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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 6083
FONTES IMPRESSAS PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO IMPÉRIO NO ACERVO DE OBRAS RARAS DA
BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA1
Juarez José Tuchinski dos Anjos2
Introdução
Esta comunicação apresenta resultados parciais do projeto “Os Arquivos de Brasília e a
História da Educação Brasileira no Império: inventário de fontes e perspectivas de pesquisa”,
projeto este que tem como intento central inventariar fontes para a escrita da história da
educação no Brasil Império sob a custódia dos diversos arquivos existentes na cidade de
Brasília. A atenção, aqui, recai sobre um dos acervos investigados, a Coleção de Obras Raras
da Biblioteca da Universidade de Brasília (UnB).
Como tem sido demarcado em balanços e estados da arte acerca do período, a história
da educação brasileira sobre o Oitocentos tornou-se objeto de novas interpretações a partir
do momento em que, nos anos 90, realizou-se significativo investimento na localização e
produção de fontes primárias, nos mais diversos arquivos e acervos (GOUVÊA, 2007). Este
investimento veio acompanhado de uma renovação teórica e metodológica no tratamento da
empiria, ocasionada, como recordam Marta Maria Chagas de Carvalho (2003) e Eliane Marta
Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão (2010), pelos fecundos diálogos estabelecidos entre a
história da educação e a história cultural francesa.
A divulgação de um acervo como o existente na Biblioteca da UnB contribui, sem
dúvida, para a ampliação do arsenal empírico do qual podem se valer os historiadores da
educação no Brasil Império, especialmente, aqueles distantes geograficamente dos arquivos
mais conhecidos e frequentados, como os localizados na antiga capital imperial. Mesmo em
tempos de digitalização e disponibilização de fontes na Web, é fato que a maior parcela da
documentação existente, por força de implicações econômicas e institucionais, ainda repousa
fisicamente nos arquivos, à espera de seus historiadores.
Idealizada por Darcy Ribeiro para assumir uma posição de vanguarda no ensino
superior do país à época de sua inauguração, em 1962, um dos setores considerados
1 Este trabalho tem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal - FAP-DF. 2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professor Adjunto no Departamento de Teorias e
Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro. E-Mail: <juarezdosanjos@yahoo.com.br>.
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fundamentais para a UnB foi o da Biblioteca da instituição, em especial, seu setor de Obras
Raras, formado a partir da aquisição de importantes bibliotecas particulares de diversas
procedências. Atualmente, esse setor conta com obras impressas dos séculos XVI, XVII,
XVIII e XIX, bem como manuscritos, miniaturas, folhetos, separatas e periódicos.
Dada a riqueza e diversidade do acervo de Obras Raras da UnB e a especificidade do
projeto que me conduziu até ele, o objetivo, nesta comunicação, é mapear, no referido acervo,
possíveis fontes impressas (publicadas no século XIX) para a escrita da história da educação
brasileira no Império.
Antes de prosseguir, quero demarcar, ainda que brevemente, duas categorias teóricas
que ancoram a ida aos arquivos pela qual conduzirei o leitor neste texto: de uma parte, uma
concepção de Arquivo na sua relação com o trabalho do historiador e, de outra, uma
categorização do que venho denominando de “fontes para a história da educação brasileira
no Império”.
Quanto ao primeiro aspecto, partilho das considerações de Robert Darnton (1989;
2000), Clarice Nunes (1990), Natalie Zemon Davis (2006) e Arlette Farge (2009) que,
embora por caminhos teóricos e reflexões historiográficas distintas, ensejam conceber o
Arquivo como uma espécie de lugar epistemológico para a ciência histórica (o que permite,
assim, incluir e relacionar a ele também as bibliotecas de obras raras, por exemplo), espaço
de paixão e encantamento pelo ofício bem como de contato do historiador com o outro,
diferente de nós no tempo, na cultura, nos valores. Mas um encantamento e contato
mediados pela documentação, base empírica que, ao ser devidamente considerada e
teorizada, limita ao mesmo tempo em que torna possível o conhecimento que será produzido,
pois, como escreve Robert Darnton
...dos arquivos, em toda a sua concretude, provêm um corretivo para suas interpretações românticas e [que] mantém o historiador honesto. Diferente dos filósofos e literatos, nós, historiadores, devemos dispor de evidências para sustentar nossos argumentos e não podemos simplesmente extraí-las de nossas cabeças. Nós as extraímos, sim, das caixas de arquivos (DARNTON, 2000, p. 240).
