Post on 08-Jan-2017
VINÍCIUS LIEBEL
GUERRA E HUMOR
A formação da opinião pública pela mídia no período da Segunda Grande Guerra
– o caso das charges –
Monografia de conclusão de curso entregue ao Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR. Orientadora: Profa. Dra. Marionilde Brepohl Magalhães.
CURITIBA
2004
II
AGRADECIMENTOS
Abro este trabalho agradecendo a meus pais, que não mediram esforços para que eu
pudesse estar hoje concluindo esse curso. Agradeço pelo apoio financeiro e principalmente
emocional. Espero que este trabalho agrade a ambos, pois no final das contas, é a vocês que
busco orgulhar com ele.
Agradeço muito à Silvia, minha amada companheira, que me tem “agüentado” há
alguns anos e que sempre me confortou e apoiou em todos os momentos, bons ou ruins.
Obrigado pela sua constante e importante presença.
Devo muito também à minha orientadora, Dra. Marionilde Brepohl de Magalhães,
que buscou sempre me ajudar nesta pesquisa, leu incansavelmente este trabalho, deu suas
preciosas opiniões e me amparou em minha recém iniciada carreira acadêmica. Sem sua
amizade e sapiência, este trabalho não seria possível.
Ao Ramon, pelo apoio e amizade incondicionais, pelas inúmeras conversas e
momentos de descontração, pelo apoio técnico no trato das imagens, meus mais sinceros
agradecimentos.
Agradeço o apoio financeiro da Proec/UFPR, que através de uma bolsa de pesquisa
e extensão, ajudou o sustento desta pesquisa. Ao Instituto Goethe, pelo fornecimento de
uma bolsa-trabalho para que o aprendizado da língua alemã não fosse mais árduo do que já
é. Também aos Institutos de Imigração de São Paulo e Martius-Staden pela atenção com
que me atenderam no decorrer da pesquisa. Meu sincero agradecimento ao professor
Randall Bytwerk que, gentilmente, permitiu a utilização das imagens alemãs oriundas do
“German Propaganda Archive”, acervo por ele organizado em conjunto com a Calvin
College de Michigan, EUA.
Finalizo em reverência ao meu avô, Marcos Liebel, que infelizmente não pôde ler
este trabalho. Pelos momentos de alegria, pelo companheirismo e pela amizade, pelo
exemplo de pessoa e pelo constante incentivo, com imensa saudade agradeço.
III
SUMÁRIO
1) Introdução
1.1)Da Imprensa
1.2) A Indústria Cultural
1.3) Imprensa e Humor
2) Da Natureza da Charge
2.1) As características técnicas da charge
2.2) O humor das charges e as
explicações psicanalíticas
3) Primeiro caso: as charges de Belmonte
3.1) Características do Traço de
Belmonte
3.2) O desenho de Belmonte e a Guerra
4)Segundo caso: as charges de Chichorro
4.1) Características do Traço de
Chichorro
4.2) O desenho de Chichorro e a Guerra
5) Terceiro Caso: as charges no Terceiro
Reich
5.1) Característica do Traço de Fips
5.2) O Desenho de Rupprecht e o
Nazismo
6) Conclusão
P. 01
P. 01
P. 03
P. 05
P. 08
P. 10
P. 15
P. 23
P. 24
P. 29
P. 45
P. 46
P. 51
P. 67
P. 69
P. 72
P. 89
IV
7) Bibliografia
P. 98
1
1) INTRODUÇÃO:
O desenho humorístico, especialmente no século XX, tem papel garantido na
crônica dos grandes acontecimentos. Tal como um jornalista – e por quê não dizer também
como historiador – o chargista observa e remonta criticamente os fatos relevantes de sua
época. O papel do desenhista ganha ainda mais relevância em governos ditatoriais, sejam
autoritários ou totalitários, quando a liberdade de expressão é suprimida e a charge surge
como um dos únicos canais de protesto.
Constatando a peculiaridade das fontes iconográficas, vislumbramos a possibilidade
de trabalharmos com as charges e suas significações no período do maior conflito armado
da história contemporânea, qual seja, a Segunda Guerra Mundial.
O presente trabalho busca analisar, portanto, o papel da charge e da caricatura na
formação da opinião pública. Os objetos da pesquisa são as charges veiculadas em jornais e
revistas nas décadas de 30 e 40, em especial, as referentes ao regime nacional socialista de
Adolf Hitler.
O tema exige algumas considerações para além do interesse que o próprio tema
evoca, - a linguagem crítica que burla a censura, o discurso jornalístico como formador da
opinião pública, a iconografia como alternativa ao discurso argumentativo na propagação
política, entre outros. É necessário que nosso objeto seja entendido a partir do campo de
poder político em que se insere. Para tanto, analisaremos a seguir três fatores:
1.1) Da Imprensa:
Muito se fala nos dias atuais sobre o papel da imprensa na sociedade. A missão de
transmitir a notícia com imparcialidade (missão praticamente impossível) esbarra nas
opiniões e crenças do próprio jornalista, quando não na posição e tendência política do
veículo de comunicação.
Não se trata de falta de ética, mas sim da própria condição humana. Ao relatar um
determinado fato, naturalmente as palavras tendem, ainda que em grau mínimo, a
direcionar a notícia. Não raro, matérias jornalísticas (principalmente as de cunho político),
destinadas, em sua essência, a informar seu público leitor, são influenciadas pela ideologia
pessoal do jornalista.
2
Da mesma forma o jornal tem que defender sua história e sua tradição (seus acordos
políticos e/ou sua linha editorial). Se o leitor compra o jornal, obviamente espera uma
determinada posição do veículo, e isso acaba refletindo no mercado consumidor, afinal,
cada instituição comercial faz parte de um mercado que tem fatias muito bem definidas
para cada segmento. Para chegar a tal percepção, empresas gastam quantias cada vez
maiores em consultorias e pesquisas, onde são apontadas desde características
demográficas e sócio-econômicas do mercado até as crenças e valores dos consumidores,
isso tudo com o objetivo de conhecer o campo comercial e tornar seu produto mais
padronizado e atraente.
A produção jornalística, pode-se dizer, sofre influências em quatro direções. Em
primeiro lugar, como já mencionado, da consciência do jornalista, suas opiniões, sua
formação e sua subjetividade. Outro fator externo que influencia no texto da notícia é a
atuação do Chefe de Redação do veículo. Os cortes, censuras ou direcionamentos dados por
este acaba determinando o tom da notícia. Também influencia o jornalista a pressão
exercida por dois elementos econômicos do mundo da mídia: o mercado e o patrocinador.
O primeiro acaba por determinar a linguagem a ser utilizada na linha editorial, fazendo-se
assim a diferenciação dos impressos destinados às classes A, B, C, etc. O nível de vendas,
medido pelo mercado, acaba também determinando a forma de tratar alguns temas (com
mais paixão, raiva, etc.). Além disso, determina a presença ou não do segundo elemento: o
patrocínio. O patrocinador é guiado pelos números (vendagem) e pela posição do veículo.
A defesa de alguns temas ou detração de outros acaba por atrair ou afastar este elemento, de
acordo com seu próprio interesse.
Os jornalistas que aceitam passivamente este sistema e, principalmente, ajudam a
propagá-lo, são obrigados a fazê-lo ou o fazem pelo prazer de serem parte do “quarto
poder”? O sociólogo Alain Accardo pode nos ajudar a responder esta questão:
... os financistas e comerciantes que se apropriam de uma parte substancial da
mídia não tem necessidade de ditar aos jornalistas o que eles devem dizer ou
mostrar Não precisam violentar suas consciências, nem transforma-los em
propagandistas. O senso de dignidade jornalística jamais o aceitaria. Para garantir
uma informação fiel ao melhor dos mundos capitalistas, nada melhor (salvo
circunstâncias e casos particulares) que deixar os jornalistas trabalharem
3
livremente ou, para ser mais exato, deixa-los acreditar que seu trabalho não
obedece a nenhum outro imperativo, a nenhum outro limite, senão os impostos
pelas regras específicas do jogo jornalístico, aceitas por todos. Deve-se confiar na
“consciência profissional”.1
Assim, segundo Accardo, os jornalistas não propagam as idéias defendidas por seus
empregadores, superiores e, acrescentamos, suas ideologias políticas, por estarem
“maquiavelicamente preocupados em manipular o público para aumentar o lucro dos
acionistas das empresas em que trabalham” ou arrebanhar adeptos a alguma corrente
política, mas porque estão eles mesmos inseridos, de uma forma mais profunda, no sistema
“imperialista” da Indústria Cultural, da qual, está claro, a imprensa é parte integrante e
primordial.
