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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL
MOYSES DOS REIS AMARAL
FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA E O
TRATADO DE ROBORÉ
CORUMBÁ - MS
2013
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MOYSES DOS REIS AMARAL
FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA E O
TRATADO DE ROBORÉ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços
da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, Campus do Pantanal, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre.
Linha de Pesquisa: Desenvolvimento,
Ordenamento Territorial e Meio Ambiente
Orientador: Prof. Dr. Tito Carlos
Machado de Oliveira
CORUMBÁ - MS
2013
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a:
Meus pais Eduardo e Maria Amélia que
tudo fizeram para me capacitar para trilhar
os caminhos da vida.
Minha esposa Mary Isabel, que é a minha
razão de tudo, pelo incentivo e ajuda que
me dispensa com dedicação e amor.
Nádia, Luciana, Danielli, minhas filhas
queridas, pelo carinho que me ofertam.
Meus netos Abílio Neto, João Frederico e
Maria Cecília, pelos jovens que são.
Meus irmãos Luiz e Salomão pela amizade
que me dispensam.
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AGRADECIMENTOS
O ato de agradecer responde ao reconhecimento do bem recebido. Todo bem tem seu valor,
porém o bem do conhecimento, do saber, da aculturação científica é, dentre todos os bens, o mais
valioso, porque é imaterial, perene, gratificante e útil para a vida.
Por ter recebido este tesouro de tão alto valor no Mestrado de Estudos Fronteiriços, registro
meus agradecimentos aos professores que se empenharam em trazer e ministrar este curso, de pós-
graduação, para Corumbá, beneficiando sua população e conscientizando-a de sua condição de cidade
de fronteira.
Principio meu agradecimento pelo meu orientador Professor Doutor Tito Carlos Machado de
Oliveira, que aceitou a minha idéia de trabalhar sobre a formação da fronteira do Brasil com Bolívia e
completar com o Tratado de Roboré. É sabido que um trabalho científico não se produz sem
interlocução. E o andamento do trabalho de pesquisa só se deu pela orientação, precisa e segura do
meu orientador. Durante todo o período da montagem à revisão do texto foi o esclarecedor das
dúvidas e o grande incentivador quando das minhas injúrias de saúde, que quase me levaram à
desistência do mestrado. Graças a sua paciência e ao rigor intelectual concluímos a dissertação.
Ao professor doutor Marco Aurélio Machado de Oliveira, a gratidão é dupla, primeiro pela
firme coordenação do Mestrado de Estudos Fronteiriços, segundo pela dedicação e técnica magistral
no desempenho das suas aulas, que tanto contribuíram para desvendar os segredos das fronteiras.
O professor Doutor Edgar Aparecido da Costa é o próprio compromisso com o saber, busca
no professorado a sua própria alegria, a sua razão de ser. A avidez para transmitir o conhecimento
sobre fronteira e a dedicação para dissipar as duvidas, emergentes em cada aula, proporcionou a
segurança no aprendizado. Registro aqui os mais sinceros agradecimentos.
Muito oportuno é o ensejo para agradecer a professora mestre Ramona Trindade Ramos Dias
pela organização da secretaria do mestrado e pela lhaneza de trato que oferece aos mestrandos.
Quero de igual modo, agradecer a todos os professores que prestaram seu concurso precioso
para alargar os conhecimentos e os meios de novas descobertas, na complexidade das fronteiras.
Um agradecimento especial quero externar ao professor doutor Mario Dantas, amigo maior,
com quem desfruto uma longa amizade de real valor. Versado na área científica, sabe aliar sua vasta
cultura a uma simplicidade cativante. Durante o desempenho desta dissertação, ele esteve presente,
convivendo o tema, e me passando enriquecedora orientação, além do incentivo encorajador para
ousar e vencer.
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RESUMO
AMARAL, Moyses dos Reis. Formação da Fronteira Brasil-Bolívia e o Tratado de
Roboré. 157 p., 2013. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação, strictu senso,
Estudos Fronteiriços da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do
Pantanal. Corumbá, MS.
O Brasil e a Bolívia compartilham uma linha de fronteira de 3.125 km de comprimento, que
para ser definitivamente estabelecida custou anos de negociações, estabelecimento de
mecanismos legais e de tratados. O objetivo geral deste trabalho é analisar as implicações do
Tratado de Roboré na formação da fronteira Brasil–Bolívia. Os objetivos específicos são
avaliar as relações Brasil-Bolívia após a assinatura do Tratado de Roboré, no tocante à
praticidade, aos benefícios alcançados e às formas de gerenciamento, e estudar os efeitos
econômicos e sócio-culturais na vida das cidades fronteiriças, em especial, Corumbá e Puerto
Suarez. A metodologia do estudo consistiu de pesquisas bibliográficas extensas, consultas à
documentação oficial disponível, à literatura sobre fronteira, aos tratados existentes e a obras
técnicas sobre história; reuniu e discutiu dados históricos que contribuíram para formação da
fronteira Brasil/Bolívia, desde o tratado de Tordesilhas ao de Roboré. Os resultados referem-
se à conceituação de fronteira, aos tratados de Tordesilhas, de Madrid, aos tratados do período
colonial, aos movimentos de independência, aos tratados de 1867, 1903, 1928 e 1938,
específicos sobre a formação da fronteira e, finalmente, ao tratado de Roboré e suas
conseqüências. Pode-se observar que vários desses documentos não foram totalmente postos
em prática pelos dois países, chegando mesmo a serem esquecidos e ignorados por quem de
direito, principalmente o de Roboré. Por outro lado, as ações decorrentes dos mesmos também
não foram colocadas em prática, até hoje. Ressalta-se o papel do Brasil em facilitar a vida dos
bolivianos e destes em buscar o apoio e confiar no Brasil, enquanto que com os outros
vizinhos, muitas vezes, dominou um clima de beligerância. Hoje suas fronteiras estão
definidas e demarcadas, não havendo litígio, graças ao papel desempenhado pelos diplomatas
brasileiros e bolivianos.
Palavras-chave: Fronteira, formação, Tratado de Roboré, relações Brasil-Bolivia, definição e
demarcação de fronteira.
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ABSTRACT
AMARAL, Moyses dos Reis. Brazil-Bolivia Boundary Formation and Robore Treat.
157 p., 2013. Dissertation for the Master of Science Program of Mato Grosso do Sul Federal
University Foundation, Pantanal Campus. Corumba, MS, Brazil.
Brazil and Bolivia share a border line with 3,125 km length, which took years of negotiations,
the use of legal mechanisms and treats to be definitively established. The general objective of
this paper is analyzing the implications of Robore Treat to the formation of the border
between Brazil and Bolivia. The specific objectives are evaluating the Brazil-Bolivia
relationships after the signature of Robore Treat, concerning the practice, reached benefits and
management ways, and studying socio-cultural and economic effects on the life of frontier
towns and villages, specially, Corumba and Puerto Suarez. The study methodology consisted
of deep bibliographic surveys, consultancy to available official documents, frontier literature,
accessible papers on history; has put together and discussed historical data that have
contributed to Brazil-Bolivia border line definition, since Tordesilhas to Robore Treats. The
results present frontier concepts, Tordesilhas and Madrid Treats, colonial period Treats,
independence movements, 1867, 1903, 1928 and 1938 Treats that deal specifically with
border line definition, and, finally, Robore Treat and its consequences. It is possible to
observe that many of those documents have not been practiced in totum by both countries and
even have been forgotten and ignored by interested people, mainly Robore Treat. On the other
hand the resulting actions from those documents also have not been practiced, so far. It is
important to mention the Brazilian role in order to make ease the life of Bolivian people
which look for Brazilian support and trust Brazil, while Bolivian relationship with other
neighbors many times is dominated by a belligerence atmosphere. At the present time Brazil
and Bolivia have their border lines defined and demarcated and there is no litigation thanks to
the role undertaken by Brazilian and Bolivian diplomacy.
Key-words: Border line, formation, Robore Treat, Brazil-Bolivia relationships, border line
definition and demarcation.
6
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Mapa apresentando o meridiano de Tordesilhas. ............................................... 24
FIGURA 2 Expansão territorial do Brasil ....................................................................................... 57
TABELA 1 Documentos que constituem o Tratado de Roboré, firmados
em 29 de março de 1958, em La Paz .............................................................. 137
FIGURA 3 Mapa apresentando os estados brasileiros e os departamentos bolivianos
situados na área referente ao Tratado de Roboré (Elaborado por Padovani s d p). ....... 148
FIGURA 4 Mapa apresentando a área dos estados brasileiros e departamentos
bolivianos que compõe o tratado de Roboré ............................................................... 149
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9
1.1 – Justificativa ................................................................................................................. 9
1.2 – Objetivos ................................................................................................................... 10
1.3 – Material e Método ................................................................................................... 10
1.4 – Estrutura do Trabalho ............................................................................................ 10
2 FRONTEIRA ............................................................................................................... 11
2.1 – Conceituação............................................................................................................ 11
2.2 – Fronteiras e Limites ................................................................................................. 16
3 TRATADO DE TORDESILHAS ................................................................................ 24
3.1 – Antecedentes ............................................................................................................ 25
3.2 – Os Termos do Tratado ............................................................................................ 29
3.3 – Conseqüências do Tratado ...................................................................................... 33
4 TRATADO DE MADRID ............................................................................................ 38
4.1 – Antecedentes ............................................................................................................ 38
4.2 – América meridional e o Império Tiahuanaco ......................................................... 40
4.3 – O Império Inca ........................................................................................................ 44
4.4 – Expansão Territorial do Brasil ............................................................................... 48
4.5 – A dissertação de Delisle ........................................................................................... 50
4.6 – Reorganização da Ciência Geográfica em Portugal ............................................... 51
4.7 – Os Padres Matemáticos e os Limites de Tordesilhas ............................................. 51
4.8 – Termos do Tratado .................................................................................................. 52
4.9 – Conseqüências do Tratado ...................................................................................... 56
5 PERÍODO COLONIAL (1761 – 1808) ........................................................................ 58
5.1 – Tratado de El Pardo ................................................................................................ 58
5.2 – Tratado de Santo Ildefonso ..................................................................................... 60
8
5.3 – Tratado de Badajóz e translado da família real portuguesa .................................. 61
6 MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA ................................................................... 66
6.1 – Revoluções de emancipação das colônias da América ........................................... 66
6.2 – Independência das colônias da América do Norte ................................................. 72
6.3 – Emancipação das colônias espanholas e portuguesas ............................................ 74
7 FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASIL BOLIVIA ............................................ 78
7.1 – Antecedentes ........................................................................................................... 78
7.2 – Tratado Brasil-Bolívia de 1867 .............................................................................. 83
7.3 – A questão do Acre, O Tratado de Petrópolis 1903 ................................................ 89
7.4 – O Tratado de Natal de 1928 ................................................................................. 111
7.4.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 111
7.4.2 – O tratado ............................................................................................................... 114
7.5 – Tratados de vinculação ferroviária e de saída e aproveitamento
do petróleo boliviano de 1938 ......................................................................................... 116
7.5.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 116
7.5.1.1 – Cenário Paraguaio ............................................................................................. 117
7.5.1.2 – Cenário Boliviano .............................................................................................. 120
7.5.2 – A Reconstrução Nacional da Bolívia .................................................................... 123
7.5.3 – Tratado de Vinculação Ferroviária .................................................................... 124
7.5.4 – Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano ............................... 127
8 O TRATADO DE ROBORÉ ...................................................................................... 133
8.1 – Antecedentes ......................................................................................................... 133
8.2 – O Tratado ............................................................................................................. 134
8.3 – Consequências do Tratado .................................................................................. 139
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 150
9
INTRODUÇÃO
Os documentos que pautaram a formação da fronteira Brasil-Bolívia apresentam-se
dispersos sob diferentes formatos e formas de publicação, o que torna difícil ao pesquisador e
aos profissionais que se dedicam ao assunto o completo entendimento da relação internacional
deles decorrentes. Verifica-se, ademais, a carência de análise histórica e de avaliação mais
aprofundada dos reais benefícios alcançados.
Face à extensão e à complexidade do material abrangido, surge ainda a possibilidade
de inobservância de alguns dos dispositivos ali contidos por total falta de conhecimento de
quem de direito, o que demanda a implementação prática das normas de conduta ali descritas.
Exemplos de infração aos termos contidos nos documentos diplomáticos são facilmente
constatados ao longo das fronteiras, e têm como autores não apenas a população civil, mas
também as autoridades administrativas de ambas as partes.
1.1 – Justificativa
A construção das fronteiras ao longo da história, em geral, responde aos interesses das
sociedades fundadas nos territórios, ou seja, responde aos objetivos dos Estados-nações,
sejam eles, econômicos, políticos, sociais e geográficos, entre outros. Dessa forma fica
evidente a função maior das fronteiras e, entre suas funções adjacentes, estão a proteção e a
delimitação do território, iniciando assim o processo de construção da identidade territorial.
Este trabalho pretende resgatar a história da formação da fronteira Brasil-Bolívia e das
várias etapas galgadas pelos dois países na busca da demarcação definitiva de suas lindes e
alcance de uma convivência pacífica, a partir desses limites, com especial ênfase ao
denominado “Tratado de Roboré”.
Este tratado encerra ponto de negociação global, que consolidou a instituição de uma
política protecionista e estabeleceu, em definitivo, os marcos de fronteira, liquidando as
questões pendentes entre Brasil e Bolívia. Criou condições especiais para o estabelecimento
de uma fronteira viva, através da instauração de programas de desenvolvimento econômico,
social e cultural que atendessem, principalmente, a população fronteiriça que vivia em
absoluto isolamento demográfico e distante dos centros administrativos nacionais.
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1.2 – Objetivos
O objetivo geral deste trabalho é analisar as implicações do Tratado de Roboré na
formação da fronteira Brasil–Bolívia, através da reunião de dados históricos. E seus objetivos
específicos são avaliar as relações Brasil-Bolívia após a assinatura do Tratado de Roboré, no
tocante à praticidade, aos benefícios alcançados e às formas de gerenciamento, e estudar os
efeitos econômicos e sócio-culturais na vida das cidades fronteiriças, em especial, Corumbá e
Puerto Suarez.
1.3 – Material e Método
O presente trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica: documentação,
literatura sobre fronteira, tratados e leituras técnicas.
1.4 – Estrutura do Trabalho
Este trabalho compreende nove capítulos. No primeiro capítulo apresenta-se a
introdução, onde se encontram a justificativa, os objetivos e a metodologia do trabalho. O
segundo capítulo trata da conceituação de fronteira. O terceiro analisa o Tratado de
Tordesilhas e suas implicações na expansão territorial do Brasil. No quarto capítulo estuda-se
o Tratado de Madrid e suas conseqüências na definição dos limites fronteiriços entre o Brasil
e a Bolívia. O quinto capítulo aborda os tratados do Período colonial. O sexto capítulo aborda
os movimentos de independência das Américas. O sétimo capítulo apresenta a formação das
fronteiras Brasil Bolívia. O oitavo capítulo trata do Tratado de Roboré e as políticas
fronteiriças, os benefícios advindos dessas políticas e as perspectivas de desenvolvimento
para a região transfronteiriça Brasil-Bolívia. O nono capítulo apresenta as considerações
finais.
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2 – FRONTEIRA
2.1 – Conceituação
O termo fronteira é de singular evidência contemporânea no âmbito das ciências
sociais, pois, ele está mediando contexturas políticas e sociais da história dos povos, desde os
mais remotos rastros vincados pelo homem na sua peregrinação pelas entranhas do
desconhecido mundo de seu habitat.
A tendência de delimitação do espaço físico (limite), entre os animais, é uma condição
instintiva, como elemento substantivo de sobrevivência, consoante Moura (2010, p. 1):
Nas florestas habitadas por lobos, havia centenas de matilhas. Porém cada uma tinha seus próprios territórios, que devia ser respeitado pelos membros
das demais matilhas. A forma que as matilhas tinham para delimitar seu
próprio território era através de uma secreção eliminada pelo macho alfa (o
líder). [...] Ao espalhar esta secreção ao redor de seu território, o macho construía uma espécie de cerca invisível, definida pelo cheiro. Todo lobo que
invadisse esta ‘fronteira’ seria considerado intruso e seria atacado pela
matilha.
Esta característica tem sido observada, desde os trabalhos de Darwin e Spencer (apud
BRANCO, 2002, p. 226-228) e tantos outros diferençados desbravadores dos segredos da
natureza. Ela é demonstrativa da necessidade de criar limites para definir áreas, entre animais
de uma mesma espécie e de espécies diferentes, que ofereçam os elementos naturais
suficientes para prover as exigências biológicas dos grupos.
Neste cenário de acomodação biológica no espaço, sobrevivem não somente os mais
fortes, mas, e principalmente, os destacados em postura, inteligência e comunicação, cujo
representante primeiro é o Homo sapiens, o homem em si. Este, então, começa a mentalizar
princípios racionais e inteligentes para superar os óbices que a natureza lhe impõe. E
consoante ao seu andamento da caverna à tribo e desta à sociedade assim se expressa
Bornheim (2002, p. 147):
[...] a sociedade humana, desde os seus primórdios, soube desenvolver as dimensões essenciais de sua atividade prática – e já por isso o homem pôde
ser definido como tendo sido, desde a sua origem, um animal técnico, ou
seja, uma criatura afeita às fainas da transformação da natureza.
Ainda sobre o homem como dominante da natureza se expressa Gourou (apud
SANTOS, 2008a, p. 33) “[...] o homem esse fazedor de paisagem, somente existe porque é
membro de um grupo que em si mesmo é um tecido de técnicas”.
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A superfície terrestre, como biosfera, constitui o habitat de todas as espécies animais e
vegetais povoantes do planeta terra; registra as variações das características de suas formas
naturais, impressas pelas sociedades humanas, através do emprego de técnicas, para suprir
necessidades de sobrevivência e exercitar valores culturais nas comunidades de escalas
diferenciadas.
É nela que a ocupação de áreas vai delineando espaços num seqüente andamento de
expansão para o desconhecido, com registro de posses e autonomias do conhecido, para
garantia da sobrevivência de grupos, criando relações de poder pela determinação de
fronteiras e limites.
Para muitos autores cabe à geografia, como disciplina, fazer a descrição da terra bem
como de seus habitantes, a interação destes entre si, enfim, suas ações sobre o planeta. Mas,
Santos (2008a, p. 18) em seus estudos sobre a Natureza interroga:
O que é geografia? [...] Discorrer sobre uma disciplina, ainda que
exaustivamente, não substitui o essencial, que é a discussão sobre seu objeto.
O objeto da geografia é o espaço. [...] Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não sobre a geografia.
O autor continua propondo uma definição para a geografia que “considera que a essa
disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações
que formam o espaço” (SANTOS, 2008a, p. 62).
Complementa ainda que “o espaço é formado por um conjunto indissociável, e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações não considerados
isoladamente, mas como quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2008a, p. 63).
Sempre que se propõe buscar um entendimento mais coerente de temas, especialmente
no campo das ciências sociais, sobretudo em disciplinas como História e Geografia, verifica-
se a necessidade de formar um conjunto de palavras para compor a linguagem necessária
capaz de expressar as suas realidades na condução de estudos; este conjunto de palavras-
chave recebe a denominação de Conceito.
Em sua obra, Teoria Del Concepto, Chávez (1988 p. 60) afirma: “La idea ya formada
y apta para formar pensamientos se llama concepto. El concepto es un elemento lógico que da
significación a los signos y palabras, captando su objeto formal.”
E prossegue:
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Concepto. – Es el elemento lógico que capta el objeto formal. Esto quiere
decir que no se refiere al objeto total con todas sus propriedades, sino que
solamente aprehende las esenciales en virtud de las cuales se diferencia de otros objetos; asi, por ejemplo, el concepto ‘hombre’, se refiere unicamente
a las propiedades esenciales y comunes a todos los hombres: ‘animalidad’ y
‘racionalidad’ [...] (CHÁVEZ, 1988, p. 61)
E Santos (2008b, p. 19) abona:
A expressão conceito é geralmente traduzida como significando uma
abstração extraída da observação de fatos particulares. Mas, pela razão de que cada fato particular ou cada coisa particular só tem significado a partir
do conjunto em que estão incluídos, essa coisa ou esse fato é que terminam
sendo o abstrato, enquanto o real passa a ser conceito. Mas o conceito só é real na medida em que é atual.
O homem, como ser dinâmico, exerce sua ação de sobrevivência, alterando,
transformando e modelando a superfície da terra, dotando a geografia de um conjunto de
categorias que expressam sua identidade.
O Espaço, a paisagem, o território, a territorialidade, o lugar, constituem-se num
resultado particularizado da atuação humana sobre o planeta e isto evidencia a carência de
criar “conceitos-chave” para facilitar a analise detalhada dos elementos da totalidade do
espaço geográfico.
Para a geografia o mais importante da relação homem terra é o espaço geográfico. Por
ser este um conceito muito amplo, foi evidenciada a necessidade de criar métodos para dividi-
lo em conceitos menores, categorias geográficas, com o propósito de facilitar seu estudo.
O espaço geográfico está dividido em diversas categorias:
- Espaço: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também
contraditório, de sistemas de objetos e de sistemas de ações, não considerados isoladamente,
mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2008a, p. 63).
- Paisagem: “A paisagem é o reflexo da produção do espaço num determinado tempo,
sendo estática, mas possui elementos que só podem ser compreendidos numa perspectiva
transtemporal, unindo o velho e o novo, já que o espaço é dinâmico. Portanto ela é única”
(COSTA, 2009. p. 64).
Território: “O território é um produto ‘produzido’ pela prática social, e também um
produto ‘consumido’, vivido e utilizado como meio, sustentando, portanto, a prática social”
(BECKER, 1983 apud RÜCKERT, 2005, p. 83).
14
Territorialidade, de acordo com Machado et al. (2005, p. 91), ao contrário do
território, que de alguma forma define ‘nós’ e os ‘outros’, ‘próprio’ e o ‘não próprio’, ou seja,
carrega um sentido de exclusividade, a territorialidade é um processo de caráter ‘inclusivo’,
incorporando velhos e novos espaços de forma oportunista e/ou seletiva, não separando quem
está ‘dentro’ de quem está de ‘fora’.
Para Raffestin, 1993 (apud GALVÃO et al., 2009, p. 43):
[...] a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se
origina num sistema sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema [...] tudo reside
na relação concebida como processo de troca e/ou de comunicação. Processo
que precisa da energia e da informação [...]
Lugar: “lugar significa uma área específica, singular, identificada como tal pelo seu
nome, [...] habitualmente com seu endereço expresso em graus de latitude e longitude”
(BROEK, 1972, p. 16).
O homem na sua condição de ser superior dotado de inteligência, comunicação e
sociabilidade, é o criador, no espaço, de áreas limitadas para abrigar seus semelhantes,
vivendo e utilizando o meio, numa prática social, capaz de produzir o produto suficiente à
subsistência e bem estar do grupo, tornando real a configuração territorial. Forma o território
como produto de seu trabalho e nele pratica a sociabilidade espaço-temporal que lhe vai
sedimentando hábitos, costumes, regras e normas, beneficiado, principalmente, pela
linguagem. E tal é a importância da linguagem nesse processo que Santos (2008a, p. 67)
afirma: “A linguagem tem um papel fundamental na vida do homem por ser a forma pela qual
se identifica e reconhece a objetividade em seu derredor, através dos nomes já dados.”
Em tal seqüência de trabalho o homem cria o espaço e consolida o território, como
objetivo colimado, pela ação constante de territorialização, transformando a natureza e
adaptando-a a suas necessidades pelo emprego da técnica. Sobre o uso da técnica pelo homem
se expressa Santos (2008a, p. 29):
É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a
natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As
técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria o espaço.
Quando o grupo social está formado com os atributos terra, povo e língua,
complementado no seu processo histórico por hábitos, costumes e normas, encontra-se na
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condição organizacional de nação, conforme conceitua Nunes (A Nação e o Estado, baixado
do Blog Batalha Final em 13/04/10, www.causanacional.net/index.php?itenid=323):
Acontece que Estado e nação não só não são coincidentes como são muitas
vezes conceitos antagônicos. O conceito de nação assenta numa base étnica comum, uma nação é uma comunidade que partilha uma língua, uma cultura,
uma identidade material (a etnia), uma história comum de luta pela
sobrevivência e perpetuação ao longo dos tempos, é uma comunidade que partilha um conjunto de valores que são intuitivos, normas não verbais que
resultaram de séculos de identificação e comunhão na luta pela preservação e
continuidade da comunidade. [...] Não fazem parte da nação aqueles que apenas falam a mesma língua, ou que apenas professam a mesma religião
(muito menos num mundo globalizado), mas aqueles que partilham um
processo evolutivo histórico comum e que por isso partilham uma identidade
étnica que daí resultou. [...] Essa identidade foi construída ao longo da evolução de um povo pela partilha da mesma luta de sobrevivência e
perpetuação, aqueles que se deslocaram para o mesmo espaço e aí
construíram a sua civilização, aqueles que passaram pelas mesmas lutas, que estiveram sujeitos às mesmas dificuldades, que construíram um código de
comportamento similar, foi todo o trajecto [sic] histórico comum da
comunidade que se materializou nas características de cada grupo étnico, e a
etnia é por isso o espelho da história comum de cada comunidade. Esta é, na realidade, a verdadeira definição de nação e é anterior à existência de Estado,
não precisa, aliás, de Estado pois não está dependente de qualquer instituição
jurídica, é um sentimento de pertença natural, de identificação histórica.
Um resumo histórico pode nos dar a saber que a noção de Estado hoje tornada unívoca
– a de Estado democrático constitucional - que se tem hoje, tem sua origem no mundo feudal
a começar no século XV. A Europa sofreu severas dificuldades com a fragmentação territorial
dos feudos, durante toda a Idade Média, concomitante ao enfraquecimento dos reinos
decorrente do esfacelamento do Império Romano do Ocidente. Os reis tinham poder aparente,
sendo o comando efetivo da administração e autoridade de fato dos senhores feudais. O
aumento do fluxo comercial na Europa Ocidental, o aquecimento da economia monetária e
creditícia, bem como, a atuação de uma burguesia fortificada formam o conjunto necessário
para enfraquecer os feudos e fortificar as monarquias feudais. O poder centralizado na
monarquia impõe as condições possíveis para formar estruturas administrativas e de finanças
públicas, com ativação e capacitação de recursos humanos, estimulado pelo incipiente
sentimento nacional, solidariedade de identificação dos homens pelo idioma, hábitos e
passado histórico comum. É nesta linha de revisão histórica que França Filho (2006,
p. 1446-1447) releva e completa a razão do surgimento do estado nacional afirmando que:
A burguesia teve um papel preponderante na edificação desse Estado nacional. [...] A idéia de soberania apareceu quase que simultaneamente ao
robustecimento desse Estado nacional, através da luta da monarquia para
impor sua autoridade aos senhores feudais (soberania interna) e emancipar-
16
se da tutela do papado e do Imperador do Sacro Império Romano–
Germânico (soberania externa). Como conseqüência passa-se a cultivar
rígidas e precisas fronteiras interestatais, que demarcariam os limites geográficos do poder político.
A convivência do povo, imbuído do objetivo de solidariedade, gera a vontade coletiva
de se organizar política e juridicamente, para garantir, cada vez mais, as condições de defesa
do seu território e do seu corpo social no intento de consolidar a soberania da nação, pois
conforme afirma Azambuja (1998, p. 106): “A nação juridicamente e politicamente
organizada é o Estado.” E é o Estado soberano, dotado de lei constitucional, de mandatário, de
estrutura administrativa, quem dispõe das condições de poder para delimitar e demarcar seus
limites geográficos, como contorno do polígono de seu território, cultivar as fronteiras
interestatais e ter o reconhecimento político da comunidade internacional (FRANÇA FILHO,
2006, p. 1447).
Apesar da noção de limites e fronteiras ser remota e ocupar grande espaço da reflexão
geográfica acadêmica internacional, buscando suas origens, etimologias, conceitos,
classificação e evolução, conforme esclarecem Steiman e Machado (2002, p. 1-2),
verdadeiramente, os limites e fronteiras tiveram seu batismo como elementos geográficos,
para consolidação dos territórios nacionais, após a criação do Estado-nação, isto é, depois do
esfacelamento do sistema feudal e o fortalecimento do capitalismo decorrente da nomeada
‘paz de Vestefalia’1
2.2 – Fronteiras e Limites
Fundamentados em tais razões, a fronteira e o limite passaram a exercer funções
singulares na vida das nações, como elementos definidores dos territórios dos Estados
nacionais, além de suas essenciais funções de diplomaciar a boa vizinhança entre países.
A imaginação criadora do estudo de fronteira, pelas diferentes correntes do
pensamento geográfico, tem ensejado dificuldades robustas, para percorrer a distância
conceito-real, na intenção de conhecer e entender, para analisar, o alcance de sua
complexidade estrutural como elemento no espaço territorial. A sucessão incontável de
proposições conceituais para a palavra fronteira, na arena acadêmica, tem levado o debate
1 Paz de Vestfália é freqüentemente apontada como o marco da diplomacia moderna, pois deu início ao sistema
moderno do Estado nação - a primeira vez em que se reconheceu a soberania de cada um dos Estados
envolvidos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Paz_de_Vestf%C3%A1lia)
17
teórico à multiplicidade de idéias e conseqüente diversidade de entendimento. O próprio
termo fronteira tem adquirido variações de forma que transtornam sua natural aplicação
conforme Machado (1998, p. 42): “Mais recentemente, vemos o uso metafórico da palavra em
textos que tratam da revolução tecnológica”. E complementa Costa (2009, p. 66): “Faz-se uso
desse termo para descrever e representar vários elementos geográficos, ou não, já que o
mesmo faz alusão ao distante, ao desconhecido”.
Vinda do latim frons, e com indicativo inicial de território situado em frente, às
margens, a palavra fronteira, como limite político entre os estados nacionais, efetivou-se com
Friedrich Ratzel fundador da geografia política. “Para Ratzel, a concepção de fronteira é
orgânica. É a periferia do Estado-organismo vivo, o invólucro ‘plástico’ que o Estado ocupa e
nele se desenvolve. É o mesmo Ratzel quem diz que as fronteiras são zonas, expressões dos
movimentos dos povos” (MATTOS, 1975, p. 28). E aduz Raffestin (2005, p.12), referindo-se
à fronteira: “e a história não pode ser interpretada sem ela, pois as sociedades foram sempre
definidas pelas fronteiras que elas traçaram. Elas acompanham os movimentos dos povos e
marcam as grandes viradas das transformações das civilizações”.
Partindo de uma concepção epistemológica conceitua Nogueira (2007, p. 29):
A origem da palavra fronteira é ‘derivada do antigo latim ‘fronteria’ ou
‘frontaria’, e indicava inicialmente a parte do território situado ‘in fronte,’ ou
seja, nas margens, consignando portanto uma qualidade e não uma entidade. Michel Foucher, mais recentemente, vai dizer que a origem do nome
fronteira deriva de front, la ligne de front, ou seja, da guerra.
À luz desse entendimento é concebível compreender a relação que se estabelece entre
fronteira e território. A fronteira quando considerada é diretamente referida ao território, seu
ordenamento, suas relações de poder. Quanto às relações de poder, Souza (2009, p. 66)
argumenta ser o território uma dimensão do espaço social, dependente da dimensão material
do espaço e conclui: “O poder é uma relação social (ou, antes, uma dimensão das relações
sociais), e o território é a expressão espacial disso”.
Fica claro ser o território uma projeção espacial do poder; apesar de não ser concebível
a existência de território sem estrutura material, espaço, eles não se separam e não são
sinônimos conforme expõe Raffestin (2009, p. 26) “Espaço e território não são termos
equivalentes nem sinônimos [...] território [...] é gerado a partir do espaço”.
A fronteira constitui a área estremenha a um centro, como envoltório de espaço-
território e, como tal, confrontante com estruturas semelhantes em opostas condições
18
espaciais. Disso decorre ser a fronteira fator de fertilizadas discussões; e por ser o território a
expressão espacial do poder, é nele onde a diferença da ‘dimensão das relações sociais’, isto
é, dos poderes, se processa, com maior intensidade, num contínuo espaço-temporal, ensejando
o choque entre contrários à fecundação de novas realidades. O território é uma categoria
geográfica da mais ampla importância e sobre ele Costa (2009, p. 62) destaca:
O território é entendido [...] como um espaço delimitado por e a partir de relações de poder, cujas materialidades são reflexos das imaterialidades e das
ações territoriais dos agentes e atores do espaço. Pressupõe um espaço físico
dotado de recursos naturais e materiais delimitados política ou culturalmente.
Desse entendimento é possível concluir que a fronteira pode existir como fato material
ou imaterial, como linha ou zona e como fator de informação. A fronteira material decorre da
razão de a natureza ter sido o provedor do homem, desde sua condição primária, não social,
até seu estágio de homem social para, em cooperação com outros homens, retirar da natureza
os elementos necessários à sua sobrevivência e reprodução pela ação do trabalho. Este
processo de trabalho, relação homem/meio, ensejou ao homem aprender e apreender a
natureza pela ação continuada sobre ela, e entende-la para produzir espaço. E Santos (2008c,
p. 96) ensina:
O homem é ativo. A ação que realiza sobre o meio que o rodeia, para suprir
as condições necessárias à manutenção da espécie, chama-se ação humana. Toda ação humana é trabalho e todo trabalho é trabalho geográfico. [...]
viver, para o homem é produzir espaço. Como o homem não vive sem
trabalho, o processo de vida é um processo de criação do espaço geográfico.
Disso é possível evidenciar que, nascido do espaço geográfico, o território é produto
da sociedade que o forma através da prática social. Esta sociedade detentora de poder
hegemônico estabelece a fronteira material de seu domínio, determina limites, cria normas e
leis e linhas divisórias de seu espaço confrontante, em cartografia, para separar os seus dos
outros.
A fronteira não material é a outra face da fronteira material. É a banda intangível,
subjacente da estrutura limitante. A fronteira imaterial emana das mais recônditas raízes do
processo histórico social, do conjunto, língua, costumes, ritos, mitos, crenças e etnia,
formador substantivo da cultura das sociedades fronteiriças. A fronteira imaterial é abstração,
é cultura. A cultura é a força etérea que primazia o andamento sustentado das características
específicas dos povos.
19
A fronteira imaterial é conteúdo de magias, zona nodal de mistérios que promove a
dinâmica de aproximar ou afastar os de cá dos de lá pela força expressiva das diferenças
culturais, condicionadas às variáveis econômicas e tecnológicas da região. “A fronteira é, a
um só tempo, área de separação e aproximação, linha de barreira e espaço polarizador. É,
sobretudo, um espaço de tensões, de coexistência das diferenças e do estabelecimento de
novas realidades socioculturais [...]” (CASTELLO, 1995, apud RADDATZ, 2004, p. 4).
Proceder a uma análise da existência de fronteira como linha ou zona exige um
deslocamento de abordagem de uma concepção linear para uma concepção de área.
A idéia de linha reporta à noção de separação, divisória, limite. A linha que faz a
separação entre os territórios dos estados soberanos recebe a denominação de limite conforme
Machado (internet- 25/04/10) “O limite jurídico do território é uma abstração gerada e
sustentada pela ação institucional no sentido de controle efetivo do Estado territorial”.
Quando a abordagem é sobre zona, a concepção de fronteira fica referida à área, o
espaço, com denominação própria e condições plenas de interação (MACHADO et al., 2005,
p. 95).
O conceito de zona de fronteira aponta para um espaço de interação, uma
paisagem específica, um espaço social transitivo, composto por diferenças oriundas da presença do limite internacional, e por fluxos e interações
transfronteiriças, cuja territorialidade mais evoluída é a das cidades-gêmeas.
Produto de processos e interações econômicas, culturais e políticas, tanto
espontâneas como promovidas, a zona de fronteira é o espaço-teste de políticas públicas de integração e cooperação, espaço-exemplo das
diferenças de expectativas e transações do local e do internacional, e espaço-
limite do desejo de homogeneizar a geografia dos Estados nacionais.
A fronteira pode ser compreendida como informação quando tomar o sentido de criar
e organizar elementos espaciais. Na formação do espaço geográfico participam múltiplos
elementos, materiais e imateriais, que numa evolução diacrônica atingem um estágio de
organização social, capaz de criar soberania e definir fronteiras políticas que determinam os
limites de seus territórios. A fronteira então formada, espacialmente organizada, abriga a
sociedade criada e a estrutura como fator importante de informação.
Cataia (2007, p. 12) referindo-se à informação explica:
A etimologia do vocábulo informação deriva da palavra informar, que
significa colocar em forma, dar uma forma ou um aspecto, formar, criar. A informação pode ser compreendida como algo que pode ser colocado em
forma, colocado em ordem. [...] a informação implica no ordenamento de
20
elementos ou partes de um sistema mais amplo. A informação expressa a
organização das partes de um sistema.
Para Santos (apud CATAIA (2007, p. 12) “Dizer que a fronteira é informação
significa dizer que ela porta uma ação social e que justamente por isso ela condiciona a
sociedade que a criou.”
O termo fronteira tem aportado confusão conceitual em decorrência da multiplicidade
de seu uso em campos disciplinares diversos. Isto tem ensejado o aparecimento de
significações múltiplas para o verbete, traduzindo dificuldades à compreensão das idéias nela
contidas, principalmente, quando se trata da necessidade de entendimento claro em
determinados temas como o de fronteiras internacionais.
Muitos autores consideram e usam os termos fronteira e limite como sinônimos. Tal
procedimento acarreta um conjunto de incertezas, quando se necessita trabalhar estes temas
no intento de saber a abrangência real de seus significados e funções. Góes Filho (2001, p. 7)
nos acode com a explicação: “Fronteira, limites, raias, lindes, divisas são aqui consideradas
sinônimos; em trabalhos técnicos, fronteira é a faixa de terra – zona pioneira em vários casos
– e os outros vocábulos, linha divisória.” Portanto, os vocábulos limites, raias, lindes, divisas
se referem à linha divisória dos territórios dos Estados nacionais. Em seu trabalho o autor usa
os termos como sinônimos, mas aclara para seu uso em trabalhos técnicos. Raffestin, de igual
modo, também o faz conforme afirmação de Steiman e Machado (2002, p. 6).
Contrariamente, autores existem que demonstram diferenças argumentadas para os dois
termos, destacando-se entre eles Machado (1998, p. 1-2).
As diferenças são essenciais. A fronteira está orientada ‘para fora’ (forças
centrifugas), enquanto os limites estão orientados ‘para dentro’ (forças
centrípetas). Enquanto a fronteira è considerada uma fonte de perigo ou
ameaça porque pode desenvolver interesses distintos ao do governo central, o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo central, não
tendo vida própria e nem mesmo existência material, é um polígono. O
chamado ‘marco de fronteira’ é na verdade um símbolo visível do limite. Visto desta forma, o limite não está ligado a presença de gente, sendo uma
abstração, generalizada na lei nacional, sujeita às leis internacionais, mas
distantes, freqüentemente, dos desejos e aspirações dos habitantes da fronteira. Por isso mesmo, a fronteira é objeto permanente da preocupação
dos estados no sentido de controle e vinculação. Por outro lado, enquanto a
fronteira pode ser um fator de integração, na medida em que for uma zona
de interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa
unidades políticas soberanas e permanece como um obstáculo fixo, não
importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais. (grifo do autor)
21
E com semelhante propriedade esclarece Krukoski (internet – 04/07/10)
Uma fronteira não é um parágrafo de um Tratado, nem uma linha num mapa,
mas uma estrutura complexa e funcional na face da terra. Devemos desde logo distinguir dois termos, muitas vezes impropriamente usados como
sinônimos: Fronteira e Limite. O termo ‘Fronteira’ é mais abrangente e se
refere a uma região ou faixa, enquanto que o termo Limite está ligado a uma concepção precisa, linear e perfeitamente definida no terreno. (grifo do
autor).
Neste andamento, tudo parece ter sido iniciado com a preocupação de exaltar uma
classificação das fronteiras. Na literatura sobre limites e fronteiras internacionais são
encontradas copiosas classificações para diferenciar as fronteiras-limites, através de suas
peculiaridades. A privilegiada pela geografia clássica é “a classificação das fronteiras em
naturais e artificiais,” fruto dos trabalhos de Lord Cuzon of Kedleton, em 1907 (STEIMAN,
MACHADO, 2002, p. 1).
Curzon destacou a importância das fronteiras em “um dos mais amplos e metódicos
estudos dos princípios que regulam a formação das lindes entre os Estados” (MATTOS,
1975, p. 23).
A classificação das fronteiras tem motivado discussões constantes e continuadas entre
pesquisadores, em decorrência de confrontos de opiniões sobre os tipos de fronteiras-limites.
Steiman e Machado (2002, p. 1) externam uma opinião esclarecedora para o problema:
O que parece ser um traço comum a todas as classificações (naturais e artificiais, boas e más, lineares e zonais, etc) é o intuito de determinar a
superioridade de um determinado conceito de fronteira sobre outros, uma
superioridade claramente relacionada à função que o autor atribui à fronteira.
E ilustram com Holdich (1916) e Lyde (1915) sobre a escolha de montanhas e rios
como limites políticos para a paz entre as nações da Europa. O confronto prolongou-se por
mais de cem anos; as montanhas ficaram conceituadas como elementos separadores e os rios
como fatores de integração pacífica internacional, além das primeiras terem perdido sua
importância, após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência do avanço tecnológico da
aviação.
Mas, o entendimento de fronteira ainda se apresenta com tipologias diversas como
além das referidas: vivas/mortas, políticas/econômicas, percebidas/vividas, externas/internas.
De toda essa busca de conceitos sobre fronteiras duas concepções se tornam relevantes: a
política e a econômica.
22
A fronteira política nasce com a necessidade dos povos de definir seus espaços,
através da colocação de linhas divisórias, entre seus territórios e os de seus vizinhos de
margens, conforme sua condição de soberania e poder, consolidada após o advento do Estado-
nação.
Sobre ela declina Cataia (2007, p. 7): “As fronteiras políticas são formas assumidas
pelos limites que, cristalizadas no território, são a expressão da relação que o homem mantém
com os outros homens por meio do território. A fronteira política é um dos tipos de limites
impostos às atividades humanas”.
Em decorrência do avanço científico e tecnológico as tendências políticas e
econômicas do mundo estão provocando mudanças na geografia política, com notórias
possibilidades de provocar alterações no conceito do Estado nacional, pela força da
globalização. A ação global do mercado mundial alimentado pela proliferação de
organizações internacionais e transnacionais, mercados comuns e outros, tem forçado a
integridade das fronteiras políticas nacionais com o objetivo de criar facilidades de fluxos de
mercado, capaz de gerar informalidade no controle mercantil internacional, transformando a
fronteira política em livre fronteira econômica, e Nogueira (2007, p. 30) ratifica:
Desse modo, percebe-se que o conceito de fronteira política nos últimos anos
vem sendo posto em questão justamente pela pressão exercida pela
economia, que força a liberdade de movimento de determinados fatores, principalmente mercadorias e capitais. Isto seria o resultado das mudanças
inerentes ao próprio estado-nacional para ajustar-se ao mundo globalizado.
