma democracia como disse Bonavides e Agamben.
161
Mas o sentimentalismo moral de Hume não satisfaz porque não se pode universalizá-
lo diante do seu ceticismo.
É preciso da razão kantiana, sua pretensa e criticada segurança do projeto do logos
iluminista sapere aude em considerar a razão e a moral iguais em direitos para intervir no
pensamento humano, ao contrário do que fizeram os teóricos do positivismo de Viena que
desprezaram a moral e usaram a razão universal para construir sistemas totalitários de
biopolítica e implantar campos de extermínios.
Portanto, Kant que viveu e morreu em Kônigsberg, Prússia Oriental, sem nunca ter
saído de sua terra natal e, apesar de ter cometido alguns erros, também organizou não somente
a filosofia de sua época, mas também deixou o legado que é possível ser, existir e sentir em
perspectivas humanas, em atitudes que nos situam fora de nós, mas que podemos alcançar
pelo rastro racional do sentimento gozado, já que ele entra como um ladrão, sem avisar, e saí
como um anjo mozartiano, como a música, como a paz eterna da morte, da finitude, da
angústia da soteriologia, como o sonho de tantos quantos esperam que alguém lhes escreva
atitudes de esperanças de vidas melhores, de novos projetos, de simbologias que lhes rasguem
o peito e sintam o sabor da liberdade digna, concreta, sem fome, sem sede e sem
subdesenvolvimento.
162
REFERÊNCIAS
1 ROCHA, Julio César de Sá. Direito ambiental do trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002. p. 127.
2 Cf. HOBSBAWM, Eric. Mundo do trabalho. BARCELLOS, Waldea e BEDRAN, Sandra (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 17 et seq.
3 WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre opressão. Seleção a apresentação Ecléia Bosi. Therezinha G. G. Langlada (trad.). 2 ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 413 et seq.; FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o animal e o homem. Rejane Janowitzer (trad.). Rio de Janeiro: Difel, 2009. p. 37.
4 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. VELASCO, Luis Martinez de (trad.). Madrid: Austral. 2008.
5 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. BURIGO, Henrique (trad.). 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. 6 Cf. THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future. New York: Oxford University, 2009. p. 28.
7 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. ROHDEN, Valério Rohden e MOOSBURGER, Udo Baldur (trad.). Consultoria: Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
8 KANT, Immanuel. Critica da razão prática. ROHDEN, Valério (trad.). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.
9 KANT, Emanuel. Crítica da faculdade do juízo. ROHDEN, Valério e MARQUES, António (trad.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.
10 loc. cit. 11 ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 203.
12 Ibid. p. 206. A expressão tem um sentido de atreva-se, “ouse saber”, em tradução livre. 13 FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três ‘Críticas’. Karina Jannini (trad.). Rio de Janeiro: DIFEL, 2009. p. 19.
14 Ibid. p. 13.
15 Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Pietro Nassett (trad.). Martin Claret. São Paulo. 2000. p. 25-26.
16 WEIL, op. cit. p. 413 et seq.
17 Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800, uma cidade sitiada. Maria Lucia Machado (trad.). Tradução das notas Heloísa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 206 et seq.
18 LEBRUN, Gérard. Kant e o fim da metafísica. MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de (trad.). 2 ed. São Paulo: Matins Fontes, 2002. p. 6.
19 FERRY, loc. cit. p. 22-23.
20 DESCARTES, René. Discurso do método. Maria Ermantina Galvão (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 24.
163 21 Ibid. p. 91.
22 Ibid. p. 23.
23 LEBRUN, Gérard. Sobre Kant. José Oscar Almeida Moraes, Maria Regina Avelar Coelho da Rocha, Rubens Rodrigues Torres Filho (trad.). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo: Iluminuras, 1993. p. 26.
24 Cf. CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Volume I., 2 ed., rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 170.
25 FERRY, loc. cit. p. 223.
26 SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tomaz Tadeu (trad.). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 16.
27 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. loc. cit. p. 56.
28 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. loc. cit. p. 27.
29 LEBRUN, Kant e o fim da metafísica. loc.cit. p. 7 e 14. Cf. KANT. Critica da razão pura. op. cit. p. 53.
30 LEBRUN, Sobre Kant. loc. cit. p. 25.
31 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 10.
32 Ibid. p. 12.
33 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 14.
34 LUCHT, Marc. Does Kant Have Anything to Teach Us about Environmental Ethics? In: American Journal of Economics and Sociology. vol. 66. n. 1. january, 2007. p. 127-149. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/118501180/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0 Acesso em: 18 jul. 2010.
35 Cf. GOETHE, Johann Wolfgang von. Memórias: poesia e verdade. Leonel Vallandro (trad.). 2 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986. p. 392.
36 Cf. ARISTÓTELES. De anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: 4 ed., 2006. p. 51.
37 Id.
39 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc. cit. p. 44-45. Kant se assemelha ao que mais tarde foi concebido como método fordista de produção.
40 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc. cit. p. 46. Cf. Ibid. p. 48-49.
41 Ibid. p. 49.
42 Ibid. p. 50.
43 TUGENDHAT, Ernest. Lições sobre ética. Róbson Ramos dos Reis et al. (trad.). Ernildo Stein (rev. org.). 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 102-104.
44 Ibid. p. 104.
45 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 53-71.
46 Cf. TUGENDHAT, loc. cit. p. 106. Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. op. cit. p. 20 et seq. Cf. AUGUSTIN, Günther. Kant no Brasil – fora do lugar? Impulso: Revista de Ciências
164 Sociais e Humanas. V. 15, n. 38, set./dez. 2004, p. 11-21. Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit acesso em 29 de março de 2011. p. 78.
47 KANT, Immanuel. op. cit. p. 59.
48 KANT, Immanuel. Fundamentación de la metafísica de las costumbres. loc.cit. p. 59-61.
49 Ibid. p. 73-131.
50 Ibid. p. 95.
51 Ibid. p. 104-105.
52 FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três ‘Críticas’. loc. cit. p. 27.
53 Ibid. p. 133-159.
54 Cf. NEVES, Marcelo. The symbolic force of human rights. In: Philosophy Social Criticism. vol. 33. n. 4. p. 411– 444. Los Angeles, London, New Delhi and Singapore: SAGE Publications, 2007. p. 412. Disponível em: http://psc.sagepub.com/cgi/content/refs/33/4/411 Acesso em: 04 jun. 2010.
