Post on 21-Nov-2018
Luciane Rangel
Guardians – 1º Livro de Extras
Micaela & Maire
Rio de Janeiro
Julho de 2012
*
[2]
Agradecimentos:
A Ana Claudia Coelho, desenhista, sócia e amiga que me atura como ninguém já
há uns bons anos. Sem palavras para agradecer e expressar o quanto és especial
para mim.
A Déia Dias, a “culpada” por esse extra existir, por ser a leitora que tanto pedia
para que eu contasse como Mic&Maire haviam se conhecido.
A Bia Carvalho. Maninha de Bienal, autora talentosa e amiga preciosa.
Obrigada pelas dicas, pelo apoio... E por fazer parte da minha vida.
A Josiane Veiga, Melissa Araujo e Luísa Lopes, as maiores torcedoras de
Mic&Maire e pessoas fundamentais para que Guardians chegasse onde chegou.
Obrigada por tudo!
A Natallie Alcantara, Camila Araújo Moura, Vanessa Pereira, Fernanda
Brandalise e Joelma Alves, queridas leitoras, que me ajudaram com a betagem
deste extra. Valeu, meninas!
E por último e mais importante: a Marilza e Mailton – mamãe e papai – por
me ensinarem a importância do respeito, da tolerância e do amor. E por serem meus
maiores incentivadores e melhores pais do mundo. Amo vocês!
[3]
Dedicatória
Aos meus queridos leitores:
amigos e apoiadores.
É por vocês que persisto nesse caminho de letras.
Meu eterno agradecimento por todo o carinho.
“Consideramos justa toda forma de amor”
(Lulu Santos)
[4]
Agosto – 2003
Roma – Itália ~ Micaela ~
Lembro que, desde criança, sempre mantive a
postura e os discursos radicalmente feministas. Até que,
pela primeira vez, fui agredida por um homem.
Foi apenas um tapa. O primeiro e o último.
Naquele momento, eu percebi que, em algum ponto, meu
caminho havia sido completamente distorcido. Aliás, foi o
momento em que eu tive a certeza. Perceber, eu já havia
percebido. E foi essa percepção que me levou a dar um
basta. E foi o basta que levou ao tapa.
Leonardo foi a primeira pessoa de quem gostei na
vida. Paixonite boba de infância. Cheguei a namorar outro
cara antes dele, por oito meses, entre os quinze e os
dezesseis anos. Depois que acabou, reencontrei Leonardo
e começamos o nosso relacionamento.
Eu cheguei a amá-lo, de fato... Ou a amar a pessoa
que eu acreditava que ele fosse... Mas isso acabou mais
rápido do que eu poderia prever.
O amor deu lugar à conveniência;
O namoro, à obrigação;
O carinho, à rotina;
A amizade... Bem, esta nunca chegou de fato a
existir entre nós.
Já estávamos juntos há um ano e seis meses
quando eu declarei que queria terminar. Além da apatia da
relação, houve um motivo: descobri que ele estava tendo
um caso com a secretária do pai dele. Não, não gastarei
linhas e mais linhas para descrever a dita cuja. Mesmo
porque, para ser bem sincera, eu não me lembro nem se
ela era loira ou morena, muito menos se era mais bonita
ou mais feia do que eu. Não teci comparações. Não houve
[5]
escândalos da minha parte. Nem ao menos lágrimas. Não
senti tristeza, apenas aquela sensação de orgulho ferido e
alívio. Sim, alívio, por enfim ter encontrado o motivo
concreto que precisava para por um fim a tudo.
O problema de ter uma mente racional é que ela
me impedia de perceber a irracionalidade que existia em
viver uma relação sem amor. De alguma forma muito fria
e estúpida, eu achava que isso era normal. Ele era três
anos mais velho que eu, vinha de uma ótima família amiga
da minha, possuía uma excelente situação financeira,
tínhamos um plano de vida em comum e – eu acreditava –
ele era fiel. Quebrada uma dessas regras de perfeição, eu
sentia que poderia dar um fim a tudo. Essa era a lógica.
Então, eu disse que tudo estava terminado e ele me
bateu. Nem mesmo o meu pai nunca havia levantado a
mão para mim. Como aquele homem poderia se sentir
nesse direito?
Mas, como eu disse, aquela foi a primeira e a
última vez na minha vida que eu permiti que alguém me
julgasse como uma posse e ousasse me ferir. Jurei, ali
mesmo, que aquilo jamais voltaria a ocorrer.