No que toca ao segundo aspecto, devo ressaltar que por “fontes para a história da
educação brasileira no Império” estou considerando, no projeto e nesta comunicação, não
somente fontes produzidas e impressas no Brasil, mas, também, fontes produzidas em outros
países e que tiveram significativa circulação nos trópicos, contribuindo, com isso, por meio
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de apropriações as mais diversas de que se tornaram objeto (muitas das quais já amplamente
registradas pela historiografia, outras, porém, a se investigar), para a configuração do
conjunto de experiências históricas que, no tempo presente, são fenômenos de análise e
interpretação dos historiadores e historiadoras da educação do período. Essa escolha
anuncia, assim, que minha concepção de história da educação no Brasil Império, embora
tome os limites geográficos como ponto de partida, vem considerando, na própria localização
e inventário de fontes, aquela abordagem das chamadas histórias conectadas (VIDAL, 2005;
BARBOSA, 2016) ou histórias transnacionais (LAWN, 2014) da educação, muitas vezes
presentes naquilo que, a primeira vista, se consideraria somente uma história nacional ou
intranacional (GONDRA e SCHUELER, 2008) da educação.
Dados esses esclarecimentos, adentremos na seção de Obras Raras da Biblioteca da
Universidade de Brasília.
O mapa preliminar de um acervo e suas possibilidades para a história da educação
Após um levantamento cuidadoso dos catálogos da Seção de Obras Raras da
Biblioteca da UnB – que revela preciosidades como manuscritos medievais do gênero “livro
das aves”, primeiras edições de relatos de viajantes do Brasil Colônia e Império, a famosa
coleção dos Cem Bibliófilos do Brasil, manuscritos modernos como os originais do romance
“Água-Mãe”, de José Lins do Rego, dentre outros – foquei-me, exclusivamente, na
individualização de obras impressas entre os anos de 1800 a 1889, no Brasil ou noutros
países, que guardassem relações explícitas, na maioria das vezes, ou implícitas, em alguns
casos, com a educação no Brasil Império.
No tocante à periodização adotada, embora esse período da nossa história política
tenha início em 1822, sabe-se, como observou Maria Helena Câmara Bastos (1999), que
desde princípios do Oitocentos uma série de projetos e propostas visando organizar a
instrução pública na então colônia já estavam em circulação e, a se considerar que talvez
algumas dessas propostas tenham sido recuperadas posteriormente, julguei oportuno
retroceder em 22 dois anos no marco temporal na procura por fontes para a educação
imperial.
No que diz respeito à educação no Brasil Império, priorizei, sobretudo, a educação
escolar no levantamento, mas, também, não deixei de considerar outras formas de educação
– como a educação familiar – e incluindo-as, quando foi possível identificar, a partir do título
ou do autor, de que se tratava, de fato, de obra relativa à temática.
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A partir desses critérios e instrumentos, cheguei a um conjunto de 77 obras. Em termos
cronológicos, a tabela 1 apresenta a distribuição quantitativa dos títulos, por década (tabela 1)
TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO CRONOLÓGICA DAS FONTES IMPRESSAS LOCALIZADAS NA
SEÇÃO DE OBRAS RARAS DA BIBLIOTECA DA UNB
DÉCADA
NÚMERO DE OBRAS
1800 01 obra
1810 02 obras
1820 02 obras
1830 01 obra
1840 05 obras
1850 12 obras
1860 09 obras
1870 29 obras
1880 16 obras
Total 77 obras
Fonte: dados coletados in loco pelo autor, out 2016.
Por certo a distribuição temporal das obras encontradas, testemunha, em primeiro
lugar, possíveis interesses pessoais dos diversos bibliófilos cujas coleções compõem,
atualmente, a seção de Obras Raras da Biblioteca da Universidade de Brasília. São critérios
de colecionismo que, sem dúvida, tem sua relevância histórica, mas, aqui, comparecem
somente como mais uma daquelas forças de seleção que agem na constituição de um arquivo
antes mesmo que dele se aproxime o historiador. Deixarei, portanto, de tentar solucionar
essa questão, limitando-me a assinalar o peso que tal fenômeno ligado às operações de
memória (BURKE, 2000) e coleção (POMIAN, 1984) deve ter tido para a produção dessa
temporalidade relativa às fontes para a história da educação brasileira no Império, tal qual se
encontram hoje no acervo em tela.