55 Ibid. p. 140.
56 RAWLS, John. História da filosofia moral. Organizado por Barbara Herman. Ana Aguiar Cotrim (trad.). Revisão da tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 187 et seq.
57 Ibid. p. 188.
58 Ibid. p. 189.
59 RAWLS, John. loc.cit. p. 190-191.
60 Ibid. p. 193 et seq.
61 Ibid. p. 195.
62 Ibid. p. 217.
65 GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do trabalhador: um conceito construído sob o paradigma do trabalho decente e da honra. São Paulo: LTr, 2007.
66 FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos como productos culturales. Critica Del humanismo abstracto. Madrid: Catarata, 2005. p. 32-34.
67 SAAVEDRA, Jaime; TOMMASI, Mariano. Informalidad, Estado y contrato social en América Latina. Estudio preliminar. Revista Internacional del Trabajo. Vol. 126. N. 3-4. 2007. Disponível em: http://biblioteca.hegoa.ehu.es/system/ebooks/17390/original/Informalidad__estado_y_contrato_social_en_AL.pf Acesso em: 05 abr. 2011. p. 339.
68 FLORES, op. cit. p. 37.
69 FLORES, loc. cit. p. 37 et seq.
70 BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; BIANCARELI, André Martins e DEOS, Simone Silva. Controle de capitais: um bem necessário? In: Economia política internacional. Análise estratégica. Unicamp – Instituto de economia. Centro de estudos de relações econômicas internacionais – CEREI. n. 1. Abril a junho de 2004. p. 4-14. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_ceri/boletim/boletim1/versaointegral.pdf Acesso em: 20 jul. 2010.
165 71 FLORES, op. cit. p. 219-220.
72 Ibid. p. 221.
73 Ibid. p. 235 et seq. Cf. FRIEDMAN, Lawrence Meir. The horizontal society. London: Yale University Press, 1999.
74 Ibid. p. 241.
75 FLORES, loc cit. p. 244 et seq.
76 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. Do individual ao coletivo extrapatrimonial. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 332 et seq.
77HUNT, Lynn. O romance e as origens dos Direitos Humanos: interseções entre história, psicologia e literatura. Varia hist. [online]. 2005, vol.21, n.34, p. 267-288. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S0104-87752005000200002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 21 jul. 2010.
78 Ibid. p. 275.
79TAYLOR, Charles. As fontes do self. A construção da identidade moderna. Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo (trad.). São Paulo: Edições Loyola, 1997. p. 15. Cf. ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Guido Antônio de Almeida (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
80 TAYLOR, loc. cit. p. 20.
81 Ibid. p. 12 et seq.
82 HUNT, Lynn. loc. cit. p. 277.
83 Ibid. p. 275.
84 HUNT, loc. cit. p. 278.
85 HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Rosaura Eichenberg (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 24 et seq.
86 DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução Jefferson Luiz Camargo. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 333-340. 87 ADI 3510 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudenciaDetalhe.asp?s1=000168856&base=baseAcordaos Acesso em: 05 abr. 2011. 88 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão (trad.). Revisão da tradução Eduardo Brandão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 311.
89 ROSELLÓ, Francesc Torralba. Qué es la dignidad humana? Ensayo sobre Peter Singer, Hugo Tristram Engelhardt y John Harris. Barcelona: Herder Editorial, 2005. p. 53 et seq.
90 Ibid. p. 68-74.
91 HOBSBAWM. loc. cit. p. 417 et seq. 93 HOBSBAWM. loc. cit. p. 418.
94 Id.
166 95 HOBSBAWM. loc. cit. p. 420. Cf. THOMPSON, E. P. The moral economy of the english crowd in the eighteenth century. Past and Present. Oxford Journals. n. 50, 1971. p. 76-136. Disponível em: http://past.oxfordjournals.org/content/50/1/76.citation Acesso em: 25 abr. 2011.
96 Id.
97 HOBSBAWM. loc. cit. p. 423. Cf. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Pietro Nassetti (trad.). São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. p. 49.
98 Ibid. p. 424.
99 Ibid. p. 425.
100 Ibid. p. 426. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. B. A. Schumann (trad.). Edição José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 262.
101 HOBSBAWM. loc. cit. p. 248.
102 Ibid. p. 249.
103 Ibid. p. 428.
104 Ibid. 429 et seq.
105 MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Nélio Schneider e Wanda Caldeira Brant (trad.). São Paulo: Boitempo, 2010.
106 MARX, Karl, loc. cit. p. 36.
107 Ibid. p. 37 et seq.
108 Ibid. p. 40.
109 ROUANET, loc. cit. p. 205.
110 PAREKH, Serena. Conscience, morality and judgment. In: Philosophy & Social Cristicism. vol. 34. ns. 1-2. p. 177-195. Los Angeles, London, New Delhi e Singapore: 2008. passim. Disponível em: http://psc.sagepub.com/content/34/1-2/177.short Acesso em: 09 jul. 2010.
111 PAREKH, Serena. loc. cit. p. 178. Cf. PERRY, Michel J. Human rights as morality, human rights as Law. In: Social Science Research Network. n. 08-45. p. 1-63. University of San Diego Law School (USA): 2008. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1274728 Acesso em: 10 abr. 2011.
112 Id.
113 PAREKH, loc. cit. Id. Cf. DEMBOUR, Marie-Bénédicte. What are human rights? Four schools of thought. In: Human Rights Quarterly. vol. 32. n. 1. pp. 1-20. Baltimore (USA): february, 2010. Tradução livre. Disponível em: http://muse.jhu.edu/journals/hrq/summary/v032/32.1.dembour.html Acesso em: 11 abr. 2011.
114 Id.
115 Ibid. p. 183.
116 Ibid. p. 184.
117 PAREKH loc. cit. p. 185.
118 Id.
167 119 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. José Rubens Siqueira (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 270 et seq.
