Post on 23-Nov-2018
Embora sempre tenha existido, na História,atos de barbárie adequados ao que seconsidera atualmente crime de genocídio, apreocupação internacional de estabelecermecanismos jurídicos para sua prevenção erepressão só surgiu ao fim da 2ª GuerraMundial, como reação aos atos de extermíniolevados a cabo pelos nazistas no período de1941 a 1945, notadamente contra os judeus,poloneses e ciganos.
O próprio termo genocídio é um neologismocriado nessa época (1944) pelo polonês RafaelLemkin, sobrevivente das perseguições raciais dosnazistas, professor de Direito Internacional daUniversidade de Yale, obtido, para alguns, dajunção do vocábulo grego genos (gente, grupohumano) e do sufixo latino cidio (matar), e paraoutros, dos lexemas latinos genus (raça, povo) eexcidium (destruição, exterminação).
Esta última concepção, tendo em conta que ogenocídio, como conceituado na Convenção para aPrevenção e Repressão do Crime de Genocídio daONU, de 09.12.1948, não se restringe à ação dematar, delineia-se mais adequada.
A doutrina, na esteira dos conceitos adotadospela Convenção de 1948, concebe ogenocídio como a prática de determinadosatos, definidos em lei, finalisticamentedirigidos à destruição, total ou parcial, de umgrupo nacional, étnico, racial ou religiosoenquanto tal.
Há posições divergentes sobre a questão do bem jurídicotutelado nos tipos de genocídio. Podem-se identificar trêscorrentes de opinião:
◦ As que defendem a proteção de um bem jurídico coletivo, cujosubstrato ideológico é o reconhecimento da diversidadehumana e a inadmissibilidade de nela radicar qualquer critériode inferioridade ou superioridade racial, étnica, nacional oureligiosa;
◦ As que vêem no crime de genocídio a tutela de bens jurídicosindividuais, de que são titulares cada qual dos membros dogrupo atingido;
◦ e, enfim, os que preconizam tratar-se de delito pluriofensivo,que tem como objetividade jurídica imediata o bem individual(vida, integridade física, liberdade, etc) e, de forma reflexa, obem jurídico coletivo consistente no direito do grupo àexistência na diversidade.
Perfilha-se o entendimento de que o crime tempor objeto bem jurídico de caráter supra-individual, consubstanciado na idéia dediversidade e pluralidade como direitosinerentes à própria dignidade humana. O bemjurídico protegido nos tipos da Lei 2889/56 é odireito à existência de grupos humanos,independentemente de raça, etnia,nacionalidade ou religião já que o genocídio seconsubstancia na própria negação desse direito.Trata-se, portanto, de bem jurídicosupraindividual.
Nessa esteira, o STF, no julgamento do R.E. n°351487-RR, que tinha por objeto delito degenocídio contra a tribo Yanomami daComunidade Haximu, em Roraima,pronunciou-se no sentido de que aobjetividade jurídica nesse crime é a “tutelapenal da existência do grupo racial, étnico,nacional ou religioso, a que pertence a pessoaou pessoas imediatamente lesionadas”,cuidando-se de delito de “caráter coletivo outransindividual. Crime contra a diversidadehumana”.
Sujeito ativo de qualquer das condutasdescritas nos tipos incriminadores da Lei2.889/56 é qualquer pessoa. Delitounissubjetivo, pode ser cometido por um sóindivíduo; sem olvidar, contudo, que nogenocídio é marcante a pluralidade deagentes, os quais geralmente estão ligados àsforças de repressão de determinado grupodetentor do poder político e/ou militar.
De se ressaltar que só a pessoa física, não ajurídica, poderá figurar como agente docrime, tanto em razão do que estabelecem osartigos IV e V da Convenção de 1948, quemencionam pessoas culpáveis, como porque,“do ponto de vista penal, a capacidade deação, de culpabilidade e de pena exige apresença de uma vontade, entendida estacomo faculdade psíquica da pessoaindividual, que não existe na pessoa jurídica”.
Não pode ser agente o próprio membro dogrupo cuja extinção se pretende, porquanto, oextermínio em massa de pessoas da mesmanacionalidade poderá consubstanciar crimecontra a humanidade, mas não genocídio,quando a intenção não seja acabar com essegrupo, e sim com aqueles integrantes dele quese apresentem como dissidentes, de modoque o grupo vitimado já não o é em razão desua nacionalidade, etnia ou religião, mas porsua oposição ideológica ao agente.