Além de forçar a criação de condições especiais, internas, para fomentar o lucro
desmedido do mercado capitalista, a globalização aventura-se à pregação da eliminação das
fronteiras do Estado-nacional, numa aventura sem precedentes na história econômica do
mundo. A referência midiática sobre a fronteira é de um nível cultural tão ínfimo e excurso
que causa espanto até para os ausentes do conhecimento geográfico. Os alardes, que fazem das
qualidades negativas da fronteira, são infundados, inconseqüentes e se dissolvem nas razões
conceituais expressas por Oliveira (2007, p. 1): “A fronteira sintetiza matizes, emoções, e
cristaliza todo um conjunto de fatores: culturais, sociais, econômicos, políticos, físicos, etc.,
situando possibilidades de múltiplas leituras na sua funcionalização”.
A fronteira é decorrente de uma ordem emanada de um poder soberano e sua exclusão
pode representar a ausência da paz entre os povos, por tentar contra a integridade do Estado
23
Nacional. E sobre o assunto disse Lord Curzon em conferência sobre Fronteiras, Oxford, 1907
(apud MATTOS, 1975, p. 23):
Embora as fronteiras sejam a principal preocupação de quase todas as
chancelarias e o tema principal de quatro em cinco tratados políticos, e tenha, o mais profundo efeito sobre a paz e a guerra entre as nações que
qualquer outro fator, político ou econômico, não há uma só obra, em
qualquer idioma, que se destine a tratar do tema em conjunto.
Finalmente Raffestin (2005, p. 9) nomeia o assunto como o “O mito da eliminação
das fronteiras nacionais” e em corolário geográfico comprova que,
[...] mais do que um fato geográfico e um fato social, a fronteira é um fato biológico incrustado no hipotálamo. Espaço-temporal, a fronteira é também
bio-social: ela delimita um ‘para cá’ e outro ‘para lá’, um ‘antes’ e um
depois, com um limite marcado e uma área de segurança [...]. Ela é a expressão de um equilíbrio dinâmico que não se encontra somente no
sistema territorial, mais em todos os sistemas biossociais. (RAFFESTIN,
2005, p.11-13).
A Fronteira é moradia de diferenças, é arcabouço de complexidade, abrigo de limite,
delineadora de espaço-poder entre os Estados territoriais. Ela abriga o limite, mas dele se
diferencia pela expansividade sócio-econômico-cultural.
24
3 – TRATADO DE TORDESILHAS
O Tratado de Tordesilhas, assim denominado por ter sido assinado no burgo espanhol
homônimo, foi um acordo firmado entre os soberanos de Portugal e Espanha, em 7 de junho
de 1494, para definir a partilha do chamado Novo Mundo, descoberto por Cristovão
Colombo, em 1492, entre as respectivas coroas, por uma raia distante trezentas e setenta
léguas a oeste de uma ilha do arquipélago de Cabo Verde (FIGURA 1).
FIGURA 1 - Mapa apresentando o meridiano de Tordesilhas.
Fonte: www.historiabrasileira.com/brasil-pre-colonial/tratado-de-tordesilhas
25
3.1 – Antecedentes
Nenhum ato se torna possível de entendimento sem a busca dos elementos formadores
do seu processo histórico. O caso em questão, o Tratado de Tordesilhas, exige uma análise do
processo histórico de Portugal e Espanha para identificar o causante da necessidade da
produção de ato político-diplomático tão complexo como o de dividir o mundo em dois
hemisférios por hipóteses geográficas sem precedentes.
A posição geográfica de Portugal demonstra com certa clareza o seu isolamento do
Mar Mediterrâneo e a tendência natural para buscar se expandir pelo Atlântico. Tendo solo e
clima desfavoráveis para a prática agrícola, mas compensado por extensos rios navegáveis
com portos de bons calados dirigidos para o Atlântico.
Os rios, com fluxo para o mar, ensejaram o surgimento de importantes cidades às suas
margens, o que obrigou o povo português a voltar-se para o oeste e para o sul; para oeste o
mar tenebroso e ameaçador, para o sul o continente africano impenetrável, na concepção
européia.
Para ambos os lados a opção era enfrentar os perigos do mar ameaçador. Era descobrir
os segredos de navegar para buscar, em páramos distantes, produtos de subsistência, fazer
comércio e conhecer a fronteira do desconhecido, alimentados pela coragem de navegar,
concernente o entendimento de Boorstin (1989, p. 151): “Entre os mais encorajados foram os
navegadores de Portugal, a quem a geografia determinará o seu papel na história. Na orla mais
ocidental da Península Ibérica, a nação estabeleceu as suas fronteiras modernas muito cedo,
em meados do século XIII”.
Empurrados para o mar, fizeram dele o campo fértil para colher alimentos e iniciaram
sua primeira atividade econômica pela pesca marítima. Começaram por exercitar o trabalho
na orla costeira, mas conforme foram adquirindo intimidade com o mar, conhecendo suas
surpresas e melhorando as formas e estruturas de suas embarcações, o conhecimento dos
ventos e correntes marítimas, puderam buscar pontos mais distantes da costa e lançarem-se
cada vez mais ao distante, ao desconhecido com melhores resultados da pesca. Esta atividade
pesqueira foi duradoura e de grande valia para a economia da Coroa e assegurou o
povoamento da costa marítima portuguesa. “Assim, conforme registrou Oliveira Martins,
desde o Século XII ao XVI as pescarias crescem, e nas costas portuguesas formigam as
colônias de pescadores” (VIANNA, 1961, p. 23).
26
O crescimento da pesca foi exigindo, cada vez mais, a necessidade de produzir e
aperfeiçoar barcos e instrumentos para navegação, o que ensejou um projeto com apoio oficial
para desenvolver a marinha mercante: “ao tempo de D. Fernando I, conforme documentou a
Crônica de Fernão Lopes, incentivou-se a construção naval, mediante a isenção de impostos e
concessão de vantagens e garantias aos armadores” (VIANNA, 1961, p. 24). Estas medidas
favoreceram o comércio de Portugal com exportação de produtos agrícolas e importação de
tecidos e manufaturados. O crescimento mercantil, pela navegação, ensejou o aumento das
rendas alfandegárias e fortificou o erário português, proporcionando-lhe condições para idear
projetos náuticos mais avançados, modernos, com vistas a uma política de poder marítimo.
A navegação do mundo europeu se concentrava no Mar Mediterrâneo desde a época
dos fenícios, atendendo ao comércio das repúblicas italianas de Genova e Veneza (GOES
FILHO, 2001, p. 13) com os portos do Levante, receptor das especiarias das índias, pela rota
da seda (BOORSTIN, 1989, p. 124). “Fenicios y griegos caem como un enjambre sobre las
costas del Mediterráneo [...] los fenícios llevan sus factorías a la costa del Marruecos” [...]
(DECHAMPS, 1971, p. 7). Pouco se sabia e pouco se interessava pelos desafios do Mar
Oceana (Oceano Atlântico), buscando somente aperfeiçoar e intensificar a talassocracia
mediterrânea com os mapas portolanos. “[...] os mapas que indicavam as rotas entre os portos
do Mediterrâneo, na verdade os primeiros mapas náuticos da história,” conforme (GOES
FILHO, 2001, p. 35).
Quando D. João I de Portugal resolveu fazer uma cruzada contra Ceuta, em 1415, teve
que diligenciar a construção de uma frota para tal intento. Seu filho D. Henrique foi
incumbido de estruturar a indústria naval portuguesa para projetar e executar a construção de
barcos encouraçados e artilhados, projetados para invadir o Marrocos. Apesar de ter apenas 19
anos, D. Henrique, depois cognominado o Navegador, sediado ao norte, na cidade do Porto,
durante dois anos de trabalho, concluiu o projeto e comandou a frota para, com eficácia,
executar o ataque planejado. Ceuta foi avassalada e saqueada pelas tropas portuguesas e
Boorstin (1989, p. 155.) notifica: “Esta ocasião deu ao Infante D. Henrique o primeiro
vislumbre ofuscante da riqueza que havia escondida na África”. Os marroquinos
concentravam em Ceuta, fortificação mulçumana do lado africano oposto a Gibraltar, um
grande núcleo comercial, receptáculo dos produtos trazidos do sul da África e das Índias, no
Oriente, e distribuídos para a Europa. Os europeus desconheciam os caminhos e métodos
usados por eles para conseguirem o abastecimento de metais, tapetes persas e especiarias.
27
De volta a Ceuta para acompanhamento e controle das terras conquistadas D.
Henrique verificou o arrefecimento do comércio local, causado pelo cristianismo implantado
pela cruzada. O fato afastou as caravanas de mercadores e Ceuta, esvaziada, sem fluxo
comercial, representava perda econômica para o erário português. Buscador de desafios, o
Príncipe Navegador garimpou histórias, lendas, realidades para inferir a origem e os caminhos
dos tesouros que enriqueciam Ceuta. Estas informações alaram suas idéias e esperanças, para
buscar caminhos novos para as Índias.
Depois de sua atuação na África preparou uma esquadra para conquistar Gibraltar;
neutralizado pelo rei D. João I, seu pai, aborrecido, afastou-se da corte, isolando-se no Cabo
de São Vicente, ponto mais extremo do sudoeste da Europa. Fora das azáfamas do governo,
D. Henrique intensificou suas reflexões sobre a necessidade de estruturar um núcleo de
estudos para desenvolver a indústria naval e a ciência de marinhar, com métodos modernos e
eficientes, congregando, em Sagres, os valores materiais, técnicos e humanos, necessários ao
cimento da idéia de buscar, conhecer, entender e desmitizar, na vastidão do Mar Oceano, os
segredos do além conhecido.
Tarefa árdua para um país de sofrível estrutura econômica. Estava diante de uma só
decisão: fazer o impossível com o possível; gerenciar o pouco para produzir o muito. O muito,
o desafio de enfrentar o mar, conhecer seus segredos, aperfeiçoar os meios de marinhar para
descobrir caminhos e explorar riquezas adormecidas na África e existente em horizontes
alhures. A condição primeira para caminhar objetivo tão avultado era estar Portugal unido, em
plena tranqüilidade civil; e a segunda condição era que: “[...] Portugal precisava de um
dirigente – alguém que unisse as pessoas, que organizasse os recursos, que apontasse o
caminho” (BOORSTIN, 1989, p. 153).
D. Henrique o Navegador, dedicado à matemática e à astronomia, praticante da ciência
do mar, sensível às grandes idéias, fascinado pelo desconhecido, e ainda, “[...] por ser Grão-
Mestre da Ordem de Cristo, que tinha então o monopólio dos descobrimentos e seus
benefícios” (GÓES FILHO, 2001, p. 72), conjugava as qualidades suficientes para organizar e
dirigir os interesses marítimos e comerciais da Coroa portuguesa.
E assim correspondeu. Transformou Sagres no maior centro de pesquisa náutica do
atlântico, através da contratação dos mais renomados geógrafos, cartógrafos, pilotos de
28
experiências portolanas, matemáticos e mestres de ofícios capazes de aprimorar a construção
naval com a produção de barcos, como a caravela,2 equipadas com apropriados equipamentos
de navegação, para realizar viagens de ida e volta, em longas distâncias, para conquistar novas
terras, num trabalho de acumulação progressiva de conhecimentos capaz de estruturar uma
empresa moderna de descobrimentos marítimos. E abona Calógeras (1972, p. 5):
[...] o infante D. Henrique começou a dirigir soberanamente toda a expansão marítima da marcha do comércio do reino, de seu ninho feudal de Sagres,
escola naval de aprendizado, centro de instrução náutica e de ciência
geográfica, promontório onde assentou o facho de energia e de luz que aclarou o Atlântico inteiro.
Portugal, sem co-participação na navegação e no comércio do mar Mediterrâneo, a ele
ligado apenas pelo estreito de Gibraltar, tinha sua fronteira definida pela geografia que lhe
dava apenas o mar por possibilidades; restava-lhe a mente por norte, o desconhecido por
patrimônio e por objetivo, a intrepidez para descobrir e explora o desconhecido. O desafio
exigia método, recursos, tempo e uma vontade nacional e, isto foi feito sem perda de tempo.
Os navegadores, a serviço de D. Henrique, procederam ao reconhecimento da costa e
conseguiram descobrir e vencer os mitos dos cabos Borjador, 1434, o cabo Branco e o cabo
Verde; conheceram o golfo da Guiné e se assenhorearam dos arquipélagos da Madeira, dos
Açores e Cabo Verde. D. Henrique “dominou o processo de descobrimento até sua morte, em
1460” (GOES FILHO, 2001, p. 71).
D. João II deu prosseguimento ao desenvolvimento do poder marítimo português,
coadunando seu governo às diretrizes estabelecidas pelo seu precursor de Sagres. Havia um
projeto de pesquisa e realizações fundado num objetivo de construção nacional, detidamente
estudado e metodizado, para expandir as fronteiras lusitanas através de um projeto naval sem
precedente na Europa, como testemunha Calógeras (1972. p. 5) “De 1415 a 1495, durante
oitenta anos, portanto não variaram alvos e métodos.” O alvo era explorar o desconhecido
para descobrir riquezas, fortalecer o comércio e aumentar o poder da Coroa.
Conhecido desde a antiguidade, o Arquipélago das Canárias ensejou arengas severas
entre os reis de Castela e Portugal. A posse das ilhas Canárias ficou com Espanha, pelo
Tratado de Alcáçova, 1479, e por ele Portugal passou a ter direito a todas as terras descobertas
ao sul desse arquipélago e por toda costa da África e às Índias.
2 “Os empreendimentos marítimos africanos do Infante D. Henrique demonstrariam que a caravela tinha uma capacidade crucial, e sem precedentes para regressar ao lugar de partida.” Boorstin (1989. p.158).
29
Enquanto os portugueses prosseguiam na tentativa de contornar o continente africano,
o navegador Cristovão Colombo procurava, junto ao rei de Portugal, apoio para desenvolver
um projeto que buscava um caminho para as Índias navegando para ocidente. Justamente,
quando buscou D. João II, pela segunda tentativa, o momento não lhe foi dos melhores porque
coincidiu com a chegada, a Portugal, de Bartolomeu Dias, 1488, com a comunicação de haver
contornado o cabo da Boa Esperança e encontrado uma passagem livre para as Índias,
consoante Boorstin (1989, p. 215).
Obstinado no seu plano, não desanimou com a recusa portuguesa e continuou
ensejando oportunidades para ganhar crédito e patrocínio suficientes à realização do projeto.
Quando quase exausto de tentativas frustradas, raia-lhe a esperança com a decisão dos reis de
Espanha de patrocinarem a sua busca das Índias pelo ocidente. Parte Colombo com a sua frota
e descobre o Novo Mundo, em 1492. Ciente da boa nova a Coroa espanhola apressou-se em
diligenciar as medidas cabíveis para assegurar-lhe o direito sobre as terras descobertas. A
autoridade decisória à distribuição de bens temporais entre os povos cristãos era a Santa Sé.
Vianna (1961, p. 29) esclarece:
Acima das nações cristãs colocava-se, na Idade Média, e mesmo no início da
Idade Moderna, a Santa Sé. Constituindo verdadeira autoridade supernacional, sua ascendência moral era reconhecida e proclamada, [...].
Admitia-se, então, que somente à Cúria Romana competia distribuir, entre os
príncipes católicos, a missão cristianizadora [...] em ilhas e terras dos infiéis.
Essa atribuição acarretava, portanto, o reconhecimento da respectiva soberania, sobre as zonas que conquistassem.
Os reis Católicos Fernando e Isabel, de imediato, recorreram ao Papa Alexandre VI,
espanhol de Aragão, que através de quatro bulas concedeu à Espanha todas as terras das
Índias recém descobertas por Colombo. As bulas estabeleciam uma linha vertical, de pólo a
pólo, que passasse a 100 léguas a oeste e sul das ilhas de Açores e Cabo Verde. D. João II, rei
de Portugal, discordando da decisão papal, por entendê-la prejudicial aos domínios de sua
Coroa, mandou missão diplomática à Espanha com proposta de acordar um meridiano de 370
léguas na direção ocidente e sul das referidas ilhas como pertencente à Espanha.
3.2 – Os termos do tratado
Entendida a proposta como pertinente aos interesses da Espanha e de Portugal, e “para
evitar as conseqüências das declarações pontificiais”, a guerra, D. João II de Portugal e
Fernando e Isabel da Espanha assinaram em 7 de junho de 1494, o Tratado de Tordesilhas.
30
De acordo com a sua parte essencial, convinham aos reis de Portugal e Espanha em
[...] se fazer e assinalar no dito mar Oceano uma raia ou linha direita de pólo a pólo, a saber, do pólo ártico ao pólo antártico, que é, de norte a sul, a qual raia ou linha se
tenha de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das Ilhas de Cabo
Verde, para a parte do poente, por graus ou por outra maneira, como melhor e mais depressa se possa dar, de modo que não sejam mais, e que tudo o que até aqui se tem
achado e descoberto, e daqui por diante se achar e descobrir pelo dito senhor Rei de
Portugal e por seus navios, assim ilhas como terra firme, desde a dita raia ou linha,
dada na forma acima dita, indo pela parte do levante, dentro da dita raia pela parte do levante, ou ao norte, ou ao sul dela, tanto que não seja atravessando a dita raia, que
isto seja e fique e pertença ao dito senhor Rei de Portugal e aos seus sucessores para
sempre (VIANNA, 1961, p.34) .
Pela primeira vez, soberanos de Estados nacionais secundaram a autoridade papal e
decidiram a posse de descobrimentos pelas próprias soberanias, inaugurando no alvorecer de
um Novo Mundo o nascimento de uma conduta diplomática moderna e independente. O
Tratado de Tordesilhas “será a peça mais importante de nossa história diplomática” no
entendimento de Vianna (1961, p. 35) e Góes Filho (2006 p. 48) abona: “[...] na expressão de
Capistrano de Abreu, “o primeiro ato relevante da diplomacia moderna, porque negociado
entre Estados e não, como era normal na idade média, decidido pelo Papa”, [...] A
determinação do Papa, dividindo o mundo em dois hemisférios, pela linha, distante 100
léguas, a oeste de Cabo Verde, através de bulas absurdas, sem amparo geográfico e científico
contemporâneo, criou para Portugal um problema geopolítico, difícil, que somente ganharia
solução pacífica pelo caminho diplomático das negociações soberanas.
Tratar com a Santa Sé, sempre foi senda pedrenta e insidiosa para os reis, pois os
Papas nem sempre eram corretos e justos, mas políticos e cambiantes, em decisões sérias. E o
exemplo mais robusto de tal desdoiro aportou-se no árbitro de Tordesilhas, sobre quem
registra Boorstin (1989, p. 167-232) “De todos os pontífices que jamais reinaram, Maquiavel
confirmara este Alexandre VI como o que melhor mostrou como um papa podia impor-se
tanto pelo dinheiro como pela força”. As circunstâncias levaram os soberanos, ao descartarem
a submissão à Igreja Católica, à decisão de legarem para a história o exemplo mais sublime de
solução pacífica entre os povos da Europa: o Tratado de Tordesilhas, de 1494; “Nenhum outro
tratado bilateral teve tanta influência na História Universal como este. Concebido para valer
para todos os povos (erga omnes) aspirava a dividir o mundo” (GÓES FILHO, 2001, p. 73).
Ele nasce como limitante de espaço ausente; como meridiano ausente de longitudes;
como limite sem território; como poder no abstrato geográfico. Mas, no tudo do abstrato
espacial-geográfico do acordo, a pertença de Portugal na América de Colombo era concreta,
31
advinha do conhecimento da existência de terras a oeste e sul de Cabo Verde, comprovadas
pela proposição, segura, da vertical de Tordesilhas passar a 370 léguas das ilhas do
arquipélago e não a 100 léguas, como infligia a Bula papal. O Tratado de Tordesilhas é o
primeiro símbolo-marco da terra Brasil na América portuguesa.
O contornar do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, em 1488, representa a
descoberta do caminho marítimo para a Índia, pela costa africana, navegando para oriente e
para sul. Este evento histórico, anterior ao feito de Colombo e ao litígio de Tordesilhas,
ensejou o grande feito da viagem de Vasco da Gama, 1497-1499, que chega a Calicute, com
certeza e segurança, inaugurando o grande momento do poder marítimo português. O espaço
de tempo entre os dois eventos, aproximadamente nove anos, pareceu indicativo de certa
calmaria no progresso dos descobrimentos lusitanos, mas, na verdade, o que ocorreu foi, no
dizer de Calógeras (1972, p. 4), “O segredo oficial”. Cônscios de não estarem preparados para
resistirem a golpes de potencias maiores, os reis de Portugal adotaram como estratégia de
defesa o silêncio, o segredo. Esta política deu ensejo a debates históricos de relevância como
o “[...] Duarte Pacheco Pereira, em seu célebre De sito orbis, adianta o surpreendente asserto
de que estivera no Brasil, em 1488, por ordem de D. Manoel” (CALÓGERAS, 1972, p. 6),
portanto antes de Cabral. Vale lembrar que este navegador foi testemunha de Portugal na
assinatura do Tratado de Tordesilhas. Ao contrário de calmarias, o que registra a história é a
ação portuguesa, cada vez mais efetiva, no desejo vivo e ardente de explorar, conhecer e
dominar os segredos dos mundos desconhecidos.
D. Manoel ordena a segunda viagem para as Índias, com rota determinada, e Pedro
Álvares Cabral aporta terras do continente americano e descobre o Brasil, em 1500. Portugal
se concentra na navegação para dominar a rota da Índia, com o objetivo de intensificar o
comércio entre a Europa e o Oriente, então dificultado por múltiplas razões, sendo a mais
robusta delas a invasão turca do oriente próximo, com a queda de Constantinopla, 1453, e
transformando Lisboa no mais movimentado centro comercial da Europa, em detrimento do
monopólio italiano, no Mediterrâneo, liderados por Gênova e Veneza. A afirmação encontra-
se em Góes Filho (2001, p. 73): “Com D. Manoel I vêm as Índias, vêm as grandes naus
carregadas de especiarias e de drogas, vem Lisboa como novo centro do comércio oriental”.
Foi ele, cognominado o Venturoso, o predestinado a colher os resultados da faina heróica,
quase centenária, dos seus antecessores de Aviz.
32
As terras descobertas no novo mundo, depois identificado como continente por
Vespúcio, não despertaram interesse, pela Coroa, de investimentos imediatos, porque o
comércio com o oriente estava estruturado em sólidas empresas de navegação e gerando
lucros compensadores para o erário real.
A Espanha dedicou mais atenção às terras descobertas, explorando,
progressivamente, as ilhas já conhecidas e abeirando a área continental, do setentrião para o
sul. Em 1513, Vasco Nunes Balboa, partindo da ilha de São Domingos, chega às colônias
espanholas da costa oriental do Golfo de Darrien, onde o istmo do Panamá faz a soldadura do
continente sul-americano. Recebendo informação dos nativos que, para além das montanhas
do sul, existiam muitas riquezas e um outro mar. Sem mais delonga, preparou uma robusta
caravana e lançou-se a uma longa e perigosa empresa, por caminhos ínvios e perigos de toda
ordem, em busca das riquezas e do mar desconhecido. Depois de 25 dias de viagem sobe a
um cume e vislumbra à distância um oceano. “Balboa chamou-lhe «mar meridional» por uma
razão óbvia. O istmo de Darrien, que acabara de atravessar, corre de leste para oeste. Partindo
do Caribe, Balboa viaja para sul e nesta direção avista pela primeira vez o Pacífico.”
(BOORSTIN, 1989, p. 242). Estava descoberto, o “mar del Sur”, o Grande Oceano, o Oceano
Pacifico.
O período colombiano chega ao fim. Depois de fazer quatro viagens ao “mar do
Caribe ou mar das Caraíbas” e viver a glória de pensar de haver descoberto o caminho das
Índias pelo ocidente, Cristovão Colombo sofreu duros reveses como os de ser preso por
Francisco Bobadilha, acorrentado, embarcado de regresso à Espanha e esquecido pela Corte.
Veio a falecer, em 1506, sem saber que havia descoberto um continente e aberto o caminho da
humanidade para novos horizontes: conforme infere Góes Filho (2001, p. 34): “Não sabia que
descobrira um continente, que iniciara uma nova era” [...].
Os espanhóis intensificaram seus esforços, inicialmente, na posse e exploração das
ilhas caribenhas e foram ocupando a área continental pelas descobertas dos grandes impérios
dos povos pré-espânicos. Posteriormente chegaram ao continente e descobriram o grande e
rico Império Asteca, no hemisfério norte, dominaram o Panamá, módulo central, e em fase
posterior chegaram ao hemisfério sul, onde encontraram o importante Império dos Incas.
O aparente descontentamento da Espanha, após Tordesilhas, com a chegada de Vasco
da Gama a Calicute, em 1498, e o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, em
1500, teve duração efêmera conforme relata Góes Filho (2001, p. 47): “Verificado que havia
33
um continente no meio do Atlântico, viu-se logo a imensidão das terras que pertenciam à
Espanha e a riqueza dos impérios asteca (1514) e inca (1528) nelas contidas sem falar na
montanha de prata de Potossi (1545), cedo descoberta”.
A Espanha foi recebendo da América, a partir de 1514, um volume de ouro, prata,
pedras preciosas e grande variedade de produtos absorvido pelo mercado europeu. Esta fonte
de riqueza fortificou robustamente, o erário espanhol e transformou a Coroa de Castela na
mais rica da Europa; sobre isto esclarece Mesa et al. (2007, p. 85-86) : “En algo más de médio
siglo el império español dominó un territorio casi veinte veces más grande que el de la
península ibérica, que se prolongaba de norte a sur por más de 10.000 km”.
Para Portugal, como já acima referido, o comércio marítimo com o oriente era de
rentabilidade vantajosa e, por tal motivo, a Coroa portuguesa só se interessou pelas terras do
Brasil na terceira década, depois do descobrimento. Neste período, 1530, o comércio com as
Índias entrava em declínio e, conseqüentemente, os baixos lucros forçam a busca de novas
alternativas.
3.3 – Conseqüências do Tratado
A arrancada de Portugal no objetivo de criar um avançado Poder Marítimo (marinha
de guerra e marinha mercante) ensejou transformações diversificadas e estruturais na política
e economia do mundo europeu do século XV, pelo aperfeiçoamento da construção naval e da
arte de marinhar.
Sem janelas para o mar mediterrâneo, aperfeiçoou caravelas e velas para singrar o mar
tenebroso, oceano Atlântico, desvendar seus segredos, descobrir terras desconhecidas e
vincular à Europa, lendárias culturas e especiarias de alhures, pelos caminhos dos mares.
O mundo conheceu a era dos descobrimentos. E com eles as disputas das terras e das
riquezas pelos Estados nacionais envolvidos. Os caminhos para a solução dos problemas
ensejados eram as guerras ou as negociações diplomáticas através dos tratados. O tratado mais
importante que a Europa e o mundo conheceram foi o Tratado de Tordesilhas que separou a
terra em dois hemisférios e dividiu um continente. Por tais razões, foi, também, o que gerou
importantes conseqüências para a política e a história dos povos.
A decisão das Coroas da Espanha e de Portugal de dividirem as terras descobertas por
Cristovão Colombo, através de tratados diplomáticos, com medições diferentes das exaradas
34
na Bula papal, descaracterizou a autoridade da Santa Sé de decidir sobre a partilha de terras
entre Estados soberanos, rompendo com a tradição até então vigente.
A continuidade da política de exploração da costa africana, por Portugal, decorreu da
descoberta do Novo Mundo patrocinada pelos reis de Espanha, porque os soberanos
portugueses não acreditavam nas teorias de Colombo de chegar às Índias pelo ocidente.
“Jayme Cortesão (apud GÓES FILHO, 2001, p. 47) lembra, com razão, que os negociadores
portugueses já em 1494 não acreditavam no que Colombo e os espanhóis então criam
piamente, isto é, que tinham encontrado um caminho mais curto para o Oriente. Se o
fizessem, não teriam assinado o Tratado [...]”.
A descoberta do Oceano Pacífico por Balboa, ao cruzar, por terra, o istmo do Panamá,
em 1513, já referida, anteriormente, por Boorstin (1989, p. 242), ansiou as Coroas luso-
castelhanas a se arrojarem, na imensidão dos mares, para descobrir o estreito da passagem
para oriente, navegando pelo ocidente, conseqüente às idéias de Colombo.
A confirmação, de que as terras do Novo Mundo eram um continente e não somente
algumas ilhas, feita, em 1501, pelo navegante “Américo Vespúcio (apud BOORSTIN, 1989,
p. 234): “Chegamos a uma terra nova que por muitas razões que são enumeradas no que se
segue, verificamos ser um continente.”; e ainda alicerçada por “Souza (apud GÓES FILHO,
2001, p. 63): “Convencido ficou Vespúcio que entre a costa ocidental da Europa e a oriental
da Ásia devia impor-se uma enorme massa de terra, um continente, e que esse devia ser
dobrado na parte sul.”
Este fato foi esclarecedor para os soberanos ibéricos no sentido de que, a solução
diplomática por eles exercida na partilha das terras definidas por Tordesilhas, foi conseqüente,
vantajosa, Real e pacífica. E que o desbravar dos mares ainda era faina para todos e muito
ainda restava para marinhar e descobrir.
A senha de Vespúcio de que o continente «devia ser dobrado na parte sul», detinha
certo fundamento por ter ele navegado toda costa sul-americana, pertencente a Portugal, até as
proximidades da Patagônia e da Terra do Fogo, sem encontrar nenhuma abertura marítima, o
que o levou a concluir: “[...] que se existisse por ali alguma passagem para a Índia teria de ser
mais para ocidente, do lado espanhol da acordada linha de demarcação” (BOORSTIN, 1989,
p. 235). O tempo ratificou sua predição.
35
Dois grandes navegadores Cristovão Colombo e Américo Vespúcio com distinguidos
conhecimentos da arte de marinhar, capacitações semelhantes, objetivos iguais, conclusão,
destinos, e glorias diferente.
Colombo, italiano de Gênova, perscrutou a evolução marítima de Portugal, nela
completou o aprendizado portulano do Mediterraneo, aptou-se ao comando das Caravelas e
familiarizou-se com o instrumental de navegação necessário às longas viagens; é possível,
também, que tenha viajado por lugares ainda mais distantes conforme notifica Góes Filho
(2001, p. 24-52) “Na época de Colombo, somente os portugueses sabiam navegar no “mar
oceano,” como era também conhecido o Atlântico.” [...] “Como vimos, Colombo
possivelmente esteve na Islândia e na Guiné, isto é, nos extremos norte e Sul do mundo
conhecido.”
Vespúcio, de destacada família fiorentina, teve caminhos mais fácies para se
enriquecer no adestramento da navegação e dos mares. Ultimou sua capacitação com os
portugueses e navegou por mares distantes. Preparou-se na cartografia e o aprendizado da
astronomia facilitou o processo de determinação das distâncias pela observação dos astros.
Ultimou sua capacitação com os portugueses navegando por mares diferentes o que o tornou
um tripulante disputado “[...] como indica convite de D. Manuel, para que viajasse com os
portugueses” (GOES FILHO, 2001, p. 57).
Ambos objetivaram encontrar um caminho para as Índias, navegando para o ocidente,
isto é, o inverso do projeto português, que era de fazê-lo pelo oriente, contornando o
continente africano. Não conseguiram.
Colombo, à frente (1492), chegou às ilhas do Mar do Caribe e imaginou ter atingido a
massa continental das Índias pelo ocidente. Não chegou a Cataio (a China) ou Cipango (o
Japão) por não ter encontrado a passagem entre mares. Mas descobriu novas terras, outras
culturas, “novo mundo” exuberante de segredos e riquezas.
Vespúcio navegou pela costa das terras descobertas e concluiu que, separando a
Europa da Ásia, existia uma grande massa continental, um novo continente.
Colombo descobriu um novo mundo, conheceu a fama, sofreu a desdita e nunca soube
a importância e o valor dos seus feitos para o mundo. Vespúcio, reconhecido como grande
36
navegador viveu a notoriedade e o continente recebeu o nome de América, em sua
homenagem.
Nas opiniões de Adam Smith e Boorstin ambos foram dignos de grandes méritos, pelo
que proporcionaram para a Espanha e Portugal consubstanciado por Vitorino Magalhães
Godinho apud Góes Filho (2001, p. 66) “os pioneiros da grande aventura da descoberta do
globo e criação do mercado em escala mundial.”
Fernando de Magalhães, navegador intrépido e experiente, que teve oportunidade de
explorar as ilhas das especiarias, as Molucas, e aprofundar seus conhecimentos e avaliação
sobre a Ásia, quando navegou na frota de Francisco de Almeida, primeiro vice-rei de Portugal
na Índia (1505-1509).
Malquistado com os portugueses, procurou aproximação com o imperador Carlos V.
da Espanha com o fito de conseguir apoio para novos desafios marítimos.
Tinha conhecimento de que a corte espanhola alimentava grandes esperanças nas
idéias de Colombo de chegar às especiarias navegando para ocidente.
E sabia que, neste tempo, a Coroa espanhola se posicionava com mais empenho na
idéia, alimentada pelas descobertas de Balboa e Vespúcio, pois sabia que a passagem devia
ser buscada pelo extremo meridional da América do Sul.
Consumadas as negociações e aprestada à frota, Fernando de Magalhães comandando
a armada espanhola, singra o Atlântico até o extremo oriental do Brasil. Ruma para sudoeste e
prossegue até alcançar o mar do Sul, onde certamente estaria o estreito da passagem para o
grande Oceano.
Acumulados de conhecimentos geográficos e experiência de marear assentados à
firmeza de caráter, resignação e coragem, exerceu domínio sobre óbices de toda natureza com
astúcia e severidade, e, ainda, facultado pela sorte, fez a travessia do estreito de Magalhães,
1520, e adentrou a vastidão do mar do Sul. Após navegar por mais dois meses em águas
serenas e tranqüilas deu ao mar o nome de oceano Pacífico.
Chegou às Filipinas onde morreu em combate na ilha de Mactan, em 1521. A viagem
teve continuidade “comandada por Juan Sebastián del Cano [...]” que “Em 8 de Setembro de
1522, chegou a Sevilha” (BOORSTIN, 1989, p. 349). Estava completada a primeira viagem
de «circunavegação da terra», feita em uma única jornada.
37
O alcance do estreito de Magalhães e do oceano Pacífico representou um dos mais
importantes descobrimentos geográficos, consoante à esfericidade da terra. Até então
ninguém detinha um conhecimentos completo dos mares e dos continentes bem como os
caminhos de suas ligações.
Tudo se manifestava pelo imaginário do meridiano divisor da terra e pouco se detinha
da realidade do continente descoberto em relação às outras três partes do mundo conhecido.
Boorstin (1989, p. 242-43) procura elucidar a importância do projeto naval desempenhado por
Magalhães:
O Tratado de Tordesilhas, como vimos, traça uma linha de demarcação 370
léguas a oeste das ilhas dos Açores e de Cabo Verde, e situa a fronteira do
Novo Mundo a 46º de latitude oeste, passando através da proeminência da América do Sul. [...], a linha mediana atravessava ambos os pólos e percorria
todo o caminho à volta do planeta, do outro lado. Esta mesma linha também
servia, portanto, para separar os domínios de Espanha dos de Portugal na
metade asiática do planeta. [...] Ninguém sabia ainda o que se intrometia entre esta nova quarta parte do Mundo e a Ásia.
Estava deslindado o mistério dos mares. A comunicação das quatro partes do mundo
pelos mares era agora realidade científica a serviço dos povos. A revolução tecnológica iniciada
por Sagres, no século XV, pelos descobrimentos marítimos, muda o comportamento político e
social dos povos pela criação e evolução da economia-mundial capitalista.
Para Alcoforado (2006, p. 20):
A primeira fase da mundialização do capital, decorrente da procura de uma
rota marítima para as Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras
feitorias comerciais européias na Índia, na China e no Japão, e, principalmente, abriu aos conquistadores europeus as terras do Novo Mundo.
Para Adam Smith, esse foi o maior feito da história da humanidade.
A fronteira estabelecida pelo Tratado Tordesilhas, dividiu um continente entre Portugal
e Espanha e unificou os povos pelos caminhos dos mares.
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4 – TRATADO DE MADRID
A diplomacia européia costumava nomear Tratados entre Coroas com títulos alusivos
aos assuntos acordados e firmados. Esta prática, entretanto, não se apresentava, de comum,
nos registros históricos de negociações entre Estados Soberanos.
A tradição era nomear os Acordos com o nome do lugar sediante do ato solene de
ratificação. No caso em pauta, o assunto considerado foi «Tratado de Limites entre Portugal e
Espanha na América do Sul», com o titulo de “TRATADO DE LIMITES DAS
CONQUISTAS ENTRE D. JOÃO V, REY DE PORTUGAL E D. FERNANDO VI, REI DE
ESPANHA [...]” (CORTESÃO, 2006, v.2, p. 361).
Este Tratado consagrou-se como «O TRATADO DE MADRID» por ter sido
ratificado na capital espanhola, Madrid, no dia 13 de janeiro de 1750.
Por ele, as Coroas abdicaram os direitos estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas.
Estabeleceram e ratificaram as condições necessárias para definir os limites territoriais, entre
Espanha e Portugal, na América Meridional.
4.1 – Antecedentes
O desempenho dos portugueses na construção de um projeto naval abrangente, capaz
de ofertar a segurança de navegar no oceano Atlântico, resultou na ligação entre o oriente e o
ocidente e na descoberta de um novo continente, a América, permeante entre a costa ocidental
da Europa e a costa oriental da Ásia.
A descoberta do Novo Mundo por Cristovão Colombo sob os auspícios dos reis da
Espanha, anuída à parcialidade do Papa Alexandre VI, provocou a reação do rei de Portugal
que reivindicou o domínio das terras descobertas.
Por esta época, 1494, a Espanha não desfrutava de condições políticas positivas no
cenário europeu. Administrava problemas diplomáticos com países visinhos e “apenas
recentemente unificada, não queria correr o risco de uma nova guerra com Portugal. Resolveu
transigir com o adversário tradicional e chegou a um acordo [...]” (GÓES FILHO, 2001,
p. 44), que, apesar do nome «Capitulação da Partição do Mar Oceano», consagrou-se na
história com a denominação de Tratado de Tordesilhas.
39
Linha imaginária, nunca demarcada, mas que deu a Portugal a garantia de pertença em
terras do Novo Mundo. A descoberta do Brasil, por Pedro Álvares Cabral em 1500, concretiza
a divisão do continente americano entre as Coroas de Espanha e Portugal, vazadas no
meridiano do Acordo.
O vagaroso avanço científico e tecnológico da geografia e da cartografia pela
inexistência de técnicas seguras para determinação das latitudes e, especialmente, das
longitudes, dificultou e atrasou a demarcação dos territórios a leste e a oeste da linha estrema
de Tordesilhas.
A progressiva e lenta ocupação das terras, por espanhóis e portugueses, sem divisa
estabelecida, constituiu-se em fator gerador de conflitos, por além de um quarto de milênio, e
que exigiu das diplomacias ibéricas estudos, trabalhos e talentos capazes de atingir um
patamar de negociação e partilha compensador para as duas Coroas.
Colombo quando recebeu o apoio dos reis de Espanha para proceder sua viagem
descobridora foi-lhe prometido, entre outras coisas, ser o governador das terras e ilhas que
descobrisse.
Assim procedeu e procurou tomar posse e administrar as ilhas descobertas nas duas
primeiras viagens. Góes Filho (2001, p. 31) nomeia as ilhas encontradas por Colombo na
ordem seguinte: “Na primeira, [...] já havia conhecido várias ilhas das Bahamas [...] e duas
Grandes Antilhas, Cuba (Joana) e Haiti (Ispaniola). Na segunda, [...] identificou Dominica,
Guadalupe e outras Pequenas Antilhas, Porto Rico, e Jamaica e fundou, ademais, Isabela o
primeiro núcleo urbano das Américas.”; para continuar as viagens, deixou seus irmãos
governando as ilhas que já contavam com pessoas atuando na agricultura.
Destas, sobressai um personagem, Vasco Nunes Balboa, 1513, que vai se destacar na
história por dois grandes feitos: a descoberta do oceano Pacífico, já referida, e de ouro e
pérolas no istmo do Panamá, conforme Boorstin (1989, p. 242) “[...] no caminho de regresso
através do istmo, tribos índias amigas ou assustadas presenteiam-no com 240 pérolas
escolhidas e quatro arráteis de outras de menor qualidade, juntamente com 614 pesos de
ouro.”
Este acontecimento inicia uma fase muito importante para a Coroa da Espanha que é a
revelação da existência de grandes jazidas de metais preciosos em suas terras da América.
40
A expansão da América espanhola chega ao império asteca, ao norte, pela ação
guerreira de Hernán Cortés, em 1519, e ao império incaico, ao sul, pela ação destruidora de
Francisco Pizarro, em 1532.
A conquista e domínio desses impérios de ricas e desenvolvidas civilizações pré-
colombianas, renderam à Espanha um enriquecimento rápido e progressivo pela exploração
das inesgotáveis jazidas de minerais preciosos, especialmente ouro e prata, retirados de suas
minas.
A Espanha ao clarear o século XVI não estava em alta atividade no comércio marítimo
com as Índias. Sabia que era uma nação poderosa pelas vastas extensões de terra que possuía
no além mar, e que a melhor política para a Coroa seria administrar bem suas colônias, colher
frutos valiosos das riquezas nelas existentes, para fortificar e consolidar suas finanças. O fato
de haver iniciado a gestão exploratória da sua faixa tordesilhana do continente, tão de
imediato ao descobrimento, é asseverante deste propósito.
Com razão nestas considerações e buscando o rumo norte do objetivo do trabalho
vamos focar, com maior realce, o estudo da América espanhola austral, palco do desenrolar
histórico da formação dos territórios ibéricos da América meridional.
4.2 – América Meridional e o Império Tiahuanaco
É do devassamento e povoamento do triângulo geográfico Andes, Amazônia e Prata
que surgirão, arrastando-se por mais de dois séculos, os mais acirrados conflitos diplomáticos,
entre portugueses e espanhóis, na busca dos fatores geopolíticos suficientes para acordar os
limites definitivos de suas possessões.
A cordilheira dos Andes é o conjunto de montanhas, centrado na América do Sul,
paralelo à costa do Oceano Pacífico, com caracteres geográficos diversos em seu relevo.
Abriga picos culminantes, isolados ou em cordões, com suas neves eternas, altiplanuras, lago,
rios, vales, mesetas, e subsolo abundante em minerais preciosos.
Esta região foi berço das mais avançadas culturas pré-espanholas do continente
americano. Muitos povos se assentaram no altiplano da bacia lacustre do Titicaca e aí
começam a fazer uso da terra pelo desenvolvimento da agricultura, da cerâmica, dos tecidos,
do uso da força animal no trabalho e criação das primeiras aldeias, conforme abona Camargo
(2006, p. 31):
41
Tal padrão de ocupação territorial empresta o nome ao período seguinte
intitulado de Aldeão ou Formativo, no qual se encontram as raízes das
chamadas altas culturas andinas, a Civilização de Tiahuanaco e o Império Inca. Estendendo-se de 1.500 A.C. a 200 D.C., aproximadamente, o período
Aldeão distingue-se pelo domínio de técnicas de metalurgia e pela utilização
progressiva de artefatos de cobre por parte de suas principais culturas,
Chiripa, Pucara e Wankarani. [...] A essas três culturas correspondem as primeiras aglomerações estáveis documentadas nos Andes, [...] reflexo da
realidade agrária e pastoril que passa a prevalecer no mundo andino e
arautos da dimensão urbana que caracterizará Tiahuanaco e, posteriormente,
o Império Inca.
