Post on 03-Aug-2015
Gestão Eficiente da Merenda Escolar
Histórias gostosas de ler e boas de copiar
VOLUME II
Gestão Eficiente da Merenda Escolar — Histórias gostosas de ler e boas de copiar – Volume II é uma publicação distribuída gratuitamente pelos seus realizadores.
Realização
Ação Fome Zero
Rua Matias Aires, 402, 1.º andar, Consolação CEP 01309-020 – São Paulo – SP
www.acaofomezero.org.br www.premiomerenda.org.br
Autoria:
Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá escreveram as histórias das prefeituras premiadas em 2005
Rogerio Furtado escreveu as histórias das prefeituras premiadas em 2006
Fatima Menezes e Waldemar Zaidler colaboram com outros textos
Revisão Técnica
Fatima Menezes
Waldemar Zaidler
Revisão
Kátia Gouveia
Ilustrações
Mapas IDHM – Atlas do Desenvolvimento Humano – PNDU/ ONU – Brasil (2000)
Fotografias
Maria Eugênia Sá (págs. 9-17, 39, 41-51, 53-63, 65-74, 85, 87-93, 105, 107-115, 117-125, 127-134, 147, 149-159, 161-169)
Rogério Furtado (págs. 21-29, 31-38, 75, 77-83, 95, 97-102, 139-143)
João Fiorim (pág. 59 – foto de fundo, 160)
As demais fotos foram gentilmente cedidas pelas cidades
Foto da capa: Angelo Lorenzetti
Projeto e produção gráfica:
Planeta Terra Design (Waldemar Zaidler, William Haruo)
Impressão
Margraf Editora e Indústria Gráfica
Agradecimentos
A todos os envolvidos nas histórias que dispuseram tempo e esforços para fornecer dados, dar depoimentos, abrir arquivos de forma a possibilitar a realização deste trabalho.
Tiragem: 5 mil exemplares
São Paulo, outubro de 2007
É permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.
OUTUBRO 2007
Experiências bem-sucedidas das prefeituras vencedoras das 2.ª e 3.ª edições do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar
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OUTRO DIA, em uma conversa entre amigos em que eu contava sobre meu trabalho, percebi que
nenhum dos presentes sabia da existência do programa de merenda escolar das escolas públicas... A conversa, entremeada de casos que
conheci e de explicações sobre como funciona tal programa, acabou por despertar em todos eles uma enorme curiosidade e até uma
certa perplexidade, demonstrada na reflexão final: numa época em que julgamos ter acesso a todo tipo de informação, quanta coisa boa
e interessante acontece silenciosamente em nosso país... ESSA EXPERIÊNCIA PESSOAL me chamou a atenção para a opor tu-
nidade do livro Histórias gostosas de ler e boas de copiar, que foi idealizado para divulgar as boas práticas de administração do progra-
ma de merenda escolar reveladas por meio da metodologia do prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar. Concluí que há um novo
público que merece conhecer este livro: aquele que não freqüentou o sistema público de ensino e que não tem a chance de saber, por
sua própria experiência, da importância estratégica, da complexidade de execução e da amplitude do programa. NO SEGUNDO
volume de Histórias gostosas de ler e boas de copiar você vai conhecer o percurso dos municípios premiados pela gestão do Programa
Nacional de Alimentação Escolar — PNAE em 2005 e 2006. Além de um referencial didático, este livro conta histórias de pessoas, grupos
INTRODUÇÃO
e dirigen tes que conseguiram intervir na realidade de suas cidades apenas executando de forma criativa, ética e honesta um pro gra ma
público de amplitude nacional. ESTE LIVRO REFLETE a adesão de várias empresas associadas ao programa que, com sua
contribuição, possibilitam o financiamento do projeto Gestão Eficiente da Merenda Escolar e comprovam que quando a iniciativa priva-
da apóia o desenvolvimento de uma boa política pública quem ganha é o país. LEIA. COMOVA-SE. APRENDA, se for o caso.
VERIFIQUE QUE há um país silencioso acontecendo...
Muito obrigada,
Fatima Menezes
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Em tempo: Se você, leitor, não encontrar neste volume a história de alguns municípios premiados nesses anos de 2005 e 2006, não se espante. Certamente
elas ajudaram a compor o primeiro volume do livro com o mesmo nome, pois já haviam sido premiadas anteriormente. Porque é assim: uma boa prática pode
ser levada adiante. Basta querer...
PEDRA DO INDAIÁ DIVERSIDADE E PARTICIPAÇÃO ........................................................................................ 9
FERNANDES PINHEIRO CRIATIVIDADE: PONTO FINAL NO MARASMO ................................................................ 19
JUSSARA GRANDE DISTÂNCIA, CAMINHO CURTO ........................................................................ 29
DOIS IRMÃOS QUEM PLANTA, COLHE .................................................................................................. 39
CONCÓRDIA PARCERIAS PARA ENFRENTAR O NOVO ......................................................................... 51
ARAXÁ VONTADE, INVESTIMENTO E RESULTADOS ..................................................................... 63
PATOS ESTRATÉGIA PARA REVERSÃO ........................................................................................ 75
ÍNDICE
APUCARANA EM TEMPO INTEGRAL .................................................................................................... 85
CASTANHAL VAIVÉM NA COZINHA .................................................................................................... 95
CRICIÚMA SEM MÁGICA .............................................................................................................. 105
BLUMENAU FORA DO ESQUADRO ................................................................................................... 115
FLORIANÓPOLIS CONTROLE SOCIAL ...................................................................................................... 125
JOINVILLE MERENDA FORTE ........................................................................................................ 137
GOIÂNIA A MERENDA FAZ PARTE DO SUCESSO ......................................................................... 147
PORTO ALEGRE DEDICAÇÃO PROFISSIONAL E HUMANA ...................................................................... 159
PED
RA D
O IN
DA
IÁ (M
G)
DIVERSIDADE E PARTICIPAÇÃO
Os conselhos de alimentação escolar
podem causar inclusão social. De que jeito?
Pedra do Indaiá é um bom exemplo disso.
População 3.814
Área da unidade territorial (km²) 349Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,841
Menor IDHM do Estado 0,568
IDHM de Pedra do Inadiá 0,755Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 6
Receita municipal R$ 3.839.456,33
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 13.827,60
Complementação do município para compra de alimentos R$ 12.465,11
Alunos atendidos 511
Refeições servidas 100.200Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Pedra do Indaiá (MG)
0,568 a 0,667 (171)
0,668 a 0,707 (171)
0,708 a 0,743 (175)
0,744 a 0,770 (173)
0,771 a 0,841 (163)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Minas Gerais
Experiência pre mia da na cate go ria Região Sudeste – 2005
A participação de representantes da terceira idade como conselheiros deu novo significado
ao Conselhos de Alimentação Escolar. Outro fator de destaque é a diversificação de cardápios para
atender às necessidades individuais dos alunos. É um município pequeno mas tem escolas rurais que são
atendidas por um bom trabalho de distribuição dos alimentos.
Oferece merenda orgânica adquirida de pequenos produtores locais.
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Imagine preparar uma refeição diferente, variada e ade-
quada para cada aluno, levando em conta suas necessidades nutricionais, peso e altura, perfil de atividades físicas e hábi-
tos alimentares da família. Obviamente, isso é impossível numa rede pública com centenas de milhares de crianças. Mas
numa cidade pequena, com uma equipe comprometida e profissional, dá para chegar bem perto. Em Pedra do Indaiá,
município localizado no Triângulo Mineiro, existem sete cardápios diferentes para uma rede de apenas quatro escolas e
uma creche. Como uma das escolas oferece aulas em três turnos, cada turma possui sua própria lista de pratos a serem
servidos durante a semana e o cardápio muda periodicamente. Com menos de 5 mil habitantes, a cidade teve de buscar
uma nutricionista em outro município. O Conselho de Alimentação Escolar — CAE e o Setor de Merenda Escolar, contu-
do, são formados por gente genuinamente da terra, assim como alguns produtores locais que fornecem legumes, frutas e
verduras para as escolas. No CAE, aliás, vale destacar a forte atuação do grupo da terceira idade da cidade.
Até dez anos atrás, as refeições distribuídas aos alunos de Pedra do Indaiá não diferiam das oferecidas em outros milhares de
pequenos municípios pelo País afora. O próprio prefeito da cidade, Itamar José da Costa,
morou até os sete
anos na zona rural do município e lembra bem o quão pouco apetitosos eram os pratos de mingau ou arroz industrializa-
do da merenda escolar da rede pública nos anos 1980. “Não tem nem comparação com o que se serve hoje, tanto que eu
mesmo raramente comia na escola”, diz. Tudo começou a mudar quando ele ainda era chefe de gabinete do prefeito ante-
rior, no final dos anos 1990. Na época, a administração conseguiu aumentar o volume e melhorar um pouco a qualidade
UM CARDÁPIO PARA CADA TURMA
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da merenda. Mas ainda faltava uma gestão mais profissional, já que a alimentação estava a cargo diretamente da secretária
de Educação, Maria José Benito da Silva Oliveira, que contava então apenas com uma auxiliar.
O primeiro passo na profissionalização foi a criação do Setor de Merenda Escolar e a contratação de uma coordenadora
es pecífica para a função. A escolhida foi a professora Solange Tavares Silva Lemos,
com 18 anos de ex pe-
riência em sala de aula e nenhum conhecimento prévio em administração pública. “No início deu muito medo, foram um
cho que a quantidade de papel e o tamanho da burocracia. O que me ajudou muito foi um livrinho editado pela FNDE chama-
do É Hora da Merenda. Mas eu lia tudo o que caía nas minhas mãos e repassava as informações ao CAE para que os conse lhei-
ros também aprendessem mais e ganhassem poder”, recorda. Com a mudança de governo para o primeiro mandato do atual
prefeito em 2001, toda a responsabilidade pela alimentação das 531 crianças atendidas recaiu sobre suas costas. “Nós não tí nha-
mos uma nutricionista, nem um CAE atuante. As hortas eram fracas e não havia contato com os produtores locais. A pauta de
alimentos era formada basicamente por arroz, batata, pão e molho. Verduras eram muito poucas e as frutas não faziam parte
da lista de compras. Eu queria mudar tudo aquilo, mostrar a todos que as crianças mereciam uma alimentação melhor. E aos
poucos fomos criando as mudanças”, diz Solange.
Depois do Setor de Merenda
Es colar, a segunda grande vitória foi a contratação da nutricionista Giselle Cristina Teixeira.
Moradora da vizi-
nha Divinópolis, Giselle trabalha de terça a sexta em uma clínica psiquiátrica. Com as segundas-feiras livres, ela fechou um
acordo com a Prefeitura de Pedra do Indaiá para prestar seus serviços primeiro quinzenalmente e agora uma vez por semana.
Para ela, é incrível um município desse tamanho com uma preocupação tão grande em contratar um profissional de nutrição
para melhorar a qualidade da alimentação escolar. “E ainda mais admirável é, num país varrido pela corrupção e pelo desvio de
verbas de programas sociais, encontrar pessoas honestas, responsáveis com o dinheiro público e dispostas a criar instâncias de
fiscalização que realmente funcionem como o CAE. Isso me deixou muito entusiasmada para trabalhar aqui”, explica Giselle.
Ela considera a merenda escolar oferecida antes de 2002 não como “terrível”, apenas “monótona”, devido principalmente à
NUTRICIONISTA UMA VEZ POR SEMANA
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falta de variedade na pauta de produtos. “Mas é importante lembrar que o alimento não é só o
valor nutricional. A merenda escolar é uma oportunida de única de a criança ter um espaço
para começar a valorizar o que ela come e por que ela come. Não adianta nada ter um pra-
to colorido e com os alimentos adequados, se não trabalhar o que a criança tem em casa.
Pode ser bonito e nutritivo, mas ela recusa. Tem que fazer esse vínculo entre o almoço
no refeitório e o jantar em casa, uma experiência próxima de sua vida comum. A escola
tem que cumprir o seu papel de oferecer educação para a vida. E não é só matemática e
português. É aprender a se relacionar, a se comportar à mesa, a pedir, a se socializar…”,
analisa. “E nesse processo, claro, temos que inserir também os pais, para ter um reforço e
uma continuidade do trabalho em casa.” É exatamente para deixar a merenda o mais pró-
ximo possível da realidade e da necessidade dos alunos que Giselle monta um cardápio dife-
rente para cada turma. Assim, a escola rural da comunidade de Betânia, onde a po pu lação é mais
carente, recebe uma lista de pratos mais reforçados e em maior quantidade. Na de Mata dos Lemos, onde es tudam nove
crianças, é fundamental servir um café da manhã antes das aulas e mais o almoço. Nas escolas do Lambari e do Centro de
Indaiá, comidas como sopa de macarrão simplesmente não são aceitas. E quem estuda à tarde recebe um lanche mais leve.
Outra importante atividade que vem sendo realizada com a ajuda da nutricionista é a avaliação antropométrica dos alunos
da re de pública para verificar possíveis problemas de saúde. A primeira aferição ocorreu em 2004 e vem se repetindo desde
então. Os casos verificados de baixo peso, que poderiam indicar subnutrição, foram poucos. Preocupante foi um início de
aparecimento de crianças com sobrepeso e obesidade. “Infelizmente é para isso que estamos caminhando. Por isso, a par-
tir de 2007 teremos vários grupos de trabalho em nutrição dentro das escolas, especialmente um de controle de peso, com
medições mensais, palestras, etc. Nesse grupo, as crianças poderão discutir suas dificuldades e comentar as melhoras de
cada um. E vamos contar também com a ajuda dos pais auxiliando em casa”, diz Giselle. “Afinal, se mudar o hábito ali-
mentar de um, muda o de todos. Que remos uma redução de peso, mas com uma alimentação saudável, o que corrige todos
os problemas, seja de pouco peso, so brepeso ou outros. Sempre de uma forma que não discrimine, com muito cuidado para
não reforçar estigmas e preconceitos.”
A experiência com os alimentos que a
criança traz de sua casa e da herança cultural de sua família não pode ser desconsiderada na
escola. Para oferecer novos sabores é conveniente partir da experiência que a criança conhece e introduzir aos poucos alimentos diferentes.
Contextualizar o novo alimento em atividades escolares ou nas hor-
tas desperta a curiosidade e incentiva o consumo.
O “pulo do gato” do Setor de Merenda Esco-
lar, no entanto, foi a reformulação do CAE. Entre 2004 e 2005 o conselho passou a se reunir com maior freqüência, de uma
média de oito reuniões por ano para 15 encontros anuais. Os representantes dos professores passaram a ser eleitos nos
CAE NA MELHOR IDADE
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conselhos de classe, e os dos pais em reuniões nas escolas. O prefeito nomeou o representante do
Poder Executivo e a Câmara Municipal indicou os nomes do Legislativo. Faltava a sociedade
civil. Um dos poucos grupos organizados na cidade era o Grupo da Melhor Idade Bem Viver,
com cerca de 80 membros. “Ligamos para Brasília, para perguntar se podíamos convidar o
pessoal da terceira idade para participar do CAE, e eles acharam uma grande idéia”, conta
Solange. “Assim estaríamos estimulando atividades e resgatando a auto-estima. Fizemos o
convite, explicamos o que era o CAE, como funcionava, quais eram as funções dos conse-
lheiros e eles também adoraram.” Em poucos dias foram indicados dois representantes da
sociedade civil, um efetivo e um suplente.
Funcionário da prefeitura aposentado por invalidez aos 60 anos e atualmente com 65,
Braulio Esteves Rodrigues
sempre achou que não veio ao mundo para “pesar na terra que nem pedra”. Para
ele, enquanto Deus permitir, a vida é sinônimo de trabalho. “Quando eu me aposentei, eu pensei comigo que tinha que
procurar alguma coisa pra fazer. Eu tomando meu remédio, tô bem. E vendo as pessoas em volta trabalhando, tudo bem,
fico melhor ainda. Eu estudei ainda um pouco no tempo da palmatória. Mas agora tenho cinco netos e uma filha na esco-
la pública e acho que devo ajudar no que puder. Por isso, quando houve o convite de trabalhar com a merenda eu achei
que tinha que mergulhar de cabeça nesse negócio. Eu não tenho hora, estou disponível dia e noite pro que precisar. Para
mim é uma honra trabalhar no CAE. É o que eu tenho mais prazer na vida. Eu ajudo nas hortas, nas escolas, o que tiver
de fazer. Participo das reuniões, visito as escolas. Antes a gente fazia só bailes, forró, coral, missas, uma ginasticazinha…
A ginástica me ajudava na coluna, mas a enxada ajuda mais.”
Com o grupo da melhor idade no CAE, as escolas não só ganharam conselheiros atuantes e totalmente disponíveis como
também suas reivindicações passaram a ter maior credibilidade e a serem atendidas com mais agilidade. Um caso típico
é o da Escola Municipal Cachoeira do Lambari, uma unidade rural com 48 alunos. Apesar de bem representada — a
diretora Delieny Rodrigues da Silva foi presidente do CAE e outra professora, Carmem Aparecida Ribeiro, também faz
parte do conselho junto com uma mãe —, a escola pedia já há algum tempo a construção de um refeitório e um fogão
novo porque o velho, a lenha, estava quebrado. Com o novo CAE, bastou um ofício enviado ao prefeito pela presiden-
Os conselhei-ros de alimentação
escolar devem trabalhar em parceria com a nutri-
cionista, os secretários de governo e o prefeito. Com um trabalho de equipe harmonioso quem ganha são
os alunos.
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Já que estamos falando da escola Cachoeira
do Lambari, vale a pena conhecer o depoimento de Maria do Carmo Borges, merendeira há oito anos nessa unidade. Ela
conta que quando entrou para trabalhar na rede pública, a merenda ainda era formada por arroz, almôndegas enlatadas
e “mingau de maritaca”. “A gente chamava assim porque parecia aquela comida de dar pra passarinho. E as crianças não
gostavam. A gente jogava muita comida fora. Hoje eles comem tudo. O que mais pedem é pão com molho e arroz com
frango.” A outra merendeira da escola, Wanda Maria da Costa, também atesta a qualidade das refeições, bem aceitas
pelas crianças, e a diminuição do des-
perdício. Com bem menos tempo de
função, ela ainda não passou por
ne nhum treinamento específico, mas
nem por isso deixou de receber as
orientações básicas sobre higiene pes-
soal e dos alimentos e utensílios.
“Gostaria de fazer um curso de culiná-
ria para aprender novas receitas por-
que saber nunca é demais.” Na reali-
dade, o Setor de Merenda Escolar
reú ne as merendeiras a cada dois
meses para atividades de auto-estima,
orientações, palestras, comemoração
ta do conselho, Célia das Dores Silva (representante dos professores, mas também membro
do Bem Viver), para que a reforma fosse agilizada. De quebra, a escola ganhou ainda uma
cozinha também reformada e mais adequada. “O pessoal da melhor idade tem um res-
peito maior da sociedade e do poder público”, atesta Solange. “Sua atuação no conse-
lho é tão importante que eles foram os que mais vibraram com a vitória de Pedra do
Indaiá no prêmio “Gestão Eficiente da Merenda Escolar”, afinal são eles os principais
atores desse processo.”
O trabalho do CAE deve ser
conhecido pelos cidadãos. Os conselheiros devem ouvir os pais de alunos, os profes-
sores, as merendeiras, os gestores. Também devem
organizar as propostas e levá-las à Câmara
de Vereadores e à prefeitura.
MINGAU DE MARITACA
todos na fila para a merenda
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de aniversários, etc. Mas como a Cachoeira do Lambari fica muito longe e as reuniões são feitas em dias que não há
aulas, fica difícil para Wanda participar.
Desde a entrada da nutricionista, em 2002, o Setor de Merenda Escolar passou a pegar no pé das merendeiras estipulando
regras rígidas de limpeza, higiene e comportamento em serviço. “Às vezes a gente se torna até chata por fazer exigências
como touca, unhas cortadas, uniforme”, diz Solange. “O maior problema foi quando proibimos a entrada de outras pes-
soas na cozinha durante a manipulação dos alimentos”, complementa Giselle. “Quando falamos que os professores
tinham de entrar na fila junto com os alunos, fazer o prato e sentar à mesa com eles, sem uma comida diferente, sem o
cafezinho, eles queriam nos matar, mas são educadores e têm que dar o exemplo.” Para quem aceitou as novas regras,
contudo, também houve um bom retorno em valorização das merendeiras. “Elas são as estrelas da alimentação escolar,
por isso quando pediram uma camiseta com o logotipo do Setor de Merenda Escolar, por exemplo, tivemos que providen-
ciar sem chiar…”, brinca Solange.
Segundo ela, o problema do transporte das merendeiras para os cursos e capacitações deve estar resolvido ainda em
2007 com a aquisição de um carro para o setor já prometido pelo prefeito. “O que é gasto com o Setor de Merenda
Escolar é um investimento que vale a pena. Estou muito satisfeito com os resultados, não só nas crianças, mas também
com os prêmios que estão dando visibilidade para um município pequeno como o nosso”, afirma o prefeito. “É muito
gratificante ser exemplo para outras cidades. Mas, para isso, temos uma grande preocupação com a cobrança dos impos-
tos. A arrecadação é pequena, mas o município também é pequeno e precisamos disso para investir em educação.” Uma
alternativa para aumentar a arrecadação, estimular a economia do município e ainda melhorar a qualidade e variedade
dos produtos oferecidos na merenda escolar é a aquisição de frutras e verduras diretamente dos produtores da região.
Pedra do Indaiá tem um programa com esse objetivo desde 1997, mas só com a criação do Setor de Merenda é que se
fechou o ciclo com a alimentação escolar. Até recentemente o município adquiria produtos de cinco fornecedores, mas,
com as fortes chuvas ocorridas no final de 2006, três deles perderam a safra e só voltarão a entregar os alimentos pro-
vavelmente na metade de 2007.
“No futuro esperamos envolver mais produtores e diversificar a
oferta. Os que vieram e começaram a fornecer viram que é interessante. Afinal, ganham em volume e têm um dinheiro
garantido todo mês que é muito importante para quem está na roça”, afirma o prefeito. “Compramos por um preço menor
e com melhor qualidade do que se fôssemos trazer de fora e ainda geramos renda e ICMS. Quando começamos a comprar
NOTA FISCAL AVULSA
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do produtor, outros fornecedores de fora do município diziam que não podia. Mas nós usamos
uma nota avulsa, comprovamos que compramos com menor preço e portanto estamos tra-
balhando de forma legal. Tanto que outros municípios da região estão seguindo pelo
mesmo caminho. Pelo menos seis cidades nos procuraram diretamente para saber como
fazer. Estamos usando o bom senso. Tenho certeza de que não vamos ser questionados
judicialmente por isso. De qualquer forma, usamos o dinheiro da contrapartida do muni-
cípio, que é em geral um valor semelhante ao repassado pelo FNDE.”
A aquisição direta realizada por Pedra do Indaiá é inovadora, principalmente porque os
produtores não estão organizados em associações ou cooperativas com registro de pessoa
jurídica. Como não ultrapassa R$ 8 mil por ano, não precisa passar por concorrência públi-
ca, só por um processo licitatório mais simples. Mesmo assim, Solange ligou diversas vezes para
o FNDE perguntando sobre possíveis procedimentos e problemas até estar totalmente segura sobre o
método de compra. “Acabei ficando ‘íntima’ da pessoa que responde por Minas Gerais no FNDE”, brinca. “E com isso
descobri que o produtor precisa apresentar a escritura do terreno, o cartão do produtor rural, mais os documentos pes-
soais como identidade, CPF, etc. para conseguir a nota fiscal avulsa emitida pela Administração Fazendária do estado.
Ela vem com carimbo, nome e CPF do produtor e com isso ele pode responder à carta-convite da licitação da prefeitura.
No começo ficaram com medo, mas eu assumi a responsabilidade. O interessante foi que até o pessoal dos armazéns
que vendem pra gente aceitaram isso, porque eles compram os produtos in natura da Ceasa e não conseguem competir
em preço com o pequeno produtor local.”
Os principais fornecedores desse tipo hoje são o casal Maria Aparecida dos Santos
e Julio
Aparecido dos Santos. Proprietários de um sítio de cinco alqueires quase dentro da área urbana de Pedra do Indaiá, eles
plantam quiabo, couve, pepino, abóbora, inhame, batata-doce, tomate cereja e milho verde para vender nas ruas da cidade.
Por isso já conheciam Solange e acreditaram nela quando ouviram a proposta de vender seus produtos para a merenda esco-
lar. “Teve uma burocraciazinha. Leva algum tempo pra receber. Mas como sou aposentado, um dinheiro a mais sempre ajuda,
e hoje a venda para a prefeitura representa um terço da minha renda total. Cerca de R$ 200 por mês”, calcula Julio. “É bom
As hortas escolares propiciam o
uso de alimentos naturais e saudáveis na merenda esco-
lar, diminuem o custo de aquisição de alimentos e possi-bilitam um trabalho multidisci-plinar de educação alimentar. De quebra, as sobras podem ser utilizadas pelos horteiros
e pela comunidade.
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fornecer pra merenda, porque a verdura é pura, só usa adubo orgânico. Eu não trabalho com agrotóxico e produzo cenoura,
beterraba, alface, repolho e mandioca para as escolas.” Com o tempo a parceria e a confiança mútua cresceram. Hoje a Emater
entrega ao produtor bandejas e substrato para as mudas. Ele, por sua vez, já recebeu três turmas de dez alunos sorteados para
uma visita ao sítio com a chance de aprender a lidar com as verduras diretamente com quem conhece o assunto a fundo.
Julio, aliás, foi um dos juízes do concurso “A Melhor Horta Escolar”, que no final premiou todas as quatro escolas do muni-
cípio. A idéia é estimular alunos e pais a desenvolver hortas comunitárias que serviriam tanto para complementar a merenda
como para diversificar os produtos nas mesas das famílias.
FERN
AN
DES
PIN
HEI
RO (P
R)CRIATIVIDADE: PONTO FINAL
NO MARASMO
Fernandes Pinheiro ilustra que em questão
de merenda, tamanho não é documento.
O pequeno município faz um trabalho grande
de educação alimentar.
População 6.368
Área da unidade territorial (km²) 407Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,620
Menor IDHM do Estado 0,856
IDHM de Apucarana 0,711Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 7
Receita municipal R$ 7.907.965,13
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 31.361,40
Complementação do município para compra de alimentos R$ 19.614,25
Alunos atendidos 1.043
Refeições servidas 188.600Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Fernandes Pinheiro (PR)
0,620 a 0,707 (85)
0,708 a 0,732 (82)
0,733 a 0,751 (79)
0,752 a 0,774 (81)
0,775 a 0,856 (72)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado do Paraná
Experiência pre mia da na cate go ria Desenvolvimento Local – 2006
Entre as receitas regionais incluídas no cardápio está o virado feito com feijão, farinha de milho e
temperos. Para a compra da merenda, o município utilizou o Programa de Aquisição de Alimentos do
Governo Federal, que beneficiou oito produtores rurais da região. A prefeitura auxilia os agricultores familiares.
As merendeiras participaram de cursos que abordam ética profissional, noções sobre nutrição e alimentação, reaproveitamento de alimentos, armazenamento e higiene.
Os alunos também receberam educação nutricional por meio de peças de teatro.
C R I A T I V I D A D E : P O N T O F I N A L N O M A R A S M O
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METAMORFOSE ESSENCIAL
Em certo dia de maio de 2007, por volta de 10h, Eleandro da Rocha, de
sete anos de idade, comemorava sua cota diária de satisfação. Como desconhece luxos, tudo se resumiu a andar de ônibus
e depois saborear a merenda na escola rural que freqüenta, no município paranaense de Fernandes Pinheiro. Para a foto-
grafia na sala de aula, o menino indicou com três dedos quantas vezes havia se servido na refeição matinal. Na outra mão
segurava uma folha de papel, com o desenho de um boneco que enfeitara. Um retrato de suas viagens exploratórias ao
território das cores e formas. Embora titubeantes, é de esperar que essas incursões também lhe sejam prazerosas. Isso impor-
ta: do mundo, Eleandro com certeza já acumulou o quinhão suficiente de impressões amargas.
Até 2006, caminhava sozinho cerca de 40 minutos para tomar o ônibus escolar. Outras contrariedades ainda presentes no seu
co tidiano não devem ser comentadas. Até certo ponto são perceptíveis em sua fisionomia e nas roupas. Agora Eleandro mora
com avós, a cinco quilômetros da escola, e a condução passa quase na porta. A situação melhorou um pouco, mas para trás
fi ca ram a mãe e cinco irmãos — um é recém-nascido —, mergulhados na realidade sombria das famílias carentes. Ao comer à
von tade na escola, pelo menos Eleandro afasta o espectro da fome. E talvez possa sonhar com coisas próprias de sua ida de.
Quanto à alimentação, é possível que crianças que o antecederam nas escolas de Fernandes Pinheiro tenham sofrido priva-
ções mais agudas. No município, a merenda escolar foi mesquinha durante anos. Dos tempos em que a cidade era distrito de
Teixeira Soares, até bem depois da emancipação, ocorrida em 1998. Eliane Marcele Mendes,
funcionária da
pre feitura, conta que suportou a mesmice de uma dieta exclusiva de sopas industrializadas no período escolar. Mas nem
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mesmo aqueles caldos pouco consistentes marcavam presença todos os dias. Diante disso, os alunos também não eram lá
tão assíduos... Outras pessoas confirmam essas informações. Uma delas é Marlei Viegandt de Meira, atual secretária de
Educação, com 20 anos de magistério.
Marlei
acrescenta que eram comuns as promoções nas escolas para garantir a merenda. Como a população
não é rica, esse recurso só podia ser utilizado com alguma parcimônia. A rotina era quebrada quando as crianças traziam
legumes e verduras de casa, para engrossar as sopas. Agora Eliane Mendes ajuda a preparar a merenda na escola onde estu-
dou — a Floresval Ferreira — para 400 alunos, a maior do município. Ela atesta que a alimentação escolar passou por
metamorfose essencial, como resultado de uma política responsável inaugurada em janeiro de 2005. O professor Francisco
Carlos Zittel, veterano que dirige essa unidade de ensino, assina embaixo.
Ele diz que os elogios à qualidade da merenda são recorrentes, partindo de pais e alunos. “Desde que a alimentação escolar
deixou de ser errática, as crianças passaram a se alimentar com prazer. Muitas delas precisam comer na escola, enchendo
o prato várias vezes. A merenda é farta o bastante para isso. A primeira coisa que muitos alunos fazem ao chegar é consul-
tar o cardápio, afixado em um mural.”
A professora Noeli Filus de Meira orgulha-se de ter comandado o processo até março de 2007, como secretária de Educação
no período. Noeli, que hoje leciona na Escola Costa e Silva, onde está matriculado o pequeno Eleandro da Rocha, abando-
nou os estudos aos 15 anos de idade. Morava longe e não havia como se deslocar até a escola. Casada, com dois filhos
pequenos, voltou a estudar. Cursou magistério e pedagogia. Quando recebeu o convite para assumir a Secretaria de
Educação, não tinha experiência administrativa.
No entanto, conhecia bem as falhas da estrutura sob o seu comando. Soube montar uma equipe competente e deu conta
do recado. Para começar, eliminou as deficiências do transporte escolar. A prefeitura comprou dois ônibus e criou onze
linhas para servir os estudantes. Assim conseguiu conter a evasão dos alunos, principalmente as faltas nos dias chuvosos.
Durante a gestão de Noeli, o município capacitou professores e merendeiras. Hoje ela se dedica a uma turma de Educação
Infantil. Experimenta a merenda com as crianças e as incentiva a comer: “Vejam como está gostosa!”.
Para muitos alunos da rede pública esse tipo de incentivo é desnecessário: algo em torno de 15% da população escolar recebe
aulas de reforço, com direito a refeições suplementares. A maioria desses estudantes costuma manter olhos e ouvidos atentos
nas salas de aula. Os professores sabem que tal fome de saber também está relacionada com a cozinha. É de lá que o olfato
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Mauricila se formou
em Curitiba, em 2001. Depois veio para a Santa Casa do município vizinho de Irati, onde trabalhou por quase quatro anos.
Além de cuidar da nutrição clínica, administrava a cozinha do hospital. Mas sempre esteve interessada em atuar em esco-
las. “Minha intenção era trabalhar com crianças que, em princípio, formam uma comunidade sadia. Assim eu teria a pos-
sibilidade de contribuir para a formação de cidadãos com hábitos alimentares adequados desde a infância.” A nutricionis-
ta chegou em março de 2005 para organizar e coordenar a merenda.
Por vários anos, o sistema de alimentação escolar fora coordenado por um professor ou por um funcionário da Secretaria
de Educação. O cargo não exigia muito do responsável. Por ser bastante singela, restrita às sopas industrializadas, a meren-
da também não dava muito trabalho às cozinheiras. Para sacudir o marasmo, Mauricila
foi conhecer todas as
escolas, e logo providenciou um primeiro encontro com as merendeiras. O objetivo era ensinar alguns conceitos básicos,
sem os quais seria impossível estruturar o serviço. Não foi difícil. O município tem apenas cinco escolas, onde trabalham
25 pessoas contratadas para as tarefas de apoio.
Todas elas passavam pelas cozinhas, em sistema de rodízio. O arranjo funcionava, mas não com a suavidade desejada.
Algumas das funcionárias não morrem de amores por panelas e fogões, algo que transparece na comida que preparam. A saída
foi escolher as que têm veia culinária e deixá-las ocupar o posto de forma permanente. Maria Poposky é uma dessas cozinhei-
ras fixas. Trabalhou 12 anos na creche municipal. Depois de passar pela Secretaria de Saúde, agora está definitivamente na
Escola Floresval Ferreira, onde tem Jussara Aparecida Lerner
e Eliane Mendes como ajudantes eventuais.
O rodízio vai continuar para as auxiliares, que poderão substituir as merendeiras titulares em caso de necessidade. Assim,
as cozinhas jamais ficarão desguarnecidas e as substitutas no mínimo terão uma boa idéia de como preparar os alimentos,
da meninada costuma captar notícias estimulantes. A qualidade dessas mensagens se deve ao trabalho da nutricionista
Mauricila de Campos França. “A presença dela é uma benção”, diz Noeli. HORA DE REFORMAR
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na quantidade certa. Instruções para trabalhar de forma correta estão disponíveis no Manual do Manipulador de Alimentos,
que tem duas versões. Uma para a creche e outra para as escolas. Os conteúdos são semelhantes, diferindo apenas na parte
que trata do preparo de mamadeiras e alimentos para os bebês. Os treinamentos têm sido contínuos. O último aconteceu
no começo de 2007, quando Maria Poposky
e suas colegas fizeram o curso do Cozinha Brasil, programa
patrocinado pelo Serviço Social da Indústria — Sesi.
Mauricila tem reunido o pessoal duas vezes por ano, durante as férias de janeiro e julho. Os encontros de julho se destinam
a resolver assuntos pendentes e à reapresentação de conhecimentos e práticas que as merendeiras ainda não conseguiram
absorver a contento. São oportunidades para o repasse de muitos conceitos, com ênfase nas questões de higiene. Quando
começou, Mauricila temia sofrer restrições na montagem dos cardápios em vista do custo de alguns itens. O temor era
infundado: “Para minha surpresa, minha atenção nunca foi chamada por causa disso. Os gestores municipais me apoia-
ram. Eles também querem qualidade”, diz a nutricionista.
As experiências com o cardápio também são contínuas. Em maio, os alunos da rede pública experimentaram granola. Para
muitos esse foi o primeiro contato com essa rica mistura de cereais, frutas secas e outros ingredientes. Contudo, Mauricila
observa que todas as medidas possíveis são tomadas para evitar desperdícios. O reaproveitamento de alimentos é uma
constante, e um capítulo importante dos treinamentos. Como medida de economia, o cardápio muda todos os meses, para
permitir a compra de produtos de época, a preços mais baixos. Principalmente frutas e hortícolas.
As verduras são fornecidas por agricultores locais, em quantidade suficiente para o abastecimento das escolas. As frutas,
nem sempre. É o caso da banana, que o município não produz. À variação da cesta de alimentos corresponde um grande
número de pratos, bem ao gosto da criançada. Comida regional: viradinho de feijão com chá de hortelã, arroz com carne
moída e salada orgânica, polenta com músculo, nhoque de batata com carne moída, macarrão com frango e salada, etc. A
lista dos lanches doces também revela grande número de opções: bolo de cenoura com limonada, sagu (feito na escola)
com suco de maracujá, mingau de aveia com banana, arroz-doce com sementes de abóbora, canjica com amendoim e assim
por diante. Sempre que possível, os alimentos são naturais, com frutas e verduras para completar a dieta.
As sopas industrializadas não desertaram da merenda. Mas agora só aparecem uma vez por mês, ao lado de pudins e bebi-
das lácteas. A despeito da variedade do cardápio, a logística impede que produtos perecíveis sejam consumidos nos dois
primeiros dias da semana. Supermercados de Irati, cidade mais próxima, vêm ganhando as licitações para o fornecimento
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Em 2006, as crianças de Fernandes Pinheiro receberam visitas do “Zé
Tomatão”. O personagem acompanhou sua criadora, a nutricionista Mauricila França, numa turnê educativa pelas escolas.
Mauricila falou sobre a tradicional “pirâmide dos alimentos”, explicando a importância das funções de cada conjunto de
produtos como fontes de carboidratos, vitaminas, proteínas, etc. Entre outras atividades, “Zé Tomatão” respondia pergun-
tas, enquanto mostrava os alimentos dispostos sobre mesinhas. O retorno do personagem estava previsto para o final do
primeiro semestre de 2007.
Nesse novo ciclo de palestras e brincadeiras, a fantasia seria vestida por Regina Pereira Zanlourensi,
diretora do
Centro de Educação Infantil Tia Aurora. Regina, é claro, apresenta boas credenciais para assumir o papel, pois tem 70 crianças
sob sua responsabilidade. É também presidenta do Conselho de Alimentação Escolar — CAE, cargo ocupado pela professora
dos gêneros alimentícios. E eles recebem produtos frescos na segunda-feira. A Secretaria de Educação de Fernandes Pinheiro
manda buscá-los no mesmo dia e, à tarde, a coordenadoria da merenda divide os suprimentos para a distribuição, realiza-
da no dia seguinte. É difícil encontrar alimentos passados. A nutricionista fez marcação cerrada no início, inclusive sobre
os produtores de hortaliças.
A carne vem resfriada, em caixas térmicas, já dividida em pacotes para cada escola, e é congelada antes de seguir para o
consumo. Além de músculo bovino, que é um corte mais barato, a merenda utiliza carne moída e frango. No princípio, a
prefeitura comprava frangos inteiros. Depois mudou para coxas e sobrecoxas, ao constatar que havia algum desperdício.
Embora a merenda passasse por transformação radical no decorrer de 2005, as escolas continuaram a sofrer o desconforto
provocado pela falta de utensílios. Não havia panelas, talheres e pratos em quantidade suficiente.
Mas a prática de dois turnos para o lanche acabou de vez em 2006, com a compra do material que faltava. Hoje as
escolas podem se dar ao luxo de ter alguma sobra de utensílios básicos em estoque. As próprias cozinhas passam por
reformas, que já foram concluídas na Escola Floresval Ferreira, para a satisfação de Maria Poposky. Ela, que gosta de
exibir seus talentos em cozinha impecável, havia herdado uma estrutura precária: “Antes não dava para exigir limpeza”.
Das cozinhas restantes, duas ganharão apenas azulejos nas paredes, pois estão em bom estado. As demais serão inteira-
mente reconstruídas até 2008. EDUCAÇÃO À MESA
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Islea Farias em 2005/2006. Nas gestões anteriores, o CAE só fazia figuração, pois as atas das reuniões provam que os antigos
conselheiros se encontravam formalmente apenas uma ou duas vezes por ano, conta Islea. E a merenda era o que se viu.
Islea,
que hoje é vice-presidente do CAE, avalia a experiência dos conselheiros como muito positiva a partir de
2005. “Todos estávamos conscientes de nossas responsabilidades. Visitamos as escolas com freqüência, examinando cozi-
nhas e despensas. Também acompanhamos as licitações e verificamos se os cardápios incluíam os alimentos comprados.
E enviamos críticas e sugestões à coordenadoria da merenda.” A comunicação era imediata: para ouvir Islea e os demais
conselheiros, Mauricila compareceu a todas as reuniões do CAE. Além de coordenar a merenda e inspecionar regularmente
as escolas, ela orienta alguns cidadãos que precisam de dieta especial, segundo um acordo que fez com a prefeitura.
Na rede pública de ensino, o pessoal já está habituado a seguir suas recomendações. O primeiro a tomar uma iniciativa
importante foi o professor Jeferson Alves Pires, que organizou uma horta com alunos da Escola Rural Costa e Silva, em
2006. Havia um terreno disponível ao lado. Jeferson preparou o solo com as crianças, depois fez vários canteiros em forma
de triângulo, retângulos e outras figuras geométricas. E ali plantou cenouras, com adubação orgânica. O experimento foi
explorado ao máximo como recurso didático em aulas de diversas disciplinas, principalmente de ciências e matemática.
Serviu também para comentários sobre questões ambientais.
E terminou em bolo, feito em sala de aula, acompanhado de explicações sobre a necessidade de higiene na cozinha: os
pequenos mestres-cucas usavam toucas enquanto preparavam a receita. Todos os que estavam na escola comeram ao
menos um pedaço. O professor Jeferson parece ter notável aptidão para o ensino de crianças, particularmente as do meio
rural. Ele também veio de lá: é filho caçula de agricultores, e o único dos irmãos a estudar. Como ele diz, a caminhada em
busca dos diplomas foi um tanto penosa, mas valeu a pena. Com apenas nove anos de idade, saiu para morar com tios que
não conhecia, em Irati. Tinha saudades da família, mas ficou com os parentes até completar 18 anos e conquistar o título
de técnico em contabilidade.
Com esse diploma, na época era possível ingressar no magistério. Formado, Jeferson
fez concurso e ganhou
o cargo de professor. Após a capacitação necessária, foi designado para a mesma escola em que cursou o segundo ano (antiga
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primeira série) do Ensino Fundamental. A sala onde estudou lhe serviu de residência por dez longos anos, até que pudesse
comprar sua própria casa. Nesse período, além de dar aulas, fez graduação e pós-graduação em pedagogia. O tempo e a prá-
tica ajudaram o professor a desenvolver um talento insuspeitado até certa altura: o de escrever, com rapidez, ótimas peças
infantis sobre temas abordados em aula. Jeferson também cuida do cenário e da montagem. Um sucesso. As crianças se diver-
tem aprendendo. No meio delas, naturalmente, o menino Eleandro da Rocha.
Uma horta escolar não
prosperou em Fernandes Pinheiro. A que era cultivada pelo pessoal da escola de Bituva dos Machados, uma comunidade
rural do Distrito de Angaí, o mais distante da sede do município. Os pequenos plantios realizados na escola se tornaram
supérfluos: a prefeitura agora compra os hortícolas de agricultores que utilizam métodos orgânicos, informa o diretor da
escola, Carlinhos Moreira de Jesus.
A iniciativa de organizar a compra direta desses produtos foi do ex-se-
cretário de Agricultura, o técnico florestal Clóvis Medeiros.