A minha reação? Não tive ânimo para reagir,
apesar de saber que, se quisesse, poderia até mesmo matá-
lo, e nem precisaria de energia Guardiã para isso. Treinava
artes marciais desde criança e tinha muito mais força física
do que aquele fracote. Porém, simplesmente, não quis
reagir. Senti-me subitamente fraca e cansada demais para
isso. Então, apenas peguei a minha bolsa e saí do
apartamento dele, ignorando os gritos nervosos, que logo
deram lugar a pedidos de desculpa e súplicas para que eu
não o deixasse. Dei apenas o meu silêncio como resposta e
fui para casa. Não contei aos meus pais sobre a traição,
muito menos sobre o tapa. Tive vergonha de expor que a
filha que criaram para ser uma Guardiã, tão forte e cheia
[6]
de valores e orgulho próprio, tivesse passado por algo
assim. Apenas disse que meu namoro havia chegado ao
fim, e eles lamentaram pela perda do genro dos sonhos.
Achei que seria menos triste do que lamentarem a
vergonha da filha.
E então, com a mente e os sentimentos
bagunçados, decidi que queria uma mudança radical de
ares, de rotina, de endereço... De vida.
E foi assim que, meses depois, Maire surgiria em
meu caminho.
Parte 1
- Strada facendo -
Abril – 2004.
Madrid – Espanha. ~ Micaela ~
A primeira mudança tinha sido um corte de cabelo.
Mas nada que se descreveria como radical. Certo que
antes eles batiam na cintura e agora estavam pouco abaixo
dos ombros, mas ainda assim poderiam ser classificados
como compridos. Não foi muito por vaidade, mas também
afirmo que não foi por pirraça como a minha mãe
imaginou, já que meu ex-namorado passara todo o um ano
e meio do relacionamento dizendo que adorava meus
cabelos longos e pedindo para que eu não os cortasse.
Não, garanto, não sou dada a essas atitudes passionais.
Cortei porque estava de saco cheio da minha própria
aparência e daquele cabelo enorme que só servia para dar
trabalho e incomodar no calor.
[7]
A segunda mudança: a inscrição no vestibular. Não
tentei em Roma. Arrisquei poucas universidades dentro da
Itália, apenas por desencargo de consciência para o caso
de não passar na que focava. Besteira, pois passei em
todas. Inclusive na focada: a Universidad de Madrid.
Motivos: é renomada, tem um excelente curso de
Engenharia da Computação, e, principalmente, fica a
quase dois mil quilômetros de casa.
Disse que queria mudar de ares, não é? Um ar mais
diferente que aquele, só se eu fosse, sei lá... pra América.
Fui para Madrid durante as férias, para organizar a
futura moradia. Um mês depois, voltei, dessa vez para
ficar. Cheguei num domingo à noite, na véspera do
primeiro dia de aula. Na segunda de manhã, o telefone
recém-instalado tocou. Não precisei de identificador de
chamada para saber quem era.
─ Diga, papa1. – atendi, apanhando o aparelho sem
fio que ficava em cima da bancada que dividia a cozinha
da sala.
─ Sua mãe quer saber se já está na nova casa.
Achei graça da pergunta. Afinal, ela me ligara na
noite anterior, para o meu celular, quando eu disse que
estava entrando no estacionamento do prédio. Será que
achou que eu tivesse me perdido no elevador?
─ Acalme a sua esposa. Eu estou bem e em casa.
─ E como vão as coisas por aí?
─ Bagunçadas. – dei uma boa olhada ao meu redor.
O chão estava cheio de caixas, coisas da mudança que eu
ainda não havia organizado. Minhas três malas, ainda
fechadas, encontravam-se num canto da sala – Mas logo
tudo se ajeita.
1 papai
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Eu ri. Um riso leve, contido. Nunca fui o tipo de
pessoa que sorri com facilidade, mas meu pai era um dos
poucos que conseguiam me fazer sentir-me
completamente à vontade em alguma conversa, por mais
banal que fosse. Dávamo-nos muito bem. Não que eu
tivesse qualquer problema com a minha mãe, mas acredito
que, por sermos tão parecidas, era difícil uma conseguir
“quebrar o gelo” da outra. Já o meu pai, era um doce de
pessoa e, apesar das personalidades diferentes, tínhamos
muitos gostos em comum e nunca ficávamos sem assunto.