120 PAREKH, op. cit. p. 187.
121 PAREKH, loc. cit. p. 188.
122 Ibid. p. 188 et seq.
123 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. (trad.). Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. Passim.
124 Ibid. p. 18.
125 JONAS, Hans. loc. cit. p. 22.
126 Id.
127 Ibid. p. 29.
128 LUCHT, Marc. loc. cit. p. 128.
129 JONAS, loc. cit. p. 31.
130 Ibid. p. 34.
131 Ibid. p. 35.
132 JONAS, loc. cit. p. 58.
133 Ibid. p. 64.
134 JONAS, loc. cit. p. 65.
135 Ibid. p. 85.
136 Ibid. p. 83-88.
137 Cf. ARENDT, Hannah. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Cesar Augusto R. de Almeida, Antônio Abranches e Helena Franco Martins (trad.). Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2008. p. 202-216.
138 HUNT, Lynn. loc.cit.
139 WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx. O mundo do trabalho. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. 140 Sobre vita activa (labor, trabalho e ação) V. ARENDT, H. A condição humana. Roberto Raposo (trad.). Posfácio de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1993. Capítulo I.
141 WAGNER, op. cit. p. 30.
142 O comunismo sempre teve grandes dificuldades em lidar com os dissidentes do seu projeto totalitário. Cf. CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier; PISIER-KOUCHNER, Évelyne. História das ideias políticas. Carlos Nelson Coutinho (trad.). 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 234.
143 WAGNER, loc. cit. p. 34 et seq.
144 Ibid. p. 38.
145 CHÂTELET; DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER, loc. cit. p. 86.
168 146 AGAMBEN, loc. cit. Passim.
147 Ibid. p. 16.
148 Ibid. p. 10 e 11. 149 Ibid. p. 74-88. 150 Ibid. p. 57. 151 AGAMBEN, loc. cit. Id. 152 Ibid. p. 58. Cf. KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas. Modesto Carone (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 27-29. 153 LÖWITH, K. Der okkasionelle Dezisionismus Von C. Schmitt. In: AGAMBEN, Giorgio. loc.cit. p. 118. 154 AGAMBEN, loc. cit. p. 125. 155 AGAMBEN, loc. cit. p. 129. 156 Ibid. p. 136. Cf. Ibid. p. 141. 157 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt. Estudos Avançados, 1997. p. 58. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a05.pdf Acesso em: 02 ago. 2010.
158 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?). 4 ed. Organização e introdução Aurélio Wander Bastos. Norma Azevedo (trad.). Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p. 13 et seq.
159 LEFEBVRE, Georges. A revolução francesa. Ely Bloem de Melo Pati (trad.). 2 ed. São Paulo: IBRASA, 1989. p. 177 et seq.
160 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editora, 1998. p. 23. 161 LEFEBVRE, loc. cit. p. 63.
162 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 5 ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 162.
163 Ibid. p. 171.
164 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. loc.cit. p. 170.
165 Cf. GUERRA, Sidney. Cidadania e democracia no Brasil: projetos a serem alcançados. Revista de Direito da Unigranrio. p. 4. Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rdugr Acesso em: 06 ago. 2010.
166 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. loc. cit. p. 517 et seq.
167 AGAMBEN, loc. cit. p. 174. 168 Ibid. p. 175. 169 TAYLOR, loc. cit. p. 17.
170 Cf. ESER, Albin. Derecho ecológico. In: Revista de derecho publico 11. n. 100/101, 1985.
171 Cf. ALFONSIN, Jaques Távora. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 21. Cf. BOSSELMANN, Klaus. The Principle of Sustainability: Transforming Law and
169 Governance. USA, England: Ashgate, 2008. p. 13. RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, Massachutts: Havard University Press, 1971. p. 12 et seq. Há uma tradução para o português dessa obra: ________. Uma teoria da justiça. Carlos Pinto Correia (trad.). Lisboa: Editorial Presença, 1993; HÖFFE, Otfried. Justiça Política. Fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do estado. Ernildo Stein (trad.). Petrópolis: Vozes, 1991. p. 17.
172 FRIEDMAN, Lawrence Meir. The horizontal society. London: Yale University Press, 1999. p. 02.
173 Ibid. p. 03.
174 TAYLOR. loc. cit. p. 15.
175 FRIEDMAN. op. cit. p. 04.
176 Ibid. p. 05.
177 Id.
178 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. O indivíduo e o corpo social: corpo biológico e corpo social. In: MARQUES, Cláudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da (coord.). O novo direito administrativo ambiental e urbanização: estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 36.
179 LUCHT, Marc. Does Kant Have Anything to Teach Us about Environmental Ethics? In: American Journal of Economics and Sociology. vol. 66. n. 1. january, 2007. p. 128. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/118501180/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0 Acesso em: 18 jul. 2010.
180 ALFONSIN, loc. cit. p. 23.
181 Ibid. p. 25.
182 Ibid. p. 23.
183 ALFONSIN. loc. cit. p. 28.
184 Ibid. p. 31 et seq.
185 Ibid. p. 25
186 ADRI, Renata Porto. O planejamento da atividade econômica como dever do Estado. Prefácios de Sérgio Ferraz, Marcelo Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 187 BARCELLONA, Pietro. O egoísmo maduro e a insensatez do capital. Sebastião José Roque (trad.). São Paulo: Ícone, 1995. p. 36-37. Cf. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Eduardo Brandão (trad.). 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 15; SANTOS, João Feitosa dos. O avesso da maldição do Genesis: a saga de quem não tem trabalho. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Governo do Estado do Ceará, 2000. p. 239-289. 188 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 77 et seq.
189 TAYLOR, loc. cit. p. 21
190 Ibid. p. 25 et seq.
191 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Julio Fischer (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 384.
170 192 TAYLOR. loc. cit. p. 26.
193 TAYLOR, loc.cit. p. 28.
195 TAYLOR. loc. cit. p. 29 et seq.
196 DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Direito sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010. p. 13. 197 SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem. Responsabilidade administrativa em matéria de ambiente. Cascais. Portugal: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, 2000. p. 09-21.