O conhecimento sobre as primeiras civilizações que viveram na Meseta Andina e na
bacia lacustre do Titicaca provieram dos estudos e pesquisas arqueológicas, lingüísticas e
antropológicas. E Zeballa (1954, p. 23-24) ao prestar essas informações assevera que as
civilizações mais antigas foram as Collas e Aymaras y Tiahuanaco:
Los collas [...] una gran raza que habitó el Altiplano [...] tuvieron su origen
en una de las islas del Gran Lago. [...] Los collas fisonomizan una
civilización [...]. Primitivamente habitaron solo los aledanos del Gran Lago, alcanzaron a extenderse a la cuenca amazónica y platense [...] por el norte a
Venezuela y por el Sur a la Rep. Argentina. [...] Sucedieron a los collas los
aymaras [...] Heredaron las instituiciones collas [...] tanto e el religioso,
como en lo agrário, social y político. [...] sudividiron la tierra [...] en comunidades agrárias. Después de un gran esplendor, con idioma el más
rico, con una organización admirable, y el gran apogeo de Tiahuanaco [...].
Todas elas assentadas em territórios diversos, com formações aldeãs e autônomas, não
lograram nível de desenvolvimento amplo por ausência da noção de interação entre os grupos.
Com economias isoladas, divisão dispersa de trabalho, ausência de comercialização regional,
permanecera sem condições de melhoria dos recursos humanos e materiais, favoráveis a
produção agrícola, suficiente para proporcionar melhores condições de vida.
Por volta do século II a.C. surge, na parte sul do Lago Titicaca, uma concentração
humana, inicialmente de caráter religioso, mas que, num contínuo, evolui para uma
estruturação urbana organizada que enseja o aparecimento da cidade de Tiahuanaco. Como
organização urbana, ofertante de melhores condições de vida, atrai as populações adjacentes
para um processo de interação social e ordenamento de recursos, com vistas a atingir
patamares indicativos de desenvolvimento tecnológico, condizente a responder às exigências
sócio-econômicas de uma sociedade estratificada em classes sociais, bem como gerenciar
variáveis religiosas e políticas de um avanço sócio-espacial dinâmico. Começa a se definir o
aparecimento de um Estado com possibilidades de ultrapassar os limites da cidade.
42
Os avanços tecnológicos que mais possibilitaram o desenvolvimento de Tiahuanaco
foram à agricultura irrigada, e a metalurgia.
Somente poderiam sobreviver e crescer no altiplano andino os povos que
desenvolvessem processos tecnológicos de agricultura irrigada, possíveis de fazer face às
adversidades climáticas e propiciar uma agricultura crescente, sustentada, com colheitas
abundantes, superiores à demanda urbana, com mão de obra reduzida e produção excedente
para comercialização. “[...] a genialidade da civilização de Tiahuanaco reside na sofisticação
de seus sistemas de agricultura irrigada os quais [...] permitem resolver o problema [...] das
colheitas no clima adverso dos Andes” (CAMARGO, 2006, p. 38).
Avance de igual monta ocorreu na metalurgia, iniciada pelo fomento da mineração
com a extração de diferentes metais para exportação e como matéria prima para a produção de
ligas metálicas, com realce para o bronze, conforme abona Mesa (2007, p. 17): ”Finalmente
los Tiahuanacotas explotan diferentes metales y mediante una amalgamación del cobre con el
estaño obtienen el bronze logrando así superioridad técnica sobre los otros pueblos que aun no
lo conocian.”
O processo de capacitação do pessoal, saído da agricultura e de outras áreas aldeãs,
origina e amplia o efetivo de «artesãos especializados tanto em cerâmica como em
metalurgia».
Outras conquistas importantes emergentes na produção foram na tecnologia de
desidratação da batata, como meio de conservação por períodos longos e a «domesticação das
llamas» que permitiu a formação de tropas para transportar os diferentes produtos pela
vastidão de sua abrangência territorial. “En las tierras alta, al igual que en culturas anteriores
se cultivaba la papa que para su almacenamiento era desidratada en la forma de chuño [...].
Con la llama domesticada formaban rebaños para el transporte de los productos [...] (MESA et
al., 2006, p. 60).
O desenvolvimento urbano se prolonga até o século VII d.C. A partir de então tem
inicio a expansão do estado «tiahuanacota» que avança pela Serra Central e Costa do Peru,
adquirindo características próprias decorrentes da miscigenação com as culturas locais
preexistentes.
Os povos andinos não desenvolveram a comunicação escrita. Daí resultar grande
dificuldade para o conhecimento de suas culturas. O acervo de informação histórica,
43
disponível procede da Arqueologia, da Etnologia e especialmente da Lingüística. Somente no
período pós-conquista, iniciaram-se as informações escritas através das crônicas feitas por
espanhóis.
A desenvolvida arquitetura e escultura da cidade de Tiahuanaco, hoje conhecida, é
produto da descoberta e exploração dos sítios arqueológicos existentes no sul do lago
Titicaca, nas proximidades da cidade de La Paz.
A lingüista continua sendo fonte preciosa de informação cultural pela permanência das
línguas Aymara e Quéchua, usadas pelos povos que habitam áreas andinas «tiahuanacotas»
hoje pertencentes à Bolívia, Peru, Chile e Argentina.
A grande expressão cultural de Tiahuanaco como formador do grande Estado andino é
refletida pelo processo liberal e cordato de convivência pacifica com as populações regionais
alcançadas. Camargo (2006, p. 39) expressa o clímax desse processo como se segue:
Entre os anos 700 D.C. e 900 D.C., Tiahuanaco estabelece-se como vasta
entidade pan-andina, reorientando hegemonicamente padrões locais ou
regionais de desenvolvimento e criando, ao longo de suas grandes linhas expansionistas, homogeneidade cultural, religiosa e econômica que o mundo
andino somente iria viver durante o Império Inca. È a era da Pax
Tiahuanaco, que, porém não tardaria a findar.
Realmente, esta denominada era da Pax Tiahuanaco ou do progresso alcançado
dependia, como dependeu de fatores diversos oriundos da geografia e de suas componentes
climáticas próprias do território ocupado.
Tendo sua base econômica estabelecida na agricultura, dependia diretamente dos
fatores naturais, principalmente pluviais, para garantir sua estabilidade econômica e social.
A tecnologia compensou as adversidades naturais e assegurou o progresso
conquistado, mas a natureza nem sempre é domável pela inteligência e pela ação do homem
em suas múltiplas manifestações.
Diversas crônicas mencionam que por volta do ano 950 d.C. teve início um período
de rigorosa instabilidade climática, com grandes baixas pluviométricas, que resultou numa
seca expressiva, verdadeiro desastre ecológico, que avançou por mais de meio século, 1250 a
1310 d.C., causando o colapso de Tiahuanaco. Esta catástrofe não provocou redução na
população andina, mas sim a sua dispersão e desorganização econômica e social de caráter
urbano, conforme esclarece Camargo (2006, p. 45) “O desaparecimento da vida urbana nos
Andes revelou-se conseqüência duradoura do colapso de Tiahuanaco, pois, pelos quatro
44
séculos subseqüentes, os registros arqueológicos não permitem discernir nenhuma cidade na
verdadeira acepção do termo; [...].”
4.3 – O Império Inca
A vastidão andina, habitada por povos de raízes milenares, como collas, aymaras e
quéchuas, executores dos arranjos culturais que embasaram a formação do Estado
Tiahuanaco, vai abrigar, por tempo de meio milênio, a civilização incásica ou Império Inca.
O Império Inca emerge no século XII da era cristã, nas cumeadas andinas, nas
cercanias de Cuzco. Manco Capac surge como seu primeiro Imperador com a denominação de
Inca, reverenciado pelo povo como filho do Sol, exercia o poder supremo e era o chefe do
poder temporal e religioso. Os povos que habitavam a região de Cuzco eram, em sua maioria
quéchua, cuja língua se tornou a oficial do Império.
Manco Capac instituiu as formas essenciais da organização do Império, criando
estruturas normativas, códigos, religião oficial e governança centralizada de caráter
Teocrático. Adotou sistemas de autonomia regional vinculado e dependente do poder de
Cuzco capital do Estado-nação. Teve preocupação insipiente com o sistema de defesa e
expansão do território através de esmerada organização política e exercitado poderio militar.
As origens do Império Inca não são de fácil sustentação histórica por não terem tido a
comunicação escrita e não registrarem os fatos históricos. Seu passado foi reconstruído por
meio das lendas veiculadas pela tradição oral. A maioria dos cronistas e historiadores sustenta
que os Incas aparecem na história em forma lendária e mítica conforme registra Mesa (2007,
p. 50): “Los primeros señores Incas son legendarios, sobre todo Manco Capac cuya figura está
imersa en un amplio ciclo mítico”.
O Império Inca formou uma linha dinástica de 13 Incas, com significado de “chefe,”
“príncipe,” que, a partir de seu fundador Manco Capac até Huayna Capac, se sucederam
cronologicamente por quinhentos anos, sem perder o cunho de unidade, comando e
superioridade sobre o vasto território dominado.
O crescimento do império se deu vagarosamente ao longo do tempo conseqüente a
atuação e desempenho de cada Inca que sucedia ao trono. A escolha de Cuzco para sede do
governo foi demonstrativo de ação inteligente da dinastia incásica. “Para Bauer, o nascimento
45
do Império prende-se à centralização da autoridade e à formação de hierarquia social
estratificada na região de Cuzco [...]” (CAMARGO, 2006, p. 54).
A expansão dos domínios incaicos pela ação militar e subordinação dos povos
dominados, inicia-se com Viracocha Inca o oitavo chefe na sucessão dinástica. Ele
reorganizou o império e como destacado guerreiro dominou os povos visinhos a Cuzco.
Sabedor da discórdia existente entre os chefes dos collas arquitetou um plano para atacar a
região e incorporar o famoso Collao ao seu império, gloria que coube a seu filho o Inca
Yupanqui.
O nono monarca dos Incas é considerado o mais expressivo governante do Império. O
Inca Yupanqui, já admirado pelos seus feitos militares na defesa de Cuzco contra os exércitos
charcas, assumiu o trono e recebeu o nome de Pachacuti.
Pelas suas qualidades guerreiras iniciou a fortificação do Império pela consolidação
das conquistas de seus antecessores. Diligenciou importantes reformas religiosas e
administrativas, ampliou a urbanização de Cuzco e introduziu avançada tecnologia na
agricultura andina. Alargou os limites do império abriu estrada e chegou até Quito onde
instalou o governo do norte. Camargo (2006, p. 54) relata que: “Essa história oficial [...]
associava a grandeza do Império e sua célere expansão territorial ao seu nono Imperador
Pachacuti Inca Yupanqui [...] 1438 a 1471, [...].” Para Mesa (2007, p. 50) [...]; esta expanción
se efectiviza con Pachacuti [...] hasta que el Império de los Incas se afianza con una extensión
que va desde Quito hasta el norte de Argentina y Chile. [...] en el siglo XV. A este monarca le
sieguen Tupac Inca Yupanqui e Huayna Capac, quien lleva al Tahuantisuyo a su máxima
expansión.”
O décimo primeiro monarca a assumir o Império foi Huyana Capac, que completou a
conquista territorial dos domínios incaicos, neutralizando as rebeliões e construindo as
estradas que ligavam as quatro regiões norte, sul, leste e oeste, Tahuantisuyo, a Cuzco centro
político administrativo do Império.
Com a morte de Huyana Capac o Império ficou dividido entre dois de seus filhos
Atahuallpa e Huásca. A guerra pela disputa do poder entre os dois enfraqueceu o Império e
propiciou a Conquista espanhola.
A civilização Inca é referenciada pelos cronistas e historiadores como um dos
grupamentos humanos mais avançados, encontrado pelos espanhóis nas terras do Novo
46
Mundo. Herdeiros acumulados das sucessivas culturas desenvolvidas no hemisfério austral do
continente, durantes séculos, lograram conhecimentos suficientes para organizar uma
sociedade com postulados religiosos, políticos, econômicos e sociais distanciados dos
extremos do individualismo, mas centrados numa integração coletiva de um Estado
multiétnico e flexível.
Para Zeballa (1954, p. 27) “El Tahuyantinsuyo cobijava una población de 12.000.000
de indivíduos, sabiamente governados por un régimen paternalista y socialista, el régimen de
la monarquia teocrática de los Incas, pero cuyos fundamentos económicos reposaban en el
règime colectivista de la tierra.”
Desenvolveram uma filosofia moral e política das mais elevadas na formulação de
critérios fundamentais para a relação de direitos e deveres entre o indivíduo e a sociedade,
conforme abona Camargo (2006, p. 61):
Outros pontos de etos andino igualmente reforçados no contexto inca foram
as noções de auto-suficiência e de reciprocidade, esta última entendida como
equilíbrio entre os deveres do indivíduo para com a comunidade e com o Império e os direitos individuais e comunitários aos alimentos e aos bens
produzidos em contexto coletivo. Não havia familiaridade com os conceitos
de lucro e de mercado, [...].
Afeitos à metalurgia exploraram seus minerais preciosos e acumularam significativos
cabedais, de ouro e prata, até então desconhecidos dos europeus, e que, provavelmente, foi o
germe de sua destruição.
Finalmente, é oportuno enfatizar: “Entre todos os povos e culturas da América pré-
colombiana, a região Andina, área de ocupação do Império Incaico, se destacou pelo alto
nível de organização social e política.” (Inca - O Império de Ouro.
pt.scrib.com/doc/7006228/A, acessado em 07/11/ 2010).
A Conquista do império incaico foi realizada pelo aventureiro espanhol Francisco
Pizarro que procedente do Panamá chegou a Tumbez, em 1528, onde fez contato com os
Incas. Dali levou animais, vestuários e súditos do Inca. De volta à Espanha com estes
elementos comprobatórios obteve da Coroa a condição de governador e capitão geral das
terras e riquezas que descobrisse no reino do Perú.
As conquistas eram de caráter individual; todas as despesas e riscos corriam por conta
do conquistador, enquanto a coroa cedia apenas os direitos potenciais sobre as terras
conquistadas e, em contrapartida, fazia jus a um quinto das riquezas conseguidas.
47
Os conquistadores eram guerreiros hábeis e destemidos treinados em múltiplas guerras
a serviço dos reinóis por terras diversas. Conheciam as tecnologias, técnicas, táticas e
estratégias empregadas nas guerras. Eram profissionais da arte militar. Buscavam a riqueza e
a fama nas aventuras mais adversas e destruidoras.
Pizarro planejou o ataque aos Incas de modo sutil e tenebroso, produzindo abatimento
físico e moral às tropas de Atahuallpa. As armas de fogo e a cavalaria, desconhecidas dos
andinos, foram os fatores destruidores do mais poderoso exercito da América do Sul, em
1532, na batalha de Cajamarca. A prisão do monarca, que se prolongou por oito meses, abalou
o mito do poder divino na crença do povo. A morte de Atahuallpa, 1533, selou a conquista do
império incaico para Pizarro e a coroa espanhola. Conseguiram dominar e usurpar o mais rico
império mundo pré-colombiano.
A cobiça dos conquistadores era desprovida de limites; arriscavam tudo em busca da
possibilidade de ficarem ricos e famosos. Perseguiam por quaisquer meios a busca das
riquezas, praticavam atrocidades de todos os calibres, mesmo emblemados como arautos do
cristianismo. O Individualismo superava a razão, para o rei um quinto, para eles o restante da
conquista.
O resultado do resgate pago por Atahuallpa para Pizarro é demonstrativo da estúpida
política expansionista adotada pelos reis de Espanha. Mesa et al. (2007, p. 90), referindo-se
ao fato, relatam que: “[...] el increible tesouro de los incas fue fundido para repartirse entre los
espanhóles y enviar el quinto real. El resultado fueron 6.087 kilos de oro fino y 11.793 de
plata. [...]. Uno de los botines más fabulosos de la história universal.”
Pizarro continuou a conquista e depois de um ano toma Cuzco; avança para a costa do
pacífico e funda Lima em 1535. Consumada a conquista determina a fundação de Chuquisaca,
em 1538, “para servir de cabeza de pueblo a una extensa región del Collasuyo.”, consoante
Zeballa (1954, p. 38). Continuou à frente do governou do império incaico até sua morte em
1541.
Para consolidar o domínio da coroa sobre as terras dos Incas foi necessária tomar
providências administrativas, determinadas pelo próprio monarca, para restabelecer a ordem e
implantar o ordenamento territorial da colônia. Foram criados os vices reinados do Peru, em
1543, como autoridade regional administrativa, com sede na cidade de Lima e a Real
Audiência de Charcas, em La Plata ou Chuquisaca (Sucre), como a mais alta corte de justiça
48
da Espanha na América espanhola. Fez parte do Vice-Reino do Peru e depois do Vice-Reino
do Rio da Prata.
A descoberta das minas de Potosi provocou uma verdadeira revolução migratória para o
chamado Alto Peru. Além do aumento da população andina, ocorreu a formação de núcleos
urbanos importantes como Potosi: “Foi fundada, em 1546. Em 1611, já era a maior produtora
de prata do mundo e tinha à volta de 150.000 habitantes. Alcançou seu apogeu durante o
século XVII tornando-se a cidade mais rica do mundo, devido a exploração de prata enviada
à Espanha” (POTOSI INTERNET ).
As sucessivas descobertas de novas minas de ouro e prata no território dos Incas
originaram o aparecimento de novos núcleos urbanos que consolidou a colônia espanhola,
com melhoria do nível de vida das populações e, na área cultural, a «fundação universidade de
Chuquisaca» ou Charcas.
É importante acentuar que a partir de Pizarro, 1533, incluindo os três séculos dos vice-
reinados, até o movimento de independência (1809-1825) dos países andinos e platinos, todas
as cidades da colônia espanhola da América meridional, já estavam fundadas.
4.4 – Expansão Territorial do Brasil
A expansão territorial do Brasil iniciou-se com Martim Afonso de Souza pela costa
brasileira, que a percorreu de note a sul, chegando ao rio da Prata e de volta deste estacionou,
em São Vicente, por volta de 1532.
Fundou duas vilas a de São Vicente na ilha homônima e a outra no planalto às margens
do rio Piratininga. Distribuiu terras, fundou vilas e iniciou a agricultura com o plantio da cana
de açúcar. “Iniciou, enfim, a administração, dando efetivo começo ás atividades sociais dos
primeiros núcleos de população fixa do país.”, consoante Vianna (1961, p. 60),
complementado por Calógeras (1972, p. 8): “Com este fidalgo notável, soldado valente e
brioso tanto quanto estadista de valor, começa pròpriamente a história do Brasil”.
Em 1554 os padres jesuítas fundaram a vila de São Paulo, no planalto de Piratininga.
Os campos férteis do planalto despertaram a atenção dos colonos de outras áreas, resultando
num aumento rápido de população e desenvolvimento agrícola. A partir, de então, tornou-se o
49
centro irradiador das expedições e incursões que adentraram o interior dos sertões em busca
de índios, minas de ouro e de prata, em marchas terrestres e expedições fluviais, com
denominações diferentes como entradas, bandeiras e monções ainda indefinidas, como precisa
Washinton Luis, 1956 (apud GÓES FILHO, 2001, p. 89) [...] “apesar das honestas e
exaustivas investigações sobre as ‘entradas ao sertão, até agora feitas, ainda não se escreveu
sobre elas a palavra definitiva”.
Os autores mais credenciados no estudo desses movimentos não têm externado
maiores preocupações em definir as diferentes formas assumidas pelas expedições paulistas,
mas considerá-las a todas como “bandeiras ou bandeirismo”, como o fizeram Capistrano e
Taunay na afirmação de Goes Filho (2001, p. 91). O que procuraram adentrar e detalhar
foram os resultados das expedições paulistas na ação indômita de prear índio, descobrir minas
e de curvar as fronteiras terrestres do Brasil para além no domínio espanhol de Tordesilhas.
No inicio da colonização em São Paulo, praticaram as primeiras investidas contra
índios agressivos das bandas do Tiete e do Paraíba. O avanço e utilização dos campos nas
fainas agrícolas cedo levaram os mamelucos de Piratininga a apresar índios para trabalho
escravo. As bandeiras se alastraram pelo litoral e se embrenharam pelos sertões ínvios para o
nordeste, leste, sul e depois para o centro oeste e norte.
No final do século XVI os espanhóis do Paraguai iniciaram a catequese jesuítica com
êxito em Guaíra que compreendia os territórios limitados pelos rios Paranapanema, Paraná e
Uruguai, e “Treze colônias fundaram os jesuítas no Guairá, [...].”, afirma Mello (1958, v. 2,
p. 133); o autor continua nomeando a todas; e levaram o trabalho de amansamento dos
silvícolas até o rio Paraguai e o Itatin. Juntaram uma grande população indígena e atingiram
grande progresso na educação e nas artes.
Raiavam as primeiras décadas do século XVII e o temível bandeirante Miguel Preto
buscava índios às centenas pelas bandas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Não demorou muito e entra em ação o descabido plano de Antonio Raposo Tavares,
Mello (1958, v.1, p. 113) “urdiu plano de investir contra as reduções de Guaíra. [...],
associado a Miguel Preto, de atacar as reduções do Guaíra onde podia acometer aldeias
cristianizadas, apresar índios mansos em quantidades e condições lucrativas. Em ação violenta
e inclemente destruíram tudo. Prosseguindo a execução do plano para o Paraná -Tape e
50
Paraguai – Itatin. “De 1628 a 1638, Raposo destruiu o Guaíra e o Tape” (MELLO, 1958, v.1,
p. 142).
A destruição foi de tal monta que, amedrontados os nativos, a região permaneceu vazia
por mais de duas centúrias, vindo não por ação política dos bandeirantes, mas por puro
abandono a fazer parte das terras e das fronteiras do Brasil.
Os bandeirantes nunca estiveram presos ás terras devassadas; nelas buscavam
exclusivamente a colheita do índio. O período dos seiscentos foi dominado pelas bandeiras
que por caminhos incertos perlustraram diversas regiões do Brasil num expansionismo
nômade.
As monções foram a continuação das bandeiras; de caráter puramente fluvial ligaram o
planalto de Priratininga às terras do oeste. Tiveram seu começo com a descoberta do ouro de
Cuiabá consoante afirmam Góes Filho (2001, p. 146) e Mello (1958. p. 152). A fundação da
vila de Cuiabá proporcionou a descoberta do ouro do Guaporé, de Goiás que com o das
“minas gerais” formaram o eldorado do Brasil.
Os dois primeiros sítios já se implantaram a mais de mil quilômetros a oeste do
meridiano de Tordesilhas, o rio Guaporé com o rio Madeira e o Amazonas formam a monção
do norte, Vila Bela Belém; a junção Jaurú com o Paraguai descia para o Prata. A expansão
territorial do Brasil, na primeira metade dos oitocentos, já estava aumentada de dois terços do
relativo ao Tordesilhas.
4.5 – A Dissertação de Delisle
Os trabalhos diplomáticos para definir os limites entre as Coroas de Portugal e Espanha,
concernente ao tratado de Tordesilhas, estavam em andamento e com certo progresso entre as
partes quando, em 27 de novembro1720, os portugueses foram surpreendidos por Mr. Deslile
l’Ainé, geógrafo do rei da França, pela a apresentação de sua dissertação na Academia das
Ciências de Paris, na qual verificou que os cálculos de longitudes dos portugueses não
condiziam á sua soberania na margem esquerda do Rio da Prata e nos territórios do Cabo
Norte, linde com Guiana Francesa, demonstrando avanço português nas terras espanholas na
America do Sul:
51
On verra bientôt que les Moluques tomboient dans le partage des Portugais,
contre la situation que les Cartes ordinaires donnent à ces Isles. Mais il n’en
est pas de même de la Colonie que les Portugais ont établie à l’embouchure de la Rivière de la Plate. [...]. C’est encore plus mal-à-propos que les
Portugais nous ont cite la même Bulle d’Alexandre VI, dans le temps des
differents que nous avons eus avec eux pour possession du Cap du Nord à
l’entrée de la Rivière dês Amazones. Car nôtre Colonie de Cayenne, ètant à 324 degrés Є demi de longitude par les Observations de l’Academie, les
distances particuléres marquées dans nos Portulans, jointes aux rumbs de
vent depuis cette Isle jusu’au Cap du Nord, ne donnent que 2 degrès 20
minutes entre ces deuqx places. Ce qui est encore 3 degrés 20 minutes em
deçá de cette Ligne. (l’AINÉ, 1720. IN: CORTESÃO, SD, p. 206 ).
4.6 – Reorganização da Ciência Geográfica em Portugal
O assunto teve grande repercussão e D. João V tomou providências imediatas para
reativar o estudo da geografia em Portugal e, para tanto, ordenou a contratação de
geógrafos, astrônomos, matemáticos e cartógrafos. Especialistas de várias nações européias
vieram a Lisboa, sendo dois deles os padres jesuítas Diogo Soares e Domingos Capassi,
enviados ao Rio de Janeiro em 1729 para o que Cortesão (2006, t.2, p. 7-26) intitulou:
4.7 – Os Padres Matemáticos e os Limites de Tordesilhas
Nela o autor explica os principais objetivos dos Padres Cartógrafos. Em primeiro plano
estava a determinação de fazerem mapas do Brasil; estudar os limites de soberania das duas
Coroas em relação a Tordesilhas na America do sul por meio de longitudes observadas; o Pe.
Capassi instalou um observatório no morro do Castelo e determinou o meridiano do Rio de
Janeiro em relação ao meridiano de Paris. A partir daí “traçou o «Novo Atlas do Brasil» com
as longitudes referidas ao meridiano do Rio de Janeiro, com o objetivo de “esconder o
conhecimento das longitudes a partir dos meridianos, habitualmente empregados”
(CORTESÃO, t.2, p. 14),.
O uso do meridiano do Rio de Janeiro prendeu-se a artifício matemático concebido na
cartografia para desviar os limites da expansão portuguesa para leste em relação ao meridiano
de Tordesilhas, com conseqüente aumento da soberania lusa. Foi de grande importância para
compor o “Mapa das Cortes”, peça valiosa para a negociação do Tratado de Madri.
52
4.8 – Termos do Tratado
“TRATADO DE LIMITES DAS CONQUISTAS ENTRE
Os muito Altos e Poderosos Senhores D. JOÃO V, REY DE PORTUGAL E D.
FERNANDO VI, REY DE ESPANHA
Pelo qual Abolida a demarcação da Linha Meridiano, ajustada no Tratado de
Tordesilhas de 7 de junho de 1494, se determina individualmente a Raya dos domínios de
huma e outra Coroa na América Meridional.
A DE PORTUGAL
Renuncia ao direito, que alegava ter as ilhas de Filipinas, pelo dito Tratado de
Tordesilhas, e pela Escritura de Saragoça de 22 de Abril de 1529; e sede a Espanha a Colônia
do Sacramento, e o Território da margem Setentrional do Rio da Prata, que lhe pertenencia
pelo Tratado de Utrecht de 6 de Fevereiro de 1715, como também a Aldeia de S. Chistovão, e
terras adjacentes, que tinhão ocupado os Portuguezes entre os rios Japurá e Isa, que desaguão
no das Amazonas.
A DE ESPANHA
Renuncia todo direito, que pelo dito Tratado de Tordesillas alegava ter as terras
possuídas pelos Portugueses na América Meridional ao Ocidente da Linha Meridiana,
ajustada naquelle Tratado; e cede a Portugal todas as terras, e povoações da margem Oriental
do Rio Uruguay, desde o Rio Ibicui para o Norte, e a Aldeia de Santa Rosa, e outra qualquer
estabelecida pelos Espanhões na margem Oriental do Rio Guaporé.
COM OS PLENOS-POBRES, E RATIFICAÇÕES DOS DOUS MONARCAS.
Assignado em Madrid a 13 de Janeiro de 1750.
Impresso em Lisboa. Anno de M.DCC.L.
Na officina de Joseph da Costa Coimbra [...] ”
(CORTESÃO 2006, t.2, p. 361-375).
Composta a folha de rosto o Tratado é iniciado por um longo exórdio, «EM NOME
DA SANTÍSSIMA TRINDADE», onde os reis de Portugal e Espanha manifestam o desejo de
determinar os limites territoriais «das duas coroas na América», estabelecidos pelo meridiano
de Tordesilhas, e que o avanço das conquistas de ambas as partes tem ocorrido com incerteza
53
e dúvidas por não haverem, até agora, buscado os verdadeiros limites de seus domínios “E
considerando as dificuldades invencíveis [...] de assinalar-se esta Linha com o conhecimento
prático, que requer; resolveram examinar as razões e dúvidas, que se oferecem por ambas as
partes, e à vista delas concluir o ajuste com recíproca satisfação e conveniência”
(CORTESÃO, 2006, t.2, p. 362).
Consideradas as alegações de ambas as coroas, concernente aos avanços, para oeste e
para leste do meridiano de Tordesilhas, praticado por Portugal na América Meridional e por
Espanha na Ásia, determinam as condições básicas para acordar os termos do Tratado:
Os Sereníssimos Monarcas [...] resolveram pôr têrmo às disputas passadas e
futuras [...] que possam influir na divisão dos seus Domínios por Linha
Meridiana; e querem que ao diante não se trate mais dela, reduzindo os Limites das duas Monarquias aos que se assinalaram no presente Tratado;
sendo o seu ânimo que nêle se atenda com cuidado a dois fins: O primeiro e
mais principal é, que se assinalem os Limites dos dois Domínios, tomando
por balisas as paragens mais conhecidas, para que em nenhum tempo se confundam, nem dêem ocasião a disputas, como são a origem, e curso dos
rios, e os montes mais notáveis: O segundo que cada parte há de ficar com o
que atualmente possui, à exceção das mútuas cessões, que em seu lugar se dirão; as quais se farão por conveniência comum, e para os Confins fiquem,
quanto for possível, menos sujeitos a controvérsias (CORTESÃO, 2006, t.2,
p. 365).
O primeiro princípio referia-se às fronteiras naturais pela segurança advindas de suas
condições de acidentes geográficos e, portanto, incólume às disputas futuras; o segundo
princípio, oriundo do Direito romano, com a denominação de uti possidetis, que assegurava o
direito de propriedade pelo uso da terra, ou seja, «atribuir à ocupação de fato o valor de
direito»; e ainda abrindo a possibilidade da trocas por partes equivalentes. É oportuno
registrar que estas proposições básicas facilitaram as negociações dos limites dos domínios
ibéricos, na América do Sul, decididos de forma plana e serena pelo “Tratado de Madri o
segundo grande marco da História da Formação das Fronteiras do Brasil” (GÓES FILHO,
2001, p. 49).
O Tratado de Madri, discriminado no texto definitivo, é formado por XXVI artigos
que, em seu conjunto, delineia a estrutura geográfico-jurídica que define os direitos de
Portugal e Espanha, na porção austral do território americano, desde os domínios do rio da
Prata aos do rio Amazonas.
O Artigo I estabelece que o Tratado passa a ser o único fundamento e regra para o
tratamento de divisas e limites entre os dois Domínios.
54
O Artigo II assegura à Espanha a posse das Filipinas.
O Artigo III passa à pertença da Coroa Portuguesa as áreas ocupadas pelo rio
Amazonas e o distrito de Mato Grosso.
O Artigo IV e V passam para Portugal as fronteiras do Sul nos limites do rio Uruguai,
Lagoa Mirim e Rio Grande de São Pedro. E até o rio Paraná.
O Artigo VI continua os limites até atingir os rios Paraguai e Jaurú.
O Artigos VII, VIII e IX continuam os limites pelo Jaurú, Guaporé, Mamoré, Madeira,
Amazonas, Javari, Japurá e Orenoco.
Os Artigos X, XI e XII definem as regras para limites nas ilhas fluviais.
Artigos XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XXIII tratam da cessão de Portugal para Espanha
da Colônia do Sacramento, marcará a data da entrega e fazem permutas referentes a limites
definidos Sul e Norte.
Artigo XVIII trata da navegação nos rios de Fronteira.
Artigo XIX trata da criação pelas duas Nações de normas e leis para o comércio.
Artigo XX proíbe fortificações nos cumes dos morros fronteiriços.
O Artigo XXI trata do interesse das Coroas de, no caso de guerra entre elas,
permanecerem em paz os súditos da América do Sul.
O Artigo XXII determina a criação de comissões para corrigir dúvidas de por onde
passa a raia, não nomeados nos artigos anteriores.
O Artigo XXIV declara que as cessões contidas nos artigos do Tratado devem ser
respeitadas em sua totalidade.
O Artigo XXV assegura aos Contratantes a obrigação recíproca da defesa de toda a
Fronteira em seus domínios na América do Sul.
O Artigo XXVI assegura a perpetuidade do acordo, mesmo em caso de Guerra entre
elas.
As linhas de delimitação estabelecidas pelo Tratado de Madrid mostram, nos mapas,
o perfil geográfico do Brasil atual, com um território dois terços a maior do que o estabelecido
pelo Tratado de Tordesilhas, como abona Goes Filho (2001, p. 166): “Na realidade, ao se
olhar um mapa do Brasil com a linha reta de Tordesilhas e a foice do Tratado de Madrid, tem-
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se a impressão de que a Espanha cedeu muito: afinal, cerca de dois terços do território
nacional são constituídos por terras extras Tordesilhas”.
Como vimos, a expansão territorial do Brasil decorreu de muitos fatores, que se
arrastaram na linha do tempo, vagarosamente, por mais de dois séculos, demonstrando um
certo desinteresse da metrópole pela a colônia. O processo se inicia no século XVI com as
«Entradas pioneiras» de ocupação no litoral leste; no século XVII, as «bandeiras paulistas»
avançando para o Sul e Centro-Oeste; no Norte a fundação de Belém, a presença das missões
religiosas no Amazonas e a fundação da colônia do Sacramento nas margens do rio da Prata;
inicia o século XVII com as descoberta do ouro das minas gerais, de Goiás e de Mato Grosso,
ensejando a comunicação entre São Paulo e Cuiabá, pela monções cuiabanas. Relevante
destaque deve ser dado para as Entradas, Bandeiras e Monções, como movimentos da
ocupação e expansão do território brasileiro na fase colonial. Estes movimentos foram os
responsáveis pelas descobertas dos novos espaços e dos caminhos fluviais, que ligava os
extremos da colônia entre rio Amazonas ao Norte e o rio da Prata no sul.
Estes movimentos foram os responsáveis pelas descobertas dos novos espaços e dos
caminhos fluviais, que ligavam os extremos da colônia entre rio Amazonas no longínquo
Norte e o rio da Prata no extremo Sul.
Durante esses dois séculos e meio ocorreu uma expansão territorial desordenada, sem
noção de lugar e distância, gerando um imenso território totalmente amorfo, produtor de
conflitos entre os domínios, pelas obrigações geopolíticas de Tordesilhas e a ausência
completa de recursos humanos versados na diplomacia, com condições científicas nos campos
da geografia, astronomia, e cartográficas, imprescindíveis à construção de um projeto de
limites, com elaboração técnica e científica, para atender as exigências políticas, geográficas,
econômicas e sociais dos Estados- nacionais confrontantes.
Portugal, muito mais do que Espanha, na primeira metade dos anos setecentos,
desfrutava de excelente desenvolvimento científico nas áreas da geografia, da matemática e da
astronomia, para realizar trabalhos de mapeamento, com longitudes observadas, capazes de
oferecer posições exatas de acidentes geográficos através da cartografia.
Para realizar os levantamentos geográficos do território brasileiro na América do Sul
foi, além das condições técnicas mencionadas, a vontade desmedida de D. João V Rei de
Portugal e a presença de um brasileiro na alta função de Secretário do rei e encarregado dos
assuntos do Brasil na Corte e no Conselho Ultramarinho, Alexandre de Gusmão.
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Desde cedo iniciado nos negócios de Estados como auxiliar de embaixadores de
Portugal em diferentes países da Europa, ávido de saber, buscou à área do direito em Coimbra
e na Sorbone, adentrou-se na intimidade das ciências exatas e sociais e preparou-se para
entender os homens e o mundo, nos labirintos das Cortes. Ficou durante longo tempo como
gestor dos problemas do Brasil na Coroa portuguesa, ressaltando-se o Tratado de Madrid,
produto puro de seu engenho e arte.
Cortesão (2006, t.1, p. 9) mostra que foi “Alexandre de Gusmão [...] o estadista, que
primeiro traçou as fronteiras do Brasil com a parte restante do continente. O ciclope que
ergueu e sopesou este mundo. O homem de ciência, que, durante quinze anos, estudou o
problema sob todos os aspectos: geográfico e geopolítico, econômico, etnográfico, jurídico e
diplomático.” E conclui o Barão do Rio Branco (1946, p. 24) “1750 – Tratado de Madri,
fixando os limites entre os domínios de Portugal e Espanha na América. [...] O verdadeiro
negociador do tratado foi o ilustre paulista Alexandre de Gusmão, embora o seu nome não
figure neste documento.”
4.9 – Consequências do Tratado
As principais conseqüências do Tratado de Madrid foram: Anulação do Tratado
de Tordesilhas; Ampliação do território do Brasil em dois terços em relação à Tordesilhas;
Fixação dos limites do território e criação dos lindes terrestres com os dez vizinhos; Divisão
do continente e surgimento da liberdade e da independência, na América do Sul (FIGURA 2).
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FIGURA 2 - Expansão territorial do Brasil. Fonte: Editora Lago baixado da Internet em 12/12/2013
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5 – PERÍODO COLONIAL (1761 – 1808)
A dominação Ibérica na América do Sul foi eivada de diferenças políticas e ações
comuns nos processos de domínio e posse, que se fez presente, nas disputas de territórios,
entre Impérios e Coroas.
Espanha e Portugal se posicionaram num expansionismo formidável, buscando
ocupação e domínio das regiões mais promissoras de riquezas naturais e posições estratégicas,
no desenrolar dos duzentos e cinqüenta anos que decorreram entre o Acordo de Tordesilhas e
o «ato jurídico-internacional» denominado Tratado de Madrid, firmados entre eles.
Período difícil e rusguento, de avanços e recuos, que buscou, pelos esforços
diplomáticos das duas Cortes, um acerto de limites dos territórios ocupados e definidores dos
seus domínios sul americanos.
O Tratado de Madrid, de 1750, foi trabalhado por dois insignes negociadores,
Alexandre de Gusmão, pela Coroa Portuguesa, e Carvajal y Lancaste, pelos interesses de
Espanha, que lograram por concluir um trabalho de exemplar profundidade tanto relativo às
Coroas quanto às Colônias sul-americanas.
Foi sancionado pelas consciências amistosas e sensatas dos Soberanos D. João V, de
Portugal, e Fernando VI, de Espanha e recebeu, dentre outros respeitados historiadores, os
aplausos de Southey (1965, v.6, p. 11-12):
A linguagem e o teor deste memorável tratado estão dando testemunho da sinceridade e boas intenções das duas cortes. Parecem na verdade os dois
soberanos contratantes ter-se adiantado a seu século. Procederam com uma
lealdade, que quase pode considerar-se coisa nova na diplomacia, e tentando
estabelecer perpétua paz nas suas colônias, fossem quais fossem as disputas que entre eles se suscitassem na Europa, puseram um exemplo digno de
recordar-se como meio praticável de minorar os males da guerra.
5.1 – Tratado de El Pardo
O Tratado de El Pardo, 1761, apesar de expressar o efetivo desejo de paz duradoura
entre as colônias, a realidade política das cortes ibéricas foi de tal modo instável, que
provocou sucessivos desacertos na manutenção do próprio Acordo.
Mal se iniciava o árduo trabalho de demarcação das fronteiras estabelecidas e a
situação política das Coroas ibéricas sofre um golpe abrupto e contraditório, com o
falecimento dos reis D. Fernando VI da Espanha e D. João V de Portugal.
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Falecidos os Monarcas contratantes, assumem a Coroa da Espanha o rei Carlos III e a
de Portugal o rei D. José I. Estes mandatários não alimentavam simpatia pelo Tratado de
Madrid e buscaram, sem perda de tempo, a sua anulação por ato de 12 de fevereiro de 1761,
denominado Tratado de El Pardo.
Contendo apenas três artigos, inicia-se nos seguintes termos: Art. I – “Declara
cancelado, cassado e anulado para todos os efeitos o Tratado de 1750, de sorte que todas as
coisas pertinentes a limites, na Ásia e América, se restituam aos termos dos antigos tratados,
pactos e convenções que vigoraram antes de 1750”.
Tudo retornava às raias do meridiano de Tordesilhas de 1494. Sobre os transtornos
do advento do Tratado, explicita Mello (1959, v.2, p. 31):
A esse recuo no papel devia corresponder, para cada uma das metrópoles,
largo recuo em suas linhas de ocupação para trás do meridiano, isto é, os portugueses, na América, deixariam para os espanhóis a Amazônia, o Prata,
a bacia do Paraná-Paraguai etc. e os espanhóis restituiriam, na Ásia, as
Filipinas e Molucas. [...] nem Portugal e resignaria à perda da Amazônia e das mais terras palmilhadas e conquistadas pelos bandeirantes em quase duas
centúrias de arremetidas para Oeste. É de pasmar como Portugal, maior
beneficiário daquele convênio, tenha admitido sua ab-rogação.
Felizmente esse desmantelo reinol não se consolidou, apesar das artimanhas do
Marques de Pombal contra Alexandre de Gusmão e os jesuítas. O ato tomado pelas cortes foi
de uma ausência de bom senso e desconhecimentos das realidades políticas e geográficas de
seus domínios coloniais, na América do Sul e na Ásia, que provocou desajuste para elas na
Europa e para seus súditos de ultramar, em especial para os portugueses do Brasil.
A Europa sempre viveu em disputas dinásticas, principalmente entre Habsburgos e
Bourbons, provocando guerras de domínios entre países coligados a cada dinastia.
Este processo político avançou no tempo e desajustou a política européia com o
chamado Pacto de Família, conforme Mello (1959, v.2, p. 34): “assinado em Paris, em 15 de
setembro de 1761, entre os ramos da casa de Bourbon, contra a Inglaterra.”
Sendo Portugal aliado desta, entra em guerra com a Espanha e a França, pouco
depois da ab-rogação do Tratado de Madrid. Essas guerras da Europa tiveram repercussões
inusitadas entre luso-brasileiros e hispano-americanos, com violentos avanços e recuos sobre
os limites já demarcados em 1750.
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Apesar do restabelecimento diplomático, pelo tratado de paz, de Madrid, 1763, entre
as nações ibéricas, a paz nas suas colônias sul americanas não se fez presente. Pelo contrário,
a discrepância, a animosidade e a discórdia cresceram com a incerteza das raias possessórias
decorrentes da ab-rogação do Tratado de Madrid.
O Tratado de El Pardo era inconcebível para as colônias americanas, pois, implicava
em perdas e devoluções territoriais.