Entre os fornecedores, 25 ao todo, está o casal Ione e Sebastião Góes, com a filha Gilda, que vivem em uma chácara de 4
hectares, nas proximidades. Ali a família planta para consumo próprio e para a merenda. Os cultivos mais importantes são
os de milho, feijão, mandioca, abóbora, cebola, amendoim e diversas hortaliças, inclusive temperos. A introdução de boa
variedade de hortícolas na merenda tem dois efeitos óbvios: melhora a qualidade da alimentação das crianças e proporcio-
na renda aos produtores familiares.
O primeiro passo foi convencer uma parcela considerável dos alunos de que as verduras são fundamentais, daí os esforços
na esfera da educação nutricional. Nesse ponto, Fernandes Pinheiro tem colhido bons resultados. No princípio, crianças
foram flagradas jogando verduras do prato no lixo. Hoje já não desprezam esses alimentos. Às vezes são contrariadas. Bom
exemplo foi o que aconteceu com os morangos, consumidos na forma de pudins, ou servidos com mingau, pratos muito
bem recebidos em 2006. A coordenação da merenda resolveu eliminar essa fruta do cardápio, a pedido dos produtores de
hortaliças orgânicas. Os pastéis de carne moída fritos também saíram de linha. Dessa vez para atender as cozinheiras: dão
muito trabalho para fazer. A volta dos morangos e dos pastéis, contudo, não está descartada. Para isso, o cultivo da fruta
terá de ser orgânico, e os pastéis, assados — nada que signifique um grande obstáculo.
À FRENTE, SEMPRE
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Também não será difícil avançar com a merenda, agora que está bem estruturada. De acordo com a Secretaria de Educação,
é possível que mais ou menos a metade das famílias do município não possa dar café da manhã para os filhos em idade
escolar. Não se trata apenas de falta de recursos. Às vezes, por causa das grandes distâncias, certo número de crianças pre-
cisa sair muito cedo de casa para alcançar as escolas. Seja porque não têm apetite, ou por falta de tempo, acabam sem o
desjejum. Diante disso, a Secretaria de Educação formulou um projeto para oferecer lanches antes das aulas. Nem que seja
apenas um chá com biscoitos.
A idéia já foi apresentada ao prefeito, Nei Rene Schuck. Para fornecer o lanche adicional aos mais de 900 alunos do muni-
cípio, a despesa não seria grande. O pessoal da secretaria está otimista: a prefeitura tem sido generosa — além de mudar a
merenda, já deu uniforme para a criançada e para as cozinheiras, que antes nem tinham toucas para trabalhar. De toda
forma, alguns projetos já estão garantidos: a retomada do programa de hortas escolares para fins didáticos; a mudança da
coordenadoria da merenda para novo prédio, onde haverá espaço mais adequado para a guarda de alimentos e utensílios;
e a compra de um veículo exclusivo para o serviço de alimentação escolar.
JUSS
ARA
(GO
)
GRANDE DISTÂNCIA, CAMINHO CURTO
A merenda escolar pode ser um bom pretexto
para desenvolver a região. Os recursos federais
podem ser aplicados na aquisição de alimentos
produzidos localmente. Com isso o dinheiro
circula entre os pequenos agricultores que,
além de fornecerem alimentos mais frescos
aos alunos, podem desenvolver sua produção.
Como fazer isso?
População 20.034
Área da unidade territorial (km²) 4.092Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,600
Menor IDHM do Estado 0,834
IDHM de Jussara 0,740Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 21
Receita municipal R$ 15.391.522,25
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 53.386,20
Complementação do município para compra de alimentos R$ 48.525,43
Alunos atendidos 1.706
Refeições servidas 312.200Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Jussara (GO)
0,600 a 0,710 (48)
0,711 a 0,729 (49)
0,730 a 0,742 (49)
0,743 a 0,761 (47)
0,762 a 0,834 (49)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Goiás
Experiência premiada na categoria Região Centro-Oeste – 2006 O município utilizou o Programa de Aquisição de Alimentos, do Governo Federal, para comprar
frutas, frango, ovos, carne bovina, mel, polvilho e queijo; o que beneficiou 67 pequenos produtores
rurais. A merenda contou, ainda, com produtos adquiri-dos no Horto Municipal. A prefeitura também desenvolveu
o projeto “Polpa de Fruta”, por meio do qual as escolas receberam doações de frutas da estação, utilizadas na preparação de sucos. O esforço financeiro da prefeitura foi de cerca de 90% dos recursos federais transferidos para a merenda.
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Ao que parece, o Brasil é o único país que tem
nome de árvore. E Jussara, em Goiás, é o único município brasileiro que tem nome de miss. Em homenagem à goiana
Jussara Marques de Amorim, vencedora de um concurso nacional de beleza realizado em 1949. Um retrato da moça não
demorou a chegar ao então povoado de Água Limpa, que pertencia a Goiás, antiga capital do estado. A fotografia acabou
entronizada na parede de um boteco. O barzinho rural ocupava ponto estratégico na confluência de algumas estradas que
levavam a diversas fazendas. Ali a peonada das vizinhanças costumava se reunir todos os dias, ao final da tarde, obede-
cendo a uma convocação geral: “Está na hora de ver a nossa Jussara”.
Na era do rádio, eleição de miss nesta Terra de Santa Cruz tinha gosto de Copa do Mundo. Assim, não demorou a se formar
uma comissão para transformar a devoção geral a Jussara Marques em algo substantivo. Requerimento à Câmara de Goiás
resultou na mudança do nome de Água Limpa, em 1950. Jussara se tornaria independente em 1958. Quem conta a histó-
ria é Joaquim Alves de Castro Neto,
prefeito da cidade desde 2001. Porém, Castro Neto avisa que não há
como provar que tudo tenha acontecido dessa forma. Não tem importância. De tão saborosa, fica valendo essa versão.
Jussara se desenvolveu em grande parte graças ao afluxo de migrantes nordestinos. Cidade interiorana, mantém a tradição
de contar boas histórias. Uma delas é a da merenda escolar, que deu um salto de qualidade nos últimos tempos. O marco
da virada foi 2001. Antes, a situação era um tanto difícil. Principalmente porque a verba federal para a alimentação esco-
CREDIBILIDADE RESGATADA
J U S S A R A
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lar tinha valor per capita muito baixo, como é do conhecimento geral. Com o tempo, as várias correções dessa “tabela”
aumentaram a disponibilidade de recursos, junto com a contrapartida da municipalidade.
Os administradores que assumiram a prefeitura no primeiro ano do milênio decidiram investir na educação de forma
consistente, com o apoio da comunidade. Até a geografia do município exige tal ajuda, pois Jussara tem grande extensão
territorial. Esparramadas, algumas das escolas rurais estão distantes da sede do município. Assim, fazendeiros ou seus fun-
cionários, e mesmo os professores, acabam transportando os produtos para a alimentação escolar. A natureza também
colabora. Na área rural pode-se complementar a merenda com peixes apanhados nos rios, e o cerrado, generoso, produz
frutas em quantidade.
Melhorar a merenda exigiu dedicação e persistência, conta Darlene Souza e Silva Cardoso,
secretária de
Educação. Darlene veio da Bahia há duas décadas. Antes de assumir o cargo estudou pedagogia, especializando-se em ges-
tão educacional, e lecionou durante vários anos em escolas estaduais. A situação em sua área era bastante complicada no
início do milênio. Desacreditada, a rede municipal atendia apenas 780 alunos. As escolas pediam reformas urgentes.
Nessas circunstâncias, o professorado, desmotivado, andava cabisbaixo. Segundo Darlene, alguns mestres hoje admitem
que ficavam um tanto envergonhados por darem aulas na rede municipal.
Em poucos anos, o quadro geral mudou. Jussara fechou 2006 com cerca de 1.900 alunos nas escolas municipais. O aumen-
to de 144% em relação a 2001 superou em muito o incremento populacional registrado no período, que se deu a uma taxa
média comedida. Também não havia muitas crianças fora das escolas ao iniciar-se o século 21. O número de alunos
aumentou exponencialmente porque a rede pública recuperou a credibilidade, comemora a secretária. E sem dúvida sub-
traiu alunos da rede estadual e até das escolas particulares, das quais há cinco na cidade.
Para que isso fosse possível, houve investimentos em infra-estrutura e na qualificação dos professores. Surgiram novas
escolas e as demais passaram por reformas e ampliações. Antes, os professores só tinham o magistério. Por meio de con-
vênios com a Universidade do Estado de Goiás, a prefeitura patrocinou a formação de todos eles, que somam pouco mais
de uma centena. Hoje a metade tem curso superior, e os demais são também pós-graduados. Nesse período, a educação
por vezes absorveu mais de 25% das verbas municipais, chegando a abocanhar até 29% do total.
No que diz respeito à merenda, Jussara investiu na construção ou reforma de cozinhas, que agora estão totalmente equi-
padas com geladeiras, congeladores, fornos e fogões. A oferta de material básico como panelas, vasilhames diversos, mesas
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para refeitórios e outros utensílios aumentou na escala adequada. E as pouco mais de 40 merendeiras vêm passando por
diversos cursos, sendo muito dedicadas — o que resulta em alto grau de aproveitamento, diz a secretária, que aproveita
para elogiar as ações do Conselho de Alimentação Escolar.
O CAE está muito próximo da merenda. Isso porque é presidido pela professora Irene Lúcia Marques.
Formada
em História, Irene lecionou durante dois anos, mas depois foi para a Secretaria de Educação cuidar da alimentação escolar,
como gerente, em meados dos anos 1990. Ali continua até hoje, tendo sido eleita presidenta do CAE como representante
dos professores. Ocupou a vice-presidência na chapa anterior, liderada por Irmã Maria Elina Bustus, religiosa católica que
dirigia uma creche na cidade.
Irene informa que, embora não seja uma exigência legal, a gerência da merenda faz quatro prestações de contas por ano ao
conselho. Os conselheiros, dois a dois, visitam regularmente as escolas e apresentam relatórios detalhados sobre o que vêem.
No total, são 12 escolas e cinco creches. Nem sempre a tarefa é fácil, pois as escolas rurais são distantes. Uma delas fica a mais
de 100 quilômetros de Jussara, nas proximidades do município de Britânia.
Um passo importante
da atual administração foi chamar o nutricionista André Luiz de Castro de volta para casa. Nascido em Jussara,
André
deixou a cidade para estudar em Goiânia. Depois ficou anos num restaurante industrial, em Barra do
Garças (MT). Em 2002, ao receber o convite da prefeitura para trabalhar com a merenda, fez as malas sem demora. O
emprego anterior era bom, mas ele queria ficar perto da família e dos amigos. O nutricionista chegou em boa hora, diz a
pedagoga Selma Pinheiro, uma das gerentes da merenda. Na época ela cuidava da alimentação em uma das escolas.
“O governo goiano mandava alguns cardápios prontos, o que deixava a desejar, já que o pessoal especializado em nutrição
estava em Goiânia, distribuindo as mesmas sugestões para todo o estado. Fazíamos tudo meio a olho, não sabíamos calcular as
quantidades per capita”, conta Selma. Em contrapartida, já havia certo padrão de organização nas cozinhas, onde as merendei-
ras usavam uniformes e tinham nível razoável de conhecimentos. Foi sobre essa base que André começou a trabalhar.
FARINHA DE BARU
J U S S A R A
34
Agora que as dificuldades ficaram para trás, Jussara tem
cinco creches e duas escolas que oferecem três refeições por
dia. Uma delas é a escola agrícola municipal. A outra fica no
setor urbano, atendendo crianças carentes de um bairro
periférico. A prefeitura construiu essa unidade para receber
de 250 a 300 estudantes do Ensino Fundamental.
André de Castro renova os cardápios de dois em dois meses.
A sazonalidade da oferta dos produtos alimentícios define
as mudanças. “Procuramos bons preços, sempre levando
em conta a aceitabilidade”, diz o nutricionista. Merecem
destaque as preparações que incluem produtos regionais,
entre eles a farinha de baru, usada com freqüência. O baru,
árvore típica da região Centro-oeste, produz frutos em abundância. Da semente, torrada e triturada, obtém-se a farinha de
alto teor calórico: são 500 quilocalorias por 100 gramas. Além disso, a semente contém muitas proteínas e minerais, como
o potássio e o magnésio.
Como o fruto pode ser estocado por vários anos, tem-se oferta constante de uma farinha com gosto semelhante ao do
amendoim, usada em bolos, canjicas, nas vitaminas de frutas e na feitura de preparações salgadas. As farofas são um bom
exemplo. A merenda também consome o pequi — tradicional na culinária goiana — mel, leite e seus derivados. Para faci-
litar a vida das responsáveis pela alimentação em cada escola, a secretaria oferece dez cardápios por bimestre. A responsá-
vel pela merenda escolhe cinco, de acordo com a realidade do estabelecimento.
Os sucos naturais de frutas predominam nos meses mais quentes: acerola, manga, goiaba, caju, maracujá, limão... A comu-
nidade se envolve com a merenda, fazendo doações. Afinal, os beneficiados serão seus próprios filhos. O projeto de apro-
veitamento das frutas de época foi desenvolvido há tempos, para evitar desperdícios. E vem apresentando bons resultados.
Nas refeições quentes há diversos pratos, como a galinhada, feita de carne de frango com arroz e legumes (ou pequi). A
merenda também serve carne suína e bovina.
Para as compras, realizadas no mercado local, a Secretaria de Educação faz pesquisas de preços em diversos estabeleci-
mentos antes da montagem bimestral dos cardápios. A compra é feita pelas gerentes de merenda das escolas, também
responsáveis pela qualidade, recepção e guarda dos alimentos. Dessa forma, elimina-se a necessidade de um depósito
G R A N D E D I S T Â N C I A , C A M I N H O C U R T O
35
central. A rotina é diferente no caso das escolas rurais, que são abastecidas com o suficiente para dois meses. “A gente
depende do apoio dos donos das fazendas, e segue um calendário que seja conveniente para eles também”, diz
Selma Pinheiro.
O comprador retira um vale na prefeitura e leva os produtos. As carnes seguem resfriadas,
em embalagens apropriadas. Depois ficam nos congeladores. O cardápio é diferenciado, porque a população do campo
tem suas próprias opções — é o caso do peixe.
Enquanto reorganizava a merenda, o município de Jussara desenvolveu um programa de avaliação nutricional dos alunos
da rede pública, por iniciativa de André de Castro. A primeira coleta de dados — peso, altura e idade — foi realizada em
2003, para descobrir alunos com necessidade de dieta especial. Esse levantamento levou à adoção de período integral e
alimentação farta para as crianças do bairro Nova Jussara.
Jussara surgiu e cresceu por obra de
brasileiros vindos de diversos estados. Até o prefeito, Joaquim de Castro, é forasteiro. Ele teve a sorte de nascer e viver em
Goiás, a antiga capital do estado, a tempo de prestar serviços de datilografia para uma velhinha extraordinária, confeiteira
de doces e de poemas. Na ocasião, começo dos anos 1970, Cora Coralina ainda não havia espalhado seu encanto pelo país,
e ainda não sabia usar a máquina de escrever que comprara. Joaquim passou manuscritos a limpo durante um mês. Entrado
na adolescência, com a cabeça nas nuvens, não prestava atenção no conteúdo dos escritos, que então não lhe diziam
muito. Esqueceu-se até de cobrar pelo serviço. Ao menos aproveitou os doces de Cora Coralina, que ela dizia serem melho-
res que seus poemas. E guardou uma boa história para contar aos netos.
Joaquim também se orgulha do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, e diz que a prefeitura se esforça para progredir
ainda mais nesse campo. A próxima iniciativa será a implantação de uma cozinha comunitária para oferecer cursos às
merendeiras — inclusive as da rede estadual — e às donas-de-casa. A idéia é melhorar o padrão nutricional de toda a comu-
nidade. Há projetos em curso em outras áreas. Um deles para organizar a produção local de carne. “Estamos trabalhando
com as cadeias produtivas de bovinos, suínos e aves para aperfeiçoá-las. A criação de animais é um dos pontos fortes da
região. Com mais oito municípios, temos o apoio do Sebrae e do governo estadual.” Nesse contexto, a escola agrícola de
Jussara sempre terá um papel importante.
ESCOLA NOTA 10
J U S S A R A
36
A escola merece destaque não apenas por causa de seus vínculos com a merenda escolar, da qual é fornecedora, mas tam-
bém por se tratar do melhor exemplo de recuperação do ensino público municipal. O professor Luiz Mário Lopes Cardoso,
pós-graduado em matemática e estatística, assumiu a direção em 2001. A escola atravessava uma fase difícil, com apenas
37 alunos matriculados. Como se trata de instituição muito importante para navegar sem rumo, Luiz agarrou o timão com
energia para colocá-la na rota original. Fundada em 1991, a unidade se destinava a filhos de produtores rurais. Além das
disciplinas básicas do Ensino Fundamental, sempre ofereceu aulas sobre técnicas agrícolas e práticas de zootecnia, com o
objetivo de formar mão-de-obra qualificada e fixá-la no campo.
A primeira tarefa do novo diretor e sua equipe foi repensar o papel da escola, para adequá-la às condições da produção
agropecuária atual, seguindo os parâmetros da educação moderna. Hoje a escola tem 160 alunos, que fizeram teste voca-
cional, cursando do 6.º ao 9.º ano, em período integral. O diretor comenta: “No início aqui só ingressavam filhos de pro-
dutores rurais, mas como a qualidade do ensino melhorou muito, passamos a aceitar alunos que vivem na cidade. A
procura é muito grande”.
Em Jussara, as preocupações com o ambiente levaram à formatação de bons projetos. A escola agrícola produz grande
quantidade de mudas de diversas espécies nativas para distribuição gratuita. Entre elas seringueiras, baru, aroeira, ipê e
uma acácia que dá flor o ano inteiro, excelente para a apicultura. Antes as pessoas pegavam as mudas e as plantavam de
forma aleatória, ou as doavam a terceiros. Então surgiu um projeto de arborização da área urbana – algo que interessa a
todos, pois a região é muito quente. Os alunos plantam sementes, cuidam das mudas e depois as levam para casas de
moradores que se cadastram para participar do projeto.
O professor Luiz Mário explica que a iniciativa tem grande
valor educativo e desdobra-se em três vertentes. “Primeiro,
o ensino passa a ter melhor qualidade. Com a prática, o
aluno aprende conceitos de matemática, geografia e portu-
guês, pois escreve textos de maneira prazerosa, narrando
suas experiências. Depois, descobre que a questão ambien-
tal é muito complexa, que não se resolve por meio de pales-
tras dadas uma vez por ano. Da produção da semente ao
plantio da muda, o aluno toma consciência do quanto o
processo pode ser demorado, até ver a árvore crescida.”
Em outra vertente há a questão da auto-estima. “Geralmente
G R A N D E D I S T Â N C I A , C A M I N H O C U R T O
37
trabalhamos com meninos de poucos recursos financeiros. Cada um se vê apenas como mais um indivíduo, e não como cida-
dão que pode ser útil à comunidade. O projeto, de grande aceitação, elevou a auto-estima de todos. Já plantamos perto de 2 mil
mudas na cidade. Para participar, o morador assina um termo de compromisso, obrigando-se a cuidar da muda. Os estudantes
voltam sempre para fazer avaliações. E dão uma cutucada no dono da casa se ele não estiver seguindo as recomendações.”
Para consumo próprio e para oferecer produtos à merenda municipal e a instituições beneficentes, a escola agrícola
cultiva boa parte de seus 51 hectares. Dali saem frutas, legumes, verduras, leite, mel, frangos, ovos e suínos. O volume
produzido oscila de acordo com as estações do ano, como é natural. Na horta, os estudantes trabalham sob a supervisão
de José Flávio Lima,
chefe de jardinagem e olericultura. José Flávio, um veterano que está no ramo desde
1983, recebe alunos de outras unidades da rede municipal para ensinar-lhes técnicas agrícolas, e também colabora na
implantação de hortas nas escolas estaduais.
Da horta, os vegetais passam para os domínios de Maria das Graças de Mesquita, gerente da merenda na escola. Maria das
Graças ocupa o cargo há 13 anos, apoiada por cinco cozinheiras. Ela coordena e fiscaliza o trabalho, encarrega-se das pres-
tações de contas e faz compras. Como se recorda, um dos itens da merenda é a farinha de baru, produzida por Vilmar Alves
Rabelo, um jussarense que se dispôs a explorar as potencialidades da árvore. Vilmar inaugurou o negócio em 2005, tocan-
do a produção com a ajuda da esposa e de seis funcionários.
E tem feito experiências interessantes: a casca do baru dá carvão, e o fruto, fermentado, cachaça. Os resíduos da fer-
mentação viram adubo de qualidade, podendo servir de alimento para o gado. O óleo de baru tem aplicações na indús-
tria de cosméticos e, mais recentemente, surgiu a boa notícia de que a castanha é um autêntico “viagra” natural.
Vilmar
produz de forma artesanal bombons, doce de leite e rapadura, com adição de castanha triturada. Na
forma de farinha, a merenda absorve cerca de 30% da produção total de castanhas, que anda pela casa dos 15 quilos por dia.
O município também estimula a produção agrícola familiar. Em maio de 2007, 67 produtores estavam cadastrados no
Programa de Aquisição de Alimentos, criado pelo governo federal. Há uma contrapartida de recursos da prefeitura, que se
encarrega de prover assistência técnica e manter as estradas em ordem. Dentre os fornecedores estão os 22 sócios de uma
J U S S A R A
38
cooperativa — a Coopernova —, um núcleo de produção rural instalado a 43 quilômetros da sede do município. O proje-
to da Coopernova foi iniciado em 2001, com financiamento do Banco da Terra. Cada associado tem 12 hectares de terra.
Um deles é Eliaquim Rodrigues dos Santos, casado com Silma Pereira de Freitas.
O casal construiu
casa no terreno e dedica-se, como os demais sócios, aos plantios de subsistência e à produção leiteira. Planta mandioca, mamão,
batata-doce, bananas, cria aves e tem pequeno rebanho. Os excedentes vão para o mercado ou para a merenda. José Lino
Guimarães (o Zé Lino) é o funcionário da prefeitura que coordena o Programa Compra Direta Local da Agricultura Familiar, com
recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf. Ele explica que uma das vantagens do
programa é afastar os atravessadores e garantir preços melhores para os agricultores. Antigo peão de fazendas, Eliaquim está
satisfeito com seu novo status de proprietário, ainda que tenha um financiamento a pagar durante os próximos 20 anos.
Zé Lino
sabe valorizar os esforços dos produtores. Solidário, compreende as dificuldades enfrentadas por
todos no trato com a terra, principalmente por aqueles que vieram de fora, em busca de vida melhor, como Eliaquim, que
nasceu em Montes Claros (GO). O próprio Zé Lino migrou
do Rio Grande do Norte com a família, a bordo de um pau-
de-arara. Foram dois meses de viagem. Ele se lembra de
alguma coisa da jornada. Inclusive do primeiro picolé, que
pretendeu poupar a todo custo. Na inocência de seus quatro
anos, percebeu que seria impossível conservá-lo só depois
de ter a camisa molhada pelo gotejar constante do sorvete,
imposto pelo sol de Brasília. Na época, a capital do país
estava em construção. E o município de Jussara prestes a
aparecer no mapa do Brasil.
DO
IS IR
MÃ
OS
(RS)
QUEM PLANTA, COLHE Como regar, nutrir e podar as boas
idéias para que elas frutifiquem?
População 22.435
Área da unidade territorial (km²) 65Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,870
Menor IDHM do Estado 0,666
IDHM de Dois Irmãos 0,812Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 16
Receita municipal R$ 22.984.166,75
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 82.386,00
Complementação do município para compra de alimentos R$ 36.862,56
Alunos atendidos 3.247
Refeições servidas 597.000Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Dois Irmãos (RS)
0,666 a 0,753 (95)
0,754 a 0,776 (96)
0,777 a 0,797 (92)
0,798 a 0,816 (95)
0,817 a 0,870 (89)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado do Rio Grande do Sul
Experiência premiada na categoria Continuidade – 2005 A categoria continuidade visa premiar prefeituras que mantiveram em seu município experiências
bem-sucedidas de administrações anteriores da merenda escolar, a despeito de mudança de governo.
A prefeitura de Dois Irmãos elaborou um manual da alimentação escolar em parceria com a Emater. Com isso
as boas decisões sobre a merenda escolar podem ter continuidade. Há uma preocupação com a introdução de alimentos regionais na merenda dos alunos.
Q U E M P L A N T A , C O L H E
41
Roma não foi feita em um dia! Tudo o que vale a pena na vida precisa ser construído ao
longo do tempo, com planejamento, dedicação e competência. Isso é ainda mais verdadeiro nos serviços públicos, onde
as mudanças na administração podem prejudicar bons projetos se não houver um compromisso com a continuidade e o
bom atendimento à população. Um exemplo a ser seguido é o de Dois Irmãos, município de forte influência da imigração
alemã e considerado “portal” da serra gaúcha. Tendo recebido os primeiros trabalhadores da antiga Colônia São Leopoldo
em 1825 e com fundação oficial em 1959, a cidade conta com a mesma secretária de Educação desde 1989. Assim, os
membros da equipe de merenda escolar vivenciaram juntos todas as grandes transformações pelas quais passou o Programa
Nacional de Alimentação Escolar — PNAE nos últimos 15 anos e transformaram essa experiência em projetos inovadores,
de grande sucesso e alguns pioneiros. São iniciativas como a construção de hortas nas escolas e de um hortão para fornecer
vegetais fresquíssimos a baixos custos; a introdução de alimentos orgânicos e integrais; o apoio do sistema de Vigilância
Sanitária da cidade para o cadastramento de fornecedores da região; avaliações nutricionais e de risco de obesidade nos
alunos; e muito mais. Sem dúvida, foi um longo caminho para transformar escolas que nem sequer tinham quem prepa-
rasse a merenda em um modelo premiado. As crianças, claro, agradecem.
“Quando entrei para a secretaria, nos final dos anos 1980, não tínhamos merendeiras ou serventes e as próprias professo-
ras preparavam a comida para os alunos com os produtos enviados pelo Governo Federal”, lembra a secretária municipal
de Educação, Cultura e Desporto
Hilária Arnold Kreuz. “As escolas também não possuí-
am cozinhas, refeitórios e nem despensas apropriadas.” “Muitas vezes os alimentos vinham com o
prazo de validade quase vencido e as crianças não aceitavam bem as bebidas lácteas muito doces,
com forte gosto de soja, as sopas industrializadas e a comida enlatada, que não fazem parte de
nossa tradição alimentar”, acrescenta a coordenadora da merenda escolar Lucimar dos Santos
Engelmann. “O estado fornecia apenas os pratos de plástico e algumas panelas. Para o restante
tínhamos que contar com a contribuição voluntária da comunidade.” Os agricultores da região
doavam esporadicamente frutas e verduras de modo a tornar a merenda mais palatável, e os açou-
EVOLUÇÃO CONSTANTE
A construção de hortas nas escolas possibilita um
trabalho de educação multidisciplinar.
D O I S I R M Ã O S
42
gues enviavam ossos bovinos para reforçar a sopa em algumas escolas, apesar do alto risco de contaminação. É também
dessa época o chamado Projeto Ovo, em que as crianças eram estimuladas a trazer de casa, um dia por semana, um ovo
para ser acrescentado à merenda. Tempos difíceis.
Tudo começou a mudar
a partir de 1992, com a decisão da prefeitura de aumentar o investimento em infra-estrutura das escolas, com a aquisição
de fogões, geladeiras e outros equipamentos para as cozinhas. Mesmo não havendo um cargo específico para a área de
alimentação, a secretaria requisitou a transferência de uma professora concursada, Guizela Steier Meier, para ajudar a criar
uma coordenadoria para a alimentação escolar. O primeiro salto, no entanto, viria em 1994 com a municipalização da
merenda. A nova lei já previa então a formação de um Conselho de Alimentação Escolar e a contratação de um nutricio-
nista para o desenvolvimento de cardápios que respeitassem os hábitos alimentares de cada localidade e sua vocação agrí-
cola, dando preferência aos produtos in natura, além da prioridade na aquisição de “produtos de cada região, visando a
redução dos custos”. Os administradores, contudo, não sabiam ainda como realizar essas contratações e aquisições, já que
não havia modelos, experiências anteriores e nem legislações municipais para isso. “Mas houve uma mudança de menta-
lidade com foco em uma melhor nutrição das crianças, e a prefeitura passou a contribuir com 30% a mais do que os valo-
res enviados pelo Governo Federal, sendo que 20% eram destinados à compra de alimentos e 10% para equipamentos de
cozinha”, conta a coordenadora
Lucimar.
PROFISSIONAIS E INFRA-ESTRUTURA
A secretária montou então o embrião do que hoje é a
Coordenação de Merenda Escolar, ligada ao Departamento de Administração da Secretaria de Educação. Com isso foi possível
contratar as primeiras merendeiras e serventes para as escolas, que adaptavam cardápios enviados por fax pela Prefeitura de
São Paulo. A primeira turma de merendeiras trabalhava apenas nas 10 maiores das 33 escolas da rede com cerca de 1.200
alunos. Na época, a secretária de Dois Irmãos ainda era responsável pelas unidades educacionais dos distritos de Morro Reuter
e Santa Maria do Herval, que mais tarde se tornariam municípios independentes. Hoje são 35 serventes/merendeiras atuando
em 16 unidades educacionais (das 13 escolas de Educação Fundamental da cidade, apenas uma é particular) e atendendo a
mais de 3 mil alunos, sendo que 350 estudam em período integral e recebem três refeições diárias. “A decisão sobre quem vai
CHEGAM AS MERENDEIRAS
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43
“Como determina a lei, fomos
procurar os produtores da região para comprar frutas, verduras e legumes, mas eles não possuíam nota fiscal e, portanto,
não podiam participar das licitações”, relembra Hilária. Outro problema era a falta de opções de compra em um município
que hoje tem menos de 30 mil habitantes. “Quando fui contratada pela secretaria, em 1999, somente os dois maiores
supermercados da cidade supriam as condições legais para fornecer alimentos à merenda escolar”, recorda a nutricionista
Rozane Marcia Triches.
“Na verdade, nós nem sequer sabíamos o que se produzia na zona rural de Dois
trabalhar com comida e quem vai cuidar da limpeza dos estabelecimentos é feita nas escolas, levando em conta a aptidão que
cada funcionária demonstra”, esclarece Lucimar. “Somos como uma grande família, na qual o relacionamento e o diálogo
estão em primeiro lugar”, atesta a secretária Hilária. “Se surge algum problema, de qualquer tipo, sentamos e conversamos
para solucioná-lo.” A criação do CAE, ainda em 1994, também ajudou na organização e fiscalização das cozinhas. Desde
aquele ano, o conselho se reúne mensalmente e visita as escolas periodicamente.
Os primeiros produtos comprados diretamente pela prefeitura em 1994 foram os básicos: arroz, feijão e leite em pó. Aos pou-
cos, conforme as escolas recebiam geladeiras, também eram entregues carne bovina moída e carne de frango. Em 1996 a secre-
taria iniciou a construção de um “Núcleo de Controle de Qualidade” da alimentação escolar. Ao mesmo tempo, a merendeira
Anastácia Flech, que tinha muito contato com a Pastoral da Saúde da Igreja Católica na cidade, sugeriu a introdução de pro-
dutos naturais e passou para as colegas, durante os cursos de capacitação, apostilas sobre a utilização integral dos alimentos e
informações sobre a farinha multimistura. “Não chegamos a introduzir a farinha porque tínhamos um pouco de medo de usar
produtos muito novos que ainda não haviam sido liberados para a compra com a verba federal”, afirma Lucimar. “Mas vimos
claramente a necessidade de melhorar a qualidade da alimentação e introduzimos no Projeto Preparação para o Trabalho —
PPT a construção de hortas em todas as escolas. As crianças plantavam e colhiam as verduras para a merenda e podiam levar
o excedente para casa.” Com o aumento no número de alunos nos anos seguintes, contudo, muitas escolas tiveram de ser
ampliadas, com novas salas de aula tomando o lugar dos canteiros. Atualmente, apenas cinco unidades educacionais ainda
mantêm as hortas. Mas isso não significa que as crianças deixaram de comer vegetais frescos. Aos poucos, os legumes e as
verduras plantados nas escolas foram substituídos por outros vindos das propriedades rurais da região e mais tarde pelos vege-
tais produzidos no hortão da prefeitura. APOIO AOS PRODUTORES LOCAIS
D O I S I R M Ã O S
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Um dos produto-
res que já conta com esse apoio é o pequeno sitiante Cláudio Roberto Falkoski, que até dez anos atrás era proprietário de
uma indústria de calçados em Novo Hamburgo. Com a crise no setor calçadista no início dos anos 1990, ele decidiu fechar
a empresa e se mudar para o sítio de veraneio que possuía há mais de 30 anos. “Queríamos viver num local com mais saúde
Irmãos, muito menos o caminho para viabilizar as compras.” Sem pressa e com muito cuidado, a
Coordenação de Merenda Escolar passou a pesquisar quais produtos poderia adquirir no muni-
cípio ou nas cidades vizinhas. Eles também buscaram a ajuda do Sindicato dos Produtores
Rurais, da Emater/RS — Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica
e Extensão Rural — Ascar e da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural. A idéia de
Rozane era aprofundar a relação entre os agricultores e as entidades. Com isso elas poderiam
assessorá-los e capacitá-los a participar dos processos licitatórios. Esse trabalho deu origem à
cartilha intitulada Manual sobre Alimentação Escolar, editado em 2005, que dá um panorama do
setor, mostra em detalhes os processos de compra de alimentos pelas prefeituras e pelo Programa de
Aquisição de Alimentos da Conab, e traz ainda um resumo das experiências realizadas nas cidades de
Rolante, Sapiranga, Parobé e Dois Irmãos.
Realizadas em 2000 e 2001, as pesquisas para o manual atestaram o imenso potencial de produção da agricultura familiar. Os
principais problemas desses produtores eram exatamente descobrir o mercado consumidor correto e superar a burocracia
necessária para atingi-lo. Alguns precisavam também de apoio para certificar seus produtos junto à Vigilância Sanitária. Mas
o fato de os 24 municípios da região investirem juntos cerca de R$ 16 milhões anualmente para alimentar mais de 175 mil
alunos enchia os olhos de qualquer agricultor. Com esses dados em mãos, a prefeitura de Dois Irmãos decidiu fortalecer o
Serviço de Inspeção Municipal — SIM para que pudesse atender os produtores locais interessados em vender sua produção
para a merenda escolar com a devida autorização da Vigilância Sanitária. “A parceria entre o Sindicato dos Produtores Rurais,
Emater/RS — Ascar e SIM permitiu nos anos seguintes, por exemplo, que dois produtores de leite passassem a pasteurizar seu
produto, que hoje é consumido nas escolas e creches do município”, afirma Rozane. Mais tarde, outros produtores de geléias,
biscoitos coloniais, mel, granola, açúcar mascavo e sucos naturais também viriam a receber apoio dessas entidades e selo de
certificação do SIM para fazerem parte da merenda escolar do município. Para os próximos anos, piscicultores e até criadores
de coelhos também devem ser beneficiados.
A certificação de qualidade do produto
ajuda muito o pequeno produtor. A Vigilância
Sanitária pode orientar quanto aos padrões de
higiene exigidos.
DE CALÇADISTA A AGRICULTOR E INVENTOR
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e melhor qualidade de vida, mas não tínhamos realmente nenhuma experiência com plantação e por isso o começo foi
muito duro”, conta. “Ficamos dois anos aprendendo a trabalhar. Já tínhamos um pomar, iniciamos uma horta e fomos
pegando gosto pela coisa.” Hoje a propriedade de 1,5 hectare produz verduras para consumo próprio e para venda, galinhas
e ovos caipiras, doces e compotas artesanais, e uvas para suco e vinho. Foi numa das andanças de Rozane com o pessoal
da Emater que ela “descobriu” a propriedade dos Falkoski. “Além de orgânico, o suco de uva produzido aqui se distingue
dos demais por causa da forma artesanal de extração do sumo pelo vapor d’água em panelas especiais”, conta a nutricio-
nista. “Isso permite que o suco tenha um alto grau de resveratrol, uma substância muito importante para diminuir o
colesterol e evitar doenças cardiovasculares.”
Por meio do apoio da Emater e da Coordenação de Merenda Escolar, Falkoski
conseguiu o cadastro no SIM
em 2004 e passou a fornecer seus produtos para a Secretaria de Educação. Com isso, ele pôde investir no aumento e na melho-
ria da produção. Para homogeneizar o produto e tornar o sítio auto-sustentável, Falkoski desenvolveu um bio-digestor ino-
vador que transforma o esterco das galinhas, porcos e bovinos em um fertilizante natural para as plantações e ainda fornece
o gás metano utilizado para ferver a água nas panelas para a fabricação do suco. O processo é tão interessante que atraiu a
atenção de dezenas de outros produtores, até da China, durante o Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em 2005.
Naquele mesmo ano, quase metade dos 12 mil litros de suco de uva produzidos na propriedade, além de doce de leite, geléias
e cerca de mil dúzias de ovos caipira, foram entregues para o consumo dos alunos da rede pública. “Nosso filho mais novo,
Giovani Ramon, tomava o suco na escola e tinha muito orgulho de dizer aos colegas que era o pai que fazia”, conta a esposa,
Claudete Falkoski, responsável pelas conservas e doces. “E ele comentava em casa que a merenda toda estava mudando, com
muitos produtos integrais, que nós não tínhamos costume de consumir. Então eu tive de ir à escola para ver o que era e
aprender a cozinhar porque ele pedia sempre.”
A opção preferencial não só por ali-
mentos orgânicos e naturais, mas também por arroz, farinha e outros produtos integrais surgiria também entre 2003 e
2004, depois da primeira avaliação nutricional das crianças da rede pública. “Em 2003 fizemos uma ampla pesquisa dos
hábitos alimentares de todos os alunos entre oito e dez anos de idade, incluindo perguntas para os pais, para aferirmos,
CRIANÇAS GORDINHAS E INSATISFEITAS
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além de peso e altura, seus conhecimentos sobre a importância de uma nutrição correta, a prática ou não de atividades
físicas e ainda o nível de satisfação com o próprio corpo”, conta Rozane. O diagnóstico não foi dos melhores. Apesar de
não haver desnutrição, 5% dos alunos estavam abaixo do peso ideal. Bem mais preocupante, no entanto, era o número de
crianças acima do peso padrão para sua idade e altura: 18,3%. Pior do que isso somente a quantidade de meninos e, prin-
cipalmente, de meninas insatisfeitos com sua forma física: incríveis 70%! “Ficou claro na pesquisa o alto nível de práticas
alimentares inadequadas, como não tomar café da manhã e grande consumo de salgadinhos, refrigerantes e bolachas
recheadas. Além disso, boa parte dos meninos queria subir de peso para ‘ficarem mais fortes’ e quase todas as meninas
gostariam de emagrecer para ‘ficarem mais bonitas’”.
A pesquisa do ano seguinte, com foco maior nas atividades físicas, foi ainda mais assustadora. O índice de crianças com
sobrepeso pulou para 25%. “A qualidade da alimentação servida nas escolas já vinha melhorando, mas ao mesmo tempo os
alunos estavam cada vez mais sedentários, entretidos em casa principalmente com TV e videogames”, analisa. “Com o susto,
decidimos reformular completamente o cardápio e trocar alguns alimentos básicos como arroz, farinha de trigo e açúcar por
seus equivalentes integrais.” Para conseguir uma aceitação acima de 85% para os novos produtos, conforme exige a legisla-
ção, a Coordenação de Merenda Escolar teve que fazer um grande investimento na capacitação das merendeiras, que
em geral não sabiam como preparar esses alimentos. É aí que entra uma nova parceria, desta vez com a empresária
Ilsi Rowedcler Gassen Boll,
proprietária do restaurante e mercearia Casa Natural. Ex-funcionária de uma
indústria da região, Ilsi largou tudo e foi atrás do sonho de uma melhor qualidade de vida pela alimentação natural. Por
causa da tradição alemã, não havia na cidade nenhuma opção para quem procurasse refeições vegetarianas ou mesmo ali-
mentos mais saudáveis, orgânicos e integrais. Ao longo dos anos, sua loja de produtos naturais passou por diversos endere-
ços na cidade e tornou-se referência no setor.
“Há vários anos já vínha-
mos trabalhando na conscientização da população sobre os benefícios da alimentação natural. Por isso, em 2004 a prefeitura
nos procurou para montarmos um programa de palestras e treinamentos visando capacitar as merendeiras da cidade a pre-
pararem pratos mais gostosos, atraentes e nutritivos com base em produtos integrais”, resume Ilsi. Praticamente todas as
cozinheiras em atividade hoje na rede pública já passaram por seus cursos teóricos e práticos usando sempre a pauta de pro-
ALIMENTOS INTEGRAIS ENTRAM NA PAUTA
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dutos adquiridos pela Secretaria de Educação. “Nós falamos sobre as diferenças nos valores nutricionais dos produtos integrais
e a importância da criatividade na montagem dos pratos, que acabam contribuindo muito para a mudança da cultura ali-
mentar das crianças”, relata Ilsi. “E nas aulas práticas ensinamos, por exemplo, a maneira correta de cozinhar o arroz integral,
como preparar uma feijoada vegetariana em que a proteína animal é substituída por algas e proteína de soja, e como fazer
uma ‘nega gaúcha’, que é como uma ‘nega maluca’ feita com cacau e açúcar mascavo no lugar do chocolate.”
Márcia Saueressig Wendling,
diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Arno Nienow, concorda.
“De uns tempos para cá nossas merendeiras estão tendo, graças a Deus, vários cursos de capacitação nos quais elas buscam,
com a orientação da Coordenação de Alimentação e da nutricionista, oferecer um cardápio mais variado com pratos da cul-
tura alemã feitos com produtos integrais”, diz. Uma das profissionais que passou por esses cursos foi Rosana Conrad, uma
ex-auxiliar de escritório que foi trabalhar na escola por amor às crianças e à cozinha. “A merenda foi um desafio novo na
minha vida. Estou crescendo bastante, só em 2006 fiz três cursos em que aprendi, por exemplo, a fazer esse arroz de carretei-
ro integral que estamos servindo hoje”, conta. “Um dos motivos pelos quais trouxe meu filho para estudar aqui é a comida
natural, porque em casa só comemos produtos integrais.” Já Maria Helena Felix da Trindade,
merendeira há
sete anos, confessa que de início não acreditava na possibilidade de os alunos gostarem da alimentação integral. “Eu mesma
nunca tinha experimentado, e só de olhar achava ruim”, lembra. “Mas aqui na nossa escola as crianças se adaptaram facil-
mente e, como a gente tinha que dar o exemplo, eu também acabei aprendendo a comer e hoje compro alguns produtos
como cereais, granola e arroz integral para a minha casa.”
Um dos principais desafios da Coordenação de Alimentação foi substituir na merenda um produto típico do sul do
Brasil: a rosca doce chamada de ‘cuca’. “A cuca tradicional é praticamente só amido e açúcar, então tivemos de pesqui-
sar muito e tentar várias combinações para conseguir uma rosca parecida, só que mais saborosa e nutritiva”, conta Ilsi.