Não podemos assumir uma posição maniqueísta quanto à imprensa e sua relação
com o consumidor, mas é inevitável a constatação de que a mass media acaba por gerenciar
ou direcionar tanto a cultura de massa quanto a necessidade consumista da sociedade e a
opinião pública, gerando, em certo grau, um neo-imperialismo, onde, além dos “bolsos”
dos consumidores, suas “almas” são colonizadas.
1.2) A Indústria Cultural:
A Indústria Cultural pode ser interpretada, de acordo com a escola frankfurtiana,
como um novo método de colonização, um neocolonialismo, no qual, diferente daquele
difundido nos séculos XVI e XVII, o colonizador invade a alma do colonizado e não o seu
território ou suas riquezas.
Industrial no sentido de assimilação, ao produzir o consentimento direto de seus
consumidores a Indústria Cultural abole o exame crítico, revelando seu objetivo final: a
dependência, e seu caráter dominante aponta o grau de importância para a formação de
consciências. A cultura e as informações são totalmente assimiladas por essa indústria, e
suas produções tornam-se mercadorias.
Edgar Morin traça um estudo comparativo entre a indústria cultural de caráter
comercial e a indústria cultural estatal. É interessante atentarmos para a distinção destas
1 ACCARDO, A. A estranha ética dos jornalistas. Le Monde Diplomatique, jan. 2003. Disponível
em: <http://www.diplo.com.br/aberto/0005/24.htm> Acesso em: 12 fev. 2003.
4
duas vertentes: enquanto a comercial está voltada ao consumismo, ao lucro e aos valores
impostos à “alta cultura” e à diversão, a estatal, por outro lado, busca “convencer, educar,
tende a propagar uma ideologia”2 sobre a população. Quando essa propagação de uma
determinada ideologia ou de um modo de vida rompe as barreiras da fronteira nacional e
invade outros países e povos na tentativa de convertê-los e/ou introjetar neles suas idéias,
dá-se início ao neocolonialismo, à dominação ideológica-cultural.
Essa dominação se daria através dos meios de comunicação em massa e da difusão
de certos ideais, como por exemplo, nas revistas de histórias em quadrinhos, desenhos
animados, nos filmes e nos almanaques. Tomemos como modelo explicativo desta atuação
as histórias do Superman, analisada com brilhantismo por Umberto Eco3. Segundo o autor,
as histórias do Superman passam em suas entrelinhas o anti-comunismo norte-americano.
Datado de 1938, o herói teria em sua personalidade dois opostos psicológicos encontrados
na própria sociedade humana: na figura de Clark Kent, o estereótipo assumido é o do ser
humano normal, relegado a uma posição mediana intelectual e profissionalmente, sendo
mesmo reprimido pelos seus semelhantes e por seu amor não correspondido (Louis Lane).
De outro lado, assume o ideal do homem onipotente, capaz de grandes feitos em favor da
humanidade, reconhecido e amado por todos.
Fonte: SUPERMAN Arrives. Jerry Siegel, 1938. Selo emitido pelo U.S. Post, em setembro de 1998.
2 MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 23. 3 ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970.
5
A semelhança entre Clark Kent e os indivíduos comuns do planeta faz com que a
identificação seja imediata, causando um estreitamento nas relações entre o leitor e a
história. Da mesma forma, o Superman é simpático àqueles que acompanham suas histórias
pela projeção existencial desses que sonham em transformar-se, como Clark Kent, o
indivíduo reprimido que libera seu verdadeiro eu quando a humanidade vê-se ameaçada e a
destruição do planeta é eminente.
Essa afinidade leva o leitor a assumir, inconscientemente, alguns valores
introjetados nas histórias narradas, como, por exemplo, a concepção de bem e mal que são
trazidas nas tiras. Ora, se o herói persegue malfeitores de todas as ideologias e que praticam
qualquer tipo de crime, o leitor adquire uma consciência relativamente ampla do bem e do
mal e uma linha ética delimitada. Porém o que ocorre nas histórias do Superman é um
direcionamento ideológico. Na ilustração do próprio Eco:
No âmbito da sua little town, o único mal a combater, se lhe configura sob a
espécie de partidários do underworld, do mundo subterrâneo da malandragem, de
preferência ocupado não em contrabandear estupefacientes, nem – é evidente – em
corromper administradores ou políticos, mas em esvaziar bancos e carros
pagadores. Em outros termos, a única forma visível que assume o mal é o atentado
à propriedade privada. (...) o underworld é (...) mal endêmico, como que uma
espécie de filão maldito, que invade o curso da história humana, claramente
dividida em zonas pela incontrovertibilidade maniquéia – onde toda autoridade é
fundamentalmente boa e incorrupta, e todo perverso, perverso desde as raízes, sem
esperança de redenção.4
Desta forma, o leitor é induzido a relacionar o “mal” àqueles que pregam contra a
propriedade privada (comunistas), e tende a incorporar esse “valor” ao seu caráter,
enquanto o “bem” segue relacionado aos consumidores capitalistas, sendo o ambiente ideal
para seu desenvolvimento a sociedade consumista.
Da mesma maneira que observamos no caso acima citado, valores e ideologias são
passados subliminarmente por vários meios de comunicação em massa. Especificamente no
período a que este estudo se presta, a Alemanha nazista não conteve esforços transformar
todo meio de comunicação, desde revistas, cinema, livros e até mesmo cartões-postais, em
4 ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 276.
6
instrumento de propaganda dos ideais nacional-socialistas. Assim, podemos indicar o
regime nacional-socialista como pioneiro no campo da propaganda ideológica de massas,
onde a indústria cinematográfica e a imprensa serviam como carros-chefe de seu
armamento propagandístico.
1.3) Imprensa e Humor:
“A Imprensa não prescinde da colaboração da caricatura e do humorismo.”
Com esta frase Délio Freire dos Santos abre a edição fac-similar do periódico
humorístico Cambrião, editado originalmente nos anos de 1866 e 1867, em São Paulo. Sua
afirmação leva-nos a alguns questionamentos, como por quê essa colaboração se faz
imprescindível, e de que forma ela se dá?
Comecemos analisando a segunda questão. O humor, como forma de crítica ou
persuasão é, comprovadamente, utilizado largamente nos meios de comunicação de massa.
Este tipo de humor crítico, ácido, ou, como bem definiu Peter Gay (1995), “mordaz”,
tornou-se marca registrada da imprensa5.
Fonte: PAIXÃO. il. Gazeta do Povo. 13 fev. 2003.
5 Elias SALIBA demonstra isso em Raízes do Riso, seu estudo sobre o humor na Belle Époque
brasileira, quando as críticas mais causticantes aos poderosos e políticos da época eram feitas por humoristas em seus jornais e revistas, como era o caso de Juó Bananére, José Agudo e Belmonte, entre outros.
7
O jornalismo traz ao público a notícia, o acontecimento ou o personagem, e o
humorismo trata de dar uma feição mais amena e engraçada do mesmo. Neste sentido, a
presença de caricaturas e charges nos principais jornais diários do país é a prova
contundente do que acabamos de expor.
Devemos considerar também o apelo comercial do humor. Pelo fato dos jornais e
demais periódicos estarem inseridos no fenômeno da Industria Cultural, a aceitação, por
parte do público leitor, das caricaturas o torna mais atraente e colabora na vendagem do
produto e, numa sociedade capitalista, como já discutido, este é o fator preponderante para
a inclusão ou não do produto no mercado.
Retomando a primeira questão, veremos que o humor se faz necessário na imprensa
contemporânea por dois motivos principais, e o primeiro está associado à natureza
humorística. O humorista, em especial o chargista, tem o dom de cativar o expectador com
uma imagem, numa fração de segundo. O humor, seja ele crítico, mordaz ou leve, consegue
prender a atenção do leitor e fazê-lo refletir sobre o objeto da sátira. Neste momento, o riso
provocado traz a imediata aceitação e simpatia pela idéia passada, afogando ou
extravasando o sentimento de angústia, raiva ou medo causado pela situação retratada.
Assim, o riso acaba por orientar a opinião das pessoas de uma forma velada. A influência
do riso na psique dos expectadores será melhor analisada no próximo capítulo.
O segundo fator que faz do humor parceiro constante da imprensa é o fato das
charges e piadas darem um contraponto às críticas e matérias mais pesadas do periódico.
Enquanto as colunas opinativas, matérias e artigos veiculados pelo periódico tratam de
passar a notícia e, no caso das primeiras, demonstrar a opinião defendida pelo autor, a
charge traz a crítica velada e acaba por fazer comentários e críticas ferrenhas ao objeto de
sátira sob o disfarce humorístico e o consentimento do riso. As colunas e matérias que
defendem um determinado ponto de vista primam por causar no leitor sentimentos
extremos (ou o êxtase gerado pela concordância ou a raiva da discordância), já as opiniões
expostas pelas charges carregam consigo o estigma da simpatia acarretada pelo riso, o que,
em alguns casos, banaliza a notícia, pois a risada também pode servir, dependendo do
propósito do autor e da forma com que a charge é feita, para passar a idéia de
insignificância do fato ou do personagem nele envolvido.
