Fragmentos de Drummond Poema de sete faces “Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra...

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Fragmentos de Drummond

Poema de sete faces

“Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida...”

“A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

DESEJOS

Desejo a vocês...Fruto do mato

Cheiro de jardimNamoro no portão

Domingo sem chuvaSegunda sem mau humor ...

Uma tarde amenaCalçar um velho chinelo

Sentar numa velha poltronaTocar violão para alguémOuvir a chuva no telhado

Vinho brancoBolero de Ravel

E muito carinho meu.

“Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar. Difícil é mentir para o nosso coração.”

Memória

Amar o perdidodeixa confundidoeste coração.

Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do Não.

As coisas tangíveistornam-se insensíveisà palma da mão

Mas as coisas findasmuito mais que lindas,essas ficarão.

“Quero que todos os dias do anotodos os dias da vidade meia em meia horade 5 em 5 minutosme digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,creio, no momento, que sou amado.No momento anteriore no seguinte,como sabê-lo?”

Os ombros suportam o mundo

Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco...

Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheiros.Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considero a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.

“Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar.”

“Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.”

Além da Terra, além do Céu,no trampolim do sem-fim das estrelas,no rastro dos astros,na magnólia das nebulosas.Além, muito além do sistema solar,até onde alcançam o pensamento e o coração,vamos!vamos conjugaro verbo fundamental essencial,o verbo transcendente, acima das gramáticase do medo e da moeda e da política,o verbo sempreamar,o verbo pluriamar,razão de ser e de viver.

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história

“Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.”

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...A infância está perdida.A mocidade está perdida.Mas a vida não se perdeu.O primeiro amor passou.O segundo amor passou.O terceiro amor passou.Mas o coração continua.Perdeste o melhor amigo.Não tentaste qualquer viagem.Não possuis casa, navio, terra.Mas tens um cão.Algumas palavras duras,em voz mansa, te golpearam.Nunca, nunca cicatrizam.Mas, e o 'humour'?A injustiça não se resolve.À sombra do mundo erradomurmuraste um protesto tímido.Mas virão outros.

Tudo somado, deviasprecipitar-te, de vez, nas águas.Estás nu na areia, no vento...Dorme, meu filho.

“Ah o amor ... que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porque...”

“Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”

O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

“Se você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de todas as explicações possíveis.”

“ Há duas épocas na vida, infância e velhice,

em que a felicidade está numa caixa de bombons.”

“Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. (...)Chega mais perto e contempla as palavras.Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre ou terrível, que lhe deres:"Trouxeste a chave?"

A morte emendou a gramática. Morreram Carlos Drummond. Não era um só. Eram tantos. Mas quem disse que Drummond morreu? E que ironia! Alguém tão cético provando que há vida após a morte! Mais do que qualquer outro gênio soube ser reconhecido enquanto vivo e não se deixar morrer mesmo negando os convites para se tornar imortal como membro da Academia Brasileira de Letras.

Fim