─ Já começamos a sentir a sua falta. – ele declarou.
─ Papa, não é como se eu tivesse ido para o outro
lado do mundo. A Espanha não fica tão longe. Vou para a
Itália visitá-los uma vez ao mês, não prometi?
─ Você é tão jovem, Mic. Acho muito precoce essa
sua ideia de se mudar para tão longe e morar sozinha...
E nessa opinião dele, certamente tinha muito da
influência superprotetora da minha mãe.
─ Já tenho dezenove anos, pai. Adiei meu ingresso
na faculdade em um ano... Não poderia continuar
deixando o tempo passar. Em quatro anos, estarei voltando
para a Itália.
─ Quatro anos é muito tempo. Muita coisa pode
acontecer em quatro anos.
Pensei no exagero daquela declaração. Tirando a
possibilidade da barreira que nos separa do mundo youkai2
vir a se abrir, não conseguia imaginar nada de
significativo que pudesse ocorrer naquele espaço de
tempo. Apenas me formaria e, com o diploma em mãos,
voltaria para meu país, onde conseguiria um emprego e, aí
sim, minha vida mudaria em alguma coisa.
2 Demônio, monstro ou criatura sobrenatural. Figura da mitologia
japonesa, presente na série Guardians.
[9]
Optei por trocar de assunto:
─ E minha mãe, como está?
─ Está aqui ao meu lado e quer falar com você.
Enquanto aguardava minha mãe assumir a ligação,
abaixei-me atrás da mesa do computador, começando a
conectar os fios. Todo o restante da arrumação poderia
ficar para o dia seguinte, mas o meu PC seria a primeira
coisa a ser posta para funcionar.
Continuei com o trabalho, mesmo quando ouvi a
voz autoritária do outro lado da linha telefônica:
─ Mic, volte para casa. – Gabrielle Angeli sabia ser
direta.
─ Oi, mãe. Eu estou bem, e a senhora? – sim, e eu
sabia ser irônica.
─ Volte para a Itália.
Suspirei, cansada. Não conseguia acreditar que
teríamos aquela discussão mais uma vez.
─ Mãe, me esforcei muito para conseguir uma vaga
na Universidade de Madrid. Não me obrigue a jogar tudo
para o alto.
─ Precisava ter terminado seu namoro por causa
disso? Ainda que você insistisse em ir para a Espanha,
vocês passariam a se ver menos, mas o amor de vocês iria
sobreviver a isso.
Na cabeça da minha mãe, o motivo do término do
meu namoro havia sido a faculdade. Bem, na verdade, foi
a desculpa que eu dei: não queria continuar num
relacionamento, pois pretendia me dedicar aos estudos.
Conhecendo como ninguém as minhas lógicas racionais,
foi fácil para ela acreditar nisso.
Porém, acreditar não era sinônimo de concordar.
Então, sempre que podia, ela voltava a bater na mesma
tecla e a insistir para que eu repensasse e desse uma
segunda chance a Leonardo.
[10]
Terminando de plugar o último cabo na CPU, eu
pedi:
─ Deixe-me ser feliz, mamma3. Por favor.
Houve um breve silêncio e eu não estranhei isso.
Por mais que eu soubesse que ela logo retornaria ao
assunto, também tinha a consciência de que, para acabar
com aquilo por ora, era apenas uma questão de usar os
melhores argumentos. E nenhum poderia ser melhor do
que aquele. Afinal, por mais divergências que pudéssemos
ter, eu sempre soube que não haveria nada que minha mãe
não fosse capaz de fazer pela minha felicidade.
Com o tempo, eu descobri que isso, como tudo na
vida, também era relativo. A noção de “felicidade” que ela
tinha era bem divergente da minha.
─ Pense bem em tudo isso, filha. – ela voltou a
falar – Para não se arrepender no futuro. Você sabe que
será muito difícil encontrar outro rapaz como o...
─ Mamma – eu a interrompi – Eu estou feliz com
essa nova fase da minha vida, de verdade. Por favor, me
deixe viver isso.
Mais um breve silêncio. Até que ela, enfim, deu-se
por vencida:
─ Boa sorte na nova faculdade.
Novamente, eu sorri. Agradecida e aliviada.
Mudamos de assunto e conversamos por mais alguns
minutos, mas logo fui obrigada a me despedir e desligar.