De se observar que no crime do artigo 2° da Lei2889/1956, modalidade especial de crime dequadrilha ou bando, delito de concursonecessário, só se perfaz o tipo com aconvergência de mais de três pessoas, isto é,exigem-se ao menos quatro integrantes naassociação.
Em quaisquer dos crimes definidos nos artigos1°, 2° e 3°, da Lei 2889/1956, incide umamajorante de 1/3 (um terço) da pena se oagente for governante ou funcionário público,por força do disposto no artigo 4°; o que sejustifica em razão da maior magnitude dodelito em tais casos.
Sujeito passivo direto e imediato do crime – que se
confunde também com seu objeto material – é a
pessoa, o membro da coletividade que se busca
extinguir e sobre o qual recaia a conduta do agente,
e sujeito passivo mediato é o gênero humano e,
especificamente, os grupos nacionais, étnicos, raciais
ou religiosos cuja existência na diversidade se busca
proteger.
A Convenção de 1948, em seu artigo II, relacionou –
o que é repetido no artigo 1° da Lei 2.889/1956 –
como destinatários da proteção jurídica os grupos
nacionais, étnicos, raciais ou religiosos, como tais,
excluindo deliberadamente os grupos políticos, cuja
inclusão fora inicialmente aventada.
Nem a Convenção nem a Lei brasileira definemo que seja grupo nacional, grupo étnico, gruporacial ou grupo religioso, de modo que taisexpressões revelam-se elementos normativosextrajurídicos e o propósito teleológico da leipermite afirmar que o que é relevante é aexistência de uma coletividade como objeto docrime, “es decir, de una colectividad humanadotada de cierta estabilidad y señas comunesde identidad”.
Tem-se como grupo nacional aquele constituído de
pessoas, ocupantes ou não de um mesmo Estado,
vinculadas por unidade de origem, de território, idioma,
costumes, cultura e aspirações coletivas; em síntese, “um
grupo de pessoas unidas por laços naturais e portanto
eternos – ou pelo menos existentes ab immemorabli – e
que, por causa destes laços, se torna a base necessária
para a organização do poder sob a forma do Estado
nacional...”.
Entretanto, tal definição não é completa nem fechada,
havendo grupos nacionais com certas diversidades
culturais e até de línguas – vejam-se os diversos dialetos
italianos – assim como composto de membros esparsos
por vários territórios, como era o caso dos judeus antes da
criação do Estado de Israel, etc.
Pode-se, entretanto, afirmar que o vínculo queintegra o grupo nacional é preponderantementede ordem sócio-cultural, e não biológica ouantropológica.
Grupo étnico, por sua vez, “é um conjuntorelativamente estável de indivíduos que mantémcontinuidade histórica porque se reproduzbiologicamente e seus membros estabelecementre si vínculos de identidade social distinta, apartir do que se assumem como uma unidadepolítica (real ou virtual, presente ou passada), quetem direito exclusivo e controle de um universode elementos culturais que consideram próprios”.
Grupo étnico e grupo racial são conceitos que seentrelaçam, porque seu ponto de convergência sãohomogêneas características biológicas, como laços desangue, genéticos, de anatomia, cores da pele e dosolhos, traços físicos, etc.
Por isso, é muito difícil uma precisa distinção entreraça e etnia, sendo comum que os léxicos os tratemcomo sinônimos, devendo-se destacar, ademais, que“la pureza racial es algo inexistente em la práctica,por lo que toda unidad racial a su vez será laintegración de varias otras razas que se han integradomás o menos en la misma”.
Grupo religioso é o integrado por adeptos da mesmafé religiosa, seguidores de um determinadoesoterismo ou prática de culto comum.
No artigo 1°, tipo misto alternativo, diversas sãoas ações incriminadas, todas como expressão deum específico propósito, referido no caput: aintenção de destruir, no todo ou em parte, gruponacional, étnico, racial ou religioso, como tal.Nele se podem identificar condutas constitutivasdo denominado genocídio físico.
A primeira conduta incriminada (art. 1°, alínea a) éa de matar membros do grupo. A conduta objetivaé a mesma do tipo do homicídio, descrito noartigo 121 do Código Penal.
É a eliminação da vida humana, por qualquermeio, direto ou indireto, físico, químico, térmico,etc. É a morte de um ou mais membros do grupocom o propósito de extirpação do grupo.
De se ressaltar que, embora o tipo empregue otermo membros do grupo no plural, basta a mortede um único integrante do grupo para que seconfigure o crime de genocídio, desde que hajanexo lógico entre esse fato e a pretensão dedestruição do grupo a que pertence a vítima.