199 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 59. Cf. BECK, Carmem Lúcia Colomé; BUDÓ, Maria de Lourdes Denardin; GONZALES, Rosa Maria Bracini. A qualidade de vida na concepção de um grupo de professoras de enfermagem – elementos para reflexão. In: Rev. Esc. Enf. USP, 1999, v. 33, n. 4. p. 348-54. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v33n4/v33n4a04.pdf Acesso em: 09 dez. 2011.
200 SILVA, Vasco, loc.cit. p. 10.
201 HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Ana Maria Bernando et al (trad.). Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. p. 275.
202 BRAGA, Leonardo Carvalho. O debate cosmopolitismo x comunitarismo sobre direitos humanos e a esquizofrenia das Relações Internacionais. In: Contexto internacional. Rio de Janeiro, vol. 30, no 1 janeiro/abril 2008, p. 141-169. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cint/v30n1/04.pdf Acesso em: 09 ago. 2010; RAWLS, John. O direito dos povos. BORGES, Luiz Carlos (trad.), CUNHA, Sérgio Sérvulo da (rev.). São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 103-105.
203 SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Leonardo Nemer Caldeira Brant, coordenador da coleção. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 11 et seq. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 57.
204 Cf. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do Estado nacional. Carlo Coccioli, Márcio Lauria Filho (trad.). Revisão da tradução Karina Jannini. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 40. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 572-591.
205 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 39. 206 GUERRA, Sidney. loc. cit. Passim.
207 SILVA, Vasco Pereira da. loc. cit. p. 15.
208 FERRY, Luc. A nova ordem ecológica. A árvore, o animal e o homem. loc. cit. p. 26 et seq.
209 SILVA, Vasco Pereira da. op. cit. p. 16, nota 16.
210 MAZZUOLI. Coletânea de direito internacional. Constituição Federal. 8 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p.797.
212 GOLDBLATT, David. Teoria social e ambiente. Ana Maria André (trad.). Lisboa: Instituto Piaget: 1996. p. 237.
171 213 SHELTON, Dinah. Developing substantive environmental rights. Journal of Human Rights and the Environment. vol. 1. n. 1. USA, UK: March 2010, p. 89–120. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1576508 Acesso em: 30 ago. 2010.
214 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Os territórios do direito. Reflexões sobre a generalidade e a impessoalidade da regra de direito. In: MARQUES, Cláudia Lima; MEDAUAR, Odete; SILVA, Solange Teles da (coord.). O novo direito administrativo ambiental e urbanização: estudos em homenagem à Jaqueline Morand-Deviller. 2010. p. 62 et seq.
215 Cf. DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Luis Carlos Borges (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 263.
216 MORAND-DEVILLER. loc. cit. p. 62.
217 Ibid. p. 63. V. HOBSBAWM, Eric. Mundo do trabalho. loc. cit. p. 417 et seq.; ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. B. A. Schumann (trad.). Edição José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 262 et seq.
218 Ibid. p. 64 e 65.
219 AQUINO, Tomás de. Os atos humanos: sua natureza, estrutura e dinamismo. In: Suma Teológica. Seção I. Parte II. Questão 6. Artigo 1. (trad.) Aldo Vannucchi et al. Edições Loyola: São Paulo, 2003. p. 117-120; AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina (trad.). 24 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. p. 230-232.
220 ROUSSEAU, Jean Jaques. Do Contrato Social. Livro II. p. 36 et seq. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf Acesso em: 12 out. 2011.
221 ARISTÓTELES. Metafísica. v. III. Sumários e comentário. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Marcelo Perine (trad.). São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 578. V.
ARISTOTELES. De anima. loc. cit. p. 147 e 204.
222 MORAND-DEVILLER, Os territórios do direito. loc. cit. p. 67.
223 A autora remete também às ideias de Friedman sobre a sociedade horizontal, conforme supra. Cf. Ibid. p. 68.
224 Ibid. p. 69.
225 Cf. SHELTON, Dinah. loc. cit. id.
226 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriarri (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 15.
227 SHELTON, Dinah. Equity. In: BODANSKY. Daniel et al. The Oxford Handbook of International Environmental Law. 2008. p. 640 et seq.
228 FIGUEIREDO, loc. cit. p. 78. Cf. DELUMEAU, Jean. O pecado e o medo: a culpabilização no ocidente (séculos 13-18). Álvaro Lorencini (trad.). Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 273 et seq.
229 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. loc. cit. p. 587.
230 Biblioteca Virtual dos Direitos Humanos. Universidade de São Paulo (USP). Disponível http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html Acesso 15 out. 2011.
172 231 Id. 232 Disponível em: http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf Acesso em: 12 jul. 2010.
233 SOARES, loc. cit. p. 103-104 e nota 4, p. 103; CARVALHO, Gustavo de Lemos Campos. O mar territorial brasileiro de 200 milhas: estratégia e soberania, 1970-1982. In: Revista brasileira de política internacional [online]. v. 42. n. 1. 1999. p. 110-126;
234 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1443-1444. Cf. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p. 70 et seq.; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. loc. cit. p. 907 et seq.; SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3 ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 120 et seq.; CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 51 et seq.
235 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. loc. cit. p. 179; ________. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais, 2009, vol. 889, p. 105; ________. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
236 MAZZUOLI, loc. cit. p. 1.127. Cf. SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 51-55.
237 MAZZUOLI, loc. cit. p. 877. Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução N.º 2200-A (XXI), de 19.12.1966. No Brasil pelo Decreto Legislativo 226, de 12.12.1991, e promulgado pelo Decreto nº 591, 06.07.1992.
240 CARTA DE OTTAWA. Tópico Criando ambiente favoráveis. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf Acesso em: 12 jul. 2010.
241 Cf. NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex, 1995. p. 35. Cf. The World Commission On Environment And Development. Our common future. New York: Oxford University, 2009. p 347.
242 DECLARAÇÃO DE ADELAIDE. Tópico Equidade, acesso e desenvolvimento. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Adelaide.pdf Acesso em: 12 jul. 2010.
243 Cf. SOARES, loc. cit. p. 54.
244 DECLARAÇÃO DE SUNDSVALL. Tópico Uma convocação para ação. Disponível http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Sundsvall.pdf Acesso em: 12 jul. 2010.