8
Levando-se em conta esses três fatores, quais sejam, a Imprensa e seus autores, a
Indústria Cultural e os imperativos do mercado, e considerando o humor como um discurso
que realiza uma transversal no tempo da notícia (realizando-se em um tempo e um espaço
que lhe são próprios), é que analisaremos o objeto dessa pesquisa.
A importância do estudo deste tema reside na influência das charges na opinião
pública. O chiste, obviamente, não forma por si só a opinião do indivíduo que dele ri,
porém age como complemento a uma matéria veiculada ou como “orientador” de
tendências e simpatias. Em um momento conturbado como o vivido durante as décadas de
30 e 40, o menor direcionamento ideológico, viesse de onde viesse, era extremamente bem-
vindo.
9
2) DA NATUREZA DA CHARGE:
Neste capítulo buscaremos analisar as técnicas de desenho concernentes à charge e
de que forma ela atinge a “alma” do ser humano, como um desenho pode, em certa
medida, influenciar e tocar uma pessoa.
Ao iniciar este capítulo, uma diferenciação se faz necessária. É importante
percebermos as características próprias da caricatura e da charge.
A primeira tem como propriedade o exagero e a acentuação de traços marcantes de
uma personalidade. Através dessa satirização, o autor da caricatura cria uma imagem
humorística da pessoa retratada. O humor desta modalidade artística pode trazer uma crítica
velada ao objeto de escárnio. Exemplo clássico de caricatura é o desenho de Honoré
Daumier satirizando o rei Luís Filipe, que depois da publicação desta figura, ficou
conhecido como rei-pêra.
Fonte: DAUMIER, Honoré. Passado Presente e Futuro. La Caricature. 1834. In. GAY. Peter. A experiência
Burguesa da Rainha Vitória a Freud – O Cultivo do Ódio. São Paulo. Cia das Letras, 2001.
10
Joaquim da Fonseca, em seu livro Caricatura – A Imagem gráfica do humor, expõe
de maneira bem-humorada o alcance que uma caricatura pode ter:
Conta-se que o generalíssimo ditador de certa república tropical
americana, preocupado em vestir-se de acordo com a augusta imagem que fazia
de si mesmo, resolveu criar um uniforme que o distinguisse visualmente.
Tomando como modelo uma gravura européia da época, que mostrava seu ídolo,
o imperador Napoleão I da França, chamou o alfaiate e mostrou-lhe o recorte.
Queria um traje exatamente igual àquele do modelo.
O alfaiate não contestou o figurino e caprichou ao confeccionar a farda. O
que resultou daí provavelmente estabeleceu o modelo que passou a ser imitado
com orgulho por outros ditadores de outras repúblicas tropicais, um vistoso e
colorido uniforme engalanado de dourado e medalhas, com faixas coloridas,
bordados, botões brilhantes e divisas. No entanto, o ditador deste caso não levou
em conta que tomara como modelo uma caricatura ridicularizando Napoleão e
exagerando sua forma de vestir, desenhada por um de seus inclementes algozes
gráficos, quem sabe Cruikshank, Rowladson ou Gillray.6
O exemplo acima demonstra claramente a natureza da caricatura. Ao exagerar os
traços de Napoleão, seus críticos criaram uma imagem humorística, estigmatizada para a
posteridade. Esta imagem aponta os defeitos e vícios de Napoleão, deixando um documento
de época para análise de historiadores e outros pesquisadores. A caricatura, portanto,
deforma seus alvos para melhor criticá-los, mas tem como característica principal, a nosso
ver, objetivar e satirizar uma pessoa.
A charge, por sua vez, tem como fim representar humoristicamente uma situação,
um contexto social ou político. O termo, que deriva do francês charger (exagerar, atacar,
carregar), remete à satirização de um acontecimento, normalmente político, e que faça parte
do universo popular, ou seja, um acontecimento que tenha repercussão e que possa ser
imediatamente reconhecido após a visualização do desenho. Desta forma, podemos julgar a
charge um trabalho imediatista, algo que é veiculado no jornal do dia e que perde seu valor
no dia seguinte. Porém, aos olhos do historiador, a charge identifica um momento histórico,
e como outros documentos de época, ela se torna uma fonte produzida por um espectador
6 FONSECA, Joaquim. Caricatura – A imagem Gráfica do Humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
1999. P. 11.
11
privilegiado e informado quanto aos fatos e acontecimentos do universo presente, e que,
diferentemente do jornalismo escrito, imprime maior autonomia em sua mensagem.
Da mesma forma que uma reportagem jornalística, uma narrativa ou uma crônica
devem ser analisadas levando em consideração seus autores, o veículo de divulgação e o
momento político, bem com o mercado consumidor, uma charge ou uma caricatura deve
também sofrer este mesmo cuidado interpretativo.
2.1) As características técnicas da charge:
Ao longo da história o homem tem lutado para aprimorar sua expressão e a forma de
se comunicar com o mundo e com outras gerações. Além da escrita, o meio mais
importante de comunicação do homem é a arte. A música, a pintura e o desenho são
expressões universais que conseguem atingir pessoas de diferentes épocas e de diferentes
idades. Neste trabalho deter-nos-emos na evolução pictórica, nas técnicas do desenho e nas
características próprias da charge e da caricatura.
A forma e a idéia transmitida pela imagem dependem da conjunção de alguns
fatores para que consigam atingir seu objetivo. É necessário que o autor da obra tenha
domínio sobre a textura, a tonalidade certa da cor e a iluminação que o trabalho deverá ter
para conseguir passar a mensagem desejada. No caso das charges, dois fatores serão mais
importantes: a estruturação do ambiente que o fato será retratado e a fisionomia dos
personagens.
O segundo fator é o mais importante, pois é no reconhecimento da personagem da
sátira que se verifica a interação do público com a mensagem, principalmente no caso das
charges políticas. Como a representação dos envolvidos na situação acaba também sendo
carregada de humorismo e exageros, podemos afirmar que a caricatura é parte integrante da
charge. Desta forma, a charge consegue atingir seu alvo duas vezes: a primeira ao
caricaturar a personalidade vítima do escárnio e a segunda ao tornar humorístico um ato por
ela praticado.
O caminho entre a caricatura e a charge, entretanto, é longo e difícil de percorrer.
Para que o chargista consiga atingir da maneira desejada o público leitor é preciso que seus
personagens adquiram a simpatia ou a repulsa do público. A tarefa do desenhista fica
duplamente difícil, pois não basta exagerar os bigodes de Hitler e Stalin ou a “robustez” de
12
Churchill e criar suas caricaturas. É necessário dar vida a esses personagens, embutindo-
lhes emoções e dando-lhes uma ocupação (a situação retratada na charge), tornando-os
assim quase humanos.
Para conseguir esse efeito sobre o leitor, é necessário que algumas questões técnicas
do desenho sejam consideradas. Quando o artista faz a caricatura do personagem que será o
alvo da charge, além de exagerar as características mais marcantes do rosto desta pessoa, a
fim de que ela seja reconhecida pelo público, as emoções que ela esteja sentindo no
momento, que darão o tom da comicidade ou da crítica que se deseja passar, devem ser
consideradas prioritárias na criação. A divisão dessas duas características pode ser, de
modo genérico, feita da seguinte forma:
• Traços Permanentes: Indicam o caráter e as características físicas do personagem em
traços simples. No exemplo abaixo, os traços permanentes seriam a calvície,
sobrancelhas grossas e orelhas de abano.
• Traços não-permanentes: São os traços que indicam a emoção por que passa o
personagem. Abaixo notamos que as alterações das posições das sobrancelhas, dos
lábios, dos olhos e da testa acabam por apontar a emoção que ele sente.
Fonte: EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo. Martins Fontes, 1995. P. 109.
13
Assim, observamos que os traços não-permanentes acabam por demonstrar a
condição momentânea da personagem, suas emoções e estado de espírito. Aliada aos traços
não-permanentes do rosto, a linguagem corporal acaba por complementar a idéia formulada
sobre o caráter instantâneo do desenho:
Fonte: EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo. Martins Fontes, 1995. P. 102.
O exemplo acima demonstra, em traços bastante simples, de que forma a postura da
personagem pode influir na concepção da idéia formada sobre ela. A determinação da
emoção pelo corpo do desenho apenas vem a reforçar o demonstrado pelo rosto da
14
caricatura, mas pode acabar favorecendo a simpatia ou antipatia do leitor diante daquele
personagem.
Existem ainda dois elementos que agem como acessórios no entendimento da
ilustração. São a contextualização e a textualização do desenho. O primeiro se refere à
notícia jornalística na qual o desenhista se inspirou para produzir a charge. No momento
por nós estudado (décadas de 30 e 40), era comum que acompanhasse a charge uma nota do
autor onde este demonstrava onde buscou referências para a produção do desenho.