A volta ao meridiano de Tordesilhas era de realização extremamente difícil
conforme explica Mello (1959, v.2, p. 197) “Portugal se havia estendido até o rio da Prata, até
o rio Paraguai, ao Guaporé, ao Solimões, ao Negro. Sobre ser impraticável, era desumano e
injusto.”, qualquer ação retroativa nos limites acordados em 1750.
E ainda sobre o fato se expressa Guilherme (1959, p. 20):
[...] a convenção de Pardo determinou [...] o restabelecimento do estado de
coisas antes existentes, origem das graves vicissitudes por que passou toda a região fronteiriça do Prata e do Norte até a ascensão ao trono português da
Rainha D. Maria I, hábil negociadora junto à Corte de Madri, onde seu
irmão, Carlos III, teve que ceder a uma acomodação amigável das
divergências pendentes.
5.2 – Tratado de Santo Ildefonso
Decorrente dessa rara harmonia dinástica entre as coroas ibéricas nasce o Tratado de
Santo Ildefonso assinado, em 1º de outubro de 1777. Não foi de todo favorável a Portugal,
que teve de ceder à Espanha a Colônia do Sacramento, grande parte do Rio Grande e as
possessões da Ásia, porém restabeleceu os princípios básicos acordados em Madri e aplacou
as desavenças e agressividades reinantes entre as colônias, pelo menos numa paz aparente.
As fronteiras que não foram estremadas por acidentes naturais, sofreram
retardamento indefinido de execução, por motivos vários, e permaneceram como raias
flutuantes na cambiagem sucessiva dos tratados ibéricos.
O tratado de Santo Ildefonso, apesar de ter nascido e existido em período de
governança familiar nos dois reinos, não produziu os resultados esperados atinentes a
transmutação, para a Espanha, das fronteiras já ratificadas para Portugal, pelo acordo
diplomático de 1750.
Foi apenas um Pergaminho Diplomático de curta duração e de estrutura jurídica
insegura, por ser indeterminada, conforme reza já em seu preâmbulo: «Tratado Preliminar,
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que servirá de base e fundamento ao Definitivo de Limites, que se há de entender a seu tempo
com a individuação, exação e notícias necessárias...»
Adormecido no berço da intenção preliminar, desnutrido de recursos humanos e
técnicos, não vislumbrou o «fundamento ao Definitivo de Limites» nos domínios da América
austral e, por tal razão, perdeu a sua validade jurídica, como abona Varnhagen (1975, t.4,
p. 269):
As duas nações não conseguiram os fins a que se haviam proposto e o tratado não
passou nunca de preliminar, levando-se de seus artigos à execução
unicamente aqueles que diziam respeito à entrega da artilharia e prisioneiros.
O negociador lesado pôs-se à mira da primeira aberta, e logo que ela lhe apareceu, ao cabo de tão poucos anos e tão razoável, deu tudo por nulo. E os
fatos depois proclamados, de novas nacionalidades, vieram sancionar essa
nulidade, reduzindo as questões aos Uti-possidetis, [...].
5.3 – Tratado de Badajóz e Translado da Família Real Portuguesa
Portugal e Espanha desfrutavam convivência pacifica entre o final dos séculos
XVIII e inicio do XIX, quando foram alcançados pela turbulência política, reinante em quase
toda a Europa, imposta por Napoleão Bonaparte, herdeiro da revolução francesa e imperador
da França.
Portugal, reconhecendo sua condição de nação pequena diante das grandes potências
européias, tentava firmar-se, no xadrez continental, numa condição de neutralidade política
frente às disputas reinantes entre, principalmente, a França e a Inglaterra, pela hegemonia
marítima e comercial do globo, envolvendo as colônias ibéricas da América.
A Rainha D. Maria I, dotada de singular sensibilidade religiosa e política, teve sua
saúde abalada e chegou a afastar-se da razão e do cargo por reveses diversos como aclara
Varnhagen (1975, t.5, p. 9-10): “A rainha debilitada em suas faculdades mentais, em virtude
dos embates [...] e finalmente pelas angústias sofridas com as ameaças da revolução francesa
contra o seu reino e família real, teve que resignar o governo no seu segundo-gênito, já
príncipe do Brasil, que com o nome de D. João VI, veio depois de sua morte a suceder-lhe no
trono.”
D.João VI, príncipe regente, conduzia Portugal em estratégia de dupla mão, mantendo
neutralidade política com a Espanha, aliada da França, e amplas relações comerciais com a
Grã-Bretanha, fato que não agradava Napoleão.
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Para completar mais ainda o desagrado de Bonaparte com Portugal, foi ele constatar a
presença de navios portugueses na esquadra inglesa, sua inimiga, quando de sua expedição
para o Egito, cuja estratégia era bloquear a passagem da Inglaterra para a Índia e o Oriente.
E jurou, abona Varnhagen (1975, t.5, p. 27): “[...] que tempo viria em que a nação
portuguesa pagaria com lágrimas de sangue a afronta que fazia a República Francesa.” Ao ser
proclamado primeiro cônsul da França, em 1799, sentiu chegar o tempo oportuno para
cumprir a jura de antanho.
Napoleão barganhou com Carlos IV pressionar Portugal a cumprir um conjunto de
despropositadas concessões, pacificamente, ou fazê-lo pela capitulação numa guerra contra
Espanha e França. Pela recusa de D. João VI a guerra foi declarada, em fins de fevereiro de
1801, pela aliança franco-espanhola, entretanto, teve suas operações postergadas para meados
de maio por entender o rei da Espanha a necessidade de tentar um entendimento “com os
portugueses para se deixarem invadir e pedirem a paz, antes que as tropas francesas pudessem
chegar, e entrassem em ação. A campanha durou duas semanas”, explica Varnhagen (1975,
v. 5, p. 28- 29).
Analisado o poderio bélico da Espanha e de Bonaparte, Portugal preferiu ceder às
exigências dos franceses, aceitando um tratado de paz, em 6 de junho de 1801, O Tratado de
Badajóz, firmado pelo Príncipe Regente de Portugal D. João VI , Carlos IV rei da Espanha e o
embaixador francês, Luciano Bonaparte..
Não satisfeito com o Acordo, Napoleão empenhara-se pela sua não ratificação,
entretanto, esta já se efetuara, desde o dia 11 por Espanha e desde 14 por Portugal.
Diante das circunstâncias, vencidas suas pretensões de um contrato mais severo contra
a Inglaterra e com maiores vantagens fronteiriças, obrigando Portugal a conceder-lhe parte do
território do Amapá, no Brasil, para criação da Guiana Francesa, Napoleão teve que se
acomodar no horizonte da vontade.
Inconformado, pressionou um novo Tratado de Portugal com a França. O Príncipe
Regente, solertemente, aceitou as exigências e assinou em Madri, em 29 de setembro de 1801,
novo contrato e se apressou para que esse fosse ratificado, continua Varnhagen (1975, t.5,
p. 28- 29):
Antes que esse tratado fosse ratificado, assinalava-se em Londres, logo
depois de sua data, no 1º de Outubro, uns preliminares de paz, em que se
incluía a cláusula (Art.. VI) de que “os territórios e possessões de S. M. F.
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seriam mantidos em sua integridade.” Em virtude dessa cláusula, foi
declarada sem efeito outra concessão do segundo tratado de 29 de Setembro,
alargando a fronteira da Guiana ao Carapanatuba, vindo em Amiens (29 de março de 1802) a declarar-se validas as estipulações anteriores .
A notícia da guerra entre Portugal e Espanha chegou atrasada nas colônias. Na
Província de São Pedro do Rio Grande chegou depois da trégua com a derrota de Portugal.
Desconhecendo o ocorrido os luso-brasileiros declararam guerra aos espanhóis e nas
afirmações de Caldeira (2006, p.36) e Gomes (2007, p. 114) “as tropas portuguesas tomaram
uma vasta área, desde o território das Missões, no oeste do Rio Grade do Sul, até o rio
Jaguarão no sul.”
No Paraguai a notícia chegou antes e os hispano-americanos se propuseram a invadir
Mato Grosso para recuperar as fortificações luso-brasileiras, sobretudo, o Forte de Coimbra,
na margem direita do rio Paraguai. Para tal, com certa antecedência, Lázaro de Ribeira,
Governador do Paraguai, preparou o plano para atacar o Forte de Coimbra, «guerra de 1801»,
com flotilha de guerra e tropas terrestres.
Rechaçado, heroicamente, por Ricardo Franco de Almeida Serra e sua guarnição,
outra opção não lhe restou do que retornar a Assunção, amargando a derrota padecida. Para
Pereira (2007, p. 157): “Conseqüências da vitória luso-brasileira, em 1801. A resistência do
Forte de Coimbra proporcionou a consolidação da posse portuguesa da área litigiosa, na
margem direita do Rio Paraguai, pela figura jurídica do jus belli, ou seja, o direito da posse
consagrado pela vitória em ato de guerra.” O restante dos limites, para Oeste, continuou como
estabelecidos pelas demarcações de 1750, completando o contorno geográfico preliminar do
Brasil.
As dificuldades de comunicação ensejaram a Portugal ganhar no Brasil muito mais do
que perdera na Europa, Olivença, quando da capitulação de Badajóz, em 1801.
As nações ibéricas sempre estiveram em convivência política desajustada, por motivos
vários, e, principalmente, a partir da descoberta da América. De então, iniciaram uma
cambiagem de tratados, com avanços e desavanços, que dificultou os trabalhos de demarcação
dos limites, como explica Ricardo (1954, v.1, p. 63-64):
Depois do de 1750 vem o de 1761 que o revogou, restabelecendo o de 1494
– o tordesilhano. Vem o de 1777, o de Santo Ildefonso, que revogou o de
1761 e restabeleceu o de 1750, em assuntos de limites e a respeito de posse. Vem o de 1801, o de Badajóz, que anulou o de 1777, mas reforçou o que
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havia de mais importante no de 1750; ou como diria Rio Branco,
restabeleceu o nosso direito primitivo sobre a região do Alto Purus e do Alto
Juruá. [...] (¹) Em maio de 1801 reacendem-se as hostilidades entre os dois
países: e – o que foi pior – a guerra se estendeu à América. Com a vitória das armas luso-brasileiras, é assinado, a 6 de junho do mesmo ano o tratado de
paz de Badajóz, que determinou conservasse Portugal em seu domínio o
território ocupado até essa data. Mas uma vez se firma, então uti possidetis,
obtido agora pelas armas.
A Guerra de1801 entre Portugal e Espanha, também referida, de modo ledo, como
“Guerra das Laranjas,” e tida como prelúdio da Guerra Peninsular, terminou com o Tratado de
Badajóz.
Dele emergiu melhores condições de equilíbrio para os dois reinos, mesmo pelas
armas, especialmente na América, por, pelo menos, duas razões importantes: a primeira –
deixou de restabelecer o status quo ante bellum o que proporcionou manter Olivença para a
Espanha e o sudoeste do Rio Grande do Sul para o Brasil, mantendo como definitivos os
limites territoriais já definidos e ratificados pelo Tratado de Madri de 1750; a segunda – foi
ter ensejado a transferência da sede da monarquia portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro,
1808; o término dos litígios territoriais entre as colônias ibero-americanas do período
colonial; e marcado a configuração geográfico do Brasil, muito próximo do Mapa atual.
O Brasil foi o maior favorecido na sua expansão territorial, resultante das desavenças
luso-espanholas, do que da pressão política de Napoleão Bonaparte imposta pelo tratado de
Madri, 1801. As desavenças evoluíram para as guerras napoleônicas da península ibérica,
envolvendo Portugal e Espanha, além de suas colônias de ultramar; foi o primeiro país, do
continente americano, a ter seu território com perfil geográfico cartografado em mapa, antes
de sua independência.
E para encerrar a apreciação da importância do Tratado Badajóz no contexto franco,
ibérico, americano, é muito oportuno recordar o assunto abonado por Southey (1965, v.6,
p. 215-216):
Napoleão Bonaparte,então imperador da França, aliado com a Russia e exercendo
illimitada auctoridade sobre o resto do continente, resolveu addicionar ao seu
imperio a peninsula iberica. N’este tyrano a perfídia podia egualar a ambição: enquanto procurava iludir a côrte de Portugal, negociando com ella, fazia entrar
com a maior celeridade no paiz um exercito que devia apoderar-se da família real.
Mais do que uma vez porem encarara a casa de Bragança a possibilidade de ser
expulsa do seu reino por um inmigo superior em forças. Embarcou o principe regente ainda em tempo, segurou-lhe os mares a poderosa proteção da Inglaterra,
antiga e constante alliada de Portugal, e de Lisboa passou para o Rio de Janeiro a
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séde da monarchia portuguesa. Fecha este sucesso os annaes coloniaes do Brasil, e
um rápdo volver d’olhos sobre o estado geral d’este grande paiz ao tempo de
assumir assim novo caracter a sua história, cocluirá este longo e árduo trabalho.
Disso se depreende que Bonaparte agia pelas forças das armas e D. João VI pelo
«realismo maquiavélico» do jogo diplomático.
E para reiterar o procedimento político-estratégico do rei português é oportuno
lembrar Varnhagen (1975, t.1, p. 269): “Quando os negócios entre as nações se tratam desse
modo, muito pouco há de confiar em sua estabilidade e duração. O fraco se sujeita para
recalcitrar no dia em que veja o leão prostrado, como nos diz a fábula.”
No momento oportuno, o Príncipe Regente, 1808, teve a coragem de transferir uma
corte inteira de Portugal para o Brasil, de Lisboa para o Rio de Janeiro, deixando para
Napoleão, a decepção de encontrar uma Lisboa pacífica, a casa de Bragança vazia e sem a
Família Real portuguesa, que jurara varrer do monarquismo europeu.
Transformou uma colônia em Império, ao assumir o poder administrativo do Brasil,
tornando o reino de Portugal geograficamente maior e politicamente mais forte, como rei de
Portugal e do Brasil.
E de tal monta foi a argúcia política de D. João VI, frente ao poderio militar da
coalizão França-Espanha, que Napoleão nunca dele se esqueceu, como em oportuna
lembrança registra Gomes (2007, p. 29):
“Foi o único que me enganou.”
“Napoleão Bonaparte, nas suas memórias
Escritas pouco antes de morrer no exílio
da Ilha de Santa Helena, referindo-se a D. João VI, rei do Brasil e de Portugal.”
Com a vinda para o Brasil, D. João VI não ratificou o Tratado de Madri de 1801,
firmado com a França, enganando Napoleão mais uma vez.
O Tratado de Badajóz, assinado em 6 de junho de 1801, encerrou as quizílias de
limites do período colonial, quando as fronteiras luso-espanholas da America austral, entre
tratos e destratos, pergaminhos e armas, voltaram a viger pelas demarcações estabelecidas
pelo Tratado de Madri, de 13 de janeiro de 1750, fruto magnífico do brasileiro Alexandre de
Gusmão.
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6 – MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA
6.1 – Revoluções de Emancipação das Colônias da América
A conquista do território americano foi realizada por espanhóis, portugueses, ingleses
e franceses através dos dois tipos de colonização existente: colônias de povoamento e colônias
de exploração.
Estes modelos apresentam características e objetivos diferentes: o povoamento
objetiva - terras, pequenas propriedades, trabalho livre, salário, comércio interno, pacto
colonial fraco, distância do mercantilismo, pátria livre; o de exploração – interesses
econômicos, riquezas minerais, grandes propriedades, trabalho escravo, pacto colonial forte,
submissão, mercantilismo.
O primeiro modelo, de povoamento, foi utilizado pelos colonos ingleses que
ocuparam o norte e o segundo modelo, de exploração, foi aplicado por espanhóis e
portugueses no centro e sul do continente. A diferença de características e objetivos desses
modelos ensejou processos distintos de emancipação política das futuras nações americanas,
estribados em tais fatos muitos historiadores consideram os processos de independência em
dois vértices: A Independência dos Estados Unidos e a Independência da America Latina.
As colônias da America setentrional tiveram origem e formação bastante diversa das
implantadas nas regiões central e meridional do continente americano.
Os Egressos da Inglaterra, por perseguições religiosas, políticas e econômicas, que
vieram habitar o solo americano do norte não eram aventureiros comuns, meros súditos de
monarquias absolutistas, ávidos de fama e riqueza, mas homens com vínculos ancestrais nas
lutas contra os despropósitos, monárquicos e religiosos, impostos pelos Reis e pelo Clero no
continente europeu.
A primeira crise do Absolutismo teve início na Inglaterra com a chamada Revolução
Puritana de 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de1688; as duas fazem parte de um
mesmo processo que resultou na criação do Parlamento Inglês e na instauração do regime
parlamentarista, vigente até os dias atuais. Este regime provocou insatisfações severas às
monarquias da Europa.
A Inglaterra ficou dividida por dois partidos políticos, o Tory e o Whig. O primeiro
defendia o rei e a aristocracia, enquanto o Whig era democrático e defendia a burguesia
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fazendo oposição ao Tory. As disputas eleitorais eram agitadas e provocavam debates
acalorados entre as classes, para fazerem maioria parlamentar.
O Parlamento, formado por duas Câmaras a dos Lordes e a dos Comuns, tinha
participação direta nas ações do governo e o Rei ficou limitado a executar os atos decididos e
aprovados pelos membros do Parlamento.
O regime político da Inglaterra, cifrado no racionalismo de Descartes e no empirismo
de Locke, estabelecia o «regimen da opinião pública, e o princípio da soberania popular»,
colocando o essencial da política no poder legislativo e no poder executivo, o Rei, apenas
como delegado do real soberano – o povo.
Era o sistema parlamentar que através dos partidos políticos ensejava as liberdades
individuais; a convivência pacifica de crenças diversas; o livre pensar democrático e liberal;
cimentado na experiência e na razão, e que constituiu uma revolução no sistema político
europeu, então estribado no direito divino das monarquias, onde a vontade única do Rei
decidia.
Em sua maioria os governantes de grande parte da Europa seguiam esta última forma
de governo, distante da opinião pública, enquanto a Grã Bretanha e as Províncias-Unidas,
portadoras de culturas e costumes semelhantes, adotavam condutas populares na
administração, como afirma Cortesão (2006, v.1, p. 27):
Mas, enquanto, nestes dois últimos países, cada cidadão de Londres ou
Amsterdam encarnava uma parcela de Estado e podia influir nas suas diretrizes, na França, Luis XIV proclamava na plena consciência de seu
poder: «L’ Etat c´est moi». E todos os demais monarcas do continente
repetiam em côro, com mais ou menos razão, a mesma frase. Enquanto na
Grã Bretanha, a opinião pública, por meio de seus partidos e do Parlamento, pode sempre ditar a palavra final, à qual os gabinetes procuram estar atentos,
[...].
A questão da Sucessão Espanhola, que tanta dissensão provocou entre os países
propriamente continentais da Europa e na América, teve sua paz restabelecida pelos tratados
de Utrecht.
A partir destes acordos, externa-se a dupla face do admirado regime inglês: para sua
política interna – renovador, tolerante, democrático, liberal; mas com propósitos externos
adversos do insular: conservador, coercivo, formador de monopólios, violador de Estados e
colônias, expansionista.
68
Tais acordos selados em Rastatt e Baden, no início dos anos setecentos, oportunizaram
a Grã Bretanha, já Reino Unido, a ficar «com a parte do leão», alargando sua soberania
continental em detrimento, principalmente, da Espanha e da França.
Senhora de um poder marítimo inconteste, após Cromwell promulgar o «Ato de
Navegação», 1651, em detrimento dos proveitos de outros países, notadamente a Holanda, a
Inglaterra expandiu seu domínio de transporte e comércio por todos os Mares; e por tal
circunstância seus negócios dominaram o mundo. Disto decorreu a necessidade de
reorganização da estrutura social e econômica para melhorar o desempenho comercial.
O desafio da demanda concentrou comerciantes, industriais, capitalistas, navegantes e
formou uma classe média de burguesia enriquecida que, atuando arduamente na política, em
defesa de seus interesses, buscou normas e leis, no Parlamento, que garantissem suas
liberdades de trabalho.
Com a burguesia financeira e comercial organizada, a Grã Bretanha se transformou no
centro capitalista do comércio mundial, com domínio sobre a Europa e as Américas do Norte,
Central e Sul.
Mas, sua política externa, pelas imposições colocadas contra os interesses dos demais
povos, na ânsia incontida de dominar o mundo, não acenava resultados alvissareiros e
duradouros para os ingleses por prejudicar as estruturas basilares da política mundial, o
comércio e as finanças, como abona Cortesão (2006, v.1, p. 20):
Mas a condição interna de todo um sistema que assentava na liberdade interna e pretendia exercer uma tutela, clara ou disfarçada, sobre os outros
povos e as colônias próprias, impondo-lhes, sem concorrência, o seu
comércio, iria minar o nascente império britânico, levantando contra a Gran Bretanha as reações dos nacionalismos ou nativismos ofendidos, e de outros
imperialismos, defraudados. E, tanto quanto as liberdades de princípios, as
violências de fato concorreram para os movimentos de emancipação da
América e da Europa.
A presença européia no continente americano apresenta-se com variações expressivas
nos sistema de colonização nas regiões centro, sul e norte.
Descoberto e conhecido o Novo Mundo a exploração das riquezas e dos nativos se
inicia, com o próprio Colombo, nas Caraíbas, avança pelo Mediano e domina o Austral sob a
égide das monarquias ibéricas, absolutistas, de clero católico com ação catequista.
69
O absolutismo monárquico-católico impunha severa obediência ao catolicismo e
submissão, irrestrita, dos homens ao rei. Era a política da ímpia inquisição conforme
Castanheirense, Internet:
Assim o mecanismo inquisitorial foi acionado [...] e usado durante vários
séculos para esmagar qualquer pessoa que falasse ou se quer pensasse de
modo diferente da igreja Católica, [...]. De Espanha e Portugal, a Inquisição espalhou-se para as colônias destas duas monarquias católicas,
nomeadamente na América Central, América do Sul e outras partes do
Mundo, [...].
Sem liberdade de culto e pensamento, os colonos das Américas Central e do Sul
desconheciam a evolução do pensamento humano nos campos do conhecimento científico,
filosófico, social, econômico e político, desenvolvidos em países da Europa, continental e
insular a partir do século XVI.
Ignoravam as lutas seculares pelos direitos do homem livre na sociedade, em plena
efervescência na Europa e, principalmente, na Inglaterra que criou a Carta Magna e
posteriormente o Parlamento, órgão de ordenamento político para o rei e para os súditos.
Nele, eram procedidos os arranjos das soluções administrativas do reino, centrados numa
política de opinião pública, através da representação das classes sociais.
Por tal imperativo de ausência de liberdade estes colonos e os indígenas dos ricos
impérios dos Maias, Astecas e Incas, pagaram árduos tributos de crueldade e atraso cultural,
na servidão escravista do regime despótico dos reis ibéricos.
A abordagem de colonização do norte do continente americano fez-se, com retarde de
mais de um século da dominação e colonização ibérica, do centro e do sul, porém, com
colonos livres do jugo das dinastias dirigidas pelos ditames das monarquias absolutistas e do
clero católico, Autoritário e Impostor.
Durante a idade média a Igreja, grande proprietária de terras, exercia severa influência
nas questões de ordem política, econômica e social dos Estados nacionais e de seus Monarcas,
restringindo, com todo o imperativo de seus princípios dogmáticos e acientíficos, os
horizontes da liberdade dos homens para pensar e agir.
Concentrada em acelerada busca de bens materiais enfraqueceu as exigências de seus
valores e princípios espirituais, dando asas a atitudes de vendas de títulos eclesiásticos,
70
relíquias sagradas e principalmente o perdão dos pecados por meios pecuniários através das
chamadas Indulgências, como assevera Churchill (1960, v.2, p. 3):
Entrementes, os Papas adquiriram poder temporal, cercando-se da cobiça e
das pompas dos demais potentados, embora alegando conservar também o poder espiritual. As rendas da Igreja foram aumentadas pela venda de
indulgências destinadas a livrar do purgatório tanto os vivos, como os
mortos. Os cargos de bispos e cardeal eram comprados e vendidos e o povo explorado ao máximo em sua crença. Esses e outros abusos na organização
da Igreja eram largamente reconhecidos e criticados, mas, não obstante,
continuavam ocorrendo.
Por linha de conduta tão despropositada, a alta cúpula eclesiástica católica padeceu
criticas acerbas de John Wyclif, João Huss e provocou, na Alemanha, o desagrado do monge
agostiniano Martinho Lutero que, contestando o comportamento papal, originou a quebra do
«monopólio ideológico da igreja católica» e ensejou a Reforma Protestante, com acesso direto
à Bíblia e nova visão da fé.
A Reforma ensejou novas igrejas Protestantes como a Luterana, a Calvinista, a
Anglicana; e com elas a luta pelas liberdades religiosa e de pensamento, ganhou espaços nas
asas das transformações que o mundo experimentou no transcurso do medievo ao renascente e
ao moderno; ensejadas pelos Descobrimentos marítimos, pela expansão do Mercantilismo,
pela emergência política da Burguesia, pela consolidação do Capitalismo, pelo
Parlamentarismo inglês; pelo Empirismo de Locke e principalmente pelo Racionalismo de
Descartes, como bem refere Cortesão (2006, t.1. p. 30):
Com Descartes a inteligência lógica passa a exercer um primado sem limites.
Tudo vai subordinar-se às forças razonadoras do entendimento. Do barro
cartesiano se forma o Adão dos Tempos Modernos, o «homo liber», o novo
tipo de humanidade, que reduz a vida e o mundo à soberania da razão.
Períodos extensos de imposições políticas, perseguições religiosas, dificuldades
econômicas foi desafio que obrigou o povo inglês a lutar pelo direito de pensar e agir, como
homens livres e iguais, nas comunidades em que viviam.
A resposta para o desafio implicava: a rejeição ao poder absoluto do rei, o repúdio às
benesses da nobreza, a desobrigação ao clero católico e a exigência da participação da
burguesia e do povo na administração do reino. Este conjunto de razões humanísticas fez
berço na Grã Bretanha, em tempos distantes, onde, concorde Churchill (1960, v.1, p. 11):
“[...] um conjunto de costumes que, tenham sido quais forem suas fontes básicas [...] – está
71
sendo fundido numa Lei Comum. Esta é a Inglaterra do século XIII, o século da Magna Carta
e do primeiro Parlamento.”
Destas sementes germinaram as grandes transformações que geraram novas práticas de
relações do homem com o Estado, dando à Grã Bretanha o modelo político de
parlamentarismo partidário, diferenciado dos demais países da Europa de regime monárquico
absolutista. O esforço conjunto da burguesia, dos puritanos e das diferentes seitas religiosas,
promoveu a consciência de direitos e responsabilidades do individuo com o Estado, criando,
«um novo tipo de humanidade, que reduz o homem e o mundo à soberania da razão», o
liberalismo Inglês. Este, o regime do homem livre e o outro, o do escravo. Em ambos os
regimes os homens se diferenciam de modo considerável como aduz Cortesão (2006, t.1, p.
28):
O cidadão, o homem livre, na plenitude do direito e da dignidade, capaz de
partilhar dia a dia as responsabilidades do governo, vale mais como ser
moral, capacidade de ação e consciência cívica, que o mero súdito, sempre forçado a abdicar na mente alheia o juízo próprio, reduzido a obedecer em
tudo e por tudo, escravo, cuja condição humana, acaba por degradar-se às
vilezas da submissão incondicional e às reações extremas da fome, do ódio ou do terror.
Estas variações produzidas sobre os homens pelos regimes políticos, liberalismo e
absolutismo, são evidenciadas nos processos adotados na colonização, anteriormente
referidos, e nas revoluções de emancipação das colônias da América do Norte e Ibéricas.
Oriundos de uma Europa que desenvolvia o conceito do direito natural do homem,
embasada na razão e no experimento, que evoluía no método da investigação e avançava no
ordenamento da ciência moderna, os colonos ingleses da America do Norte vinham de uma
burguesia emancipada, consciente do direito de ser livre. De ser capaz de, pelo trabalho livre,
transformar a natureza numa ação conjunta de interesses individuais e coletivos, formador de
uma consciência nacional.
A Coroa inglesa iniciou a colonização da América do Norte, implantando colônias no
sul e no norte do litoral atlântico. As do sul adotaram o modelo de exploração, latifundiário-
escravista - monocultura e lograram pouco sucesso. As colônias nucleadas na região Norte,
Massachusetts, pelas últimas levas de puritanos, optaram pelo modelo de povoamento com
colonização diversificada e progrediram positivamente. Receberam a denominação de Nova
72
Inglaterra e se tornaram o centro econômico e político da colonização inglesa na América do
Norte.
6.2 – A Independência das Colônias da América do Norte
As treze colônias alcançaram desenvolvimento rápido, auferiram resultados
econômicos substantivos, como estados autônomos e auto-suficientes, porém, leais à Coroa,
reputavam-se cidadãos britânicos com os mesmos direitos dos que viviam na metrópole.
A Inglaterra, entretanto, com dificuldades econômicas decorrente das guerras, aplicou-
lhes “as normas de sua política externa,” já aludida, com cobrança de impostos e taxas
consideradas absurdas e restritivas às suas liberdades de cidadãos ingleses. Estes atos
provocaram uma animosidade geral e conflitante entre colonos e governo como resume Silva
(1958, p. 125):
Os colonos da América inglesa viviam em estados autônomos, fiéis às suas
tradições de amor à liberdade pela qual seus pais haviam emigrados da
Inglaterra. O governo inglês, porém, entendeu restringir-lhes os direitos de que gozavam como cidadãos do reino. Veio então a revolta, logo
transformada na guerra pela independência; conquistaram-na conduzidos por
Washington, após seis anos de luta.
Detentores de um caráter forte, nascido da amalgama das ambições econômicas da
burguesia; da constante tensão moral do puritanismo; da confissão religiosa protestante;
reagiam a todo e qualquer tipo de rompimento dos princípios da liberdade inglesa, como o de
“pagar impostos sem a prévia aprovação” da sua representação parlamentar. Este
comportamento de reagir a atitudes infringentes aos contratos e regras políticas estabelecidas,
decorria de ancestral aprendizado dos direitos naturais e fundamentais do homem, inspirados
em John Locke, Thomas Paine e na revolução cultural, européia, do iluminismo, como afirma
Cortesão (2006, t.1, p. 32):
Do direito natural os homens elevavam-se ao estado civil pelo contrato,
conservando daquele os direitos fundamentais a liberdade, a igualdade e a
propriedade. E, se os monarcas, delegados do povo soberano, violam estes direitos, traindo os seus deveres e compromissos, a resistência à opressão
torna-se o primeiro direito dos súditos, como garantia dos demais.
Recusaram as determinações da monarquia inglesa e iniciaram a campanha de
resistência contra a violação dos direitos vigentes. As treze colônias, confederadas,
73
promoveram um congresso em Filadélfia e fizeram a “Primeira Declaração de Direitos”
proclamando sua autonomia administrativa.
Partiram para a luta renhida e a 4 de julho de 1776 aprovaram a Declaração de
Independência, preparada por Thomas Jefferson, «transformando as 13 colônias nos Estados
Unidos da América.» Terminada a Guerra, em 1781, a Inglaterra, derrotada, reconhece a
independência dos Estados Unidos da América, confirmada pelo Tratado de Versalhes, em
1784.
Declarada a independência, os “Artigos da Confederação” foram usados como uma
constituição provisória. Em 1787, foi realizada nova convenção, em Filadélfia, para preparar a
nova carta magna da novel república. O trabalho exigiu dos legisladores empenho desmedido,
paciência ilimitada e patriotismo arraigado para acomodar, de modo harmônico e justo, as
diferença de interesses dos grandes e pequenos estados da «grande comunidade dos Treze».
De Filadélfia saiu, para os Estados Unidos da América do Norte, uma Constituição de
regime político republicano federalista, constituído de três poderes, executivo, legislativo e
judiciário, harmônicos e independentes entre si; com igualdade de direito civil e liberdade
religiosa.
Documento sucinto, definindo as competências do novo governo central. Um
Executivo com um único presidente; o legislativo com uma Câmara Baixa, também chamada
Câmara dos Representantes, e um Senado, e o judiciário formado «no ápice do edifício
constitucional por uma Suprema Corte». Era o produto da grande revolução da independência
e da emancipação do povo americano, como declara Churchill (1960, v.3, p. 232):
A nova nação, que lutara com dificuldades para nascer, seria daí por diante
fortalecida por algo de que ainda não se ouvira falar no mundo existente:
uma Constituição escrita. À primeira vista, esse autorizado documento apresenta chocante contraste com o conjunto de tradições e precedentes que
formam a Constituição não escrita da Grã-Bretanha. Todavia, não existe em
seu fundo nenhuma teoria revolucionária. Foi Baseada, [...] na velha doutrina inglesa, formulada de novo para atender a uma urgente necessidade
americana. A Constituição foi uma reafirmação de fé nos princípios
penosamente desenvolvidos através dos séculos pelos povos de língua inglesa. Incorporou velhas idéias inglesas de justiça e liberdade, que daí por
diante seriam consideradas do outro lado do Atlântico como basicamente
americanas.
As treze colônias inglesas da América do Norte criaram condições econômicas,
políticas e culturais próprias, diferenciadas dos padrões da metrópole e, a estes rejeitando,
74
geraram, pela revolução, a semente-modelo da democracia, sentenciando o fim do
absolutismo, no Velho e no Novo Mundo. Ato inédito na forma de governo dos povos, com
sucesso suficiente para influenciar as ulteriores revoluções da Europa e da América luso-
espanhola.
A busca dos antecedentes históricos das sociedades humanas em suas formações de
governos e consecução dos sistemas políticos adotados, chega ao século XVIII com a
emancipação dos Estados Unidos da América do Norte. A França foi o cadinho do
pensamento político moderno que através do iluminismo conscientizou os povos oprimidos da
necessidade de serem livres e a Revolução francesa, como acontecimento marcante na
revolução cultural da sociedade capitalista do mundo moderno.
A historiografia registra este fato como o primeiro procedimento revolucionário
colonial, contra as atitudes descabidas e perversas impostas pelas monarquias. Era o exemplo
oportuno para os povos escravizados pelos regimes coloniais, buscarem seus direitos de
liberdade para dirigirem seus próprios destinos. Os europeus, que vieram para o Norte da
America, conheciam «os direitos fundamentais, a liberdade, a igualdade, a propriedade» e
procuraram na colônia a oportunidade de colocá-los em prática, para serem dirigentes de seus
próprios destinos. E por coincidência histórica, no itinerário da teoria à prática, o primeiro
país, da Europa, a receber a influência da Independência norte-americana, foi a França com a
sua revolução de 1789, efeméride marcante da derrocada do absolutismo francês. Silva (1958,
p. 169), sobre o assunto assevera: “A emancipação dos Estados Unidos da América, que se
haviam antecipado aos franceses na afirmação dos direitos do homem, foi um forte estimulo
para as colônias se libertarem do absolutismo espanhol ou português”.
6.3 – Emancipação das Colônias Espanholas e Portuguesas
Os movimentos de emancipação da América Espanhola emergiram com lentidão de
três séculos, como fruto do próprio modelo econômico mercantilista decorrente da
implantação do modelo de colônia de exploração. A economia voltada exclusivamente para o
mercado metropolitano ensejava a interferência direta da metrópole na gestão econômica da
colônia.
A Espanha transferiu para a América o sistema institucional administrativo vigente
nos séculos XV e XVI formado por vice-reinados, audiências, adelantados, cabildos. E para
75
melhor condição administrativa a Coroa determinou a divisão do território em quatro vice-
reinados: Nova Espanha, Peru, Buenos Aires e, por último, Nova Granada, conforme Mesa et
al. (2006, p. 163) “Al estabelecerse los españoles en América trajeron a las nuevas tierras
todas las isntituciones políticas, legislativas y juridicas que existian en España a fines del siglo
XV y comienzos del XVI”. A seguir o autor detalha as funções destas e de outras estruturas
administrativas
O compartilhamento do território em vices-reinados obedeceu à experiência
administrativa espanhola concernente a resultados econômicos. As regiões eram
administradas por um vice-rei, escolhido entre os nobres, com mandato de três anos e
governava com poder absoluto. Eram auxiliados pelas Audiências que tinham atribuições de
corte de justiça. Os Cabildos eram assembléias locais pela qual o povo elegia suas
autoridades judiciais e administrativas, como os Alcaldes; representava certa expressão de
liberdade e democracia dos cidadãos perante o poder real. Para Mesa et al. (2006, p. 165):
“Los cabildos fueron, en la mayoría de los casos, los lugares donde se gestó la
independencia”. Esta afirmação é pertinente pelo fato de serem os cargos dos cabildos
ocupados pelos criollos. (que eram filhos de espanhóis nascidos na América).
A Espanha implantou seu sistema administrativo na América, sem analisar ou
considerar o grau de cultura e desenvolvimento econômico político e social existente nos
núcleos dos impérios autóctones da Mesoamérica, Astecas e Mayas e os Incas do Meridional.
Não avaliou as vindouras conseqüências do choque cultural entre conquistadores e vencidos.
Enfocou-se na busca das riquezas minerais como o ouro, a prata, abundantes no
México, Peru e Bolívia; nos produtos agrícolas tropicais; para suprir a carência européia
resultante do bloqueio às Índias Orientais. A exploração das minas necessitava de mão de
obra farta e barata e a solução mais imediata era escravizar o elemento indígena, oriundo de
formação sócio-cultural muito acima dos rústicos conquistadores espanhóis, arrojados
aventureiros, ávidos de fama e riqueza.
Buscando o entendimento da sociedade espanhola na América, Zeballa (1954, p. 38)
procurou estudar a sociedade colonial do Alto Peru num período de três séculos e concluiu:
“Cinco eran los elementos componentes de esta sociedad de los siglos XVI, XVII y XVIII, en
el Alto Perú: a) los índios originários del suelo; b) los españoles puros, nascidos en la
península; c) los criollos o hijos de españoles nacidos bajo el cielo de América; d) los cholos
o hijos de españoles y índios; y) en mínima parte, los negros, traídos del África por los
76
portugueses y holandeses.”, o que é demonstrativo de um processo substantivo de
miscigenação, diferente da colonização americana, responsável pelo gérmen do nativismo
formador de uma vontade de ser livre.
Os Espanhóis puros eram a classe dominante. Ocupavam os altos cargos e exerciam o
poder em nome do rei. Assenhoriavam as terras, rural e urbana, em absoluta feudalidade, na
escravatura das “Encomiendas” ou nas “Mitas” das minas mantendo adstritos à terra índios,
cholos e negros, sem remuneração, direito ou liberdade.
Os reis da Espanha totalmente afastados dos avanços do iluminismo na Europa, não se
preocuparam com a instrução nas colônias por considerar a educação e o conhecimento do
povo um elemento perigoso para eles. Mantinham os colonos isolados do conhecimento da
evolução de outros povos, com severa censura e proibição da entrada de livros panfletos
americanos ou franceses.
Entretanto, o regime de propriedade adotado na colônia ensejou à formação de uma
elite criolla de latifundiários ruralista, descendentes de espanhóis. Muitos jovens dessa elite
foram estudar na Europa. Lá se familiarizaram com as idéias e princípios políticos do
iluminismo, ensinadas na França. De regresso propalavam as novas idéias e agitavam os
oprimidos contra o absolutismo. Silva (1958, p. 168) assim argumenta o tema: “[...] e os
moços que iam educar-se na Europa eram, em geral, ao seu regresso, propagandistas das
novas idéias e agitavam os espíritos contra o absolutismo opressor”.
A pressão exercida sobre os colonos pelos desmandos administrativos era fator de
descontentamento geral e já sinalizava certa insegurança à soberania espanhola. Os cholos
eram a maioria, o povo, e agora unidos aos índios, negros e mestiços formavam um conjunto
forte e amplo para lutar pelo direito de conduzir seus próprios destinos. A pregação das novas
idéias democráticas constituiu elemento aglutinador, para gerar o processo insurrecional de
emancipação das colônias espanholas da América pela ação patriótica dos Libertadores, tão
bem representados por San Martin e Simon Bolívar.
Os Libertadores eram Criollos, senhores de terras, instruídos, conscientes da
necessidade de tirar as colônias das amarras da Espanha, numa luta árdua, sem trégua,
alimentada pela força de um patriotismo desmedido, inspirados no exemplo dos Estados
Unidos da América do Norte que foi a primeira colônia a se desligar de uma metrópole
européia.
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A luta pela emancipação das colônias espanholas da América Meridional, Paraguai,
Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Uruguai, terminou com a vitória de
Ayacucho, de onde, explica Silva (1958, p. 173) “[...] Sucre, enviado por Bolívar para ocupar
o Alto Peru, convocou uma assembléia que, em Chuquisaca, proclamou (1825) a
independência da República de Bolívar (Bolívia).”
Portugal já havia definido os limites de sua colônia com a Espanha, pelos tratados já
referidos, e com o translado da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, D. João VI
transformou o Brasil em Império e orientou o eixo político de sua independência, ensejada a
sete de setembro de 1822 pelo príncipe regente D. Pedro I.
78
7 FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASIL BOLÍVIA
7.1 – Antecedentes
Durante três séculos, após o descobrimento do Novo Mundo, os países ibéricos
mantiveram uma vigilância constante na posse das terras estabelecidas para Portugal e
Espanha pelo meridiano de Tordesilhas. Foram três centúrias de trabalhos exaustivos de
devassamento e povoamento do território da América austral, pontuando os acidentes
geográficos capazes de possibilitar o perfil cartográfico das possessões à formação das
fronteiras das colônias ibero-americanas fundamentadas no Tratado de Madri de 1750.
No processo de formação dessa fronteira, com apenas dois litigantes, o andamento se
arrastou, demoradamente, na noite do tempo, com os sonhos e pesadelos que compõem o
cimento das ambições inconseqüentes, naturalizadas na ação política dos povos, quando da
formação territorial dos Estados nacionais.
Declarada a independência das colônias espanholas no continente sul americano,
surgiram nove novos países; juntando-se a eles o Brasil, a Guiana, Suriname e Guiana
Francesa, passaram a existir treze Estados nacionais, com um somatório respeitável de
formação de novas fronteiras, fulcro de acordos e litígios internacionais que se arrastam na
linha tempo, indefinidamente.
Já dissemos anteriormente: «onde existem fronteiras existem problemas». E muito
maior do que a complexidade das fronteiras assentadas são as de lindes ainda por serem
estatuídas. Estas implicam em exigências complementares, de múltiplas variáveis, extremadas
nos paralelos que medeiam do rústico ao jurídico, da altercação à diplomacia, dos horrores
das guerras às curvas suaves da arquitetura civilizatória da paz.
Para melhor compreensão da compartimentação geopolítica da possessão espanhola
meridional, no processo de independência, é necessário buscar conhecimento na geografia do
maciço andino para entender as nucleações administrativas pontuadas pela Coroa de Espanha
como: «Virreynado, Audiências, Intendências, Territórios o Gobernaciones».