“A receita atual leva iogurte de soja, suco de laranja natural, farinha de milho orgânica, polvilho e óleo de girassol. O
problema é que fica complicado demais preparar as cucas na cozinha das escolas, por isso a prefeitura optou por comprar
a nossa produção.” Desde março de 2006 a Casa Natural fornece cerca de 300 cucas por mês para a prefeitura de Dois
D O I S I R M Ã O S
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Irmãos a R$ 5,70 a unidade. O preço para o público da loja é R$ 8,90. “Neste caso, nossa preocupação não é com o
aspecto financeiro, já que para as escolas a cuca sai quase a preço de custo, mas sim com os benefícios sociais que a
introdução desses alimentos traz na saúde das crianças”, diz. “No começo eu não imaginava a abrangência e o sucesso
que essa parceria com a prefeitura teria. Hoje, tenho certeza de que os alunos estão mais dispostos, mais saudáveis e
aprendendo melhor. E também por causa disso muita gente que pensava que esta era uma casa de produtos para diabé-
ticos, agora sabe do trabalho que realizamos. Afinal, este é mais do que um ponto comercial, é um lugar de convivência
e troca de informações. Acredito que se todas as lojas que comercializam refrigerantes, cigarros e bebidas alcoólicas pas-
sassem a vender alimentos naturais, viveríamos num mundo muito melhor. E eu certamente não os veria como concor-
rentes, mas sim como aliados.”
Sem dúvida a introdução de produ-
tos integrais mudou o perfil do consumo alimentar dos alunos da rede pública de Dois Irmãos e até de suas famílias. Mas
só isso não era o suficiente para derrubar os altos índices de sobrepeso das crianças em idade escolar. Além disso, os ali-
mentos integrais são sempre mais caros que seus equivalentes comuns e sua aquisição poderia causar um forte impacto
financeiro no orçamento da merenda escolar. A solução encontrada pela prefeitura foi simples e brilhante: produzir ela
mesma todas as verduras, legumes e, no futuro, as frutas consumidas nas escolas do município. O responsável pelo proje-
to é João Alberto Stoffel,
que por 12 anos foi secretário municipal de serviços urbanos. “Toda pessoa tem que
saber a hora de sair. Eu trabalhei na roça com meu pai por mais de 20 anos antes de ser secretário. Por isso, quando avisei ao
prefeito que iria largar a secretaria em 2004, ele me perguntou se eu não queria reativar o horto da cidade, que estava aban-
donado há mais de 10 anos. Eu aceitei. Estava tudo destruído, cheio de mato. Então roçamos, passamos o trator e fizemos os
canteiros. Levei três meses para começar a produzir e seis meses para regular direitinho o que as escolas precisam e pedem.
Hoje temos 11 tipos de verduras, legumes e temperos. Temos couve-flor, alface, nabo, rabanete, radicci, rúcula, couve, cenou-
ra, beterraba, milho, pepino, aipim, batata-doce, alho, cebola, chicória, salsinha, cebolinha, vargem… Forneço para os 3 mil
alunos das escolas, 350 do Global (período integral) e mais umas 2 mil crianças da creche. Tudo sai daqui.”
O secretário que voltou a ser agricultor tem apenas um ajudante para cuidar do hortão de dois hectares de Dois Irmãos.
PRODUZINDO AS PRÓPRIAS VERDURAS
Q U E M P L A N T A , C O L H E
49
É bastante trabalho, mas ele não reclama. “O segredo mais importante é ter amor ao que se faz. Não pode ter vergonha
de estar sujo, usar bota, chapéu de palha… Se não fizer isso não adianta. Eu não tenho hora nem dia pra pegar e largar
no serviço. E não ganho hora extra. Faço porque gosto. Nunca falhei uma entrega, nem uma semana. Estou satisfeito e
orgulhoso, principalmente porque sei que estou fornecendo um produto saudável para as crianças. É tudo natural, sem
agrotóxico. Não digo isso só porque a gente mesmo planta. Mas a qualidade é bem melhor do que as verduras que se
vendem nos mercados. Usamos só esterco de galinha misturado na água como adubo. Quando se usa agrotóxico, o pro-
duto pode até ficar mais vistoso para quem não conhece. O nosso às vezes não fica tão grande… Mas veja só como estão
bonitas as minhas verduras. Olha o peso desse repolho! A gente tem nossos segredinhos. Olha, esse é pra colher agora.
Ali mais adiante a gente colhe na semana que vem.” A coordenadora Lucimar concorda com ele e acrescenta: “Nunca
mais as crianças e merendeiras reclamaram das verduras. Nosso telefone tocava toda semana por causa dos elogios. E o
sabor não tem comparação”.
Para Stofell, o problema de se adquirir as verduras de
produtores que também fornecem à Ceasa, às feiras livres e ao supermercados é que fica mais difícil controlar a qualidade.
“É natural do ser humano, é um negócio. A pessoa que ganha uma licitação com preços baixos vai naturalmente entregar
as sobras, o que não conseguiu vender para os supermercados. Aqui, não. Tudo é repartido igualzinho para as escolas. E
tudo da melhor qualidade”, diz. Mas nem por isso os custos do hortão são maiores do que o das verduras do mercado.
Aliás, acontece exatamente o contrário. Segundo os cálculos da Emater/RS, se um supermercado fosse comprar toda a pro-
dução do hortão no ano de 2005 teria gasto o equivalente a R$ 34 mil. Se fosse revender para a prefeitura, o preço seria
ainda maior. O investimento total no hortão naquele ano, incluindo sementes, insumos e os salários dos dois funcionários,
foi de cerca de R$ 25 mil. Uma economia, por baixo, de R$ 9 mil. Isso sem contar que a produtividade vem crescendo ano
após ano (a previsão de fechamento de 2006 estava em R$ 40 mil), enquanto os custos permanecem praticamente os mes-
mos. “Esse é outro orgulho que a gente tem. A horta dá lucro!”, brinca Stofell. E a nutricionista Rozane confirma a infor-
mação: “Esse é um dos motivos pelos quais não percebemos o impacto dos preços mais altos dos produtos integrais, que
são mais caros, no orçamento da merenda”.
Com o sucesso da experiência, as plantações da prefeitura para abastecer as escolas devem continuar. “Temos um projeto
para limpar esse terreno para cima da horta, que também é do município, e plantar árvores frutíferas. Pretendemos ter
laranja de vários tipos, bergamota, pêra, abacate e caqui. Já temos 85 pés de laranja e bergamota e queremos fazer a pri-
PREÇOS ABAIXO DO MERCADO
D O I S I R M Ã O S
50
meira colheita em dois anos. Outra idéia é fazer um canteiro só para plantas medicinais, pra fazer chá pras crianças”,
adianta Stofell. “É assim que a gente faz educação nutricional: não forçando a comer, mas produzindo alimento que tem
sabor, é bonito, estimula a criança a querer experimentar”, conclui a nutricionista. “Até os anos 1990, a merenda não
passava de um apêndice, uma coisa a mais que o estado oferecia. Hoje a alimentação escolar é parte integrante e funda-
mental do ensino. Essa é a verdadeira escola: preparar as pessoas para a vida! O ser humano não vem pronto, ele tem que
aprender. Se a família tem que trabalhar e não pode dar a orientação correta, é obrigação dos professores falar, falar e falar
de novo. Ensinar a plantar, a colher, dar educação alimentar e ambiental para os alunos”, afirma a secretária Hilária. “Desse
modo, tentamos evoluir junto com o próprio FNDE, nos ajustando para fazer tudo dentro da ordem.”
CON
CÓRD
IA (S
C)PARCERIAS PARA ENFRENTAR O NOVO
Além de uma alimentação com qualidade
a merenda escolar pode trazer enriquecimento
e desenvolvimento ao município.
De que maneira isto pode acontecer?
População 63.058
Área da unidade territorial (km²) 797Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,875
Menor IDHM do Estado 0,680
IDHM de Concórdia 0,849Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 58
Receita municipal R$ 59.026.263,96
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 188.259,60
Complementação do município para compra de alimentos R$ 211.903,65
Alunos atendidos 7.693
Refeições servidas 1.364.200Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Concórdia (SC)
0,680 a 0,762 (60)
0,763 a 0,787 (58)
0,788 a 0,802 (58)
0,803 a 0,818 (59)
0,819 a 0,875 (58)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Santa Catarina
Experiência premiada na categoria Desenvolvimento Local – 2005 A compra de alimentos da produção local pela prefeitura de Concórdia movimenta cerca de
12% do gasto com gêneros alimentícios. São adqui-ridos vários produtos da cooperativa de produção
agroindustrial familiar que envolve 163 produtores.
P A R C E R I A S P A R A E N F R E N T A R O N O V O
53
Para muitos municípios, a continuidade — sem sobressaltos
— de projetos e pessoal de administrações anteriores é fundamental para o bom funcionamento de várias áreas sob res-
ponsabilidade da prefeitura. Mas quando grupos políticos antagônicos se sucedem, às vezes é preciso recomeçar do zero.
A experiência de Concórdia, no oeste de Santa Catarina, é exemplar. A atual administração, depois de uma difícil batalha
eleitoral em 2000, decidiu trocar totalmente as equipes de gestão nos vários níveis da administração. Os processos de
compra, licitações e parcerias também tiveram de ser completamente reformulados, sem que houvesse alguém do governo
anterior para ensinar como fazê-los.
Mesmo assim, a nova equipe da Secretaria Municipal de Educação — SME, apesar de contar com profissionais de pouca
experiência no setor público, encarou o desafio. Todas as escolas foram reformadas ou receberam novos equipamentos,
incluindo utensílios de cozinha. Hoje existem refeitórios nas 45 instituições de ensino, muitas com auto-serviço, e 36 pos-
suem hortas. Foi contratada uma nutricionista, o Conselho de Alimentação Escolar — CAE tornou-se mais atuante e todas
as merendeiras estão passando por cursos de capacitação periódicos. O governo local investe anualmente na merenda um
valor superior ao entregue pelo FNDE e possui ainda uma forte parceria com o Programa Fome Zero para fornecimento de
frutas, verduras e outros alimentos orgânicos produzidos por 71 famílias da região sem custo para a prefeitura, já que a verba
para a compra vem direto do governo federal por meio do Programa de Aquisição de Alimentos — PAA da Companhia
Nacional de Abastecimento — Conab.
“Nós entendemos que a escola tem que funcionar como um todo. Todas as atividades que envolvam alunos, pais, professores
e funcionários têm que ser trabalhadas no coletivo com base na realidade de cada unidade educacional”, afirma Santo
Hermínio de Luca, secretário municipal de Educação. “A alimentação escolar é importante para o processo de formação e
também de aprendizado do aluno, integrando em sala de aula os conteúdos das diversas áreas e disciplinas. Além, claro, da
certeza de que uma criança bem alimentada aprende melhor. É preciso destacar ainda a integração e parceria da SME com
TRADIÇÃO E REVOLUÇÃO
C O N C Ó R D I A
54
secretarias como a de Agricultura no fornecimento de técnicas e servidores para formar as hortas,
de Urbanismo nos consertos e infra-estrutura, a de Comunicação para divulgação dos feitos, etc.
Também é fundamental a atuação do CAE, que está muito bem estruturado e ativo, tanto que
tem sido convidado a participar de seminários e palestras em eventos do FNDE para mostrar
nossa experiência. Para isso, aumentamos a cobrança sobre todos os departamentos e adota-
mos uma política de visitas pessoais a todas as escolas e participação nas assembléias de pais
e professores. É lá que fazemos as prestações de contas, com total transparência. Por último, o
prefeito atual decidiu, desde que assumiu a administração, investir na educação sempre mais do
que os 25% definidos por lei. Deste modo, em 2001 aplicamos na área 28,22% do orçamento total
do município; no ano seguinte foram 30,91%; em 2003, 27,66%; 2004 teve 27,34%; 29,84% em 2005 e
a previsão para 2006 era de 28% a 29%, o que significa quase R$ 2 mil por ano por aluno. Esses recursos melhoraram não só
a alimentação como também a infra-estrutura, com reformas e compras de equipamentos, e refletiu até nos bons resultados que
obtivemos na Prova Brasil de 2005.”
O Conselho de Alimentação Escolar tem
um importante papel na fis-calização da merenda; os con-selheiros devem visitar as esco-las, experimentar a merenda servida aos alunos e conferir
a qualidade e a quanti-dade dos alimentos.
Antes de entrar para a Prefeitura de Concórdia,
a hoje chefe do Departamento Administrativo da Secretaria de Educação, Neusa Schmidt Gugel,
havia tra ba-
lhado por muitos anos em uma concessionária de veículos da cidade. Seu único contato com a política se dava por meio da
atuação em movimentos sociais. Por isso, ela estranhou muito o convite do prefeito Neodi Saretta para fazer parte da equipe
da SME. “Eu não tenho formação em pedagogia, nunca trabalhei no setor público e não imaginava como as coisas funciona-
vam no município”, conta. “Para piorar, não ficou quase ninguém da administração anterior pra ensinar, pra dizer como
fazer. Não tínhamos noção nem de quanto dinheiro viria do Governo Federal. Só sabíamos que as aulas iam começar, que
tínhamos que alimentar 7 mil alunos e ainda distribuir material escolar, porque fazia parte do nosso programa de governo.”
O primeiro passo foi buscar apoio do governo da cidade vizinha de Chapecó. “Eles nos indicaram o site do FNDE para ver
que produtos podíamos comprar, como funcionam as licitações, etc. Eles também nos deram pastas e apostilas sobre alimen-
tação escolar. Eu lia o tempo todo, dia e noite, porque tinha medo de fazer alguma coisa errada. Nossa maior preocupação
era encher as despensas para alimentar as crianças naquele primeiro período de 2001”, recorda. “Na primeira licitação não
APRENDENDO COM A PRÁTICA
P A R C E R I A S P A R A E N F R E N T A R O N O V O
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tínhamos nutricionista e, por inocência, não pedimos amostras dos alimentos. Com o tempo aprendemos e começamos a
exigir sempre amostras, alvarás sanitários, etc.”
Neusa afirma que no início houve muita chiadeira dos fornecedores. “Nessas horas eu sempre perguntava: ‘O senhor tem filho
na escola? O senhor gostaria de ver seu filho comendo um produto sem inspeção sanitária? Então! O que a gente não quer pra
gente não deve entregar para os outros’”, conta. “Havia ainda muitos problemas com as quantidades. Tivemos que começar a
mandar auditores atrás dos caminhões para pesar os volumes entregues e depois cobrávamos a diferença. Hoje somos muito
rígidos com isso. Se foi licitada uma determinada marca, tem que entregar aquela! Em 2004 veio o pessoal do Tribunal de Contas
auditar nossas licitações e não acharam absolutamente nada errado.” Ela explica que atualmente a prefeitura conta com uma
comissão para análise das amostras formada por representantes do CAE e da secretaria e pela nutricionista. Com o produto
aprovado, o responsável pelo almoxarifado guarda as amostras durante todo o tempo da licitação para comparar com as entre-
gas. “Ele é o primeiro a fazer o aceite ou a recusa. Se tiver alguma dúvida, entra em contato com a administração ou, preferen-
cialmente, com a nutricionista. Recentemente, por exemplo, tivemos o caso do vinagre. Estava licitado um determinado tipo e
a primeira entrega veio correta, mas da segunda em diante o fornecedor quis entregar outro produto, inclusive com álcool que
não compramos de jeito nenhum. A marca era a mesma, mas o produto, não.”
A orientação dada às merendeiras é semelhante. “Se elas perceberem algum problema, também podem chamar a gente ou o
CAE para verificar. Em toda capacitação sempre falamos para terem cuidado e atenção, especialmente com os hortifrútis.
Explicamos que não temos fôlego para acompanhar todas as entregas e, quando elas assinam a ficha de recebimento, tornam-
se as responsáveis pelos alimentos que serão distribuídos aos alunos. Por isso, mandamos para as escolas a relação de produtos
bem especificada, com toda a descrição detalhada. Por exemplo: tomate fresco, semimaduro, sem batidas, tamanho médio, peso
120 gramas”, comenta Neusa. “Se não estiver de acordo, mandam devolver. No começo os fornecedores reclamavam muito,
mas viram que não adiantava e quem queria continuar fornecendo se adaptou. Tem fornecedor também que desistiu, mas esses
é melhor que nem venham mesmo participar das licitações.”
Sede de um dos
maiores frigoríficos do Brasil, Concórdia é líder nacional na produção de suínos e aves e possui a maior bacia leiteira de
Santa Catarina. Mas, diferente de outras regiões do país devido ao modelo de colonização dos descendentes de italianos e
alemães vindos do Rio Grande do Sul a partir de 1920, lá não existem latifúndios. O sistema de produção é baseado em
pequenas propriedades familiares e granjas que abastecem os grandes frigoríficos por meio de cooperativas de produção.
Se por um lado o sistema mantém o homem no campo e distribui a renda pelas famílias, por outro “amarra” o produtor
TRADIÇÃO DE COOPERATIVISMO
C O N C Ó R D I A
56
a contratos de fornecimento e permite poucas alternativas de produção. E pior, se a necessidade da grande agroindústria
está suprida, o produtor não tem para quem vender. “Desde os anos 1980, com o chamado ‘novo sindicalismo’ e o apoio
das pastorais da Igreja Católica, os movimentos sociais se intensificaram tanto na cidade como no campo”, conta
Ruimar Scortegagna,
encarregado da seção de agregação de valor da Secretaria de Agricultura. “Na
zona rural, a tradição das pequenas propriedades e do cooperativismo ajudou muito nesse processo, especialmente
depois do lançamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf. Consideramos a
cooperativa tradicional muito mais uma estrutura de fornecimento para a grande agroindústria do que um instru-
mento voltado para a melhoria na qualidade de vida do pequeno produtor. Por isso, o objetivo principal das novas
cooperativas que estamos apoiando é a legalização dos produtos para o mercado, viabilizando as pequenas agroin-
dústrias familiares para que possam alcançar o consumidor diretamente, sem a necessidade de ‘amarrar’ os agricul-
tores em contratos apenas com os grandes frigoríficos.”
“Quando viemos para o governo tínhamos uma grande angústia do ponto de vista administrativo e do suprimento de
alimentos do município, porque comprávamos produtos vindos do Paraná ou do Rio Grande do Sul e não podíamos com-
prar dos agricultores que trabalhavam em nossa própria região. O impedimento era a Lei de Licitações. O produtor não
tinha capacidade de concorrência com os supermercados e grandes atacadistas”, explica Alziro Mezalira Corassa, assessor
de planejamento da prefeitura. “Com a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos da Conab, vencemos o pro-
blema jurídico da necessidade de concorrência pública. Em 2003, depois da vinda do Presidente Lula e do
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, montamos o Conselho
Municipal de Segurança Alimentar para discutir com a sociedade organizada como poderíamos
utilizar o PAA da melhor forma possível. Era um grande desafio, porque tínhamos que mudar
toda a cultura do produtor, de quem fazia o gerenciamento e do consumidor, para que cada
um assumisse sua parte no processo. Por meio de muito diálogo e paciência, enfrentamos as
resistências e, apesar da desconfiança nos programas do poder público, conseguimos conven-
cer 46 produtores a aceitar o desafio. O critério nesse momento, até para derrubar a barreira
da falta de credibilidade, foi que poderiam aderir com o que pudessem produzir. Com as enti-
dades consumidoras foi bem mais fácil, afinal elas tinham a necessidade.”
O Programa de Aquisição de
Alimentos permite a compra direta da agricul-tura familiar, sem passar
pelo processo tradicional de licitação. Procure a Conab
para mais informações: www.conab.gov.br.
P A R C E R I A S P A R A E N F R E N T A R O N O V O
57
O SUCESSO DA COMPRA DIRETA O primeiro
projeto de Compra Direta Local da Agricultura Familiar – CDLAF conseguiu reunir uma pauta
de 27 produtos distribuídos para 10 entidades que até então não recebiam apoio direto da
prefeitura. Mas foi a partir do segundo CDLAF, em 2004, contando já com a criação da
Cooperativa de Produção Agroindustrial Familiar de Concórdia — Copafac, agregando 34
produtos de 59 agricultores, que o programa passou a fornecer alimentos também à meren-
da escolar. O valor total do programa também subiu de R$ 111 mil para quase R$ 140 mil.
“No segundo CDLAF, mudamos um pouco o viés de utilização dos produtos. Além das entida-
des, passamos também a oferecer uma suplementação de produtos para merenda escolar aos 13
Centros Municipais de Educação Infantil — CMEIs (num total de 1.079 crianças de zero a seis anos) e 24
escolas de Ensino Fundamental (7.773 alunos)”, diz Corazza. “Obviamente ainda não temos capacidade para suprir todas as
necessidades de alimentos da Secretaria de Educação, mas é um complemento importante, que deu fôlego ao orçamento da
SME; ao mesmo tempo, conseguimos viabilizar um volume maior de produção para os agricultores.” Desse modo, o tercei-
ro projeto, de 2006, contemplou 71 produtores familiares com um investimento total de R$ 174 mil. Mas o grande salto
deve ser dado em 2007, com 186 agricultores e um valor perto de meio milhão de reais.
Com a distribuição dos produtos do PAA na merenda escolar, houve certo impacto no orçamento da área. “O valor em dinheiro
nem é assim tão significativo. Em 2005, por exemplo, economizamos cerca de R$ 32 mil principalmente com hortifrutigranjeiros
que deixaram de ser adquiridos por licitação com nossos fornecedores tradicionais”, calcula Neusa. “Como não houve di minuição
no orçamento total para o setor de alimentação das escolas, esse dinheiro ‘extra’, que faz parte da contrapartida da prefeitura e
não da verba do FNDE, pôde ser investido em melhorias nas cozinhas e na compra de eletrodomésticos e utensílios. Mas a me -
lhor parte é a qualidade dos alimentos provenientes do Programa Fome Zero na mesa das crianças e o estímulo à economia rural
de nossa região.” Sem dúvida, a trajetória de sucesso na parceria da Prefeitura de Concórdia com a Conab e o governo federal
no PAA mudou não somente a pauta de produtos disponíveis para a merenda escolar, como também a vida de dezenas de
pequenos produtores cujo futuro não parecia nada promissor.
“Era imensa a quanti dade de
famílias sendo desagregadas, com as pessoas vindo para a cidade trabalhar como empregados, sem perspectiva de voltar para o
campo, propriedades perdendo seu valor e gente perdendo sua história…”, recorda Corazza. “Não temos nenhum estudo cien-
VIDA NOVA NO CAMPO
A compra de ali-mentos produzidos pelo
pequeno agricultor possibil-ita a circulação de recurso
na região, ajuda no desenvol-vimento e permite a oferta
de produtos frescos no cardápio escolar.
C O N C Ó R D I A
58
tífico, mas sabemos de pelo menos oito famílias que teriam migrado para a cidade entre 2005 e 2006 se não fossem os projetos
do PAA. São pessoas dizendo claramente que não vêm mais para a cidade porque agora têm qualidade de vida no cam po. É
muito bonito ver gente que, em vez de precisar do auxílio dos programas sociais da prefeitura, hoje está produzindo alimentos
para esses mesmos programas sociais e adquirindo bens e serviços. Só a instalação das nossas 34 pequenas agro in dústrias fami-
liares tem um imenso impacto econômico e social. Este é um dos motivos por que nós não temos desem prego em Concórdia.
Ao contrário, nós temos uma migração grande de pessoas de fora que vêm buscar trabalho aqui.”
Um bom exemplo disso é a família Battistela. A matriarca Angelina
conta que os três filhos adultos e for ma-
dos deixaram recentemente a cidade para voltar ao campo e ajudar na produção de beterraba, cenoura, chicória, alface,
re polho, laranja… “Nenhum deles quis ficar na cidade e até vendemos a casinha que tínhamos lá para comprar outro lote
aqui”, diz. “No sítio temos de tudo um pouco e só usamos adubo orgânico, já que criamos algum gado em outra propriedade.”
O agricultor Plínio Dannebrok, por sua vez, vendia alho na Casa do Produtor, mas o volume não permitia uma segurança
financeira. “Às vezes o comércio ficava fraco, tinha muita produção e a gente acabava perdendo dinheiro”, comenta. “Com o
Fome Zero, não. Sempre dá pra fechar bem a cota e às vezes tirar até um pouco mais. Se não tivesse esse dinheiro garantido a
gente ia estar bem amarrado. Então estamos produzindo laranja, bergamota e alho. Tinha iniciado também mandioquinha,
mas perdi por causa da estiagem. Tenho dois filhos na escola municipal que estão comendo o que a gente produz. Antes isso
não acontecia porque a prefeitura comprava dos distribuidores. E daqui é melhor porque a gente sabe como produz.”
Outros agricultores saíram da simples produção agrícola para a agroindústria, como o senhor João Volpini. Ele e mais
oito ami gos formaram uma associação para plantar cana e produzir açúcar e melado. “No início a gente pensava apenas
em fazer cachaça pra vender, mas aí os técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
— Epagri/SC, da Secretaria de Agricultura e o pessoal do Sindicato dos Trabalhadores Rurais passaram a nos incentivar
a produzir o açúcar mascavo e o me lado. Eles diziam que tinha mercado, mas a gente não via. Em 2003, com recurso
do Pronaf, financiamento do BNDES e mais R$ 4 mil do bolso de cada um construímos o engenho. Mas foi com a entra-
da do Programa Fome Zero em 2004 que a pro dução e a venda aumentaram, inclusive nos supermercados da cidade”,
conta Volpini. “Sem a compra direta da Conab isso não seria possível. Com eles temos garantida a venda de 554 quilos
de açúcar por mês. Desses, 210 quilos vão direto para a me ren da escolar. O açúcar é fonte de vitaminas, um produto
natural e muito saudável. Eu mesmo tenho um filho, hoje com 30 anos, que teve muitos pro ble mas de intestino quan-
P A R C E R I A S P A R A E N F R E N T A R O N O V O
59
“Os produtos adquiridos diretamente
dos produtores locais se tornaram muito importantes na merenda, porque são naturais e vieram diversificar o lanche das
crianças”, comenta a nutricionista da Secretaria de Educação, Sirlei Michelotti.
“Temos, por exem plo,
o melado de cana, que é um alimento natural, o açúcar mascavo, que é fonte de vitaminas, a laranja, que sabemos exa ta-
mente de onde vem e é produzida de forma orgânica, além das verduras bem mais frescas, livres de agrotóxicos, sem as
batidas de transporte e com uma qualidade e valor nutricional muito melhores. Agora podemos oferecer frutas numa fre-
qüência bem maior e introduzimos as saladas no cardápio diário. Os dois únicos produtos de nossa pauta que continuam
vindo enlatados são a sardinha e a ervilha. O restante é tudo in natura. Com isso, estamos mudando os hábitos alimenta-
res das crianças, acostumadas com comidas industrializadas que não fazem bem à saúde. Muitos alunos simplesmente não
conheciam o mel, que recebemos também do Programa Fome Zero. Tínhamos que insistir para provarem.” Como nutri-
cionista é um cargo recente na SME de Concórdia, instituído somente em 2002, fica difícil ter uma idéia de como era a
situação nutricional das refeições servidas aos alunos antes disso. Mas os relatos de quem já alimentava essa criançada
trazem dados interessantes.
Neusa Fávero é merendeira há seis anos. Ela conta que quando começou a trabalhar na Escola
Santa Cruz não havia um cardápio definido. “As tias faziam um lanche com o que tinha.
Agora tem mais frutas, verduras, carnes. A gente não tinha esses derivados de leite, queijo,
açúcar mascavo, mel. Mudou muita coisa. E as crianças gostam bastante do que a gente
faz. Esta semana mesmo, teve torta de bolacha e em duas servindo a gente quase não
vencia. Afinal, são 370 alunos! Nós também não tínhamos cursos de reciclagem e aperfei-
çoamento pra aprender o que as crianças devem comer nas escolas. Eu aprendi muita coisa
com as nutricionistas. Como utilizar os alimentos, armazenar e conservar. E aprendi tam-
Cardápio variado faz da hora
da merenda um momen-to especial! Mas a oferta de
um prato novo deve ser acompanhada de observação
e controle de sobras para verificar a aceitação dos alimentos por parte dos
alunos.
do tinha quatro anos. Naquela época a gente já produzia um pouco de açúcar mascavo pra consumo próprio e o médi-
co disse que esse era o melhor remédio pra ele. Hoje, as crianças da escola pública consomem o açúcar mascavo, o que
não acontecia com meu filho.” ALIMENTOS MAIS FRESCOS E NATURAIS
C O N C Ó R D I A
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bém a fazer receitas novas. Quando colocaram a carne suína nas escolas, todas as merendeiras
aprenderam a fazer um prato e todas experimentamos para ajudar na aceitação das crianças.
Por exemplo: pizza de carne suína. Ai! Quando me falaram isso eu não achei que dava certo,
não. Depois vi que fica até mais gostosa do que pizza de carne ou de frango. Fica muito
boa mesmo. Outra mudança foi na cozinha, que era pequena, não tinha lugar pra guardar
as panelas, nem armário com telinha pra proteger os alimentos. Ficava tudo assim numas
prateleiras abertas. Eu gosto de trabalhar com comida e graças a Deus nunca uma criança
veio me dizer que não gostou do almoço ou que fez mal.”
Ainda mais antiga na rede municipal de Concórdia, Terezinha Luísa Hikt trabalha há 16 anos
como merendeira e zeladora. Ela já passou por escolas de todo tipo, desde pequenas unidades
educacionais rurais até as maiores escolas do município. “A melhoria hoje é de 100%, não só em
matéria de alimentos, mas também das próprias cozinhas. Agora a higiene é total, não entra uma merendeira pra cozinhar
se não estiver com a touca na cabeça e vestindo jaleco. Teve época, na Escola Santa Rita, que a gente tinha que lavar toda
a louça pra depois poder servir o lanche. Nós forrávamos as prateleiras com papel de bobina, mas cansei de jogar comida
fora porque o pacote estava furado. Eu tenho um filho que fez faculdade e ele me dizia pra não usar farinha ou arroz de
saco que estivesse com furinho porque algum rato podia ter passado e feito xixi ali. Isso não poderia acontecer. Hoje é tudo
com acompanhamento da nutricionista seguindo o controle de data de validade. Antes não tinha uma cenoura, uma fruta,
nada. No começo, quando eu entrei pra trabalhar, vinha tudo em pacote: uma carne de sol que tinha de usar três panelas
de água quente para conseguir amolecer, tirar o sal, o cheiro e a criança comer. Vinha também um arroz de carreteiro
pronto que a gente colocava um pacote na panela e enchia até a tampa. E às vezes atrasava meses e a gente tinha que ligar
no supermercado pra pegar os ossos ou então a Sadia doava miúdos de galinha e de porco congelados. Quase não tinha
carne, era só carcaça e gordura. Hoje a prefeitura manda sobrecoxa de galinha, carne suína, bovina, queijo, leite, margari-
na, mel, açúcar mascavo. Antigamente não tinha nada disso.”
Outra mudança grande foi a introdução, a partir de 2003, do sistema de auto-serviço, em que os alunos escolhem o que e
quanto querem comer. A escola pioneira na rede foi o Grupo Escolar Parque das Exposições. Lá a merendeira Marta
Lorenzetti trabalha há mais de 14 anos e também comenta as melhorias em infra-estrutura e variedade de alimentos. “Eu
acho uma coisa maravilhosa as crianças se servirem. Cria independência e tem menos desperdício. Eu oriento sempre eles
para não pegarem mais do que vão comer e eles fazem isso em casa também”, diz. “Antigamente não havia um cardápio
aqui na escola e a gente tinha que inventar junto com a diretora o que ia servir usando o que mandavam. Nunca vinham
Mudar hábitos de higiene não é muito fácil; por isso, é
preciso estar sempre observan-do e avaliando o trabalho dos manipuladores de alimentos e
ir introduzindo os novos hábitos.
P A R C E R I A S P A R A E N F R E N T A R O N O V O
61
Com a equipe agora já experiente,
a infra-estrutura melhorada e os programas governamentais fazendo sucesso, o novo desafio do prefeito de Concórdia,
Neodi Saretta, é exatamente o oposto do que encontrou no início de seu primeiro mandato: garantir a continuidade dos
bons projetos e conquistas, independentemente de quem vier a administrar o município no futuro. Trata-se de transformar
as ações de um governo em políticas públicas permanentes. Para isso, a sociedade civil do município precisa contar com
sua própria capacidade de organização e fiscalização. E, para isso, é fundamental o fortalecimento dos Conselhos de
Alimentação Escolar e de Segurança Alimentar. Afinal, eles têm não somente a função como também a responsabilidade
de manter a qualidade das refeições consumidas dentro e fora das escolas.
coisas como batata-doce, alface, farinha integral, mel. Agora usamos esse forno a lenha para fazer pão, pizza e torta salga-
da, que as crianças pedem sempre. Elas gostam também das verduras da nossa horta. Hoje mesmo comeram repolho e
amanhã vou colher beterraba. Eu é que cuido da horta, mas cada um tem uma plantinha ou uma florzinha. Temos alface,
couve, alho, milho branco, salsa, cebolinha, manjerona…” A VOLTA DO PARAFUSO
ARA
XÁ (M
G)
VONTADE, INVESTIMENTO E RESULTADOSMelhorar a qualidade da merenda depende da decisão
política. O município de Araxá, complementa com
3,5 vezes o valor que é repassado pelo FNDE.
O que mais pode ser feito?
Experiência premiada na categoria Nacional – 2005 A prefeitura compra frutas, legumes e verduras da Associação dos Produtores de Hortifrutigran-
jeiros de Araxá (Asshorgran) para a alimentação escolar. O município instituiu a Lei nº 3651, em 2000,
que cria o Programa Municipal de Incentivo à Produção de Hortifrutigranjeiros de Araxá, o Pró Horta, visando
beneficiar os produtores locais. Do cardápio fazem parte produtos regionais como canjiquinha e tutu de feijão. Araxá foi também vencedora na categoria Região Sudeste na edição 2006 do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar.
População 78.997
Área da unidade territorial (km²) 1.165Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,841
Menor IDHM do Estado 0,568
IDHM de Araxá 0,799Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 28
Receita municipal R$ 90.724.455,42
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 229.549,20
Complementação do município para compra de alimentos R$ 803.633,61
Alunos atendidos 16.092
Refeições servidas 1.663.400Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Araxá (MG) – Nacional
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Minas Gerais
0,568 a 0,667 (171)
0,668 a 0,707 (171)
0,708 a 0,743 (175)
0,744 a 0,770 (173)
0,771 a 0,841 (163)
V O N T A D E , I N V E S T I M E N T O E R E S U LT A D O S
65
TRADIÇÃO, PARCERIAS E INOVAÇÃO
Estância hidromineral locali-
zada entre as serras da Bocaina e da Canastra, Araxá é famosa por suas águas termais, bom clima para agricultura e mulhe-
res fortes como Dona Beja. Segundo a lenda, foi sua influência sobre o então ouvidor da Coroa Portuguesa, com quem
mantinha um caso amoroso, que levou Goiás a devolver as terras do Triângulo Mineiro para o estado de Minas Gerais.
A cozinha de Araxá também tem longa tradição histórica, misturando influências portuguesa, de escravos, de índios e mais
recentemente dos chefs internacionais contratados pelo Grande Hotel, onde estão localizadas as fontes minerais. Atual-
mente com cerca de 80 mil habitantes, o município mantém como motores econômicos a agropecuária e o turismo, além
da mineração desde os anos 1950. Com o progresso e o aumento da população, foram construídas 17 unidades de ensino
na rede pública municipal, sendo cinco escolas rurais, para atender aos quase 9 mil alunos.
Desde 2001 as escolas contam com o apoio de uma nutricionista para a criação de quatro cardápios balanceados diferentes,
respeitando os hábitos alimentares da população e as necessidades específicas de cada região do município. O tempero
caseiro dos pratos é fabricado pela Associação de Assistência ao Deficiente de Araxá — FADA. As merendeiras passam por
capacitações periódicas inclusive com cozinheiros de destaque nacional. As verduras, legumes e até algumas frutas e quei-
jo são adquiridos diretamente de 40 produtores familiares organizados na Associação dos Hortifrutigranjeiros de Araxá
— Asshorgran. O Conselho de Alimentação Escolar é atuante, fiscalizador e está engajado na luta pelo fim das cantinas
escolares, que já não comercializam mais doces e guloseimas. Enfim, um projeto de evolução constante que deve incluir
em breve outras inovações, como o leite materno para os bebês mais necessitados nas creches.
A R A X Á
66
A secretária de Educação, Dona Marlene Borges Pereira,
também acredita na continuidade das parcerias e projetos se eles forem transformados em políticas públicas. Antes de ocupar
o cargo, nas duas gestões do prefeito Toninho, ela atuou por 10 anos como professora e foi diretora de escolas de rede estadu-
PLANEJAMENTO, PRIORIDADES E PARCERIAS Para o prefeito
Antonio Leonardo Lemos
de Oliveira, o Toninho, a ampliação dos recursos destinados à merenda escolar é uma questão de vontade política soma-
da a fatores práticos como leis de incentivo e parceiros dispostos a colaborar. “Quando assumimos a prefeitura, em 2001,
já havia uma lei municipal prevendo uma série de parcerias para incrementar a merenda. O que nós fizemos foi colocar a
lei em prática”, diz. “Nós reunimos esses parceiros para modernizar nossa ação administrativa na área da educação com a
contratação de nutricionistas, ampliação da participação dos produtores locais no fornecimento de alimentos in natura e
procuramos criar cursos de aperfeiçoamento para as cantineiras, que são as pessoas diretamente envolvidas na produção
da merenda.” Com isso, a prefeitura de Araxá investe na alimentação escolar quase quatro vezes o montante repassado
pelo FNDE e pretende, em 2007, ultrapassar o valor de R$ 0,80 por aluno por dia.
Estudante da rede pública e beneficiário da merenda escolar durante todo o seu período de Ensino Fundamental,
Toninho diz que o segredo para se conseguir esse feito com os parcos recursos destinados aos municípios no Brasil se
resume a planejamento de médio e longo prazo e escala de prioridades de acordo com o definido no orçamento parti-
cipativo. “Eu acredito na educação como instrumento transformador da sociedade”, afirma. “E num país de desigualda-
des sociais como o nosso, principalmente nas regiões mais carentes, a maioria das crianças tem na merenda muitas vezes
a única refeição do dia. Então isso é tão ou mais importante do que a qualidade do ensino em si.” Sabedor de que as
boas políticas públicas devem permancer independentemente de quem ocupa a cadeira no Executivo, Toninho agora se
preocupa com a continuidade do atual projeto para a alimentação escolar. Para isso, ele se apóia totalmente na rede de
servidores (principalmente as nutricionistas e cantineiras), na independência dos conselheiros do CAE e nos parceiros
da Asshorgran e da FADA. NUTRICIONISTAS CONCURSADAS
V O N T A D E , I N V E S T I M E N T O E R E S U LT A D O S
67
al por 18 anos. “A alimentação escolar antes de 2001 era boa, tinha um certo cuidado, mas não havia uma nutricionista para
supervisionar a merenda”, relata. “A profissional é muito importante para dar um suporte técnico para gastarmos melhor o
dinheiro público, com uma nutrição saudável e alimentos balanceados de acordo com a necessidade das crianças. A criação
do cargo lotado por concurso público foi um grande ganho. Demos apenas o direcionamento do que queríamos e as meninas
deslancharam, procuraram opções, abriram caminhos e novas parcerias.” A primeira nutricionista contratada pela prefeitura
em 2001, Lilia Cunha, tinha um trabalho paralelo e dava expediente na rede pública apenas alguns dias por semana. Com o
aumento na demanda de serviços, ela convidou outra nutricionista para acompanhar os trabalhos e que acabaria por prestar
concurso e assumir o cargo em tempo integral em 2002: Adriana Leite. A instituição do concurso para o cargo visa exatamen-
te manter a função e o bom profissional independentemente de quem venha a assumir o governo no futuro.
Formada na Universidade Federal de Ouro Preto, Adriana tinha paixão pela alimentação escolar dos tempos em que esta-
giou no setor em Ribeirão Preto, em 1995. “Desde o início foi colocada como preocupação principal a qualidade da ali-
mentação escolar, e por isso eu me interessei tanto”, lembra. “Mas não existiam cardápios, os estoques eram mal organi-
zados, havia um grande desperdício de alimentos e a razão disso tudo era principalmente falta de treinamento e conheci-
mento por parte das cantineiras.” Detectado o problema, Adriana foi à luta com paciência e dedicação, dia após dia, para
mostrar que ela era uma aliada das cantineiras e não apenas a pessoa com a responsabilidade da cobrança. “O principal
era ouvir o que elas tinham a dizer, e muitas vezes as sugestões eram excelentes”, recorda. “E eu, por outro lado, tentava
conscientizá-las de seu papel como educadoras. Afinal, se o ambiente fosse limpo e agradável, a comida bem-feita e gos-
tosa, a experiência das refeições para os alunos seria uma aula de higiene e educação alimentar.”
CAPACITAÇÃO NO RESTAURANTE E NA MINERADORA Ao mesmo tempo, Adriana implantou um cronograma de capacitações
semestrais para todas as cantineiras com cursos de conservação e preparação de alimentos, higiene pessoal e do local de tra-
balho, utilização total dos vegetais, etc. Mas o ponto alto foram as palestras realizadas em 2003 e 2004 com dicas de etique-
ta e de pratos internacionais com o cozinheiro Fernando Braga, autor da série de livros Araxá põe a mesa. “Foi incrível, ele é
um showman e abria o espaço para a participação ativa das cantineiras”, conta. “No final eles criaram juntos mais de 50
pratos diferentes utilizando apenas a pauta de alimentos normal da prefeitura, como arroz, feijão, carnes e macarrão.”
Mesmo com a saída de Adriana alguns anos depois, as capacitações continuam com a nova nutricionista, Daniella Porto
Reis, que assumiu em 2006. No final daquele ano, por exemplo, os cursos para as cantineiras e auxiliares foram realizados
A R A X Á
68
A criatividade permite variar bastante
o cardápio e a apresentação dos alimentos, fundamentais para manter o interesse das crianças pela merenda. Nesse sentido,
aliás, Adriana realizou em 2004 uma pesquisa com os alunos da rede pública para saber o que eles mais gostavam na
merenda, o que não gostavam e quais alimentos gostariam que fossem introduzidos. Perguntar o que as crianças querem
e o que recusam não custa muito e pode trazer boas dicas para os gestores da alimentação escolar. “Fizemos descobertas
interessantes, como a baixa aceitação de sopas, polenta e macarrão ao alho e óleo”, diz. “Entre as sugestões havia, claro,
alguns absurdos como coxinha de galinha e outras frituras. Mas muitos também pediram mais frutas e sucos naturais.”