Normalmente era escrito, ao pé da ilustração, “Dos Jornais” e a notícia à que ela se referia.
A intenção deste artifício é localizar o leitor no contexto da ação retratada. Auxilia
na compreensão do momento, juntamente com a caracterização pictórica do cenário, das
vestes dos personagens e das próprias caricaturas. Além disso, essa técnica acaba por suprir
alguma eventual diferença nas experiências do autor do desenho e do leitor, pois a
compreensão de uma imagem requer uma comunidade de experiências7 que devem ser
inerentes a ambos. Assim, para que sua charge atinja o maior número de pessoas e para que
a ignorância do espectador quanto ao assunto a que se refere a ilustração não prejudique seu
entendimento, os autores utilizam este artifício.
As experiências comuns também são determinantes na utilização de símbolos
gráficos nos desenhos. Além da óbvia barreira da língua, mesmo nas relações ator/leitor
ocorridas em países com a mesma língua materna, os regionalismos inerentes às diferentes
culturas e países podem acabar atrapalhando a compreensão. Também na utilização de
símbolos na substituição de diálogos entre os personagens, as experiências devem ser
compartilhadas entre o desenhista e espectador.
Existem símbolos que são reconhecidos em praticamente todos os países. São os
símbolos universais, como o cifrão ($) e a interrogação (?). A utilização destas
representações facilita a compreensão do leitor, esteja ele onde estiver, seja ele da classe
social que for. Estes sinais já fazem parte do imaginário coletivo, tendo assim sua
assimilação facilitada (de nada adiantaria o autor utilizar a letra grega alfa [α] em uma
charge destinada a um público que, em sua maioria, nunca teve contato com o alfabeto
grego).
7 EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo. Martins Fontes, 1995. P. 13.
15
Devido ao caráter momentâneo da charge, diferentemente das histórias em
quadrinhos que têm caráter seqüencial, a brevidade passa a ser fundamental. A substituição
dos diálogos por uma simbologia que atinja o leitor é um artifício comum dos chargistas
para que a idéia possa ser passada e assimilada de forma instantânea.
As falas dos personagens e os diálogos por eles travados fazem parte do segundo
elemento de apoio ao chargista na confecção de seu produto, a textualização. Este artifício é
utilizado quando o desenho não se basta para transmitir a mensagem desejada. Não raro a
caricatura, que tem como uma de suas características o humor irônico, não passa
diretamente a crítica ou situação desejada.
Fonte: EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo. Martins Fontes, 1995. P. 110.
16
Acima visualizamos uma série de expressões que, acompanhadas por uma caixa de
diálogo, assumem significações bastante diversificadas. Como podemos observar, silhuetas
idênticas aliadas a diferentes frases podem mudar completamente a impressão tida referente
ao desenho e, dessa forma, chamar a atenção do leitor para a crítica velada.
A charge, como buscamos destacar, exige alguns conhecimentos técnicos para que o
desenho consiga passar ao leitor a mensagem ou a crítica desejada pelo chargista. Vemos
que esta modalidade de desenho não depende de uma rigidez detalhista, pois ela mesma se
impõe como resultado do exagero e da simplificação, tornando-se, em certo grau, uma
forma de arte impressionista.
O desenho humorístico, como já destacamos, é a forma mais simples de transmitir
uma opinião ou um julgamento, pois atua de forma rápida e eficiente, atingindo pessoas de
todas as classes sociais e com todos os níveis de conhecimento. Baseados nisso, podemos
concluir que as “charges perfeitas” são aquelas que dispensam as “muletas” textuais,
classificadas neste trabalho como textualização e contextualização do desenho, para
conseguir o efeito desejado pelo autor.
Esse efeito causado pelas técnicas de desenho diz respeito ao reconhecimento do
leitor da situação retratada na charge. Porém, para que a alma do observador seja afetada
pela ilustração de forma completa, a relação humorística deve causar nele um impacto
ainda maior que a perfeição técnica, como veremos a seguir.
2.2) O humor da charge e as explicações psicanalíticas:
Freud, em sua obra O Chiste e sua relação com o Inconsciente, traz-nos um tratado
psicanalítico sobre a natureza do humor, suas ações e influências no inconsciente.
Considerando as charges como uma das manifestações contemporâneas mais correntes de
humor, buscaremos nos apropriar deste discurso clássico e analisar como a charge pode
repercutir na consciência de um indivíduo, pela produção do chiste e pelo riso.
O riso, para Freud, seria um liberador das emoções reprimidas. Desta forma, por
trazer o prazer da liberação do stress emocional, o riso seria uma manifestação individual e
egoísta. “O riso compensa, em seus efeitos, o dispêndio contínuo de energia, exigido para
17
manter as proibições que a sociedade impõe e os indivíduos internalizaram.”8 Porém, para
que a risada possa exercer essa função, é necessário que haja a motivação humorística.
Essa motivação humorística nada mais é que a formulação de uma piada, de um
chiste. Tal processo de criação possui, segundo Freud, a característica marcante da
abreviação de idéias, ou seja, algo que seria dito em “longos discursos” é abreviado e
colocado de forma cômica. Neste sentido o exemplo das charges é bastante preciso, pois
representa, com um discurso cômico, um momento determinado em um contexto.
Algumas técnicas de formulação de chistes são apresentadas no estudo de Freud. A
aglutinação de palavras, a alusão a outros elementos que causam a sensação de nonsense no
espectador e o cinismo são as principais técnicas destacadas pelo autor. Além de analisar
estas técnicas, Freud lembra das discussões filosóficas a respeito do assunto, e estas dizem
que as piadas são parte do cômico, e o cômico, parte da estética, definindo a idéia de
estética como “qualquer coisa através dela, não necessitando dela para satisfazer qualquer
de nossas necessidades vitais, mas contentando-nos na contemplação e na fruição da
idéia”9. Porém, a estética não tem finalidade, ou melhor, tem um fim em si mesma,
enquanto que o chiste tem como fim proporcionar prazer ao ouvinte.
Quanto aos diferentes prazeres proporcionados pelo chiste, Freud faz a
diferenciação segundo o humor empregado. Podemos encontrar a produção de prazer no
humor moderado das piadas inocentes, no humor forte dos chistes hostis (agressividade,
sátira ou defesa) e no humor obsceno, ou seja, cada um desses tipos de humor produzem
um diferente prazer e “tornam possível a satisfação de um instinto, seja ele libidinoso ou
hostil”10. Referindo-se à hostilidade, o autor austríaco sustenta a tese de que esta condição
natural do ser humano está tão reprimida no mundo moderno quanto à sexualidade, graças
às leis implantadas para conter a violência11. Assim sendo, os chistes hostis teriam a
“função social” de extravasar esta agressividade reprimida.
8 Cf. SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso – A representação humorística na história brasileira: da
Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo. Cia das Letras, 2002. P. 23. 9 FREUD, Sigmund. O Chiste e sua relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro. Imago, 1977. P.
115. 10 Ibid. P. 121. 11 Freud destaca a violência como um instinto natural e inerente ao ser humano. As leis e regras
contra a violência física, segundo o autor, teriam sido fruto do assassinato do “Pai-primitivo”, ou seja, nos primórdios existiria um macho que usufruiria de todas as fêmeas da tribo, causando a inveja e o ciúme dos outros machos. Numa ação natural, os outros machos mataram o “Pai-primitivo” para se libertarem de seu domínio e poderem também buscar o prazer sexual. O assassinato, porém, causara o sentimento de remorso e,
18
O motivo primordial da produção do chiste, segundo Freud, é a obtenção do prazer.
Porém, o autor busca em alguns exemplos outras causas, como no chiste do poeta Heine
(Sentei-me ao lado de Salomon Rothschild e ele me tratou como um igual – bem
familionariamente12). A causa deste chiste seria a amargura do poeta para com a parte rica
de sua família, que sempre o desprezou. Outro fator seria os instintos reprimidos,
principalmente de caráter sexual (chistes agressivos / sadismo reprimido). Os chistes
inocentes, por exemplo, seriam fruto de uma necessidade de exibicionismo intelectual.
Analisando a produção das sátiras por este ângulo, este processo toma um caráter
duplamente egoísta. O autor da piada sente prazer ao extravasar seus instintos na fala, mas
também o sente ao proporcionar alegria ao ouvinte. A certeza de que o riso também trouxe
prazer ao ouvinte dá ao primeiro sujeito a satisfação do “dever cumprido”, de que o produto
de sua oratória e de sua imaginação conseguiu dar prazer ao segundo.