Melhor redação tem o artigo 607 do Código Penalespanhol, que se refere à morte de “algum deseus membros”.
Consigne-se que a ocisão de vários membros dogrupo visado, num mesmo contexto, configuraum único crime de genocídio; isto é, não há umdelito de genocídio para cada morte, mas um sócrime de genocídio em concurso formal com oshomicídios, um só ataque contra o bem jurídicosupra-individual em concurso com as agressõesindividuais, cada qual em relação de concursoideal com o crime de genocídio.
A hipótese é de concurso formal impróprio,
implicando a aplicação cumulativa da pena do
genocídio, em razão dos desígnios autônomos do
agente.
É o entendimento expressado pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso
Extraordinário 351487-RR, proferido em 03.08.2006,
de que foi relator o Min. Cezar Peluso. A consumação
se dá no momento da morte do integrante da
coletividade visada, coincidindo com a consumação
do homicídio. A tentativa é possível, quando o agente
não consegue a morte do membro do grupo por
causas alheias à sua vontade.
A segunda ação prevista (art. 1°, alínea b) é a de causarlesão grave à integridade física ou mental de membros dogrupo.
É, como a conduta anterior, tipo de forma livre, podendo oagente empregar quaisquer meios capazes de produzirlesão à integridade física ou mental de membro do grupo.
E, do mesmo modo, para que se configure o crime bastaque um único membro do grupo seja lesionado, se omóvel da conduta do agente é o intuito de extermínio,total ou parcial, do grupo nacional, racial, étnico oureligioso a que pertence o ofendido.
Lesão grave é elemento normativo jurídico do tipo,remetendo ao artigo 129, parágrafos 1° e 2°, do CódigoPenal, mas para que consubstancie crime de genocídiodeve ter magnitude ou gravidade suficiente para refletir naperenidade do grupo (ex: a mutilação de uma parte docorpo característica de determinada etnia).
Não é suficiente à caracterização do crime a práticade lesão de natureza leve contra membros do grupo,ainda que o agente esteja imbuído do propósitogenocida.
Consuma-se o crime com a efetiva produção da lesãode natureza grave, seja à integridade física ou mentaldo ofendido.
A tentativa, em que pese certa divergênciadoutrinária, é admissível, eis que o agente podeiniciar a execução de ato plenamente eficaz àprodução de lesão grave, sem lograr suaconsumação, v. g., atirar de cima de um prédiopesado objeto sobre a vítima que, num átimo antesde ser atingida, dá um passo adiante, esquivando-sedo projétil.
A terceira conduta incriminada (art. 1°, alínea c) é a de submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial.
Trata-se de tipo excessivamente vago e indeterminado, que não
se coaduna com o princípio da taxatividade ou determinação da
lei penal. Submeter é sujeitar, subordinar.
Pune-se a sujeição do grupo a situação de vida que, por sua
precariedade ou circunstâncias hostis, possa implicar sua
extinção.
A conduta do agente, aqui, não é dirigida a um ou outro
membro, mas ao grupo. Obviamente, não é preciso que todo o
grupo, em sua integralidade, seja posto sob condições de
perecimento, mas é necessário que a submissão seja de um
número tal de componentes que se evidencie a ofensa coletiva.
Dá-se o crime quando o agente sujeita uma pluralidade deintegrantes do grupo a uma situação de existênciadegradante ou desumana, capazes de acarretar a própriamorte de tais pessoas, como na hipótese em que o gruposeja isolado num gueto, privado de alimentação, águapotável, remédios, assistência médica, sanitária e outrosrecursos básicos indispensáveis à sobrevivência humana.
Trata-se de delito permanente, protraindo-se no temposua consumação por vontade do agente; circunstância quenão obsta a possibilidade de tentativa.
A quarta ação incriminada (art. 1°, alínea d), é adotarmedidas destinadas a impedir os nascimentos no seio dogrupo. Também um tanto vago o tipo, porque nãoespecifica quais medidas são punidas, o que estende seualcance sobre quaisquer providências que tenham atendência de obstar os nascimentos no grupo.
Trata-se de hipótese que a doutrina denomina genocídio
biológico, em que, embora não haja a eliminação física
direta de componentes dos grupos visados, o agente
prepara a sua destruição a longo prazo, adotando medidas
com o propósito de impedir a reprodução dentro do
grupo, obstando o nascimento de infantes.