Além de pequenas alterações nas aquisições de alimentos, a pesquisa foi a base para a criação de quatro cardápios adapta-
dos às diferentes necessidades de cada escola. O primeiro, distribuído nos Centros Municipais de Educação Infantil —
CMEIs (ou creches), prevê café da manhã, almoço, lanche e jantar para os maiorzinhos, e sucos, papinhas e mamadeiras
para os menores. O cardápio das escolas de Educação Infantil, com aulas em apenas um período, traz uma ou duas vezes
por semana alimentos mais leves, como bolo de cenoura, sucos, vitaminas e gelatinas, em vez de refeições sólidas todos os
dias. Já nas escolas rurais e em unidades localizadas nos bairros mais carentes, é oferecido sempre um lanche reforçado na
entrada das crianças para somente depois ser servido o almoço ou o jantar dependendo do turno. Nas demais escolas segue
nas salas de uma universidade. “Às vezes ainda encontro um pouco de dificuldade na introdução do uso da touca e do
uniforme”, admite Daniella. “Mas por outro lado é interessante ver a integração dos pratos e hábitos culturais da região,
como tutu de feijão, canjiquinha e arroz com galinha no cardápio das escolas.” Depois das aulas teóricas as merendeiras
visitaram o refeitório da Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia — CBMM, a maior de Araxá. A idéia era mos-
trar as semelhanças entre as instalações da mineradora e as cantinas escolares. “Assim elas perceberam que em um res-
taurante corporativo profissional os funcionários seguem exatamente as mesmas regras de higiene e vestuário que exigi-
mos delas. E se sentiram mais valorizadas”, afirma Daniella.
Para um futuro próximo, ela espera montar
um concurso de receitas entre as cantineiras utilizando apenas os produtos da pauta de alimentos adquiridos pela
Secretaria de Educação. O resultado poderá ser editado num livro para mostrar, valorizar e incentivar ainda mais a cria-
tividade das cantineiras. UM CARDÁPIO PARA CADA TIPO DE ESCOLA
V O N T A D E , I N V E S T I M E N T O E R E S U LT A D O S
69
o cardápio “normal” composto por uma refeição sólida e mais algum produto com
leite (como achocolatado ou vitamina) uma vez por semana.
Um bom exemplo é o cardápio do CMEI Doralice Afonso de Azevedo. A diretora,
Maria Aparecida dos Santos Dalfior, explica que as mais de 200 crianças atendidas
são divididas em turmas, que comem em turnos de 30 minutos para não superlotar
o refeitório. Enquanto as menores recebem papinhas e mamadeiras várias vezes ao
dia, as maiores têm horários mais definidos. Às 7h30 as primeiras turmas começam
a receber leite com chocolate ou puro. Depois, começam os turnos do almoço, quan-
do são servidas as refeições sólidas bem equilibradas com folhas, legumes, arroz,
macarrão e carnes acompanhadas de sucos de polpa natural e frutas como maçã,
banana, abacate e melancia. A partir das 13h30 é a hora do lanchinho com sucos,
biscoitos e leite. Em seguida vem o jantar e para as crianças que ficarem até mais
tarde é servida mais uma mamadeira. “Como estamos no meio de uma comunidade
bastante carente, temos também a farinha multimistura como reforço, e as crianças
com subnutrição recebem uma alimentação diferenciada”, conta Maria Aparecida.
Na escola rural Eunicer Weaver, com cerca de 240 alunos em dois turnos, o leite com pão na entrada também é fundamental.
“Tenho crianças que saem de casa às cinco horas da manhã e não poderiam esperar até o almoço em jejum”, diz a diretora
Isabela Maria de Oliveira Martins. “Mesmo no período da tarde, as que moram mais longe ficam muito tempo dentro do
transporte escolar e chegam famintas. Por isso temos que ter refeições reforçadas, com arroz, feijão, carne e salada, todos os
dias.” Para não cair na mesmice, a escola conta com a criatividade da cantineira
Celimar Cristina Vieira.
“A gente não pode dar os alimentos básicos preparados sempre do mesmo jeito para as crianças não enjoarem”, analisa.
“No caso da batata, por exemplo, eu inventei um purê que é um sucesso quando eu faço. Eu preparo ele bem grosso,
coloco molho de tomate por cima e salpico com queijo meia-cura ralado. É uma beleza e a gente fica feliz de ver a crian-
çada comendo bem!” A nutricionista Daniella aplaude a idéia. “Se tiver o produto suficiente na despensa, pode inovar,
sim”, diz. “Vamos escrever a receita e compartilhar com as outras cantineiras na próxima capacitação.”
A R A X Á
70
MANTENDO O HOMEM NO CAMPO Outra iniciativa que ganhou força
com o trabalho da antiga nutricionista Adriana foi a parceria com os pequenos produtores da Asshorgran, entidade que
agrega 45 agricultores e é responsável por cerca de 35% a 40% do consumo de hortaliças do município de Araxá. A asso-
ciação existe desde os anos 1980, mas a parceria com a prefeitura começaria apenas em 1992. Até 2001, no entanto, a
qualidade e a variedade dos produtos entregues não eram as ideais. “Recebíamos as verduras na segunda com cara de resto
da feira de domingo”, acusa Adriana. “Tivemos de fazer um longo trabalho também de conscientização e mudança cultu-
ral, com conversas e palestras sobre a importância da boa nutrição para que os produtores se tornassem nossos aliados”.
Muitas vezes ela chegou a recusar cargas inteiras de alface, tomate, batata, cenoura, repolho e beterraba. Com o tempo, os
produtores passaram a entender que tinham uma responsabilidade social e a relação melhorou muito. A partir de 2003 e
2004 a pauta dos hortifrútis cresceu junto com a confiança mútua. A prefeitura passou a comprar também chicória, couve,
brócolis, couve-flor, banana, maracujá, batata-doce, inhame, mandioca, mexerica, milho verde… “Com isso variamos mais
o cardápio e as crianças passaram a consumir alimentos aos quais raramente têm acesso.”
Atualmente, quase 100% dos hortifrútis consumidos nas escolas vêm da Asshorgran. São entre 2 mil e 2.500 quilos de
vegetais por semana, que representam quase 30% da produção total da associação. O restante é vendido para a Cantina
da Prefeitura, nas feiras livres manti-
das pelos próprios produtores e even-
tualmente na Ceasa. “Se hoje estamos
no campo e animados é porque temos
esse apoio da administração munici-
pal”, afirma o vice-presidente da
Asshorgran, Marcos Antonio Soares
Lopes. “O preço que a gente cobra da
prefeitura é mais justo do que o pago
pela Ceasa, que judia muito do produ-
tor. Se tiver que depender de Ceasa ele
está perdido”, completa o presidente
da associação, Jordelino José Carneiro
Neto. “Por isso, levamos os produtos
V O N T A D E , I N V E S T I M E N T O E R E S U LT A D O S
71
Jordelino explica que a associação partici-
pa de um processo de licitação para vender à prefeitura. O custo mais baixo, ou o “justo e solidário”, segundo ele, é garan-
tido por meio de um levantamento de preços médios de mercado feito nas Ceasas de Uberlândia e de Belo Horizonte, mais
um custo estimado de frete, e de três ou quatro grandes supermercados da praça. A tabela é revista toda semana sob a
supervisão da Emater, do Procon e da Secretaria da Agricultura. “Nós vendemos um pouco abaixo e garantimos a qualida-
de”, assegura. Hoje quem “vai às compras” na associação é a nova nutricionista da prefeitura. Toda quarta-feira os produ-
tores se reúnem na feira para verificar o que poderão fornecer para a prefeitura na semana seguinte. A secretária da
Asshorgran leva a relação para Daniella, que informa o que pretende comprar na semana seguinte e em que quantidade.
Geralmente são adquiridos um tipo de verdura e três de legumes. Quando disponível, também são encomendadas frutas.
A cada 15 dias há ainda uma compra de queijos meia-cura produzidos por alguns associados. Os produtores então verificam
quem pode entregar os alimentos solicitados e se programam.
Existe sempre uma margem de negociação, se for necessário. Por exemplo: a nutricionista pede 700 quilos de cenoura, mas
os produtores só têm capacidade para entregar 500 quilos. Daniella, então, pode complementar a compra com 200 quilos
de beterraba. A entrega é feita toda segunda-feira na Secretaria de Educação e de lá distribuída para as escolas e creches do
município. E se algum produto não está rigorosamente dentro do esperado, a nutricionista devolve na hora. “Dá mais
trabalho centralizar o recebimento, mas com isso garantimos que os produtos entregues sejam os mais frescos e de melhor
qualidade. Temos que valorizar o que é nosso, produzido na nossa terra”, argumenta a secretária Marlene. “Tivemos algu-
ma dificuldade com os outros comerciantes do município que também queriam vender para a prefeitura, mas eles trazem
os alimentos de outras cidades e não conseguem entregar produtos tão frescos. Vocês precisam ver que beleza é uma
segunda-feira de manhã aqui!”
da melhor qualidade. Os filhos da gente também estudam na escola pública e temos orgulho de produzir para eles. Não
chega a ser uma produção orgânica ainda, mas usamos o mínimo de inseticida possível e mesmo onde usamos defensivos
temos apoio técnico total e orientação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais —
Emater/MG para proteger tanto o produtor como o consumidor.” Em 2007, a Asshorgran pretende vender seus produtos
também para o Programa de Aquisição de Alimentos — PAA da Companhia Nacional de Abastecimento — Conab, que irá
repassar parte da compra para a merenda escolar. “Com isso podemos ajudar a prefeitura a economizar ainda mais e man-
ter a oferta de vegetais.” MAIS ECONOMIA E MELHOR QUALIDADE
A R A X Á
72
TEMPERO FILANTRÓPICO E ECONÔMICO Também da época de
Adriana, a parceria com a FADA é mais um orgulho da administração de Araxá. A associação, fundada em 1984 para ajudar
pessoas com deficiências de todo tipo, sempre teve problemas em levantar dinheiro para suas atividades, como acontece
com a maioria das ONGs. Mesmo assim, desde 1999 proporciona atendimento psicológico, clínico, dentário, fonoaudio-
lógico e fisioterápico para centenas de pessoas. A FADA também mantém diversas oficinas de artesanato cujos produtos
são vendidos em bazares e ajudam a divulgar a causa e a sustentar o trabalho. Outra fonte de renda é a administração dos
estacionamentos rotativos, a chamada Zona Azul, nas ruas da cidade. “Quando assumimos a Zona Azul, descobrimos que
a prefeitura poderia, se quisesse, adquirir produtos de entidades assistenciais sem a necessidade de concorrências ou lici-
tações”, explica a diretora administrativa e fundadora da associação, Maria da Conceição de Aguiar Santos. “A prefeitura
faz simplesmente uma carta-convite, nós apresentamos uma proposta e fechamos um contrato de fornecimento.”
De posse dessa informação, a coordenadora de projetos da FADA, Liliane Fonseca Stefano, buscou uma receita de tempero
caseiro de sua avó que poderia ser fabricado em larga escala dentro das instalações da associação. “Fizemos as contas e demons-
tramos por meio de planilhas de custo que a prefeitura economizaria tempo e dinheiro se em vez de comprar alho e cebola in
natura utilizasse o nosso tempero”, afirma Liliane. “A Secretaria de Educação testou, comprovou e aprovou. Hoje eles compram
500 quilos de tempero pronto por mês para a merenda escolar e a prefeitura adquire mais 300 a 400 quilos para a sua cantina.
Com isso, conseguimos manter sempre quatro ou cinco pessoas, entre funcionários e atendidos, trabalhando na fábrica. E
ainda temos um subsídio público garantido para continuar prestando cerca de 350 atendimentos por dia.” Por enquanto, a
prefeitura de Araxá é o único cliente dos temperos da FADA.
O último e talvez mais importan-
te de todos os parceiros da Secretaria de Educação é o Conselho de Alimentação Escolar — CAE. O presidente do órgão,
Jair Braga Fernandes,
nunca teve qualquer relação com educação, escolas e nem sequer tem filhos estudando
na rede pública. Mas, como lojista do ramo de materiais de construção, ele fazia parte do Sindicato dos Comerciantes de
Araxá, e a Associação Comercial é uma das entidades que indica representantes para o CAE. Jair entrou para o conselho em
2003 e, desde as primeiras visitas, percebeu a seriedade com que eram realizadas as atividades do CAE e se entusiasmou. “Eu
CAE X CANTINAS
V O N T A D E , I N V E S T I M E N T O E R E S U LT A D O S
73
conhecia merenda escolar da minha terra, Presidente Olegário, onde funciona de forma muito precária”, admite. “E fiquei
impressionado como as pessoas aqui levam a sério o uso do dinheiro público, acompanham as prestações de contas, fazem
relatórios, sugestões e são sempre ouvidas e respeitadas pela secretaria”. O CAE faz uma reunião e quatro visitas por mês. Para
não haver qualquer tipo de acobertamento de irregularidades, os nomes das escolas a serem visitadas são definidos aleatoria-
mente na hora da visita, já dentro do carro cedido pela Secretaria de Educação. O acompanhamento das licitações, parcerias
e prestações de contas também é feito mensalmente para poderem corrigir qualquer eventual problema logo no início.
“Somos verdadeiramente parceiros da secretaria e principalmente das nutricionistas no trabalho cotidiano de conscienti-
zação das cantineiras para questões como higiene, preparo dos alimentos e vestuário”, afirma Jair. “Eu acho que quando o
CAE realmente funciona ele dá até força para as solicitações da nutricionista.” A grande briga que o CAE comprou em
Araxá foi contra as “vendinhas ou cantinas” que comercializavam refrigerantes, guloseimas e frituras dentro das escolas.
“Nós participamos de um curso para conselheiros com o pessoal do FNDE em Belo Horizonte há algum tempo, e a questão
das vendinhas era o assun to número dois da discussão, só perdia para a merenda em si”, conta. O trabalho do CAE e das
nutricionistas por uma alimentação mais saudável nas escolas pode ser totalmente comprometido se as crianças tiverem
acesso fácil dentro do ambiente escolar a produtos de grande apelo comercial e sem nenhuma preocupação com a saúde.
“Teve uma hora em que algumas dire toras de escola queriam ver o capeta mas não me ver na frente delas, porque elas
diziam que a cantina era importante para arre cadar dinheiro para pequenas despesas da escola e para dar liberdade de
escolha aos alunos”, lembra Jair. “Mas com muita luta, e para não sermos chamados de radicais, conseguimos limitar as
vendinhas para apenas duas vezes por semana e cortamos praticamente a zero os doces, refrigerantes e frituras.”
Um exemplo de escola que ainda tem vendinha é o antigo Centro de Atenção Integral à Criança — CAIC e atual Escola
Municipal Professora Leonilda Montandon. Do projeto
original dos CAICs, escolas de tempo integral implanta-
das na década de 1990, restaram apenas os grandes pré-
dios de concreto. No caso da EM Profa. Leonilda
Montandon, as dezenas de salas são hoje ocupadas por
mais de mil alunos em três turnos. Como é muita gente
para alimentar no refeitório, as turmas são divididas em
vários horários de almoço e jantar. “Estou há 18 anos na
rede pública e posso afirmar que a alimentação realmente
melhorou muito de uns seis ou sete anos para cá”, afirma
A R A X Á
74
a diretora, Sueli Aparecida Ramos Silva. “Tanto é assim que há dez anos só uns 40% ou 50% dos alunos comiam na esco-
la e hoje é quase a totalidade. A gente faz propaganda do lanche da escola para os pais, informando que o cardápio aqui
é nutritivo e saudável.” Sueli também elogia o trabalho das cantineiras, que estão mais bem preparadas e mais motivadas.
“Elas servem bem os pratos e preparam os alimentos com amor”, atesta. “São verdadeiras educadoras, tratando o aluno
com respeito e carinho. Se a criança se sente acolhida, vai querer experimentar a comida da escola.” De fato, a maior parte
das crianças entra na fila da merenda gratuita, mas algumas preferem pagar R$ 2 por um hambúrguer com alface e toma-
te e um copo de suco artificial. Sueli
explica que a carne é assada, não frita, e justifica a atividade: “Pro cu-
ramos vender sempre alimentos naturais e sucos, e o dinheiro é utilizado para consertos e outras atividades na escola”. O
argumento, contudo, é rejeitado pela Secretaria de Educação e pelo CAE, que afirmam existirem outras verbas próprias
para esses fins, sem a necessidade das vendinhas.
Como se vê, o trabalho com alimentação escolar em Araxá está muito bem encaminhado, mas há sempre alguns pontos
a acertar e inovações a serem implementadas. “Temos orgulho do nosso pioneirismo em várias áreas, inclusive no cuidado
com a alimentação”, afirma o prefeito Toninho. “Somos, por exemplo, a primeira cidade de Minas Gerais a implantar um
Conselho de Segurança Alimentar. Temos uma estrutura paralela à prefeitura de grande envolvimento comunitário e fun-
cionando bem. Isso facilita muito o trabalho do administrador, porque ninguém resolve os problemas sozinho.” As par-
cerias com organizações da sociedade civil que atuam com crianças e adolescentes devem avançar ainda mais. O prefeito
tem na manga três novos projetos a serem implantados em 2007. Por enquanto ele divulga apenas um: a introdução do
leite materno na pauta de alimentos distribuídos aos bebês mais necessitados dos CMEIs. Isso é possível devido à instala-
ção de um moderno banco de leite no Centro de Atendimento à Mulher e a um convênio com o Corpo de Bombeiros,
que recolhe o leite na casa das doadoras.
PATO
S (P
B)
ESTRATÉGIA PARA REVERSÃOUma alimentação escolar com qualidade
nutricional significa muitas vezes investir
em higiene e em infra-estrutura. Como
melhorar a merenda?
Experiência premiada na categoria Região Nordeste – 2006 Das 70 escolas do município de Patos, 25 estão na zona rural. O cardápio contém alimentos e
pratos típicos do nordeste, como rapadura e ruba-cão (baião de dois). O município fez parcerias com
a Vigilância Sanitária para a realização de palestras educativas e pesquisas sobre a utilização do xique-xique,
planta típica do semi-árido nordestino, na alimentação humana.
População 91.761
Área da unidade territorial (km²) 513Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,494
Menor IDHM do Estado 0,783
IDHM de Patos 0,678 Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 78
Receita municipal R$ 38.491.257,38
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 321.103,80
Complementação do município para compra de alimentos R$ 48.489,71
Alunos atendidos 10.079
Refeições servidas 1.797.800Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Patos (PB)
0,494 a 0,555 (47)
0,556 a 0,575 (44)
0,576 a 0,602 (45)
0,603 a 0,626 (44)
0,627 a 0,783 (43)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado da Paraíba
E S T R A T É G I A P A R A R E V E R S Ã O
77
Na segunda metade do século 17, a criação de gado bovino esparramava-se pelos sertões
do Nordeste. Foi quando se deu a ocupação do lugar onde surgiu, um pouco mais adiante, a cidade de Patos, no interior
da Paraíba. O local se revelaria estratégico no futuro. Hoje, com cerca de 100 mil habitantes, o município é um importan-
te entreposto comercial que exerce influência e atração sobre dezenas de municípios próximos. Mas não foi por isso que
ganhou notoriedade há poucos anos. E sim por ter se tornado uma das capitais nordestinas da prostituição infantil, do
tráfico e do consumo de drogas. Na época, o noticiário despertou Brasil afora, em pessoas dignas, um previsível sentimen-
to de repulsa. Mas, como sempre, o assunto não tardou a resvalar das manchetes dos jornais para o esquecimento.
Os negócios ilegais, longe de ser privilégio de Patos, seguem imperturbáveis, fora os acidentes de percurso. Ninguém igno-
ra. Mas a maioria silenciosa permanece de braços cruzados. Embora raivosa, parece reduzida à impotência diante da for-
midável coleção de mazelas do país. Contudo, em Patos, uma nova administração municipal assumiu em 2005 decidida
a cumprir suas obrigações e fazer o que estivesse a seu alcance para combater o crime. Como o arsenal das prefeituras é
limitado para esse tipo de enfrentamento, a primeira providência seria tirar as crianças da terra de ninguém, que são as
ruas, e dar-lhes a proteção das salas de aula. Nessa estratégia, a alimentação escolar teria papel de destaque, enquanto
chamariz para as mais carentes.
No município, a merenda não valia grande coisa até o final de 2004. Para os críticos, que tendem a exagerar, o cardápio da
rede pública se restringia “a bolachas e pedaços de rapadura”. Se o problema fosse apenas a escassez de gêneros e a monoto-
nia da merenda, a solução seria bastante simples. Contudo, o vereador José Mota Victor,
secretário de Educa-
ção do município em 2005 e 2006, descreve o quadro geral do setor como lastimável no início da nova gestão. Tudo
estava para ser feito ou recuperado. Assim, a prefeitura forneceu uniformes e material escolar para as crianças, construiu
quadras esportivas nas unidades de ensino, reformou e ampliou cozinhas, que ganharam pisos de cerâmica, azulejos nas
paredes, pias de aço inoxidável e despensas. E canalizou água para onde não havia.
A estrutura da merenda mudou de forma radical, com a adoção de um modelo descentralizado: os recursos para a aquisição
de alimentos são depositados nas contas dos conselhos escolares. As diretoras se encarregam das compras, procurando pro-
“BOLACHA E RAPADURA”
P A T O S
78
A nutricionista Lamara Moura de Araújo esta-
va no Tocantins, trabalhando em um hospital, às vésperas do ciclo de mudanças que passaria a limpo a merenda de Patos.
Em fins de 2004, ela e o noivo, ambos patoenses, resolveram se casar na terra natal. E acabaram desistindo do Tocantins:
Lamara foi contratada pela prefeitura para coordenar o sistema de alimentação escolar do município. Ao assumir as novas
funções, levou um susto com o estado das escolas. Segundo ela, a falta de higiene era particularmente chocante. O melhor
exemplo foram os reservatórios de água. Mobilizados para a inspeção e limpeza das caixas, funcionários da Vigilância
Sanitária mergulharam até às canelas em sedimentos formados pela acumulação de barro e material orgânico. Outra marca
do descaso eram os ratos e insetos, encontrados em profusão nas escolas.
Enquanto formulava um cardápio unificado para a rede pública, a primeira de suas metas, Lamara
explicou ao
secretário Mota Victor que, além das medidas sanitárias, a reforma das cozinhas se impunha como tarefa essencial e urgen-
te. Essas obras seriam concluídas no final de 2006. Em sua área de atuação, a nutricionista desenvolveu o trabalho com o
apoio de cozinheiras, professores e diretoras. Das merendeiras exigiu o uso de touca e avental, passando em seguida à
capacitação dessas profissionais. O primeiro curso foi dado logo em abril de 2005: “Alimente-se bem com 1 real”, do
Serviço Social da Indústria – Sesi, que ensina normas de higiene e como fazer merenda saborosa e barata. No cardápio,
Lamara procurou introduzir diversos itens regionais. Bolachas e rapadura não sumiram, mas passaram a ter companhia:
arroz com leite, mungunzá (canjica de milho doce ou salgada) e o arrubacão, que se traduz como baião-de-dois incremen-
tado com leite, carne bovina e queijo — o verdadeiro prato de resistência da cozinha local.
A merenda também mudou em termos de logística. A “escolarização” eliminou a necessidade de se ter um grande armazém
dutos de qualidade no mercado local pelo menor preço. Para implantar o sistema, primeiro foi necessário sacudir os conse-
lhos escolares da letargia em que viviam mergulhados. O conjunto dessas e de outras ações deu resultados significativos em
pouco tempo. Graças a eles, antes de retornar à Câmara Municipal, Mota Victor pôde comemorar a redução da taxa de eva-
são escolar e a conquista de dois prêmios: o Cata-Vento, concedido à Secretaria de Educação de Patos pelo Fórum Estadual
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, e o Gestor
Eficiente da Merenda Escolar, da Ação Fome Zero. BOA PARCERIA
E S T R A T É G I A P A R A R E V E R S Ã O
79
Na área urbana, a descentralização da merenda trouxe
mais trabalho para as escolas. No entanto, esse acréscimo de tarefas não é encarado como transtorno, pelo menos no caso
da professora Jusilene Pereira Tibúrcio, diretora da Escola Maria das Chagas Candeia. “A comunidade é pobre, mas nossa
merenda tem alta qualidade, essencial para o bom desempenho dos alunos em sala de aula.” No tocante à merenda,
central, além da preocupação com a guarda de produtos perecíveis. Mesmo assim, a Secretaria de Educação providenciou
um depósito exclusivo para os gêneros alimentícios destinados às escolas rurais e à Educação de Jovens e Adultos – EJA,
que continuam sob sua responsabilidade direta. Antes, os escassos mantimentos para a alimentação escolar ficavam arma-
zenados junto com materiais de limpeza e outros produtos — prática nada recomendável, sob vários aspectos. E Lamara
Moura agora tem mais duas colaboradoras: a nutricionista Maria Margarida Gonçalves, que ficou encarregada das creches
da prefeitura, e Denise Dantas de Morais,
como fiscal. Denise é bem familiarizada com o ambiente escolar,
pois já foi diretora-adjunta em uma escola.
O núcleo da merenda tem ainda a colaboração permanente de dois bons parceiros — a Vigilância Sanitária e o Conselho
de Alimentação Escolar — CAE. Até 2004, o CAE só existia no papel. Agora é presidido pelo pedreiro José Ilton Batista,
que não tem vocação para ser mero figurante no cenário: fora o CAE, participa do Conselho de Segurança Alimentar,
do Conselho Municipal de Saúde e preside a União das Associações Comunitárias de Patos e Região, que reúne cerca
de 70 dessas entidades. José Ilton confessa que nada sabia sobre alimentação escolar. Mas não demorou a aprender.
Com os demais conselheiros, implantou um calendário para as reuniões do grupo, visitou escolas, apontou falhas
na armazenagem dos alimentos, deu sugestões para o cardápio e degustou pratos. Reeleito em 2007, por mais dois
anos, quer intensificar as ações do conselho. Para isso já pediu apoio à prefeitura. A atual secretária de Educação,
Márcia Araújo Mota,
pensa de modo semelhante: pretende manter o que está funcionando bem e avan-
çar, pois ainda há muito o que fazer nas escolas da rede pública. Ao todo são 70 unidades, freqüentadas por 12 mil
alunos, mais oito creches. FÁBRICA COMUNITÁRIA
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80
Jusilene definiu suas próprias atribuições com o Conselho Escolar, no início de 2005, quando assumiu a direção da unida-
de. Ela organiza as licitações anuais para a compra de alimentos, realizadas por meio de cartas-convite, endereçadas às
casas comerciais de Patos, que se obrigam a entregar as compras.
Jusilene
faz os pedidos uma vez por semana, de acordo com o cardápio, pagando ao final do mês, contra a
emissão de notas fiscais. Para isso, os recursos do PNAE e a contrapartida da prefeitura são depositados em conta bancária do
Conselho Escolar. Jusilene diz que o sistema funciona muito bem: “Nossos produtos são de primeira, porque compramos
como se fossem alimentos para nossa família”. E a família escolar dessa professora, que ingressou no magistério em 1985, é
bem numerosa — são 230 crianças dos primeiros anos do Ensino Fundamental, mais 40 alunos da EJA. Recém-chegado, o
mais velho, com 80 anos, estava orgulhoso no começo de 2007, pois aprendera a escrever seu nome em poucos dias.
A prefeitura responde pelo abastecimento das 24 escolas rurais, pelas quais circula a supervisora
Rita de Cássia Alves,
encarregada da orientação pedagógica e do planejamento didático nessas unidades. Seu trabalho também está vinculado à
merenda. Ela traz sugestões e notícias do campo para a nutricionista. Nas escolas, estimula os professores a seguir o cardápio
e verifica a aceitação dos pratos pelas crianças, sugerindo mudanças, eventualmente. Essas ocasiões são raras, segundo ela,
pois a merenda tem sido bem aceita. A 18 quilômetros de Patos, no distrito de Santa Gertrudes, a cozinheira Terezinha
Quirino de Lima diz que é isso mesmo. Veterana, Terezinha atravessou o reinado das “bolachas com rapadura”, mas agora
serve pratos apetitosos à minúscula turma da professora Cássia Maria da Silva, na Escola Francisco Melquíades. São dez alunos
do 2.º ao 5.º ano (antiga 1.ª à 4.ª série) do Ensino Fundamental, que têm o arrubacão como um de seus favoritos.
Ali, os arrombamentos constituem o único motivo de preocupação atualmente. A escola já foi invadida algumas vezes, conta
a professora Cássia. O fato é compreensível, pois se trata de escola do sertão nordestino, sujeito a secas e a carências profun-
das. A despeito do pequeno número de alunos, a manutenção da unidade se justifica, pois ela primeiro existiu como sonho
para a comunidade, durante 30 anos. Além disso, construída em 1993, com duas salas de aula, a Francisco Melquíades tem
sido o centro da vida comunitária. “Por isso cuidamos bem dela”, diz a faxineira Josimar Fernandes Rodrigues. Na escola se
realizam reuniões e cerimônias religiosas. E uma das salas serve de ambulatório para atendimento médico e dentário.
E S T R A T É G I A P A R A R E V E R S Ã O
81
Em instalação contígua funciona a fábrica de polpas de frutas da Associação Comunitária do Fechado, que tem Manoel
Pereira da Silva na presidência, e Luzinete Quirino da Silva
como secretária. A associação, fundada
em 1988, foi inaugurada com 40 sócios. Restam 24. Os demais foram levados pelo êxodo rural, diz Manoel. Os remanescentes
alimentam a fábrica com cajá, goiaba, acerola, manga e graviola, de acordo com a estação. A instalação é modesta, mas efi-
ciente, tendo sido construída pela administração municipal anterior, em 2002, por meio de desembolso a fundo perdido.
As máquinas, embora pequenas, ainda funcionam com certa margem de capacidade ociosa, o que permitiria um aumento
da produção sem novos investimentos. O principal cliente tem sido a merenda escolar do município. Do faturamento
total, 5% se destinam ao caixa da associação. O restante compõe parcela expressiva da renda dos sócios, todos produtores
familiares, dedicados aos cultivos de subsistência – milho, feijão e arroz são os mais importantes. Cerca de 200 pessoas se
beneficiam das atividades da fábrica, calcula Manoel. Como os demais sócios, ele nasceu no Fechado, e afirma que dali
não pretende sair, pois as cidades já não têm muito a oferecer.
Em 2007, na Comunidade
de Conceição de Baixo, a dez quilômetros de Patos, alguns membros da associação local iniciaram a primeira experiência com
o Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, uma das ações do Fome Zero. O coordenador do programa é Ozenildo da
Nóbrega Pereira, funcionário público que se esforça para
difundir a modalidade Compra Direta do Agricultor. A prefei-
tura cadastra os interessados. Os aprovados têm uma cota
anual de produtos a entregar, de acordo com determinados
padrões de qualidade. O preço é definido segundo os níveis
praticados no mercado. A presidenta da associação, Edmunda
Alves de Medeiros, com o marido, Damião, e o filho, Marcos,
produzem doce de leite, feijão e mel, que é considerado
medicinal. As abelhas se nutrem das floradas de angico,
muçambê e aroeira. A família assumiu o compromisso de
XIQUEXIQUE NA COZINHA
P A T O S
82
fornecer mel e doce de leite à Secretaria de Ação Social do município, para distribuição entre as instituições filantrópicas
como a APAE e a Casa do Idoso. A merenda escolar consumirá o feijão.
Ao PAA somam-se outras iniciativas da prefeitura com o objetivo de evitar o êxodo rural. A evidência de que as cidades já
esgotaram sua capacidade de absorver os migrantes persegue o prefeito Nabor Wanderley da Nóbrega Filho. “Manter o
homem no campo deve ser uma das preocupações dos responsáveis pela administração pública, em qualquer nível”, diz
ele. O transporte escolar, a eletrificação rural, a construção de açudes e o apoio às atividades no campo ajudam. Em Patos,
a prefeitura também prepara a terra e dá assistência técnica aos pequenos agricultores. Mas a dificuldade persiste. “Moramos
numa região onde há dois anos de chuva, alternados com outros tantos de seca, fator que já agrava a situação. Se não
houver um mínimo de condições, as pessoas abandonam a terra e vão para as cidades.” Foi o que aconteceu nas últimas
décadas. Primeiro com a destruição das lavouras de algodão pela praga do bicudo, que desempregou muita gente. Patos
simplesmente inchou, ao exercer forte atração sobre as populações vizinhas.
As cidades do entorno perderam cerca de metade dos habitantes, enquanto ela crescia na mesma proporção.
Nabor exemplifica: “O município de São José de Espinharas, que tinha cerca de 12 mil habitantes em 1980, hoje tem cinco
mil. Ao mesmo tempo, a população de Patos dobrou. Parte das pessoas que deixaram o campo e as cidades vizinhas veio
para cá, onde é difícil conseguir emprego. A prostituição, as drogas e a violência vêm daí”. O prefeito avalia que nesse
aspecto a cidade melhorou. Os pontos notórios de prostituição foram eliminados, com a ajuda do Ministério Público.
A Secretaria de Ação Social tem agido principalmente na retirada de crianças das ruas, apoiada por algumas entidades,
como as pastorais da Igreja Católica. O município se prepara para abrir uma casa e cuidar desses meninos e meninas, sem
deixar de chamar os pais às suas responsabilidades. A alimentação escolar, promete Nabor, continuará a receber atenção
especial de todos os envolvidos. Inclusive dele mesmo, que costuma ir a escolas na hora da merenda, quando aproveita
para examinar as cozinhas, provar a comida e conversar com as merendeiras e as crianças. O CAE seguirá como peça
importante do sistema. “A prefeitura não interferiu na formação e nem nas ações do conselho, que é independente e tem
funcionado muito bem. Isso se dá, da mesma forma, com os Conselhos de Educação, Saúde e Segurança Alimentar.”
Segurança alimentar, crucial na vida das populações pobres, tem um capítulo interessante na história de Patos. O agrôno-
mo Francisco Soares de Lima (o Chico Velho), funcionário da Secretaria de Agricultura, encasquetou a idéia de experimen-
tar o xiquexique na cozinha, para oferecê-lo como alimento aos habitantes da região. Como se sabe, as cactáceas em geral,
e o xiquexique em particular, desenvolvem-se muito bem no semi-árido nordestino. São plantas extraordinárias, armadas
pela evolução para enfrentar as asperezas de solos pobres e secos. Já existe uma série de trabalhos técnicos sobre o apro-
veitamento do xiquexique na alimentação do gado. E a palma é cultivada com essa finalidade.
E S T R A T É G I A P A R A R E V E R S Ã O
83
Chico Velho ouvira de pessoas mais velhas que muita gente
havia escapado da morte por inanição comendo xiquexi-
que durante a terrível seca de 1877, talvez a mais desastrosa
de que se tem notícia. Os flagelados daquela época colhiam
a planta, tiravam os espinhos, cortavam a polpa em fatias e
a cozinhavam com água e sal, como se faz com as batatas.
Preparavam também uma sopa, enriquecida com a carne de
alguma caça eventual: tatus, teiús e outros lagartos meno-
res. Informado pela tradição, Chico Velho, com o técnico
agrícola Francisco Duarte de Lima, consultou a bibliografia
disponível, reuniu dados e convidou a nutricionista Lamara
Moura a participar dos experimentos, também como res-
ponsável pelas análises nutricionais.
A cozinha experimental produziu dois pratos salgados: um cuscuz e uma sopa, enriquecida com temperos, couve e um
pouco de costela bovina. De lá saíram ainda alguns doces e um surpreendente sucedâneo para o café. O xiquexique, rico
em fibras e carboidratos, apresenta bom teor de proteínas e nenhum lipídio. Lamara diz que a sopa tem gosto de repolho,
embora não se possa exagerar na quantidade de polpa de xiquexique, que tem sabor forte. “Já o doce é realmente muito
bom, parecido com o de mamão.” Realizada a proeza, Chico Velho não deixou por menos e lançou um desafio, bem ao
modo do sertão: “Há quem diga, sim senhor, / que o Nordeste é sem valor. / Oxalá que venha ver: / sua façanha, sua
riqueza; / na sapiência o brilho, / na consciência, a grandeza”.
APU
CARA
NA
(PR)EM TEMPO INTEGRAL
A decisão política de priorizar a educação aumentou
o investimento da prefeitura na merenda escolar.
Como se faz isso?
Experiência premiada na categoria Região Sul – 2005 Apucarana oferece 3 refeições aos alunos pois eles permanecem em horário integral
nas escolas públicas; adquire frutas e legumes dos produtores assentados na vila rural.
O município desenvolve projetos de pesquisa para introduzir novos alimentos e faz campanha
para evitar o desperdício.
População 107.827
Área da unidade territorial (km²) 558Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,620
Menor IDHM do Estado 0,856
IDHM de Apucarana 0,799 Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 70
Receita municipal R$ 61.183.178,21
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 485.014,80
Complementação do município para compra de alimentos R$ 721.852,06
Alunos atendidos 18.959
Refeições servidas 3.399.600Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Apucarana (PR)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado do Paraná
0,620 a 0,707 (85)
0,708 a 0,732 (82)
0,733 a 0,751 (79)
0,752 a 0,774 (81)
0,775 a 0,856 (72)
E M T E M P O I N T E G R A L
87
Considerada a “capital nacional do boné”, com metade
da produção brasileira, além de outras importantes atividades econômicas como calçados de segurança, derivados de
milho, café, brindes, produtos têxteis e um movimentado entroncamento ferroviário que leva aos portos de Santos e de
Paranaguá, o município de Apucarana, no norte do Paraná, tem atraído pessoas de toda a região em busca de oportunida-
des. Mesmo com mais de 120 mil habitantes e crescendo rapidamente, não há crianças pedindo esmolas nas ruas, que são
limpas e bem cuidadas, e os índices de violência são relativamente baixos. Os programas sociais atendem os cidadãos desde
o ventre da mãe na chamada Escola da Gestante, onde são feitos exames pré-natais e as mulheres atendidas gratuitamen-
te recebem lanche, farinha multimistura e informações sobre a importância de amamentar os filhos por pelo menos seis
meses. Na outra ponta está o Clube da Sabedoria, onde os idosos também recebem alimentação e atendimento e podem
conviver mais de perto com os alunos da rede pública para transmitir os conhecimentos acumulados por toda uma vida.
O ponto de partida para essa “revolução silenciosa”, como denomina o prefeito Valter Pegorer,
foi o Pacto
pela Educação firmado entre a prefeitura e diversas entidades da sociedade civil em 2001 e que prevê uma série de progra-
mas articulados em torno da implantação do período de estudo integral nas escolas municipais.
Desde o início do milênio o município outorgou a si o título de “Cidade Educação” e tem buscado com afinco fazer jus à
expressão. Todo material de divulgação da prefeitura, os prédios oficiais, viaturas, propaganda e memorandos trazem o logotipo
azul e amarelo do cidadão com um livro aberto à sua frente de modo a reforçar a imagem. Iniciativas de repassar informações,
conhecimento e capacitação aos moradores da cidade estão por toda parte, atingindo das mulheres gestantes às crianças, jovens,
EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL
A P U C A R A N A
88
Ex-padre, pedagogo e pela terceira vez à
frente do município, o prefeito Padre Valter tem na educação a grande estrela de sua administração. E os resultados
são mesmo impressionantes. Segundo o secretário de Desenvolvimento Humano e responsável pela área de educação,
Cláudio Aparecido da Silva,
a evasão escolar, por exemplo, caiu 27,7% nos últimos cinco anos. Enquanto a
média nacional de crianças que abandonam os estudos é de 6,8% e a do Paraná bate em 5,4%, em Apucarana ela não passa
de 0,5%. Já o índice de alunos reprovados no município é de apenas 6,8% (12,5% de queda desde 2001), muito abaixo das
médias nacional (19,2%) e estadual (14,8%). Ao mesmo tempo, o grau de aprendizado das crianças tem crescido substan-
cialmente de acordo com os resultados da Prova Brasil, realizada pelo MEC em novembro de 2005 em mais de 40 mil
escolas públicas de todo o país para avaliar o nível de conhecimento dos alunos em português e matemática. “Em Língua
Portuguesa, a média da cidade de São Paulo para os alunos do 5.º ano foi de 160,42, a nacional, 172,91, e a de Campo
Grande, que tirou o primeiro lugar, 191,15, sendo que a média das nossas escolas está próxima a isso, com 189,84, e as
nossas oito escolas destaque chegaram a somar 215,6 pontos”, comemora Silva. “Em matemática estamos bem acima: a
campeã das capitais foi Curitiba, com 195,34, São Paulo teve 166,86, a média nacional foi de 179,98, enquanto a média
das nossas escolas foi de 198,44, e as nossas oito melhores escolas chegaram a 205,82.”
Quem faz questão de explicar o conceito por trás do Pacto pela Educação e como sua visão humanista abrange toda a socieda-
de é o próprio prefeito Padre Valter: “A educação é o grande instrumento de mudança de qualidade de vida da população.
adultos e idosos. Mas para educar o cérebro é preciso alimentar o corpo. E a merenda escolar se insere neste contexto de várias
formas, seja diretamente nas três refeições diárias oferecidas aos alunos do 2.º ao 5.º ano (antiga 1.ª a 4.ª série) da rede pública
(todos estudam das 7h30 às 16h30), por meio de projetos como o Prato Limpo (para evitar desperdício de alimentos), do Hortão
Comunitário (onde a população carente pode pagar cestas básicas e serviços municipais com trabalho), da aquisição de verdu-
ras e legumes das Vilas Rurais do município, da parceria com o Governo Federal para a Compra Direta de produtos da agricul-
tura familiar na região pela Conab, ou ainda da capacitação permanente das merendeiras para o aproveitamento total dos ali-
mentos e da inclusão no cardápio das escolas de produtos diferenciados, como rapadura, iogurte de soja, pão com farinha
multimistura e a planta ora-pro-nóbis. NÚMEROS PRA NINGUÉM BOTAR DEFEITO
E M T E M P O I N T E G R A L
89
Para o prefeito, a alimentação
escolar é um aspecto da educação. Não dá para analisar separadamente a merenda e os estudos, ainda mais quando se
estuda em período integral. Ele conta que, no início, algumas famílias não aprovavam a idéia do turno integral, dizendo
que teriam menos contato com os filhos, que não faltava comida em casa e que as crianças não precisavam ir à escola
para comer. “Tivemos de convencê-las de que os alunos comem porque estão na escola, e não o contrário”, diz Padre
Valter. “Além disso, a alimentação faz parte da educação, com a mudança dos hábitos alimentares para refeições balan-
ceadas com verduras e legumes que as crianças normalmente não comem em casa, mas sempre com cardápios compos-
tos por alimentos simples, que estão ao alcance das famílias.” A própria economia do município foi dinamizada com o
período integral, já que as mães têm agora mais tempo livre para trabalhar, estudar, etc. As escolas passaram a ensinar
o currículo normal pela manhã e desenvolveram 37 atividades extracurriculares no período da tarde, entre as quais estão
as hortas comunitárias já presentes em 15 das 37 instituições educacionais da prefeitura. A maior parte
das hortaliças consumidas nas escolas, contudo, não vem dos pátios escolares, mas do Hortão
Comunitário e das Vilas Rurais.