Pelo fato do chiste ser uma forma de busca da aprovação e do prazer, o produtor da
piada não pode passar por inculto ou imbecil. As palavras usadas e a piada a ser proferida
devem ser cuidadosamente articuladas e devem passar por uma crítica antes de sair da boca
ou da pena. Baseado nisso, Freud indica dois momentos na concepção do chiste: o jogo e o
gracejo. O jogo refere-se ao momento em que as palavras (absurdas ou não) “brincam” na
mente, como as palavras na criança. Porém, o jogo logo perde a graça e passa a ser
condicionado à crítica, onde será julgado absurdo ou não. Passando pelo processo seletivo,
vem o gracejo, com a formulação e a prática do chiste. Trata-se de um processo consciente
que visa à fuga da crítica. E, se depois de proferido, o chiste nos faz rir, é porque tomamos
uma posição favorável à crítica a que o chiste se dispõe (pois todo chiste hostil é uma
forma de crítica velada).
É neste ponto da teoria freudiana que encontramos a influência que o humor pode
causar nos indivíduos.
Como já analisado, o humor causa a risada, o riso, e este traz a liberação das
emoções e frustrações reprimidas no cotidiano do indivíduo, ou seja, o prazer por, em
poucos momentos, sentir-se livre das amarras sociais a que estava atado. Essa sensação
a fim de não mais sentirem tal sensação, os machos teriam baixado leis e regras contra a violência e, assim, evitar novos assassinatos.
12 Este chiste de aglutinação ortográfica (familiarmente e milionário) denuncia o “esnobismo” dos ricos. Desta forma, Rothschild teria recebido o poeta da maneira mais gentil que uma pessoa em sua posição social consegue, nem amigável ou familiarmente nem rudemente, mas “familionariamente”.
19
prazerosa causa no ouvinte/leitor um sentimento de “dívida” para com o comediante.
Assim, inconscientemente, o espectador acaba por assimilar as idéias transmitidas pelo
chiste como certas pela simpatia que a própria piada traz ao provocar a gargalhada. Nas
palavras do próprio Freud:
Ele (o chiste) ademais subornará o ouvinte com sua produção de prazer,
fazendo com que ele se alinhe conosco sem uma investigação mal detida,
exatamente como em outras freqüentes ocasiões fomos subornados por
um chiste inocente que nos levou a superestimar a substância de uma
afirmação expressa chistosamente. Tal fato é revelado à perfeição na
expressão “die Lacher auf seine Seite ziehen” (trazer os que riem para
nosso lado).13
Conforme observamos, o humor seria uma das formas de protesto ou propaganda
mais eficientes que podemos utilizar. As charges, por serem veiculadas em jornais e na
grande mídia, têm um alcance maior que um gracejo contado numa roda de amigos. Por seu
caráter mordaz, têm também a natureza da crítica e da revolta, e é nessa característica que
resulta, em grande parte, a simpatia natural que sentimos por estes desenhos, pois “rimos
delas, mesmo se mal-sucedidas, simplesmente porque consideramos um mérito a rebelião
contra a autoridade”14, o que nos passa a idéia de poder satirizar, por alguns instantes, um
poder central. O chargista poderá tratar, através de seus desenhos, de características e
críticas que não poderia tratar abertamente, seja por conta da censura ou de convenções
morais. Ao passá-las para o desenho, está promovendo uma pequena “rebelião” contra o
objeto da crítica, e, muito provavelmente sem saber, arrebanhando adeptos de suas opiniões
pelo poder do riso.
Observaremos melhor essas colocações analisando uma de nossas fontes e
verificando tais características nesse desenho.
13 FREUD, Sigmund. O Chiste e sua relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro. Imago, 1977. p.
123. 14 Ibid. p. 125.
20
O desenho acima reflete claramente antipatia ante os três principais membros do
Terceiro Reich: Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich, Goering, considerado, até
1945, o segundo homem do governo alemão, e Hitler, o Führer nazista. Veiculado em
cartões postais ingleses a partir de 1941, o desenho sobrepõe as caricaturas de Goebbels e
Goering a corpos de macacos, sugerindo que ambos pensariam e agiriam como tal, bem
como teriam semelhanças físicas. Outro aspecto satirizante, este referido à figura de
Goering, é a ostensiva coleção de medalhas em seu peito, característica marcante que foi
utilizada por vários dos caricaturistas do Comandante em Chefe da Luftwaffe.
A caricatura de Hitler, por sua vez, revela um julgamento quanto ao seu instinto
belicoso. A caracterização do Führer na figura universalmente reconhecida da morte traz
um aspecto muito mais crítico que a simples ridicularização de seus comparsas no mesmo
desenho, contando também com o caráter cômico.
Os psicanalistas defendem que o riso causado pela figura facilitaria a apropriação
destas caracterizações no julgamento pessoal do indivíduo que a observa. Desta forma, a
idéia do autor da gravura, de que Hitler é a personificação da morte e do mal e de que seus
comandados não passam de animais seria apropriada pelo observador15.
15 O observador que a apropria, obviamente, tem de estar inserido no contexto da gravura, ou seja,
vivenciar o momento da crítica e reconhecer os sujeitos ali representados. Também é óbvio que a apropriação da idéia atinge os indivíduos que ainda não tinham tomado posição quanto a Hitler e o Nacional Socialismo.
21
O humor aqui utilizado tem, portanto, um propósito: o de desmobilizar a crença
pública quanto ao personagem histórico Adolf Hitler e o sistema político que ele representa.
Por sua vez, Pierre Ansart nos coloca uma diferenciação dual na relação do humor com a
esfera política: em um sistema pluralista como a Democracia, no qual as paixões políticas
são constantemente reprimidas e cortadas a fim de manter o equilíbrio do sistema, o humor
tem como função promover a multiplicidade de opiniões e a descrença quanto aos
elementos nocivos, mas, principalmente, evitar as demonstrações apaixonadas das massas
para com esses mesmos elementos. Sua ridicularização estabelece uma situação de
inferioridade, um julgamento de valores no qual o ser político torna-se bizarro e ridículo,
afastando os indivíduos pela descrença causada. Segundo o próprio autor:
As técnicas de descrença alimentam-se da atualidade e das sutilezas
da cultura política. A finalidade aqui não é refutar, através de sólidos
argumentos racionais, a fraqueza dos argumentos adversários, mas de
conduzir os ouvintes a estabelecerem distância com relação às pessoas e
teses rivais. Revela-se eficaz, por exemplo, tornar suspeitas as teses
adversárias insinuando que elas conformam-se a interesses
inconfessáveis, são simpáticas a uma potência estrangeira ou impiedosa
com os fracos. Contra os chefes políticos, será oportuno, em uma
sociedade ciosa das competências, mostrar a incompetência do adversário
e a incoerência de suas proposições.16
Em contrapartida, em um sistema autoritário ou totalitário, o humor tem a mesma
função de escárnio e de ridicularização, mas nesse contexto já não existe a busca a
desestabilização do elemento alvo visando o equilíbrio do sistema e a desvinculação
apaixonada do indivíduo do sistema político, ao contrário, a degeneração do elemento alvo
é efetuada para ostentar o sistema imperante e colocar o satirizado em uma condição de
sub-humanidade, de nocividade à sociedade e promover justamente o desequilíbrio do
sistema, alimentar paixões políticas em favor do governante.
Fica claro que um nazista radical não mudaria suas opiniões por visualizar a caricatura, ao contrário, poderá cultivar um sentimento de ódio contra o desenho e o autor.
16 ANSART, Pierre. Mal-estar ou fim dos amores políticos?. Revista História & Perspectivas, No. 25 e 26, Jul. 2001/Jul. 2002. Uberlândia, 2002.
22
Nossas fontes principais referem-se a charges e caricaturas produzidas em dois
sistemas e conjunturas distintas, porém, próximas se levarmos em conta a relação entre
humor e política atentada por Ansart: o regime autoritário no Brasil de Getúlio Vargas e o
regime totalitário alemão de Adolf Hitler. A natureza dessas fontes, entretanto, apesar de
pertencerem a conjunturas semelhantes, são diferentes. Enquanto os desenhos brasileiros
são produzidos por indivíduos e veículos desligados do Estado, onde a crítica velada,
característica própria das charges, poderia encontrar espaço, as charges alemãs têm seu
lugar em um jornal controlado pelo Estado nazista, o Der Stürmer.
Acreditamos encontrar, nas charges e caricaturas veiculadas à época, um reflexo da
sociedade naquele momento. Centrando nosso trabalho nas alusões ao Nazismo e suas
figuras principais, e utilizando na análise desenhos por nós selecionados como mais
significativos e ilustrativos dos diversos momentos, buscaremos entender como esses
elementos eram concebidos em diferentes momentos e localidades no período.