Estas estruturas constituíram os núcleos angulares à aplicação do uti possidetis
juris, como princípio de ordenamento territorial, aprovado em 1810, formulador do acordo
internacional pelo qual foram criados os atuais Estados nacionais, elucidados, inicialmente,
por Bolívar ao referir-se a pertença do Alto Peru ao vice reinado de Buenos Aires, até o
ensejo da revolução: “No cabe en justícia el fundar nacionalidad alguna americana a fuera de
79
los términos y jurisdicción de los antiguos virreinatos y capitanias generales” (GUTIERREZ,
1946, p. 348) e por Zeballa (1954, p. 51-52):
Así tenemos que lo que es hoy Bolívia se constituyó sobre la base de lo que
fue la Real Audiencia de Charcas en la Colonia. Lo que es actualmente la Rep. Argentina se constituyó sobre la base de lo que fue: el Virreynato de
Buenos Aires. Lo que es actualmente el Perú, se constituyó sobre la base de
lo que fue: el Virreynato de Lima. [...]. La Audiencia de Charcas, creada por R. C. (Real Cédula) de 1559, dependió simultáneamente primero, del
Virreynato de Lima y luego del Vireynato de Buenos Aires.
Para Simon Bolívar, o grande idealizador da revolução de libertação da America
espanhola, o êxito do movimento estava ligado à idéia de manter «a organização unitária do
continente», com base em fatores geográficos.
Porém, sua doutrina se enfraqueceu quando o Congresso da Argentina entendeu que a
integridade política do Alto Peru devia ser mantida, por ser nodo das demais províncias do
seu conjunto andino, como aduz Gutierrez (1946, p. 349) “[...] “«que aunque las cuatro
províncias del Alto Peru han pertenecido siempre a este Estado, es la voluntad del Congreso
General Constituyente que ellas queden en plena libertad para disponer de su suerte, según
crean convenir a su interés y felicidad».”
Diante de tal decisão do colegiado argentino coube a Bolívar aceitar e apoiar a
independência do Alto Peru que em sua homenagem e gratidão denominou-se República da
Bolívia.
O período de lutas pela libertação do Alto Peru ou Collasuyo durou quinze anos
(1809-1825), sendo finalizadas pelas batalhas de Ayacucho e Tumusla quando Bolívar e
Sucre consumaram seus objetos de autonomia libertadora.
Assim nasce a República da Bolívia em 6 de agosto de 1825. Sua geografia é das mais
diversificadas. Centrada no maciço andino, comporta uma orografia de altitudes superiores
aos 5000m acima do nível mar. Extensa região plana, alta e fria, em nível de 3500m,
localizada entre as cordilheiras dos Andes Ocidentais (baixo Peru – Pacífico) e dos Andes
Orientais (Alto Peru - Bolívia), forma a Meseta Andina ou altiplano boliviano; descendo a
cadeia Oriental chega aos Vales Centrais com níveis de 2500m. À continuidade do declive
alcança altitudes inferiores a 1000m até chegar às planícies das bacias Amazônica e Platina,
antes da vertente Atlântica.
80
Sua jurisdição geográfica é a mais singular do hemisfério sul. De forma compacta,
encerra cumes nevados, mesetas temperadas, salares (desertos de sal), lagos elevados, vales,
planícies, florestas tropicais, região de chaco, alagados; medeia os antagonismos dos mares e
dos rios e gera diversificadas condições climáticas. E Soares (1975, p. 128) assim se expressa:
“O extraordinário meio físico da Bolívia é diversificação telúrica; e já o velho D’Orbigny
dizia que a Bolívia era a súmula física de todo o Continente americano [...].”
Zeballa (1954, p. 52) considera a extensão territorial da Bolívia como uma das maiores
que resultou da compartimentalização política da possessão espanhola:
Abarcaba cuatro intendencias y 2 territorios o Gobernaciones. Las
Intendencias fueron: la de Potosí, que comprendía el mar, esto es, una
extensa costa, la Intendencia de La Paz, con Lampa, Carabaya y Azángaro, la Intendencia de Cochabamba y la Intendencia de La Plata o Charcas. Las
Gobernaciones eran dos: la Gobernación de Apolobamba o Mojos, y la
Gobernación de Chiquitos. Aquélla comprendía el Acre, actual Pando y
Beni. Esta última, Santa Cruz, el Chaco Boreal y Central, o Gualamba.
Além da grandeza territorial a região do Gran Peru guarda a maior reserva mineral da
América do Sul. Esta foi o fator principal da sua conquista e do seu povoamento, pelo
surgimento de núcleos urbanos nas proximidades das minas como Potosí, La Paz e demais
núcleos mineiros da vastidão andina.
Centralizada nas elevações andinas, confrontando limites com cinco países, Brasil,
Peru, Chile, Argentina e Paraguai, através de dilatadas e acidentadas fronteiras forma-se a
unidade política do estado boliviano.
Assim, “Bolívia inicia su vida independiente con una extensión de 3.000.000 de
kilómetros cuadrados que, tras largos pleitos de fronteras o como resultado de sangrientas
guerras com sus vecinos, acaba por reducirse a 1.100.000 kilómetros cuadrados. El actual
territtorio de Bolívia se encuentra situado entre los 59° 40´ y 73º 20´ del meridiano de París y
los paralelos 9º 35´ y 23º 5´ de latitude sur” (GUTIERREZ, 1946, p. 350). Autores como
Zeballa apresentam números diferentes para a extensão geográfica da Bolívia atual.
O Império do Brasil já havia demarcado seus limites com a Coroa da Espanha. Depois
de dilatadas e árduas refregas, Portugal conseguira triplicar o território de sua colônia e com
tal feito ganhou também a maior extensão de fronteira terrestre, seca e fluvial da América do
Sul, superior a 17.000 km.
81
Começa no século XIX a etapa de definições de soberanias entre os Estados sul-
americanos que se tornaram independentes do domínio espanhol.
É oportuno assinalar que os Estados somente se tornam soberanos quando definem
seus territórios através da demarcação de limites com seus vizinhos confrontantes.
Confinando seu território com dez outros vizinhos, o Brasil teve uma faina de grande
vulto diplomático na formação definitiva de suas fronteiras.
A revolução de independência das colônias espanholas no austral americano decorreu
de múltiplos fatores que se acumularam por mais de três séculos.
Sendo a Colônia detentora de abundantes riquezas minerais, sua economia consistia na
exportação de matérias-primas para o mercado externo, então monopolizado por Madri que
exercia o sistema comercial mercantilista, com base no pacto colonial. A tramitação comercial
obrigatória para exportação de matérias-primas era: Colônia – Espanha – Europa e para
importação de manufaturados, o sentido inverso: Europa – Espanha – Colônia. O monopólio
comercial era de dupla vantagem para a metrópole.
Usante de mão de obra nativa, escrava, de baixo custo de produção, Espanha auferia
altos lucros no comércio de exportação de matérias primas, principalmente a prata, ouro,
produtos da agricultura e da pecuária e de igual modo pela importação de manufaturas
inglesas, revendidas aos colonos com preços majorados e de forma compulsória, gerando a
acumulação de capital.
Tudo girava em favor do enriquecimento da Metrópole com desvantagens e prejuízos
para as pontas do sistema, a elite colonial e a burguesia inglesa.
O monopólio comercial do reino se prolongou até o conhecimento de novas idéias de
liberdade assimiladas pela elite Criolla que fora estudar na Europa.
Inicia-se pela penetração na razão Iluminista como princípio embasador do
pensamento de liberdade, do «homo liber», que semeia a idéia do nacional, do próprio, do
capaz, do ser participe e diretor do seu Estado nacional.
O pensamento iluminista propiciou as grandes transformações ideológicas,
econômicas e políticas dos povos oprimidos, como o liberalismo na Inglaterra, a revolução da
independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa, a libertação técnica-científica do
jugo Católico e a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. O processo de realimentação
82
destes acontecimentos foi preponderante para encorajar as elites coloniais da América Latina
a consumarem sua revolução de independência, da Coroa espanhola.
A Revolução Industrial da Inglaterra promoveu um avanço tecnológico sem
precedente na história econômica, social, política e cultural do mundo. Portadora de minas de
ferro e carvão, grandes rebanhos ovinos, uma plêiade de inventores, acumulo de capital
oriundo da Revolução Comercial, a Inglaterra inicia no século XVIII a Revolução Industrial.
O artesanato deu lugar à indústria fabril e a maquina a vapor à produção mecanizada. O navio
a vapor consolidou o domínio dos mares; as vias férreas, com a locomotiva, aceleraram os
transportes; o telegrafo e o telefone facilitaram as comunicações e o comércio mundial se
consolidou.
A produção industrial ampliou a busca incessante de novos mercados consumidores
dos produtos industrializados, bem como dos fornecedores de matéria primas, para manter
aquecida a produção mecanizada. América, África e Ásia foram as regiões propícias para os
objetivos da Inglaterra. Antes, como colônia de Espanha, a América já era explorada pelo
capital inglês, (Vilarino 2006, p 22) como fornecedora de matéria prima, e então, o processo
continuava pelo comércio liberal do chamado neo-colonialismo com o “Capitalismo
industrial” que sucedera ao “Capitalismo comercial financeiro” (CORTESÃO, 2006, v.1,
p. 25).
Durante o período colonial a divisão geográfica obedecia, rigidamente, as normas
estabelecidas pela estrutura administrativa da Metrópole, conforme vimos anteriormente.
Consumada a independência ocorreu a fragmentação do território e a formação de novéis
repúblicas com espaço geográfico condizente, inicialmente, às raízes primárias aduzidas.
Emerge a necessidade imediata da formação das fronteiras geográficas para definir os limites
dos territórios de cada soberania. A independência de cada Estado nacional envolve um
processo político-diplomático de alta complexidade “[...] que exige cultura cosmopolita,
realismo maquiavélico, intuição e manejo dos homens, [...].”, como expressa Cortesão (2006,
v.1, p. 23), para chegar a acordos sadios de convivência próspera e pacifica com os vizinhos
confrontantes.
A educação e formação cultural negada aos colonos pela Coroa Espanhola, resultaram
na formação de uma população de totalidade analfabeta, sem cultura, sem formação de
lideranças para gerir um processo de capacitação e auto-suficiência com liberdade de trabalho
e cidadania. Bastante diferente da colonização e independência da América do Norte
83
fundamentada na educação, no trabalho, na capacitação de produzir bens para criar a pátria
livre.
Sem formação cultural propícia a sedimentar uma ideologia com base na filosofia da
razão e do empirismo, para entender o valor da opinião pública na participação administrativa
do Estado nacional, a população das surgidas repúblicas, recém libertas do mando espanhol,
mergulha na mais drástica dependência do caudilhismo militar, bronco, inconseqüente,
incapaz de gerir uma política de convivência pacífica com os países vizinhos.
Por tais circunstâncias, a repartição da América do sul, na primeira metade do século
XIX, resultou num conjunto de fatos indesejáveis, como bem espelha Nunes em (Internet,
28/10/2011) certificando que ao “[...], fragmentar-se em um grande número de jovens
repúblicas oprimidas por caudilhos militares, exploradas por oligarquias rurais e acorrentadas
a uma nova dependência econômica imposta pelo capitalismo industrial inglês.”, contrários
aos objetivos de independência, de liberdade e de cidadania almejados por todos numa luta
sem trégua.
E este resultado de opressão de caudilhos, exploração de oligarquias rurais,
dependência econômica de capitalismo inglês, configurou os ingredientes básicos para gerar a
esquisita e conflituosa história política da formação dos Estados nacionais da América austral.
Detalhá-la seria cair no indesejável do repetitivo. Sendo a historiografia da formação
dos Estados nacionais da América do Sul de substancial amplitude, e para não nos afastarmos
do eixo principal do tema, optamos por fazer cortes cronológicos e temáticos a partir de
referencial, como a Guerra da Tríplice Aliança, que uniu o Brasil, a Argentina e o Uruguai
contra a república do Paraguai no inicio da década de 1860. Foi a mais prolongada (1864-
1870) e mortífera guerra já registrada no continente americano e é conhecida como Guerra do
Paraguai.
7.2 – Tratado Brasil Bolívia de 1867
O século XIX, quase todo, se completa na América luso espanhola, por episódios de
litígios, inicialmente, entre Colônias e Metrópoles, com as lutas de independências e,
seqüente, às complicadas e intermináveis questões de limites entre os Estados adventícios.
A formação de território nacional, declarante de um poder soberano, com contorno
espacial balizado, indicador de limite e fronteira, constitui tema da mais alta importância
84
política na vida das nações, com densos efeitos na consecução entre a paz e a guerra no
mundo. É a formação da fronteira que vai identificar os confins do poder jurídico do Estado
nacional; sem ela, limitada e demarcada, a soberania se torna dúbia e abre vala para os
conflitos de pertença dos espaços geográficos dos povos defrontantes.
O surgimento das novas Repúblicas na América meridional ensejou a necessidade da
definição dos territórios das unidades políticas, exigindo a conjugação dos pontos certos para
marcar as linhas de limites das fronteiras políticas dos Estados nacionais. E Mattos (1975,
p. 29) considera que
No mundo contemporâneo predomina o conceito de fronteira jurídica, aceita
de comum acordo pelos Estados lindeiros, cujo traçado consta de Tratados e
Convênios e cuja violação representa grave infração ao princípio de soberania e de respeito mútuo que deve presidir as relações internacionais.
Esta fase constitui o ponto mais crítico da formação dos países. Condiciona um
conjunto de fatores de variadas ordens que se estruturam no sistema político adotado. A
composição positiva ou negativa dos fatores depende da estabilidade do comando político
vigente que, bem conduzido, resultará numa política positiva de formação de fronteiras e
numa convivência pacífica de boa vizinhança inter-Estados. Se, ao contrário, mal conduzido,
isto é, conduzido com incultura, usura, despotismo, corrupção e rudeza, aportará nas
conseqüências danosas dos conflitos, dos expansionismos e das guerras destruidoras. Esta é a
exata paisagem política das repúblicas da América do Sul, a partir do começo da segunda
metade do século XIX.
Transcorre dezembro de 1864 quando o governo Paraguai infringe os princípios de
soberania contra o Império do Brasil. Estremecidas e, esgotadas as relações diplomáticas,
deflagra-se a guerra entre os dois países platinos Brasil e Paraguai. Conhecedores do poderio
econômico e bélico da Republica do Paraguai; da disciplina e patriotismo de seu povo, os dois
países platinos, Argentina e Uruguai, receosos de sofrerem, igualmente, violação de suas
soberanias, resolveram se unir ao Brasil e celebrarem um tratado de aliança defensiva e
ofensiva contra o Paraguai, assinado na cidade de Buenos Aires, em 1º de maio de 1865 e que
ficou conhecido como Tratado da Tríplice Aliança.
Ao longo do tempo, os estudos acadêmicos têm ofertado provas convincentes de ter, a
guerra do Paraguai contra o Brasil, eclodido por razões de desacordos de limites territoriais na
formação de suas fronteiras. Também são de boa origem histórica as afirmações de que este
85
confronto, de conseqüências desastrosas e perversas, poderia ter sido evitado, se a arte
diplomática tivesse suplantado a subjacente inconseqüência dos caudilhos, a desmedida usura
dos capitalistas e a estupidez do expansionismo territorial.
Portugal sempre dispensou especial atenção ao saber geográfico do território
brasileiro, firmando como eixo articular de sua política externa um conhecimento dos rios da
bacia amazônica, desde o período colonial. Esta preocupação vinha da experiência auferida
pela diplomacia brasileira no tratamento dos assuntos de limites com os países vizinhos da
região Amazônica
Desde 1834 as Diplomacias do Brasil e da Bolívia tentam fazer negociações para
acertarem acordos de limites. Ocorrências as mais diversas são freqüentes e tem criado
problemas para os governos na extensa e pouco povoada fronteira. O deslocamento de bandos
de um para outro lado da raia, como os de 1853, tem movimentado os trabalhos diplomáticos
das partes, sem resultados positivos.
A instabilidade econômica e política da Bolívia, bem como sua maior atenção voltada
para os Andes, não favoreciam uma continuidade de ação nos trabalhos de negociação dos
limites. Ambos os países demonstravam interesse no assunto, sabiam das vantagens da
solução do problema, mas não conseguiam concluir as negociações desejadas.
O exemplo maior deste fato se externa na missão Rego Monteiro com o Ministro das
Relações Exteriores da Bolívia, Rafael Bustillo, 1863, cuja dificuldade de dialogo
impossibilitou a boa vontade do Império para concluir as negociações de fronteira com a
Bolívia. E assim Soares (1975, p. 132) lamenta e vaticina a oportunidade perdida: “Se em
1863 a fronteira brasileiro-boliviana houvesse sido definida e depois demarcada
definitivamente, quantos problemas não teriam sidos evitados, tanto para a Bolívia como para
o Brasil, no rolar do tempo!”.
Dissolvidas no tempo as oportunidades para efetivar a formação de suas fronteiras em
condições calmas e equitativas o Brasil e a Bolívia iniciam seu processo de negociações
Diplomáticas em período difícil, quando o sul do continente, a bacia do Prata, era teatro de
operação da guerra do Paraguai. Como já vimos, em plena vigência do Tratado da Tríplice
Aliança, ou seja, Brasil, Argentina e Uruguai «aliados para derrubar o governo do Paraguai».
A situação interna da Bolívia era convulsa e difícil. O Brasil como Império era visto pelos
bolivianos como fator de ameaça à sua soberania. Tudo levava a compor óbices à diplomacia
brasileira para negociar seus limites com a Bolívia. Se antes era assim, agora com a guerra do
86
Paraguai muito mais difícil seria encontrar brechas para negociar limites. Os insucessos das
tentativas anteriores como as de Ponte Ribeiro e Rego Monteiro, homens de elevada cultura e
reconhecido saber diplomático, aumentava a preocupação da Chancelaria do Brasil, com a ida
da missão Lopes Neto a La Paz, em momento tão difícil, para conduzir negociações positivas
das fronteiras do Brasil com a Bolívia, nas regiões Platinas e Amazônicas.
Os revezes da guerra castigava as tropas aliadas e dificuldades de toda ordem se
multiplicavam dentro e fora do teatro de operações. As preocupações eram de altas
densidades e amplitudes. Para complicar ainda mais a situação revela Soares (1975, p. 33):
“Durante a Guerra da Tríplice Aliança capta a diplomacia imperial a informação perigosa: o
ditador Melgarejo pretende entrar no conflito armado, parcializando-se com Francisco Solano
Lopes.” A informação era pertinente.
E o fundamento da suspeita estava no próprio Tratado da Tríplice Aliança: 1º ponto:
é a Bolívia ficar de fora; 2º ponto: nos Arts. 8º e 9º “se obrigam a respeitar a independência,
soberania e integridade territorial da República do Paraguai;” 3º ponto: “Art, 16º [...] os
aliados exigirão do governo do Paraguai que celebre com respectivos governos tratados
definitivos de limites sob as seguintes bases: O Império do Brasil se dividirá da República do
Paraguai: do lado do Paraná, [...]; do lado da margem esquerda do Paraguai, [...]; No interior
[...]”. “A República da Argentina será dividida do Paraguai pelos rios Paraná e Paraguai, a
encontrar os limites do Império do Brasil, sendo estes do lado da margem direita do rio
Paraguai e Baia Negra.” (território da Bolívia). Último ponto: "Art. 18º Esse tratado se
conservará secreto até que se consiga o fim principal da aliança.” Para Bandeira, (1998,
p. 5-20) “ [...] e a questão somente se reacendeu, em 1866, com a publicação do Tratado da
Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai).
Na ocasião o governo da Bolívia manifestou estranheza ante o fato de que as Potências
Aliadas, ao decidirem sobre a expropriação do território do Estado Paraguai, incluísse na
retalhadura “gran porcion del território boliviano,” à Argentina destinando extensa região
ocidental do rio Paraguai ( Gran Chaco) e ao Brasil, na sua margem direita, o trecho
compreendido entre a Bahia Negra e o Jaurú. [...]. O General Mariano Melgarejo, que
governava, naquela época, o país, inclinou-se, a princípio, a atender ao apelo e ofereceu ao
Marechal Francisco Solano López uma “coluna de 12.000 bolivianos.”
Se a situação das relações diplomáticas entre o Brasil e a Bolívia não se ajustavam nos
assuntos de limites por seguirem caminhos diferentes, esta negociava pelo tratado de Santo
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Ildefonso, já anulado pelo de Badajoz, e aquele pelo uti possidetis, agora com o Brasil aliado
a outras nações não para negociar, mas para conquistar, por ação bélica, terras bolivianas,
tudo indicava que a Bolívia saia do campo diplomático e entrava no campo de batalha contra
o Brasil.
Abria-se a possibilidade da Bolívia atacar o Brasil pelos flancos através da província
de Mato Grosso, agravando ainda mais a crítica situação no Império na guerra do Paraguai.
Era preciso e urgente desviar os rumos dos acontecimentos. Não podia deixar
acontecer aliança da Bolívia com o Paraguai. Era preciso evitar tamanho desastre. A
diplomacia Imperial tinha que desfazer esta situação crucial pela capacidade de negociar; de
apresentar argumentos lógicos para convencer o General Melgarejo de que a melhor aliança
para a Bolívia era com o Brasil; de demonstrar que o Brasil tinha condições para abrir-lhe
caminhos pacíficos para o oriente, para o Atlântico, para o mundo, pelos rios da Amazônia e
pelo rio Paraguai; e de provar que o Tratado de Limites era a grande solução para assegurar,
de modo definitivo, a integridade territorial entre os dois países e os países vizinhos.
O Tratado de Limites, em tal contingência, era a única arma capaz de reverter a crítica
situação entre os dois países como aprecia Ricardo (1954, v 1, p. 70):
Um acordo com a Bolívia, sempre inquieta, seria um motivo a menos de
preocupação, para nós, então séria emergência. Não é caso de recordar a
luta, nem os esforços que o Brasil foi obrigado a fazer, nessa conjuntura histórica. O que não se pode negar é que a guerra com o Paraguai terá
influido no ânimo Imperial, ao lado da nossa tendência para a dádiva, para a
magnanimidade.
A grande responsabilidade das negociações pesou sobre Felipe Lopes Neto, ministro
plenipotenciário, em Missão Especial, na cidade de La Paz, representando o Brasil e pela Bolívia D.
Mariano Donato Muñoz seu ministro das Relações Exteriores.
O passo inicial para desenvolverem o trabalho era adotarem um sistema básico para definirem
suas fronteiras. Optaram pelo uti possidetis conceito já exercitado em 1750 no tratado de Madri e
consolidado em Badajoz em 1801.
A concordância do Imperador do Brasil e da República da Bolívia de adotarem o conceito
básico do uti possidetis para definirem as fronteiras de seus territórios, ensejou o inicio da formação
da fronteira Brasil-Bolívia com o: “Tratado de Amizade, Limite, Navegação, Comércio e Extradição
Entre o Império do Brasil e a República da Bolívia”, assinado em La Paz em 17 de março de 1867.
Conhecido também como “Tratado de Ayacucho” e “Muñoz-Neto.”
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A diplomacia Imperial foi vitoriosa e mais uma vez comprovou sua tradição e alto
grau de competência ao conseguir conjugar esforço, com seus pares bolivianos, para lograrem
resultados positivos em duas circunstâncias importantes para as nações sul-americanas, em
meados do século XIX: conseguiu o Tratado de Limites entre o Brasil e a Bolívia; evitou que
a Bolívia sacrificasse seu povo na guerra do Paraguai.
O Tratado de 1867 consta de trinta artigos, porém, o artigo segundo é o que determina
a fronteira conforme segue:
“Sua Majestade o Imperador do Brasil e a República da Bolívia concordam em
reconhecer, como base para a determinação da fronteira entre seus respectivos territórios, o
uti possidetis, e de conformidade com este princípio, declaram e definem a mesma fronteira
do seguinte modo:
A fronteira entre o Império do Brasil e a República da Bolívia partirá do rio Paraguai
na latitude de 20º10´, onde deságua na baía Negra; seguira pelo meio desta até ao seu fundo e
daí, em linha reta à lagoa de Cáceres, cortando-a pelo seu meio; irá daqui à lagoa Mandioré e
a cortará pelo seu meio, bem como as lagoas Gaíba e Uberaba, em tantas retas quantas forem
necessárias, de modo que figurem do lado do Brasil as terras altas das pedras de Amolar e da
Ínsua”.
“Do extremo norte da lagoa Uberaba irá, em linha reta, ao extremo sul da Corixa
Grande, salvando as populações brasileiras e bolivianas que ficarão respectivamente do lado
do Brasil ou da Bolívia; do extremo sul da Corixa Grande irá em linhas retas ao morro da Boa
Vista e aos Quatro Irmãos; deste também em linha reta até as nascentes do rio Verde; baixará
por este rio até a sua confluência com o Guaporé e pelo meio deste e do Mamoré até ao Beni
onde principia o rio Madeira”.
“Deste rio para oeste seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem
esquerda na latitude sul 10º20’ até encontrar o rio Javarí”.
“Se o Javarí tiver as suas nascentes ao norte daquela linha leste oeste, seguirá a
fronteira desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem principal do dito Javari”
(RICARDO, 1954, v.1, p. 70-71; GUILHERME, 1959, p. 23).
Os negociadores, conhecendo as experiências de 1750, procuraram evitar as
complicações das linhas imaginárias, estabelecendo três pontos básicos para assegurar a
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execução efetiva e legal do tratado de Ayacucho: a) o uti possidetis ; b) demarcação por
procedimento em comum; c) limites naturais com conveniência de troca (art. 5°).
A Bolívia, com o limite a partir da latitude sul 20º10’, ficou com acesso ao rio
Paraguai, margem direita, na Baía Negra e, também, ao norte desta, na Baía da Gaíba com
possibilidades de instalações portuárias e de saída para o rio Prata. Na bacia Amazônica a
navegação boliviana conta com maiores facilidades.
Tanto na Bolívia como no Brasil, o Tratado de Ayacucho foi alvo de acirrados
debates, prós e contra, tanto em setores dos próprios governos como nos âmbitos dos
congressos e nas concentrações de intelectuais. Mas ao final, foi ratificado e concluído a
extensa fronteira de 3125 km (SOARES, 1975, p. 157), acabando com antigas fontes de
insatisfação e quizilas entre o Império do Brasil e a República da Bolívia e gerando uma
amizade duradoura, plena de colaboração mútua.
7.3 – A Questão do Acre: o Tratado de Petrópolis 1903
A formação das fronteiras do Brasil envolve um acompanhamento do movimento,
superior a dois séculos, de devassamento e povoamento, do diverso território, decorrente da
marcha para oeste, norte-sul, Amazonas-Tietê, de sua expressão continental e dos acordos
conjuntivos de seus confins com as partes confrontantes.
Tudo amanhece em 1750 quando, em Madri, Portugal e Espanha resolvem traçar a
linha limite de suas possessões na América do Sul e raia o primeiro perfil geográfico do
Brasil. Ainda por merecer balanços políticos provisórios, como 1761, 1777, alçam seu
contorno cartográfico definitivo na decisão de Badajoz de 1801.
É o Tratado de Madri de 1750. É o Brasil estudado, definido e,
diplomaticamente, patrocinado pelo “brasílico” santista, Alexandre de Gusmão. Nele o
território brasileiro é determinado muito antes do surgimento das republicas hispano-
americanas. E é nele que nasce o Acre, patenteia Ricardo (1954, v1, p. 27): “[...] a questão do
Acre nasceu em Madri, com o tratado de 1750, ao tempo em que a Espanha e Portugal
quiseram estabelecer suas fronteiras na América do Sul. O Brasil de um lado, as futuras
repúblicas hispano-americanas do outro, e o tão sonhado Acre de permeio”.
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O Tratado de Madri adotou o sistema do uti possidetis e por ele as terras ocupadas por
nacionais de cada parte teriam a pertença respeitada. Este princípio facilitou o deslocamento
definitivo da vertical de Tordesilhas para oeste, pelos bandeirantes do norte e do sul.
Os heróis da conquista acreana, Cametá, em 1847, e Manuel Urbano da Conceição, em
1860, avançaram para o extremo oeste e sulcando de arrepio, o deserto extremo do Alto Purus
e do Alto Juruá, interpostos entre os rios Madeira e o Javari, já inseridos, nos artigos, VII e
VIII do Diploma ibérico como pertencentes a Portugal.
Mesmo antes de existir a república da Bolívia e o nome Acre, a região do «último
oeste» já nos pertencia como afirma o Barão do Rio Branco (1947, v.5, p. 10):
Quando em 1867 negociamos com a Bolívia o primeiro tratado de limites, não estavam ainda povoadas as bacias do Alto Purus e do Alto Juruá, mas
tínhamos incontestável direito a elas e em toda a sua extensão. O Tratado
Preliminar de 1777 entre as Coroas de Portugal e Espanha ficara roto desde a guerra de 1801, pois não fora restabelecido por ocasião da paz de Badajoz.
Com a independência das colônias espanholas, a região do Alto Purus se liberta, em
1825, como República da Bolívia e passa a formar extensa vinculação territorial com o
Império do Brasil. Esta condição de confinante com extensas raias, em regiões de baixa
população, sem comunicação, isoladas dos centros do poder, tornaram-se manadeiros de
conflitos entre as duas nações, alimentadas, principalmente, pelo desconhecimento geográfico
das posses acordadas.
Apesar de tais circunstâncias de proximidade geográfica, a desconfiança contra o
Império do Brasil afastava, em contínuo, as possibilidades de relacionamento amistoso,
suficiente para acordar negociações de limites.
Assim, somente em 1867, o Império do Brasil e a República da Bolívia firmaram o
primeiro Tratado de Limites com base no princípio do uti possidetis e, no artigo 2º,
estabeleceram para divisas, na bacia Amazônica, os rios Guaporé, Mamoré, Beni, Madeira,
Javari, Amazonas, sendo a geodésica Madeira-Javari a limitante da futura região do Acre,
com base no tratado de Madri como afirma Ricardo (1954, v.1, p. 71): “[...] “Madeira. “Deste
rio para oeste seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem esquerda na latitude
sul 10º20’ até encontrar o rio Javari”. “Se o javari tiver as suas nascentes ao norte daquela
linha leste oeste, seguirá a fronteira desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem
principal do dito Javari”.
91
E Ricardo (1954, v.1, p. 71) explica pontos importantes dos dois tratados que deram
margem a interpretações polêmicas quando da demarcação da fronteira:
Comparando com o de 1750, no tocante a fronteira, o que aí se verifica é que
a linha leste oeste, a começar da distância média, entre as confluências do Madeira e Mamoré é substituída por uma linha paralela da foz do Beni na
latitude sul 10º20’ até encontrar o Javari. A novidade estava, também, que
essa paralela da primeira hipótese poderia ser substituída por uma oblíqua na segunda, em razão da ressalva relativa à nascente do Javari mais ao norte.
Os negociadores atinaram na penumbra à localização da nascente do Javari. Jogaram
na probabilidade de estar na linha leste oeste, a partir da latitude sul 10º20’ a junção Madeira
– Javari, como determinante da fronteira do Brasil com a Bolívia. E para maior clareza do
acordo aventaram a hipótese de a nascente do Javari estar ao norte da paralela inicial e, neste
caso, a paralela podia ser substituída por uma oblíqua.
Entretanto, é de bom alvitre analisar que a jogada dos negociadores se fazia
duplamente necessária, pela incerteza geográfica de estar a nascente do rio Javari para sul ou
norte do ponto inicial acordado no rio Madeira. Mesmo jogando no escuro, abriam opções
para negociar como bem concluiu Ricardo (1954, v.1, p. 7): “Quero supor que a linha reta do
Madeira ao Javari, variando entre paralela ou oblíqua, é que possibilitou o acordo – cada um
com esperança na sua hipótese. Se só fosse a paralela, a Bolívia não aceitaria; se só fosse a
oblíqua, o Brasil é que não poderia concordar.”, e o acordo, tão necessário, nas circunstâncias
vigentes, não teria vingado.
Para o minguado arsenal tecnológico da geografia da época, em termos instrumentais
para observação científica de latitudes e longitudes, básicos à produção cartográfica, e ainda
complementada pela vastidão da floresta impenetrável, e pelo labirinto potamográfico da
Hiléia de Humboldt, os diplomatas Lopes Neto e Donato Muñoz foram cautelosos no trabalho
de formação da fronteira Brasil-Bolívia. Esmeraram-se no zelo para não deixar duvidas aos
demarcadores, porém, a dupla opção de paralela e oblíquas (três) para encontrar a nascente
do Javari, a partir do Madeira, ensejou duvidas e criou a complicada questão do Acre.
Concluído o tratado entre as partes, iniciou-se a batalha da demarcação. Porém, depois
de sucessivas tentativas com divergentes resultados – a demarcação de 1874 encontrou a
nascente do Javari na latitude sul de 7º1’17’’5 – conforme Guilherme (1959, p. 26) e Góes
Filho (2001, p. 286). Estes extremos podiam ser ligados por uma linha obliqua. Uma vez
ligadas a cabeceira do Madeira, aos 10º20’ latitude sul, à nascente do Javari, encontrada a
92
7º1’17’’5, ficava estabelecida a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Com relação à fronteira
definida pelas paralelas ou pelas oblíquas, Ricardo (1954, p. 130) explica: “Tome-se nota,
pois: linha paralela, Acre brasileiro. Linha obliqua, Acre boliviano.”
Para muitos, este resultado não expressava a intenção do Tratado. Era muito
prejudicial ao Brasil que perderia grandes e importantes áreas da Amazônia, como bem
esclareceu Taumaturgo de Azevedo em Guilherme (1959, p. 28) e Ricardo (1954, v.1, p. 108).
O acontecimento alceou notoriedade, na opinião pública, como geratriz de
controvérsia, alimentando os grupos políticos na agitada indagação de saber se o Brasil, em
conseqüência do Tratado de 1867, doara à Bolívia territórios de sua propriedade, certificada
pelo direito de posse decorrente do uti possidetis de 1750.
Por essas veias as opiniões ganharam manifestações várias, externadas pelos mais
aquilatados vultos da cultura e da política nacional: Serzedelo Correia, Pandiá Calogeras,
Alcindo Guanabara, Clóvis Beviláqua, Ruy Barbosa, Rio Branco e tantos outros, sobre se
houve ou não cessão de território. Para uns houve, para outros não.
Os discursos prós e contra continuaram. Mas, sobre a região, objeto do Acordo pouca
referência se fazia em termos de geografia física e humana. A Amazônia estava sendo
descoberta. Suas estradas eram os rios. E estes estavam sendo singrados e registrados pelos
bandeirantes do norte.
Tudo era deserto. Como mostra, referindo-se a região «Entre o Madeira e o Javari»,
Cunha (1975, p. 102): “[...] do Padre João Daniel no seu Tesouro Descoberto: “Entre o
Madeira e o Javari, em distância de mais de 200 léguas, não há povoação alguma nem de
brancos nem de tapuias mansos ou missões.” O dizer é do século XVIII e podia repetir-se em
1866 na frase de Teixeira Bastos: “O Amazonas é uma esperança; deixando-se as vizinhanças
do Pará penetra-se no deserto.”
O Alto Purus e o Alto Juruá começavam a ser visitados e conhecidos pelas investidas,
para o oeste, realizadas pelos exploradores João Cometá, em 1847, e Manoel Urbano da
Conceição, em 1860.
Manoel Urbano saindo de Manaus e ganhando o Purus, descobriu e explorou o Aquiri
ou Acre. Os registros históricos mostram ter Urbano explorado o rio Acre, minuciosamente, o
que foi de grande proveito para a região pela descoberta de sua grande concentração de
riquezas.
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A fase de exploração dos rios da Amazônia e em particular do Acre foram
desempenhadas no período que antecedeu o povoamento, mas, já nos pertencia como explica
o barão do Rio Branco (1947, t.5, p. 10): “Quando em 1867 negociamos com a Bolívia o
primeiro tratado de limites, não estavam ainda povoadas as bacias do Alto Purus e do Alto
Juruá, mas tínhamos incontestáveis direitos sobre elas em toda a sua extensão.”
Porém a exploração se exacerba com a presença do pesquisador inglês Chandeless que
chega ao Purus, em 1864, para tentar encontrar uma comunicação entre o rio Purus e o rio
Madre de Dios, acima das cachoeiras, na idéia de descobrir a real existência de comunicação
entre as bacias do Amazonas e do Paraguai.
Para seu guia buscou Manoel Urbano, o mais lépido bandeirante do norte, que havia
feito o reconhecimento do percurso do rio, conhecia as tribos ribeirinhas e dominava suas
línguas.
Os trabalhos do sábio inglês foram publicados no “Journal of the Geografical Society,
de Londres (vol. XXVI)” com grande repercussão internacional. Outros pesquisadores, como
Labre, exploraram o Juruá.
O leite da seringueira, o “Látex”, já era conhecido dos índios americanos. Coube a
Charles de La Condomine desenvolver sua pesquisa durante sua estada na Amazônia,
identificá-la como Hevea brasiliensis, difundi-la como produto natural com a denominação
de Goma Elástica, “a borracha.” A partir daí Goodyear desenvolveu a vulcanização, Hancock
tenta a indústria manufaturada da borracha e Thompsom inventa o pneumático. E com
aproveitamento em milhares de aplicações o leite da seringueira transformou-se no ouro negro
do Acre e do mundo.
Conhecidos já em caráter científico os percursos dos rios, «quanto às condições de
navegabilidade», a navegação a vapor possibilitou maior abordagem entre Manaus e a região.
Como afirma Ricardo (1954, v.1, p. 83): “Em 1869, começa o Purus a ser navegado, em
conseqüência do tratado de 1867, que declarara livre a navegação pelo Amazonas e seus
afluentes.”
Como vimos antes, ocorre uma continuidade da fase de exploração com a de
povoamento dos rios amazônicos. Dois fatores principais se apresentam como nexos causais
do rápido movimento migratório para povoar o Acre.
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As populações do nordeste sempre estiveram subjugadas à inconstância dos
fenômenos climáticos, tendo sua economia acossada pelos rigores das secas, impostora de
sacrifícios e sofrimentos. Às vezes por curtos períodos, outras por longos estivais capazes de
arrasar tudo e provocar a transmigração das populações.
O Ceará tem sido o estado mais acossado pelas alternâncias de estiagens prolongadas
e invernos curtos, com efeitos severos sobre a sobrevivência e a fuga da população. Assim foi
o período dramático dos anos de 1877/1879 quando ocorreu o primeiro aporte de cearenses ao
Acre.
E a onda povoadora se intensificou no período 1877/1889 e, determinada por fatores
vários: econômico, geográfico, climático e o mítico chamamento dos seringais, tomou
caminho para as bacias do Purus e do Juruá, rios com maior fluxo de navegação a vapor e
com perspectiva de comércio promissivo resultante do avanço industrial da borracha.
E assim continuou o cearense a buscar o «eldorado» na formação da geografia dos
seringais, no deserto silente e vivo da floresta. Desafio, somente possível, para afoitos, fortes
e perseverantes; para nordestinos, na linguagem de Euclides da Cunha. E Ricardo (1954, v.1,
p. 85) aduz: “Assim, em 1877 são 14.000 cearenses que emigram para a Amazônia. No ano
seguinte, nada menos de 54.000 – “não mais parou a onda povoadora.” Em 1900, ainda são
47.935, segundo os dados coligidos por Oliveira Costa”.
Ao passar do tempo a Amazônia se abria para abrigar levas sucessivas de nordestinos
que buscavam novos desafios no segredo desconhecido da grande floresta. Arriscavam tudo
por uma vida nova, com possibilidades de sucesso ou mesmo uma morte sem fome. Era o
ombrear do desafio entre a seca e a água pós-diluviana. Era a decisão entre o morrer
entrevendo a morte ou o viver vislumbrando o perigo, no abraço estranho da selva, no reino
das Naiades.
Partiram para a decisão segunda: viver no perigo da selva. Sobreviver na esperança de
ser feliz. Seguindo, ao revés das águas, a calha do grande rio, os nordestinos subiram os
afluentes da margem direita e, no ocaso do século XIX, alcançaram as grandes concentrações
de seringueiras do Alto Purus e do Alto Juruá.
Em cada riba implantavam núcleos e a partir destes abriam caminhos pela floresta no
árduo trabalho de identificar seringueiras e demarcar seringais. Avançavam e «que de boa fé
ali se fixara», ocupando a terra desocupada. Não sabiam por onde andavam. O intrincado da
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floresta verde desnaturava a raia verde do acordo (1867); os seringueiros não sabiam que
estavam em território da Bolívia.
Mas as terras por eles visitadas eram «incontestavelmente» bolivianas. Como toda a
vasta região ao sul da linha geodésica Madeira Javari, considerada pelo Governo Imperial,
Ministro Carlos de Carvalho, como a fronteira entra o Brasil e a Bolívia, após a última
demarcação executada por Cunha Gomes, e quase coincidente com a de Tefé, confirmava a
nascente do Javari a noroeste da paralela leste-oeste do Madeira. Ambas as demarcações com
resultados diferentes entre si diferenciavam-se da executada por Luis Curls o que para
Ricardo (1954, v.1, p. 151): “Queria isto dizer que a obliqua variou três vezes de posição, com
todas as conseqüências territoriais que tais mudanças impunham”.
E o Barão do Rio Branco (1947, v.5, p. 15-16) confirma esta evidência: “Toda a vasta
região acima mencionada, ao sul de uma linha geodésica traçada da nascente principal do
Javari à confluência do Beni com o Mamoré, estava reconhecida como boliviana por
numerosos atos e declarações dos governos que entre nós se sucederam desde 1867, isto é,
durante o regime imperial e após a proclamação da República.” E sem conhecer avançaram,
em busca das terras desocupadas, pelos caminhos líquidos da margem direita, da grande rede
tributária, do rio mar.
E no arrepio do Purus encontraram o rio Acre. Nas suas margens assentaram
acampamentos como Porto Acre que, a partir de «Seringais Empresas», deram origem a
povoados como Rio Branco, Xapuri e de modo semelhante, no Juruá, concentrou-se em áreas
como a da atual Cruzeiro do Sul. E assim prosseguiram no anseio da fortuna fácil e rápida.
O povoamento do Acre teve crescimento acelerado a partir do final de 1880,
proporcionado pelo aumento de produção da Borracha exigido pelo mercado internacional. A
demanda decorria de a borracha ter recebido múltiplas aplicações no mercado mundial como
ressalta Ricardo (1954,v.2, p. 116): “A revelação acreana iria revolucionar a civilização do
século XX, com 40.000 utilidades a que se prestaria a goma elástica.” A corrida para os
seringais foi muito semelhante às das minas de ouro do Centro Oeste, deixaram os núcleos
vazios.
Pelos rios Purus e Juruá, tributários do Amazonas, os navios procedentes de Belém e
Manaus acessavam a região com milhares de nordestinos e regressavam carregados com
toneladas de borracha. Era o capital estrangeiro acelerando o desenvolvimento da região e
plantando luxo e riqueza em Manaus e Belém. Tocantins (1972, p. 234-35) aduz:
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Nas duas capitais amazônicas a fortuna deu origem a monumentos,
palacetes, a grandes obras públicas, atraiu companhias líricas italianas,
apresentadas no Teatro da Paz, em Belém, ou no Teatro Amazonas, em Manaus, proporcionou viagens contínuas à Europa aos patrões, seringueiros,
e a educação da juventude nos grandes centros europeus, e outros valimentos
da civilização. Graça ao ouro negro das selvas. Em Belém, as modas, o luxo,
o bom-gôsto, eram de mais requintes do que na própria capital da República. [...] Belém e Manaus eram as capitais da borracha.
De tal monta era o fluxo comercial que o rio Acre foi cognominado, ao iniciar-se o
1900, «a Meca da Borracha ».