Basta, pois, que a providência tomada pelo agente seja
voltada à cessação da procriação dos componentes da
etnia, raça, nacionalidade ou seita.
Estão incluídos os métodos contraceptivos, dentre os
quais a esterilização, cirúrgica ou não, de homens e/ou
mulheres do grupo, assim como as diligências abortivas,
já que tanto umas quanto as outras visam obstar a
reprodução da espécie.
No caso de adoção de providências abortivas, oseventuais abortamentos ocorridos serão punidos emconcurso formal com o crime de genocídio;entretanto, na hipótese de esterilização, três são aspossibilidades: se o agente realiza concretamente asmedidas de esterilização, incide no tipo em comento;se induz ou instiga terceiros à prática de atos deesterilização contra os membros do grupo, incide noartigo 3° da Lei 2889/1956; e, enfim, se induz ouinstiga um ou mais membros do grupo visado, com ointuito de extermínio do grupo, à prática deesterilização cirúrgica – exclusivamente cirúrgica –incidirá no artigo 17, parágrafo único, da Lei 9.263,de 12.01.1996, norma especial.
Consuma-se o crime com a adoção, isto é, aplicaçãoou implementação, de qualquer medida apta a obstara procriação, independendo a consumação dequalquer resultado naturalístico decorrente daadoção das medidas.
A tentativa é possível, v. g., no caso em que o agentedistribui uma droga esterilizadora às mulheres dogrupo que, no entanto, por uma razão ou outra não autilizam.
A quinta conduta tipificada (art. 1°, e) constitui-se natransferência forçada de crianças do grupo paraoutro grupo.
É a ação de retirar, à força, isto é, de modocompulsório, mediante coação física ou moral,crianças integrantes de uma coletividade nacional,étnica, racial ou religiosa, para incluí-las em outra.
Essa conduta determina, a médio ou longo prazo, aextinção do grupo pelo natural envelhecimento edesaparecimento de seus componentes, aliada àinserção de suas crianças a outros grupos, de forma adiluir ou extinguir os traços característicos oudistintivos de seu grupo originário.
Crianças é expressão que deve ser lida consoante adefinição do artigo 2° da Lei 8.069/1990, referindo-se, pois, aos menores de 12 (doze) anos. Consuma-se o delito no momento do efetivo deslocamento dacriança de um grupo para outro.
Delito plurissubsistente, admite a tentativa, quando oagente, iniciando os atos de remoção compulsória dacriança, tem obstada sua atividade por circunstânciasdivorciadas de sua vontade.
O crime tipificado no artigo 2° da Lei 2889/1956 é o de
formação de quadrilha ou bando destinado à prática de
quaisquer dos crimes definidos no artigo 1° da mesma Lei.
A ação incriminada é, como no artigo 288 do Código
Penal, associarem-se os agentes, isto é, agruparem-se em
caráter estável, com ânimo de perenidade.
O ponto distintivo entre este delito e o de quadrilha ou
bando do Código Penal é o especial fim da sociedade, qual
seja, o propósito de cometer delito de genocídio.
Ressalte-se que só se configura o tipo se o fim visado pela
quadrilha for o de praticar crimes de genocídio tipificados
no artigo 1°, configurando-se o delito do artigo 288 do
Código Penal se o propósito é a prática de outros delitos,
inclusive o do artigo 3°, da Lei 2889/1956, que incrimina a
incitação ao genocídio.
Delito de mera atividade, consuma-se nomomento da formação efetiva da associaçãocriminosa, ainda que nenhum outro crimetenha ainda sido levado a efeito. É crime deperigo abstrato contra o bem jurídicotutelado, o direito de existência do gruponacional, étnico, racial ou religioso. Éinadmissível a tentativa, pela impossibilidadede fracionamento do iter criminis.
No art. 3º pune-se a incitação ao crime de genocídio. É
delito similar ao do artigo 286 do Código Penal,
distinguindo-se deste em razão da espécie de crime a
cuja prática o agente incita: o genocídio.
A ação nuclear do tipo é incitar, que no texto tem o
significado de instigar, açular, estumar; isto é, o agente
estimula, instiga, seja por palavras, gestos ou escritos,
à prática de uma ou mais das condutas tipificadas no
artigo 1° da Lei.
A incitação deve ser pública isto é, realizada em local,
ocasião e outras circunstâncias que a tornem
perceptível por número indeterminado de pessoas, além
de direta, ou seja, inequívoca, clara, ostensiva.