23
3) A SUBLIME CHARGE DE BELMONTE:
Benedito Bastos Barreto, o Belmonte, nasceu em 15 de maio de 1896, na cidade de
São Paulo. Teve infância pobre, mas sua aptidão para o desenho surgiu ainda quando
garoto, entre rabiscos na escola e nos muros do bairro da Liberdade. Chegou a cursar
Medicina na Faculdade de Medicina de São Paulo, mas largou o curso para dedicar-se ao
desenho e ao jornalismo no jornal “Folha da Noite”, fundado na capital paulista em 1921.
Neste diário publicou, nas duas décadas seguintes, desenhos e sátiras dos costumes
paulistas e do cotidiano brasileiro. Seu brilhantismo, entretanto, revela-se nos desenhos
políticos. Neste campo, foi feroz combatente dos governos de Getúlio Vargas, a quem
acusava de ditador e incompetente.
Fonte: BELMONTE. Nada de Novo... São Paulo: Linotipo Tipografia, 195-.
Na charge acima, por exemplo, o desenhista mostra um Getúlio Vargas combativo,
discursando pela democracia e contra o despotismo e a “hypertrophia” do poder. Ao lado
destes desenhos, com um semblante mordaz, aparece Washington Luís17, presidente
17 Detalhe incorporado à ilustração na década de 50, pela filha do gravurista, por ocasião do
lançamento da referida obra em homenagem póstuma.
24
deposto por Vargas na Revolução de 30, dizendo “Veja quem está apregoando!”. O
personagem de Washington Luís é claramente passado pela consciência de Belmonte, que
diz para Getúlio: “Quem te viu e quem te vê”.
Belmonte foi responsável pela criação de dois dos mais famosos personagens do
desenho brasileiro: deu vida ao Jeca Tatu de Monteiro Lobato ao ilustrar os livros do autor
e, em suas tiras na Folha da Noite, concebeu Juca Pato, talvez a mais popular personalidade
paulista do período. A boa receptividade do público ao novo cidadão paulista podia ser
percebida nas ruas da cidade, onde bares, cigarros e restaurantes ostentavam seu nome.
Criado em 1925, Juca Pato, “concebido careca “de tanto levar na cabeça”, adotou
o lema “podia ser pior”, encarregando-se, assim, de traduzir as críticas e aspirações da
classe média”18, foi presença constante nas charges de Belmonte, ora como espectador
passivo, ora como alvo das manobras de um governo autoritário e da dinâmica política e
econômica global. Suas ações e falas refletem o pensamento e a visão de seu criador que,
oriundo da classe média-baixa de São Paulo, observa as ações governamentais com os
mesmos olhos de seus leitores, causando a aceitação imediata de suas reflexões.
Juca Pato é, portanto, o alter-ego de Belmonte, nada mais que um espectador dos conflitos e da
política interna e externa, mas com bagagem intelectual e discernimento suficientes para analisá-los e tecer
críticas e observações agudas sobre eles. Em um período ditatorial, no qual a presença do DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda) era constante nas redações dos diários e aplicava com rigor a censura, o pincel de
Belmonte torna-se uma poderosa arma na crítica de um momento conturbado, tanto no plano interno quanto
no externo. Para tanto, seus desenhos acerca da conjuntura externa também serviam para fomentar o debate
sobre a situação interna do país, satirizando, pois, os Fascismos, satirizava também o Getulismo e, desta
forma, driblava com eficiência os censores.
3.1) Características do Traço de Belmonte:
Poucos como Belmonte conseguiram sintetizar, em um único desenho, tantas
considerações e análises de um determinado fato ou situação. Utilizando-se do semblante
do personagem retratado ou do ambiente em que se encontra, dos objetos que o rodeiam ou
das manchetes de jornais que evocam o assunto, o autor condensa sua opinião e sua visão
em um quadro de alguns centímetros quadrados e a apresenta ao leitor.
18 Belmonte, o criador do Juca Pato. Folha de São Paulo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/belmonte.html> Acesso em: 30 out. 2003.
25
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 18 jul. 1936. In: Caricatura dos Tempos.
A charge acima reúne algumas destas características. O desenho mostra um conjunto de casas a beira
mar que são observadas por Juca Pato, recém chegado na Europa. A primeira casa tem arquitetura russa e
possui uma bandeira soviética desfraldada. Ao seu lado, uma construção típica germânica com uma flâmula
nazista, seguida por uma casa com colunas em estilo romano ostentando a bandeira italiana. Todas as três
estão bem cuidadas e aparentemente abandonadas. Ao seu lado encontra-se um pequeno castelo francês, que
se destaca pelo varal de roupas e o escudo com a flor-de-lis caído em sua fachada. No casebre ao lado, ao
contrário da tranqüilidade dos anteriores, parece ter uma briga terrível em seu interior, e a bandeira hasteada
ostenta um ponto de interrogação. Em frente às habitações está Juca Pato, que pergunta a um pescador: “Mas
não há gente nestas casas?”, ao que o cidadão responde: “Qual o que! Estão se divertindo ali na casa da
vizinha...”.
O desenho retrata o início da Guerra Civil Espanhola, na qual nacionalistas e republicanos lutaram
pelo poder (daí a bandeira estar com uma interrogação). O fato das três primeiras casas estarem em silêncio
faz alusão à participação ativa das três potências referidas no conflito na Espanha – a quinta casa, onde a
bagunça está instalada. O aparente descaso dos moradores da quarta casa, a França, para com o conflito é
representado pelo varal de roupas. Assim, Belmonte critica a omissão dos franceses, que assistiram ao
conflito e cederam apenas algumas dezenas de aviões de tecnologia obsoleta aos republicanos. O escudo
caído denota a decadência francesa, que até há poucos anos, anteriormente a este conflito, era a principal
potência do continente europeu19.
19 SILVA, 1995.
26
Desta forma, o chargista consegue em um único desenho, abarcar uma série de
informações (através de analogias) que delineariam o jogo internacional dos próximos três
anos. Coloca de maneira clara a situação de cada potência naquele momento, faz críticas à
inoperância da França e expõe o campo de treinamento para a Segunda Guerra Mundial que
a Guerra Civil Espanhola20 se tornou. Tais analogias são feitas através da representação dos
países europeus por um grupo de casas vizinhas, imagem que, a princípio, não evoca a
situação retratada. Aí talvez se encontre a chave para o brilhantismo de Belmonte;
transformar um assunto sério e de difícil compreensão em uma situação cotidiana para a
grande população (uma briga de vizinhos ou um jogo de futebol) tornando-o, desta forma,
compreensível para o leitor do diário.
Além dos elementos acima descritos, deve-se observar também a qualidade das
caricaturas de Belmonte. Ao mesmo tempo em que exagera os traços de suas “vítimas”, a
quantidade de detalhes não deixa dúvida alguma sobre quem é o retratado. Os bigodes de
Hitler e Stalin, por exemplo, não são grosseiramente destacados, fazendo com que os alvos
das caricaturas parecessem personagens do próprio Belmonte. Apesar de caricaturarem as
personalidades envolvidas no conflito, os desenhos mantêm uma proporcionalidade em
relação a seus correspondentes reais, evitando o caminho “fácil” da desproporção entre
corpos e cabeças. Os desenhos do autor paulista parecem utilizar-se de miniaturas dos
próprios envolvidos no jogo internacional, deixando a comicidade a cargo da situação
retratada e dos elementos utilizados na composição da charge.
20 Para maiores informações acerca da Guerra Civil Espanhola, ver HENNINGER, Laurent. Guerra
Civil Espanhola: um campo de provas para Hitler. In: História Viva. São Paulo: Duetto, nov. 2003. n. 1. p. 34-39; e BEEVOR, Antony. The Spanish Civil War. New York: Penguin, 2001.
27
Fonte: BELMONTE. A Guerra do Juca. São Paulo: Folha da Noite, 1941.
O desenho acima é exemplo do que acabamos de escrever. Os personagens das
charges de Belmonte não são desproporcionais, fazendo parecer mesmo que são pessoas
reais que “passaram” para o papel (no caso, Churchill, primeiro-ministro inglês, e
Roosevelt, presidente norte-americano). A charge é emblemática ainda na técnica
recorrente na obra do autor de transpor fatos cotidianos para analisar o complicado jogo
internacional da guerra. A alegoria evoca a dependência inglesa do capital e da indústria
norte-americana mesmo antes dos EUA entrarem no conflito. Para que a Inglaterra contasse
com as “mercadorias” (leia-se armamentos) americanas era necessário que estes
emprestassem o capital necessário para que a transação se efetuasse, pois a economia
inglesa já estava em frangalhos no final de 1940 (a charge é datada de 21 de dezembro do
referido ano) e as indústrias britânicas sofriam com os constantes ataques da Luftwaffe, a
Força Aérea Alemã.