Durante quinze anos tudo correu bem com a Bolívia, até ser verificada a posse efetiva
da terra pelos seringueiros brasileiros e, concomitante, a revolução no mercado internacional,
aumentando a demanda da borracha.
Por volta de 1895, em decorrência das vantagens comerciais que o látex oferecia, a
população boliviana, acostumada em clima de altitudes, despreparada para enfrentar a
severidade climática e ambiental da floresta, se precipitou em avalanches para o Acre, como
enfatiza Guilherme (1959, p. 29-30): “A esta altura a penetração de bolivianos no Acre
intensificou-se de maneira assustadora. Não se tratava de uma colonização; tratava-se de um
autêntico rush, o “rubber rush,”[...].” A região foi então povoada também por bolivianos e a
questão de fronteira se acendeu com graves conflitos entre os nacionais brasileiros e
bolivianos.
Para facilitar ainda mais a ação boliviana o Brasil autorizou o estabelecimento de uma
alfândega no rio Acre, onde o Governo boliviano tinha fundado Porto Alonso, em 3 de janeiro
de 1899.
Ao mesmo tempo o Ministro da Bolívia no Rio de Janeiro, José Paravicini, se
deslocava para Manaus com a finalidade de estudar com o governador da Amazônia um
projeto para implantar um sistema de alfândegas mistas na região do rio Acre. De imediato o
sistema alfandegário boliviano foi implantado.
Paravicini, como comissionado, expediu um decreto pelo qual os rios bolivianos
Acre, Purus e Yacú ficavam abertos para livre navegação. Este ato prejudicava o comércio
brasileiro de cabotagem. O ato, considerado humilhante, provocou imediata reação e protestos
dos brasileiros que moravam em terras acreanas. Para eles não era possível aceitar que as
terras do Alto Purus, do Alto Juruá e do rio Acre, por eles conquistadas, exploradas, povoadas
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com bravura, lealdade, espírito de sacrifício, perseverança e convicção brasileira, fossem
transferidas à autoridade boliviana, estrangeiros, que nunca nelas labutaram.
Eram brasileiros e não iam se subordinar as normas desastrosas e leis de marcante
draconiano editadas por governos alienígenas. A população estava obrigada a cumprir leis
absurdas de arrecadação de impostos; o fisco determinava tudo; a autoridade boliviana
intervinha diretamente na jurisdição nacional, como bem explicita Ricardo (1954, v.1, p. 112):
“O Sr. Paravicini era o executor dessas leis – senhor de baraço e cutelo, como um barão
feudal”.
A chegada dos bolivianos causou insatisfação à população acreana. Dois de janeiro
de 1899, data que os acreanos iam guardar para sempre como alimentador de sua indignação e
revolta pela perda suas propriedades. O Acre era então colônia boliviana. Inconformados,
acharam que tinham que se organizar para reagir, expulsar os intrusos forasteiros e reaver suas
propriedades. E assim fizeram: a Insurreição Acreana.
No calor da selva, no âmago dos seringais, a indignação aquece os injustiçados para
alimentar ódio aos invasores e somarem forças para reverter o mando estranho e reassumir
suas propriedades.
Guardavam ressentimento do governo brasileiro, que ajudara os intrusos indesejáveis.
A revolta incontida alimenta e acelera o escopo e a estratégia do plano. Antes de completar
um semestre da ocupação boliviana, concluem pela reação imediata. O primeiro grupo de
acreanos sublevados parte do seringal Bom Destino para Porto Acre, sob comando de José de
Carvalho. Intimam o delegado boliviano a retirar-se imediatamente do território; explicam
que a não obediência resultaria em ação bélica com resultados indesejados para as partes.
O delegado boliviano Moises Santiváñez ao analisar a intimação, que explicava tratar-
se de uma ação de razão nacional, não pessoal, aquiesceu retirar-se. Era 1º de maio de 1899,
os insurretos retomam Porto Acre e criam uma Junta Central Revolucionária para coordenar o
movimento.
Por esse tempo, o espanhol Luis Galvez Rodrigues Arias trabalhava para o consulado
da Bolívia, conforme agrega Albuquerque (Internet, p.2), e recebeu para traduzir para o inglês
um documento que era um acordo secreto preparado por diplomatas da Bolívia e dos Estados
Unidos da América, estabelecendo uma aliança entre os dois países com o compromisso dos
Estados Unidos de dar apoio militar à Bolívia em caso de guerra com o Brasil pelo domínio
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do Acre. Como jornalista Galvez publicou a matéria na imprensa do Pará e da Amazônia. A
notícia do acordo chocou a opinião pública brasileira, apesar da negação dos dois países.
Galvez leva o assunto ao governador do Amazonas Ramalho Junior. Analisaram o
assunto devidamente e depois de farta negociação Galvez parte para o Acre, com os recursos
suficientes para a missão de expulsar os bolivianos de Porto Alonso, patrocinado pelo
Governo do Amazonas, sub-repticiamente.
Já com as conclusões de Manaus, Galvez chega ao Acre e se reúne com as lideranças
da Junta Central Revolucionaria para um estudo detido do assunto. Sabendo que o governo
brasileiro reconhecia os direitos da Bolívia sobre a região, tinham que buscar uma solução
diferenciada para o problema e desta reflexão surge à idéia da criação do Estado Independente
do Acre. Sem delongas, partiram da idéia para a ação e no lugar, denominado «Empresa», foi
criado, no dia 14 de julho de 1899, data referencial a queda da Bastilha, o Estado
Independente do Acre, organizado em modelo de republica, com capital na cidade de Porto
Acre.
Galvez formado em ciências jurídicas e sociais era orador virtuoso, sempre firmado
em orações lógicas e precisão verbal, detinha facilidade de persuasão e com tais atributos
acercou-se de “algumas figuras acreanas de relevo que o auxiliaram”, daí ter sido aclamado
por unanimidade como presidente do novel Estado.
Sem perda de tempo criou uma legislação avançada e organizou um país moderno em
todos os detalhes; edificou uma capital “garrida” que alheava os aspectos de insalubridade da
região. Mas, quando o rigor da lei incomodou o lucro de sindicalistas e, especialmente, dos
«aviadores e exportadores de Manaus e Belém», Galvez foi substituído pelo seringalista
Antonio de Souza Braga que assumiu a presidência em 28/12/1899. Sem experiência
administrativa, Braga retorna o cargo a Galvez em 30 de janeiro de 1900. Este deu
continuidade aos trabalhos executivos e nele permaneceu até 15 de março do mesmo ano
quando o governo federal o destituiu do cargo de presidente do Estado Independente do Acre,
sem qualquer resistência, e devolveu o Acre à Bolívia.
Luis Galvez aparece na história como figura estranha, enigmática, misto de intelectual
e aventureiro, quixotesco, que se apresenta como lídimo defensor do Acre. E assim ficou
registrado na crônica como simples aventureiro. Mas a realidade de seus feitos em uma causa
nobre e difícil, em favor de um povo e de uma pátria, com desprendimento e coragem, merece
receber a opinião abalizada de Ricardo (1954, v.1, p. 114-115):
99
Até hoje sua figura é discutida. [...]; mas a verdade é que ele, como também
hoje se reconhece, foi quem realizou três coisas realmente interessantes;
criou a bandeira do Acre, [...]; proclamou o Estado Independente do Acre e não sem conseqüências, (pois dava ao caso acreano um novo aspecto, de que
aproveitaria Rio Branco), edificou barracas elegantes na capital do novo
Estado (14) chamando a atenção nacional para o longínquo torrão brasileiro,
então considerado inquestionavelmente boliviano. Outra verdade é que, aventureiro ou não, se pôs ele a serviço de uma causa que se formara na
consciência não só dos acreanos como dos amazonenses. Nem lhe faltou a
ajuda do governador Ramalho Junior, o auxilio de seringueiros e de proprietários “de avantajados cabedais e real prestígio no seio da população
– o que deu a essa intervenção um certo caráter de legitimidade”. O que
havia nele de verdadeiro, diga-se de passagem – era a causa de que se
arvorou defensor. A necessidade de alguém que assumisse a chefia da insurreição era tal que o primeiro disposto a aceitá-la servia: Galvez, ou
qualquer outro – que polarizasse as aspirações e interesses locais, em pleno
furor de ser.
O Brasil deve a Luis Galvez Rodrigues Arias a primeira Insurreição, isto é, a primeira
arrancada, a primeira revolução para o Acre ser brasileiro.
O não reconhecimento do Estado Independente do Acre pelo governo brasileiro por
considerar o Acre como território boliviano oportunizou à Bolívia a se preparar para assumir
com bases seguras a posse de seus domínios nas terras acreanas cinco meses depois da saída
de Galvez, outubro de 1900.
Agora sob o comando do Ministério da Guerra é enviado extraordinário ao território
das Colônias, Lúcio Velasco, Vice-Presidente da Bolívia que, resguardado por poderoso
aparato militar, junta-se, em Porto Alonso, ao delegado boliviano do Acre, André Munhoz, e
tentam um movimento apaziguador com os habitantes do Acre, sem sucesso.
Entre os brasileiros persistia a revolta e os protestos de profissionais liberais e
intelectuais de Manaus e Belém, contra a posição do governo federal. Conspiravam para
formar uma legião para se juntar aos seringueiros e atacar as fortificações bolivianas.
No Porto de Manaus dois insurretos José Maria dos Santos e Efigênio de Sales
prenderam um barco de guerra boliviano, substituíram a tripulação pelos seus que formavam a
expedição Floriano Peixoto, cujo objetivo era fazerem a Segunda Insurreição acreana. Os
sublevados recebem o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri. Formam uma flotilha
com dois navios, o Solimões e o Mucuripe, e a lancha tomada aos bolivianos.
Mais de uma centena de sublevados, exuberantes de patriotismo e escassos de preparo
bélico e estratégico, rumaram para Caquetá, divisa do Estado do Amazonas com o território
100
dominado, para se juntarem ao grupo de seringueiros armados, remanescente dos embates
anteriores e que ainda enfrentavam os bolivianos em escaramuças eventuais. O grupo da
expedição Floriano Peixoto, pelo aparente despreparo para o objetivo colimado, passou a ser
referido como a “expedição dos poetas”.
No dia 29 de dezembro, de modo precipitado, iniciou o ataque a fortificação de Puerto
Alonso e o resultado foi uma rápida e fragorosa derrota, que redundou no desbarato da
expedição “Floriano Peixoto.”
Por sorte, conseguiram voltar para Manaus. Os planos se diluíram na derrota. Mas, o
malogro do movimento revolucionário do “Grupo dos Poetas” teve seu lado positivo.
Despertou a atenção nacional para a grave situação de vida ou morte dos brasileiros que
viviam e trabalhavam no Acre, explorando as riquezas da floresta amazônica, na disputa das
terras acreanas, com a Bolívia, sem o amparo devido do governo brasileiro.
A Bolívia enfrentava a questão do Acre com ásperas dificuldades internas de natureza
política e econômica, decorrentes da instabilidade governamental provocada pelas sucessivas
quarteladas e pela perda do litoral do Pacifico para o Chile na guerra de 1879. Sentindo que
não represava forças para continuar enfrentando os embates com os brasileiros
revolucionários ocupantes das terras acreanas e prevendo a possibilidade de perder o território
litigioso, procurou encontrar novos caminhos para se respaldar.
A partir de meados de 1901, o governo boliviano resolveu adotar uma proposta de
Felix Avelino Aramayo – seu ministro em Londres – que consistia em interessar capitalistas
ingleses e americanos para formar uma sociedade, anglo norte-americana, companhia de carta
colonial, nos moldes das implantadas na África e na Ásia, para arrendar da Bolívia o território
das colônias, incluindo a região do Acre com raias ainda não definidas. Consoante aduz
Aramayo (1903, p. 113):
Las bases de ese contrato fueron formuladas por mi, en consulta con
hombres experimentados en esa clase de empresas y en vista de las cartas
constitutivas de sociedades análogas, como la compañia de Indias, la compañia de sud Africa y outras.
Depois de diligenciar por países da Europa e pelos Estados Unidos da América do
Norte em busca de argentários com forte influência junto aos governos de seus países, a
Bolívia e os Estados Unidos, firmaram a 11de junho de 1901 o contrato de arrendamento. O
diplomata e historiador boliviano Jorge Escobari Cusicanqui (1986, p. 24) explica: “[...] el
101
Gobierno de Bolívia, en el deseo de consolidar de alguna manera su presncia en ese territorio,
celebró um contrato de administración fiscal con “The Bolivian Sindicate” de Nueva York.”
Constituiu-se então o Bolívian Syndicate. O Sindicato que aparentava ser apenas
um contrato de arrendamento para produção industrial «da arvores da goma», com um capital
de £5.000.000, apoio da United States Rubber Company, trazia, subjacente, objetivos muito
mais amplos e perversos, como o apoio dos governos americano ou inglês, para a Bolívia, em
casos de confronto com o Brasil, referente ao Acre, como agrega Ricardo (1954, v.1, p. 156):
A Bolívia transferia ao Sindicato tal soma de poderes que a operação, sob o
pretexto de industrial, em relação a arvores da goma, o que estabelecia era um órgão soberano, com capacidade de praticar atos que só os Estados
praticam: administrar territórios, arrecadar impostos, organizar polícia,
armar e manter exército e uma esquadra! [...] Mas havia um outro aspecto,
este ofensivo aos ideais do continente, no incrível contrato. Seria a implantação, na América, de um regime asiático e africano (4) o das
Chartered companies.
A concretização do Bolivian Sindicate vem confirmar a denuncia de Galvez publicada
em 03/06/1899, Untitled Document (Internet, 10/01/12, p. 2) e sempre negada pelas partes
contratantes como expõem Ricardo (1954, v.1, p. 155): “Há uma indagação do governo
brasileiro sobre o assunto, dada a sua gravidade, e o ministro boliviano, em resposta, garante a
inexistência do sindicato... coisa que fazia aumentar o caráter político da transação levada a
efeito, ou os seus perigosos intuitos.”
Neste ato a Bolívia atestou sua incapacidade para administrar o Acre e impor a sua
soberania sobre uma região habitada por brasileiros, e que não a pertencia por direito. Esta
atitude das autoridades de La Paz veio arrefecer o relacionamento diplomático com o Brasil e
dificultar as negociações da questão do Acre.
Da «monstruosidade jurídica» desfechada pela Bolívia contra o continente, ao firmar
com americanos e ingleses a introdução do regime afro asiático da Chatered Companies, no
território do Acre, proveio à terceira insurreição acreana; a revolta dos brasileiros contra a
ameaça à Amazônia e, ainda, ao «maior complexo fluvial do mundo» pelo poderio norte
americano, como, já e antes do Sindicato, asseverava Ruy Barbosa (apud RICARDO, 1954,
v.1, p. 157) “São conhecidas as aspirações da nossa estimável irmã da América do Norte, a
respeito da borracha; é notório o seu apreço pelo torrão maravilhoso, possuído pelo Brasil, nas
margens amazônicas”.
102
O fato provocou a manifestação da imprensa, sociedades científicas e culturais, do
Congresso nacional, exigindo do governo brasileiro providências severas e imediatas contra o
descalabro jurídico em andamento, provocado pela vizinha República.
A revolta acreana era de âmago patriótico como vemos na declaração escrita de José
Plácido de Castro, tomado pela indignação ao ter conhecimento do Contrato e analisar suas
conseqüências como relatam Tocantins (1972, p. 206) e Ricardo (1954, v.1, p. 165):
Veio-me à mente [...] a idéia de que a pátria brasileira ia se desmembrar,
pois, a meu ver, aquilo não era mais do que um caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando desde então a lhes franquear a
navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte
do Brasil ensejaria aos poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça, em breve estaria consumada. Guardei apressadamente a
bússola de Casela de que estava me servindo, abandonei as balizas e demais
utensílios e saí no mesmo dia para a margem do Acre.” “Estava-se em 23 de junho de 1902. O Acre nessa data encontrou o seu libertador.
No emanar da República, considerando-se o período compreendido entre 1894 e
dezembro de 1902, não são de promissores resultados para o Brasil a condução dos negócios
estrangeiros pelos Ministros de Relações Exteriores, sendo ministros: Carlos de Carvalho,
Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães, principalmente no desempenho da questão do
Acre.
Por esta época o Ministério das Relações Exteriores era conduzido por figuras da área
política ou militar, geralmente de pouco preparo para o trato internacional e, principalmente,
no atinente a geografia e historiografia do perfil territorial do Brasil. Sobre tal realidade bem
se manifesta Pereira (2007, p. 240) ao se referir a transição Império - República:
A elite nobre do Império, educada na Europa, foi intempestivamente
substituída no poder por militares e civis, que não possuíam tradição cultural e experiência no trato da coisa pública. Essa substituição foi, em parte,
forçada pela maioria dos nobres, que se negaram a colaborar com a
República, na qual pontificavam chefes que haviam participado da
campanha do Prata, honrados e com atestado de bravura e amor à Pátria, porém poucos afeitos à política e à administração.
Quando do advento do tratado de 1867, firmados pelo Império do Brasil e a República
da Bolívia, pensou-se na definição e demarcação dos limites entre os Estados contraentes para
estimar a precisão geográfica do Acre.
O que parecia uma questão de fácil solução ganhou asas na vasteza das complicações,
oriundas das críticas dos falsos sapientes da matéria, figurões políticos, ministros de Estado,
103
senadores verbosos, com consequências transtornantes aos convizinhos, como agrega Ricardo
(1954, v.1, p. 28):
Agora a solução viria com a conseqüência de que o Acre teria a sua
definição geográfica. Pois, deu-se o inverso. Houve erros, uns de interpretação do novo pacto, outros de história e geografia e – resultado – o
Acre que o Rio Branco teve que definir e incluir no mapa brasileiro; isto é,
um Acre objeto de três revoluções e vítima de três “protocolos espúrios”.
Passando a conclusão para a ordem direta da história, ficamos com: – um Acre objeto
de três “protocolos espúrios” e três revoluções consequentes. Os protocolos de 1895, 1898 e
1899 dos citados chanceleres, foram pedras angulares da transferência do Acre brasileiro para
a Bolívia e, pelos mesmos feitos, das três insurreições acreanas. E Ricardo (1954, v.1, p. 14)
infere: “O Acre era nosso, [...], deixou de ser nosso. A nossa diplomacia fez presente dele à
Bolívia. De 1895 a 1899 e de 1899 a 1902 a nossa diplomacia sustentou que o Acre era da
Bolívia e o fez com “mas ardimiento” do que os próprios bolivianos.” E ainda Ricardo (1954,
v.2, p. 57) se interroga: “Pois não foram esses erros, justamente, que haviam colocado nas
mãos da Bolívia a arma com que ela, depois, lutou contra nós?”
Dúvidas não pairam sobre a matéria. Múltiplas são as fontes que de igual modo a
conclui. E autores emergem com rigor de analise como o faz Silva (Internet, 21/01/2012):
Os tempos de dirigentes alienados como Carlos de Carvalho, Dionísio Cerqueira e Olinto de Magalhães passaram a ser coisa do passado. O primeiro nome citado, convém recordar, foi o responsável pelo protocolo
Carvalho-Medina que aceitou uma posição geográfica para a nascente do rio
Javari, sem que tivesse sido ela devidamente reconhecida no terreno,[...]. O
segundo, Dionísio Cerqueira, teve a infelicidade de autorizar a Bolívia a instalar um posto alfandegário no rio Acre, em zona totalmente ocupada por
brasileiros. O terceiro, continuador, da política infeliz dos dois antecessores
imediatos, ainda teve a petulância de menosprezar os habitantes do Acre, quando afirmou publicamente: "O seu território é habitado, não por
bolivianos, por brasileiros, que nem um interesse real têm na sua
independência, porque não lhes muda a sorte. Eles são, como antes, simples
instrumentos na exploração dos seringais, mais sujeitos à fatal conseqüência
da insalubridade do clima que enriquecidos pelo seu trabalho.
Desse período de penumbra diplomática do Império e da Republica só se salva
discreta claridade nas determinações de Campos Sales, 1901, quando do desmando de
Paravicini, de mandar suspender a tramitação no Congresso do Tratado de Comércio e
Navegação com a Bolívia, bem como cancelar, em nossos rios, a liberdade de navegação para
104
exportação de produtos bolivianos. Fora esta decisão nada, além do que se mostrou, foi
positivo à política externa dos ministros mencionados, em favor dos brasileiros do Acre.
Mas, viria alguém para defender os acreanos. Alguém capaz de entender os erros de
interpretação e do próprio mapa do tratado de Ayacucho. Alguém com sensibilidade para
buscar a realidade geo-social, humana, histórica da Questão do Acre e se decidir a defendê-los
com razão, decisão e justiça. Seria Rio Branco.
A situação da política externa do Brasil apresentou significativas modificações,
positivas para o Acre, com a presença de Francisco de Paula Rodrigues Alves na presidência
do Brasil (1902-1906). Homem de formação cultural abrangente, robusto e fúlgido currículo
no decurso da vida pública, experiência política e por isso referido como «aquele que sabe
escolher seus auxiliares» – indicativo preciso de governante sensível.
E essa qualidade se concretiza quando faz retornar da Alemanha o Barão do Rio
Branco para ocupar o Ministério das Relações Exteriores. Detinha o presidente conhecimento
sedimentado dos problemas de nossas fronteiras, especialmente do noroeste da Amazônia, e
buscava atrair pessoas, de notório saber e comprovado desempenho no trato da negociação
diplomática.
O Barão do Rio Branco já se consagrara como seguro conhecedor dos problemas das
fronteiras brasileiras e tenaz estrategista do direito internacional, quando da defesa do Brasil
nas questões de Palma e do Amapá.
Apesar da demorada permanência na Europa, Paranhos do Rio Branco, mantinha-se
informado sobre a inteligência (GÓES FILHO, 2001, p. 288) do governo brasileiro à
interpretação do tratado de Ayacucho quando, então, ministro em Berlim.
Ainda na Alemanha, acompanhava o desenrolar da questão do Acre, preocupado com
a presença do sindicato; fez correspondência com seu amigo Assis Brasil, embaixador em
Washingtom, com o objetivo de saber como se posicionava o governo norte-americano sobre
o assunto.
Em 03 de dezembro de 1902, José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco toma posse
como Ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Assume a direção dos assuntos estrangeiros num período em que a questão do Acre se
complicava em seus múltiplos aspectos, na sua infinidade de questões, de caráter político,
105
jurídico, geográfico, econômico, social e humano, a ponto de não ser fácil divisar o caminho
certo à sua solução.
A questão ascendeu do âmbito local para o sul-americano e deste para o continental e
para o universal, agravada pelo contrato entre a Bolívia e o Syndicate anglo-americano, por,
pelo menos, duas razões pertinente: a Hevea brasiliensis e a navegação dos rios amazônicos.
Rio Branco encontrou estremecidas as relações de amizade com a Bolívia e, em suas
próprias palavras, “sumamente grave e complicada as questões relativas ao território do
Acre”, além da opinião pública extremada pela paixão patriótica a exigir ação destemida e
imediata do governo. Conforme já referidas, encontrou: 1 – a região sublevada por Plácido de
Castro; 2 – contrato da Bolívia com o Sindicato anglo-americano; 3 – expedições militares da
Bolívia contra o Acre; 4 – navegação amazônica fechada para o exterior e para a Bolívia.
Procedeu a detido balanço da situação. Analisou cada caso e optou pela necessidade
urgente de mudar a linguagem tradicional da Chancelaria brasileira atinente ao tratado de
1867, relativo à questão do Acre. Jogo delicado para a diplomacia, conduzir um problema de
dupla face, isto é, combinar o dever em prol dos compatrícios do acre, sem hostilizar os
amigos bolivianos que os perseguia; situação que exigia não só o saber e a astúcia do
diplomata, mas o decidir e o agir do estadista. E Goes Filho (2001, p. 290), ao se referir a
estatura cultural de Rio Branco, como emérito na história e na geografia pátrias, advogado e
diplomata de real valor, alude: “Agora, só agora, emergia o estadista, o homem de ação que
procurava conduzir os acontecimentos para os objetivos escolhidos.”
Entendeu finalmente o Chanceler a necessidade de uma solução radical capaz de evitar
definitivamente situações como esta entre o Brasil e a Bolívia. Compreendeu que tal fim só
seria alcançado tornando brasileiro todo o território do Acre habitado por brasileiros tanto
para o Norte como para o Sul do paralelo 10º20’, incluindo o Xapuri, e com abrangência para
o Oeste. Este raciocínio implicava na mudança da inteligência brasileira emprestada ao
tratado de 1867, desconsiderando a linha obliqua e estabelecendo a fronteira pela paralela.
Este fato de tal radicalidade se reveste que o território acreano considerado boliviano pela
Chancelaria brasileira, passava a ser litigioso (GOES FILHO, 2001, p. 292).
Concluída a analise, Rio Branco age com presteza. De imediato manda para todas as
Chancelarias uma nota esclarecendo que a presença do Bolivian Syndicate com poderes
soberanos, concedidos pela Bolívia, punha em risco a segurança continental ao fazer a
106
“primeira tentativa de introdução no nosso continente do sistema africano e asiático da
Chartered Campanies” (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 16).
Em telegrama mandou a nossa representação, em La Paz, comunicar ao governo
boliviano: “Com respeito à questão do Acre, demos a entender à Bolívia que o contrato de
arrendamento do território ao “Bolivian Syndicate” foi uma monstruosidade legal, porquanto
importa numa alienação parcial de soberania em favor de uma companhia estrangeira sem
personalidade internacional” (RICARDO, 1954, v.1, p. 180).
Esta afirmação de “alienação parcial de soberania” feita por Rio Branco, em 24 de
janeiro de 1903, abalou a idoneidade da Bolívia no contexto internacional conforme se
manifesta o diplomata e historiador boliviano Cusicanqui (1986, p. 24) “El Canciller del
Brasil, Baron de Rio Branco, dirigió una circular a las cancillerias americanas calificando ese
contrato de “mostruoso” y similar a las concesiones realizadas em África... [...]. Inutiles
resultaron las protestas del governo boliviano,[...]”.
Neste mesmo documento o Chanceler comentou a ampla interpretação dada ao
Tratado de 1867, com facilidades de comunicação que o Brasil tem permitido à Bolívia pelo
Amazonas e pelo Paraguai, mas acrescentou: “[...] o Brasil acreditou do seu dever sustentar a
verdadeira interpretação do tratado e defender, em conseqüência, como fronteira o paralelo
10º20’, afim de chegar a uma solução com o Bolívian Syndicate; [...]” (RICARDO, 1954,
p. 180-81).
E para completar a severidade da posição do Brasil referente à Questão do Acre,
completa Rio Branco (1947, p. 18), na exposição de motivos, ao considerar litigioso o Acre
setentrional ao paralelo 10º20, entre a paralela e obliqua: “Declaramos litigiosa parte do
território do Acre, do Alto Purus e do Alto Juruá adotando a inteligência mais conforme com
a letra e o espírito do Tratado de 1867 e o critério mais seguido entre nós, embora não tivesse
sido até então o deste Ministério.” Esta decisão conduziria o problema para solução
diplomática por acordo direto ou por arbitramento.
O Presidente Campos Sales, no final de seu governo, foi o primeiro a tentar um acordo
de negociação direta para anexar o Acre ao território brasileiro, com a proposta de
indenização pecuniária, compensações territoriais, vantagens outras de ordem política e
econômica, porém não logrou sucesso pela não aceitação pela Bolívia.
107
Rio Branco continuou a tentativa de negociação direta propondo a compra do território
do Acre; a Bolívia considerou inaceitável a proposta. Continuou a tentativa de uma
negociação com base na permuta desigual de território a que outras compensações serviriam
de complemento. Esse andamento foi sustado pela noticia da rendição de Porto Acre às forças
de Plácido de Castro e a publicação do telegrama do Chanceler brasileiro, declarando litigiosa
parte do Acre, pela imprensa de La Paz no mesmo dia 24 de janeiro de 1903.
A nação boliviana eclodiu em protestos contra o Brasil. O Presidente Pando resolveu
descer com expedições militares contra o Acre; comunicou à representação diplomática
brasileira, em La Paz, a suspensão das negociações, conforme Jorge (1945, p. 137): “[...] o
Governo da Bolívia não pretendia continuar as negociações antes de haver dominado a
insurreição acreana e pacificado a região conflagrada”.
Diante de tais contingências, o Governo do Brasil determinou o envio de tropas para
os Estados de Mato Grosso e Amazonas, com ocupação militar do território do Acre, ao norte
do paralelo 10º20’ oficialmente declarado litigioso e comunicou ao Governo boliviano que a
ocupação militar do território do Acre, demoraria até a solução definitiva do litígio.
Pando conduzindo tropas para o norte e Rio Branco para o sul quase que anulavam os
intentos de negociação pacífica do Acre e prenunciavam as possibilidades de uma guerra
inglória com a possível investida de Pando contra as forças de Castro.
A técnica de Rio Branco surpreende pela rapidez com que se mobiliza para buscar
soluções diplomáticas. Libera a navegação fluvial do Amazonas para o transito comercial
entre a Bolívia e o estrangeiro; comunica ao governo boliviano que suas tropas não podiam
ultrapassar o paralelo demarcatório da área litigiosa.
Propõe um acordo temporário de modus vivendi, vantajoso para os dois países.
Argumenta que dos três litigantes, Bolívia, Peru e Brasil, o que possui as melhores condições
de ocupação administrativa, transitória, do território questionado, visto a nacionalidade de sua
população, é o Brasil que, com a ocupação militar, podia se responsabilizar pela pacificação
do território.
Consegue eliminar o maior dos obstáculos, para iniciar qualquer acordo, a desistência
do Sindicato anglo-americano com uma declaração licita de total renuncia de seus direitos,
acordado pela indenização no valor de 110.000 libras esterlinas.
108
De imediato o governo boliviano aceitou a proposta e o processo andou, conforme Rio
Branco (1947, v.5, p. 4):
[...], teve começo a negociação do acordo preliminar relativo ao modus
vivendi do Acre. Essa negociação terminou em 21 de março. Em virtude do acordo então assinado em La Paz, [...] as tropas brasileiras ficaram ocupando
o território em litígio e foi autorizado o governador militar brasileiro a
mandar destacamentos ao sul do citado paralelo, em território reconhecidamente boliviano, e dentro de limites convencionados, para o fim
especial de evitar conflitos entre os acreanos armados e as tropas bolivianas
durante o prazo de suspensão de hostilidades implicitamente ajustada, devendo continuar a exercer a sua autoridade ao sul do dito paralelo o
governador aclamado pelos acreanos. A nossa intervenção não visava
reprimir a insurreição, mas sim proteger os nossos compatriotas e manter o
statu quo enquanto se tratava da discussão do assunto principal, que era um acordo capaz de remover para sempre as dificuldades com que os dois países
lutavam desde 1899.
A Bolívia designou seus representantes, em 1º de julho de 1903, os diplomatas Dr. D.
Fernando Guachalla, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Bolívia em
missão especial e o Sr. D. Claudio Pinilla Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário
acreditado aqui em missão permanente, encarregados de negociarem a questão do Acre com o
Brasil.
Em 17 de julho, Rio Branco convida para plenipotenciários o Senador Ruy Barbosa e
o Embaixador Assis Brasil, formando os três a delegação brasileira.
Constituídas as delegações negociadoras inicia-se a fase dos trabalhos alternativos de
propostas e contrapropostas, com o viso a um acordo definitivo laborado em amplas
condições de amizade e lealdade capaz de formalizar resultados compensadores para ambas as
partes, conforme externou Rio Branco (1947, v.5, p. 21) em sua Exposição de Motivos.
Várias reuniões foram realizadas em Petrópolis e no Rio de Janeiro; delas duas
questões surgiram “a do acordo direto preferido ao arbitramento, e a da troca de território”
(RICARDO, 1954, v.1, p. 199).
O Chanceler alertou seus pares brasileiros da necessidade de, para se chegar a um
acordo direto, fazer algumas concessões à Bolívia, na parte brasileira do baixo rio Paraguai,
com o propósito de oportunizar-lhe, por este lado, portos para facilitar seu comércio para o
exterior. Assunto já manifestado pelo Império quando do tratado de 1867. As negociações
tomaram rumos que não agradavam ao Senador Ruy Barbosa. Quando foi proposta a
concessão de terras na fronteira de Mato Grosso, entre Bahia Negra e Arroyo Conceição, e a
109
elevação da compensação pecuniária para dois milhões de libras, o ilustre Senador e
respeitado jurista, defensor da solução pelo arbitramento, solicita sua demissão de
Plenipotenciário e abandona os negociadores brasileiros (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 6 - 8).
Mesmo com a perda de tão ilustre componente os trabalhos não sofreram solução de
continuidade. Prosseguiram, sobre a responsabilidade de Rio Branco e Assis Brasil, como
afirma o próprio Chanceler, por quatro longos meses de severa avaliação do caso, tendo
chegado, com a destacada atuação dos diplomatas bolivianos, ao “Tratado de permuta de
território e outras compensações, firmado em Petrópolis, a 17 de novembro último (1903)
pelos plenipotenciários do Brasil e da Bolívia” (RIO BRANCO, 1947, v.5, p. 3), e que se
consagrou com a denominação de Tratado de Petrópolis.
A questão do Acre foi então deslindada através de rigorosa análise dos impedimentos
preliminares, como os já referidos: a supressão da navegação fluvial para a Bolívia, objeto de
reclamação pela França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos da América e Suíça – o
Sindicato internacional – os brasileiros do Acre – a soberania do território, ocupado por eles, e
exigida pela opinião nacional – levaram Rio Branco e Assis Brasil a concluírem ser o recurso
mais abrangente para o caso, a negociação através de um Acordo Direto.
Diferente do arbitramento, dispendioso, demorado e de final incerto, o Acordo Direto
era o caminho seguro para a solução imediata do problema acreano, do retorno à convivência
amistosa e pacífica entre as duas nações, através da permuta de territórios desiguais e
indenização complementar, propulsoras de uma negociação vantajosa para os dois lados,
como bem salientou Rio Branco (1947, v.5, p. 21) “As combinações em que nenhuma das
partes perde, e, mais ainda, aquelas em que todas ganham, serão sempre as melhores”.
O Tratado de Petrópolis, contendo dez artigos, estipulou que o Brasil, para conseguir
da Bolívia a desistência do alegado direito sobre a área considerada litigiosa ao norte do
paralelo 10º20’, avaliada em 148.900 quilômetros quadrados, bem como a cessão de parte de
seu território ao sul desta latitude, com área aproximada de 42.108 quilômetros quadrados,
totalizando 191.000 quilômetros quadrados, se obriga a permutar territórios, em vários trechos
da fronteira mato-grossense, e retribuições compensatórias à Bolívia conforme descreve Rio
Branco (1947, v.5, p. 21-22) na Exposição de Motivos:
Do tratado resultaram as seguintes concessões à Bolívia, além da que acima
ficou referida: (área de 2.292 quilômetros quadrados entre os rios Madeira e
Abunã – habitada por bolivianos); 723 quilômetros quadrados sobre a
margem direita do rio Paraguai dentro dos terrenos alagados conhecidos por
110
Baia Negra; 116 quilômetros quadrados sobre a lagoa de Cáceres,
compreendendo uma nesga de terra firme (49,6 quilômetros quadrados) que
permite o estabelecimento de um ancoradouro mais favorável ao comércio que o que fora cedido à Bolívia em 1867; 20,3 quilômetros quadrados, nas
mesmas condições sobre a lagoa Mandioré; 8,2 quilômetros quadrados sobre
a margem meridional da lagoa Gaíva; A construção de uma estrada de ferro,
em território brasileiro, ligando Santo Antônio, no Madeira, a Vila Bela. Na confluência do Beni e Mamoré; Liberdade de transito por essa estrada e
pelos rios até o Oceano, com as correspondentes facilidades aduaneiras, o
que já lhe era facilitado por anteriores tratados; Finalmente, o pagamento de dois milhões de libras esterlinas em duas prestações.
As negociações estabelecidas no presente tratado ocorreram sem necessidade de
inovação dos direitos existentes entre os dois países, visto estarem os atos praticados de
conformidade com os Art. 2º e 5º do acordo de 1867, respectivamente, base de determinação
das fronteiras pelo uti possidetis; e a conveniência da troca ou permuta de territórios
habitados por nacionais do outro país. O Ato de Petrópolis, desempenhado sob singular
espírito de justiça e boa vizinhança, foi satisfatório e gratificante para os dois países por
eliminar o conjunto de desinteligências existentes, desde 1899; determinar a fronteira
definitiva e selar de modo efetivo as nossas relações com a Bolívia.
Ao iniciar a Exposição de motivos, já referida, Rio Branco acha conveniente uma
explicação que considera importante, relativos a territórios permutados e linhas de fronteira:
“No tratado não foram expressamente declarados quais os territórios permutados, mas
simplesmente descritos com a possível minuciosidade e clareza as novas linhas de fronteiras.
Procedendo assim, conformamo-nos com a prática geralmente seguida na redação de acordo
dessa natureza.” As novas linhas de fronteira estão esclarecidas no Art.1º do tratado e seus
respectivos parágrafos.
Como sabemos das raízes da lógica, todo segmento fim gera um segmento início. O
Tratado de Petrópolis, conduzido e firmado, em acordo direto, pelos plenipotenciários, Barão
do Rio Branco e Assis Brasil (Brasil) e Fernando Guachalla e Claudio Pinilla (Bolívia),
findou com as incertezas e controvérsias dos limites territoriais e iniciou a Formação da
Fronteira Brasil-Bolívia em ato definitivo.
.
111
7.4 – O Tratado de Natal de 1928: Tratado de Limites e Comunicação Ferroviária entre
o Brasil e a Bolívia
7.4.1 – Antecedentes
O grande feito diplomático da conclusão da Questão do Acre ensejou o inicio de
desafios ainda mais ásperos e severos: a execução das obrigações estabelecidas no Tratado de
Petrópolis. Compromissos exigentes de decisões precisas e ações seguras para vencer os
óbices da selva impenetrável, inóspita, do silvícola ameaçador, das endemias grassantes, do
isolamento incomum.
A obrigação constante do Artigo VII, “construir uma ferrovia que ligasse Santo
Antonio, no rio Madeira, até Guajaramirim, no Mamoré, acrescida do ramal de Villa Bela”,
constituiu-se na mais desafiadora, por implicar na construção da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré. Apesar de almejada desde os idos de 1882 pelo Estado boliviano, (GUTIERREZ,
1946, p. 79), como a mais importante via fluvial para atingir o oceano Atlântico, vencidos os
abrolhos do rio Madeira. Navegou desrumada na linha do tempo até encontrar o ancoradouro
seguro e definitivo na ação determinante do Barão do Rio Branco ao firmar com a Bolívia o
Tratado de Petrópolis em 17/11/1903, também por ele denominado “tratado de permuta e
outras compensações”.
Somente com o contato das cartas topográficas da região, os engenheiros brasileiros
puderam ter idéia da magnitude da empresa que o governo brasileiro tinha para resolver.
Sabiam que este desafio já havia deitado por terra o empenho e a coragem dos mais
destacados construtores da engenharia mundial como Church, Colins, Morsing, Pinkas e
outros concessionários de transcurso profissional ilibado, conforme Guilherme (1959, p. 40).
Sabiam das dificuldades, conheciam o desistir dos outros, mas sabiam que a estrada de ferro
tinha que ser construída. As dificuldades seriam debeladas, uma a uma, pelo avanço
tecnológico e pela força indômita do nordestino, destemido e forte.
A construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, foi iniciada, em 1907, pelo
engenheiro Joaquim Catramby, vencedor da licitação e que depois negociou com o
empreendedor estadounidense Percival Farkuhar para vencer a distância de 366 km, na selva
amazônica, ligando Porto Velho no Madeira a Guajará-Mirim no Mamoré; foi concluída em
30 de abril de 1912; abriu para a Bolívia, pela ligação fluvial-ferroviária, a saída para o
Oceano Atlântico. “[...] o Brasil pagou à Bolívia uma indenização de £ 2.000.000-ouro,
fazendo-o com absoluta pontualidade; e construiu com heroísmo e capacidade técnica a
112
Madeira Mamoré [...] que dera o extraordinário resultado da incorporação do Acre à soberania
do Brasil.”, como fruto da política pragmática do diplomata e estadista Barão do Rio Branco,
como aludi Soares (1975, p. 147).
Como vimos o Brasil cumpriu os compromissos estabelecidos no Tratado de 1903,
tanto nos pagamentos como na construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Tudo estaria
finalizado, não fosse constar do mesmo Art. VII “[...] com um ramal que, ligando Vila
Murtinho ou outro ponto (Estado de Mato Grosso), chegue a Villa-Bella (Bolívia), na
confluência do Beni e do Mamoré [...].” Este ramal transformou-se num fator complicador, de
difícil solução, por haver entrado no tratado com base crítica de conhecimento regional, como
bem o esclarece Gutierrez (1946, p. 80-81):
El Brasil cumplió también su compromiso de construir el ferrocarril Madera
- Mamoré, en território brasileño; pero quedo pendiente su obligación de construir el ramal Villa Murtinho – Villa Bella, en território brasileño
igualmiente. En esa situación, se comprobó que la acordada construción del
ramal incurría en un absurdo geográfico, consecuencia del desconocimiento de la región, porque Villa Bella quedaba separada de la línea principal
apenas por el ancho del río Mamoré. El único ramal que podia construirse
era, pues, el de un puente de un kilómetro de largo, sin verdadera utilidad, en caso de que técnicamente resultara posible hacerlo en tal sitio.
As chancelarias, à procura de solução definitiva para a construção do ramal,
desfilaram um rosário de protocolos diplomáticos que se sucederam por décadas ao longo da
linha do tempo.
Por iniciativa do governo boliviano, surge o primeiro protocolo, 1910, firmado pelos
chanceleres Barão do Rio Branco e Claudio Pinilla, para substituir o traçado por outro mais
apropriado e que terminasse em território boliviano à margem direita do rio Beni. Passados
dois anos, 1912, os chanceleres Lauro Muller, do Brasil, e Victor Sanjinés, da Bolívia,
firmaram o segundo protocolo, anulando o anterior, e projetando novo traçado que atravesse o
rio por uma ponte e se ligasse à rede ferroviária boliviana de Riberalta.
As chancelarias, então, sobrecarregadas pelo peso morto das indefinições, das
indecisões e das inações dos governos, assistiram, agravadas pela crise da borracha,
decorrente da produção asiática, resultante do surrupio e da transmutação da seringueira
amazônica para a Malásia, pelos ingleses, as coisas se arrastaram assim até 1916, como acode
Gutierrez acima citado:
113
[...] se havia convenido primeramente un ramal, en território brasileño (Villa
Murtinho-Villa Bella); luego su sustitución por un ferrocarril cuyo costo en
su território debia pagar Bolívia, quedando entre tanto de propiedad del gobierno del Brasil; finalmente, la construcción de un puente sobre el río
Mamoré, que quedaría en poder del Brasil, debiendo además Bolívia
construir el ferrocarril hasta Riberalta.
Ainda neste ano de 1916 assume a representação diplomática da Bolívia, no Rio de
Janeiro, o vice-presidente José Carrasco. Jornalista e político, adepto das comunicações
ferroviárias, procurou introduzir novas idéias às configurações do Tratado de Petrópolis.