Se o agente dá publicidade à incitação por meio da
imprensa, aí compreendidos os jornais, revistas,
emissoras de rádio, televisões, sítios de acesso público da
Internet, etc, incide uma causa de aumento de terça parte
da pena (art. 3°, § 2°), o que se justifica pela maior
potencialidade de divulgação e alcance da incitação que
daí decorrem. Também é delito de mera atividade, cuja
consumação se dá com a só incitação, independente de
qualquer outro evento.
Na hipótese de o crime incitado vir a ser realizado, e
demonstrado o vínculo entre a ação precedente do
incitador e a conduta do agente do delito subseqüente, a
pena da incitação será a mesma do crime incitado (art. 3°,
§ 1°, da Lei 2.889/56). A tentativa é, em tese, admissível,
notadamente na forma escrita.
Nas figuras do artigo 1° da Lei, a tipicidade subjetiva érepresentada pelo dolo, representado pela vontade livre econsciente de realizar a conduta tipificada, mais oelemento subjetivo do injusto, consistente na intenção dedestruir, no todo ou em parte, o grupo alvo. No tipo doartigo 2°, é o dolo de se associar de forma estável, mais opropósito de cometimento de crimes de genocídio,elemento subjetivo do injusto.
Por fim, a figura incriminada no artigo 3° é tipocongruente, que se satisfaz com o dolo, constituído daconsciência e vontade de incitar, publicamente, a práticade condutas definidas no artigo 1° como crimes degenocídio.
É admissível, em quaisquer dos crimes da Lei2.889/1956 tanto na modalidade de co-autoriacomo participação. Mesmo na figura do artigo 2°,que define crime de quadrilha ou bandogenocida, consistente de tipo plurissubjetivo oude concurso necessário, admite-se o concursoeventual, que se dá pela cooperação conscientede terceiro, não integrante da quadrilha.
No crime do art. 1° da Lei, tipo misto alternativo, a
consumação dar-se-á consoante a realização de
cada conduta incriminada.
Assim, na hipótese da alínea a o crime tem o
mesmo momento consumativo do homicídio, ou
seja, com a morte do membro do grupo vitimado,
bastando a morte de um só indivíduo, em que pese
o emprego do termo membros, no plural. A
tentativa é possível, como no homicídio, porquanto
se cuida de crime plurissubsistente.
A segunda ação incriminada no art. 1° (alínea b) tem seu
momento consumativo quando o indivíduo alvejado sofre,
efetivamente, a lesão corporal ou psíquica de natureza grave.
Também aqui se admite a tentativa, que ocorre quando o
agente, animado do propósito de produção do evento lesivo –
e motivado pela intenção de destruir, integral ou parcialmente,
o grupo a que pertence o indivíduo visado –, realiza ato de
execução tendente a ofender a incolumidade física ou psíquica
da vítima, mas não atinge o fim anelado por intercorrência de
evento alheio à sua vontade.
Entretanto, como é elemento normativo jurídico do tipo a
lesão grave (cuja definição encontra-se nos §§ 1° e 2°, do art.
129 do CP), para se reconhecer a tentativa é necessário que o
meio empregado seja apto, nas circunstâncias, a produzir
lesão grave.
A terceira conduta prevista no art. 1° (alínea c),tipo mal construído, excessivamente vago, podelevar a incertezas quanto ao momentoconsumativo.
De todo modo, o crime não estará consumadoantes da efetiva sujeição de uma pluralidade deintegrantes da nacionalidade, etnia, raça oureligião a condições de perecimento.Cuida-se dedelito permanente.
A tentativa é possível.
A quarta conduta prevista no art. 1° (alínea d),também descrita de forma demasiado genérica,tem seu momento consumativo quando o agenteadota, isto é, realiza, põe em prática, qualquermedida apta a obstar a procriação dentro dogrupo.
Não é preciso que a medida adotada cause,efetivamente, o efeito naturalístico almejado,basta que tenha aptidão para tanto. Possível atentativa, v.g., no caso em que o agente distribuiuma droga esterilizadora às mulheres do grupoque, no entanto, por alguma razão não a utilizam.
Na hipótese da alínea e do art. 1°, a consumação se dá
com o efetivo deslocamento da criança de seu grupo
nacional, étnico ou religioso para um outro, diverso.
Possível a tentativa, que se dá quando, tendo o agente
iniciado os atos executórios necessários à compulsória
transferência da criança, animado do propósito de fazer
perimir o grupo, vê malograda a consumação por fato
alheio à sua vontade.