245 MAZZUOLI, loc. cit. p. 1.133. Cf. SOARES. loc. cit. p. 71, nota 2; WEISS, Edith Brown; JACKSON, Jonh. O enquadramento dos conflitos entre meio ambiente e comércio. In: VARELLA, Marcelo D.; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (org.). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009. p. 177-204.
246 Ibid. p. 1.129.
247 AGENDA 21. Disponível em: http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=872 Acesso em: 24 jun. 2010.
173 248 DECLARAÇÃO DE JACARTA. Tópicos Determinantes da saúde: novos desafios. Disponível em: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Jacarta.pdf Acesso em: 13 jul. 2010.
249 CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO. Disponível em: http;//www.oitbrasil.org.br/.../declaracao_da_oit_sobre_principio_direitos_fundamentais.pdf Acesso em: 23 jun. 2010.
250 CARTA SOCIAL EUROPÉIA. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/rar64A_2001.html Acesso em: 28 out. 2011.
251 CÂMARA, Volney de Magalhães; GALVÃO, Luiz Augusto Cassanha. A Patologia do Trabalho numa Perspectiva Ambiental. In: MENDES, René; WAISSMANN, William. Patologia do trabalho. 2 ed. atual. e ampl. 2 vol. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1.660.
252 SOARES, Guido Fernando Silva. Dez anos apos Rio-92: O cenário internacional, ao tempo da cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável (Joanesburgo, 2002). In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira; IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney (org.). Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. Cuiabá, MT: Carlini & Caniato: Cathedral Publicações, 2009. p. 36-60.
253 CANÇADO TRINDADE, loc. cit. p. 84.
254 Ibid. p. 73.
255 Ibid. p. 71.
256 CANÇADO TRINDADE, loc. cit. p. 73.
257 Ibid. p.76 e 77.
258 Ibid. p. 83.
259 Ibid. p. 84.
260 Disponível em: http://www.who.int/heli/en/ Acesso em: 30 out. 2011.
261 World Health Organization and United Nations Environmental Programme. Health Security through Healthy Environments - First Interministerial Conference on Health and Environment in África. Nairobi: WHO/UNEP, 2008. p. 19. Disponível em: http://www.unep.org/health-env/pdfs/WHOLibrevilleReport.pdf Acesso em: 30 de out. 2011.
262 KEMM, John. What is HIA and why might it be useful? In: WISMAR, Matthias; BLAU, Julia; ERNST, Kelly; FIGUERAS, Josep. The Effectiveness of Health Impact Assessment. Scope and limitations of supporting decision-making in Europe. Copenhagen (Denmark): WHO Regional Office for Europe, 2007. p. 3-13. Disponível em: http://www.euro.who.int/PubRequest Acesso em: 1 nov. 2011.
263 Ibid. p. 19.
264 Cf. World Health Organization and United Nations Environmental Programme. Geneva (Switzerland): WHO/UNEP, 2008. Disponível em: www.who.int/heli Acesso em: 30 out. 2011.
265 KEMM, loc. cit. p. 33.
266 World Health Organization and United Nations Environmental Programme. op. cit. p.12. (Tradução livre).
267 FIGUEIREDO, loc. cit. p. 81.
174 268 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 76. V. HABER, Lilian Mendes. O sobreprincípio da soberana qualidade de vida. Revista de Direito Ambiental, vol. 55, 2009. p. 87. Disponível em: http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/authentication/formLogin?ndd=2&redirect=%2Fmaf%2Fapp%2Ftocectory%3Fndd%3D2%26tocguid%3Dbrroot%26stnew%3Dtrue&tocguid=brroot&stnew=true Acesso em: 27 dez. 2011.
269 FIQUEIRERO, loc. cit. p. 83. V. também DALLARI, Sueli Gandolfi; JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Direito sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010. p. 11. 270 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 90-91.. Cf. Ibid. p. 75.
271 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 20-23. 272 BENJAMIN, loc. cit. p. 108. 274 Cf. ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Guido Antônio de Almeida (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 99.
275 Ibid. p. 99-100.
276 DERANI, loc. cit. p. 125-132; LEITE; AYALA, loc. cit. p. 26.
277 BECK, Ulrich. La sociedad Del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 2006. p. 30.
278 LEITE; AYALA, loc. cit. Id.
279 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico)?: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 15-16; LEITE, José Rubens Morato e BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque da hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental, 2009, vol. 56, p. 55; LEITE; AYALA, loc cit. p. 33-70.
280 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativas de compreensão de 30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1-11.
281 CANOTILHO, loc. cit. p. 02.
282 SOARES, loc. cit. p 44.
283 Ibid. p. 46.
284 SOARES, op. cit. p. 73.
285 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 23.
286 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 7.
175 287LEITE; BELCHIOR, loc cit. p. 5.
288 Ibid. p. 5 et seq.
291 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006. p. 30.
292 Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_esp.pdf Acesso em: 23 out. 2011.
293 Ibid. p. 61.
294 MACHADO. loc. cit. p. 75.
295 Ibid. p. 76.
296 MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação Internacional para a Preservação do Meio Ambiente: O Direito Brasileiro e a Convenção de Aarhus. Revista de Direito Ambiental, vol. 62, 2011. p. 223. p. 09. Disponível em: http://www.unece.org/env/pp/documents/cep43e.pdf Acesso em: 31 out. 2011.
297 SHELTON. Developing Substantive Environmental Rights (March 2010). loc. cit.
298 MAZZUOLI e AYALA. loc. cit. p. 10.
299 TRAER, Robert. Doing environmental ethics. Philadelphia/USA: Westview Press, 2009. p. 163 et seq.
300 KISS, Alexandre Charles; SHELTON, Dinah. International environmental law. 3 ed. New York: Transnational Publishers, 2004. p. 674.
301 KISS; SHELTON, loc. cit. id.
302 Ibid. p. 675. 303 Ibid. p. 676.
304 MAZZUOLI; AYALA, loc. cit. p. 223. p.10.
305 THIEFFRY, Patrick. Direito Europeu do Ambiente. Maria Fernanda Oliveira (trad.). Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 192.