Entendeu da necessidade de conduzir o enfoque das negociações da bacia amazônica para a
platina. Entendia que o potencial do oriente boliviano não podia permanecer esquecido, era
necessário abrir vias de comunicação para explorar suas riquezas; percebia que não tinha mais
razão de ser a construção da ponte sobre Mamoré; a oportunidade passou e a crise da borracha
deixou a Bolívia sem recursos para se comprometer a construir a ferrovia até Riberalta.
Com base nesse entendimento, procurou ele conduzir sua ação diplomática no objetivo
de convencer o Brasil a transformar o compromisso da ponte do rio Mamoré, calculada em
um milhão de libras esterlinas, em ajuda econômica para construir uma ferrovia que ligasse o
rio Paraguai a Santa Cruz de La Sierra, usando o concurso de empresas particulares como o
fizeram os presidentes Arce, Pando e Montes na construção da rede ferroviária do altiplano
boliviano.
Seguindo este método de se associar a empresa particular, Carrasco aguardou o
resultado que só chegou em 1919. Neste ano a Companhia de Minas e Comunicação de Mato
Grosso, associada ao projeto, comunicava que o governo brasileiro concordava em negociar a
aplicação do valor de um milhão de libras esterlinas, destinado à construção da ponte sobre o
rio Mamoré, pelo Tratado de Petrópolis, para implantar uma rede ferroviária ligando Corumbá
a Santa Cruz de La Sierra, como ainda mostra Gutierrez (1946, p. 83) ao referir possíveis
exigências da Empresa: “2º – Cambio de la aplicación de la suma destinada por el Tratado de
Petrópolis a la construcción de una puente entre Brasil y Bolívia, sin grande interés para los
dos países, pasando a servir como auxilio para la construcción de la línea férrea de Santa Cruz
a Corumbá.”
Mas todo esse conjunto de idéias não ascendeu do plano de lucubrações diplomáticas.
O Protocolo de 3 de setembro de 1925 buscou a solução do impasse pela modificação do Art.
VII do Tratado de 1903. Não chegou a resultado positivo por haver sido retirado da Câmara
114
Federal, pelo Chanceler Otávio Mangabeira, antes da ratificação, “ficando apenas como
antecedente nominal.”
7.4.2 – O Tratado
O arquivamento do Protocolo de 1925 não ensejou o esquecimento dos projetos
anteriores. Ao contrário, com bastante entusiasmo, foi desenvolvida uma retrospectiva dos
assuntos considerados e que evoluíram para o “Tratado de Limites e Vinculação Ferroviária
entre o Brasil e a Bolívia”, também chamado Tratado de Natal, firmado em 25 de dezembro
de 1928, no Palácio Itamaraty, Rio de Janeiro.
O Tratado de Natal, composto de seis artigos, enfocava dois aspectos da mais alta
importância para os dois países: o territorial, que envolve limites, e o ferroviário. Na questão
dos limites tinha por encargo esclarecer e completar a definição da fronteira comum, nos
vários trechos que, apesar de estabelecidos nos tratados anteriores de 1867 e 1903, ainda
estavam por concluir. No aspecto ferroviário tencionava obter uma saída para o oriente
boliviano, a partir do rio Paraguai, em conexão com a rede ferroviária brasileira.
Sucinto no formal diplomático, o tratado de Natal continha um conjunto de variáveis,
de complexidade vária, que, tanto no tocante a definição de limites como no referente à
comunicação ferroviária, demonstrava uma carência histórica, geográfica, geopolítica, e
jurídico-diplomática dos seus condutores, que dificilmente chegaria a êxito à eliminação dos
óbices aflorantes.
Já, no seu Art. III, trazia a herança do marco fincado no rio Turvo, afluente do
Paragaú, por Lopes Araújo (1877), que o tomou, por engano, como se fosse o rio Verde.
Este fato haveria de originar sérias divergências de limites por prejudicar a Bolívia.
O Tratado de Petrópolis não completou o trabalho de demarcação da fronteira comum
entre o Brasil e a Bolívia. O primeiro motivo foi constar no § 4º do seu art. I o que se segue:
“Da entrada do canal Pedro Segundo ou rio Pando até a confluência do Béni e Mamoré, os
limites serão os mesmos determinados no Art. 2º do Tratado de 27 de março de 1867.” Por ele
a Comissão Mista demarcadora de limites ao trabalhar a região compreendida entre o marco
dos Quatro Irmãos e a nascente do rio Verde, fez um deslocamento para oeste e colocou o
marco no rio Turvo favorecendo o Brasil. Esse erro não teve a correção no tempo devido.
115
Quando da demarcação do Tratado de Petrópolis, o governo da Bolívia insistiu, junto
ao governo brasileiro, para corrigir a divisa, que favorecia o Brasil, pela verificação da
posição do marco referido. As negociações, no Rio de Janeiro, resultaram na instrução de
1907, do Barão do Rio Branco e de Claudio Pinilla, incumbindo a Comissão Mista brasileira
boliviana de verificar se o marco estava à cabeceira do rio Verde ou do rio Turvo. Ainda pela
mesma instrução, obtido os resultados, caberia aos dois Governos decidir se o marco seria
mudado ou se ficava onde estava. O reconhecimento foi terminado em 1909. O marco não se
encontrava no rio Verde, mesmo assim, os governos não decidiram pela mudança.
O Art. V deste Tratado estabeleceu a substituição das obrigações pendentes de 1903,
por um auxilio de £ 1.000.000 que o Brasil daria à Bolívia para vinculações ferroviárias e que
ficaria à disposição do Governo boliviano, decorridos seis meses após a troca de notas entre
os dois governos. Tudo ficou no vazio, sem especificação. Sem os elementos jurídicos de
estrutura de um tratado. E sobre isso Gutierrez (1946, p. 88) comenta:
“[...] ese tratado era tan impreciso como el Protocolo de 3 de setiembre de 1925, porque se referia a un vago plan de construcciones ferroviarias, que
Bolívia no estaba tampoco en la posibilidad de realizar, pues requeria el
empleo de varios millones de libras esterlinas, a parte de que dejaba el señalamiento de importantes detalles, como la forma de pago del auxilio, el
orden de los trabajos y aun la determnación de las obras en que habria de
invertirse el millón de libras esterlinas , a un futuro cambio de notas entre los dos gobiernos.[...] A este respecto el ex presidente Ismael Montes al
firmar el Tratado de 1928 nada se habia hablado del modo de realizar el
auxilio y cada parte lo entendió a su manera” .
O Tratado de Natal foi de duração efêmera e resultados inexpressivos. Firmado em
1928 teve a seguir uma sequência de acontecimento políticos internacionais de severas
consequências para a América do Sul. No Brasil irrompe a revolução de 1930; na Bolívia cai
o governo da República; em1932 tem início a Guerra do Chaco envolvendo o Paraguai e a
Bolívia, em confronto sangrento, que se prolongou até 1938, quando foi assinada a Paz do
Chaco. Somente em 1941 os Governos do Brasil e da Bolívia, por reversais, voltaram a
intentar um ajuste de fronteiras, na região de Quatro Irmãos e do rio Turvo. Tinham o objetivo
de salvar propriedades privadas dos dois países. Estas reversais nunca foram cumpridas.
Resumindo-se a apreciação sobre o Tratado de Limites e Vinculação Ferroviária entre
o Brasil e a Bolívia, 1928, ou Tratado de Natal, para se ter um conhecimento mais seguro e
conclusivo desse acordo internacional, nada melhor do que buscar o esclarecimento singular
de Soares (1975, p. 149): [...] O Tratado de Natal consagrou, solenizou o marco do Turvo.
116
Assunto resolvido, por conseguinte, entre ambos os Governos. Mas o Tratado de Natal
tornou-se, exceção feita da consagração do marco do Turvo, inoperante quanto aos demais
assuntos – demarcação, programa ferroviário, entrega de £ 1.000.000 à Bolívia.
Após a morte do Barão do Rio do rio Branco, em fevereiro de 1912, o Itamaraty
defletiu a pujança da ação diplomática brasileira. Retornaram à chancelaria homens,
geralmente políticos ou militares, desprovidos de méritos culturais condizentes às exigências
da função, bem diferente da equipe do Barão do Rio Branco constituída por uma plêiade de
intelectuais e homens de letras como Graça Aranha, Euclides da Cunha, Domício da Gama,
Clovis Bevilaqua, Gastão da Cunha e Heráclito Graça.
7.5 – Tratado de Vinculação Ferroviária e de Saída e Aproveitamento do Petróleo
Boliviano de 1938
7.5.1 – Antecedentes
Após a retumbante ação diplomática de Petrópolis sob a égide de Paranhos do Rio
Branco Junior, que surpreendia pela mobilidade, rapidez e tenacidade na solução dos desafios
da política exterior do Brasil, o Itamaraty passa a surpreender com a lentidão e as indefinições
na condução das negociações pendentes com a Bolívia.
Do Tratado de 1903 ao de Natal, em 1928, decorreram 25 anos e o resultado do
Tratado de Natal foi mofino e indefinido conforme já relatado por Soares (1975). As
Chancelarias de La Paz e do Rio de Janeiro continuaram os trabalhos pela troca de protocolos
e reversais na tentativa de chegarem a termos de Acordos.
Nesse ambiente de tentativas sem resultados, chegou-se aos anos trinta do século XX,
período de conturbação na política internacional advinda da Grande Depressão dos Estados
Unidos da América, agravada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, que gerou uma
crise, sem precedentes, na economia mundial.
Na América meridional, o Brasil despontou com o enfraquecimento da demanda do
café no mercado exterior, seu principal produto de exportação, causando o desmantelo da
economia interna. Da crise econômica resultaram conseqüentes desconjunções políticas, com
desmonte de governantes em alguns países da região. No Brasil deu-se a revolução de 1930,
com a deposição de Washington Luis e ascensão de Getúlio Vargas; e na Bolívia, no mesmo
ano, ruiu Siles Reyes, substituído por junta militar.
117
O governo brasileiro entendeu a necessidade de atuar com franca cautela para
negociar com o instável governo boliviano. Recusou-se a cumprir o art. 5º do Tratado de
Natal, pagamento de um milhão de libras esterlinas à Bolívia, com a conseqüente paralisação
das negociações diplomáticas. Apesar da continuada insistência da chancelaria boliviana não
houve progresso nos negócios, conforme esclarece Gutierrez (1946, p. 91):
Constituída una junta militar de gobierno, después del derocamiento del presidente Siles, intentó reanudar las negociaciones paralizadas y a ese fin la
cancillería envió un Memorándum al ministro del Brasil; pero éste respondió
en forma airada, expresando que nada podía adelantar mientras no se organizara un gobierno constitucional en Bolívia.
E para completar o desastre sul-americano emanaram situações de beligerâncias entre
nações, como o confronto entre a Bolívia e o Paraguai, quando as duas nações resolveram
decidir, numa guerra desatinada, cruel, e sangrenta, a pendência do território do Chaco
Boreal. Esta contenda não resultou somente do diferendo territorial chaquenho, existente entre
as duas nações, mas decorreu da pressão direta dos consórcios internacionais do petróleo,
como aduz Almaraz (sd, p. 124-125):
El litígio sobre fronteras con el Paraguay por si solo no justificaba una
guerra. En efecto, “el diferendo paraguayo-boliviano – dice el escritor y
político paraguayo J. Natalício Gonzáles – nunca provoco la pasion de los pueblos, y seguramente no hubiera epilogado em uma guerra si hacia 1910
no llegara a comprobar la existência de yacimientos petrolíferos en el
chaco”. (52) La presencia del petróleo como la base econômica del litígio y la confluencia de intereses petroleros internacionales , tornaran el conflito
inevitable.
7.5.1.1 – Cenário Paraguaio
A historiografia registra que o Paraguay teve a sua população inicialmente orientada
pelos padres Jesuítas, em concentrações nominadas como Reduções, (1610/1768). Nelas foi
implantado um método educacional que orientava os silvícolas para a integração social e
profissionalização, num sistema de economia cooperativa. O modelo desenvolvido pelos
religiosos alcançou resultados econômico-sociais positivos, considerado como uma
modalidade econômica nova.
O Paraguay se desenvolveu de tal modo que a população indígena atingiu um nível de
vida diferente dos demais povos da América meridional. Chegou a ser auto-suficiente,
118
próspero, e a tal ponto organizado, que passou a ser nomeado pelos pesquisadores, como
“República dos Jusuitas”.
Lugon (1977, p. 16-17), em a República “comunista” cristã dos Guaranis, procura
comprovar a realidade da civilização implantada aos índios Guaranis com a manifestação do
filósofo Thomas Raynal que buscou realçar a realidade da civilização implantada nas
Reduções Guaranis, em sua “História política e filosófica das Índias,” ao expressar seu
sentimento de admiração escrevendo:
Quando em 1768 as Missões do Paraguai saíram das mãos dos jesuítas,
tinham atingido um ponto de civilização, o mais elevado, talvez, a que se poderiam conduzir as nações novas e, certamente, muito superior a tudo o
que existia no nôvo hemisfério. Aí se observavam as leis, reinava uma
civilidade exata, os costumes eram puros, uma fraternidade feliz unia os
corações, todas as artes de necessidade estavam aperfeiçoadas e conheciam-se algumas agradáveis. A abundância era aí universal.
Quando em 1811 ocorreu a independência do Paraguay, o ditador Francia, ao assumir
o governo, encontrou as bases sócio-econômicas do país, advindas dos Jesuítas, os meios que
lhe possibilitaram organizar uma política administrativa, absolutista, sem caudilhos e sem
burguesia privilegiada. Com base na ordem e na lei, conseguiu implantar um sistema de
governo centrado no povo e tendo o Estado como gestor da produção coletiva. O Estado
paraguaio atingiu um nível de progresso e bem estar social diferente das demais nações da
América meridional. Para Chiavenatto (1979, p. 31) o Estado gerenciava todas as riquezas
que eram: “[...] obtidas em regime de produção comunitária, numa espécie de cooperativismo
socializado [...]”.
José Gaspar Rodrigues de Francia comandou o país por quase três décadas, até sua
morte em 1862. Deixou o Estado paraguaio em desfrute de uma base agrícola sólida, com
colheitas suficientes para suprir as demandas internas, e ainda, excedentes para exportação;
ajustado nos trilhos da lei, da ordem, da segurança, do progresso, da educação, sem
interferência oligárquica, sem parasitismo burguês, sem ladrões, sem corrupção burocrática.
Um Estado como aduz Chiavenato (1979, p. 21): “Na verdade, Francia tem uma visão
cultural mais ampla que os governantes do Plata e do Império do Brasil: ao seu tempo o
ensino adquire uma força extraordinária. [...] já não há analfabetos no país. [...]. [...] deixa um
país florescente, com uma consciência nacional formada no povo e que Carlos Antonio Lopes
vai aperfeiçoar”.
119
Carlos Lopes assume o comando político do Paraguai, em 1840, e se torna o primeiro
presidente constitucional do país. Absorve a herança governativa de Francia. Busca abrir
novas sendas nos campos político, econômico e diplomático para o conjunto administrativo
herdado. Procurou moderniza-lo com medidas inteligentes. Ativa o comércio, abre a
imigração, elimina a escravidão dos negros nos grandes latifúndios e ordena a produção. A
área da educação recebe tratamento especial com ensino gratuito e obrigatório, capaz de
manter eliminado o analfabetismo e ampliada a escolaridade, para níveis mais avançados.
O Estado Paraguai como gestor da economia nacional acumulou capital e se tornou
um país rico, independendo de recursos externos para se desenvolver. Isto não agradava aos
ingleses nem à burguesia de Buenos Aires, que se sentiam privados de usufruir lucros do
mercado guarani. Como país mediterrâneo dependia dos rios para chegar ao mar. Os
argentinos, em contrapartida, criavam múltiplos arranjos para dificultar o transito paraguaio
pelo rio da Prata.
Para atender o incremento da produção e do comércio, desenvolveu a ação
diplomática e firmou contratos comerciais com a França, Estados Unidos, Reino Unido e
outros. Sua marinha mercante teve acesso aos portos dos países conveniados e o intercambio
exterior se firmou em termos diretos com os consumidores de seus produtos industrializados e
primários.
O Paraguai se tornou o primeiro país industrializado e rico da América do Sul. O fator
mais importante para seu desenvolvimento foi a organização política adotada. Durante quase
sessenta anos teve apenas três mandatários, sendo o último Francisco Solano Lopes, 1862-
1870, todos imbuídos de um espírito nacionalista, firmado na ordem e no progresso nacional.
A condução administrativa do país com participação comunitária na economia resultou
num Estado nacional autônomo, independente, modernizado e progressista. Transformou-se
num modelo econômico diferenciado dos demais vizinhos e contrariante das normas
estabelecidas pelo capital inglês nos países da América do Sul.
A conduta política de Solano Lopes e o progresso alcançado pela República Guarani
terminaram por despertar a cobiça e posterior animosidade do Império do Brasil e da
República Argentina que, envolvendo o Uruguai, evoluiu para a Guerra da Tríplice Aliança
ou Guerra do Paraguai que resultou num pais arruinado como afirma Chiavenatto (1979, p.
164): “Resta um país mutilado, castrado, que nunca mais pode erguer-se: mataram o Paraguai
literalmente – exterminaram 96,50% da sua população masculina!”
120
7.5.1.2 – Cenário Boliviano
A Bolívia nasce num território privilegiado de extraordinárias riquezas naturais. Dentre estas
se destacam os recursos minerais como a prata, o estanho, o nitrato, o wolfrâmio, o petróleo, o
gás natural mais recentemente, importantes minerais estratégicos. No vegetal se destaca a
borracha, na Amazônia. A presença dessas dádivas não vingou em benefícios para o povo
boliviano. Ao contrário, suscitou a cobiça externa dos confinantes, incentivados pelo capital
estrangeiro, mediante um processo de rapinagem das riquezas naturais por invasão e indébita
apropriação territorial, levando a Bolívia a desiguais confrontos bélicos com países vizinhos.
No período colonial a busca pela prata demonstrou o caráter expansionista-
escravagista da coroa espanhola sobre a população nativa do Alto Peru, que veio adquirir sua
independência, em 1825, com o nome de Bolívia. A agressividade dos vizinhos teve
continuidade desastrosa para a nação boliviana.
Do ultimo quartel do século XIX a primeira metade do XX a Bolívia teve a sua
historia vincada por três fatos marcantes: a agressão chilena pela exploração do nitrato
(Guano e Salitre) que provocou a chamada Guerra do Pacífico, 1879-1884, seguida da
Questão do Acre, 1899 -1903, – litígio territorial com o Brasil, provocada pela exploração da
Borracha – a Guerra do Chaco com o Paraguai, decorrente da descoberta do petróleo no
Chaco Boreal, incitada pela Satandard Oil Co. americana e a Shell inglesa, conforme relata
Gutierrez (1946, p. 65). Apesar de tais conflitos serem de motivo defensivo, a nação
boliviana arcou com um sacrifício desmedido e penoso segundo Carvalho (Internet.
09/10/2010).
O saldo final dessas guerras e conflitos foi a perda pela Bolívia, além de uma saída para o
oceano, de mais da metade de seu território original desde a época da independência, com
todas as riquezas neles existentes, provocando trágicas conseqüências futuras para a economia
e a política do país, mas sobretudo para o já sofrido e explorado povo boliviano.
Com a Guerra do Chaco o Paraguai e a Bolívia passaram a amargar uma situação
econômico–social atroz, abrigando as populações mais oprimidas e miseráveis do mundo.
Fatos conseqüentes de guerras desastrosas decorrentes de sistemas políticos
extraconstitucionais, conduzidos por oligarquias de mandões broncos e corruptos que, pela
força e pela insolência, arrastaram os Estados à anarquia, à servidão, provocando em escala
ascendente a pobreza, a ignorância e a miséria das populações subjugadas.
121
Suas elites viviam em constante intranquilidade, decorrente do caudilhismo e das
quarteladas, sem condições de conseguir, como outras repúblicas americanas, organizar uma
sociedade economicamente ativa, politicamente livre num Estado nacional soberano, abrigado
na ordem e na lei. A pátria era esquecida e secundada ao individualismo estúpido dos
mandões ignorantes, das oligarquias ordenadas por Londres e Nova York, que se alternavam
no poder.
Alguns autores comprovam os acontecimentos anárquicos da Bolívia no decorrer de sua
independência como afirmam Gutierrez (1946, p. 8): “o harán apenas de Bolívia zona de
ajenas influencias y aun campo de sumisión, si continúan los cuartelazos – ¡ 191 en 118 años
de vida independiente, cuenta Alcides Arguedas! – y si “broncos mandones” siguen
hundiendo a la Nación en el oprobio y en la servidumbre.” e Chiavenato (1979, p. 24) :
“Dessa forma, entende-se porque, em apenas 50 anos – de 1825 a 1870 – a Bolívia conheceu
150 (cento e cinqüenta) revoluções, três por ano. Não foram quarteladas nem luta pelo poder
de grotescos ditadores – foi a impotente rebelião de um povo que não soube, e não pôde,
enfrentar a pressão do imperialismo internacional.”
Corria o ano de 1935, a Bolívia e o Paraguai se consumiam na desgraça da guerra
sangrenta sem vislumbrarem, por seus próprios meios, caminhos para por um basta nas
hostilidades destruidoras. A situação do fratricídio que consumia as populações jovens dos
envolvidos (GUTIERREZ, 1946, p. 11), já preocupava as nações vizinhas e do continente no
sentido de atuarem em ação conjunta de suas chancelarias com o propósito de consultados os
litigantes e conhecidas suas razões, encontrar caminhos para selar um armistício entre as
partes e oportunizar negociações seguras para um tratado definitivo de paz.
As duas mais importantes nações do continente Brasil e Estados Unidos da América do
Norte não puderam iniciar os trabalhos de mediação por não pertencerem à Sociedade das
Nações (CARVALHO, 1958, p. 193). Coube ao Chile e a Argentina, membros do órgão
internacional, dar andamento as negociações, ouvindo as partes conflitantes e atraindo o apoio
dos países vizinhos para definirem os trabalhos de mediação. Somaram-se a eles o Brasil,
Estados Unidos, Peru e Uruguai com o mesmo propósito de acabar com a guerra e
restabelecer a paz do continente.
O jogo das negociações iniciadas pelo Chile e Argentina continuou com intenso
entusiasmo pelo grupo mediador então formado para buscar o êxito desejado. Por este tempo
122
os representantes diplomáticos da Bolívia e do Paraguai, no Rio de Janeiro, buscaram o
Itamaraty com o propósito de o Brasil convocar e sediar uma reunião para por fim ao conflito.
Após consultar Clovis Beviláqua e Hildebrando Accioly do corpo jurídico do Itamaraty, o
Chanceler José Carlos de Macedo Soares comunicou aos dois governos (CARVALHO, 1958,
p. 216-217) “que o Brasil só tomaria a iniciativa de promover entre eles o acordo, quando
aceitas duas condições: 1.º reunir-se a comissão mediadora em Buenos Aires, 2.º,
comparecerem a ela os Ministros das Ralações Exteriores dos dois países beligerantes, com
plenos poderes, do executivo e do legislativo, para resolver, no próprio ato, todas as questões
surgidas, sem necessidade de consulta aos governos.”
Bolívia e Paraguai aceitaram a proposta do chanceler brasileiro. Comunicada a grande
notícia à Argentina e, por seu chanceler Saavedra Lamas, aos demais países mediadores,
renascendo as esperanças para convocar a reunião, depois do malogro das dezoito anteriores,
incluindo-se nelas as duas da Sociedade das Nações.
A Chancelaria brasileira, em Buenos Aires, assumiu uma postura de entusiasmo positivo
para solução da guerra, contando com a importante presença do presidente Getulio Vargas
que visitava a Argentina. Estes acontecimentos criaram um estado de alegria e de esperança
na população argentina e do continente que ansiavam pelo término das hostilidades no Chaco.
O chanceler argentino, ao presidir a primeira reunião dos representantes dos países
mediadores, solicitou ao Chanceler Luis Carlos de Macedo Soares, do Brasil, a feitura de um
projeto de protocolo para servir de base à conversação entre os mediadores e os beligerantes;
o ministro brasileiro explicou não haver feito um projeto de Acordo porque ele devia decorrer
dos entendimentos das reuniões. Vencido pela insistência de Lamas redigiu o documento,
consoante informa Carvalho (1958, p. 219): “Macedo Soares, que conhecia perfeitamente o
terreno em que pisava, tomou um bloco de papel e, ali mesmo, redigiu a súmula das clausulas
que deviam levar as partes a uma decisão comum, convindo desde já salientar que os
princípios gerais em que assentou esse projeto inicial foram os mesmos que presidiram a
lavratura do acordo final, [...] da qual saiu, afinal a paz.” O protocolo de paz que encerrou as
hostilidades nos campos de batalha do Chaco foi assinado no dia 12 de junho de 1935.
O acordo veio em momento oportuno para os dois países. A Bolívia e o Paraguai
respiravam o esgotamento financeiro-social e almejavam a paz.
123
Terminada a guerra do Chaco, vivia a Bolívia a mais angustiante situação de sua história.
A miséria abatia o moral do povo; a nação estava mergulhada na inação, sem propósito e sem
fé. A perda de cem mil quilômetros quadrados do Chaco Boreal encerrou para a Bolívia seu
período geográfico. Estavam concluídas suas fronteiras com os vizinhos. Tendo seu território
amputado pelos quatro flancos; selada sua mediterraneidade; alquebrada suas economias; a
nação agonizava. Mas, da cruel desdita emanou a consciência de pátria e desta renasceu a
vontade pétrea de ressurgir para uma nova era de progresso interno e convivência
internacional.
7.5.2 - A Reconstrução Nacional da Bolívia
Iniciou-se a nova etapa de reconstrução nacional. Para sobreviver, a nação precisava
proceder à rigorosa analise das causas que levaram o país ao insulamento geográfico, político,
econômico, social, na centralidade andina, para buscar uma conduta administrativa capaz de
resituar a Bolívia em sua natural importância geopolítica na América do Sul. A análise
sintetizou pontos básicos: isolamento, riquezas, segurança territorial e sequentes, para
programar uma diplomacia política abrangente capaz de arejar as relações exteriores,
principalmente com os países vizinhos, conforme relata Gutierrez (1946, p. 20-21).
A tendência de marchar para o oriente, abrindo caminho para o rio da Prata e para o
Atlântico, vinha de outrora; muitos próceres já a haviam defendido, desde o século XIX, sem
o êxito desejado. A solução estava agora dificultada pela guerra do Chaco ao privar a Bolívia
da comunicação pelo rio Paraguai.
Com a nova conduta de diplomacia política a ação se fez de imediato. Em 22 de
outubro de 1936, o presidente David Toro, instruiu seu ministro no Rio de Janeiro para
“buscar una amplia colaboración diplomática con Itamaraty y una positiva cooperación
económica con el Brasil, de manera de traducir en hechos prácticos la indudable gravitación
económica del oriente boliviano sobre esa grande y próspera república limítrofe”. Com
respeito ao petróleo boliviano, referente a sua exportação para o Brasil, acrescentou que isto
representava para a Bolívia “ uno de los problemas de mayor transcendencia para el país”., e
com igual empenho frisou a necessidade da vinculação ferroviária: “[...] é preciso buscar por
todos los médios posibles la construción de un ferrocarril”,[...]., que vincule Brasil e a Bolívia
(GUTIERREZ, 1946, p. 94-95).
124
O novo ministro da Bolívia Alberto Ostria Gutierrez, em seu primeiro encontro com o
presidente Getúlio Vargas, do Brasil, argumentou a necessidade de acabar com a “diplomacia
de papel” existente entre os dois países há 33 anos (1903 a 1936), no caso da vinculação
ferroviária; o mandatário brasileiro satisfeito com a franqueza do encontro atalhou que para
realizar uma “diplomacia prática”, fosse constituída uma comissão mista de técnicos para
estudar os dois aspectos do assunto – ferroviário e petroleiro – e de suas conclusões pudessem
os governos definir as conveniências de seus mútuos interesses.
A “diplomacia pratica” vigorou de imediato. O chanceler Macedo Soares assinou com
Ostria Gutierrez, em 24 de novembro de 1936, dois Protocolos criando às comissões mistas de
técnicos visando uma a vinculação rodoviária e ferroviária Brasil-Bolívia e a outra o
aproveitamento e exportação do petróleo boliviano para o Brasil. Um ano depois, 25 de
novembro de 1937, Gastão Paranhos do Rio Branco, ministro em La Paz, e Henrique
Baldivieso, Chanceler da Bolívia, assinaram um Protocolo aprobatório das Conclusões e
Recomendações das Comissões Técnicas. Com estes feitos, novas bases de negociações se
abrem para os dois Estados com vistas a novos tratados.
German Bush, herói da guerra do Chaco, governa a Bolívia e é grande entusiasta de
libertar seu país das amarras econômicas decorrentes do isolamento geográfico. Para tanto,
busca apoio direto do Brasil através de sua chancelaria e consegue êxito para suas pretensões,
consoante Soares (1957, p. 151):
Assim, dois Presidentes, Vargas e Bush, do Brasil e da Bolívia, e dois
negociadores, Pimentel Brandão e Ostria Gutiérrez, acordaram a seguinte negociação: dois grandes tratados, o de Vinculação Ferroviária e o de Saída
e Aproveitamento do petróleo boliviano, assinado no Itamaraty, em 25 de
fevereiro de 1938; ademais da nota reversal nº. NP/11577 (31), pela qual o
Governo brasileiro considerou definitivo, e, portanto não susceptível de quaisquer modificações, o estatuto territorial boliviano. Se esses tratados e
essa reversal houvessem sido assinadas antes de 1932, a guerra do Chaco
não se teria materializado.
Com este ato estão subscritos os dois Tratados de 1938: o primeiro sobre Vinculação
Ferroviária e o segundo sobre Aproveitamento e Saída do Petróleo Boliviano.
7.5.3 - Tratado de Vinculação Ferroviária
O Tratado de Vinculação Ferroviária se compõe de XIII artigos e Notas reversais. Os
pontos de destaque que nele se estabelecem são aclarados nos Artigos II e IV como se segue:
125
no II fica estabelecido o auxilio, pelo Brasil, de um milhão de libras esterlinas ouro,
decorrente de compromissos firmados pelos Acordos de Petrópolis e de Natal, destinados à
construção de uma ferrovia que “partindo de um ponto convenientemente escolhido entre
Porto Esperança e Corumbá vai terminar na cidade de Santa Cruz de La Sierra”; no IV é
verificada a insuficiência do recurso, referido no Art. II, para a realização completa da obra;
em decorrência, o Brasil assume a obrigação de contrair empréstimos, com seu próprio aval,
para adiantar à Bolívia que não dispunha de recursos para honrar o compromisso firmado,
consoante Gutierrez (1946, p. 139): “¿ Bolívia podía o no podía construir el ferrocarril de
Santa Cruz al río Paraguay? La respuesta es terminante: Bolívia no podía construirlo, por falta
de dinero, [...].”
Ademais, a continuação da estrada de ferro Noroeste do Brasil de Porto Esperança
para Corumbá seria construída com recursos do Governo brasileiro. Isto porque, sem este
segmento ferroviário, não se podia vincular o oriente boliviano ao sistema ferroviário
brasileiro, nem alimentar expectativa à construção da transcontinental Santos - Arica.
O rio Paraguai margeia o território boliviano a seiscentos quilômetros a leste de Santa
Cruz de La Sierra, cidade “cabeça-de-comarca do oriente boliviano.” A cidade e o rio são
separados pela zona oriental, dantes desértica, de difícil acesso, formada de serras, pântanos,
florestas, eivada de feras, tribos hostis e completamente desabitada. Região de terras férteis,
rios caudalosos, reservas minerais e florestais diversificadas, guardando formidável potencial
de riquezas, então adormecidas pela inexistência de caminhos para ligar Santa Cruz de la
Sierra ao rio Paraguai e por ele ao Prata e ao mar
Sem acesso viário Santa Cruz continuará isolada, pequena e pobre; a faixa oriental
despovoada; o rio Paraguai sem significado. Disso se conclui a insistência da Bolívia para
conseguir o apoio do Brasil para tirar a cinta oriental do isolamento pela construção de uma
via férrea que, cursando seu meio, ligasse Santa Cruz de La Sierra a Corumbá no rio Paraguai.
A ação diplomática das chancelarias e a vontade dos dois presidentes conseguiram
finalmente firmar o Tratado de Vinculação Ferroviária de tão grande significado para os dois
países.
O negociador do Tratado comenta as dificuldades de comércio entre o Brasil e a
Bolívia, via Atlântico e Pacífico e expõe a importância da vinculação ferroviária Santa Cruz –
Corumbá (GUTIERREZ, 1946, p. 138):
126
Ante todo, con el Tratado sobre vinculación ferroviária Bolívia asegura la
realización de un ideal: dar salida al oriente boliviano, o sea, abrir al país la
ruta atlântica. [...] A su vez el llano oriental sin comunicación com el rio Paraguay nada vale. Despoblado, en lugar de progesar ha ido retrocediendo
cada día más. [...] El ferrocarril Corumbá – Sana Cruz constituye, por tanto,
la articulación del rio con el llano oriental, [...]. Pero esse ferrocarril no sólo
contribuirá a salvar el oriente boliviano sino también a Bolívia toda. El desarrollo de las riquezas de esa zona envuelve na transformación nacioanal,
[...].
Nos anos trinta o Brasil desenvolvia uma política progressista para o interior do país e
que resultou na chamada “Marcha para o Oeste.” O pedido de apoio do governo boliviano
para fazer a vinculação ferroviária com o Brasil e por seu território ligar as vertentes do
Atlântico com a do Pacifico por uma via férrea transcontinental Santos – Arica coincidiu com
o projeto político do Presidente Getúlio Vargas que deu andamento contínuo aos estudos de
viabilidade dos projetos viários e de aproveitamento do petróleo boliviano, bem como a
execução dos respectivos Tratados de 1938.
A Diplomacia prática chegou. A Comissão Mixta Ferroviária Brasileira Bolíviana,
criada no Rio de Janeiro, em 24/05/1938, instalou-se em Corumbá, em 9 de setembro do
mesmo ano, sendo seu chefe o engenheiro brasileiro Luis Alberto Watheley. A chefia
administrativa era exercida por dois superintendentes um brasileiro e outro boliviano. O
Trabalho teve início imediato; escolhido para ponto inicial das ferrovias, na área urbana de
Corumbá, onde seria construída uma estação binacional como ponto zero da vinculação
ferroviária Brasil Bolívia.
Os trabalhos tomaram aceleração nos sentidos leste, de Corumbá a Porto Esperança e
oeste, de Corumbá a Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, com 641 quilômetros de extensão.
Apesar das dificuldades adversas do território boliviano e dos percalços da Segunda Guerra
Mundial, 1939/45, os trilhos avançaram bem e em 29 de julho de 1941 teve lugar a
inauguração dos primeiros 85 quilômetros com a presença do Presidente Getúlio Vargas do
Brasil e de autoridades bolivianas, conforme Vargas (1995, p. 410) e Gutierrez (1946, p.
198-199).
Em 1948, a estrada de ferro já alcançava o quilômetro 385, trecho Porton- São José,
inaugurado pelos Presidentes Eurico Gaspar Dutra e Henrico Hertzog. Os Presidentes Café
Filho e Paz Estensoro se encontraram em Santa Cruz de La Sierra para solenizar a chegada
dos trilhos da ferrovia Corumbá – Santa Cruz ao seu ponto final, como testemunha Soares,
127
(1975, p. 155): “A 5 de julho de 1955 foi oficialmente inaugurada e considerada
perfeitamente acabada a Estrada de Ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra que chegou afinal
à cabeça-de-comarca do Oriene bolviano.”
O resultado da estrada foi como o planejado, devassou e povoou o desértico oriente
boliviano, ensejando o aparecimento de cidades como: El Carmen, Roboré, Santiago, em
1947, San José e tantas outras ao longo da ferrovia. Estes núcleos foram fundamentais para o
desenvolvimento agrícola e pecuário não só do departamento de Santa Cruz, mas para toda
Bolívia que saía da desconfortável condição de importador de alimentos, já mencionada por
Gutierrez, para iniciar um forte fluxo comercial com o Brasil e com outros países pela saída
ao Atlântico através do rio da Prata e do porto de Santos.
O compromisso do Brasil com a Bolívia de construir a ferrovia Corumbá – Santa Cruz
de La Sierra estava materialmente concluído, ficando o pagamento da divida boliviana
vinculado ao Tratado de Saída e Aproveitamento do petróleo boliviano, de 1938, e sua
compra pelo Brasil.
7.5.4 - Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano
A historiografia do petróleo é das mais abundantes e de fácil acesso e por tal motivo e
por não ser de básica importância para o tema deste trabalho serão feitas poucas e resumidas
referências sobre ela.
O Truste do petróleo nasceu nos estados Unidos com a Empresa Standard Oil Co. New
Jersey, de John D. Rockfeller. Astucioso e perspicaz, Rockfeller percebeu que o grande
negócio do Petróleo estava no refino, transporte e distribuição dos derivados; arquitetou um
plano para eliminação dos concorrentes usando artifícios impróprios e violentos para
conseguir impor seu comando nos negócios do petróleo nos Estados Unidos e no mundo.
A Europa formou um Truste Anglo-Holandês com a Shell para bloquear a ação de
Rockfeller. Americanos e ingleses entraram em confronto gangsterianos sobre petróleo no
mundo. Às razões do enfrentamento são apresentadas por Galaza (1970, p. 35 apud
VILARINO, 2006, p. 55): “Los motivos de los choques han sido principalmente dos: la
posesión de los recursos petrolíferos y la captura de los mercados internacionales.”[...] .
Os objetivos dos trustes internacionais tornaram clara a regra do jogo: primeiro -
tomar as reservas petrolíferas dos Estados nacionais, segundo – a tomada dos mercados
128
internacionais para o jugo das regras de seus interesses. Os trustes levaram conflitos e guerras
aos cinco continentes, conforme Galaza (1970, p. 30-31, apud VILLARINO, 2006, p. 51): “A
posse do petróleo pode tanto escravizar como libertar um povo, e que a luta para possuí-los
teria provocado guerras mundiais, coloniais, revoluções, golpe de estados etc.”
O mesmo Vilarino já citado, na página 55 acrescenta: “Ainda que se algum governante
fizesse restrições a um ou outro truste, [...]. Quando não havia apoio explicito, ocorria a
influência de trustes diretamente sobre funcionários e agencias governamentais da defesa de
seus interesses mais imediatos. A Standard Oil Co. tornou-se exemplar nesta prática.”
O Tratado de aproveitamento do petróleo, de 1938, entre o Brasil e a Bolívia, feria os
interesses do cartel internacional do petróleo e receberia da Standard Oil todos os meios de
oposição contra os Estados contratantes para impedir a conclusão do Acordo.
Vendo seus planos prejudicados pela perda de áreas sedimentares e os lucros já
auferidos pelas distribuidoras instaladas no Brasil, principalmente, Esso, Atlantic e Texaco, a
Standard Oil viu detonado seu conhecido plano estratégico, qual seja de aliciar a grande
imprensa, funcionários e agências públicas, parlamentos, políticos, empresários, para agilizar
polêmicas contra os interesses dos Estados nacionais e favoráveis aos seus objetivos,
provocando perturbação da ordem política, econômica e social dos dois países.
Se a “Diplomacia Pratica” funcionou na construção da ferrovia Corumbá-Santa Cruz
de La Sierra, o mesmo não aconteceu no caso do petróleo. O truste americano, conforme sua
modalidade de jogo perverso, iniciou manobras de pressão de toda ordem contra os governos
nacionais do Brasil e da Bolívia.
Na Bolívia, o jornal Ultima Hora, de La Paz, ativou uma campanha sem trégua contra
o Tratado, com o objetivo de convencer o povo boliviano que o Brasil era um país
imperialista, que guardava pretensões expansionistas e que não desejava explorar o petróleo
boliviano, mas ter a sua posse, como reserva para uso futuro conforme Soares (1975, p. 154).
A Bolívia, em 1936, inspirada no Movimento Nacionalista Radical de Bush
nacionalizou seu petróleo com a Criação do Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos
(YPFB), responsável pela política do petróleo do país. Passados dois anos, o mesmo Bush
cassa a concessão da Standard Oil Co. de exploração das reservas petrolíferas da faixa sub-
andina da Bolívia, como mostra Almaraz, (1958, p. 122) e afirma Guilherme (1959, p. 58): “
O “azeite de pedra,” [...] passava a ser boliviano. Era o desmoronamento do império que a
129
Standard detivera inativo em suas mãos durante três lustros, porque não lhe interessava
explorar o subsolo da Bolívia [...]”
A nota Reversal de 1952 define a área destinada à exploração de petróleo pelo Brasil,
estabelecida no Art. 1º do Tratado sobre petróleo de 1938, em 32.000 km² (VILARINO, 2006,
p. 68). No mesmo ano o Movimento Nacionalista Radical - MNR assume o poder com Paz
Estenssoro na Presidência da Bolívia (SOARES, 1975, p. 154). Com ele a campanha dos
trustes contra o Brasil se avoluma progressivamente e as relações entre os dois países se
tornam cada vez mais difíceis, alimentadas pela imprensa subornada.
No Brasil, o movimento formado pelos grupos nacionalistas e pelas forças armadas
para lutar pela estatização do petróleo, teve o antagonismo frontal dos grupos chamados de
“entreguistas”: imprensa, partidos políticos, clubes, associações, elementos de governos
defensores da presença do capital estrangeiro na exploração do petróleo nacional, aliciados
pelo truste internacional. A luta flutuou no tempo até que, em 1938, foi criado o Conselho
Nacional do Petróleo para gerir a política nacional do petróleo.
Em 1953, Getúlio Vargas estatui o monopólio estatal do petróleo com a criação da
Petrobrás. A empresa estatal pelo seu próprio regime jurídico “podia associar-se, fora do
território nacional, a entidades destinadas à exploração de Petróleo” o que muito facilitaria a
exploração do petróleo no território boliviano. Na Bolívia a Petrobrás sofreu interpretações
absurdas pelos meios políticos ligados aos trustes.
A criação da Petrobrás provocou a mais absurda onda de protestos dos “entreguistas”
para desmoralizar e depor o Presidente. Getúlio resistiu a tudo e a todos, cansado das calunias,
das mentiras, praticou o suicídio (24/08/1954) e em sua carta testamento registrou as razões e
os cúmplices do seu ato: “[...] A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à
dos grupos nacionais revoltados contra o regime de trabalho. A lei de lucros extraordinários
foi detida no Congresso. Quiz criar a liberdade nacional na potencialização das nossas
riquezas através da Petrobrás; mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma” e
a Standard estava com grandes domínios no Governo após a morte de Getúlio Vargas
(FONSECA,1955, p. 26-27).
Estas afirmações são confirmadas por Soares (1975, p. 155-156) quando relata o
encontro dos presidentes Paz Estenssoro e Café Filho no ato da inauguração da ferrovia
Corumbá–Santa Cruz de La Sierra. Desacompanhado de assessoria, Café Filho se reuniu a
portas fechadas com Paz Estenssoro, o Vice-Presidente e três diplomatas bolivianos; o
130
Itamaraty só conheceu o que ficara assentado entre os dois mandatários quando recebeu o
Memorândum de Paz Estenssoro da Embaixada da Bolívia no Rio de Janeiro, em fevereiro de
1955.