Dentro do mesmo conceito do Pacto pela Educação, em 2001 a administração de Apucarana
decidiu montar uma grande horta em um terreno que já pertencia à prefeitura mas estava sem
uso há anos. O objetivo principal era fornecer legumes e verduras frescos e sem agrotóxico para
a rede pública. Hoje 90% das beterrabas, cenouras, couves, mandiocas, carás, abóboras e alfaces
produzidos no Hortão são destinados à merenda dos quase 19 mil alunos das 70 escolas (incluin-
do as estaduais) atendidos pela prefeitura. O restante é levado para casa pelos próprios “agriculto-
É a porta de entrada para o desenvolvimento, que está calcado sobre quatro pontos: educação, produção, alimentação e saúde.
As pessoas educadas têm mais capacidade para produzir, seja numa empresa, numa cooperativa ou na zona rural. Produzindo,
elas têm condições de comprar os alimentos e também consumir cultura e conhecimento. Alimentadas, as pessoas têm mais
saúde. A saúde é o ponto de chegada, e estamos falando não apenas de ausência de doença física, mas, no conceito da
Organização Mundial da Saúde, o completo bem-estar físico, mental, espiritual, social, etc. É a realização pessoal, a felicidade.
E a missão do poder público, especialmente o municipal, é interpretar os sonhos da população e ajudá-la a alcançá-los. Quem
realiza é o próprio povo. Isso pode parecer uma utopia. A utopia, contudo, não é algo impossível de se realizar, mas o ideal
que se persegue”. ESCOLAS ESTIMULANDO A ECONOMIA E A AÇÃO SOCIAL
Quando as secretar-ias municipais realizam
um trabalho interdisciplin-ar os benefícios gerais são
muito grandes. A qualidade da alimentação escolar pode
ser a interseção entre as várias secretarias.
A P U C A R A N A
90
Outra importante parcela dos
vegetais consumidos nas escolas, quase 80%, vem de cerca de 30 produtores das quatro Vilas Rurais de Apucarana. Desen-
volvido pelo governo do Paraná nos anos 1990 para distribuir lotes de 5 mil metros quadrados com casinhas simples e man-
ter os bóias-frias do estado morando na zona rural, o programa foi uma boa oportunidade para alguns agricultores cultivarem
mais do que uma pequena roça de subsistência. Uma dessas pessoas é Ademir Pagotto,
que há dez anos vive e
trabalha na pioneira Nova Ucrânia. Diferente de seus vizinhos, desde o início ele preferiu ter sua própria horta e tentar
vender a produção na cidade. “Foi a forma que eu achei de ter um pedacinho de terra para plantar milho verde e piaçava
pra fazer vassouras, que eu oferecia de porta em porta. Era difícil porque a cidade é longe e a gente não consegue competir
na feira com os grandes e com o pessoal da Ceasa. Também não tinha segurança nenhum a. Por isso, quando a prefeitura
veio em 2001 querendo comprar verduras, só tinha uns quatro ou cinco agricultores em condição de produzir. Depois,
vendo que pagavam direitinho, outros se interessaram. Só aqui na nossa vila temos uns 15 que vendem para a prefeitura.
res”, isto é, cerca de 15 a 20 pessoas que trocam algumas horas de trabalho no campo por cestas básicas, remédios ou serviços
como emissão de documentos e passagens de ônibus. A idéia é não dar o peixe, mas ensinar a pescar. “O Hortão é um pro-
jeto da Secretaria de Ação Social, em conjunto com as Secretarias de Agricultura e de Desenvolvimento Humano, para ajudar
os cidadãos mais necessitados — sem um assistencialismo que prende as pessoas ao governo — e ao mesmo tempo fornecer
quase 20% das verduras e legumes consumidos nas escolas e creches do município”, explica o diretor do Departamento de
Merenda Escolar, Disnei Leugi.
Um único funcionário contratado pela prefeitura, o técnico agrícola Reginaldo
Soler Fazio, cuida da horta e ajuda os cidadãos que aderem ao Programa de Assistência Social com Dignidade a plantar e
colher os alimentos. “É um trabalho 95% manual, mas é simples e não precisa ser pesado”, explica. “Enquanto os homens
podem capinar o mato e fazer o serviço mais duro, as mulheres podem, por exemplo, ajudar a lavar os legumes ou montar
as mudas no viveiro.” FAMÍLIAS PLANTANDO E CRIANÇAS FORA DAS RUAS
E M T E M P O I N T E G R A L
91
Hoje tenho produção de repolho, pepino, mandioca e beterraba que vendo para a Conab no
município de Mandaguari e forneço alface para a merenda em Apucarana. Mas se não fosse
a prefeitura comprar da gente eu não sei como ia ser, porque só com o Compra Direta
íamos passar apertado. A Conab paga no máximo R$ 2.500 por ano e eu já cheguei a
receber da prefeitura de Apucarana até R$ 2.800 em um mês. A média é de R$ 1.500
a R$ 1.800, dependendo da época.”
Pagotto explica que a cultura de alface é muito delicada, especialmente nos me ses
de verão, quando o sol forte e as chuvas destroem as folhas frágeis da verdura.
“Aí tem que entender da arte e ter apoio de financiamento do Pronaf para comprar o
sombrite que protege a plantação”, diz orgulhoso. “Não é aquele valor de estourar, mas
é o justo porque a prefeitura faz uma cotação entre os preços do mercado, das quitandas e
da Ceasa. Quando eu estava correndo atrás de feira, não conseguia segurar um centavo. Agora
dá pra fazer uma previsão certinha pra não passar necessidade e contar com isso. No começo, quando o prefeito Padre
Valter quis fazer isso, teve muita gente que falou que não ia dar certo. Mas hoje você não vê mais criança pedindo em
supermercado, e não está pedindo porque está comendo na escola. Ver o depósito de alimentos da prefeitura enche a
gente de alegria. Tem de tudo, verdura, legumes, arroz, macarrão... Nossa parte, nós estamos fazendo e a melhor coisa
do mundo é você saber que está produzindo para um monte de criança comer!” O depósito do Departamento de
Merenda Escolar de Apucarana, coordenado pela chefe de divisão Benedita da Silva Tamura, centraliza todo o recebi-
mento dos alimentos adquiridos pela prefeitura, menos pão, leite, carne e alguns legumes entregues diretamente nas
escolas e creches. Os produtos do Hortão e das Vilas Rurais são retirados nos locais de produção — evitando que
os produtores tenham que se deslocar até a cidade —, passam pelo depósito e são distribuídos no dia seguinte para
as escolas.
A variedade de produtos que compõem a merenda na cidade é bastante grande e inclui ainda mel, pão caseiro, bolacha,
agrião, milho verde, rapadura, carnes de porco e de boi e doce de banana produzidos por 66 pequenos agricultores
familiares da região. Todos esses produtos são entregues sem custo para a prefeitura por meio do Programa de Aquisição
Direta de Alimentos da Conab, em parceria com o Governo Federal. Mesmo assim, e também por causa das aulas em
período integral, o município repassa para a alimentação escolar cerca de uma vez e meia o valor enviado mensalmen-
te pelo PNAE. Ao todo, a prefeitura investe 32% de sua arrecadação no setor de educação, o que permite várias outras
O armazena-mento dos alimentos
exige cuidados técnicos e higiênicos: o alimento não deve
ficar apoiado sobre o chão, o ambiente tem que ser ventilado,
mas as entradas de ar protegidas por telas para evitar a entrada de inse-tos. A entrega direta do produto nas escolas permite um alimento mais
fresco e diminui seu custo, mas exige maior controle de
quem recebe.
A P U C A R A N A
92
Todas essas inovações, contudo, pode-
riam representar apenas gastos extras para a prefeitura se os alunos não aprovassem as mudanças ou desperdiçassem os ali-
mentos. É aí que entra mais um programa inédito: o Projeto Prato Limpo. Coincidentemente ou não, o projeto também
começou devido à mudança do horário das aulas para o período integral. Em março de 2005, a professora Elsa Maria Vieira,
da Escola José Brasil Camargo, passou a dar aulas também à tarde, assumindo a Oficina de Formação Humana e almoçando
na escola. Vendo que as crianças estavam deixando muita comida no prato, ela decidiu passar para as classes um filme de
curta metragem chamado Ilha das Flores, feito em 1989 pelo cineasta Jorge Furtado. No documentário, os humanos têm que
esperar os porcos revirarem primeiro um lixão próximo a Porto Alegre para somente depois, por poucos minutos, receberem
autorização dos seguranças do local para buscar restos de comida descartada... O impacto nas crianças foi
imediato! Nas semanas seguintes, ela esperava as turmas terminarem de comer, pegava a bacia vermelha
onde eram jogados os restos do almoço e levava de sala em sala para mostrar o quanto se desperdiça-
va todos os dias: de dois a três quilos numa escola com 135 alunos. “A idéia era conscientizar os
alunos de que enquanto eles desprezavam alimentos frescos e de qualidade, tão importantes para
seu desenvolvimento, tinha gente disputando comida com os bichos”, diz Elsa.
Na mesma época, a nutricionista da prefeitura Vera Bórmio foi à escola para dar uma palestra
sobre boa alimentação e conheceu a experiência. “O grande problema era que as merendeiras pre-
inovações na merenda, como a introdução do iogurte de leite de soja, açúcar mascavo, pão enriquecido com farinha
multimistura e da plantinha ora-pro-nóbis. “Essa planta é uma espécie de ‘bifinho vegetal’, porque é composta em mais
de 25% por proteína”, explica a nutricionista Vera Lúcia São José Bormio.
“Ela tem ainda vitaminas
A, B e C, minerais como cálcio, fósforo e ferro e é uma grande fonte de ômega-3, uma substância importante na pre-
venção de infartos e no fortalecimento do sistema imunológico.” O vegetal e seu uso na culinária, aliás, têm sido um
dos principais assuntos dos cursos de capacitação realizados anualmente com todas as merendeiras da rede públi ca,
junto a temas mais tradicionais, como higiene na cozinha e aproveitamento de talos, folhas e sementes no cardápio
das escolas. PRATO LIMPO E ECONOMIA NO ORÇAMENTO
A comunidade escolar deve estar envolvida no projeto da prefeitura.
E M T E M P O I N T E G R A L
93
paravam os pratos das crianças e muitas vezes punham mais comida do que elas queriam ou alimen-
tos de que elas não gostavam”, relembra. “O destino só podia ser mesmo o lixo.” Com o apoio
da Secretaria de Desenvolvimento Humano, elas conseguiram vasilhas para que os próprios
alunos se servissem de acordo com sua escolha de produtos dentro do cardápio e em quanti-
dade que não permitisse sobras, podendo repetir quantas vezes quisessem. A escola também
foi uma das pioneiras na introdução de garfo e faca de metal (até então as crianças usavam
colheres), marcando uma grande evolução no respeito aos alunos e na educação alimentar.
Estava pronto o núcleo do Projeto Prato Limpo —Responsabilidade Social e Qualidade de Vida.
“Lembro-me bem do primeiro dia com os novos talheres”, conta a diretora da escola, Leila da Silva
Piacentini de Souza. “Eles ficaram emocionados, solenes, parecia que estavam em uma festa muito
chique.” Hoje é a bacia vermelha que foi descartada. Ela só é usada para os ossinhos quando é dia de frango. E os alunos
de Elsa criaram duas apresentações, uma de rap com percussão no próprio corpo e outra com uma paródia de uma música
sertaneja, para conscientizar os colegas de outras escolas sobre a importância de não desperdiçar comida e se alimentar
corretamente. O Projeto Prato Limpo já atinge 15 unidades educacionais e representa uma enorme economia no orçamen-
to do Departamento de Merenda Escolar. A Escola Juiz Luis Fernando Araújo, com 450 alunos, por exemplo, deixa de
cozinhar por dia em média sete quilos de arroz que não vão mais para o lixo!
Devido à boa qualidade dos alimentos, o preparo eficiente e o pouco desperdício, a prefeitura de Apucarana acabou aten-
dendo mais do que as 37 escolas de educação básica e fundamental e as 19 creches municipais. O Departamento de
Merenda Escolar da cidade também é o responsável pela alimentação dos alunos de 13 unidades da rede estadual no muni-
cípio e de quatro entidades assistenciais: o Abrigo do Menor, o Centro Educacional Profissionalizante Esperança — Cepes,
que atende meninos de rua, a creche Cemil e também a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais — APAE. Nesta últi-
ma, por exemplo, 320 deficientes físicos e mentais (de bebês a idosos) também recebem ao menos três refeições por dia.
“Para o programa de merenda escolar, somos classificados como Escola de Educação Especial, e portanto nossos alunos
sempre tiveram direito à alimentação”, explica a diretora da instituição, Izabel Ortega.
“Mas como também
somos uma entidade assistencial, recebemos doações e verbas de outras fontes, que complementam nossas necessidades.”
Ela conta que a qualidade, a quantidade e a variedade de produtos fornecidos pela prefeitura de Apucarana melhoraram
Deve fazer parte do trabalho de educação ali-mentar a aprendizagem de modos de comer, de escolha dos alimentos e de preparo
dos pratos.
A P U C A R A N A
94
muito nos quatro últimos anos. “Hoje recebemos carnes, verduras, frutas e até mel e açúcar mascavo, que são artigos mais
difíceis. Portanto, temos que comprar apenas algumas bebidas e alimentos diferentes quando temos comemorações.”
O departamento entrega ainda adoçantes e produtos dietéticos para as refeições de alunos diabéticos e suplementos ali-
mentares especializados para atender a pacientes especiais.
Com as crianças o dia inteiro na escola e os adultos mais pobres tendo a possibilidade de trabalhar no Hortão Comunitário
para ter suas necessidades atendidas com dignidade, há anos as entidades do município não precisam mais fazer campanhas
de doação de alimentos e roupas para os menos favorecidos. Quantos municípios no Brasil podem mostrar o mesmo?
CAST
AN
HA
L (P
A)
VAIVÉM NA COZINHA
Quando a área territorial do município é
grande, a distribuição da merenda é mais
complexa. Como fazer em casos assim?
Experiência premiada
na categoria Região Norte – 2006 O município de Castanhal por meio do Programa de Incentivo à Comunidade
Agrícola, comprou alimentos regionais, como farinha de tapioca, farinha de mandioca e açaí
dos produtores rurais da região. Desenvolve a região e promove a cultura regional.
Ovos e verduras foram adquiridos da Associação dos Moradores do Residencial Rouxinol. Há hortas em 15 das escolas, onde são realizadas atividades pedagógicas como semeadura, rega e colhei-ta. No cardápio, a valorização de hábitos regionais fica por conta da utilização de polpa de frutas regionais como cupuaçu, caju, acerola, manga e goiaba.
População 134.496
Área da unidade territorial (km²) 1.029Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,806
Menor IDHM do Estado 0,525
IDHM de Castanhal 0,746Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 91
Receita municipal R$ 62.919.046,25
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 979.111,80
Complementação do município para compra de alimentos R$ 187.958,58
Alunos atendidos 30.859
Refeições servidas 6.157.000Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Castanhal (PA)
0,525 a 0,630 (30)
0,631 a 0,662 (28)
0,663 a 0,680 (28)
0,681 a 0,711 (30)
0,712 a 0,806 (27)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado do Pará
V A I V É M N A C O Z I N H A
97
Alguns especialistas em nutrição e educação costumam dizer que
não é boa prática servir refeições a estudantes nos intervalos entre as aulas. Os alunos da Escola Municipal São João
Bosco, no município de Castanhal, Pará, têm opinião diferente sobre o assunto, além de visível preferência por alguns
itens da merenda. Dentre os mais votados figuram a sopa de carne moída com legumes, o baião-de-dois e a “maria isa-
bela” — charque frito, cortado em pedacinhos, refogado com arroz e hortaliças. Uma delícia, garante a diretora
Terezinha Barros da Silva.
Não é de duvidar. Ali, quando um dos sucessos do cardápio está na mira, os
jovens das diversas turmas do 6.º ao 9.º ano do Ensino Fundamental sempre voltam à cozinha para reabastecer os pratos.
O vaivém só pára quando as conchas ou escumadeiras, manejadas pelas merendeiras, nada mais resgatam do fundo de
dois ou três panelões, antes repletos de um cozido fumegante.
Mas, em Castanhal, onde também há grande variedade de alimentos mais leves na merenda, o gosto generalizado por
refeições substanciosas se justifica por outros motivos. Cerca de 92% dos mais de mil alunos da São João Bosco, por exem-
plo, moram na área rural. Pela manhã, parte desse contingente faz a viagem de casa à escola, que pode chegar a quase 50
quilômetros, com o estômago vazio. Os primeiros ônibus saem às 5h dos locais mais distantes, consumindo duas horas
para completar o trajeto. A jornada também pode ser longa para os que estudam à tarde. Nesse contexto, fica um tanto
difícil sustentar a tese da inconveniência de se servir um almoço a crianças ou adolescentes entre 9h e 10h. Ou um jantar
por volta de 15h. Essa rotina foge dos padrões culturais brasileiros, mas se impõe pela necessidade. Poderá mudar mais
adiante, caso venha a ser introduzido o café da manhã nas escolas. A diretora Terezinha sonha com isso.
VAIVÉM NA COZINHA
C A S T A N H A L
98
A EJA recebe atenção especial da munici-
palidade. Foram 4.300 estudantes no ano passado, em 23 escolas. A alimentação é um ponto importante. Implantada
em período recente, começou com um lanche. Depois evoluiu. Como se trata de refeição noturna, servida às 20h30,
quando é menor o número de cozinheiras disponíveis, a Coordenadoria da Merenda procurou organizar cardápios sim-
plificados, mas nutritivos. Café com leite, biscoitos, pão, suco, geléias, sopas e macarronada, que é fácil de fazer com
Por enquanto ela faz o possível para evitar que os alunos mais carentes sofram distúrbios por falta do desjejum. Professores
e cozinheiras foram instruídos para observar os sintomas — estudantes de “cara branca”, principalmente — e providenciar
um lanche rápido. Pode ser um suco, leite, bolachas — o que estiver à mão. O café da manhã ainda não é uma realidade,
mas a merenda em Castanhal progrediu de maneira notável a partir de 1997. Por coincidência, foi quando a professora
Terezinha assumiu a direção da escola, onde começou a lecionar em 1991, o ano da inauguração da unidade. Naquela
época, o sistema de alimentação dos estudantes era péssimo no município. Não havia merenda todos os dias, pois as des-
pensas escolares se esvaziavam antes do final do mês. As provisões nem sempre eram de qualidade. Distribuíam-se cargas
de suprimentos envelhecidos, além de produtos de gosto duvidoso, sem qualquer respeito para com os alunos. Eles costu-
mavam rejeitar, por exemplo, certa mistura fabricada supostamente com banana, que deixava no ar um cheirinho indefi-
nível, mas suspeito.
De vez em quando acontecia de a despensa ter comida, mas não haver gás para cozinhar. Orientação técnica de nutricio-
nistas? Nenhuma. Cursos para as cozinheiras? Nem pensar. Em tempos mais recuados, as coisas eram piores, conforme
atesta a professora Liciete Lemos Pereira,
que está há 42 anos no magistério. No início de sua carreira,
havia ocasiões em que as crianças ficavam três ou quatro dias sem ter o que comer na escola. Pode-se imaginar a falta que
fazia a merenda, pois ainda hoje, em todo o país, muitos alunos comparecem às aulas não tanto para estudar, mas sim
para se alimentar. Liciete é diretora da Escola Municipal José Henrique de Araújo, na Agrovila Castelo Branco, localizada
a 25 quilômetros de Castanhal. Nessa unidade, onde o número de matrículas também supera a casa do milhar, estudam
de crianças do Ensino Infantil a jovens do Ensino Médio. E também adultos de até 60 anos, ou pouco mais, integrantes
de turmas da Educação de Jovens e Adultos — EJA. PROGRAMA PREMIADO
V A I V É M N A C O Z I N H A
99
carne moída, que também entra na composição de sanduíches, muito apreciados pelos alunos. O secretário municipal
de Educação, Luiz Paiva de Oliveira,
que está há sete anos no cargo, informa que os cardápios da EJA
foram organizados com a participação dos alunos. O resultado da implantação da merenda noturna foi ótimo: a taxa de
evasão despencou, verificando-se o retorno dos ex-estudantes. Pessoas que haviam abandonado o curso porque trabalha-
vam o dia todo e não tinham ânimo para ir às aulas com fome.
Descontada a merenda, outro fator contribuiu de forma decisiva para conter a evasão dos estudantes da EJA e garantir-lhes
bom aproveitamento nos estudos. Trata-se do programa Planeta Letrado que, ao lado dos investimentos no ensino de
informática — laboratórios completos estão sendo instalados em todas as escolas —, tem sido motivo de orgulho para
Castanhal. O Planeta Letrado se destina à formação continuada de professores que trabalham na EJA, com metodologia
específica desenvolvida pela professora Maria do Perpétuo Socorro Xavier. O método ela mesma testou com uma primeira
turma de 49 alunos, numa escola rural, alcançando resultados excepcionais, que agora se reproduzem em todas as unida-
des de ensino do município. Egressa da EJA, a professora Maria do Socorro,
hoje pós-graduada em peda-
gogia pela Universidade de Brasília, valeu-se de sua experiência para conceber a metodologia, que lhe garantiu um prêmio
nacional em 2006, concedido pela revista Cláudia. Em 2005, o Planeta Letrado já havia sido premiado pela Fundação
Abrinq e pelo Ministério da Educação.
Além da EJA, Castanhal tem sido generosa para com suas 16 entidades filantrópicas. Uma delas é o Centro de Educação
Infantil Lurdes de Melo, que cuida de 130 crianças de famílias carentes, em dois turnos. O centro, além das doações
da entidade mantenedora, recebe ajuda de empresários e do programa Mesa Brasil. Sua coordenadora, a pedagoga
Iolanda Souza Nery,
informa que a alimentação das crianças melhorou muito após a assinatura de um con-
vênio com a Secretaria de Educação. Por meio do convênio, a instituição passou a receber os gêneros alimentícios da
C A S T A N H A L
100
merenda e orientação para a cozinheira Alzira Pereira de Freitas — uma digna representante de sua categoria profissional.
Alzira deixou um restaurante para trabalhar no Lurdes de Melo há 16 anos. Abre e fecha a escola, e nunca faltou ao traba-
lho, nem mesmo quando quebrou o braço: compareceu para orientar a substituta. Gosta de crianças e conhece os hábitos
de todos os pequeninos sob os seus cuidados. Modesta, seu grande prêmio é ser parada na rua por ex-alunos, que costu-
mam lhe perguntar, saudosos: “D. Alzira, que merenda tem lá hoje?”.
O ciclo de mudanças no siste-
ma da merenda escolar em Castanhal começou em 1997, com ações destinadas a tirá-lo da penúria, relata a assistente social
Edna Soares,
coordenadora que está no cargo desde aquele ano, a princípio convidada pelo ex-prefeito Paulo
Titan, que iniciava o mandato. Edna organizou o primeiro curso de treinamento para as cozinheiras numa fase ainda mar-
cada pela escassez. O curso se limitou a ensiná-las a tirar o maior proveito possível dos alimentos e a evitar desperdícios a
todo custo. O município estava desestruturado, com os salários dos funcionários atrasados e uma dívida milionária para
saldar. Nas cozinhas, a falta de equipamentos era regra. Não havia nem mesmo pratos e talheres suficientes. Parte dos
alunos era obrigada a esperar que esses utensílios fossem lavados, depois de terem sido usados pelos colegas servidos pri-
meiro. Para todos os envolvidos, o desconforto e a ansiedade deviam ser enormes: numa escola de 450 alunos, podia haver
50 pratos, por exemplo.
As carências gritantes foram eliminadas à medida que o sistema entrava nos eixos. As cozinhas receberam os equipamentos
necessários, e as merendeiras passaram por treinamentos sucessivos. O mais recente ocorreu em 2006, quando a prefeitura,
por meio de convênio com o Serviço Social da Indústria – Sesi, trouxe uma equipe de instrutores do programa Cozinha Brasil
para ficar uma semana na cidade. Nos primeiros anos da reforma, uma nutricionista de Belém reorganizou os cardápios e
supervisionou sua implantação, visitando Castanhal algumas vezes por mês. Até que, finalmente, em 2001, o município
contratou Darlene Souza dos Santos para trabalhar em tempo integral. A nova nutricionista desembarcou na cidade para seu
primeiro emprego, com a tinta ainda fresca no diploma universitário. E conta que aprendeu muito nos anos subseqüentes
com a prática cotidiana. Sua contratação veio em boa hora. Àquela altura, Edna, apoiada pela administração municipal, esta-
va pronta para mudar os cardápios e enriquecer a alimentação escolar com produtos regionais.
PASSO A PASSO
V A I V É M N A C O Z I N H A
101
Castanhal tem outras iniciativas bem-sucedidas na esfera da alimentação
escolar. Uma delas foi utilizar a merenda como instrumento de estímulo aos agronegócios. Pelo menos duas indús trias
Edna, filha de agricultor, criada em comunidade agrícola, queria ver nas escolas o máximo possível de produtos da terra.
Frutas como o cupuaçu e o açaí, farinha de tapioca, hortaliças... A mudança, embora gradual, foi substantiva, pois grande
parte dos alimentos industrializados, aos poucos, sumiu das despensas. Particularmente as misturas liofilizadas. Ao mesmo
tempo, a Coordenadoria da Merenda Escolar aprofundava a formação das cozinheiras, procurando estabelecer uma con-
vivência cordial com o pessoal das escolas, incluindo diretoras e professoras. Edna e Darlene
avaliam os
resultados como muito produtivos sob vários aspectos. Da assepsia do ambiente das cozinhas ao cuidado das merendeiras
com a higiene pessoal e com o preparo dos alimentos. Elas também se mostram cordatas quando recebem orientação para
alterar qualquer coisa, às vezes para atender reivindicações dos alunos: uma pitada a mais de sal, ou menos açúcar em
algum prato. As cozinheiras, 350 ao todo, também são importantes quando se trata de dar sugestões ou alterar os cardá-
pios, apontando os itens de maior ou menor aceitação.
Além de mudar a merenda, Castanhal desenvolveu um modelo de distribuição dos gêneros alimentícios que supre com
efi ciência e economia suas 91 unidades escolares rurais e urbanas. O cardápio para o ano inteiro é formulado antes do
início do ano letivo, seguindo-se a licitação para a compra de produtos, por meio de leilão. Os alimentos básicos, tais
como feijão, arroz, macarrão, leite em pó e biscoitos, suficientes para um mês, são descarregados em depósito da prefei-
tura. A distribuição é feita por dois caminhões. Um cobre o setor urbano, e o outro segue para a zona rural. Produtos
frescos como verduras e legumes, carnes, sucos, frutas da estação, bebidas lácteas e pão são entregues uma ou duas vezes
por semana, pelos próprios fornecedores. Tudo tem funcionado a contento, de acordo com Ana Araújo, presidenta do
Conselho de Alimentação Escolar. Segundo ela, o CAE tem sido bastante atuante, recebendo pleno apoio da prefeitura
para exercer suas funções. Assim, ao cabo de dez anos à frente da Coordenadoria da Merenda Escolar, Edna Soares decla-
ra satisfeita. Principalmente porque o número de estudantes da rede pública não parou de crescer, passando de 22 mil
para 32 mil alunos no período, e o sistema da merenda, em constante aperfeiçoamento, foi capaz de atendê-los, sem
sobressaltos. DIRETO DO PRODUTOR
C A S T A N H A L
102
devem muito de seu sucesso às compras da prefeitura. A história da Amapolpas, quem conta é Ronaldo Castro
dos Santos,
um cearense criado em Belém, que diz ter sido “adotado” por Castanhal há 14 anos. Na ocasião,
seus pais decidiram transferir as instalações da empresa familiar de Belém para a cidade. Vivia-se a febre da acerola, muito
procurada em toda parte, e cuja produção alcançava volumes expressivos no município. Em 1997, quando o entusiasmo
pela acerola havia arrefecido por conta do aumento da oferta no país, a empresa ganhou a primeira licitação para fornecer
sucos de frutas para a merenda, num valor correspondente a 30% ou 40% de seu faturamento na época. Com esse merca-
do cativo, de tamanha importância para ela naquele momento, a organização pôde ampliar sua linha de produtos e avan-
çar sobre novas fronteiras.
Hoje a Amapolpas coloca dezenas de itens no mercado. São polpas de
diversas frutas, doces, geléias e sucos concentrados. E fornece para a
merenda escolar em outras cidades, inclusive Belém. Os benefícios econô-
micos dessa operação são evidentes, pois a matéria-prima que alimenta a
Amapolpas vem de cerca de 200 propriedades rurais, das quais pelo menos
70 ficam em Castanhal. A outra empresa que deve muito à merenda é a
IC Melo, uma indústria de laticínios castanhalense, fundada há pouco
tempo. Esse empreendimento também familiar, dirigido por Ivan Melo,
era bem modesto no início. Produzia iogurte e leite, embalados em saqui-
nhos. Tal como a Amapolpas, recebeu da merenda um impulso decisivo
em 1997. Naquele ano, cerca de 40% de seu faturamento foi garantido
pelo consumo dos iogurtes na rede escolar. Com o tempo, a merenda per-
deu a importância relativa nos negócios da empresa, que se expandem
pelo Norte e Nordeste. Contudo, em 2006, as escolas de Castanhal absor-
veram 60 mil litros de suas bebidas lácteas, vendidas com a marca
Flamboyant. Ivan Melo diz que não tem do que se queixar.
José Odir de Senna também não. Ele é um dos mais novos integrantes do
time de fornecedores da merenda que, além da Amapolpas e da IC Melo,
V A I V É M N A C O Z I N H A
103
O potencial da
merenda escolar enquanto fator de estímulo à economia ainda não se esgotou em Castanhal. Prova disso é que fornecedo-
res novatos continuam a chegar. Um deles é o agricultor José Luiz Bezerra do Nascimento, que está vendendo hortaliças
para a maioria das escolas do município em 2007. Hoje, José Luiz conta com a ajuda do filho Anderson, de 18 anos. Mas
teve de abrir sua própria trilha na horticultura sozinho, há algum tempo, depois de abandonar a produção de farinha de
mandioca. A peleja foi dura: por anos a fio, o produtor transportou verduras, legumes e frutas em ônibus, até Belém, usan-
do um punhado de jacás. Foi assim que conquistou freguesia na capital do estado e renda suficiente para comprar veículos
e aumentar a escala de produção. Na Agrovila de Iracema, que é sua base, José Luiz estabeleceu parcerias com 15 famílias,
para as quais fornece insumos e comercia as colheitas.
Um dos parceiros é Ruy Costa, que nasceu e viveu em Belém durante a maior parte de sua vida. Como sonhava em deixar
a cidade para trás, comprou alguns hectares de terra em Iracema, há algum tempo. Em 2005, quando resolveu passar adian-
te seu mercadinho em Belém e mudar de ares, foi bastante criticado por parentes, mas não esmoreceu. Agora planta hor-
taliças e frutas em Iracema, auxiliado pela esposa e filhos. Ao menos parece estar no lugar certo. O distrito, segundo se
comenta, é o maior pólo de horticultura do Pará, e Ruy Costa é um dos 80 afiliados da Associação dos Produtores Rurais
da Agrovila de Iracema, que lhe dá assistência técnica. De acordo com estimativas da entidade, em 2006 seus sócios ven-
deram mercadorias no valor de R$ 7 milhões somente para Castanhal.
reúne uma fábrica de massas, frigoríficos e outros processadores de alimentos. José Odir é proprietário de uma indústria
artesanal, na periferia do município, onde transforma fécula de mandioca em farinha de tapioca, que vende pura ou mis-
turada com coco. A farinha, produto original do Pará, aos poucos vai se tornando conhecida em todo o Brasil, graças à
difusão do consumo do açaí. Essa dobradinha faz enorme sucesso, embora a farinha de tapioca também seja usada, dentre
outras finalidades, para bolos e pudins da culinária paraense.
Em outra vertente, a merenda escolar beneficia produtores de hortaliças. A começar por algumas famílias que tocam uma
horta comunitária dentro da própria cidade, no conjunto residencial Rouxinol, construído em 2004. A iniciativa de plan-
tar a horta partiu da associação dos moradores do conjunto, presidida por Francisco das Chagas Costa, tendo sido apoiada
imediatamente pela prefeitura, que doou adubos e sementes, além de prover assistência técnica, por meio da Secretaria de
Agricultura. Com a horta comunitária, três famílias abastecem nove escolas. E ainda há excedentes para a venda no pró-
prio bairro. Francisco Costa informa que cada família apura no mínimo R$ 200 por semana com essa atividade. Trata-se
de ganho expressivo, pois antes essas pessoas não tinham nenhuma fonte de renda. MEL NA ESCOLA
C A S T A N H A L
104
E o mercado deverá continuar em crescimento, prevê o prefeito Hélio Leite da Silva. Ele declara que o município ainda tem
muito o que explorar no território dos agronegócios. Há, por exemplo, vários frigoríficos na cidade abatendo gado produzido
na região. Porém, o couro, sem processamento, é enviado para indústrias do Sul e Sudeste do país. Hélio Leite pretende atrair
um curtume para Castanhal. Com isso, a oferta de peles poderá dar início a um pólo calçadista, gerando quantidade apreci-
ável de empregos, renda e aumento do consumo em geral. É também de aumento da renda de pequenos agricultores que o
prefeito trata quando anuncia uma novidade para a merenda: o mel, que em breve estará sendo produzido por dezenas de
apicultores. No princípio de 2007, a administração castanhalense já havia cadastrado perto de cem interessados no programa,
e providenciava os equipamentos necessários para a criação de abelhas. O que se pretende é organizar os novos apicultores
em cooperativa e, a exemplo do passado, estimular a atividade com a compra da produção para a merenda.
CRIC
IÚM
A (S
C)SEM MÁGICAComo adquirir produtos com melhor qualidade,
aproveitando melhor o recurso da merenda e
ainda trazendo desenvolvimento?
Experiência premiada na categoria Desenvolvimento Financeiro – 2005 A prefeitura de Criciúma consegue associar desenvolvimento e qualidade nutricional.
A aquisição de produtos orgânicos diretamente dos produtores rurais traz desenvolvimento
econômico à região, contribui para uma merenda mais saudável com a introdução de alimentos orgânicos
e permite que o recurso da merenda renda mais.
População 170.420
Área da unidade territorial (km²) 236Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,875
Menor IDHM do Estado 0,680
IDHM de Criciúma 0,822Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 123
Receita municipal R$ 5.315.785,54
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 547.528,80
Complementação do município para compra de alimentos R$ 442.222,10
Alunos atendidos 25.191
Refeições servidas 3.967.600Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Criciúma (SC)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Santa Catarina
0,680 a 0,762 (60)
0,763 a 0,787 (58)
0,788 a 0,802 (58)
0,803 a 0,818 (59)
0,819 a 0,875 (58)
S E M M Á G I C A
107
Seria possível melhorar a qualidade e a variedade da merenda,
diminuir o repasse de dinheiro municipal e ao mesmo tempo dinamizar a economia de uma cidade? Criciúma, em Santa
Catarina, tem provado que sim! E, de quebra, o município ainda ajuda a resgatar tradições, culturas e até sementes ame-
açadas de extinção. Tudo isso por meio de inteligentes parcerias com órgãos e instituições como a Companhia Nacional
de Abastecimento — Conab, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina — Epagri/SC e a
Universidade do Extremo Sul Catarinense — Unesc. Além da responsabilidade de dar continuidade a bons projetos,
mesmo que tenham sido iniciados ou propostos por governos rivais. Por meio da alimentação escolar o município muda
uma triste imagem de devastação ambiental construída por décadas de atividade mineradora, diversifica a monocultura
historicamente centrada no tabaco e devolve a cidadania a seus habitantes.
Esta história começa em 2001, com a contratação da primeira nutricionista da Secretaria da Educação,
Fabiane
Fabris. Nascida e criada no município, ela sempre acreditou que alimentos naturais ajudam a melhorar a qualidade de vida
das pessoas. Quando chegou à secretaria, recém-formada, Fabiane considerou a merenda em Criciúma “bem básica”, com-
posta essencialmente por arroz, feijão, carne bovina, bolachas e eventualmente uma minestra (sopa de arroz com feijão
típica da região). Desde o início, portanto, seu desafio foi introduzir aos poucos alimentos orgânicos e in natura no cardápio
dos 16 mil estudantes então atendidos pela verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação — FNDE e pela con-
trapartida oferecida pela prefeitura. O benefício dos alimentos naturais deveria se estender ainda ao lanche para os alunos
matriculados no curso de Educação para Jovens e Adultos — EJA, que não contava com verba federal para esse fim. Uma das
primeiras ações da nutricionista, então, foi procurar a parceria da Epagri para o governo local poder começar a cadastrar os
produtores da região e realizar licitações para a compra de banana, aipim e cenoura cultivados sem agrotóxicos.
ECONOMIA E RESGATE DA CIDADANIA
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108
Em 2002, a cooperativa do município vizinho de Turvo tornou-se
fornecedora de arroz integral e caldo de tilápia. “Tivemos alguma dificuldade na aceitação desses produtos por parte dos
alunos, principalmente nas escolas mais distantes do centro, mas em outras, como a da entidade filantrópica Bairro
Juventude, que também recebe a merenda, o aceite superou os 90%”, conta Fabiane. Sucos naturais, chá mate e frutas
como maçã e laranja também entraram no cardápio. Simultaneamente, a nutricionista iniciou um programa de reedu-
cação alimentar com palestras para pais e alunos, consultas individuais para os casos mais graves de subnutrição e
sobrepeso, e capacitação das merendeiras na esteira da lei estadual que proibiu a venda de guloseimas, salgadinhos e
refrigerantes nas cantinas das escolas de Santa Catarina. “Na época identificamos, com a ajuda dos professores de edu-
cação física, cerca de 80 alunos com sobrepeso na rede municipal. E sabemos que essas crianças podem vir a ter proble-
mas de aprendizagem e relacionamento por causa do preconceito e da discriminação de que muitas vezes são vítimas”,
diz. Para esse trabalho, os alimentos naturais são essenciais.
Pouco a pouco a pauta de orgânicos crescia. Mas como esses produtos geralmente são mais caros do que os similares
tradicionais, também aumentava a necessidade de uma complementação financeira adicional por parte da prefeitura.
Para equilibrar as contas e manter os orgânicos, seria necessário diminuir o gasto com outros produtos. Analisando a
planilha de custos, a Secretaria Municipal de Educação descobriu que quase metade da verba do FNDE era empregada
na aquisição do mais básico dos alimentos: o pão, adquirido nas padarias da cidade. Parte da solução para o problema
poderia ser, portanto, fabricar os pães distribuídos na merenda e ganhar com a economia de escala. De fato, a Central
de Distribuição da prefeitura havia mantido uma padaria por muitos anos. Contudo, essas antigas insta-
lações estavam há muito tempo sucateadas e sem condições sanitárias e de segurança para funcio-
nar. Para que ela pudesse voltar a produzir os pães de qualidade que os alunos das escolas mere-
ciam, o município teve de investir entre R$ 30 mil e R$ 40 mil de 2002 a 2004 em reformas
estruturais e aquisição de equipamentos, além de capacitação e material para uso dos padei-
ros. A prefeitura adquiriu três novos fornos a lenha e as instalações elétricas do prédio foram
totalmente refeitas. Também foram comprados uniformes brancos, toucas para a cabeça e
máquinas para misturar a massa.
SUCOS, FRUTAS E O PÃO NOSSO DE CADA DIA
Analisar os custos mensais, identificar os mais altos e utilizar
mecanismos que reduzam gastos podem significar uma melhoria na quali-
dade da merenda oferecida.
S E M M Á G I C A
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Padeiro desde os 14 anos, Nei Mazuqui
chegou a trabalhar por oito anos na velha panificadora da prefeitu-
ra. Ele se lembra bem do estado precário em que ela se encontrava, sem equipamentos nem funcionários suficientes. “As
coisas eram muito bagunçadas, uma sujeira, não tinha ninguém pra limpar”, comenta. Tanto era assim que ele preferiu
procurar emprego na iniciativa privada. Mas a reforma atraiu o padeiro de volta. Ele e mais três funcionários passaram por
cursos de capacitação e atualização. Mesmo assim, levou algum tempo até Mazuqui acertar o “ponto ideal” da massa.
Muitas escolas chegaram a devolver o pão que recebiam por estar fora dos padrões exigidos. O padeiro chefe precisou fazer
várias tentativas e experiências para chegar aonde queria. “Agora é uma beleza trabalhar aqui”, diz com orgulho das assa-
deiras que retira dos fornos enquanto faz questão de oferecer um pedaço ainda quentinho aos visitantes. Sua satisfação
está estampada nos olhos brilhantes sob a testa suada. E o retorno para a prefeitura não podia ser melhor. Comprando
insumos como farinha e óleo em grande quantidade, usando lenha nos fornos e sem precisar pagar pelo lucro das panifi-
cadoras, a prefeitura conseguiu uma enorme redução de custos. Atualmente, um pãozinho que custaria nas padarias cerca
de R$ 0,23 sai para as escolas por R$ 0,05, uma economia diária de R$ 1.800,00 na fabricação e distribuição de 10 mil pães.
Há ainda a vantagem adicional de os pães serem enriquecidos com ácido fólico e ferro para evitar a anemia, comum nas
crianças em fase de crescimento.
Outra ação da prefeitura com vistas a
diminuir o custo total da merenda e ao mesmo tempo melhorar a qualidade dos produtos distribuídos para as crianças foi
o cadastramento do município no Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, da Conab. A idéia era continuar compran-
do produtos orgânicos das cidades vizinhas, mas também identificar, estimular e dar assistência a pequenos agricultores
do próprio município interessados em fazer parte do programa. O responsável por essa missão era o servidor Duílio Firmo,
que conseguiu alinhar Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Epagri, Conab e Unesc para dar suporte aos pequenos
produtores de Criciúma. Estava tudo praticamente pronto para a inauguração da primeira cooperativa de produtores da
cidade, a Nosso Fruto, quando o prefeito reeleito com grande margem de votos foi cassado no final de 2004, acusado de
fazer propaganda pessoal na tradicional Festa das Etnias. O clima político esquentou enquanto o segundo colocado nas
CONTINUIDADE PELO BEM DAS CRIANÇAS
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110
eleições, Anderlei José Antonelli, tomava posse e trocava os comandos das secretarias. O revanchismo ameaçava pôr a
perder todo aquele bonito trabalho iniciado na gestão anterior. Os mais afetados, contudo, seriam os alunos das escolas
municipais. Foi aí que aconteceu um fato raro na política nacional. Tendo plena consciência de suas responsabilidades
para com os cidadãos, a prefeitura decidiu encampar os programas em andamento. Da mesma forma, os servidores demi-
tidos também compreenderam a importância para a população da continuidade dos programas e repassaram todas as
informações e contatos necessários para isso. César Faraco, o novo encarregado, pegou o projeto do PAA e ampliou o
número de entidades a serem beneficiadas, como as associações de pais e professores e instituições filantrópicas. Hoje, 26
pequenos produtores fazem parte da Cooperativa Nosso Fruto, fornecendo por meio da Conab alimentos de qualidade
para a merenda de 20 mil alunos atendidos nas creches, escolas e programas sociais da prefeitura.