306 Ibid. p. 194.
307 MACHADO, loc. cit. p. 79 et seq.
308 Ibid. p. 90. Cf. MUKAI, Toshiro; NAZO, Georgette Nacarato. O Direito Ambiental no Brasil: evolução histórica e a relevância do Direito Internacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental, vol. 28, 2002. p. 70.
310 AYALA, Patryck de Araújo. Direito fundamental ao ambiente, mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso na ordem constitucional brasileira. Revista dos Tribunais, vol. 901, 2010. p. 29. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2007.
311 MACHADO, op. cit. p. 179.
312 MACHADO, loc. cit. p. 180.
313 CAZETTA, Ubiratan. Divagações sobre o licenciamento ambiental. In: ROCHA, João Carlos de Carvalho et al. Política nacional de meio ambiente: 25 anos da Lei n. 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 98. Cf. CAPPELLI, Silvia. O estudo de impacto ambiental na realidade brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman (coord.). Dano ambiental: prevenção,
176 reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 165. Cf. Ibid. p. 157.
314 AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade na Política Nacional do Meio Ambiente. Revista dos Tribunais, vol. 63, 2011. p. 103.
315 MACHADO, loc. cit. p. 196 et. seq.
316 Ibid. p. 215.
317 CAPPELLI, Silvia. O estudo de impacto ambiental na realidade brasileira. In: BENJAMIN, Antonio Herman (coordenador). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 165.
318 Ibid. p. 102-103.
319 Ibid. p. 104.
320 CANOTILHO, loc. cit. p. 294.
321 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 154.
322 GAVIÃO FILHO, Anízio Pires. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 75.
323 Ibid. p. 76.
324 EBBESSON, Jonas. Public participation. In: BODANSKY. Daniel et al. The Oxford Handbook of International Environmental Law. Oxford, New York: 2008. p. 682-703.
325 BARROS-PLATIAU, Ana Flávia. Novos atores, governança global e o Direito Internacional Ambiental. Centro de Direito Internacional da Universidade de Paris X (colóquio). França: março de 2001. p. 11. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/31997/31239 Acesso em: 01 nov. 2011; ________. Atores, interesses e prospectivas das negociações multilaterais sobre o aquecimento global: que governança? In: DAILBERT, Arlindo (organizador). Direito ambiental comparado. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 190-206; LE PRESTRE, Philippe; MARTIMORT-ASSO, Benoit. A reforma na governança internacional do meio ambiente: os elementos do debate. In: VARELLA, Marcelo D.; BARROS-PLATIAU, Ana Flavia (org.). Proteção internacional do meio ambiente. Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009. p. 237-302.
326 EBBESSON. loc. cit. p. 699.
327 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 305.
328 Ibid. p. 308.
329 Ibid. p. 309.
330 LEITE; AYALA. Direito ambiental na sociedade de risco. loc. cit. p. 311.
331 ARENDT, H. A condição humana. loc. cit. p. 09-15.
332 TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. Lisboa: 70 ed. 2009. p. 17-27.
333 BERMAN, Marshall. loc. cit. p. 108
177 334 TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Sentimentos e Opiniões. Eduardo Brandão (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 389.
335 TAYLOR. loc. cit. p. 24.
336 DINIZ, Bismarck Duarte. Ambiente de trabalho (aula) ad tempora. Mestrado em Direito Agroambiental. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: Set. de 2010.
337 Ministério do Trabalho e Emprego. Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul. Análises de acidentes do trabalho fatais no Rio Grande do Sul: a experiência da Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador (SEGUR). Porto Alegre: Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul. Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador (SEGUR), 2008. p. 19-20. Disponível http://www.mte.gov.br/geral/publicacoes.asp Acesso em: 02 nov. 2011. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Caminhos da análise de acidentes do trabalho. – Brasília : MTE, SIT, 2003. p. 105. Disponível http://www.mte.gov.br/geral/publicacoes.asp Acesso em: 02 nov. 2011. Sobre a Lei 8.213/91 Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm Acesso em: 02 nov. 2011. 338 DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Ana Isabel Paraguay e Lúcua Leal Ferreira (trad.). 5 ed. ampl. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992. p. 73.
339 Cf. DURKHEIM, loc. cit. p. 236. v. SELIGMANN-SILVA, Edith. Psicopatologia e Saúde Mental no Trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2 Ed. atual. e ampl. vol. 2. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1143-1144. 340 DECLARAÇÃO DE SEUL SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO onde relata que anualmente, segundo a OIT, 2,3 milhões de pessoas são vítimas de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho, estimando a perda de aproximadamente 4% do PIB mundial. Disponível em: http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/declaracaoseul.pdf Acesso em: 01 nov. 2011.
342 BINDER, Maria Cecília Pereira; ALMEIDA, Ildeberto Muniz. Acidentes do Trabalho: Acaso ou Descaso? In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. 2 ed. atual. e ampl. vol. 1. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 776-777;
343 BARCELLONA, Pietro. loc. cit. p. 30. Cf. ABREU, Klayne Leite de et al . Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 22, n. 2, jun. 2002. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 03 jan. 2012.
344 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm Acesso em: 30 dez. 2011. 345 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 17.
346 DINIZ, Bismarck Duarte. Ambiente de trabalho (aula) ad tempora. Mestrado em Direito Agroambiental. Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá: set. 2010. 347 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2 ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 40. 349 BENJAMIN, loc. cit. p. 75; SARLET, Ingo Wolfgang e FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações.
178 In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti; BARCELLOS, Ana Paula de ...[et al]. Direitos Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 15. v. COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas - um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais. Sur, Rev. int. direitos human. [online]. 2008, vol.5, n.9, p. 88-119. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-64452008000200006&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em 1 jan. 2012; LOBO, Ricardo Torres. O direito ao mínimo existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 35 et seq.; BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo existencial para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 99 et seq.; DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.110-113. 350 FIORILLO, loc. cit. p. 73.
351 BELFORT, Fernando José Cunha. Meio ambiente do trabalho: competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 59. Cf. FIGUEIREDO, loc. cit. p. 59-66.