Era o primeiro dia de aula, e seria bom chegar cedo para
confirmar a grade de disciplinas e procurar as salas. Nunca
gostei de atrasos.
Assim, peguei minha mochila, as chaves do carro e
saí.
3 Mamãe
[11]
Jamais poderia imaginar que aquele dia mudaria
toda a minha vida.
***** ~ Maire ~
─ O que você pode fazer para retardar o
aquecimento global?
─ Ligar o ar-condicionado?
Juro que nunca gostei de insultar as pessoas.
Porém, foi impossível evitar fazer a associação do adjetivo
“idiota” com aquele garoto à minha frente. Pelos livros
que trazia em mãos, parecia se tratar de um estudante de
algum dos cursos de Ciências Exatas, além de se vestir no
estilo mais nerd possível. Eu simplesmente não poderia
crer que alguém com aquele perfil pudesse dar uma
resposta tão... desculpe... idiota!
Não havia outro adjetivo. Não mesmo. Eu juro que
tentei pensar em outro, mas não consegui.
Aliás, todas as repostas de todos os alunos que
abordei em frente ao prédio do setor de Exatas foram neste
nível. Bem que me alertaram que seria bem mais eficaz
continuar a panfletar no Setor de Biológicas ou no de
Humanas, mas... Acabei sendo seduzida pelo desafio. E
não estava gostando do resultado.
Tentando me desvencilhar dos pensamentos
negativos, entreguei um dos panfletos ao rapaz... desculpe
mais uma vez... idiota, e fiz a minha propaganda:
─ Venha assistir a nossa palestra, dia 25 do mês
que vem, no auditório do Curso de Biologia. Debateremos
sobre as formas com que nós, cidadãos comuns, podemos
contribuir para reverter esse quadro.
─ ...Ah... Valeu.
[12]
Ele não pareceu muito interessado no tema. Se eu
já havia desconfiado disso, tive a confirmação quando o
vi, enquanto andava, amassar o papel e arremessá-lo em
direção a uma lixeira. E nem percebeu que errou o alvo e o
panfleto foi parar no chão.
Ao menos, mandei fazer aqueles flyers em papel
reciclado. Minha consciência pesava um pouco menos ao
ver tantos deles tendo o mesmo destino: o lixo.
Como já havia feito outras vezes, fui até lá e
apanhei o papel amassado, jogando-o na lixeira. Assim,
voltei ao meu trabalho, distribuindo mais alguns panfletos,
embora percebesse que ninguém ali demonstrava qualquer
interesse real naquilo.
Fica difícil melhorar o mundo dessa forma.
De repente, sofri um leve susto ao ver uma mão se
aproximar repentinamente, puxando um dos papéis. Virei-
me para ver quem era e sorri. Era Pablo, um amigo meu.
Estudávamos na mesma turma. Ele tinha a minha
idade – dezoito anos – e era um cara que chamava bastante
a atenção. Não por ser lindo de morrer. Era bonito, sem
dúvidas, mas nada muito extraordinário: moreno, estatura
mediana, olhos verdes, nem gordo nem magro... Mas o
charme dele estava na simpatia.
Ah, sim... E era atualmente o meu único amigo
hetero. Já mencionei que sou lésbica? Bem... Se sem
mencionar, ninguém deu muita atenção aos meus
panfletos... imagine se tivesse mencionado!
Madrid não é Amsterdã.
─ Palestra sobre o aquecimento global? – ele
franziu a testa, enquanto lia o panfleto.
─ Vai me prestigiar? – pisquei um dos olhos e notei
que Pablo ficou levemente corado diante disso.
Será que a brincadeira tinha dado resultado?
[13]
Contudo, no instante seguinte ele fez bico e
rebateu:
─ Não adianta fazer charme pra me convencer.
Sabe que eu sei que você joga no mesmo time que eu.
Eu ri. Bem que tentei, mas não teria como enganar
um amigo, afinal.
─ No dia em que eu mudar de ideia, você será o
primeiro na minha lista.
─ Não estou certo de que as pessoas “mudem de
ideia” sobre essas coisas. Mas sinto-me lisonjeado por
sequer fazer parte de sua lista. Já que é notório que você
está na lista do Campus inteiro. Seja na lista negra, ou na
de sonhos de consumo.
─ Não exagere!
─ Não é exagero, gata. As mulheres homo te
idolatram. As hetero te invejam mortalmente, porque
sabem que os namorados delas arrastam um caminhão por
você.