“Eu assumi a Secretaria de Educação em março de 2005 e o projeto do PAA estava em tramitação”, conta a secretária
Marly Pacheco. Com 25 anos de magistério e 18 como diretora de escola municipal, a professora conhece bem
a importância da alimentação escolar e decidiu manter todos os programas iniciados na gestão anterior. “Respeitamos muito
o trabalho das nutricionistas e temos certeza de que se elas propõem a introdução de algum novo projeto como o da merenda
orgânica, da padaria ou da reeducação alimentar é porque sabem o que estão fazendo”, resume. “Vi por muitos anos como era
a merenda, uma única refeição às 15h, sem verduras ou frutas, normalmente apenas macarrão, pão, biscoito e leite de soja.
Agora vejo com alegria esse processo sendo construído e envolvendo governo e sociedade civil com responsabilidade e respei-
to ao cidadão.” Para ela, o processo educacional, que inclui a alimentação escolar, nunca tem um retorno rápido, mas é por
meio dele que se formam adultos saudáveis e com consciência de seu papel na sociedade. É exatamente esse resgate da cida-
dania e da dignidade que os pequenos agricultores do município têm com o consumo cada vez maior de seus produtos pelos
alunos da rede pública atendidos pela prefeitura.
Prova disso é a trajetória de
Eduardo Kuster
Pereira, o Dudu, um típico descendente das levas de europeus responsáveis pela colonização do sul do Brasil. Como tantos
RECEITA DA NONA
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111
outros, ele também pensava em viver da agricultura na pequena propriedade da família. Com a crise no sistema de produção
do tabaco, no entanto, ele foi obrigado a trabalhar como bóia-fria e diarista em lavouras alheias. Cansado dessa lida, Dudu
decidiu retomar a história familiar e produzir artesanalmente, em casa, o chamado “biscoito colonial”. “Minha nona veio do
sul da Itália há quase um século, com apenas quatro anos, e ela tinha essa receita da bolachinha que era da avó dela num
caderninho antigo, ainda escrito em italiano. Minha mãe aprendeu a fazer com a minha avó e a vida toda a gente assava o
biscoito para o consumo da casa. Então resolvemos embalar o produto e conseguíamos vender cerca de 20 pacotes por sema-
na nas mercearias e mercados da região. Mas a renda era muito pequena. Meu irmão foi tentar a vida na cidade e eu estava
quase jogando a toalha. Aí apareceu o pessoal da Epagri falando sobre a possibilidade de entrarmos para a cooperativa e
vendermos nossa produção para a Conab repassar para a merenda escolar. Só que o biscoito precisava ter um rótulo registra-
do com todos os ingredientes e quantidades. Como minha mãe prepara a massa sem essa preocupação, tivemos que levar o
caderninho da nona com a receita original para uma professora da Unesc traduzir e converter as medidas.”
Com a ajuda da professora, da nutricionista da prefeitura (que montou a tabela de valores calóricos da receita) e o apoio
da Epagri, Dudu conseguiu registrar seu biscoito colonial, passar pela fiscalização sanitária e se cadastrar no PAA em 2005.
“Nossa vida mudou completamente depois que passamos a assar os biscoitos coloniais para vender à Conab”, atesta. O
caminho até a chácara dos Kuster leva perto de 40 minutos por estradas de terra bastante esburacadas. Ele vive com os
pais numa pequena casa de madeira na propriedade cercada por grandes fazendas de monocultura. O que mais chama a
atenção, contudo, é a novíssima construção de paredes brancas na frente do terreno erguida com recursos do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf e investimento próprio. “Se não fosse assim, seria impossível
concluir o projeto da panificadora que, mesmo sendo ainda muito artesanal, permite a produção de 3 mil pacotes de
bolachas por mês”, diz. “Se tivermos demanda, esperamos crescer pelo menos 40% em 2007.”
Sua mãe, dona Geni, percebe que tem gente com o filho e vem ver do que se trata. “Ah, essa aqui é o
esteio da família, a guardiã da receita! Quando surgiu a idéia eu a chamei pra sócia. Eu ia cuidar
da administração e das finanças e ela, das bolachas”, apresenta Dudu. “Isso aí vem de geração
pra geração”, concorda dona Geni. “Na primeira fornada ele falou bem assim: ‘Ai, a mãe
errou’. Eu posso errar tudo no mundo, menos essa bolacha. Estou acostumada desde crian-
ça. Posso multiplicar essa receita por cem que vai ficar a mesma coisa.” Dudu chegou a fazer
um curso de panificação no Senac, mas ele mesmo admite que nada substitui a experiência
e que basta a mãe encostar na massa, dar uma viradinha, que fica tudo muito melhor. “Acho
que é porque a gente tem muita prática com a massa e só de olhar dá pra ver se falta alguma
A introdução de alimen-tos e preparações regionais que tenham relação com
a tradição cultural é uma das funções da
merenda escolar.
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112
coisa”, diz dona Geni. “O curso ajuda, claro, mas é como uma enfermeira no hospital: ela pode ser uma auxiliar mas
está acostumada a pegar uma veia, e às vezes aquela que tem mais estudo não consegue com a mesma facilidade.” Ela
mira o filho com amor e fica com os olhos marejados quando ele conta sobre as crianças que encontrou na saída de
uma escola levando pacotinhos do biscoito colonial para dividir com os irmãos em casa. “Não há dinheiro que pague
isso”, conclui Dudu.
José César Ciczeski,
descendente de poloneses e italianos, é
mais um cooperado da Nosso Fruto. Diferente de Dudu, ele já tinha largado o campo há muito tempo e trabalhado em
uma indústria metalúrgica por mais de 25 anos. Aposentado ainda jovem, ele não conseguiu ficar parado e decidiu voltar
à ativa produzindo farinha, como fazia com a família na década de 1970. “Queria plantar algo diferente, em que pudesse
agregar valor, e então fui procurar na região sementes antigas de milho crioulo, mais fortes e resistentes do que o milho
híbrido plantado nas grandes propriedades”, conta. “Apesar de ele ter uma produtividade menor, podemos separar semen-
tes para novos plantios, o que é impossível com o grão híbrido.” Por cinco anos, Ciczeski percorreu os sítios do sul de Santa
Catarina pedindo sementes antigas, algumas com 10 ou 15 anos, de variedades de milho quase extintas, como o branco,
o cravo e o dente de cavalo. De punhadinho em punhadinho, ele conseguiu formar um milharal sem igual nos 3,5 hecta-
res de terra herdados de sua mãe. Na primeira colheita, entretanto, o preço do milho estava muito baixo e ele resolveu
guardar os grãos num paiol. Foi aí que um amigo lhe ofereceu uma tafona, espécie de moinho com pedras de mármore
para a produção de farinha de milho, quirela e fubá.
“A gente sabia que podia produzir uma farinha de qualidade diferenciada e muito mais saudável para as crianças do que a
oferecida nos mercados, mas sem a ajuda da Epagri e da Secretaria do Meio Ambiente para criar a cooperativa e montar o
projeto para a compra direta pela Conab não teríamos como vender”, explica Ciczeski. “Com a Nosso Fruto ficou tudo
mais fácil, a gente tem o escoamento da produção garantido e passamos de 100 para 800 quilos de farinha produzidos por
mês, chegando até a mil quilos.” “Nossa idéia é utilizar esse fubá para introduzir a polenta, que é um prato típico da região,
nas escolas de todo o município”, diz a nutricionista Fabiane. “Já estamos fazendo isso nas creches porque o volume ainda
é pequeno, mas a meta é atingir todos os alunos em 2007.” Assim como havia feito com as bolachas coloniais de Dudu, a
nutricionista do município foi fundamental para calcular o valor calórico e os componentes da farinha de milho de
MILHO CRIOULO
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113
Ciczeski e registrar o rótulo do produto para facilitar sua comercialização mesmo fora do PAA.
Por todas essas histórias, hoje a secretária de Educação Marly Pacheco tem certeza de ter feito a escolha correta pela conti-
nuidade da equipe e dos projetos da secretaria. Como se não bastassem a mudança na vida das pessoas envolvidas, a signi-
ficativa melhora na qualidade da merenda e a dinamização da economia municipal, os números finais são ainda mais elo-
qüentes. Antes do PAA, a prefeitura complementava anualmente em quase R$ 500 mil os cerca de R$ 650 mil enviados pelo
FNDE. Como os produtos adquiridos pela Conab são repassados sem custo algum para as entidades e escolas cadastradas no
PAA, o investimento total da prefeitura de Criciúma em 2006 na manutenção e ampliação de seus programas de merenda
escolar não deve ultrapassar a casa dos R$ 150 mil! A lista de produtos orgânicos entregues diretamente pelos agricultores e
pequenos agroindustriais inclui mel, biscoitos caseiros, compotas de figo, doce de abóbora, arroz, feijão, farinha de mandio-
ca, farinha de milho e frutas e verduras como maçã, banana, cenoura, tomate, couve-flor, alface, beterraba, cheiro-verde, etc.
“As cooperativas têm conseguido atender bem a demanda, sempre com produtos de excelente qualidade”, atesta a secretária.
“Quando o produtor entrega o alimento e vê como as crianças gostam, ele fica sempre emocionado e faz questão de fornecer
sempre o melhor”, complementa a nova nutricionista da prefeitura,
Ana Paula Aguiar Milanez. “A gente
percebe isso quando recebe os produtos na Central de Distribuição e não tem uma única bolacha quebrada no pacote.”
BLU
MEN
AU (S
C)FORA DO ESQUADRO
A complementação dos recursos destinados
à merenda é fundamental para a boa execução
do programa; como melhorar a merenda sem
comprometer demais o orçamento da prefeitura?
Experiência premiada na categoria Nacional – 2006 O município de Blumenau forneceu 5.730.800 refeições ao longo de 2006. A prefeitura
complementou em mais de 150% os recursos transferidos pelo FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação). A administração da cidade movimentou a economia local ao destinar
32% dos recursos à compra de alimentos de produtores regionais.
População 261.808
Área da unidade territorial (km²) 520Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,875
Menor IDHM do Estado 0,680
IDHM de Blumenau 0,855Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 121
Receita municipal R$ 367.623.919,58
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 979.966,80
Complementação do município para compra de alimentos R$ 1.487.998,06
Alunos atendidos 32.029
Refeições servidas 5.730.800Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Blumenau (SC)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Santa Catarina
0,680 a 0,762 (60)
0,763 a 0,787 (58)
0,788 a 0,802 (58)
0,803 a 0,818 (59)
0,819 a 0,875 (58)
F O R A D O E S Q U A D R O
117
Blumenau, em Santa Catarina, é um municí-
pio próspero. Lá, a merenda escolar tem sido farta, desde há muitos anos. Mas a disponibilidade de recursos, embora
fundamental, não basta para a construção de um sistema de alimentação escolar harmonioso. Era o que se via em
Blumenau, no início do milênio: a fartura não conseguia esconder peças mal encaixadas, que revelavam certa frouxidão
na estrutura da merenda. Para começar, ao contrário do que se observa em muitos municípios brasileiros, esse serviço à
comunidade era considerado um estorvo por várias diretoras e professoras de escolas blumenauenses. Segundo se comen-
ta, essa indisposição se devia ao absenteísmo de cozinheiras, fonte de transtornos constantes para a administração das
escolas. Por sua vez, diretoras e professoras — nem todas — acostumaram-se a meter a colher na merenda, com palpites
infelizes sobre os cardápios. Se uma delas não gostasse de abóbora, instruía as merendeiras a eliminá-la das refeições. Além
da abóbora, no rol dos enjeitados já figuraram o mamão, a beterraba e o peixe.
Depois, comentários negativos sobre qualquer desses itens eram feitos de forma descuidada, na presença de alunos — o
que não deixava de ser um estímulo à rejeição daquele alimento por parte de todos. Essa atitude configurava uma negação
das boas práticas pedagógicas. O momento da refeição é uma oportunidade para os professores comentarem com os alunos
a importância de uma dieta saudável e equilibrada pelo consumo de alimentos variados, sobretudo legumes e verduras.
Ensinar e aprender bons modos à mesa também não fazem mal a ninguém. Do refeitório, as distorções chegavam às cozi-
nhas, onde as merendeiras, não raro, sentiam-se donas do espaço, sendo muito refratárias a mudanças. De vez em quando,
amostras de desleixo acabavam servidas com as refeições: de que outra forma julgar a aparição de cachos de bananas sobre
mesas escolares? E o que dizer de solícitas atendentes de creches que davam mamadeiras de gelatina “docinha” para bebês,
quando o correto seria dar-lhes água?
FORA DO ESQUADRO
B L U M E N A U
118
Falhas no próprio fornecimento de gêneros alimentícios tornavam a questão ainda mais indigesta. A carne congelada,
por exemplo, era distribuída em peças. Pelo menos algumas escolas se habituaram a descongelar as postas e a levá-las
para moer em algum açougue da vizinhança. Executada a operação, parte da carne voltava ao congelador. Uma rotina
perigosa, que expunha o produto ao risco de contaminação. As coisas estavam nesse pé quando a nutricionista
Juliane Hinsching Wolff
foi contratada pela prefeitura, em 2002. Juliane, que tem diploma em Nutrição pela
Universidade Federal de Santa Catarina, veio com anos de experiência em cozinha industrial, disposta a contribuir para pôr
a sarabanda da merenda em compasso regular. Primeiro ela teve de adequar seus conhecimentos ao novo ambiente, pois
comida para crianças deve ser diferenciada, de acordo com a faixa etária. Algo nada difícil para uma profissional experimen-
tada. A fase mais trabalhosa viria a seguir, pois a merenda alcançava 118 estabelecimentos de ensino, creches e instituições
filantrópicas. E o tempo escasso tinha de ser dividido entre as tarefas burocráticas e as de campo. Em tais circunstâncias, a
nutricionista se esforçou para reverter a situação nos pontos críticos.
Na abordagem do
pessoal das escolas, Juliane procurou mostrar que a merenda tem papel importante no processo de modificar os hábitos
das crianças, muitas vezes alimentadas em casa com salgadinhos e frituras em excesso. Daí a necessidade de oferecer-lhes
mais assados, ensopados, muitas frutas e verduras in natura. Se, no primeiro contato, o aluno rejeita uma hortaliça, isso
não significa que manterá essa postura para sempre. Para mudá-la, basta insistir: a criança, vendo os colegas comerem,
termina induzida a experimentar. E geralmente acaba gostando do alimento. Também é possível apresentar o produto de
forma diferente, para aumentar o grau de aceitação. Após dois anos no cargo, Juliane ganhou o apoio de Alexandra Lemos
Borba, ex-colega de faculdade, que também tinha muita experiência em cozinhas industriais. Juntas, intensificaram a
catequese. E venceram a batalha aos poucos. Hoje, na composição da merenda escolar, entra ampla variedade de hortaliças
e frutas. Antes o reino vegetal tinha poucos representantes no cardápio. Às fontes de proteína animal — frango inteiro,
carne bovina, salsichas e ovos — foram acrescentados coxas e sobrecoxas de frango, peixe e iogurte.
Nos últimos anos, a convivência das nutricionistas com as cozinheiras, que freqüentaram diversos cursos de capacitação,
liquidou vícios e preconceitos. Elas aprenderam receitas para tornar os cardápios mais atraentes. Diversas maneiras de
preparar peixes, por exemplo, que no passado só serviam frito. E assim por diante. Também merece destaque o curso sobre
CICLO DE MUDANÇAS
F O R A D O E S Q U A D R O
119
A arrancada da merenda em Blumenau também contou com o
apoio do Conselho de Alimentação Escolar — CAE, que se mostrou atuante como poucos entre meados de 2004 a 2006,
sob a presidência de Bernadete de Lourdes Cândido,
professora de educação física da Escola Júlia
Strzalkowska. Ela soube catalisar o entusiasmo de mais 11 conselheiras, que a acompanharam em múltiplas ações. O CAE
era pobre no início de sua gestão: a primeira reunião foi realizada sob uma grande figueira no centro da cidade, local de
manifestações públicas, em frente à prefeitura. Mas Bernadete conseguiu virar o jogo ao atrair a simpatia da comunidade
e da secretária de Educação, Dinorah Krieger Gonçalves, que terminou por arranjar acomodações para o conselho, um
veículo para o transporte do grupo e também liberou Bernadete de suas obrigações como professora. Bernadete começou
por propagandear o CAE e suas atribuições onde fosse possível. Na Câmara Municipal, nas escolas e nas associações de pais
e professores. Também foi ao rádio, aos jornais e à televisão. Nas cozinhas, as conselheiras enfrentaram resistência por
parte das merendeiras, a exemplo do que ocorrera com as nutricionistas. A oposição foi vencida também de forma gradu-
al. Com bom humor e tato, mas com firmeza.
a recepção e a guarda de alimentos, acompanhado de manual sobre procedimentos corretos na cozinha. Como armazenar
e descongelar comestíveis, entre outros itens, embora o antigo problema com a carne tenha sido resolvido de forma sim-
ples: bastou determinar que o produto entregue pelos fornecedores viesse acondicionado em pacotes pequenos, de um a
dois quilos. O melhor foi que as cozinheiras, desconfiadas e até hostis no início, passaram a receber as nutricionistas com
franca cordialidade.
Ao mesmo tempo foram implantados controles para evitar desperdícios, que eram comuns por conta do acúmulo injustifi-
cado de estoques nas despensas. Agora, todos os meses as cozinheiras fazem a contagem dos alimentos disponíveis e verifi-
cam os prazos de validade dos produtos. Dado o número de alunos, as planilhas que preenchem indicam o que é preciso
comprar e em que quantidades. O desperdício acabou. Juliane e Alexandra fazem questão de dizer que as legislações muni-
cipal e estadual lhes deram respaldo para trabalhar. Há lei que proíbe a venda de alimentos cariogênicos ( alimentos açuca-
rados) ou pouco saudáveis em cantinas de escolas: balas, chicletes, pirulitos, chocolate, bolachas recheadas (pois contêm alto
teor de gordura). Outra lei municipal determina a adição de ferro ao leite. E uma terceira obriga a inclusão de peixes, verdu-
ras e legumes na alimentação escolar. APOIO FIRME
B L U M E N A U
120
Enquanto durou o
mandato de Bernadete, o pessoal das escolas habituou-se a ver a chegada de uma Kombi sacolejando as conselheiras, pilo-
tada por Wigant Weege, agora aposentado. No princípio, o brincalhão Wigant queixava-se de “dor de cabeça”, que seria
provocada pela algazarra feminina a bordo. Exagerava: em dois tempos tomou gosto pelas visitas e logo passou a colaborar
com os trabalhos. Dele, Bernadete guarda boas recordações. Das companheiras também. Sobre cada uma seria capaz de
falar longamente, mas resume a história de dedicação do grupo contando alguma coisa sobre Ângela Maria Bento e Ursula
Richter. Tal como as demais conselheiras, que jamais faltaram aos compromissos sem justificativa, ambas foram assíduas
e encararam as responsabilidades com zelo. Nas reuniões noturnas de avaliação, Ângela Maria ganhou o apelido de
Nas visitas, as conselheiras usavam toucas e sapatos fechados, conforme o regulamento que deve ser obedecido pelas meren-
deiras. E portavam carteiras de saúde — outra exigência feita a quem trabalha nas cozinhas —, para dar o exemplo. Explicavam
que estavam ali para colaborar, e não para tirar o emprego das pessoas. A irregularidade mais comum que encontraram foram
alimentos com prazo de validade vencido. Em um desses episódios, acharam frangos congelados nessa condição. A Vigilância
Sanitária foi acionada e as conselheiras acompanharam o descarte do material em local apropriado. Bernadete registrou tudo
com sua inseparável máquina fotográfica. O CAE tinha uma agenda de visitas às escolas, mas também se movimentava
quando havia alguma denúncia. E começou a receber várias, à medida que se tornava conhecido. As mais graves, sem dúvi-
da, eram as que apontavam desvios de mantimentos da merenda em escolas. O CAE, que tem poderes limitados e não é
polícia, sempre agiu com muita cautela nesses casos. Restringia-se a reunir o pessoal das escolas e a informar que havia rece-
bido a denúncia, pedindo a vigilância de todos. A tática, ao que parece, surtiu o efeito desejado.
Houve também denúncias de venda de produtos proibidos em cantinas particulares que existem nas escolas, repassadas à
Vigilância Sanitária. E os fornecedores “espertos” foram enquadrados: as responsáveis pela recepção de suprimentos passaram
a exigir produtos rigorosamente de acordo com as especificações do edital de concorrência. Bernadete destaca que a colabo-
ração do CAE foi cordial e produtiva com a central de abastecimento. Até porque a nutricionista Juliane Wolff era uma das
conselheiras. O relacionamento com as cozinheiras melhorou de forma impressionante. Para elas, o CAE se tornou um elo
de ligação com a prefeitura, ao encaminhar suas reivindicações por meio de relatórios. Em geral, as demandas foram atendi-
das pela municipalidade, que substituiu ou reparou panelas, fogões e outros utensílios. Houve reformas em cozinhas e a
substituição de pratos de plástico por outros de vidro. Na medida do possível, o CAE também se ocupou da orientação das
crianças nas escolas, estimulando-as a trocar guloseimas pela merenda. TURMA ESFORÇADA
F O R A D O E S Q U A D R O
121
“Lanterninha”. Morava numa rua sem pavimentação, que também não tinha iluminação pública. Terminadas as reuniões,
tomava dois ônibus e depois caminhava 1,5 quilômetro até sua casa. Nessa parte do trajeto, abria uma trilha na escuridão
com a lanterna que sempre trazia na bolsa. Daí o apelido.
Ursula Richter
tem uma trajetória de vida incomum. Nasceu na Alemanha, foi para o Canadá depois de
adulta e, em 1979, aportou no Brasil, em Paranaguá, Paraná. Veio para trabalhar como enfermeira, numa creche de
Blumenau, mantida por uma congregação evangélica. Permaneceu ali por dois anos e meio. Ao deixar o emprego, foi
procurada por duas famílias, que lhe pediram para continuar cuidando de suas crianças, tal como fazia na creche. Era um
desafio, pois se tratava de pessoas de poucos recursos. Ela aceitou. E foi assim que nasceu o Centro de Educação Amiguinho
Feliz, que completou 25 anos em fevereiro de 2007. Na maior parte desse período, a instituição viveu na corda bamba. O
equilíbrio financeiro era precário porque Ursula, movida por convicções religiosas, foi acolhendo mais e mais crianças,
aumentando as instalações da creche e os cursos.
Por conta disso, tornou-se uma exímia garimpeira de donativos, que vai buscar até no exterior, onde teceu uma rede de
solidariedade. No aniversário de 2007, 193 crianças estavam matriculadas na entidade, de bebês a alunos de até 12 anos.
Reconhecida como de utilidade pública, a creche recebe subvenções governamentais, além do auxílio de empresas e de
pessoas físicas. Por estar incluída na merenda escolar de Blumenau, Ursula decidiu participar do CAE. Apesar de seus mui-
tos afazeres — é também guia de turismo para estrangeiros, tradutora e professora particular de inglês —, foi uma das
conselheiras mais animadas do período 2004/2006.
Além das instituições filantrópicas, Blumenau dá a devida atenção a algumas escolas localizadas em bairros periféri-
cos. Uma delas é a Júlia Strzalkowska, onde leciona Bernadete Cândido, ex-presidente do CAE. Nessa escola, a totali-
dade dos alunos recebe um conjunto de uniformes e material escolar da prefeitura. A merenda é farta o bastante para
permitir que as crianças mais carentes possam tomar café da manhã e almoçar na escola, sempre que necessário. E
todos comem à vontade. Ieda Terezinha Maes,
a diretora, com 16 anos de experiência no magistério,
observa que não enfrenta nenhuma dificuldade para administrar a alimentação escolar, e que mantém excelente
B L U M E N A U
122
Como acontece em qualquer lugar, a alimentação nas
escolas tem desdobramentos. Inclusive intramuros. Em Blumenau, há hortas em muitas unidades de ensino. Elas eventu-
almente oferecem ingredientes para a merenda, mas sua existência se justifica mais pelas atividades didáticas: ao visitá-las,
os alunos aprendem conceitos relacionados com a alimentação saudável. As hortas também são usadas para aulas de ciên-
cias e até de matemática, pois os canteiros podem ser construídos com formas geométricas variadas. A organização dos
plantios é supervisionada pelo biólogo Celso Menezes,
coordenador de Ciências na Secretaria de Educação,
auxiliado por um agrônomo. Mas o impacto maior da merenda se dá na esfera econômica, conforme mostra a experiência
de Waldemiro Schulz, que trabalha com hortaliças e frutas desde os oito
anos de idade, na propriedade da família, no município vizinho de Indaial.
Em sua infância, o transporte de produtos agrícolas para Blumenau era feito em
carroças. E assim continuou na juventude de Waldemiro que, acompanhado
por parentes, percorria 50 quilômetros para chegar à feira, numa viagem de
muitas horas. O trecho, de tão comprido, exigia que saíssem de madrugada e
dormissem na carroça. Seu primeiro caminhão foi comprado em 1972 e, a par-
tir de 1978, ele ampliou o campo de ação como comerciante: faltavam verduras
e frutas nos arredores e era preciso buscá-las em outros municípios. Waldemiro
alcançou a merenda escolar de Blumenau por volta de 1989/90, entregando
produtos para um atacadista. Suas vendas diretas começaram a partir de 1998,
e pouco depois se estenderam para as prefeituras de Pomerode e Indaial.
Ajudado pelos filhos, entre eles Eduardo Schulz, que o representa nos orga-
nismos de abastecimento, o produtor especializou-se no cultivo e no comér-
relacionamento com as cozinheiras. Para ela, mais difícil é ensinar bons hábitos alimentares às crianças. Na cozinha,
trabalham Leoni Laurentino da Rosa, Maria Aparecida Germano e Eli de Lima Loss. A limpeza do ambiente, a meren-
da saborosa, a organização da despensa e a maneira de lidar com os alunos revelam que seu aproveitamento nos
cursos que fizeram foi excelente. ALAVANCA ECONÔMICA
F O R A D O E S Q U A D R O
123
cio, montando uma estrutura logística eficaz de distribuição, que exige vários caminhões rodando o tempo todo. A logís-
tica se torna mais complexa ali por causa do clima. A região é extremamente quente, e hortaliças têm vida curta. Waldemiro
compra de aproximadamente 30 fornecedores, para os quais adianta os principais insumos: adubos e sementes. E progra-
ma a coleta da produção de acordo com a maturação dos plantios. Os fornecedores o mantêm informado sobre o desen-
volvimento das culturas e sobre o volume estimado para a colheita. Tudo vai para uma planilha, de modo que a família
Schulz possa ajustar-se ao cronograma de entregas, estabelecido com três meses de antecedência pela coordenação da
merenda, de acordo com o calendário agrícola.
A merenda escolar também teve papel importante na vida da Cooperativa dos Produtores Rurais de Blumenau — Cooperprove.
A entidade reúne perto de uma centena de pecuaristas, que entregam de cinco a 150 litros de leite por dia cada. Alguns tam-
bém são fabricantes de defumados, geléias, licores e doces, em agroindústrias familiares. A Cooperprove surgiu para aglutinar
esses pequenos produtores, melhorar seu nível de renda e evitar o êxodo rural. Teve sucesso. Ao ser inaugurada, em 1999,
garantiu aos associados um aumento imediato de 92% para o leite. De irrisórios R$ 0,13 o litro, o preço saltou para R$ 0,25,
forçando a concorrência a pagar mais pelo produto em toda a bacia leiteira regional. A venda de leite para a prefeitura, sem
intermediários, é feita a um preço justo, diz Gustavo Nogueira Giovanni,
administrador da cooperativa.
E disputar com empresas de grande porte é muito difícil, pois é necessário pagar comissões de vendedores e contratar pesso-
al para repor o produto nas gôndolas de supermercados, entre outros empecilhos.
Em 2005, a merenda escolar de Blumenau absorveu cerca de 40% da produção: leite enriquecido com ferro, entregue em
saquinhos, quatro vezes por semana. O excedente sempre foi transformado em queijo, para o mercado. Giovanni conta
que convencer as merendeiras a trocar o leite em pó, de fácil manuseio, pelo produto fluido exigiu muito esforço. Mas
valeu a pena. A cooperativa prosperou, instalando uma segunda unidade de processamento, enquanto a produção de leite
crescia. Contudo, em 2006, Blumenau terceirizou a merenda escolar em mais de 50% das unidades de ensino. E a empre-
sa responsável tem liberdade de comprar os ingredientes para o cardápio onde e de quem quiser. As vendas da cooperati-
va, destinadas à alimentação escolar, despencaram de 9 mil litros semanais para 2.500 litros, de acordo com Giovanni. O
Programa de Aquisição de Alimentos — PAA do Governo Federal, operado pela Companhia Nacional de Abastecimento,
deu respaldo à Cooperprove. Mesmo assim, no princípio de 2007, a entidade planejava fechar uma das unidades de pro-
cessamento para diminuir custos e poder continuar no mercado.
FLO
RIA
NÓ
POLI
S (S
C)CONTROLE SOCIALA fiscalização da merenda é feita pelos
conselheiros de alimentação escolar que
visitam as escolas, experimentam os
alimentos; os CAEs devem ser reunir
periodicamente e documentar decisões
tomadas nas atas das reuniões.
Como fazer para fiscalizar a merenda?
Experiência premiada na categoria Participação Social – 2005 O conselho de alimentação escolar realizou visitas quinzenais às escolas e acompanhou a
aplicação de recursos, a aquisição de alimentos e as rotinas de trabalho da alimentação escolar.
As hortas escolares estão presentes nas 54 escolas, com utilização dos produtos e realização de trabalho
pedagógico. O município complementa em cerca de 140% o valor repassado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O número de dias de fornecimento de merenda extra-pola o estipulado.Florianópolis foi também vencedora na categoria Capitais e Grandes Cidades na edição 2006 do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar.
População 342.315
Área da unidade territorial (km²) 433Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,875
Menor IDHM do Estado 0,680
IDHM de Florianópolis 0,875Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 168
Receita municipal R$ 398.058.933,53
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 567.980,40
Complementação do município para compra de alimentos R$ 2.179.349,09
Alunos atendidos 24.320
Refeições servidas 4.212.600Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Florianópolis (SC)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Santa Catarina
0,680 a 0,762 (60)
0,763 a 0,787 (58)
0,788 a 0,802 (58)
0,803 a 0,818 (59)
0,819 a 0,875 (58)
C O N T R O L E S O C I A L
127
Florianópolis é uma capital de estado um tanto atípica. Para começar, quase 97% do
município fica numa ilha e as principais vias de ligação entre um bairro e outro são
estradas federais que ficam dentro do perímetro urbano. Não há grandes aglomerados
habitacionais e a maioria da população de cerca de 380 mil pessoas se encontra espa-
lhada pelos 436,5 quilômetros quadrados da cidade. Conseqüentemente, também as
97 Unidades Educacionais — UEs (Creches, Núcleos de Educação Infantil — NEIs,
Escolas Desdobradas e Escolas Básicas) muitas vezes ficam distantes umas das outras
de modo a atender melhor aos pais e alunos. Nesse contexto, seria fácil perder o con-
trole sobre a qualidade e a distribuição de comida para os mais de 23 mil alunos aten-
didos. Afinal, são cerca de 7 milhões de refeições servidas anualmente. Para realizar
esse trabalho a prefeitura montou há vários anos a Coordenadoria de Alimentação
Escolar, com seis profissionais, dos quais três são nutricionistas. A secretaria conta
também com um forte apoio do Conselho Municipal de Alimentação Escolar —
Comae, com a participação ativa da sociedade e a capacitação constante das cozinhei-
ras escolares. O controle e a organização do sistema permitem ainda a realização de
iniciativas pioneiras, como a introdução de alimentos diferenciados para crianças alérgicas ao glúten pre-
sente nos derivados de trigo (chamadas celíacas) e com baixa tolerância à lactose.
“A merenda de Florianópolis vem evoluindo. Sempre digo que não é uma coisa que uma admi-
nistração faça sozinha. Ela tem que se valer do que já vinha sendo realizado, dar continuidade
e ir aperfeiçoando os processos. A vantagem que temos aqui é que há uma experiência con-
solidada em termos de alimentação. Sempre houve um grande envolvimento dos diretores e
professores, cuidado com a seleção dos alimentos, com a preparação do cardápio e, principal-
mente, com a capacitação das merendeiras. Aliás, atendendo a uma demanda por mais valori-
zação dessas profissionais, trocamos em todo o nosso material a expressão ‘merendeira’ por
As características do território e a capaci-
dade viária do município devem ser consideradas na hora do planejamento da execução do programa de
merenda local.
ORGANIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E AUTONOMIA
F L O R I A N Ó P O L I S
128
A creche citada pelo prefeito fica numa das regiões mais
violentas de Florianópolis, ocupada nos anos 1980 por movimentos de trabalhadores sem-terra e sem-teto e que vem
sendo urbanizada lentamente. Com uma presença maior do poder público por meio de calçamento, saneamento básico,
conjuntos de moradia populares e escolas, a violência e a sensação de insegurança têm diminuído. Ainda assim, assas-
sinatos e roubos não são raros. Em certa ocasião, até mesmo o caminhão da merenda escolar foi assaltado e a coordena-
doria teve de providenciar um novo suprimento de alimentos para a semana. A diretora da Creche Chico Mendes,
Andréa Santos da Costa,
conhece bem os problemas da comunidade, afinal ela também mora no bairro.
“Meu filho começou a freqüentar a creche em 2001 e o pessoal da Secretaria de Educação passou a me conhecer melhor
nas reuniões, cursos e capacitações de que eu participava. Como eu tinha formação em magistério, a comunidade pedia
que eu fosse a diretora, mas para isso era necessário ter curso superior em pedagogia e somente agora tive a oportunida-
de de entrar na faculdade”, explica. Para poder atender o pedido da comunidade, a SME flexibilizou algumas regras e
indicou Andréa para o cargo no final de 2004.
‘cozinheira escolar’”, resume o secretário da Educação, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz.
“Também trocamos
metade dos fogões da rede entre 2005 e 2006, além de comprar novos utensílios, como batedeiras e liquidificadores.
A maioria das escolas e creches conta ainda com refeitórios que, dependendo da unidade, utilizam ou não o sistema de
auto-serviço. Cada unidade tem autonomia para decidir isso, assim como pode montar seu próprio cardápio de acordo
com suas peculiaridades e ter ou não uma horta. Como temos uma limitação de terreno nas escolas, as hortas servem mais
para as crianças aprenderem a cuidar das plantas e estimulá-las a consumir mais vegetais. Mas algumas se sobressaem,
como a creche Chico Mendes.” Em Florianópolis, o projeto de horta escolar não tem o objetivo de complementar a meren-
da, e sim de contribuir para a educação alimentar e ambiental de jovens e crianças dentro de um amplo Programa Político
Pedagógico. DA COMUNIDADE PARA A DIRETORIA
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129
Toda a produção da horta é orgâ-
nica, ou seja, sem uso de inseticidas ou fertilizantes químicos. O adubo das plantas é produzido na própria creche, numa
composteira onde os restos alimentares são decompostos. A prefeitura oferece todos os anos cursos de capacitação para as
professoras e cozinheiras montarem a composteira. Na Chico Mendes, o processo utilizado é o de “leiras”, que são cama-
das. Primeiro é feita uma camada de palha, depois uma com restos de alimentos e lixo orgânico misturado com um pouco
do adubo já preparado em outra composteira para acelerar o processo de decomposição, e por último uma camada de
serragem. “Aí basta cobrir e manter tudo sempre úmido”, ensina Andréa. “O nosso sonho como profissionais desta unida-
de é fornecer fertilizante não só para a nossa horta escolar como também para a comunidade, para plantarem suas horti-
nhas em casa. Porque sei que muitos têm essa vontade, inclusive porque vários dos nossos funcionários também são
moradores aqui da comunidade e falam pra gente. Sabemos que esse trabalho é reconhecido porque nossa unidade sempre
é chamada para mostrar a experiência da nossa horta e para dar oficinas de reciclagem e compostagem.”
Na Escola Básica Professora Dilma Lúcia dos Santos, a horta também é um elemento importante dentro e fora das salas de
aula. Sua diretora, Sandra Regina Engelke, estudou nesta unidade quando ela ainda se chamava Castelo Branco. “A gente
tinha na época um concurso de hortas e a nossa escola era sempre campeã. Até hoje temos os troféus na biblioteca”, relem-
Por causa dessa integração entre sociedade e poder público, a Creche Chico Mendes se tornou uma
espécie de vitrine para os projetos da Coordenadoria de Alimentação Escolar. Sua horta, por exem-
plo, é uma das melhores da rede. Quem cuida dos canteiros é a cozinheira Kátia Regina Moreira
da Silva Lalau.
Ela divide as turmas de crianças nos dias da semana para que todas
tenham a oportunidade de ajudar a plantar, regar e colher as verduras. “Esta é uma comunidade caren-
te e a gente sabe que, por questões financeiras ou culturais, eles não têm acesso a verduras em casa. Então
o projeto acaba realmente envolvendo os adultos. A gente ouve muito os pais falarem que as crianças pedem a saladinha.
Muitas vezes as mães trabalham em casa de família e vêem que as patroas dão para os filhos salgadinhos, bolachas e
outros alimentos que não são tão saudáveis, mas elas querem dar para seus filhos também. Isso atrapalha um pouco o
trabalho que a gente faz. Por isso, quando os pais buscam orientação sobre as saladas que as crianças comem aqui é
muito gratificante”, diz Kátia. FERTILIZANTES E VEGETAIS ORGÂNICOS
A horta escolar deve fazer parte de
um projeto de educa-ção alimentar de toda
a comunidade educativa.
F L O R I A N Ó P O L I S
130
bra. “Eu participei disso como aluna e nunca vou me esquecer dessa experiência. Só que naquela época o que fazíamos na
horta não era trazido para dentro da sala de aula. A horta era uma atividade separada, não tinha nada a ver com os con-
teúdos dados na classe.” O grande desafio da escola agora é conseguir a posse de um imenso terreno ao lado de suas ins-
talações. Segundo consta, o proprietário está negociando as terras para a construção de um condomínio de luxo. Mas como
a propriedade possui fauna e flora muito ricas — com araras azuis, mangue, vegetação nativa e a foz de um rio que desagua
no mar —, a escola pretende transformar o terreno em área de preservação ambiental e abrir trilhas na mata para excursões
e atividades com os alunos.
A horta influencia até a
mudança de hábitos alimentares da comunidade fora dos muros escolares. Quem atesta isso é Maria de Jesus, mãe de Lara,
uma aluna do 2.º ano (antiga 1.ª série) da Escola Professora Dilma Lúcia dos Santos. “Eu não queria saber de verdura de
jeito nenhum. Como eu sou nordestina, a gente não tem costume de colocar verdura na mesa. Acho que é por isso que
somos baixinhos”, brinca. “Aí a professora Márcia começou o trabalho com a horta. De início eu pensei: imagina se vão
aprender uma coisa dessas no 2.º ano em vez de estudar português e matemática. Mas minha filha aprendia a plantar, a
comer e a escrever o nome das verduras. Com isso eu tive que começar a comprar o que ela pedia, como alface, agrião. A
horta da escola é um trabalho maravilhoso, estão todos de parabéns. E eu também estou aprendendo com ela. Agora a Lara
está começando a fazer uma horta na nossa casa porque eu tenho um terreno bom. Só preciso doar meu cachorro labrador
para ele não destruir as plantinhas. Hoje mesmo eu saí e ela ficou regando a salsinha e a abobrinha, que não estão bonitas
como essas aqui, mas vão ficar!”, garante.
A coordenadora do Projeto Horta Viva é a nutricionista e pedagoga
Sanlina Barreto Hülse. Ela explica que o
projeto começou em 2001 com três escolas. Hoje, 66 das 97 Unidades Escolares têm horta, sendo que 12
entraram em 2006. “Todo ano a gente convida as escolas, que aderem ao projeto de maneira espontânea.
A nossa preocupação é formar algumas pessoas da unidade escolar comprometidas com esse projeto. Por
isso pedimos que coloquem no papel, de forma simples, o motivo de a escola querer ter uma horta e como
ela se enquadra no Projeto Político Pedagógico — PPP da unidade. A partir daí temos parceria com a
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina — Epagri/SC e com a Fundação do
MUDANÇA DE HÁBITOS TAMBÉM FORA DA ESCOLA
A introdução de ali-mentos novos muitas vezes exige um treina-
mento do paladar.
C O N T R O L E S O C I A L
131
Sanlina diz que o Horta Viva
não existiria dessa forma e com tanto sucesso se não fosse a ação da coordenadoria. Mas ela também acredita que muitas
escolas teriam suas hortas de qualquer maneira. “A importância maior da coordenadoria é envolver a criança de fato no
processo para que ela trabalhe questões ligadas ao meio ambiente e à educação alimentar com base na horta”, analisa. O
trabalho evoluiu de tal maneira desde 2001 que, em 2006, o setor de Coordenação da Merenda Escolar realizou um semi-
nário intitulado “O Espaço da Horta como Contribuição para Práticas Pedagógicas Interdisciplinares”. “A criança, princi-
palmente do 2.º ao 5.º ano, por ter uma única professora para todas as matérias, é muito estimulada pelo trabalho na horta
e tem mais chance de trabalhar essa experiência nos diversos conteúdos pedagógicos. Já na questão da educação alimentar,
ela vai plantar na horta muitos alimentos que estão fora da pauta de compras da coordenadoria, como couve, brócolis,
alface, chicória, etc. Muitas vezes a criança nunca comeu uma cenoura na merenda escolar, até o dia em que ela planta a
cenoura e aí tem vontade de experimentar e aprende a comer. Esses trabalhos são muito mais eficientes na rede pública.
Eu digo isso porque meus filhos estudam em escola particular e eles não têm essa vivência”, admite Sanlina.
Mas como trabalhar os conteúdos de matemática, ciências e português na horta? Kátia Regina da Silva Porfírio, professora do
2.º ano da Escola de Educação Básica Almirante Carvalhal, explica: “Na época da Páscoa, por exemplo, fizemos dobraduras
em formato de cenoura, depois trabalhamos dentro da sala de aula com as palavras cenoura, coelho, etc. Em ciências vimos
as vitaminas encontradas na cenoura. Enquanto eles plantavam, regavam e colhiam nós explicávamos a divisão do tempo
em dias, semanas e estações. Em paralelo, comecei um trabalho sobre alimentação com a pirâmide alimentar, e pesquisas em
casa com alimentos de que os pais gostam e de que eles gostam”. A Almirante Carvalhal é uma das escolas que já tinha can-
teiros de verduras antes mesmo do Projeto Horta Viva. A responsável por isso é a cozinheira
Marlene Macairo,
com 21 anos de bons serviços prestados nessa Unidade Educacional. “Eu sempre gostei de lidar com a terra. Separei um
Meio Ambiente de Florianópolis — Floram para capacitar três profissionais de cada unidade, de preferência de áreas diferentes
(cozinheira, diretora, professor) na montagem e cuidado com a horta e a composteira. A coordenadoria faz as licitações para a
compra de sementes e utensílios. Também temos há dois anos uma estagiária de agronomia para atender a todas as 66 escolas.