O tipo do art. 2° da Lei 2889/56, crime de mera atividade,
permanente e de perigo, tem sua consumação no
momento em que, imbuídos do propósito de futura
prática de quaisquer dos crimes relacionados no art. 1°,
agregam-se ao menos quatro pessoas, aí computados
eventuais inimputáveis. A tentativa não é admissível, eis
que o iter criminis não é passível de fracionamento.
A figura do art. 3°, que pune a incitação ao crime de
genocídio. Delito de perigo, instantâneo e de mera
atividade, tem seu momento consumativo no ato de
açular publicamente à prática de qualquer uma das
condutas tipificadas no art. 1° da Lei, independente
da ocorrência de qualquer outro evento
subseqüente. Se a incitação é pela imprensa (art. 3°,
§ 2°), a consumação ocorre no momento da
publicação ou transmissão incitativa.
tipo do artigo 1° é delito internacional, comum,
comissivo (podendo se realizar também,
eventualmente, por omissão), de ação múltipla,
de dano, plurissubsistente, de forma livre, doloso
e instantâneo, salvo na modalidade da alínea c,
que configura crime permanente.
O artigo 2° é delito internacional, comum,
plurissubjetivo, comissivo, unissubsistente, de
ação única, de perigo abstrato, doloso e
permanente.
A figura do artigo 3° constitui delito internacional,comum quanto ao agente, comissivo, de açãoúnica, plurissubsistente, unissubjetivo, de perigoabstrato, doloso e instantâneo.
Nenhum dos crimes descritos na Lei 2.889/1956é crime político, em vista da norma explicativa doseu artigo 6°.
Por fim, em razão do disposto no artigo 1°,parágrafo único, da Lei 8.072/1990, são crimeshediondos todas as modalidades definidas nosartigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889/1956.
Não comina a Lei penas próprias para as condutas que tipifica,
tendo o legislador adotado o expediente de remeter às penas
de delitos descritos no Código Penal, alguns deles sem relação
alguma com as condutas tipificadas como genocídio (nenhuma
relação há, v. g., entre a conduta descrita no art. 1°, c, da Lei,
com o crime de envenenamento de água potável do art. 270 do
CP), dificultando a inteligibilidade da Lei e criando situações de
perplexidade: para se saber, v. g., qual a pena para o crime de
associação, descrito no artigo 2°, ou para o de incitação,
definido no seu artigo 3°, é preciso definir exatamente qual
espécie de conduta, dentre as diversas do tipo misto alternativo
do artigo 1° da Lei, tinha a quadrilha o propósito de praticar ou
cuja prática o incitador estimulou.
Merece nota a adoção de um critério rígido para a punição da
tentativa: dois terços da pena cominada ao crime consumado
(art. 5°), sem dar ao juiz qualquer margem de
discricionariedade, diversamente do critério adotado no Código
Penal.
No artigo 1° da Lei 2.889/1956, comina-se a pena do homicídio
qualificado (doze a trinta anos de reclusão) à primeira
modalidade (alínea a); a do artigo 129, § 2°, do CP (dois a oito
anos de reclusão) à segunda modalidade (alínea b); a pena do
artigo 270 do CP (dez a quinze anos de reclusão) à terceira
modalidade (aliena c); a pena do artigo 125 do CP (três a dez
anos de reclusão) à quarta modalidade (alínea d); e a do artigo
148 do CP (dois a oito anos de reclusão) à quinta modalidade de
conduta (aliena e). Se o agente for governante ou funcionário
público a reprimenda será acrescida de um terço.
No artigo 2°, a pena cominada pela associação éde metade da pena prevista no artigo 1°. Assim,v. g., será de seis a quinze anos de reclusão, sea quadrilha formar-se para o fim de matarmembros de uma certa nacionalidade ou raça,ou de um a quatro anos de reclusão se oobjetivo da associação criminosa for atransferência forçada de crianças de um grupopara outro.
No artigo 3°, comina-se, igualmente, à práticade incitação, a metade da pena cominada aocrime definido no artigo 1°.
Pública incondicionada.
A competência, no caso específico da modalidade
prevista na alínea a do artigo 1°, é do Tribunal do
Júri. Não porque se trate de crime contra a vida, mas
em razão do concurso formal com o homicídio, este
sujeito à competência do Tribunal do Júri por
disposição do artigo 5°, XXXVIII, d, da Constituição
da República, e da aplicação das regras de
competência por conexão e continência (art. 78, inc.
I, do CPP.)