Outra interessante característica das charges de Belmonte é a evocação de idéias e alegorias que
poderíamos definir como pertencentes à área de discussão culta ou acadêmica. Tais alegorias evocavam
28
citações de intelectuais, fatos históricos e mitologia grega, como é o caso da lenda de Sísifo, constantemente
utilizada pelo autor quando precisa passar a idéia de um grande fardo sendo sustentado por um personagem.
Fonte: BELMONTE. A Guerra do Juca. São Paulo: Folha da Noite, 1941.
É o caso da charge acima, na qual Belmonte modifica a lenda grega, segundo a qual
Sísifo teria sido condenado a empurrar eternamente uma rocha montanha acima por ter
traído a confiança de Zeus21, adaptando-a ao contexto da derrota francesa frente aos
alemães em 1940. No desenho, o general Pétain, presidente francês, tem de suportar sua
rocha, que, convenientemente, tem o formato do rosto de Hitler.
As características acima citadas moldam a arte das charges de Belmonte. Com elas
o autor encontrou uma forma de aproximar seus desenhos e suas idéias do leitor de classe
média de São Paulo, transmitindo seu ponto de vista acerca da guerra, bem como o de seu
21 Sobre o assunto, ver SCHWAB, Gustav. As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
29
jornal, para o consumidor do diário e, assim, como discutido no capítulo 2, influenciar suas
opiniões a respeito do conflito.
Verificaremos a seguir alguns exemplos de charges de Belmonte que foram
produzidas e publicadas na Folha da Noite durante a guerra, em especial as referentes ao
nosso objeto de estudo, ou seja, os desenhos que fazem alusões ao regime nacional-
socialista alemão.
3.2) O desenho de Belmonte e a Guerra:
Ao atentarmos para as fontes por nós coletadas, poderemos traçar um quadro geral
das idéias e opiniões de Belmonte e, baseados nas considerações propostas no item 1 da
introdução deste trabalho, também do diário para o qual o autor produzia seus desenhos, no
caso, a Folha da Noite.
Consideraremos também, como fator preponderante na análise, o contexto do
período de guerra, a posição brasileira neste e a visão da imprensa diante do Nazismo.
Podemos dividir o período em três momentos: no primeiro, entre 1933 e 1942, encontramos
o Brasil assumindo uma posição neutra perante o desenrolar do jogo diplomático e a
imprensa do país, em sua maioria, evita tecer comentários ásperos diante do governo
hitlerista, exceção feita quanto à perseguição nazista frente aos judeus. Em alguns
momentos, artigos são escritos de forma elogiosa ao regime alemão, principalmente diante
da luta deste contra o comunismo no mundo22.
O segundo momento tem início quando o Brasil declara guerra contra o Eixo por
ocasião do afundamento de navios brasileiros no Oceano Atlântico23. A imprensa passa
então a criticar severamente o regime nazista, colocando-o na posição de inimigo que lhe é
conferida. A partir da segunda metade de 1944, entretanto, com a proximidade do final do
conflito, a imprensa em geral passa a apenas noticiar factualmente os acontecimentos da
guerra, dando maior destaque às críticas contra a URSS e os comunistas, que já são vistos
como o grande inimigo a ser combatido no futuro próximo.
22 GÓES, Maria da Conceição Pinto et al. 1933 – A Imprensa Brasileira ante o Fascismo. Rio de
Janeiro: Inst. Goethe, 1983. 23 Sobre o assunto, ver BONALUME NETO, Ricardo. A Nossa Segunda Guerra. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura, 1995.
30
Tais tendências da opinião pública brasileira encontram reflexo nos desenhos de
Belmonte, entretanto, o autor não se furta de tecer críticas e expor algumas questões
inerentes aos atores do jogo internacional. No pré-guerra, por exemplo, o chargista coloca
em seus trabalhos qualidades morais e de caráter dos líderes alemão e inglês reveladas nas
discussões acerca do delineamento do mapa europeu e das exigências alemãs de que
territórios fossem anexados ao Reich.
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 13 dez. 1938. In: Caricatura dos Tempos.
A charge acima, tendo como legenda a frase “Estejam sob que mãos estiverem, a
Alemanha tem direito a todas as suas antigas colônias”, proferida por Hitler, coloca frente
a frente o Führer alemão e o primeiro-ministro inglês Chamberlain, o primeiro defendendo
a expansão do Reich em busca de seu Lebensraum e o segundo a manutenção do maior
império do mundo naquele momento. Dentre as antigas colônias alemãs, que passam a ser
reivindicadas por Hitler na frase que ilustra a charge, encontram-se territórios sob
31
administração inglesa ou de aliados ingleses, daí a posição difícil que se encontra o
primeiro-ministro diante da fala do líder alemão.
O diálogo travado entre os dois políticos coloca ao público leitor um julgamento de
valores quanto aos dois líderes feito por Belmonte. Ao tomar conhecimento da frase que
serve de legenda ao quadro, Chamberlain pergunta a Hitler: “Mas e o nosso tratado de
amizade?”, ao que o Führer responde: “Continua de pé! Amigos amigos, negócios à
parte.” Com estas frases o autor impinge a Hitler um mau caráter ao deixar claro que nada
está acima da ambição do líder alemão, nem mesmo valores como amizade ou honra.
Quando questionado sobre a validade do tratado, que evoca estes princípios, o personagem
tem uma resposta típica da “malandragem” brasileira: “amigos amigos, negócios à parte”.
A posição alemã, porém, só é possibilitada perante as características do líder inglês que
Belmonte expõe no desenho, quais sejam, a ingenuidade e a covardia.
Ao retomarmos as discussões acerca das técnicas de desenho relativas às expressões
faciais e à silhueta (momentâneo corporal) dos personagens, podemos concluir que Hitler
tem um posicionamento autoritário (os detalhes do apoio na mesa e da mão no quadril
denunciam) e um rosto “fechado”, nitidamente nervoso. Ao mesmo tempo o ministro inglês
está em uma posição submissa, na qual sua face demonstra um tato excessivo no trato com
o líder alemão, beirando ao medo. O detalhe das duas bombas colocadas sobre a mesa
alerta para o perigo de um conflito armado eclodir na Europa graças às reivindicações do
Führer. Da mesma forma, um mapa africano na parede remonta ao imperialismo do século
XIX, quando a Alemanha reivindicou territórios no continente para sustentar sua economia
industrial em constante desenvolvimento24.
A conclusão da análise do desenho pode ser feita com o título da charge: “E
agora?”. A pergunta é feita para Chamberlain, que deve tomar uma posição após a
reivindicação e a resposta de Hitler. Seria o momento da eclosão de uma nova guerra ou o
líder inglês se curvaria novamente aos caprichos do Führer? E agora?
A resposta à pergunta, obviamente, é a continuidade da política inglesa de ceder às
reivindicações alemãs. A atitude corrente do primeiro-ministro Chamberlain de evitar a
qualquer custo uma nova guerra na Europa reflete os traumas que o povo inglês havia
24 Para maiores informações acerca do Imperialismo e da conjuntura da época, consultar
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
32
adquirido com os horrores do conflito de 1914. Fora uma geração inteira que, apesar da
vitória, foi fortemente abalada, tanto física quanto psicologicamente. Justificam-se assim as
ações de Chamberlain, que só encontraram seu fim quando das manifestações alemãs
buscando incorporar o corredor de Danzig ao Reich.
O caminho que as relações diplomáticas percorreram antes de chegar a tal ponto
renderam a Belmonte uma das alegorias mais utilizadas por ele neste período: a do guarda-
chuva de Chamberlain. Tal alegoria trazia implícita a idéia da fuga da luta, ou seja, sempre
que um personagem surgia em cena segurando um guarda-chuva, a verdadeira mensagem
era de que ele estava buscando, de qualquer forma, escapar da guerra. Durante as
negociações anglo-alemãs referentes à fronteira da Alemanha, tal alegoria era
constantemente evocada; em charge publicada em 15 de maio de 1939, Chamberlain é
retratado observando um cartaz que anunciava uma luta de boxe. O panfleto mostra um
lutador nocauteando seu oponente. Segurando seu guarda-chuva, o primeiro-ministro
pensa: “Assim é que eu devia fazer! Mas o diabo é este guarda-chuva, que me atrapalha.”.
Da mesma forma, enquanto Hitler busca a promoção do Pacto Nazi-soviético, é
retratado com um guarda-chuva a tira-colo. Em desenho de 25 de agosto de 1939, Belmonte
satiriza a luta entre alemães e ingleses pelo apoio da União Soviética, porém, dando-nos a
idéia de que os nazistas estavam muito mais próximos de um acordo com esta que seus
opositores. O desenho mostra Hitler guiando um carro muito veloz, segurando o guarda-
chuva, e seguindo uma placa que indica o caminho da URSS. No caminho, ultrapassa
Chamberlain, que se dirige também para a União Soviética, mas ao contrário do Führer,
guia um burrico.