Segundo ela, boa parte das 66 hortas estão bem encaminhadas. Apenas 12 ou 13 ainda não conseguiram ‘deslanchar’ por moti-
vos diversos, mas nenhuma escola desistiu do projeto!” CONTRIBUIÇÃO PEDAGÓGICA
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132
pedacinho e fui plantando uma coisinha, outra, comprava uma semente, pedia uma muda... Hoje tenho aipim, beterraba,
tudo que é tempero, plantas medicinais como hortelã, erva-doce, boldo, capim-limão. As crianças já comeram daqui
alface, repolho, salada de folhas de beterraba, tomate, espinafre, maracujá Até o rabanete que plantamos elas comeram
tudinho.”
O pioneirismo, contudo, vai além da horta. A Almirante
Carvalhal é uma escola piloto na avaliação antropométrica dos alunos para diagnosticar problemas de desnutrição e sobre-
peso em parceria com o Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina. Trata-se de um projeto
grande que engloba escolas privadas e públicas, estaduais e municipais e tem envolvimento também das Secretarias da
Saúde e do Bem-Estar Social, e metodologia fornecida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — SBPC. Cinco
escolas da prefeitura fazem parte do projeto, que começou em 2001 e agora avalia a evolução das mesmas crianças que na
época tinham entre sete e dez anos. Maria Elizabete Peixoto Luna, sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde, conta que
mais do que apenas peso, altura e pregas, o projeto avalia também por questionários o comportamento alimentar das
crianças e jovens e suas condições socioeconômicas. “É um programa de pesquisa mais amplo que poderá beneficiar todas
as políticas públicas de alimentação nas escolas e dar subsídios para outras ações. Neste momento estamos trabalhando
com a questão da obesidade mais na terceira idade e nos adultos. Mas no futuro pretendemos atingir também crianças e
adolescentes, começando pelos exercícios físicos e orientação alimentar nas escolas e nas casas, porque se não envolver a
família não vai dar certo. Será um programa articulado com outras instituições para estimular a mudança no estilo de vida
em todas as faixas etárias.”
Sem dúvida, quanto mais cedo se ensina uma criança a comer de tudo, mais fácil será acostumá-la aos bons hábitos ali-
mentares. O truque é oferecer grande variedade e incentivá-la a experimentar alimentos diferentes sem obrigá-la a nada.
De fato, dos 540 alunos matriculados na Almirante Carvalhal, cerca de apenas 400 se beneficiam da refeição escolar. Os
demais, em geral adolescentes do 6.º ao 9.º ano, preferem trazer de casa lanches e guloseimas “da moda” ou simplesmente
rejeitam a comida. O número de alunos que consomem a merenda e que repetem em cada escola é contado diariamente.
Os dados são colocados em uma planilha mensal específica e enviados para a coordenadoria. Cada Unidade Educacional
tem seu próprio método de contagem, seja por senhas, cartões ou pratos utilizados. “A nossa rede tem uma característica
muito bacana, que é trabalhar individualmente cada Unidade Escolar. Não temos um cardápio padrão, cada escola monta
sua lista de refeições. Por exemplo, em cerca de 30% das escolas temos crianças mais carentes, com necessidade de uma
REGRAS FIXAS E REGRAS FLEXÍVEIS
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133
A capacitação das cozinheiras é um dos
pilares da gestão da coordenadoria há bastante tempo, com cursos de aperfeiçoamento diferentes a cada ano para estimular a
criatividade e manter alto o interesse. Em julho de 2006, por exemplo, todas as merendeiras passaram por um curso de
“Gastronomia Aplicada à Alimentação Escolar”, em que aprenderam a fazer pratos como fígado na laranja, lasanha de biscoito,
risoto de cenoura, legumes ao molho branco, salada de beterraba com maçã, salada de casca de abóbora, suco de abacaxi com
hortelã e bolo de maçã com aveia. “O curso foi um sucesso, feito numa escola de gastronomia que prepara cozinheiros de hote-
laria”, lembra Mara Andréa Pedroso, assessora pedagógica da coordenadoria. “Mas tomamos o cuidado de ter todo o cardápio
baseado nos produtos da pauta de aquisição da prefeitura, e as merendeiras levaram as travessas que utilizam nas escolas para
montar as receitas com uma apresentação colorida e atraente nos mesmos utensílios que usam no seu dia-a-dia”.
Como se trata de uma cidade relativamente grande, na capital de Santa Catarina não há uma central de recebimento, estoque
e distribuição dos alimentos. A entrega dos gêneros alimentícios nas Unidades Educacionais é feita diretamente pelos forne-
cedores licitados pela prefeitura. Os alimentos menos perecíveis, como arroz, farinha, bolachas, massas e extrato de tomate,
são encaminhados mensalmente para as creches, escolas e Núcleos de Educação Infantil — NEIs. Já produtos
como carnes, frutas e legumes são entregues semanalmente. Num sistema assim, é fundamental treinar
continuamente os funcionários que fazem o recebimento e o controle de qualidade em cada uni-
dade. Em Florianópolis esse trabalho também é realizado pelas cozinheiras.
Wilma Fontanella,
do alto de seus 18 anos de experiência na NEI Coqueiros,
ensina como colocar os fornecedores na linha: “Esta semana mesmo eu recusei cenoura, batata e
‘prévia’ antes da aula, como um copo de leite ou uma fruta para não desmaiar de fome antes da merenda”, diz Sanlina.
“Contudo, também temos algumas regras fixas, como todo dia oferecer uma fruta de sobremesa. É obrigatório! Se a crian-
ça vai comer ou não, é outro problema. O ano inteiro temos banana, maçã, laranja e mamão. Quando é época também
oferecemos abacaxi, melancia e tangerina. Isso na rede inteira. Como também é regra ter sempre uma salada. Na capaci-
tação as cozinheiras aprendem a variar, fazer um dia salada crua, outro dia cozida e manter tudo colorido para ser atraen-
te às crianças.” CAPACITAÇÃO NA COZINHA E NA DESPENSA
O sistema de distribuição de gêne-
ros alimentícios deve ser compatível com as car-
acterísticas da região e com os recursos disponíveis da pre-feitura. Esses aspectos devem ser considerados na hora de
preparar a licitação para a compra de
alimentos.
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134
tomate. A batata estava velha, as cenouras eram enormes e o tomate todo amassado. Se a gente não aceita, no outro dia
vem ótimo. Às vezes, quando uma merendeira recusava de manhã, à tarde os fornecedores mandavam de novo o mesmo
produto pra ver se enganavam a gente na troca de turno. Só que esta semana não adianta porque eu estou fazendo oito
horas e pego mesmo no pé deles. Ah, tem que fazer direito!” Sanlina aplaude a atitude de Wilma. Ela explica que se as
cozinheiras tiverem reclamações constantes, a prefeitura pode punir e até descadastrar os fornecedores. “Nós damos curso
para elas saberem exatamente qual o padrão de cada alimento que compramos e recusarem sempre que os produtos esti-
verem fora desse padrão estipulado. Quando o fornecedor vê que as cozinheiras estão atentas, ele se adapta. Até porque
enquanto elas não preencherem o formulário de aceite, eles não recebem o dinheiro pela mercadoria. Nenhuma nota sem
aceite é paga pela coordenadoria.”
O último e talvez mais importante suporte da
atuação da coordenadoria é o Conselho Municipal de Alimentação Escolar — Comae. O grupo tem tido uma atuação cada
vez mais destacada. Sua presidenta, Rosane Mesquita Vianna de Lima,
começou como secretária do conse-
lho em 2003. Ex-diretora da Creche Chico Mendes e professora licenciada, ela sempre considerou a alimentação funda-
mental, mas só se interessou mais pelo assunto quando começou a sofrer de problemas cardíacos e teve de fazer refeições
mais balanceadas. “Por causa disso, fiz vários cursos e fui me apaixonando por esta questão”, diz. Mas, diferente do que
possa parecer a princípio, o Comae não nasceu pronto e atuante. “Antigamente, a presidência e a execução da fiscalização
ficavam na prática com os funcionários da própria secretaria”, admite Rosane. “Com o passar dos anos, outros membros
do conselho provenientes da sociedade civil pouco a pouco perceberam a importância de uma maior participação no pro-
cesso e isso se consolidou em 2005, depois de um seminário sobre as diretrizes do PNAE em que tivemos uma visão ainda
melhor de nossas funções e responsabilidades.”
Desde a última eleição do Comae a composição do conselho está ainda mais equilibrada, com a participação atuante das
cozinheiras escolares e também forte representação dos pais e professores. Atualmente, o Comae se reúne toda segunda-
feira no escritório da coordenadoria para discutir sua atuação e preparar o calendário de visitas nas escolas em cada
semana. “Claro que temos dificuldades, como o número pequeno de conselheiros e a falta de um veículo para fazer as
SUPORTE FUNDAMENTAL
C O N T R O L E S O C I A L
135
visitas”, diz Rosane. “No início, o pessoal das escolas, professores e merendeiras nem sabiam o que era o Comae. Acha-
vam que íamos fiscalizar e punir. Então elaboramos, com a ajuda da coordenadoria, um relatório que é passado para a
secretaria para providenciar tudo relacionado à alimentação que falta na UE, seja material, infra-estrutura ou produtos
alimentícios.” Dessa forma, o conselho se tornou um importante aliado de pais, professores e cozinheiras na hora de
reivindicar junto à prefeitura equipamentos, produtos alimentícios diferentes, cursos de capacitação específicos ou
outras melhorias nas escolas.
Vale a pena citar outro projeto inovador iniciado em 2004 em Florianópolis, que pretende atender adequadamente alunos
com necessidades alimentares especiais, como os diabéticos, crianças com baixa tolerância à lactose e celíacos (que não
podem consumir produtos com glúten, como os derivados de trigo, centeio, aveia, cevada e malte). Esta última é uma
doença grave e sem cura, cujo único tratamento é evitar esses alimentos ou substituí-los por similares preparados, por
exemplo, com farinha de arroz. A prefeitura não possui ainda um programa para identificação de crianças celíacas, apenas
reage aos casos que aparecem. Até o momento, dos quase 24 mil alunos matriculados nas escolas e creches do município,
foram apontados apenas 35 celíacos. Aos poucos, a coordenadoria está repassando as informações sobre a doença celíaca
para as escolas por meio de seu pessoal, do Comae e das nutricionistas terceirizadas contratadas. A idéia é verificar em que
escolas estão os celíacos e fornecer para essas unidades apenas produtos livres de glúten. O problema é que mesmo com a
estocagem realizada de forma correta, sempre há a possibilidade de erros na hora do preparo ou de partículas com glúten
caírem na comida destinada às crianças celíacas. Mas se a escola não receber nenhum produto com glúten, automatica-
mente está eliminada qualquer chance de “contaminação” e todos terão uma alimentação saudável e sem discriminação.
Projetos especiais para diabéticos e crianças que não podem tomar leite de vaca também estão em estudo.
JOIN
VILL
E (S
C)MERENDA FORTE O município de Joinville demonstra a importância da inclusão
da educação alimentar no projeto pedagógico e do envolvimento
da comunidade na sua execução.
Experiência premiada na categoria Região Sul – 2006 O município explorou as regras do Programa de Aquisição de Alimentos,
do Governo Federal, que possibilitam compra de leguminosas e leite, beneficiando 54 produ-
tores regionais. 90% das escolas possuem hortas, com atividades pedagógicas. Há um trabalho de
avaliação nutricional dos alunos menores; um teatro de fantoches ensina as crianças, de forma lúdica, a se alimentar corretamente.
População 429.604
Área da unidade territorial (km²) 1.131Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,875
Menor IDHM do Estado 0,680
IDHM de Joinville 0,857Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 177
Receita municipal R$ 592.987.613,52
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 1.755.588,60
Complementação do município para compra de alimentos R$ 423.659,19
Alunos atendidos 55.182
Refeições servidas 10.716.400Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 3ª edição (2006) — dados referentes a 2005.
Joinville (SC)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Santa Catarina
0,680 a 0,762 (60)
0,763 a 0,787 (58)
0,788 a 0,802 (58)
0,803 a 0,818 (59)
0,819 a 0,875 (58)
M E R E N D A F O R T E
139
Joinville, a maior cidade de Santa Catarina, tem economia robusta,
baseada em parque industrial poderoso. Com dinheiro no cofre e vontade política, sucessivas administrações municipais
não tiveram dificuldade para estruturar o ensino público e serviços correlatos. Faz anos, por exemplo, que os estudantes
joinvilenses têm um dos melhores sistemas de alimentação do país. Ele é como deveria ser: funciona tão bem que passa
quase despercebido, um tanto ofuscado por iniciativas importantes no campo pedagógico, como as campanhas locais de
incentivo à leitura. Mas não foi sempre assim. Até que o governo federal transferisse para os municípios a tarefa de abas-
tecer a rede pública, as escolas recebiam alguns alimentos básicos — arroz, feijão e macarrão, entre outros. No entanto,
eram obrigadas a buscar doações para suplementar o cardápio com frutas, verduras e carne, conforme relata a pedagoga
Silvane Kunde, atual gerente de Assistência ao Educando. Silvane acompanhou o processo de perto, pois está na Secretaria
de Educação há mais de 20 anos, 15 dos quais envolvida com a merenda. Com a chamada “municipalização”, em 1994,
Joinville definiu sem demora os rumos a seguir.
Houve contrariedades no princípio, provocadas por fornecedores displicentes que raciocinavam assim: “Se é para a meren-
da, qualquer coisa serve”. Estavam enganados. Logo começaram a receber mercadorias de volta. Essa medida drástica por
vezes deixou os alunos sem hortifrutícolas, mas valeu a pena. Para eliminar o descaramento no nascedouro, a prefeitura
atacou em duas frentes. Cuidou de formar o Conselho de Alimentação Escolar – CAE e, ao mesmo tempo, criou o Núcleo
de Promoção de Qualidade, em parceria com a Vigilância Sanitária e com a Fundação 25 de Julho, autarquia que trata de
questões da agricultura em Joinville. Muito aperfeiçoada hoje, a gestão da qualidade se inicia nas licitações, quando se
definem os padrões dos produtos a serem fornecidos e amostras são testadas. Por ocasião das entregas, os diversos itens
são vistoriados no Núcleo de Qualidade. Se algum for rejeitado, o vendedor é obrigado a repor a partida em 24 horas. As
devoluções têm sido muito raras.
MERENDA FORTE
J O I N V I L L E
140
Nas escolas, as instalações também melhoraram muito em pouco tempo, pois o governo municipal investe constantemente
na infra-estrutura da rede de ensino. Por ocasião de reformas, as cozinhas e despensas têm sido aumentadas para tornar esses
espaços de trabalho mais confortáveis e funcionais. A dotação de equipamentos, tais como geladeiras e congeladores, é com-
pleta. À primeira vista, em algumas escolas só falta trocar fogões de duas bocas por outros maiores, mais adequados. E modi-
ficar estruturas para que os novos fogões possam ser instalados no centro das cozinhas, oferecendo comodidade e segurança
às merendeiras. Por sua vez, os utensílios de plástico antes usados pelos alunos — pratos e copos – foram banidos há anos.
Outra característica importante é que a merenda não acumula gêneros alimentícios. Joinville segue o modelo que tende a
se firmar no país: mantém depósito pequeno de alimentos para casos de urgência. Os fornecedores ficam com a respon-
sabilidade de entregar as encomendas nas escolas, inclusive as verduras, os legumes e as frutas. A preocupação não é exa-
tamente a de reduzir custos de armazenagem. O que interessa é a validade dos produtos, só aceitos no máximo 30 dias
após a fabricação ou o empacotamento (é o caso de grãos, como o arroz). A Secretaria de Educação se encarrega apenas de
fazer chegar os suprimentos às 38 escolas rurais. Para isso utiliza veículos próprios.
Também é digno de nota o treinamento constante das cozinheiras, que sempre se apresentam de uniforme completo,
usando toucas, aventais e sapatos brancos. Em 2006, todas freqüentaram um curso de 80 horas, ministrado em universi-
dade local, com aulas de microbiologia, técnica dietética e higiene de produtos alimentares. Orientações gerais elas encon-
tram a qualquer momento num manual específico para manipuladores de alimentos. Quando se trata de conhecer e testar
novos pratos ou produtos, as merendeiras vão a uma cozinha experimental do município. Essa instalação se destina ainda
à análise organolética ( isto é, uma análise sensorial ) de gêneros em licitação.
E o cardápio é reformulado todos os anos. Sempre cami-
nhando no sentido da substituição de itens industrializa-
dos. Particularmente quando se trata da alimentação nos
centros de Educação Infantil. Neles, os únicos formulados
utilizados são as bebidas lácteas e misturas para pudim. Essa
prática vem de antes do ano 2000. O bom funcionamento
do sistema tem outros desdobramentos. Primeiro porque as
compras, sempre que possível, são realizadas no município,
para dinamizar a economia local. Além disso, Joinville resis-
te ao assédio de empresas do setor de restaurantes indus-
triais, que enxergam a rede pública de ensino pelo que ela
M E R E N D A F O R T E
141
também é: um mercado apetitoso. Porém, essas empresas continuam em jejum ali, pois se deparam com a barreira forma-
da por cozinhas bem equipadas, cardápio elaborado, mão-de-obra capacitada e disciplinada. Ou seja, o que elas podem
oferecer o município já tem.
Como se viu, a merenda em Joinville é um exemplo de organização e efi-
ciência. Ao alcançar esse nível, o sistema permite outras iniciativas com o objetivo de ampliar seu alcance. É o que vem
fazendo a equipe de Silvane Kunde,
com as nutricionistas Lucimar Pereira Silva, Carla Ramos Campos e
Isaura Cristina Nardini. Conhecer a situação nutricional das crianças matriculadas na rede pública é um dos trabalhos de
maior importância. Em Joinville, um levantamento completo foi realizado em 2006, com a ajuda dos professores de edu-
cação física, que mediram e pesaram as crianças. A tabulação dos dados ainda não estava concluída em princípios de 2007.
Mas em algumas escolas as informações coletadas chamaram a atenção. Em uma delas, as crianças obesas formavam o
maior grupo, sendo 36% do total. Das restantes, 23% apresentaram sobrepeso e 28% estavam na faixa ideal, enquanto 13%
corriam o risco de desnutrição.
Novo levantamento será realizado em 2007, escola por escola, para a apuração rápida dos resultados e uma intervenção imedia-
ta do pessoal da merenda. Os dados gerais serão afixados em murais. Os pais interessados em saber a situação de seus filhos terão
acesso às informações na secretaria da escola. E também serão orientados quanto à dieta indicada em cada caso. Mas, como a
alimentação nem sempre é o único fator a influenciar o estado nutricional, exames de saúde e algum tratamento clínico pode-
rão ser recomendados. Assim, os responsáveis por crianças com algum tipo de problema receberão também uma carta de enca-
minhamento para o posto de saúde mais próximo. Quanto à questão de bons hábitos alimentares, convém lembrar que Santa
Catarina foi o estado pioneiro na proibição da venda de refrigerantes nas cantinas de escolas. Assim como de balas, pirulitos,
gomas de mascar, sucos artificiais, salgadinhos industrializados e salgados fritos, fora outras inconveniências. A lei é de 2001.
Em outra iniciativa, as nutricionistas resolveram editar uma revista em quadrinhos com três histórias para subsidiar o tra-
balho de educação nutricional. Nessas histórias há vários personagens — jovens estudantes, cozinheira e nutricionista. Os
temas abordados são a boa nutrição e a importância dos alimentos para uma vida saudável. As histórias também destacam
o papel das nutricionistas e cozinheiras, profissionais treinadas exatamente para oferecer alimentação sadia nas escolas:
LEQUE DE AÇÕES
J O I N V I L L E
142
uma forma de mostrar que a merenda é bem-feita e equili-
brada. E de estimular o interesse por ela. Por meio dos
quadrinhos, as crianças também serão informadas de que
Joinville conquistou o prêmio Gestor Eficiente da Merenda
Escolar em 2006. A distribuição da revista se dará no decor-
rer dos trabalhos de educação nutricional, que envolvem
palestras, teatro de fantoches ou qualquer outra atividade,
a depender da idade dos alunos.
A próxima ação que deverá favorecer um grupo razoável de
estudantes será a introdução de cardápio especial para
aqueles que apresentam intolerância à lactose, em toda a
rede pública. O trabalho teve início em dois centros de
Educação Infantil, em 2006. A incompatibilidade com a lactose impede a absorção de produtos lácteos e suas vitaminas,
e provoca distúrbios no aparelho digestivo. Nesses casos, o leite e subprodutos sairão do cardápio, dando lugar a derivados
de soja. Os pais serão informados e as cozinheiras receberão orientação para fazer merenda diferenciada. Inclusive os pães.
Mais adiante, os diabéticos, que são muito poucos, também terão dieta especial.
Finalmente, começa a prosperar um projeto acalentado pelas nutricionistas durante alguns anos. Trata-se do incentivo ao
aleitamento materno de bebês nos centros de Educação Infantil. Três dessas unidades já estavam participando do progra-
ma no início de 2007. As mães que desejam participar recebem orientação sobre a retirada, o acondicionamento e o trans-
porte do próprio leite. Por sua vez, as educadoras são instruídas sobre como proceder na recepção e armazenamento desse
que é o melhor alimento para as crianças de tenra idade. O objetivo é estender o programa aos 28 centros infantis que
têm berçários.
Joinville entrou em 2007 com o Conselho de Alimentação Escolar reno-
vado. Cláudia Medeiros Soares assumiu a presidência, tendo Lia Mares Wigers como vice. Ambas são educadoras, com
longa vivência no ambiente escolar. Representante dos professores, Cláudia tinha experiência de dois anos como conse-
lheira, na gestão anterior. Lia faz parte do CAE pela primeira vez, mas tem contato diário com a merenda, enquanto auxi-
liar de direção em uma das escolas. Em princípios de 2007, ambas faziam planos para integrar ainda mais os 14 membros
COMUNIDADE INTERESSADA
M E R E N D A F O R T E
143
do conselho às atividades relacionadas com a merenda. Da participação na degustação de alimentos até a organização das
hortas escolares. Lia e Cláudia
estavam otimistas, esperando contar com o apoio da
comunidade. Segundo elas, a confiança era justificada, porque Joinville tem Associações de Pais e Professores — APPs muito
ativas. Tanto assim que essas entidades acabam tendo um papel muito importante na formulação da política educacional
do município, colaborando também nas atividades culturais e na manutenção das escolas.
Uma rápida visita a algumas unidades da rede pública revela as marcas dessa participação, e também mostra que Joinville
sabe gastar as verbas da educação. Os prédios são bem cuidados, com laboratórios para o ensino de informática, hoje indis-
pensável, como todos sabem. Mas, o que mais impressiona é o esforço notável e generalizado de estímulo à leitura. Nesse
e em outros aspectos, a experiência do município merece ser copiada em todo o país. As bibliotecas escolares estão repletas
de bons livros. E nas unidades de ensino da área urbana há praças de leitura, espaços agradáveis e convidativos. As peque-
nas escolas da zona rural não ficam desassistidas. Dispõem de salas onde os alunos podem ler e de bibliotecas móveis.
Trata-se de ônibus adaptados, com estantes. Neles viajam contadoras de histórias, como Hilda Maria Medeiros. Em uma
das escolas rurais, a Hermann Müller, Hilda tem público pequeno, mas interessado: 50 alunos, em dois turnos. Na escola,
os pequenos estudantes são atendidos por uma merendeira, que trabalha de manhã e à tarde. A garotada mora nas vizi-
nhanças, e não é necessário transportá-la, pois parte vem a pé; as demais utilizam bicicletas. As aulas de informática são
ministradas em outra escola maior, que fica perto. Em
geral, esse é o padrão das unidades rurais, segundo informa
a professora Sílvia Maria da Silva, diretora da unidade.
Além da participação determinada das APPs, os funcioná-
rios da Secretaria de Educação dizem que o desenvolvimen-
to do ensino na cidade deve muito ao secretário Sylvio
Sniecikoviski, que está no cargo desde 1997. Vindo do
Paraná, formado em matemática e física, o professor Sylvio
chegou a Joinville no começo da década de 1950, para
construir um sólido currículo como educador. Na Escola
Professora Zulma do Rosário Miranda, a diretora Elizete
J O I N V I L L E
144
Maria da Rosa confirma que recebe
apoio permanente da Secretaria de
Educação. Mas ela tem independên-
cia para desenvolver uma série de
projetos com os pais de alunos e pro-
fessores. É o que vem fazendo nos
últimos dez anos, também com a
ajuda de voluntários. Os resultados
são ótimos. Quanto à merenda, não
há nenhuma contrariedade a regis-
trar. As duas cozinheiras, Marlene
Kutzhi Lemos e Nair Deboit Cardoso,
são muito integradas à escola, onde
trabalham há anos. Com os contínu-
os treinamentos, elas não têm difi-
culdade para desenvolver suas fun-
ções. A escola prima pela organização e limpeza. Tem pintura sempre renovada e jardim bem cuidado para recepcionar
seus 800 alunos do 1.º ao 9.º ano do Ensino Fundamental, e mais 150 da Educação de Jovens e Adultos — EJA.
Chama a atenção o fato de que a maioria dos adultos da EJA é constituída de pais de alunos da própria escola, que perma-
nece aberta nos fins de semana para as atividades do Clube da Comunidade. Enquanto as crianças brincam no pátio,
voluntários ensinam pintura, culinária, bordados e maquiagem para as pessoas das redondezas. Protegida pela comunida-
de e por um guarda-noturno, a escola nunca sofreu furtos ou depredações.
O trabalho voluntário é sempre bem-vindo. Uma artista plástica vai até lá uma vez por semana ensinar os “jovens pinto-
res”, projeto para os alunos do 6.º ao 9.º ano. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, as crianças aprendem a dese-
nhar com outra voluntária. Também um artista de teatro vai à escola contar histórias, sem nada receber pelo trabalho. E
as crianças aprendem e se divertem com sua própria rádio, que geralmente funciona por cerca de 15 minutos durante os
recreios. Os alunos cuidam da programação — música, notícias, assuntos relativos às aulas e a questões ambientais —,
orientados pelos professores.
M E R E N D A F O R T E
145
O voluntariado caracteriza ainda as instituições filantrópicas. Uma delas é a APAE. Presidida por Paula Cristina Duarte
de Góes, a instituição é freqüentada por cerca de 340 pessoas, em dois turnos. Ali trabalha uma nutricionista voluntá-
ria, mas suas colegas da Secretaria de Educação também colaboram. Além disso, a prefeitura se faz presente com o
fornecimento de 50% a 60% dos alimentos necessários para a merenda, e, em sua folha de pagamento, tem duas das
quatro cozinheiras que trabalham na entidade. Funcionárias públicas ou não, todas participam dos treinamentos
patrocinados pelo município.
Na Escola Professor Mariano Costa, os 1.200 metros quadrados da horta
constituem os domínios prediletos de Jairo Soares Filho e de Antônio Goulart Júnior, responsáveis pelos serviços de manu-
tenção. A horticultura e a jardinagem se incluem entre suas obrigações. Ambos têm intimidade com a terra desde a infân-
cia. Jairo porque cultivou hortaliças em casa desde os seis anos de idade. Antonio nasceu e foi criado no campo. Jairo passa
boa parte do tempo acompanhando o desenvolvimento silencioso das plantas, enquanto colhe uma safra permanente de
elogios pela qualidade do trabalho que realiza. A aprovação é unânime e merecida, pois a horta, além de tornar a escola
quase auto-suficiente em verduras para alimentar 1.400 alunos, é utilizada para atividades didáticas. Jairo participa. Mostra
aos alunos como cultivar as plantas e fala sobre a importância nutricional dos produtos hortícolas.
Até março de 1999, o terreno da horta estava coberto pelo entulho remanescente da construção da própria escola. Na
época, ao assumir a direção, a professora Amarili Farias Aniers comentou: “Uma escola sem horta não terá vida”. Logo o
entulho foi removido e o solo, preparado, pois era muito pobre. Hoje a horta é nutrida com adubo orgânico, produzido
com cascas de frutas e outras sobras da cozinha. A esses ingredientes se juntam grama cortada, folhas e galhos de plantas
que são podadas, informa Rosiméri Dias, auxiliar de direção. A Escola Professor Mariano Costa é o cartão-postal do progra-
ma de hortas escolares do Núcleo de Educação Ambiental da Secretaria de Educação de Joinville, dirigido pela bióloga
Marlize Martinelli Schroeder,
auxiliada por Francoyse Hugen Mendes, técnica agrícola, e Elisa Matilde,
também bióloga. O programa, iniciado em 1998, desenvolve-se na maioria das 134 unidades de ensino municipais.
No princípio, o pessoal das escolas mostrava muita boa vontade, mas quase nenhum conhecimento. Havia produtos para
as hortas armazenados em locais inadequados, e também uma razoável confusão: às vezes ninguém sabia o que estava
VERDE E VIDA
J O I N V I L L E
146
plantado em determinado local, por falta de placas; ervas medicinais se misturavam com hortaliças, e assim por diante.
De lá para cá o progresso foi sensível. Cada escola planta o que quiser, e delimita os canteiros com os materiais que con-
sidera melhores (tijolos, concreto, garrafas de plástico etc.). Mas os cultivos são orgânicos, da adubação ao controle de
pragas. Como Joinville é quente e úmida — um ambiente propício à proliferação das pragas —, o manejo exige muita
dedicação. Para dispensar o controle químico, é necessário empregar várias técnicas, a começar pela catação manual de
ovos e lagartas nas folhas e pelo plantio intercalado de vegetais que atraem (ou repelem) insetos. Em último caso são usa-
das as soluções à base de produtos naturais. Fica fácil entender a razão de Jairo Soares ser tão elogiado.
O objetivo das hortas não é a produção de alimentos em larga escala. Interessa que, em cada classe, sempre algumas crian-
ças levem sua experiência para casa, incentivando os pais a cultivar hortaliças. Afinal, a maioria das famílias não precisaria
comprar os temperos mais comuns (salsinha, cebolinha e orégano, por exemplo). E nem cultivar em grandes espaços: os
plantios podem ser feitos em vasos, floreiras, tanques ou tubos de concreto, o que tem acontecido. E uma das experiências
mais bem-sucedidas do Núcleo de Educação Ambiental ocorreu na Escola Mariano Costa. A partir de alguns ipês existentes
no interior da unidade, iniciou-se o preparo e a distribuição de mudas para os moradores de uma rua próxima. As mudas
foram dispostas no canteiro central daquela via, e as famílias assumiram o compromisso de cercar e cuidar das plantas,
sob orientação do núcleo, que recomenda: “Ame o verde e terás todas as cores”.
GO
IÂN
IA (G
O)
Uma cidade grande precisa ter um sistema de aquisição e
distribuição de alimento muito bem constituído; planejamento
e bons executores são suficientes para se alcançar um nível
satisfatório na qualidade da merenda escolar?
A MERENDA FAZ PARTE DO SUCESSO
Experiência premiada na categoria Capitais e Grandes Cidades – 2005 Em Goiânia, as hortas estão presentes em 104 escolas, com utilização dos alimentos na
merenda e realização de atividades pedagógicas. Os profissionais ligados a merenda fazem cursos
de nutrição e higiene. No cardápio foram introduzidos alimentos e pratos regionais, como galinhada, canjica e
pequi. Goiânia mantém uma equipe de 17 supervisores que realizam vistas mensais às escolas e acompanham a produção da horta escolar.
População 1.093.007
Área da unidade territorial (km²) 739Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,600
Menor IDHM do Estado 0,834
IDHM de Goiânia 0,832Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 240
Receita municipal R $ 1.175.796.951,66
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 2.757.792,00
Complementação do município para compra de alimentos R$ 1.568.942,57
Alunos atendidos 105.673
Refeições servidas 20.436.400Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Goiânia (GO)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado de Goiás
0,600 a 0,710 (48)
0,711 a 0,729 (49)
0,730 a 0,742 (49)
0,743 a 0,761 (47)
0,762 a 0,834 (49)
A M E R E N D A F A Z P A R T E D O S U C E S S O
149
Apesar de ter sido fundada relativamente há
pouco tempo, na década de 1930, Goiânia cresceu muito em função da expansão do agronegócio em Goiás e da proximi-
dade da Capital Federal. Com isso, já no ano 2000 contava com mais de um milhão de habitantes, segundo dados do IBGE,
sendo que menos de 10 mil na zona rural do município. Assim, os números de Goiânia são todos enormes. Em 2004, o
total de escolas era de 240, com mais de 100 mil alunos atendidos e 20 milhões de refeições servidas. E, como não podia
deixar de ser, os problemas também não são pequenos.
Há, por exemplo, muita diferença nas condições econômicas e culturais nas várias regiões do município. Muitas vezes, pais
que estudam à noite não têm com quem deixar os filhos. Centenas de crianças vivem em áreas invadidas ou foram deslo-
cadas de invasões para assentamentos longe de suas escolas originais. A alta rotatividade no “exército” de mais de mil
merendeiras exige cursos de atualização permanentes. Tudo isso conflitando com a vontade dos administradores de sempre
melhorar a alimentação escolar, ampliar as hortas e usar produtos típicos da região sem estourar o orçamento. Mas a
Secretaria Municipal de Educação — SME tem conseguido bons resultados com disciplina e organização. Para isso, a SME
conta também com o apoio fundamental do Departamento de Alimentação Escolar — DALE, que tem nutricionistas, admi-
nistradores e um time de 20 supervisoras para visitar todas as escolas pelo menos uma vez por mês. Como se não fosse o
bastante, vira e mexe a secretaria acaba encarando questões que a princípio não seriam suas, mas para as quais, como
importante agente político e social do município, não poderia fechar os olhos.
Assumir a responsabilidade para solucionar os problemas que caem em suas mãos, sem questionar de quem é a culpa nem
empurrar para outras áreas, parece ser a vocação da secretaria. Um exemplo claro é o Projeto Estudar Sem Fome, no qual,
em vez de um lanche simples, é servido um jantar completo a 16.390 alunos das 91 Unidades Educacionais com cursos
noturnos da Alfabetização de Jovens e Adultos — AJA e Ensino de Adolescentes, Jovens e Adultos — EAJA. Implantado em
2001 como forma de evitar a evasão escolar e complementar as necessidades alimentares de quem muitas vezes trabalhou
o dia inteiro sem uma refeição apropriada, atualmente ele vai além disso e alimenta até os filhos dos alunos. “O projeto
ASSUMINDO RESPONSABILIDADES
G O I Â N I A
150
Somente no
Re can to do Bosque, entre 25 e 32 crianças apelidadas de “ajinhas” jantam na escola com os pais. O DALE não sabe ao certo
quantas crianças estão freqüentando as 91 escolas que têm aulas à noite. Mas estima em pelo menos mil o número de
beneficiados diariamente com uma refeição de custo médio a R$ 1, bem acima dos valores médios da merenda oferecida
nas escolas normais de Educação Fundamental: R$ 0,19. De qualquer forma, a SME, por meio do DALE, decidiu assumir o
fato de que os alunos do período noturno precisam de uma refeição mais consistente e que muitos trazem seus filhos para
a escola. Assim, sem estardalhaço para não atrair mais “ajinhas”, os diretores das escolas com AJA estão sendo orientados
a cadastrar as crianças que vêm com os pais e verificar quais realmente têm necessidade de freqüentar a escola à noite. “A
partir daí podemos complementar os recursos de que a escola já dispõe e iniciar atividades ocupacionais com as crianças,
como aulas de xadrez ou reforço escolar”, explica Nara. “Porque não adianta elas estarem alimentadas mas sem ter o que
fazer enquanto aguardam as mães saírem das aulas.” “Já temos uma rede de voluntários trabalhando com as crianças, mas
também se refletiu numa diminuição da violência entre os estudantes, que hoje são mais produtivos e têm um índice
menor de repetência”, afirma a nutricionista da prefeitura Nair Augusta Gomes. “Mais do que apenas arroz, feijão, salada
e carne, recebemos os alunos às 19h30 com música, teatro, vídeo e outras atividades culturais para transformar este
momento do jantar numa experiência de socialização mais ampla.” O sucesso é tanto que no evento de comemoração de
50 anos do Programa Nacional de Alimentação Escolar, em 2005, o DALE foi convidado a mostrar o Projeto Estudar Sem
Fome a outras prefeituras.
Numa noite quente de terça-feira, na Escola Recanto do Bosque, encravada em uma das áreas mais carentes da periferia de
Goiânia, as merendeiras Suely Pureza e Maria José Nascimento preparam com carinho um grande caldeirão de peixe enso-
pado. No pátio coberto, uma tela improvisada exibe um filme de ação e romantismo. O cheiro delicioso dos temperos na
fervura atrai até a diretora da escola, Nara Roman dos Santos,
e logo se forma uma longa fila. No final dela,
de pois dos adultos, começam a aparecer uma, duas, três, várias crianças. “Muitos dos nossos 289 alunos do período noturno
não têm com quem deixar os filhos e, como não querem parar de estudar, acabam trazendo as crianças”, atesta a diretora. “Não
podemos nunca fechar as portas da escola para a comunidade e muito menos recusar comida a quem tem fome, mas por outro
lado também não temos condição de alimentar o bairro inteiro.” CUSTOS BEM ADMINISTRADOS
A M E R E N D A F A Z P A R T E D O S U C E S S O
151
queremos estruturar melhor esse serviço”, complementa Nair.
O gasto maior com o Estudar Sem Fome, com os “ajinhas” e com as escolas de período integral implantadas a partir de 2005
obrigou a secretaria a rever alguns itens mais caros da pauta de alimentos, como a farinha de castanha de baru, típica da
região e que era adquirida de produtores locais, substituindo-os por alimentos mais baratos e de valor nutritivo semelhante.
“Estamos buscando apoio em órgãos como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — Incra e a Companhia
Nacional de Abastecimento — Conab e programas federais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar — Pronaf para firmar convênios que permitam uma economia nos custos da SME e ao mesmo tempo a aquisição
de alimentos saudáveis produzidos em Goiás”, afirma a secretária de Educação, professora Márcia Pereira de Carvalho.
“Temos investido muito, por exemplo, em filé de pescados, frutas, rapadura, mel e sucos, porque não abrimos mão da qua-
lidade. Nossa secretaria administra a maior verba do município e é a quarta do estado em orçamento, número de funcioná-
rios e pessoas atendidas diretamente.”
Se depender da boa vontade e prepa-
ração das merendeiras de Goiânia, manter as crianças bem alimentadas não será um problema. Maria José e Suely, da Escola
Recanto do Bosque, por exemplo, trabalham com merenda porque gostam e têm orgulho da função. “Eu sempre quis tra-
balhar em escolas, por isso antes mesmo de completar o curso de magistério prestei um concurso da prefeitura para auxiliar
de serviços gerais”, conta Maria José. “Comecei trabalhando na limpeza, mas logo passei para a merenda, me adaptei,
gostei e fiquei.” A idéia de Maria José era trabalhar um
ano na cozinha, terminar o magistério e prestar um novo
concurso para professora. Nesse meio tempo, contudo, os
critérios para preenchimento das vagas na sala de aula
mudaram e passou a ser exigido o curso superior de peda-
gogia. “Eu terminei o magistério e peguei um trabalho
como professora de alfabetização em uma escola privada,
mas como continuo querendo entrar para a rede pública,
estou cursando o segundo ano de pedagogia”, diz.
“Então, além de estudar à tarde, faço duas coisas de que
gosto: dou aula de manhã e cozinho à noite.”
ORGULHO DE SER MERENDEIRA
G O I Â N I A
152
Suely também tem um segundo grau de nível técnico e faz jornada dupla. “Sou formada em instrumentação e trabalho
durante o dia numa clínica de cirurgia de ouvido, nariz e garganta”, explica. “Mas como estava desempregada em 2002,
prestei o mesmo concurso da Maria José, também comecei na limpeza, mas um dia ela faltou e o diretor perguntou se eu
gostava de cozinhar…”. Para Suely, saúde e alimentação são atividades bastante próximas. “Faço a comida aqui com o mesmo
carinho que preparo em minha casa e tenho orgulho desta cozinha”, afirma. “Em maio de 2006 eu estava fazendo um curso
sobre preparo de alimentos à base de soja quando a professora recebeu um telefonema da TV Anhangüera, retransmissora da
Rede Globo, perguntando sobre a importância da nutricionista no preparo de um cardápio balanceado. Eu achei que era
sobre o curso de soja e gritei: ‘Se querem filmar têm que ir lá na cozinha da minha escola, que é a mais bonita, limpa e arru-
mada da rede!’ Para mim, o local de trabalho é uma extensão da minha casa. E não é que eles foram mesmo? E eu fui com
o motorista da prefeitura, tava toda chique. Fizemos uma simulação da preparação dos cardápios, eles filmaram na mesma
tarde e todo mundo viu na TV. Até o pessoal da igreja lá em Itumbiara! Foram os meus 15 minutos de fama”, brinca. Agora,
além de encarar dois trabalhos, a dupla de merendeiras da Escola Recanto do Bosque também pega encomendas de quitutes
e jantares para festas e inaugurações.
O curso para preparo de alimentos à base de soja ao
qual Suely se refere é apenas um dos muitos oferecidos às merendeiras em Goiânia. Ele foi possível devido a um convênio
entre a Secretaria Municipal de Educação, a Agência Rural do Estado de Goiás e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
— Embrapa. “No projeto-piloto, 105 merendeiras passaram pelo curso e com isso a Secretaria de Educação aprovou sua
continuidade para capacitar também as outras mil manipuladoras de alimentos a trabalhar com farinha, leite e grão de
soja”, informa o diretor do DALE, Lane Marques de Lima.
“A farinha de soja faz parte do
cardápio desde 2003, mas a partir de 2007 devemos adquirir também o grão sem pele para
diminuir o custo total da lista de alimentos; por isso a capacitação é tão importante, já que
ajuda a manter a qualidade e a variedade dos pratos oferecidos.”
Com carga mínima de 12 horas/aula, o curso para preparo de alimentos à base de soja entrou
na grade geral de capacitações oferecidas pelo DALE, que inclui ainda orientação sobre princí-
CAPACITAÇÃO CONSTANTE
Fazer parcerias com órgãos de pesquisa e exten-são rural, além de institu-ições de ensino, é um bom
caminho para a redução do custo de aprimoramento.
A M E R E N D A F A Z P A R T E D O S U C E S S O
153
Se por um lado a introdução
do grão de soja na pauta de produtos distribuídos para a merenda tem como objetivo reduzir o custo total, em outro tipo
de alimento o preço é o que menos importa. As hortas escolares e comunitárias contribuem para a qualidade da merenda
com verduras e temperos frescos. O cultivo de vegetais também faz parte do processo pedagógico geral e especialmente da
educação e dos hábitos alimentares que acompanharão as crianças por toda a vida. Dificilmente um aluno recusa uma
hortaliça que ele mesmo plantou, muito pelo contrário. “A gestão anterior teve o mérito de institucionalizar em cerca de
30 escolas algo que existia no município desde a década de 1920”, conta a socióloga Maria de Lourdes Corsino Peres. “E
felizmente a administração atual assumiu essas hortas, ampliou o trabalho para 154 unidades educacionais, contratou
biólogos e agrônomos para dar suporte ao projeto e ainda admitiu 40 estagiários de agronomia da Universidade Federal de
Goiás”. A idéia é que toda escola, com o mínimo de terreno disponível, tenha uma Horta Escolar, mantida pela prefeitura,
ou uma Horta Comunitária, que recebe recursos para infra-estrutura, sementes e equipamentos da Fundação Banco do
Brasil para atender os alunos e a população do entorno.