Voltei a rir e optei por mudar de assunto. Vi ali a
esperança de ao menos uma boa alma dar alguma atenção
à minha causa.
─ E você, o que faz para reverter o aquecimento
global?
─ O que você me sugere?
─ Você sempre vem de carro, certo? Mas mora a
dez minutos daqui. Poderia começar a vir para a
Faculdade a pé, ou de bicicleta. O meio ambiente iria
agradecer, e a sua saúde também.
─ Minha saúde está ótima!
Nisso, outra voz foi ouvida. Dessa vez, feminina:
─ É mesmo um egoísta!
Olhei para a direção em que o som vinha e avistei
duas amigas minhas se aproximando. E também notei que
[14]
Pablo havia fechado a cara. Não era para menos, ele não
gostava muito delas. A antipatia era mútua, aliás.
Alicia e Paloma eram namoradas, já há uns dois ou
três anos. Conheceram-se no colégio e optaram pela
mesma Universidade, numa forma de continuarem juntas.
Paloma estudava Biologia comigo, enquanto Alicia era do
curso de História.
─ O tempo fechou, gata! – declarou Pablo, dando-
me um beijo na bochecha – estou indo nessa.
Despedi-me e aguardei até que se afastasse, para
poder bronquear com as meninas:
─ Por que sempre o tratam desse jeito?
─ Não gosto de caras hetero. – respondeu Alicia,
irritada. Ela tinha um estilo mais masculino, estava sempre
de jeans largo e tênis e os cabelos, negros e ondulados que
batiam pouco abaixo dos ombros, estavam constantemente
presos – Ou melhor, nada contra os heteros “normais”.
Meu problema é com os idiotas, como esse cara.
Paloma concordou:
─ É, Maire... Você anda com uns tipos estranhos.
Acho que faz isso pra disfarçar. – ao contrário da parceira,
Paloma era mais feminina. Usava sempre vestidos, além
de fivelas nos cabelos castanhos, lisos e curtos.
─ Por que eu disfarçaria? – indaguei, confusa – O
campus todo já sabe.
─ Mas a sua família não. – disse Alicia – Na boa,
lindinha, quando vai resolver se assumir?
Não me incomodei com a pergunta.
─ Enquanto for só curtição, não tenho porque
assumir nada pra ninguém. E, quanto ao Pablo, parem de
implicar com ele. É um cara legal.
─ Ele não tem consciência ecológica, você viu!
Pode deixar que nós iremos em sua palestra, e vamos levar
a nossa galera.
[15]
Pensei em dizer que sabia que Pablo também iria,
mas resolvi deixar isso de lado. Apenas agradeci e
observei enquanto elas se afastavam, indo cada uma em
direção ao prédio onde estudava. Novamente sozinha,
resolvi voltar a fazer minha propaganda, mas tive a
atenção voltada para um grupo de garotos – uns quinze ou
mais – que atravessavam o pátio, fazendo baderna.
Andavam rápido, aos risos e gritos, e volta e meia
esbarravam em alguém propositalmente.
Peço desculpas novamente, mas... que coisa mais...
idiota!
Senti que aquele prédio de Ciências Exatas não me
fazia bem. Por isso, resolvi desistir da panfletagem e ir
embora. Só que outra coisa me chamou a atenção. Vi
quando uma estudante loira atravessou o portão,
apressada, e acabou trombando com os baderneiros, com
isso deixando cair os óculos de seu rosto, que foram
pisoteados pelos rapazes. Eles passaram direto sem ao
menos oferecerem ajuda à pobre moça.
─ Trogloditas... – resmunguei, antes de correr para
ajudar a aluna.
Ao me aproximar, fiquei curiosa ao ver que a
garota não parecia notar a minha presença. Estava aflita,
enquanto apalpava o chão à procura de seus óculos.
─ Caspita! Dov’è? Dio, Dov’è4? – ela resmungava.
Senti minha testa franzir, num misto de surpresa e
incredulidade. Esqueci-me dos arruaceiros e, até mesmo,
da minha intenção de ajudá-la. Estava assombrada com o
que via preso ao pescoço daquela loira.
Era um pingente... De um Guardião.
De verdade, quais eram as chances daquilo estar
acontecendo? Apenas doze indivíduos no mundo tinham
4 Droga! Onde está? Deus, onde está?