Nesse ponto, é preciso concordar com Carlo Ginzburg (1991) que é em cima do resto,
do que sobrou e chegou até nós, que o historiador faz o ponto de partida empírico para sua
investigação. Mais do que aparente conformismo, essa constatação propõe outra lógica
interrogante. Nela, cabe indagar: daquilo que, após os critérios de memória e coleção, chegou
até o historiador da educação, o que essa distribuição cronológica testemunha sobre as
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potencialidades do acervo de obras raras da UnB para a escrita da História da Educação
Brasileira no Império?
Numa leitura horizontal dos dados, evidencia-se que das 77 obras localizadas, apenas
11 foram impressas na primeira metade do século XIX, ao passo que a grande maioria, na
cifra de 66, veio à luz na segunda metade daquele século. Já numa leitura por décadas, a
distribuição temporal adquire novo formato: apesar da existência de um número significativo
de obras impressas na década de 1850 (12 obras) são as décadas de 1870 e 1880 (29 e 16
obras, respectivamente) as que respondem pela parcela mais significativa de fontes
encontradas no acervo de obras raras da UnB.
Em termos de testemunho histórico em potencial, pode-se inferir, com base nessas
duas chaves de leitura, que boa parte das fontes localizadas remete-nos ao período histórico
(1870-1880) que ficaria marcado, no Brasil, - junto do bando de “ideias novas” no campo
intelectual, de que falou Silvio R0mero – também por um intenso debate no campo
educacional em torno de métodos, circulação de modelos internacionais de ensino e
tentativas de reformas da instrução pública, conforme recordam Maria Helena Câmara
Bastos (2002) e Maria Cristina Gomes Machado (1999).
Evidencia disso é que, dentre as obras relativas ao período localizadas no acervo,
destacam-se um exemplar de Instruction Publique en Russie, de Celéstin Hippeau (1878) e
da Dissertação lida no Congresso Pedagógico Internacional de Buenos Aires em 2 de maio
de 1882, por Abílio Cesar Borges (1884), Barão da Macaúbas. A primeira obra mencionada,
se constitui em uma descrição e análise do modelo de educação russo, feita inicialmente para
um público francês no bojo da série de estudos que Hippeau realizara na década de 1870, mas
que, segundo Câmara Bastos (2002), veio a tornar-se também uma das leituras favoritas da
ilustração brasileira do período, ilustração que estava, justamente, pensando e propondo
reformas e modificações na organização da instrução pública imperial. Já a segunda obra,
apresentada em importante congresso pedagógico – um tipo de evento que, escreve Moysés
Kuhlmann Jr., contribuiu para “a difusão internacional de concepções e instituições
educacionais” (KUHLMANN JR., 2005, p. 60) – revela a tentativa de divulgação de
experiências consideradas exitosas no país, bem como de alinhamento ao ideário pedagógico
tido, então, por moderno, por parte daquele que, naquele momento, era um dos expoentes e
autoridades mais respeitadas no Brasil em matéria de ensino, o Barão de Macaúbas.
Por outro lado, as onze obras relativas às cinco primeiras décadas do Oitocentos
também testemunham, ainda que a modo de recorte de uma produção maior da qual se
constituem em vestígio e fragmento, parte dos debates educacionais que marcaram aquilo
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que Luciano Mendes de Faria Filho et al. (2006) denominam de “discurso fundador” sobre a
necessidade de instrução da população, com vistas à produção de condições de
governabilidade (FARIA FILHO et al., 2006), discurso enunciado, em particular, nas décadas
iniciais do pós-independência.
É dentro desse quadro de referência que ganha importância no acervo, por exemplo, a
coleção completa do jornal Correio Braziliense (1808-1822), que entre nós fez incisiva defesa
não só da importância da instrução da população como, também, do melhor método de
ensino capaz de fazê-lo e que, na ótica dos seus redatores, seria o método mútuo ou
lancasteirano (BASTOS, 1999; NEVES, 2003). Da mesma forma, num contexto de discurso
fundador sobre a instrução que viu, apesar de todo nosso machismo e patriarcalismo – e
quiçá, por causa dele! – afirmar-se a necessidade da instrução feminina, devidamente fixada
pela lei de 15 de outubro de 1827, é relevante encontrar-se no acervo um raro exemplar da 1ª
edição das Cartas sobre a educação de Cora, de autoria de José Lino Coutinho (1849),
impressa na Bahia. Essa obra, dedicada a oferecer um modelo de educação do “belo sexo”,
baseada na experiência de educação de uma mulher de carne e osso – a filha ilegítima do
autor das Cartas – escrita em forma de missivas, pretendida, segundo Flávio Carreiro de
Santana, “formar o melhor modelo de esposa, mãe e mulher, através de um feixe de regras,
condutas e sensibilidades próprias ao universo feminino oitocentista” (SANTANA, 2012, p.