352 FIORILLO, op. cit. p. 74 e 497.
353 Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf Acesso em: 1 jan. 2012. 354 Cf. SILVA, José Afonso da. loc. cit. p. 21. 355 BECK, loc. cit.; FRANÇA, Conselho de Estado. Responsabilidade e socialização do risco. Marcelo Dias Varella (coordenação). Michel Abes (trad.). Brasília: UniCEUB, 2006; LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. Revisão técnica de Paulo Freire Vieira. 4 ed. revista. São Paulo: Cortez, 2007; LEITE; AYALA, loc. cit.; VEYRET, Yvette (org.). Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. Dilson Ferreira da Cruz (trad.). São Paulo: Contexto, 2007. Sobre o problema do amianto no Brasil, v. GIANNASI, Fernanda. A Ação Política para Reduzir e Eliminar a Nocividade do Trabalho: A Construção de Contrapoderes no Brasil, na Luta Contra o Amianto (Estudo de Caso). In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. vol. 2. 2. ed. atual. E ampl. vol. 2. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 1890-1900; CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas: os provimentos mandamentais como instrumentos de proteção da saúde do cidadão-trabalhador. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Direito, Pós-Graduação em Direito Agroambiental, 2011. 299 p. 356 AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental de segunda geração e o princípio de sustentabilidade na Política Nacional do Meio Ambiente. loc. cit. p. 103. 358 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1.127. O princípio 8º está citado no capítulo II. 360 MENDES, René. Conceito de Patologia do Trabalho. In: MENDES, René (org.). Patologia do trabalho. vol. II, 2 ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Atheneu, 2007. p. 50. 361 GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos. vol. 1. Carlos Nelson Coutinho (org. trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 75 et seq.
362 MENDES, René; WAISSMANN, William. Aspectos históricos da patologia do trabalho. loc. cit. p. 3-45.
363 MENDES; WAISSMANN. loc.cit. p. 7 et seq.
364 Ibid. p. 05.
179 366 MENDES; WAISSMANN, loc. cit. p. 12.
367 Ibid. p. 13.
368 Id.
369 PÉTRÉ-GRENOUILEAU, Olivier. A história da escravidão. Mariana Echalar (trad.). São Paulo: Boitempo, 2009. p. 100-101. 370 LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY Jaime; PINSKY Carla Bassanezi (org.). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. p. 470.
371 ANDRADE, Laura Martins Maia de. Meio ambiente do trabalho e ação civil pública trabalhista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 86 et seq. 372 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil: edição comemorativa: 50 anos. Organização Rosa Freire de Aguiar Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 156-161.
373 ADORNO JÚNIOR, Hélcio Luiz. Apontamentos sobre a história do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, 2010, vol. 140. p. 61.
374 LUCA, loc. cit. p. 475. 375Ibid. p. 477. 376 Decreto-Lei 5452 de 1o de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm Acesso em: 30 dez. 2011. 377 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 9 ed. Brasília: OAB Editora, 2008. p. 236. v. MOREL, Regina Lucia M.; PESSANHA, Elina G. da Fonte. A justiça do trabalho. Tempo soc. [online]. 2007, vol.19, n.2. p. 87-109. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/v19n2/a03v19n2.pdf Acesso em: 06 ago. 2010.
379 LUCA, loc. cit. p. 486.
380 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 22 et seq.
381 Ibid. p. 17
382 ARENDT, loc. cit. p. 15-19.
383 HOFFMANN, Fernando. O princípio da proteção ao trabalhador e a atualidade brasileira. São Paulo: LTr, 2003. p. 142.
384 Cf. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcua Leal Ferreira. 5 ed. ampliada. São Paulo: Cortez – Oboré, 1992. p. 37; ANDRADE. loc. cit. p. 81. 385 PENA, Paulo Gilvane Lopes; MINAYO-GOMEZ, Carlos. Premissas para a Compreensão da Saúde dos Trabalhadores no Setor Serviço. Saúde Soc. São Paulo. v. 19. n. 2. p. 371-383, 2010. Disponível em : http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v19n2/13.pdf Acesso em: 28 abr. 2011.
386 LEFEBVRE, loc. cit. p. 177.
387 FLORES, loc. cit. p. 32-34.
388 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). La protección social de cara al futuro: acceso, financiamento y solidaridad. CEPAL (ONU). Montevideo (Uruguay), 2006. p. 21 Disponível em: http://www.eclac.org/publicaciones/xml/9/24079/lcg2294e.pdf
180 Acesso em: 28 abr. 2011; SAAVEDRA, Jaime; TOMMASI, Mariano. Informalidad, Estado y contrato social en América Latina. Estudio preliminar. Revista Internacional del Trabajo. Vol. 126. N. 3-4. 2007. Disponível em: http://biblioteca.hegoa.ehu.es/system/ebooks/17390/original/Informalidad__estado_y_contrato_social_en_AL.pdf Acesso em: 22 mar. 2011; MAYER, Ricardo. Sociologia da experiência e lutas por reconhecimento. Associações de geração de trabalho e renda no sul do Brasil. Sociologia, problemas e práticas. n. 61. 2009. p. 65-85. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n61/n61a04.pdf Acesso em: 29 mar. 2011. 389 SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista: uma proposta de defesa judicial do direito humano ao meio ambiente do trabalho no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 27 et seq. 391 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 2010. p. 76. Sobre todas as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil v. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011. 392 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 388; Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT, 2002. p. 62. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011.
393 OLIVEIRA, loc. cit. p. 77.
394 Ibid. p. 77 e 78. v CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 78-84; SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3. ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 248-258.
398 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. 3 ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 389. Cf. LACAZ, Francisco Antônio de Castro. Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232000000100013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 jan. 2012; ________. O campo Saúde do Trabalhador: resgatando conhecimentos e práticas sobre as relações trabalho-saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, Abr. 2007. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000400003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 jan. 2012. Cf. CRIVELLI, loc. cit. p. 107-110. Sobre esses fenômenos no Brasil v. DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE, 2011. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/geral/publicacoes/ Acesso em: 04 jan. 2012.
399Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT, 2002. p 62. Disponível em: http://www.mte.gov.br/rel_internacionais/convencoesOIT.asp Acesso em: 02 nov. 2011.