E em alguns lugares do município, os canteiros ajudam a resgatar o amor aos valores da terra que muitas
famílias perdem no processo de urbanização das periferias. É o caso da Escola Rural Santa Rita de
Cássia, na divisa com o município de Aparecida de Goiânia. “A escola tem uma função social
muito grande porque hoje, no Brasil, há uma negação do trabalho rural. Então tentamos
contextualizar essa herança no projeto pedagógico, já que muitas das 85 a 90 crianças que
temos regularmente são do interior de Goiás”, analisa a diretora, Ivonilde Rodrigues
Nogueira. “Essa horta é um laboratório de pesquisa, de observação, até de persistência, e tem
sido uma lição de vida tanto para os educadores como para as crianças e suas famílias.”
Chamar de horta a plantação da escola chega a ser pejorativo. Lá os alunos e a população das
pios nutricionais dos alimentos; procedimentos básicos da elaboração de cardápios; prática de elaboração de alimentos;
aproveitamento integral dos alimentos; critérios para recebimento, armazenamento e distribuição; técnicas higiênico-
sanitárias, etc. “A política da SME é que cada merendeira da rede municipal receba pelo menos dois treinamentos por
ano”, diz a secretária de Educação do município. “Temos também a preocupação de sempre realizar os cursos durante
o horário de trabalho e providenciar o transporte para as merendeiras, de modo a transformar a capacitação em uma
rotina dentro das funções normais das profissionais.”
Deve-se buscar apoio em empresas da região perten-
centes ao setor agropecuário. Além de experiência, elas podem fornecer assessoria
técnica e insumos.
UMA HORTA EM CADA ESCOLA
G O I Â N I A
154
A horta, contudo, não é exclusividade das escolas de Educação
Infantil e Básica. Muito menos das escolas rurais. Nas creches urbanas, chamadas Centros Municipais de Educação Infantil
— CMEIs, qualquer cantinho serve para plantar um canteiro. Nessas, a função pedagógica é de fato mais importante que
o complemento da merenda. Tanto que algumas plantam flores. As hortaliças, no entanto, estimulam as crianças a diver-
sificar sua alimentação. Isso é fundamental em uma creche como a Dra. Elizabeth Pinto Ribeiro, pioneira no município na
implantação do bufê, em que as crianças escolhem livremente o que colocar no prato. “Víamos que o refeitório ficava
sempre com o chão sujo e que muitas crianças devolviam os pratos cheios porque recebiam o prato feito e não tinham
opção de escolher a quantidade ou a comida de que gostavam”, diz Sueli Oquéros David,
diretora do CMEI.
“Começamos em 2004 a colocar os alimentos em travessas e deixar os maiorzinhos, de quatro a seis anos, se servirem.
Como funcionou, passamos para os menores e em seis meses fizemos um bazar para juntar dinheiro, comprar um bufê e
mandar um serralheiro cortar as pernas para ficar na altura ideal para as crianças.”
redondezas têm uma imensa variedade de produtos: de frutas e verduras a temperos e raízes. Um dos projetos mais
lindos da escola foi o mutirão para a plantação, colheita, secagem, raspagem e produção de um tonel de polvilho de
mandioca usado no pão de queijo.
“A gente tinha uma horta onde morávamos, mas tivemos que vender a chácara e nos mudamos para cá há nove anos”,
conta a vizinha da escola Carita Nascimento da Silva. “No começo meu esposo ajudava na horta da escola, mas ele
pegou um trabalho de pedreiro e eu tive que continuar na lida.” Mãe de quatro filhos, três estudando na Santa Rita de
Cássia, ela é uma das mais dedicadas. “Como não tem agrotóxico, às vezes eu vou colhendo a couve, a alface, e as crian-
ças vão comendo”, diz. “A produção é tão grande que eu sempre levo bastante pra casa e até vendo alguma coisa para
complementar a renda.” O empenho de Carita levou as outras mães a escolhê-la como conselheira da escola. “No início
eu tentei fugir, tinha medo de não conseguir cuidar das crianças pequenas e ainda mexer com dinheiro, com banco”,
lembra. “Mas com o tempo passei a compreender melhor as coisas, aprender, e acho que estou crescendo e enxergando
mais da vida.” FAZENDO O PRÓPRIO PRATO
A M E R E N D A F A Z P A R T E D O S U C E S S O
155
Hoje, 85 crianças de três a seis anos do CMEI se servem sozi-
nhas. Aquelas entre dois e três anos vão ao balcão, escolhem
e a merendeira serve. Apenas as menores de dois anos conti-
nuam recebendo o prato ou a mamadeira prontos. “É traba-
lhoso, claro, mas educação é isso mesmo”, define Sueli. “A
gente que está na prática há muitos anos vê o crescimento
pedagógico e a autonomia que iniciativas como essa dão aos
alunos, chegando a mudar os hábitos alimentares de toda a
família, porque a criança começa a pedir alimentos como
cenoura, beterraba e alface, que muitas vezes os pais não
oferecem por falta de costume ou porque acham que ela não
vai comer.” Dos 96 CMEIs de Goiânia, três já trabalham com
o sistema de auto-serviço em bufês e vários outros disponibi-
lizam os alimentos em travessas.
INVASÃO, VIOLÊNCIA E ESCOLA INTEGRAL Diferente das experiências planejadas longamente, o projeto de esco-
las de tempo integral em Goiânia nasceu de um acontecimento trágico: a violenta desocupação pela polícia de uma área
de 1,3 milhão de metros quadrados na região do Parque Oeste Industrial, batizada de Residencial Sonho Real, invadida
em 2004 por cerca de 14 mil pessoas, das quais pelo menos um terço eram crianças matriculadas em escolas próximas.
Depois de meses de negociações, ameaças e promessas de regularização, os advogados dos proprietários da área conse-
guiram na Justiça a reintegração de posse. Decididos a permanecer no local a todo custo, os moradores montaram bar-
ricadas nas entradas do terreno e se preparam para resistir. Na noite de 15 de fevereiro de 2005, um tenente da PM foi
baleado no local e dois manifestantes também foram feridos. Estava montado o cenário de guerra. No dia seguinte,
2.500 policiais fortemente armados furaram o cerco e desocuparam aquela que era chamada pela mídia de maior ocu-
pação urbana do País. Ao menos dois sem-teto foram mortos, dezenas ficaram feridos e 800 pessoas foram presas. Alguns
relatos não oficiais falam em até 20 mortes. Os tratores derrubaram as casas e barracos erguidos no local e quem não
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156
tinha para onde ir foi levado para dois ginásios esportivos distantes da ocupação e sem qualquer infra-estrutura para
receber tantos desabrigados.
Da sala de sua casa, pela TV, a secretária de Educação acompanhou com apreensão o desenrolar dos fatos. “Vimos a situ-
ação das crianças dormindo amontoadas, praticamente sem comida, sem condições mínimas de higiene e, o pior de tudo,
fora da escola porque foram deslocadas para longe do Parque Oeste”, relembra. “Então, firmamos um convênio com a
Secretaria de Saúde, conseguimos quatro ônibus para o transporte, juntamos uma equipe e fizemos um mutirão num fim
de semana para adaptar uma antiga escola municipal para receber essas crianças.” Surgia assim a Escola Renascer, primei-
ra experiência da prefeitura com regime de estudo em tempo integral, de modo a dar uma atenção especial, tanto em
termos didático-pedagógicos como de alimentação, a esses alunos tão carentes. Hoje já são seis as escolas de período inte-
gral no município.
“Ver o que aconteceu nos ginásios
do Capuava e Novo Horizonte é conhecer a tragédia humana”, argumenta o diretor da escola, professor Cairo Ronaldo de
Sousa. “Eu assumi o posto duas semanas depois de a escola começar a funcionar, e a situação era terrível. Dava pra ficar
assustado com o nível de agressividade das crianças.” Com dois meses morando nos ginásios, cerca de um terço dos 220
meninos e meninas de quatro a 15 anos levados para a Renascer estavam subnutridos. Outros problemas de saúde como
sarna, piolhos, urticárias e verminoses eram generalizados. Sousa conta que nos primeiros dias um pedaço de frango era
disputado quase que a tapa pelas crianças. Ele cita a história de uma menina que foi pega escondendo comida dentro do
tênis. Aos poucos o quadro foi melhorando. Vendo que tinham comida à vontade, as crianças já não brigavam pelo alimen-
to. Com cinco refeições diárias, em seis meses o problema da subnutrição foi praticamente resolvido. Atividades simples
como brincadeira de roda, queimada e futebol estimulavam a sociabilidade. Com o tempo, oficinas de bonsai, escultura em
argila, dança e horta foram introduzidas. Os alunos passaram a respeitar mais os colegas, professores e o espaço da escola.
Já não há mais papéis e restos de comida atirados no chão das 11 salas de aula onde hoje estudam 286 crianças.
Depois de passarem quatro meses nos ginásios, os sem-teto foram transferidos para acampamentos de lona montados pela
prefeitura e governo do estado no bairro do Grajaú. Das 3.557 famílias cadastradas na desocupação, cerca de 200 já estão
morando em casas próprias no Residencial Nova Conquista. A infra-estrutura ainda é precária no local e os pais insistem
em manter os filhos na Escola Renascer, além de pedirem que seja construída uma escola de tempo integral do mesmo
nível na comunidade. Enquanto isso não acontece, são as crianças que não querem voltar para casa nos feriados e fins de
CIDADANIA COM CINCO REFEIÇÕES DIÁRIAS
A M E R E N D A F A Z P A R T E D O S U C E S S O
157
semana. Além da falta de condições como água e comida no acampamento e nas novas casas, elas continuam sofrendo de
grave estresse pós-traumático por causa da violência da polícia. “Teve uma vez em que furou o pneu de um caminhão na
rua da escola e os alunos entraram em pânico com o barulho”, diz a secretária. De fato, mesmo quase dois anos depois,
quando perguntados sobre como foi a desocupação poucos conseguem lembrar daquele dia sem cair no choro. Agora, com
a maior parte das questões de alimentação e saúde física resolvidas, a diretoria da escola e a Secretaria Municipal de
Educação — SME devem buscar acompanhamento e tratamento psicológico para os alunos e suas famílias. “A criação da
Escola Renascer foi uma decisão política, já que a situação não podia ficar como estava, e a prefeitura assumiu mais essa
responsabilidade”, afirma o diretor.
Para coordenar, fiscalizar e organizar toda essa rede de
unidades educacionais, com programas e iniciativas tão diferentes, o DALE conta com 20 supervisoras que visitam em
média, sem aviso prévio, 11 escolas por semana. “Somos as responsáveis por garantir sempre a higiene, a qualidade do
preparo da merenda, a utilização dos estoques e principalmente o respeito aos
alunos e ao dinheiro que é investido em sua alimentação”, afirma a supervisora
e membro do Conselho de Alimentação Escolar — CAE, Nara do Carmo Resende
Amorin. “Às vezes, se uma escola fica sem carne, a gente pede para enviar. Se
outra recebe um iogurte cujo aspecto não está bom, a gente contata o distribui-
dor. Se o supervisor não passar na escola naquela semana, o diretor pode ligar
direto para o DALE que a gente resolve o problema.” São elas também que acom-
panham e atestam a capacitação das merendeiras para o aceite dos produtos
entregues diretamente nas escolas.
Além das supervisoras próprias contratadas pela prefeitura, a Secretaria
Municipal de Educação também firmou um convênio com a Universidade
Paulista — Unip em Goiânia e com a Universidade Federal de Goiás — UFG para
a realização de estágios supervisionados destinados a estudantes do curso de
nutrição. Esses estagiários desenvolvem ações de educação e avaliação nutricio-
nal dos alunos, ajudam na elaboração de cardápios e acompanham o preparo
das refeições, entre outras atividades. Até o ano de 2006, cerca de 70 CMEIs
SUPERVISÃO E ESTÁGIOS
G O I Â N I A
158
faziam parte do projeto e a expectativa era ampliar a rede para todas as creches e, no futuro, atingir também as escolas de
Ensino Fundamental. Outra tarefa é avaliar a aceitabilidade de novos produtos pelos alunos. “Não conseguiríamos coor-
denar as atividades e projetos em 240 escolas se não fosse a presença constante das supervisoras e, agora, dos estagiários”,
complementa a secretária Márcia. “E valorizamos tanto esse apoio que, além da ajuda de custo no deslocamento semanal
para as escolas, que já oferecíamos, as supervisoras agora contam com 22 carros disponibilizados pela prefeitura para faze-
rem as visitas. Assim, temos muito orgulho de, com todos os problemas de uma grande cidade, estarmos em sétimo lugar
na Prova Brasil, que mede o nível de aprendizado dos alunos do Ensino Fundamental, à frente portanto de Belo Horizonte,
São Paulo e outras capitais. A alimentação faz parte desse sucesso e não pode nunca ser dissociada da aprendizagem.”
PORT
O A
LEG
RE (R
S)
A merenda escolar pode introduzir hábitos
saudáveis de alimentação?
DEDICAÇÃO PROFISSIONAL E HUMANA
Experiência premiada na categoria Eficiência Nutricional – 2005 O município de Porto Alegre introduziu o self-service para a distribuição da merenda
escolar; assim os alunos aprendem enquanto se alimentam. A equipe técnica de nutrição ajuda
no trabalho de educação alimentar cha mando a atenção para a postura, os modos ao comer, a utiliza-
ção correta dos talheres e a higiene ao se alimentar; os alunos recebem duas refeições por dia.Porto Alegre foi também vencedora na categoria Capitais e Grandes Cidades na edição 2006 do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar.
População 1.360.590
Área da unidade territorial (km²) 497Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 — Malha municipal digital do Brasil: situação em 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2004
Maior IDHM do Estado 0,870
Menor IDHM do Estado 0,666
IDHM de Porto Alegre 0,865Fonte: Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 — PNUD/ONU.
Número de escolas municipais (pré-escola e ensino fundamental) 226
Receita municipal R$ 1.912.710.778,53
Recursos transferidos pelo FNDE R$ 1.650.507,49
Complementação do município para compra de alimentos R$ 3.133.001,36
Alunos atendidos 15.100
Refeições servidas 9.604.075Fonte: Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, 2ª edição (2005) — dados referentes a 2004.
Porto Alegre (RS)
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000
Municípios do estado do Rio Grande do Sul
0,666 a 0,753 (95)
0,754 a 0,776 (96)
0,777 a 0,797 (92)
0,798 a 0,816 (95)
0,817 a 0,870 (89)
D E D I C A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L E H U M A N A
161
Oferecer refeições completas e balan-
ceadas em cidades de pequeno e médio porte é uma coisa. Mas como garantir a mesma qualidade nutricional em uma
capital de estado com mais de 66 mil alunos? Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, consegue esse feito mantendo há anos
a mesma direção em seu Setor de Nutrição, responsável pela merenda escolar no município; investindo praticamente o
dobro do valor enviado pelo Governo Federal por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar — PNAE; e contra-
tando uma grande equipe de nutricionistas, técnicas em nutrição e estagiárias de nível superior. O time responsável pelas
refeições, sem contar cozinheiras e ajudantes de cozinha, soma 70 profissionais. Com isso, é possível manter um especia-
lista em nutrição para acompanhar a entrega do desjejum e almoço (nas escolas do período matutino) e do almoço e
lanche (nas de turno vespertino) praticamente todos os dias nas 92 unidades de Ensino Fundamental e Educação Infantil.
Esses profissionais também avaliam periodicamente a situação nutricional das crianças nas creches por meio da medição
de altura e pesagem, além do grau de satisfação dos alunos do Ensino Fundamental com a comida servida nas escolas. A
grande equipe realiza ainda o recebimento dos gêneros alimentícios, coordena sua utilização e estoque, atua na educação
alimentar dos alunos e atende a casos de necessidades especiais. Se por um lado experiências bem-sucedidas em outras
cidades não funcionaram em Porto Alegre, como a Compra Direta da Conab, por outro existe um interessante Programa
de Aquisição de Alimentos de produtores familiares da região. Além disso, o município pode se gabar de ter implantado o
auto-serviço, os refeitórios e o uso de faca e garfo de metal em todas as suas unidades educacionais.
A coordenadora do Setor de Nutrição da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, Sandra Pinho, orgulha-se de
ser uma das duas primeiras profissionais da área a ser contratada pela prefeitura, há quase duas décadas. Na época em
que se formou, os nutricionistas tinham um campo de atuação bastante restrito, composto basicamente por hospitais e
grandes fornecedores de refeições coletivas para empresas. Por isso, seu primeiro emprego foi num hospital infantil.
UMA NUTRICIONISTA APAIXONADA EM CADA ESCOLA
P O R T O A L E G R E
162
“Eu não me sentia bem trabalhando com crianças doentes, ficava muito triste e pensava que tinha de haver uma manei-
ra de evitar que elas adoecessem. Mas para isso era preciso atuar na família, na escola, na comunidade. Nesse meio
tempo, me casei, tive uma filha e isso me deixava ainda pior. Então eu saí do hospital e montei uma creche dos sonhos,
com grande atenção à alimentação, e uma equipe multidisciplinar, com psicóloga, enfermeira, etc. Permaneci na creche
por três anos, mas aí engravidei da minha segunda filha e tive de parar. Fiquei seis meses fora. Foi quando surgiu o
concurso da prefeitura para trabalhar com educação. Eu não queria voltar para o hospital e vi no anúncio uma boa
oportunidade para colocar meu sonho em prática. Como as crianças passam o dia todo numa creche ou pelo menos
quatro horas numa escola de Ensino Fundamental, esse é um dos melhores espaços para investir na saúde alimentar.
Acho que alimentação escolar é o futuro, porque educação é tudo na vida, é a única coisa que não te tiram nunca. Eu
estou nisso há 19 anos, não tem como não se apaixonar.”
Atualmente existem basicamente três cargos na hierarquia do Setor de Nutrição: assessoras, técnicas e estagiárias. Além
de Sandra,
responsável — ao lado de uma professora e um assistente administrativo — pela direção e coor-
denação de todo o setor, montagem dos cardápios, realização do pregão eletrônico para aquisição dos alimentos, elabora-
ção das planilhas de distribuição dos gêneros, acompanhamento e orientação dos fornecedores e possíveis fornecedores,
etc., existem oito outras nutricionistas com cargo de assessoras de nutrição. Cada uma cuida em média de 11 unidades
educacionais, onde acompanham o recebimento dos alimentos, avaliam e supervisionam os demais profissionais da área,
pesquisam e testam novas receitas e produtos, e ainda criam e implementam projetos de interesse do setor. Mas o grande
diferencial de Porto Alegre são as 36 técnicas de nutrição, uma para cada duas escolas! São elas as profissionais efetivamen-
te responsáveis pelo recebimento, aceite e armazenamento dos alimentos nas unidades educacionais. São as técnicas de
nutrição também que orientam as cozinheiras e auxiliares, garantem a preparação correta dos cardápios semanais, acom-
panham as crianças durante as refeições e controlam o número de pratos servidos e o volume de restos e sobras. Nas
escolas em que não há uma técnica em nutrição trabalham 20 estagiárias de nível superior, com funções semelhantes.
Todas as informações sobre alimentos entregues e consumidos nas escolas são colocadas em planilhas específicas. A tabu-
lação desses dados permite levantar rapidamente o valor total da alimentação em cada unidade educacional, o número de
refeições servidas em relação à quantidade de alunos e o custo per capita.
D E D I C A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L E H U M A N A
163
Como a realidade é diferente em cada escola, os valores e até o car-
dápio também podem variar bastante. É o caso, por exemplo, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre,
que atende pouco mais de 100 jovens em situação de rua entre 14 e 21 anos e onde o custo da refeição por aluno é um
pouco mais que o dobro das demais unidades educacionais, mesmo se comparado com os valores per capita das escolas
em que funciona a Educação de Jovens e Adultos — EJA. A carência afetiva e a fome pela qual muitos passaram quando
eram crianças fazem com que eles comam muito mais do que outras pessoas da mesma faixa etária. “O cardápio aqui
precisa ser adaptado às necessidades especiais do nosso público, que não tem uma casa para onde voltar”, explica a asses-
sora de nutrição Helga Schiller Barcellos. “Um exemplo são os bolos para os aniversariantes do mês, que não fazemos nas
outras escolas fundamentais, só nas infantis. Com o pão caseiro e a cuca foi a mesma coisa. Eles pedem porque têm nisso
um sentido de lar que falta em suas vidas. Eles sabem que fazemos o possível mas que sempre há limites que precisam ser
respeitados.” Outra solicitação encampada pela direção da escola e diferente de qualquer outra unidade da rede é a intro-
dução do café preto. “Muitos usam drogas, vários dormem na rua, outros tomam medicação e seria interessante ter uma
bebida estimulante”, afirma a vice-diretora Maria Aparecida Cândido. “Nem todos os 108 alunos matriculados fazem as
refeições aqui. Tudo vai depender da noite anterior...”
A Escola Porto Alegre é a única em regime de tempo integral na rede (das 7h30 às 17h30) e o currículo também é diferenciado,
dividido em estudo da realidade, organização do conhecimento e aplicação do conhecimento. A idéia é preparar esses jovens
para a vida e o mercado de trabalho ensinando, além dos con-
teúdos básicos como língua portuguesa e matemática, a lidar
com papel artesanal, cartonagem e cerâmica. A partir de 2007
haverá ainda oficinas de jardinagem. A questão da educação
alimentar e do desperdício também faz parte do programa
pedagógico. O Projeto Resto Zero, aliás, foi implantado primei-
ro nesta escola, antes de ser disseminado em toda a rede a
partir de 2003. “Os alunos costumavam encher demais o prato
por medo de ficar sem comida. Com isso eram jogados fora
muitos quilos de restos por mês”, calcula a técnica de nutrição
CARDÁPIOS ESPECÍFICOS PARA CADA PÚBLICO
P O R T O A L E G R E
164
Outra unidade
educacional “um tanto diferente” onde o Projeto Resto Zero foi um sucesso é a Escola Municipal
Especial Elyseu Pagliori. Lá os 165 alunos jogavam no lixo cerca de três quilos de restos de alimentos
por refeição há dois anos. Hoje a média varia entre 50 e 300 gramas. “A escola especial é voltada exclusiva-
mente para alunos de zero a 21 anos com deficiência mental”, explica a diretora Rosa Medeiros. “Temos uma estruturação
diferenciada, trabalhamos principalmente a alfabetização, chegando inclusive a encaminhar alguns alunos para escolas
regulares, mas também tentamos adaptar o melhor possível essas crianças e jovens para uma vida mais saudável, indepen-
dente e integrada na sociedade.” Nesse contexto, a alimentação é um ponto fundamental. “Temos muitos alunos que
chegam aqui sem nunca terem comido com talheres. Então ensinamos também essa autonomia. A alimentação faz parte
do trabalho de pedagogia integral, com os professores
acompanhando o tempo todo os alunos nesse processo”,
diz a diretora, formada em educação física, com pós-gra-
duação em educação física para escolas especiais, estágios
em instituições para menores infratores e também em um
hospital psiquiátrico. “Sempre gostei de trabalhar com
alunos especiais. É mais apaixonante e desafiante, ainda
mais na direção de uma escola.”
Nem todos os funcionários da escola têm formação espe-
cífica para lidar com crianças especiais. Mas com o tempo
todos acabam se apaixonando. “Não somos preparados
para trabalhar numa escola especial. Temos treinamento
para cozinhar. Mas se a gente se interessa em aprender,
basta termos mais contato com os outros profissionais,
Maria Madalena de Melo Machado, com 14 anos de experiência na rede pública do município. “Tivemos
primeiro de convencê-los de que poderiam repetir quantas vezes quisessem. Ao mesmo tempo,
começamos um trabalho apresentando o que seria um quilo de arroz e quantas pessoas poderiam
se alimentar com isso em um mês. Aos poucos eles passaram a entender e colocar menos comida
no prato, diminuindo o desperdício.” ABAIXO OS PRECONCEITOS
O trabalho de educação alimentar deve incluir
o combate ao desperdício; as merendeiras e as manipu-
ladoras de alimentos devem dar o exemplo.
D E D I C A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L E H U M A N A
165
Com o núcleo do Setor de Nutrição
formado e a equipe crescendo, ano a ano a alimentação escolar ganhava em qualidade, variedade e respeito dentro e fora
da administração municipal. Tanto que, mesmo com as grandes mudanças políticas na cidade nos últimos 20 anos, o setor
permanece valorizado e dá continuidade a seus projetos. “O governo que assumiu em 2005 decidiu, em princípio, manter
o que está funcionando e promover mudanças somente onde fosse necessário ou por demandas da sociedade”, afirma a
secretária de Educação, Marilú Fontoura de Medeiros.
“No caso da alimentação escolar, nós nem questio-
namos a manutenção ou não da equipe. Porque o próprio modo como o Setor de Nutrição se organiza na rede prova que
com os professores, com a direção e pedir uma orientação quando necessário”, opina Neila Trindade, cozinheira na rede
há 14 anos. “O cardápio da escola especial é mais parecido com o das escolas infantis, porque as crianças têm mais difi-
culdade de mastigação, por exemplo. O carinho, entretanto, é muito maior e o trabalho é muito mais gratificante. Você
vê a evolução das crianças.” A estagiária de nutrição Lidiane Peres de Oliveira é mais uma que não imaginava trabalhar
numa escola especial. “Eu comecei na Escola Municipal de Educação Infantil Tio Barnabé e, quando soube que seria trans-
ferida pra cá, fiquei com receio. Eu não sabia o que esperar da Elyseu”, lembra. No final, ela percebeu que não há muitas
diferenças. “Temos apenas que prestar mais atenção nas repetições porque o aluno com deficiência mental geralmente tem
uma tendência maior a ganhar peso, e se deixarmos ele repete sem parar.” Lidiane foi uma das profissionais que ajudaram
a quebrar alguns preconceitos. “Até 2004 os alunos recebiam das mãos das cozinheiras o prato feito no balcão. Não havia
um bufê porque se achava que muitos alunos não conseguiriam escolher os alimentos, dar a volta no bufê e equilibrar as
bandejas.” O auto-serviço, instituído em todas as unidades educacionais de Porto Alegre para crianças acima de dois anos
de idade, foi implantado na Elyseu Pagliori somente no final daquele ano, primeiro com as panelas no balcão para a adap-
tação e finalmente num bufê central, que mantém a comida quente. “Provamos que era um preconceito em relação às
crianças de escola especial. Claro que eles precisam de um estímulo e atenção maior, mas têm a mesma capacidade de
absorver a informação. Mostramos até pra eles que não há diferença. E com isso se sentiram mais valorizados.” Este é um
exemplo para todos os gestores de alimentação escolar que pretendem implantar o auto-serviço em suas cidades mas
receiam que as crianças não se adaptem. QUESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA
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este é um produto social altamente valorizado pela população. Já é, portanto, uma política pública. E,
como tal, um gestor público não pode fazer uso privado desse espaço. Deve respeitar as pessoas que
têm a experiência e as condições técnicas para atuar. Dialogamos muito, buscamos aperfeiçoar,
claro, mas a dedicação é imensa.” A secretária cita como exemplo dessa dedicação um incêndio
ocorrido recentemente em uma escola. Segundo ela, mesmo com a cozinha destruída a equipe de
alimentação escolar se desdobrou para manter a qualidade das refeições servidas, oferecendo pra-
tos quentes preparados em outras escolas. Assim, foi possível manter a programação sem deixar de
fornecer uma única refeição.
Apesar do empenho da secretária em dar continuidade aos bons projetos em andamento, pelo menos um
deles foi suspenso na troca de administração. Durante o ano de 2004 foram implementados dois projetos-piloto visando
introduzir hortifrutigranjeiros de melhor qualidade produzidos por pequenos agricultores rurais do município. O primeiro foi
a adesão ao Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, da Companhia Nacional de Abastecimento — Conab, vinculado ao
Programa Fome Zero. Por meio desse programa a Conab paga até R$ 2.500 por ano para produtores da agricultura familiar
entregarem frutas, verduras e outros alimentos diretamente nas escolas e entidades assistenciais, sem custo para a prefeitura.
“Infelizmente o programa não funcionou em Porto Alegre, porque os agricultores começaram a entregar produtos nas escolas
que não eram os estipulados nas planilhas”, explica a coordenadora Sandra Pinho. “Teve caso de produtor levando mandioca
no lugar de banana e isso atrapalhava todo o nosso trabalho. Não dava nem pra substituir, tínhamos que literalmente alterar
todo o cardápio. Teve ainda o caso de um fornecedor de suco de laranja que entregava garrafas sem rótulo. Não sabíamos
sequer se o suco havia passado pela Vigilância Sanitária e ele insistia em entregar porque queria receber o dinheiro. Então as
escolas começaram a trazer reclamações constantes. Os produtores, por sua vez, diziam que era pouca quantidade e não que-
riam levar os alimentos até as escolas, porque ficam todas na periferia. Foi um desgaste muito grande de todos os lados e uma
experiência que não pretendemos repetir.”
Já o outro projeto-piloto, denominado Agricultura
Familiar Urbana nas Escolas, que contou com o apoio da Emater local, foi um imenso sucesso. O Setor de Nutrição escolheu
a dedo 30 produtores da região sul de Porto Alegre para juntos atenderem a três escolas (duas de Ensino Fundamental e
uma de Educação Infantil) da mesma área. Como a Lei de Licitações, a 8.666, de 21 de junho de 1993, não permite a com-
pra direta de produtos pelo poder público sem abertura de concorrência, a saída foi repassar um valor anual abaixo do
OUTRO MODELO É POSSÍVEL
A prefeitura deve reunir os pequenos agri-cultores e informá-los
sobre os procedimentos para participar de licita-
ções públicas.
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limite da lei, de R$ 8 mil, para as escolas investirem num projeto pedagógico. “A idéia não era simplesmente comprar
alimentos, mais sim criar uma parceria de educação entre os alunos, cozinheiros e professores e os agricultores familiares”,
explica Sandra. “O produtor trazia os vegetais para a escola e via a satisfação que os alunos tinham em consumir esses
produtos tão naturais. Eles também traziam sementes para estimular a criação das hortas e convidavam os alunos e a
comunidade para conhecer suas propriedades. Com isso, os alunos aprendiam que o leite não vem da caixinha, que a fruta
não vem da quitanda… E passaram a valorizar muito mais o trabalho dos agricultores. As crianças, por sua vez, contavam
para os agricultores o que aprendiam em sala de aula, como o processo de germinação das sementes, como se faz uma
compostagem, como aproveitar restos de cascas, etc. Chegou uma hora em que não sabíamos mais quem estava ensinan-
do quem. Foi uma troca imensa. Todos ensinando e aprendendo juntos.”
O Projeto Agricultura Familiar Urbana nas Escolas foi além, ultrapassando as cercas das propriedades e as paredes das salas
de aula. A comunidade também se entusiasmou com a iniciativa. As famílias dos alunos começaram a questionar por que
os alimentos da agricultura familiar tinham melhor qualidade do que os comprados nos mercados da cidade e onde
podiam adquiri-los. “Foi quando buscamos a Secretaria de Indústria e Comércio para descobrir como viabilizar, com o
mínimo de burocracia, a compra dos produtos pelas mães”, conta Sandra. “Como várias participam desde 2001 de oficinas
de culinária aos sábados nas escolas, criamos os chamados ‘pontos de oferta’ dentro das unidades educacionais nos finais
de semana, para os pais comprarem direto dos produtores. Isso gerou mais empregos e renda para a comunidade.” O pro-
jeto ia de vento em popa, mas as limitações da Lei de Licitações impediam uma adoção mais ampla na rede. Os agriculto-
res também tinham dificuldade de fornecer um volume constante de alimentos para atender toda a rede de 92 escolas.
Havia ainda o problema de quantificar a entrega: enquanto a prefeitura queria continuar adquirindo os alimentos por
tonelada (só de maçã são 10 toneladas mensais, por exemplo), os agricultores insistiam em saber quantas unidades deve-
riam fornecer para cada escola. Para completar o quadro, além da mudança na administração, em 2004, com a eleição do
novo prefeito, também houve a troca em 2005 da diretoria de uma das principais entidades apoiadoras do projeto, o
Sindicato dos Produtores Rurais.
Tudo isso exigiu uma parada estratégica para reavaliação e reformatação do projeto. Mas em nenhum momento se pensou
em engavetá-lo. “Em 2006 reestruturamos o projeto para atender a 23 escolas a partir de março de 2007 e nosso objetivo
continua sendo, no futuro, abastecer toda a rede apenas com produtos orgânicos da agricultura familiar. Afinal, a Ceasa
recebe produtos de todo o Brasil e não apenas da região sul e muito menos de Porto Alegre”, afirma Sandra. No processo
normal de compra de alimentos pela prefeitura, o Setor de Nutrição monta os cardápios, estipula os produtos e faz a aqui-
sição na Ceasa via pregão eletrônico. Já no Projeto Agricultura Familiar Urbana nas Escolas, os agricultores participam de
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É esse reconhecimento que
mantém a disposição do Setor de Nutrição para investir em outras iniciativas. Anualmente são apresentados em média dois
novos projetos. Em 2006, por exemplo, a assessora de nutrição Fernanda Santos Conti
ajudou a implantar
o Projeto Perfil Alimentar das Escolas Fundamentais. Com questionários elaborados e supervisionados pela Fundação
Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre e assessoria pedagógica da Secretaria de Educação do município, o projeto
avaliou diversos pontos referentes à satisfação dos alunos com a alimentação dentro do ambiente escolar. “Cerca de 10%
dos alunos de todas as escolas fundamentais da rede responderam a 32 perguntas objetivas e uma aberta para saber se
gostavam da comida da escola e por quê”, explica Fernanda. “Ainda não conseguimos tabular todos os questionários, mas
já percebemos algumas coisas importantes. Por exemplo, a freqüência é maior no almoço das turmas do período matutino
porque os professores têm uma escala e acompanham mais os alunos. No período da tarde, como os alunos chegam sozi-
nhos à escola e muitos professores estão em outras atividades, a freqüência é menor. O volume de comida servida também
todo o processo, reunindo-se com as nutricionistas e cozinheiras para sugerir o que colocar no cardápio, de acordo com o
que poderiam oferecer a cada mês. “Ainda não descobrimos como ampliar as compras sem ferir a Lei de Licitações”, admi-
te Sandra. “No momento estamos estudando uma possibilidade sugerida pelo Departamento Jurídico da prefeitura: repas-
sar parte do dinheiro investido pelo município na refeição escolar, porque seria muito complicado utilizar a verba do
FNDE, cujas regras são ainda mais restritivas, para uma ONG que teria maior liberdade para adquirir as frutas e verduras
do pequeno produtor e fazer a entrega nas escolas.”
Enquanto não descobrem a saída para o dilema jurídico, o Setor de Nutrição continua realizando uma reunião no começo do
ano com todos os possíveis fornecedores, da Ceasa ou não, para explicar o que é a alimentação escolar e sua importância.
“Explicamos que quem vai fazer uso desse alimento não é a prefeitura, e que se entregarem o produto ruim são os alunos que
vão ser lesados”, diz Sandra. “O máximo que eu vou fazer é não liberar o pagamento, mas quem é prejudicado é o aluno. Não
eu, o prefeito ou a cidade… Por isso, quando podemos, nós os levamos para ver as crianças comendo. Aí a coisa muda total-
mente de figura.” Atitudes como essa ajudam a valorizar a equipe que trabalha com as refeições escolares. “Quando viram que
ganhamos o Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, muitos fornecedores ligaram cumprimentando, reconhecendo esse
trabalho”, completa. AVALIAÇÃO NUTRICIONAL E DE SATISFAÇÃO ALIMENTAR
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varia bastante em relação à inclusão ou não do terceiro ciclo noturno, pois ele é composto por jovens acima de 14 anos e
que portanto comem bem mais. Outra variante é a situação socioeconômica da região onde a escola está instalada. Quanto
mais carente, maior a freqüência nos refeitórios e o consumo por criança. A unanimidade é a boa avaliação da qualidade
da comida.” São dados que vão ajudar a definir as estratégias e políticas de nutrição num futuro próximo.
Outro projeto interessante e que deve ser copiado por outras prefeituras é o de Avaliação Nutricional dos Alunos das
Escolas de Educação Infantil, no qual cerca de 3.600 crianças atendidas nas creches do município são pesadas e medidas
periodicamente. “Perto de 90% das crianças estão dentro dos padrões considerados normais para sua faixa etária”, atesta
a assessora de nutrição Márcia Piovesan. “Das outras, mais que o dobro está acima do peso ideal e uma pequena parcela
apresenta subnutrição, sendo que essas estão recebendo uma atenção especial nas escolas e sendo atendidas nos postos de
saúde. Já para as crianças com sobrepeso, percebemos que, de modo geral, o problema são os hábitos alimentares, apesar
de sempre ter alguma família com questões de carência financeira. Nesses casos, mandamos primeiro bilhetes para os pais
terem conhecimento desse processo. Para quem tem uma necessidade maior, agendamos uma reunião com os pais para
orientação sobre o que as crianças devem consumir em casa, seja para complementação alimentar ou para cortar gordura
e açúcar, por exemplo.” A partir de 2007, as avaliações antropométricas que eram feitas duas vezes por ano passam a ser
realizadas três vezes anualmente, no início, meio e fim de cada período letivo. Com isso, o Setor de Alimentação Escolar
pretende ter um controle ainda maior da nutrição nas escolas e detectar casos problemáticos o quanto antes.
ESTE LIVRO finaliza o processo iniciado em janeiro de 2005 com a segunda e terceira edição do prêmio Gestor
Eficiente da Merenda Escolar. É um compromisso assumido com os municípios que se inscreveram nas duas edições do prêmio. É um compromisso
também com as empresas que financiam a execução do Projeto Gestão Eficiente da Merenda Escolar, o qual prevê que a divulgação de boas
práticas é uma estratégia para alcançar seu objetivo, ou seja, garantir que os recursos públicos da merenda esco lar sejam gastos em alimentos de
qualidade e em quantidade adequada às crianças do sistema público de ensino. A EQUIPE da Ação Fome Zero agradece as empresas asso-
ciadas. Agra de ce ainda ao comitê gestor da entidade, que vem de forma inequívoca apoiando as nossas ações. Agradece às inúmeras parcerias
que vão sendo cons truí das ao longo dos anos. Agradece aos persona gens deste livro, que não são fictícios e que mostram um Brasil real e que
evolui silen ciosamente. ESTE LIVRO é dedicado a Nuria Abrahão Chaim e a Karla Pradella. DURANTE QUATRO anos, Nuria coor-
de nou o Projeto Gestão Eficiente da Merenda Escolar. Por obra do destino, ela vai construir agora uma nova narrativa fora do Brasil. Nuria marca
presença por onde passa pela sua simpatia, alegria e muita competência. DESDE O momento da fundação, Karla coordena a parte admi-
nis trativa desta entidade. Discre ta e silenciosa, ela exerce sua difícil função com rigor e cuidados pouco vistos por aí. Vai agora iniciar um novo
projeto profissional desafiante. Certamente será um sucesso. CADA UMA à sua maneira, mas com a mesma intensidade e dedicação, essas
duas profissionais ajudaram a construir este trabalho.
Fatima Menezes
Diretora
POSFÁCIO
MUNICÍPIOS VENCEDORES DO PRÊMIO GESTÃO EFICIENTE DA MERENDA ESCOLAR
2.ª EDIÇÃO 2005 — RELATIVO AO EXERCÍCIO DE 2004
Goiânia (GO) Capitais e Grandes Cidades
Dois Irmãos (RS) Continuidade
Criciúma (SC) Desempenho Financeiro
Concórdia (SC) Desenvolvimento Local
Porto Alegre (RS) Eficiência Nutricional
Araxá (MG) Nacional
Florianópolis (SC) Participação Social
Lucas do Rio Verde (MT) Região Centro-Oeste
Maracás (BA) Região Nordeste
Paragominas (PA) Região Norte
Pedra do Indaiá (MG) Região Sudeste
Apucarana (PR) Região Sul
3.ª EDIÇÃO 2006 — RELATIVO AO EXERCÍCIO DE 2005
Florianópolis (SC) Capitais e Grandes Cidades
Lucas do Rio Verde (MT) Desempenho Financeiro
Fernandes Pinheiro (PR) Desenvolvimento Local
Esteio (RS) Eficiência Nutricional
Blumenau (SC) Nacional
Paragominas (PA) Participação Social
Jussara (GO) Região Centro-Oeste
Patos (PB) Região Nordeste
Castanhal (PA) Região Norte
Araxá (MG) Região Sudeste
Joinville (SC) Região Sul
ABIA – Assoc. BrAsIleIrA dAs IndústrIAs de AlImentAção • Accor PArtIcIPAções ltdA • AdAg servIços de PuBlIcIdAde ltdA •
AgroPecuárIA JB • AlcoA AlumInIo s/A • AmF emPreendImentos e PArtIcIPAções s/A • APeoP – Assoc. PAulIstA de emPresárIos de
oBrAs PúBlIcAs • APImec – Assoc. dos AnAlIstAs e ProFIssIonAIs de mercAdo de cAPItAIs • ArAcruz celulose s/A • AssocIAção
AlFABetIzAção solIdárIA • BAnco ABn Amro reAl s/A • BAnco sAFrA • BAnk Boston BAnco multIPlo s/A • Bdo trevIsAn AudItorIA,
consultorIA e AutsourcIng • BolsA de vAlores de são PAulo – BovesPA • cArgIll AgrIcolA s/A • cIA BrAsIleIrA de metAlurgIA
e mInerAção – cBmm • cIA de tecIdos norte de mInAs – cotemInAs • cIee – centro de IntegrAção emPresA escolA • cItIBAnk s/A
• crc – sP • demArest & AlmeIdA AdvogAdos (AlmeIdA, rotenBerg e BoscolI AdvocAcIA) • duke energy InternAtIonAl –
gerAção PArAnAPAnemA As • emerencIAno & BAggIo AssocIAdos – AdvogAdos • FIrJAn – FederAção dAs IndústrIAs do estAdo
do rIo de JAneIro • FrAncAl FeIrAs e emPreendImentos ltdA • FundAção ItAú socIAl • FundAção vAle do rIo doce • gerdAu s/A
• InstItuto Ayrton sennA • InstItuto ethos de emPresAs e resPonsABIlIdAde socIAl • mAgnesItA s/A • nAturA cosmétIcos s/A •
nestlé BrAsIl ltdA. • PAtrI relAções governAmentAIs & PolítIcAs PúBlIcAs ltdA • PIzzA hut – InternAcIonAl restAurAntes do
BrAsIl ltdA • PlAnInvestI AdmInIstrAção servIços ltdA • ruBens nAves sAntos Jr. – hesketh • sAntAnder BAnesPA • serAsA s/A
• telecomunIcAções de são PAulo s/A • tetrA PAk ltdA • unIlever BrAsIl ltdA
emPresAs AssocIAdAs à Ação Fome zero