2). Apenas a partir desses exemplos, fica patente a relevância do material da seção de obras
raras da UnB também para o estudo dos momentos fundadores da educação pública no
Império, na primeira metade do Oitocentos.
Para além dos supracitados aspectos que essa leitura verticalizada da distribuição
cronológica da documentação encontrada provoca a ventilar em termos de potencialidade de
problemas e objetos de pesquisa, é possível individualizar, através de um outro olhar – não
mais cronológico, mas tipológico – a variedade de fontes impressas existentes no acervo de
obras raras da Biblioteca da Universidade de Brasília e que, indiretamente, sinalizam outros
tantos possíveis objetos de pesquisa (Tabela 2):
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TABELA 2 DISTRIBUIÇÃO POR TIPOLOGIA DAS FONTES IMPRESSAS LOCALIZADAS NA
SEÇÃO DE OBRAS RARAS DA BIBLIOTECA DA UNB
TIPOLOGIA
NÚMERO DE OBRAS
Associações 2
Bibliotecas 7
Colégios 1
Congresso Pedagógico 1
Constituição 2
Exposição Provincial 1
Exposição Universal 4
Instrução em outros países 1
Manual escolar 32
Periódicos 16
Relato de viagem 1
Tratado ou Estudo 2
Tratado Pedagógico 6
Não identificado 1
Total 77
Fonte: dados coletados in loco pelo autor, out 2016.
Também, aqui, várias são as leituras possíveis. A minha, neste momento, recairá em
duas direções: da dispersão à concentração, isto é, dos tipos mais pontuais, dispersos em
apenas 1 ou 2 dos impressos localizados (representando um total de 16 obras), aos mais
frequentes, concentrados em 61 das 77 obras arroladas.
Na primeira direção, a título de demonstração, destacam-se dois impressos relativos a
associações e dois a textos constitucionais. No primeiro caso, impressos como Festa Literária
por ocasião de fundar-se na capital do Império a associação dos homens de letras do Brasil
(1883), evocam ao historiador da educação um dos muitos espaços de sociabilidade nos
quais, no Oitocentos, não só se discutiam práticas educativas como, também, se realizavam
experiências educativas dos próprios membros, algo observado por Maria Lúcia Hilsdorf
(2002) e Christianni Morais (2004), dentre outras. No segundo caso, os impressos relativos
às Constituições de Portugal (1822) e Inglaterra (1869) oferecem interessantes perspectivas
para uma história comparada da posição de diferentes Estados Nacionais, no século XIX,
relativas à educação da população e do modo como o Brasil, enquanto nação em formação,
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dialogava, ora aproximando-se ora distanciando-se do papel conferido à educação em nível
transnacional.
Ainda na primeira direção de leitura, com um volume para cada tipo, destacam-se
fontes ligadas a colégios, congressos pedagógicos, exposição provincial, instrução em outros
países, relato de viagem, tratado ou estudo (além de um impresso cuja temática ainda não
pode ser identificada). À exceção do primeiro tipo – representado pelo impresso Estatutos da
Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo (1887) – os demais mencionados trazem
inscritos em si a potencialidade para diversas questões de pesquisa sobre a história da
educação no Brasil Império, sobretudo ligadas às questões da circulação de modelos
pedagógicos e das histórias conectadas da educação, como é o caso do Catálogo da Exposição
Provincial da Bahia (1872).
Já no segundo tipo de leitura a que se presta a tabela 2, de modo concentrado,
destacam-se, com número maior de impressos, quatro tipos de fontes em particular: manuais
escolares, periódicos, bibliotecas e tratados pedagógicos. Nos limites desta comunicação e do
estágio atual da pesquisa, me aterei a tecer considerações sobre os dois primeiros tipos de
fontes, deixando as demais para uma análise futura, já que parte dessas obras ainda está em
fase de localização e problematização.
Manuais escolares – tanto de ensino primário quanto secundário – conferem, de
longe, a característica mais peculiar do acervo de obras raras da UnB naquilo que diz respeito
à história da educação no Império. Encontram-se, ali, desde obras famosas, de circulação
internacional, como o Método Castilho para o ensino: ler e escrever, na sua edição de 1853
(CASTILHO, 1853) ou História Universal Resumida desde a criação do mundo até nossos
dias para uso das escolas dos Estados Unidos da América do Norte (PARLEY, 1873), em
versão portuguesa impressa no Rio de Janeiro, até manuais que, em princípio, sugerem uma
circulação mais regional, como pode ter sido o caso do Compêndio de Geografia da
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (BERLINK, 1863); do Compêndio Gramatical
reduzido para uso dos principiantes no exercício das primeiras letras (IBIRAPITANGA,
1865) impresso na Bahia ou da Geografia alagoana ou descrição física, política e histórica
da Província de Alagoas (1871). São dignos de menção, ainda, manuais de retórica, de
aritmética, de história e catecismo político.