400 OLIVEIRA, loc. cit. p. 80 et seq. 401 OLIVEIRA, loc. cit. p. 85. 402 Id. p. 85. 403 Disponível em: HTTP://www.ilo.org/ilolex/cgi-lex/ratifce.pl?C187 Acesso em: 02 nov. 2011. 404 OLIVEIRA, op. cit. p. 87.
405 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 61.
181 406 LEITE; AYALA, loc. cit. p. 71-95.
407 Ibid. p. 73 et seq.
408 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de Direito Internacional, Constituição da República Federativa do Brasil. loc. cit. p. 1.131.
409 Cf. LEITE; AYALA, op. cit. p. 1.132.
411LEITE; AYALA, loc. cit. p. 74-75. V. GUERRA FILHO, Willias Santiago. Sobre princípios constitucionais gerais: isonomia e proporcionalidade. Revista dos Tribunais, 1995, vol. 719. p. 57; ________. Teoria da ciência jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 148-192; CAMPOS, Amini Haddad. O devido processo proporcional: o princípio da proporcionalidade constitucional na teoria processual: as concepções do direito brasileiro. São Paulo: LEJUS, 2001. p. 57-127; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Loc. cit. p. 228-265; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 edição. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. p. 265 et seq.; ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Virgílio Afonso da Silva (trad.). São Paulo: Malheiros Editora, 2008. p. 85-179. 412 Cf. LEITE; AYALA, loc. cit. p. 79.
413 GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais. In: VARELLA, Marcelo; PLATIAU, Ana Flávia Barros (coord.). Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 159.
414 KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In: VARELLA; PLATIAU, op. cit. p. 1-12.
415 MACHADO, Paulo Affonso Leme. O Princípio da Precaução e a avaliação dos riscos. Revista dos Tribunais, 2007, vol. 856. p. 35.
416 MACHADO, Paulo Affonso Leme. O Princípio da Precaução e a avaliação dos riscos. loc. cit. p. 7 et seq.
417 Cf. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2 ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 61. 418 Disponível em: http://www.institutoamp.com.br/oit155.htm Acesso em: 04 jan. 2012. 419 Declaração Referente aos Fins e Objetivos da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf Acesso em: 04 jan. 2012.
420 MAZZUOLI, Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. loc. cit. p. 1131 423 CANOTILHO, loc. cit. p. 1304 et seq.
424 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Ação civil pública e Justiça do Trabalho. In: MILARÉ, Edis (coord.). A Ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 274.
427 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp Acesso em: 02 jan. 2012. 428 FERNANDES, Fábio de Assis F. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho. O Ministério Público do Trabalho e o licenciamento ambiental trabalhista. Revista de Direito Ambiental. vol. 49, 2008. p. 119.________. Meio ambiente geral e meio ambiente do trabalho: uma visão sistêmica. São Paulo: LTr, 2009. p. 231-246.
182 429 Id. 430 FIORILLO, loc. cit. p. 51.
431 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 58.
432 LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica internacional. Jacob Gorender (trad.). 2 ed. São Paulo: Editora SENAC, 2005. p. 42-43.
433 MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. v. 2. Prefácio de M. Franchini, 15. ed. (rev. e aum.). Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 1.266
434 LE PRESTRE, op. cit. p. 45; IRIGARAY, Carlos Teodoro J. Hugueney. O emprego de instrumentos econômicos na gestão ambiental. In: FIGUEIREDO, Guilherme J. Purvin. Direito ambiental em debate. v. 2. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004. p. 81/92; SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. Sobre externalidade negativa, trazendo um exemplo da nossa região do cerrado sobre o uso do agrotóxico, v. SOARES, Wagner Lopes; PORTO, Marcelo Firpo. Atividade agrícola e externalidade ambiental: uma análise a partir do uso de agrotóxicos no cerrado brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, 2007, vol. 12(1). 2007. p.131-143. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1413-81232007000100016&script=sci_arttext Acesso em: 02 nov. 2011.
436 SOARES. loc. cit. p. 71-72.
438 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm Acesso em: 04 jan. 2012. 439 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 212.
440 WHITE. Micah. An alternative to the new wave of ecofascism. The Guardian (Environment). Reino Unido, 16 de Setembro de 2010. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cif-green/2010/sep/16/authoritarianism-ecofascism-alternative Acesso em: 16 set. 2011.
442 OLIVEIRA, loc. cit. p. 121.
443 SADY, João José. Direito do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 59.
444 Ibid. p. 61. 445 OLIVEIRA, loc. cit. p. 60. 447 PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002. p. 58. 449 SOARES, loc. cit. p. 73.
451 SOARES. loc. cit. p. 74.
452 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm Acesso em: 30 dez. 2011. Cf. FIGUEIREDO, loc. cit. p. 179. 453 Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/lei8080.pdf Acesso em: 30 dez. 2011. 455 Cf. DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 224
183 456 SHELTON, Dinah. Equity. loc. cit. p. 640-662.
457 Ibid. p. 641.
458 SHELTON, op. cit. p. 646 et seq.
459 AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011. p. 230.
460 SHELTON, Dinah. Equity. loc. cit. p. 661.
461 SOARES. loc. cit. p. 78.
462 De definição complexa a informalidade, mas resumiremos como os trabalhadores que estão fora do sistema de proteção social do Estado por não terem contrato de trabalho formalizado ou carteira assinada. 463 SOARES. op. cit. p. 81. 464 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Laura Teixeira Motta (trad.). Revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 109 et seq; SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg, Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 69; ________. A ideia de justiça. Denise Bottmann, Ricardo Dominelli Mendes (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 401-405.
465 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 33.
466 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo e tutela do meio ambiente na ordem constitucional brasileira. Revista de Processo. 1992, vol. 68. p. 86.
467 Ibid. p. 01. v. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. loc. cit. p. 516-531. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação da classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 19-39.
470 MELLO, Celso D. Albuquerque. loc. cit. p. 1.266.
471 FIORILLO, loc. cit. p. 80 e nota 37.
472 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Ellen Gracie Northfleet (trad.). Porto Alegre. Fabris, 1998.
475 TUGENDHAT, loc. cit. p. 102-104.
184
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