O andamento dos Tratados de 1938, relativos ao petróleo, mantinha-se sem avanços
pelas partes contratantes decorrentes de injunções políticas internas e pressões externas. A
delimitação da área de exploração destinada ao Brasil, decorrente da Nota Reversal de 1952,
só se concretizou catorze anos depois; nada acontecia em termos práticos, pelas partes, para
concluir o projeto do petróleo.
Quando Café Filho assumiu o poder, em 1954, formou seu ministério com figuras do
conservadorismo (GUILHERME, 1959, p. 89), destacando-se Raul Fernandes nas Relações
Exteriores e Eugênio Gudin na Fazenda, ambos do agrado dos Estados Unidos (VILARINO,
2006, p. 116), e contrários à consumação do tratado de 1938 sobre importação do petróleo
boliviano. A posição boliviana era desfavorável ao Brasil devido à presença de Paz
Estenssoro no Poder. Ele era radicalmente contrário à política do petróleo boliviano com o
Brasil e pretendia anular o Tratado. Guilherme (1959, p. 80) afirma que Paz Estenssoro era
inimigo acérrimo do Tratado de 38, desde o dia de sua assinatura.
Para tanto o Presidente boliviano preparou os meios necessários para conseguir seus
intentos. Iniciou pela divisão da zona de estudos, determinada pelas reversais de 1952, em
duas áreas A e B; a área A com 60% ficava para o YPFB e a área B com 40% para as
empresas brasileiras. Seguiu-se o novo Código de Petróleo da Bolívia aprovado em
29/01/1956, ao qual deviam as empresas brasileiras obediência e ainda sem direito de
reclamação diplomática (VILARINO, 2006, p. 69). Estava completado o ato de misericórdia
contra a Petrobrás e a reversão da nacionalização do petróleo favorável ao truste americano.
Neste período, a pressão política contra o Brasil, promovida pelo MNR (Movimento
Nacionalista Revolucionário) (GUILHERME, 1959, p. 124) e pela Standard Oil Co. , que se
centrava em La Paz, alcançava limites que impossibilitavam toda e qualquer contingência de
negociações.
O Presidente Paz Estenssoro, de conivência com o Presidente Café Filho, alegando
que os estudos e pesquisas comprometidos entre os dois países ainda estavam nas
preliminares, depois de tanto anos de promessas não cumpridas, “[...] cobrou uma posição do
país, pedindo que o governo brasileiro abrisse mão da área delimitada para que a Bolívia a
explorasse (ou entregasse a quem quisesse)” (VILARINO, 2006, p. 68-69).
131
Em 1956, assumiu o governo do Brasil Juscelino Kubistchek e no mesmo ano recebeu
a visita do Vice-Presidente de Paz Estenssoro e Presidente eleito da Bolívia Hernan Siles
Zuazo. José Carlos Macedo Soares, de livre transito no país vizinho pela sua atuação na paz
do Chaco, ocupou a Pasta das Relações Exteriores. Logo “viu a nota de Café Filho, sobre a
desistência do Brasil no Tratado”. Aproveitou-se da visita do presidente eleito da Bolívia e
diligenciou novos entendimentos para reatar o acordo de 1938.
Da prolongada reunião entre o Chanceler e o Presidente Siles Suazo resultou
conhecerem que o Brasil buscava entendimentos para reatar o acordo e a Bolívia pela
atualização do mesmo. Em face da divergência aquilatada no encontro resolveram constituir
uma Comissão Especial, formada por representantes do Brasil e da Bolívia, para se reunir em
La Paz, para desenvolver estudos sobre as duas opiniões: execução do Tratado de 1938
(Brasil) ou a sua atualização (Bolívia). A proposta da Comissão foi aprovada e teve sua
publicação em 31/07/1956, consoante Cusicanqui (1986, p. 100).
Com relação ao aproveitamento do petróleo referido no Tratado vigente de 1938, tudo
se firmou no conteúdo vazio da “Diplomacia de Papel,” ondeando no tempo por duas décadas,
sem “Diplomacia Prática” como a da ferrovia, em decorrência dos governos do Brasil e da
Bolívia conduzirem suas políticas externas sob a canga do truste internacional e em
detrimento dos interesses dos Estados nacionais.
A comissão brasileira chegou à capital boliviana em junho de 1957 e pode avaliar a
atmosfera do ambiente contrário ao Brasil.
A primeira manifestação da delegação boliviana foi pedir a eliminação da Zona de
Estudos prevista no Tratado além de outras solicitações complementares. A Missão brasileira
rejeitou, de imediato, a absurda pretensão boliviana com argumentos seguros do alcance
político e econômico dos Tratados de 1938. Os dois Tratados, aparentemente independentes,
guardavam estreita vinculação porque o ferroviário era garantido pelo aproveitamento do
petróleo. Separa-los era desfazer o conjunto dos Acordos firmados entre o Brasil e a Bolívia,
em 1938, sem medir as conseqüências dos prejuízos econômicos e políticos para os dois
países.
A aparente singeleza da proposta da missão boliviana torna patente a existência da
ação das empresas petrolíferas internacionais, com destaque para a Standard Oil Co. , contra a
consecução do aproveitamento do petróleo boliviano pelo Brasil. A evidência desta hipótese
se esclarece com a observação feita por Guilherme (1959, p. 127):
132
“[...] é que, enquanto o Brasil, arcando com sacrifícios muitos superiores às
suas possibilidades financeiras, cumpriu religiosamente sua palavra e, por
fim, conseguiu estender os trilhos que ligariam Corumbá a Santa Cruz, a Bolívia manteve uma posição de paciente expectativa, sem nada reclamar
contra o Tratado sôbre petróleo, então praticamente esquecido. Tão cedo,
entretanto, a conclusão da estrada atingia o seu término, começaram as
primeiras reclamações contra a inação brasileira para o cumprimento do Tratado, reclamações que foram assumindo as proporções de verdadeira
campanha para a sua rescisão, tal como, afinal, se propôs através do
Memorando Estensoro antes mesmo que o novo Código do Petróleo restituísse a política da “porta aberta”...”
O Tratado sobre o petróleo prosseguiu conduzido por uma “Diplomacia de Papel” sem
resultados positivos consoante aos objetivos subscritos. A Bolívia recebeu a ferrovia; o Brasil
pagou a construção da estrada; os trustes ficaram com a reserva subandina da Bolívia. E
Vilarino (2006, p. 270) explica: “Os desdobramentos em torno dos Acordos de Roboré
favoreceram os interesses dos trustes, uma vez que o Brasil, no plano externo, não extraiu
uma gota de petróleo se quer, [...]”.
E complementa Soares (1975, p. 153) “A pesquisa e lavra do petróleo boliviano foram
retardadas por vicissitudes de vária índole, [...]”. Mais uma vez os trustes do petróleo
conseguiram impedir o grande projeto de desenvolvimento pretendido pelo Brasil e pela
Bolívia com o aproveitamento de suas riquezas.
133
8 – O TRATADO DE ROBORÉ
8.1 – Antecedentes
Onde existem fronteiras, existem problemas. E problemas exigem soluções. Cruzando cem
anos de litígios demarcatórios e intensa atividade de negociações diplomáticas o Brasil
resolveu propor, de acordo com Soares (1975, p. 155), a “idéia de uma negociação global de
molde a resolver todos os assuntos entre o Brasil e a Bolívia e apagar ressentimentos e
suspeitas”, com especial atenção à dinamização da fronteira.
Vários documentos foram produzidos como resultado das negociações bilaterais
Bolívia-Brasil, ao longo de noventa e um anos, nos quais diversas questões relacionadas às
suas fronteiras são equacionadas, conforme se tratou nos capítulos anteriores, culminando
com o Tratado de Roboré.
O primeiro Instrumento Diplomático firmado entre Brasil e Bolívia, tratando da
fronteira, foi o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição assinado na
cidade de La Paz de Ayacucho no dia 27 de março de 1867; nele o Brasil fez importantes
concessões (Art. 7º. e 9º.) à Bolívia, com respeito a comércio e navegação.
O Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, encerrou a questão de
limites do território do Acre entre o Brasil e a Bolívia.
O Tratado de Natal, assinado no Rio de Janeiro, em 25 de dezembro de 1928, ficou
nomeado como o “Tratado de limites e comunicação ferroviária entre o Brasil e Bolívia”.
O Brasil e a Bolívia assinaram, em 25 de fevereiro de 1938, no Itamaraty, dois
Tratados, um sobre vinculação ferroviária e, outro, sobre saída e aproveitamento do petróleo
boliviano.
Porém, além dos dois Tratados acima referidos, ferrovia e petróleo, muitos outros
assuntos de diferentes aspectos, remanescentes dos Acordos anteriores, como os limites,
acumularam matérias de natureza complexa que giraram na roda do tempo e criaram
dificuldades às negociações diplomáticas.
Os entendimentos procedidos entre o Brasil e a Bolívia revelam uma seqüência de
Atos internacionais que não se completavam e, ainda mais, se complementavam de novos
compromissos, de difíceis finalizações.
As negociações entre Estados nacionais constituem, pela própria natureza relacional
dos assuntos, matéria de alta complexidade que exige, além da alta competência, habilidade
134
de negociação e boa vontade dos negociadores, o cumprimento efetivo e preciso dos acordos
estabelecidos.
A inobservância dos compromissos, entre as partes contratantes, fragiliza os
entendimentos recíprocos. E, no mais das vezes, evoluem para estágios políticos negativos,
causantes de descrenças, ressentimentos, suspeitas e confrontos indesejáveis.
O acumulado de ajustes vazios, no andamento temporal, caminhou para complicadas
negociações diplomáticas, alicerçadas por avanços, recuos, opiniões divergentes, que
complicaram os entendimentos da matéria, quando da sua apreciação.
O não cumprimento do Tratado de 1938, despautado por vinte anos, pesou nas
relações diplomáticas entre os dois países, fermentando situação de ressentimento e
desconfiança que o tempo se incumbiu de elevá-la a limites críticos de reações de forças
sociais, não apreciáveis para uma política diplomática de boa vizinhança entre os dois Estados
nacionais.
Formou-se um somatório de acordos vinculados, sem condições de separá-los do
conjunto para proceder a analise individual de cada episódio da cadeia dos acontecimentos,
sem o conhecimento historiográfico pertinente.
8.2 – O Tratado
A ausência de familiaridade com o território palco e com a paisagem temporal do
conjunto dos episódios tornou custoso chegar-se ao completo entendimento do assunto no
expor de Guilherme (1959, p. 9):
Daí, também, a razão por que, para se apreender o sentido histórico e os
aspectos econômicos, financeiros, políticos e estratégicos das Notas
Reversais de 1958, há que se recuar no tempo e procurar nas velhas questões
de limites brasileiro-boliviano a explicação de mais de um século de relações diplomáticas entremeadas de quizílias e divergências nem sempre
solucionadas com perfeita compensação de interesses, ou num ambiente de
confiança incondicional.
Destaca-se como objeto deste estudo a formação da fronteira e o “Tratado de Roboré”,
que segundo Soares (1975, p. 155) foi originário quando:
A negociação Corumbá-Roboré-La Paz – A 26 de janeiro de 1956 propus ao
Chanceler Macedo Soares a idéia de uma ‘negociação global’ de molde a
resolver todos os assuntos entre o Brasil e a Bolívia e apagar ressentimento e
135
suspeitas. [...] Macedo Soares concordou com a idéia [...] entendeu que todos
esses assuntos deveriam ter solução adequada em benefício da melhoria das
relações brasileiro-bolivianas. E isto porque importava muito ao Brasil contar com a amizade da Bolívia, bem como transformar a fronteira de 3.125
km de extensão numa fronteira viva e numa área de crescente comércio
trans-fronteiriço.
[...]
Com fundamento em tais razões e conscientes da impossibilidade de chegarem a um
resultado compensador, optaram os Governos e os Negociadores do Brasil e da Bolívia pela
busca de uma “Negociação Global” para todos os assuntos pendentes entre os dois Estados.
Com essa decisão inicia-se então uma nova era para os países limítrofes, pautada nas
deliberações do Tratado de Roboré de 1958, responsável em regular a vida das regiões
fronteiriças, oportunizando-lhes melhores condições de desenvolvimento econômico, político
e social.
Assim é que se reuniram nas cidades de Corumbá (Brasil) e Roboré (Bolívia), no
período de 24 a 27 de Janeiro de 1958, em entrevista especial, os Chanceleres, brasileiro, José
Carlos Macedo Soares e boliviano, Manoel Barrau Pelaez, com o objetivo de «atualizar o
Tratado de 1938», firmado entre o Brasil e a Bolívia, sobre Vinculação Ferroviária e
Aproveitamento do Petróleo boliviano, através de Protocolo, Convênios e Notas Reversais,
conforme ata a seguir:
ATA DA ENTREVISTA EM CORUMBÁ E ROBORÉ DOS
MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTRIORES DO BRASIL E
DA BOLÍVIA
Os Ministros das Relações Exteriores do Brasil e da Bolívia, Senhores José Carlos de Macedo Soares e Manuel Barrau Pelaez, nas convenções que
mantiveram em sua Entrevista Especial nas cidades de Corumbá e Roboré,
nos dias 24, 25, 26 e 27 de janeiro de 1958, consideraram diversos assuntos pendentes de solução entre ambos os países e relativos a: (I) Exploração do
petróleo boliviano e o fornecimento de hidrocarbonetos ao Brasil, (II)
Estrada de Ferro Corumbá -Santa Cruz de La Sierra, (III) limites,(IV)
relações econômicas e comerciais e (V) intercâmbio cultural; resolveram subscrever a presente Ata, que consigna os acordos adotados a respeito dos
referidos assuntos, acordos estes que deverão ser postos em práticas pelos
dois países. [...]. Roboré, 28 de janeiro de 1958. (MRE. GOV. BR INTERNET)
136
Dos diferentes assuntos pendentes de solução pelos negociadores dos dois países,
Teixeira Soares destaca como pontos de maior relevância os seguintes:
[...]. Os três pontos principais, pontos verdadeiramente culminantes, da
negociação Corumbá-Roboré-La Paz foram: 1º) a liquidação de todos os detalhes de demarcação na extensa fronteira; 2º) a concessão da chamada
Área B, na Faixa subandina, na região de Santa Cruz de la Sierra, de 13.000
km², a empresas privadas brasileiras para exploração do petróleo; 3º)
vivificação de uma política de cooperação financeira e técnica, fundada no Tratado de Vinculação ferroviária de 1938, [...] (SOARES ,1975, p. 157).
Os resultados dos entendimentos desenvolvidos, nas nomeadas cidades fronteiriças,
ensejaram: “uma série de atos internacionais, em numero de 31, que deram idéia cabal da
magnitude das negociações”.
Todos os atos acordados na negociação foram firmados pelos respectivos Chanceleres
Macedo Soares e Manoel Barrau Pelaez, em 29 de março de 1958, na cidade de La Paz,
coroando as negociações bilaterais desenvolvidas nas cidades de Corumbá-Brasil e Roboré-
Bolívia, e constituindo o Tratado ou Ata de Roboré, que compreende 31 documentos,
compostos por 10 convênios, 1 protocolo e 20 notas reversais, fundamentados numa filosofia
de destacada preocupação com as condições ermas de suas fronteiras. Além de outras
variáveis importantes, tal documento procurou idealizar estratégias para facilitar a vida das
populações fronteiriças, isoladas dos centros dos governos nacionais, conveniando facilidades
de fluxos e redes comercial, social, cultural para dar suporte de desenvolvimento ao s núcleos
binacionais da fronteira (TABELA 1).
137
TABELA 1 – Documentos que constituem o Tratado de Roboré, firmados em 29 de março de
1958, em La Paz
Nome de documento Publicação
Convênio comercial 20.10.1969
Convênio de Comércio Inter-Regional 20.10.1969
Convênio de Tráfico Fronteiriço 20.10.1969
Convênio de Cooperação econômica e Técnica 20.10.1969
Convênio de Trânsito Livre 20.10.1969
Convênio para o Estabelecimento, em Belém, de Entreposto de Depósito Franco 10.12.1969
Convênio para o Estabelecimento, em Porto Velho, de Entreposto de Depósito
Franco
10.12.1969
Convênio para o Estabelecimento, em Corumbá, de Entreposto de Depósito
Franco
10.12.1969
Convênio para o Estabelecimento, em Santos, de Entreposto de Depósito Franco 10.12.1969
Convênio de Intercâmbio Cultural 20.10.1969
Protocolo Preliminar sobre Navegação Permanente dos Rios Brasileiros e
Bolivianos
do Sistema Fluvial do Amazonas
20.10.1969
Nota Reversal n. 1, sobre Demarcação de Limites entres os dois Países. 20.06.1958
Nota Reversal n. 2, modificando o tratado ferroviário firmado em 25 de fevereiro
de 1938 entre os dois países, sobre a ligação entre Corumbá e Santa Cruz de La
Sierra.
Sem data
Nota Reversal n. 3, destinada a dar solução a questões relacionadas com a Estrada
e Ferro Corumbá-Santa Cruz de La Sierra.
23.06.1958
Nota Reversal n. 4, sobre comércio de tráfego mútuo e de intercâmbio de material
rodante e de tração entre a Dirección General de Ferrocarriles de Bolívia e a
Contadoria Geral de Transportes do Brasil.
Sem data
Nota Reversal n. 5, criando uma Comissão Mista Especial destinada a apurar o
montante dos adiantamentos feitos pelo Brasil para a construção e manutenção da
Ferrovia Santa Cruz de La Sierra-Corumbá.
23.06.1958
Nota Reversal n. 6, destinada a atualizar o Tratado sobre a saída e o aproveitamento
do petróleo boliviano, firmado em 25 de fevereiro de 1938, e seus instrumentos
complementares.
Sem data
Nota Reversal n. 7, destinada a permitir que as companhias brasileiras que
produzem petróleo na Bolívia possam vende-lo e a outros países que não o Brasil,
em caráter transitório.
Sem data
Nota Reversal n. 8, sobre bolsas de estudos. Sem data
Nota Reversal n. 9, sobre o Convênio Comercial assinado na mesma data. 14 julho1958
138
Nota Reversal n. 10, sobre execução do mesmo Convênio Comercial. 14.07.1958
Nota Reversal n. 11, sobre as relações comerciais e financeiras entre os dois países. 14.07.1958
Nota Reversal n. 12, sobre execução do Convênio Inter-regional, criando para o
Banco de Crédito da Amazônia a obrigação de estender à borracha boliviana o
amparo destinado à borracha brasileira.
14.07.1958
Nota Reversal n. 13, tornando sem efeito as disposições do Convênio de
Intercâmbio de Gado Brasileiro-boliviano assinado em 1953.
14.07.1958
Nota Reversal n. 14, tornando sem efeito o Convênio sobre regime cambial para o
comércio fronteiriço assinado em 28-7-1943.
14.07.1958
Nota Reversal n. 15, dispondo sobre a cessão, venda ou arrendamento de terrenos
para construção de depósito franco boliviano em Santos, Corumbá, Porto Velho,
Belém e Manaus.
14.07.1958
Nota Reversal n. 16, colocando à disposição da Bolívia todos os privilégios de
regulamento da zona franca de Manaus, inclusive instalação de agências
aduaneiras, construção de armazém, operações comercial, transbordo, depósito e
beneficiamento de produtos e outras operações conexas.
14.07.1958
Nota Reversal n. 17, dispondo sobre as duas Comissões de Convênio de
Cooperação Econômica e técnica firmado na mesma data.
14.07.1958
Nota Reversal n. 18, criando para o Brasil a obrigação de, desde logo reservar a
importância de oitocentos milhões de cruzeiros destinada a criar condições que
facilitem a realização dos projetos a serem executados em conseqüência do
Convênio de Cooperação Econômica e Técnica, firmado na mesma data.
14.07.1958
Nota Reversal n. 19, sobre a criação, em La Paz, de uma agência do Banco do
Brasil S. A.
14.07.1958
Nota Reversal n. 20, sobre entendimento entre os Ministérios da Viação dos dois
países para um convênio sobre comunicações telegráficas.
14.07.1958
Fonte: Adaptado pelo autor de Passos (1959) e de documentos oficiais do DAI/Itamarati
O Tratado de Roboré é um diploma legal da mais alta importância para o tratamento
das fronteiras Brasil-Bolívia, necessitando apenas da efetiva compreensão e participação das
populações fronteiriças para atingir a realidade prática de seu extraordinário objetivo. O
propósito desse entendimento fundamentou-se no acerto definitivo dos limites territoriais e no
estabelecimento de condições especiais para os povos da fronteira.
A diplomacia, segundo modos tradicionais de negociações entre Estados Soberanos,
costumava nomear os tratados pelos assuntos ou pelos sítios da firmação dos contratos. No
caso de Roboré tudo foi diferente.
139
O Tratado no desenrolar da formação das fronteiras, apresenta-se então como uma
ferramenta indispensável, pois é o fruto de negociações, acordos e resoluções estabelecidas
entre os países limítrofes, fortalecendo as relações diplomáticas internacionais, visando a
implantação e implementação de uma política externa capaz de promover a melhoria da
qualidade de vida e a convivência das populações que habitam as regiões fronteiriças.
Historicamente, sabe-se que os documentos firmados foram de grande importância, na
época em que foram criados, perpetuando-se ao longo dos anos, certamente que muitos já
caíram em desuso, ou foram aprimorados, sofrendo alterações, capazes de responder às novas
necessidades do cenário político e econômico.
8.3 – Consequências do Tratado
O Tratado de Roboré que condicionou uma negociação global de diversificados
assuntos consumou importantes resultados relativo aos pontos de atritos existentes.
Concluíram os trabalhos demarcatórios dos limites do início do século XX,
executando retificações dos pontos dúbios, principalmente, nos seguimentos relativos aos
marcos Quatro Irmãos – Turvo – Rio Verde, com resultado favorável à Bolívia.
Acertou a complementação da ferrovia Corumbá-Santa Cruz de la Sierra pretendida
pela comissão boliviana.
No tocante ao petróleo encerrou pela concessão da área B, na faixa subandina, para
exploração de petróleo por empresas brasileiras, agora reduzidas para 13.000 km².
Estes itens decorrentes de outros Tratados eram considerados como assuntos velhos e,
portanto, apesar de acordado pelas comissões, não representavam o suficientes para
restabelecer as relações de amizade e confiança desejadas pelas duas nações.
A magnitude da negociação era de tal abrangência que, para alcançar uma solução
ampla e duradoura, se fazia necessário ampliar a análise com novos assuntos tanto de
abrangência geral quanto regional, através de acordo geral de comércio, cooperação
econômica e técnica, livre transito, no propósito de conjugar os elementos práticos existentes,
num jogo seguro, com o espírito de contribuir cada vez mais para o progresso do bom
entendimento entre os dois povos.
E as Comissões verificando, então, que para alcançar este objetivo teriam que ativar
relações econômicas para o desenvolvimento de suas populações; criar normas de cooperação
mútua extensivas a todas as comunidades nacionais, como estimulantes de novas fontes de
intercâmbio, para melhorar a balança comercial; estreitar as relações de amizade e boa
140
vizinhança pela simplificação dos procedimentos comerciais e de transporte nas regiões
fronteiriças, para incremento do livre trânsito; amenizar, para a Bolívia, o caráter
mediterrâneo de sua posição geográfica, facilitando a criação de interpostos comerciais e
zonas francas, no território brasileiro, para sua saída ao mar pelo oceano Atlântico.
Terminada a análise, as Comissões concluíram que, “somente pela colaboração mais
íntima e pela simplificação dos trâmites administrativos entre suas organizações nacionais”
seria possível concretizar os desejos dos dois governos na busca de uma solução pacífica e
duradoura para suas fronteiras. E, para tanto, tiveram que concluir pelos dez convênios e
reversais do acordo de Roboré já referidos.
As conseqüências do Tratado foram diversificadas em termos favoráveis e
desfavoráveis ao Brasil quando considerados pela ótica dos limites e dos tratados de 1938.
Para a diplomacia o feito diplomático das duas Chancelarias de estabelecer e aprovar
os pontos acima referidos foi de grande importância para restabelecer as relações de amizade
e confiança cultivadas pelos dois países durante muitas décadas. Assim a correção dos pontos
dúbios dos limites, resultantes das demarcações efetuadas desde o inicio do século XX,
resultaram em cessão de territórios para a Bolívia, bem como favorável a ela foi a
complementação da ferrovia que já havia sido concluída, e, como tal, entregue e recebida pelo
governo boliviano, em 1955, e por último a concessão da chamada Área B, na Faixa
subandina, na região de Santa Cruz de La Sierra, de 13.000 km², às empresas privadas
brasileiras para exploração do petróleo;
Para o entendimento jurídico o Tratado não ensejou resultados vantajosos e seguros
para o Brasil, porque no acerto demarcatório da fronteira, o Brasil cedeu território para a
Bolívia, através de nota reversal, instrumento adjetivo de tratado, quando limites e cessão de
território são matérias de tratamento exclusivo do Congresso Nacional.
Na mesma linha de raciocínio referente à redução da área, também por reversal,
anulou o objeto originário do Tratado de 1938, sobre a exploração de petróleo, na Bolívia, isto
porque o tratado é um instrumento jurídico substantivo do direito público internacional,
enquanto a reversal é adjetiva, ela auxilia o desempenho do ato substantivo, sem alterar sua
essência, quando a alteração se evidencia temos então um novo tratado disfarçado para fugir
da ratificação. Tratado só pode ser substituído por outro Tratado.
Daí a afirmação jurídica de que o Tratado de Roboré, no tocante a 1938, foi um
“Triste Tratado” para o Brasil. A construção da ferrovia teve seu pagamento prejudicado pela
anulação do Art. IV da vinculação ferroviária. A área destinada a exploração do petróleo foi
141
reduzida e o Acordo mal versado em favor dos trustes. Somente pelo encontro dos Presidentes
Médici e Banzer, em 4 de abril de 1972, na cidade de Corumbá MS, foi reaberta a intenção de
negociação dos hidrocarbonetos, entre o Brasil e a Bolívia.
As conseqüências positivas para os dois países, 1938, em nossa ótica, foram a
construção da ferrovia Corumbá-Santa Cruz de La Sierra e a remarcação dos seus limites
territoriais.
A ferrovia Corumbá-Santa Cruz de la Sierra vem se constituindo no principal fator de
transformação do oriente boliviano. Sua presença tem sido responsável pelo povoamento com
16 novas cidades; pelo fomento e aproveitamento de suas riquezas; pela intensificação do
comércio inter-regional com os núcleos da fronteira do Brasil, sendo, então, um indicador da
grande possibilidade de êxito na aplicação de uma política fronteiriça voltada para facilitar o
desenvolvimento dos estados confinantes.
O concerto das divergências dos marcos demarcatório dos limites a partir da
eliminação do marco do Jacadigo, intermédio entre o inicial de Bahia Negra e o do Taquaral,
bem como os já apontados, foram conseqüências positivas porque desacordos em limites
territoriais são agentes de desarmonia na convivência pacífica de dois países. Um dos
objetivos dos Acordos de Roboré era reativar a amizade e confiança entre os dois povos
vizinhos.
Dos dois Tratados de 1938: vinculação ferroviária e aproveitamento do petróleo
boliviano restaram de positivo para o Brasil a ferrovia como elemento de comunicação e
transporte. Não selaram, entretanto, o acordo global desejado, conforme vimos.
Assim concluirmos que a conseqüência fundamental de Roboré foi a resultante da
criação do projeto voltada para facilitar a vida das populações das fronteiras, com políticas
públicas de ajuda mútua, suficientes para transformar a fronteira erma, numa fronteira viva. A
aprovação dos dez convênios com as reversais respectivas foi o que restou e é o real, o
verdadeiro e atual Tratado de Roboré.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No emaranhado confuso do uso do termo fronteira foi necessário buscar um conceito
para entender sua origem, abrangência, complexidade, função e diferença com outros signos
demarcatórios de territórios confrontantes entre dois Estados nacionais.
O estudo da formação de fronteiras no continente americano requer uma abordagem
desde o período dos grandes descobrimentos, pois, sem dúvida, o avanço da ciência náutica,
alentada em Sagres sob a égide do Príncipe D. Henrique, aqueceu a avidez dos navegantes
para os mistérios do grande oceano e ensejou essa era dos descobrimentos de novas terras,
consequentemente resultando em disputas e necessidade de delimitação de territórios.
A contenda entre Portugal e Espanha pelas terras descobertas e por descobrir no Novo
Mundo foi resolvida com uma solução pacífica pelo Tratado de Tordesilhas, 1494, mediante
uma linha divisória estabelecida pelo meridiano de 370 léguas e as terras a oeste do
arquipélago de Cabo Verde pertenceriam a Espanha e aquelas a leste a Portugal, resultando na
primeira linha de limite, a primeira fronteira no continente americano, indicando os territórios
pertencentes às Coroas ibéricas.
No período colonial, por dois séculos e meio, a questão das fronteiras no Novo
Mundo se prende às negociações dos limites das terras pertencentes às duas Coroas. No
decorrer desse tempo o território português do Brasil se expande pela ação das Bandeiras e
Monções, na caça ao ouro, provocando o deslocamento da linha de Tordesilhas para Oeste,
com ganho de dois terços a mais em relação ao meridiano de 1494.
Os embates entre portugueses e espanhóis na América meridional eram cada vez mais
acirrados, estendendo-se do rio da Prata ao Amazonas e gerando severos desconfortos nas
relações de amizade entre Espanha e Portugal. O assunto conjugava implicações de várias
ordens nos campos da geografia, da história, dos interesses econômicos e do direito público
internacional, com sinais de difícil solução pacífica para a questão. Era necessário acionar
uma política externa eficiente capaz de evitar o desfecho bélico.
Inicia-se o confronto diplomático com duas grandes expressões do direito público
internacional. Por Portugal Alexandre de Gusmão, Secretário da Corte de D. João V,
conducente, entre outros, dos assuntos relativos ao Brasil. Pela Espanha D. José de Carvajal y
Lancaser ministro da Corte de D. Fernando VI, gestor da política externa da Coroa.
143
Se Portugal tinha à frente das negociações dos ajustes das fronteiras ibéricas
Alexandre de Gusmão, experiente conhecedor da política européia, versado nos assuntos
jurídicos e diplomáticos da Corte, dedicado conhecedor da cartografia desenvolvida no
território da América portuguesa, a Espanha tinha como negociador o distinguido e respeitado
D. José de Carvajal, de larga experiência na condução do Conselho de Índia além de
sedimentada experiência jurídica e diplomática.
Diante da alta distinção dos negociadores e da vontade decidida dos dois monarcas,
certo era esperar, confiante, um ajuste de limites definitivo e vantajoso para os dois reinos.
Alexandre de Gusmão estudou detalhadamente a ocupação portuguesa extra
Tordesilhas no sul, centro oeste e norte, respectivamente, o rio da Prata, o maciço aurífero do
Extremo Centro Oeste e a Amazônia. Numa estratégia que hoje se chamaria geopolitica,
estudou os territórios que a Espanha pontuava como de maior importância para ela e os que
igualmente eram fundamentais para consolidar o perfil geográfico do Brasil Colônia e com
base nestes conhecimentos pontuar as negociações por trocas de territórios equivalentes.
A sua tática de negociação estimava-se em duas proposições: acertar os confins pelas
vantagens auferidas pelos espanhóis no Oriente e pelos portugueses no Ocidente. Recusada
esta pelos espanhóis, teria de fundamentar um Tratado de Limites com base na ocupação real
da terra com um justo valor da propriedade, o que implicaria em fundar uma soberania com
norma jurídica, advinda do direito romano, a do uti possidetis, associada aos limites naturais.
Por mais de dois anos o Embaixador de Portugal, na Espanha, Thomas da Silva Teles
e D. José de Carvajal e Lancaster, Ministro espanhol, se debruçaram sobre a farta
documentação cartográfica e diplomática fornecida pelas Coroas e, num contínuo e paciente
trabalho de análise documental, confrontaram, ponto a ponto, os interesses em pauta e
lograram um ajuste de limites satisfatório e compensador para os dois Reinos pondo fim a um
prolongado litígio de fronteiras entre as nações Ibéricas da América austral.
E com os Pleno-Poderes, e Ratificação dos Dois Monarcas é assinado na capital
espanhola em 13 de Janeiro de 1750 o Tratado de Madri. Por ele fica abolido o Tratado de
Tordesilhas, cria-se a fronteira pondo fim às quizilas de limites do período colonial, entre
Espanha e Portugal no continente americano. Esta divisa é validada em definitivo pelo
Tratado de Badajóz, assinado em 6 de junho de 1801.
144
Em 1808, o Príncipe Regente D. João VI ao transferir a corte de Portugal para o
Brasil, de Lisboa para o Rio de Janeiro, assumiu o poder administrativo do Brasil e com tal
ato, além de tornar o reino de Portugal geograficamente maior e politicamente mais forte,
como rei de Portugal e do Brasil, transformou uma colônia em Império, o Império do Brasil.
Primeira área do continente americano a ter seu território com perfil geográfico cartografado
em mapa, antes de sua independência. E esta somente veio a ocorrer em 7 de setembro de
1822.
O inicio do século XIX foi de grande inquietação política na América espanhola,
provocada pelos movimentos de independência de seus vice-reinados, especialmente do Peru
e do Rio da Prata. A Bolívia cujo território se estendia pelos dois vice-reinados conseguiu sua
independência em 6 de agosto de 1825.
A formação da fronteira da Bolívia com o Brasil inicia-se quando, em 1867, os dois
países firmaram o primeiro Tratado de Limites, seguido pelos Atos diplomáticos: Questão do
Acre – Tratado de Petrópolis, 1903; Limites e Vinculação Ferroviária – Tratado de Natal
1928; Tratados de Vinculação Ferroviária e Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo
Boliviano de 1938 e por último os Acordos (Tratado) de Roboré, 1958. Nesta seqüência e
durante quase um século de negociações os dois Estados nacionais consolidaram a mais longa
fronteira fluvial e seca, com 3.125 km de extensão.
Pelo Tratado de Petrópolis, 1903, o Barão do rio Branco com seu extraordinário senso
de americanismo e de política de boa vizinhança, negociou a questão do Acre por via direta,
nos conformes do primeiro Tratado, 1867, substituindo a cessão pela permuta de territórios,
com justa compensação pecuniária, além de proporcionar o acesso ao mar para a Bolívia pelos
rios da Amazônia. E, ainda, com os recursos auferidos da compensação do Acordo, o governo
boliviano construiu importantes ferrovias na região andina, com resultados positivos para sua
economia.
Depois da gestão do Barão do Rio Barão ainda restaram acertos do Tratado de
Petrópolis sobre limites e obras, que geraram mais recursos para a Bolívia, definidos pelo
Tratado de 1928, em um milhão de libras esterlinas, e deste recurso derivaram, vinte anos
depois, os tratados de 1938.
O Tratado de Vinculação Ferroviária, 1938, foi acordado para a construção da ferrovia
Corumbá-Santa Cruz de La Sierra pelo Brasil, entrando a Bolívia com os recursos da divida
brasileira, um milhão de libras esterlinas, insuficientes à conclusão do projeto,
145
complementado com financiamento brasileiro, cujo ressarcimento a Bolívia faria com
petróleo resultante do “Tratado de Saída e Aproveitamento do Petróleo Boliviano”, firmado
na mesma data. Como resultado a Bolívia ficaria vinculada ao sistema ferroviário brasileiro,
com acesso ao oceano Atlântico pelo porto de Santos e o Brasil teria o abastecimento
mediterrâneo de petróleo, livrando-se das conseqüências danosas dos bloqueios marítimos.
O fechamento destes dois acordos representava o objetivo de suprir necessidades
mútuas, a recuperação da economia boliviana no pós Guerra do Chaco e o suprimento de
combustível para o desenvolvimento brasileiro, além da tentativa de alargar, dentro dos
limites de ação do próprio capitalismo, seu campo de atuação com base nas suas condições de
soberania e independência.
O Brasil e a Bolívia conjugaram uma ação geopolítica com uma estratégia segura para
atingir o objetivo de sanar suas economias, pela exploração e comercialização de suas
próprias riquezas, com base numa infra-estrutura resultante de seus próprios esforços. Os dois
Estados nacionais intentaram uma forma de desenvolvimento autônomo, forçando as suas
próprias realidades, contra um sistema capitalista que os inseriam na dependência dos
interesses dos Estados Unidos, nação hegemônica do continente americano. Em termos de
política externa era uma ação ousada, porém, de conseqüências perversas imputadas pelos
trustes do petróleo, para manter o Brasil e a Bolívia na condição de países subjugados aos
caprichos das empresas petrolíferas internacionais, interessadas nas reservas de
hidrocarbonetos da Bolívia, anteriormente exploradas pela Standard Oil Co. , americana.
A saída da Standard Oil Co. da Bolívia agravou a pressão do governo dos Estados
Unidos sobre os dois países. Ameaças de toda ordem, bloqueio de empréstimos, ingerência
direta nas esferas governamentais, golpes de estado, implantação de ditaduras na América do
Sul, todo um programa de agitação política pertinente à defesa de seus trustes do petróleo.
Todo este conjunto de manobras deletérias aos interesses dos Estados nacionais era para
obrigar o Brasil e a Bolívia a desfazer o Tratado do petróleo de 1938. E tal foi a ingerência
sobre eles que resolveram marcar o encontro diplomático nas cidades fronteiriças de Corumbá
e Roboré, para detalharem as negociações.
Passados vinte anos, o Brasil já havia cumprido o primeiro Acordo, o ferroviário, e a
nação boliviana já povoava e explorava as riquezas de sua região oriental. O projeto oferecia
lógica de sucesso. A ferrovia foi construída e concluída sem ruídos de insatisfação pela parte
boliviana. Mas nele estava vinculado o pomo da discórdia, a variável petróleo.
146
E em decorrência dela a ingerência externa se intensificou de tal maneira que, nos
acertos de La Paz, a diplomacia boliviana se comportou como porta voz da Standard Oil. As
propostas por ela apresentadas, convergiam mais para os interesses dos trustes do que para a
própria Bolívia. Também sobre o governo brasileiro a pressão externa não foi menor. A
comissão diplomática brasileira, nas negociações, teve uma atuação puramente de concórdia,
satisfazendo as pretensões da Bolívia com a aprovação de suas propostas. E assim os Acordos
de Roboré descaracterizaram o Tratado de 1938, deixando as reservas do petróleo boliviano,
destinadas ao Brasil, livres para os trustes.
Os Acordos de Roboré tinham como objetivo principal atualizar o tratado de petróleo
de 1938, vinculado ao tratado ferroviário do mesmo ano. Mas além destes restavam outras
áreas de conflitos decorrentes de pendências de acertos restantes do Tratado de Petrópolis,
1903, que clamavam por soluções imediatas.
Assim os Chanceleres Macedo Soares e Barrau Peláez concordaram por uma solução
global de todos os assuntos para eliminar as dúvidas e desconfianças existentes entre os dois
povos, com o propósito de restabelecer a amizade e a paz, por tantas décadas cultivadas entre
eles.
Mas, desde a primeira sentada de negociações as partes observaram que a solução dos
problemas não se atinha apenas aos assuntos de petróleo, ferrovias e limites. Era necessário
inserir uma extensão de cooperação a outros setores para poderem alcançar um resultado
satisfatório para ambas as partes. Para tanto, era preciso ativar as infra-estruturas de
transportes ferroviários e hidroviários para dinamizar o comércio entre os estados de Pando,
Beni e Santa Cruz de La Sierra, do lado boliviano, e Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, do lado brasileiro, através de medidas diplomáticas específicas suficientes para
proporcionar um processo de desenvolvimento regional para beneficiar as populações de
fronteiras.
Aprovada a idéia de ampliar a cooperação pelos setores de transporte, comércio, e
cultura, os negociadores trabalharam na criação das normas jurídicas objetivas para
regulamentar o processo e concluíram pela criação dos convênios e notas reversais,
necessárias para ativar o desenvolvimento regional fronteiriço e facilitar a saída marítima da
Bolívia pelas vertentes do Atlântico. E dados por satisfeitos os Chanceleres concluíram as
negociações.
147
Então, em 29 de março de 1958, é assinado o Tratado de Roboré na cidade de La Paz.
O Tratado totalizou 31 documentos: 10 convênios, 1 protocolo e 20 notas reversais, como já
referidos. O destaque de apreciação nele abordada foi questão do petróleo e gás natural, que
as empresas brasileiras explorariam em território boliviano. Se esta não foi a questão mais
importante foi a mais polêmica por abrigar os interesses das multinacionais petrolíferas.
Os Acordos de Roboré eram pouco conhecidos, só chegaram a ocupar as principais
manchetes da grande mídia e as polêmicas acirradas nas áreas políticas e econômicas dos dois
Estados nacionais, pela presença do item referente à exploração do petróleo boliviano pelo
Brasil. A sua histografia é diminuta e mesmo a área acadêmica nada tem produzido sobre o
tema. Os livros publicados sobre Roboré só tratam do tema petróleo, não fazem uma
apreciação analítica do desdobramento dos tratados de 1938, que resultaram no projeto final
de desenvolvimento dos estados confinantes entre o Brasil e a Bolívia.
O Tratado de Roboré é o mais importante trabalho diplomático do continente sul
americano. Foi a primeira ação entre dois Estados nacionais da América austral a se preocupar
com as regiões isoladas de seus estados limítrofes. Planejaram condições especiais para que
eles conseguissem ativar suas economias com o objetivo de vivificar a fronteira. E
simultaneamente criaram um conjunto de facilidades para que pudessem desenvolver um
comércio inter-regional e binacional nos territórios interiores de seus limites.
Os sete estados, três bolivianos e quatro brasileiros, respectivamente, Pando, Beni e
Santa Cruz e Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, abrangem uma área de
mais dois milhões de quilômetros quadrados, localizada no planalto central sul-americano, a
cavaleiro das bacias amazônica e platina, tem sido referida como a região que detém as
melhores condições geográficas para produzir alimentos para o mundo. É a primeira idéia de
um mercado comum binacional no interior do continente e que podia receber o nome de
Merco Oeste Brasil-Bolívia (FIGURAS 3 e 4).
Depois da assinatura, 1958, Roboré foi se enfraquecendo e com pouca presença na
imprensa e nas apreciações políticas e econômicas, permaneceu como ato passado. A atenção
do país, no inicio de 1960, foi centrada na área política, pela sucessão de desmando que foram
da renuncia de presidente, a mudança de regime e que terminaram com o golpe de Estado dos
militares em 1964 e em decorrência dos fatos o Brasil se esqueceu de Roboré.
Apesar de passados 50 anos o Tratado de Roboré está em plena vigência apesar de
esquecido pelo governo do Brasil. Desrespeitado e desconhecido pelas autoridades nacionais
148
dos dois lados da fronteira, ele está aí, e ele pode ser reativado tão logo as populações dos
seus territórios tomem consciência de sua importância econômica, política e social.
FIGURA 3 - Mapa apresentando os estados brasileiros e os departamentos bolivianos situados na área referente ao Tratado de Roboré (Elaborado por Padovani s d p).
149
FIGURA 4 - Mapa apresentando a área dos estados brasileiros e departamentos bolivianos
que compõe o tratado de Roboré.
150
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