Sobre as potencialidades desses manuais escolares para a pesquisa sobre a história da
educação no Império, é possível concordar com Alain Choppin sobre o caso francês, quando
escreve que “os manuais representam para os historiadores uma fonte privilegiada, seja qual
for o interesse por questões relativas à educação, à cultura, às mentalidades, à linguagem, às
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ciências... ou ainda à economia dos livros, às técnicas de impressão ou à semiologia da
imagem” (CHOPPIN, 2002, p. 13). São, ademais, como observa Antonio Viñao (2008) uma
das fontes possíveis – ainda que não as exclusivas – para uma história das diferentes
disciplinas escolares que materializam em suas páginas.
Outro tipo documental bastante representativo no acervo de Obras Raras da UnB são
alguns periódicos oitocentistas. Mas há, aqui, uma importante peculiaridade: além do já
citado Correio Braziliense, os demais periódicos existentes são revistas literárias ou
científicas (aos moldes de ciência oitocentista), impressas tanto no Brasil – a exemplo da
Revista Brasileira (1879) publicada na Corte – como, particularmente, em Portugal (Farpas:
crônica mensal da política, das letras e dos costumes (1871); Revista Ocidental (1875),
dentre outras). De uma parte, esses periódicos informam ao historiador sobre a significativa
circulação de ideias e representações sociais acerca de temas os mais diversos, dentre os
quais, possivelmente, estava a instrução pública, contribuindo, também por essa via, para
eventuais estudos de histórias comparadas ou conectadas. De outra, a recordar com Robert
Darnton (1996) que a imprensa não apenas acompanha ou assiste, mas é ela mesma
ingrediente dos acontecimentos que relata, esses impressos podem testemunhar a ação de
seus redatores com vistas ao estabelecimento ou redimensionamento de projetos
educacionais no Brasil Império ou fornecendo modelos a serem por aqui apropriados pelos
intelectuais envolvidos com as questões educacionais. Tanto num como noutro caso, questões
a serem perseguidas em futuras pesquisas que tomem estes e outros tipos de fontes
existentes no acervo aqui analisado.
Considerações Finais
Esse mapeamento preliminar realizado no acervo de obras raras da Universidade de
Brasília – ainda que vários de seus aspectos continuem em análise no momento em que se
redige esta comunicação, o que torna seus resultados, portanto, provisórios – parece
anunciar, a partir do que foi dito até aqui, ao menos, duas grandes frentes de trabalho para o
historiador da educação do Brasil Império, de certo modo, relacionadas entre si.
A primeira frente é a de uma história da instrução pública no Brasil Império, tanto
em perspectiva regional/ provincial quanto nacional e intraprovincial, que procure
evidenciar, de uma parte, as maneiras como diferentes regiões do Império abordaram
determinadas questões educacionais; de outra, como, por meio de impressos como os aqui
arrolados, souberam colocar e servir-se de modelos em circulação que, apesar das
peculiaridades regionais, podem ter levado a conexões nem sempre claras que unificavam
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experiências históricas aparentemente dispersas, para além dos limites geográficos das
unidades administrativas do Império, nas mãos das quais, nunca é demais lembrar, ficou a
responsabilidade de efetivar a instrução elementar, por obra do ato adicional de 1834. Se a
dispersão de fontes tem sido um empecilho para análises como essa, a reunião desse material
num mesmo acervo, como se dá no aqui inventariado, é um convite e provocação à busca pela
construção de explicações para esse tipo de questão.
A segunda frente, a julgar a recorrência de fontes produzidas em países como França,
Portugal e Rússia, é a da possibilidade de escrita de uma história conectada da educação no
Brasil Império, para além das fronteiras nacionais, que ajude a identificar o país no quadro
mais amplo dos debates educacionais que marcaram o século XIX no Ocidente, debates dos
quais, já sabemos, o Brasil também tomou parte. Porém, como, com que frequência e de que
maneiras participou desse processo mais amplo, é algo que, a julgar pela natureza das fontes
arroladas aqui, pode vir a ser mais bem compreendido e investigado futuramente.
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