33
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 16 set. 1939. In: Caricatura dos Tempos.
Hitler, é claro, “chega” antes do primeiro-ministro inglês à URSS e promove o
pacto com o país. O desenho acima denuncia as condições do acordo: Stalin diz ao líder
alemão: “Eu vou comer estes coelhinhos, mas não dispenso a metade daquele outro”. Os
“coelhos” que estão à frente do líder soviético respondem pelos nomes de Ucrânia,
Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Bessarábia. O outro coelho, que está, já morto, atrás
de Hitler, refere-se à Polônia. O Führer tem um olhar descontente, mas, como todo
portador do guarda-chuva, acaba cedendo aos pedidos do líder comunista. Alguns detalhes
da charge chamam a atenção do leitor, como o revólver que Stalin segura longe da visão de
Hitler. Tal detalhe revela o pensamento do autor, que julgava as intenções soviéticas
escusas, prevendo uma possível traição por parte do Exército Vermelho. Outro detalhe
interessante é o primeiro-ministro inglês chegando atrasado no horizonte, confirmando a
projeção que Belmonte fizera cerca de 20 dias antes.
A síntese natural das duas charges anteriores é o desenho abaixo, que põe em dúvida
a validade e a durabilidade do Pacto Nazi-soviético. De um lado, o bolchevique Stalin, tido
pelo desenhista como traiçoeiro no desenho de 16 de setembro de 1939, e do outro Hitler,
caracterizado como desonesto, em 13 de dezembro de 1938.
34
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 22 set. 1939. In: Caricatura dos Tempos.
O desenho ilustra um encontro fictício entre os dois personagens no qual satirizam
as opiniões que eram publicadas nos diários que diziam não ter futuro o pacto por não se
poder saber as intenções dos dois líderes políticos. Assim, na charge, Hitler diz, em tom de
deboche, para Stalin: “Boa piada! Ninguém conhece nossas intenções, hein?” Ao que o
líder soviético responde, às risadas: “É verdade! nem nós...” Os detalhes da charge ficam
por conta das adagas que ambos escondem às costas, sugerindo que um ataque, de qualquer
um dos lados, viria cedo ou tarde, graças às diferenças gritantes existentes tanto nas
ideologias seguidas por ambos quanto nas pregações feitas pelos líderes tempos antes de
celebrarem o acordo.
A visão de Belmonte diante dos fatos e suas conclusões sobre a figura de Hitler já
eram explicitadas em seus desenhos de 1939 e anteriores. Já existia a convicção de que o
Führer, assim como os demais líderes fascistas – incluindo-se aqui, talvez, Getúlio Vargas
– não era digno de confiança. Assim, ainda antes da guerra, o humor já era utilizado pela
35
mídia, de forma sublimar, na influência da opinião pública a respeito do Nacional-
Socialismo e seu líder.
No período que compreende os anos de 1939 a 1942, ou seja, quando a Segunda
Guerra Mundial já havia sido irrompida, mas o Brasil ainda não tomara posição no conflito,
as críticas de Belmonte continuaram a ser feitas de forma indireta, porém, pouco a pouco
tomaram mais consistência e passaram a ter um posicionamento mais claro e definido
diante dos acontecimentos.
Neste período, por exemplo, podemos observar a constante referência à batalha
travada entre Inglaterra e Alemanha25. Iniciado em maio de 1940, o conflito entre as duas
potências foi considerado por muitos historiadores como o ponto decisivo da guerra. A
resistência inglesa teria, segundo estes pesquisadores, obrigado Hitler a abrir uma segunda
frente de batalha contra a URSS e, desta forma, determinado a sua derrota, que seria
sacramentada cinco anos mais tarde.
Fonte: BELMONTE. Música Maestro. São Paulo: Folha da Noite, 1940.
25 Sobre a guerra entre Alemanha e Inglaterra, ver LUKACS, John. O Duelo Churchill x Hitler – 80
dias cruciais para a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
36
Na charge acima, veiculada no dia 24 de julho de 1940, Belmonte utiliza-se da sua
tática mais prolífera: a transposição de um fato ou contexto internacional para uma situação
cotidiana e comum ao leitor, que pode melhor compreender o objetivo do desenho. No
caso, uma partida de futebol entre Hitler e Churchill representa a intrincada guerra que
Alemanha e Inglaterra travavam naquele momento. A dificuldade que os alemães
enfrentaram na tentativa de invasão da ilha britânica tem como alegoria a dificuldade que o
Führer tem em marcar um gol. Não por acaso, na trave superior da meta defendida pelo
primeiro-ministro inglês está escrito “Britânia Futebol Clube” e tinha dimensões muito
menores do que as esperadas.
Hitler então demonstra sua surpresa com o inusitado fato e exclama: “Diabo! Como
é que se poderá marcar um “goal” naquele “gólsinho”!!!”. Aliado ao semblante incrédulo
do líder alemão, podemos observar a tranqüilidade esboçada por Churchill no seu rosto e na
sua pose, escorado junto à trave e de mãos à cintura, como se a vitória já estivesse
garantida. Na arquibancada, vários torcedores assistem ao “jogo”. A expressão corporal de
tais observadores, sentados, de mãos cerradas e apreensivos, dão-nos a impressão de que
desejam que o Führer perca a penalidade, ou seja, que a invasão alemã à Inglaterra
fracasse. Apenas um torcedor, entre todos, parece torcer pelo acerto do cobrador da
penalidade ficando em pé e agitando os braços. O desejo da maioria da “torcida” pode ser a
mesma de Belmonte, que, apesar de “torcer” pelos ingleses, tinha de conviver com opiniões
divergentes, que apoiavam a vitória alemã no conflito.
Referente ao mesmo conflito, travado entre Inglaterra e Alemanha, Belmonte faz
referência ao lado belicoso de Hitler, numa charge que podemos considerar uma pioneira
entre muitas outras que fariam críticas diretas e agudas em relação ao líder alemão e sua
ideologia. Neste desenho, datado de 09 de agosto de 1940 e publicado na Folha da Noite, o
Führer é retratado como maior fomentador do conflito, acusado de alimentar a morte
através de uma grande carnificina, mantida através dos vários bombardeios aéreos que
atingiram o território britânico.
37
Fonte: BELMONTE. Música Maestro. São Paulo: Folha da Noite, 1940.
O título do desenho, “No Restaurante ‘Ao Relâmpago’”, é uma referência direta à
Blitzkrieg promovida pelos alemães principalmente no início do conflito mundial. Hitler
como chef do restaurante, atende aos pedidos da Morte, que exige que seu pedido seja
atendido rapidamente: “Então, como é? Essa comida vem ou não vem?!”. No menu do dia,
escrito no quadro abaixo da janela da cozinha, encontramos prato não usuais, como
“consome de Bombas, Filet de Granadas, Salada de dinamite à Krupp Stukas e
Paraquédas, RAF em churrasco, Gazes e micróbios, Whisky fervendo, Guarda-chuva
torrado, etc, etc etc, surprezas.”.
Os pratos servidos no restaurante “Ao Relâmpago” trazem nomes de armamentos
utilizados durante a guerra, como bombas e granadas, e de divisões das forças armadas
alemãs, como os pára-quedistas e os Krupp Stukas. Há ainda a referência ao guarda-chuva
de Chamberlain, que no restaurante é servido torrado. Desta forma, Belmonte coloca a
impossibilidade de paz naquele momento e a guerra como o fracasso definitivo das
negociações diplomáticas que visavam a paz, promovidas pelo ex-primeiro-ministro inglês.
A partir de 1942, com o ingresso brasileiro no conflito, as charges passam a ser
muito mais claras e contundentes nas críticas ao Nacional-socialismo. O rompimento de
38
relações e a declaração de guerra do Brasil para com os países do Eixo se dão em agosto
deste ano e já em novembro pode-se perceber as observações criticamente efetuadas nos
desenhos de Belmonte.
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 11 nov. 1942. In: Caricatura dos Tempos.
A força do discurso de Hitler é discutida na charge acima. O ímpeto com que o
Führer fazia seus discursos no período pré-guerra e no início do conflito é demonstrado no
primeiro desenho, onde o semblante do líder alemão demonstra força e autoridade. O
entusiasmo do povo alemão e dos partidários nazistas é representado pelo Comandante-em-
chefe da Luftwaffe Hermann Goering, que observa a fala do Führer com expressão ávida e
39
motivada. A bandeira do NSDAP, que aparece inflada e posicionada ao fundo, representa a
ideologia nazi-fascista que estava em ascendência naquele momento histórico.
Já no segundo quadro, o “grande discursador”, como se refere o título do desenho
ao líder nazista, aparece fatigado e despenteado, apresentando sinais claros de desgaste. O
ímpeto inicial de sua fala já não mais existe e sua platéia já não se emociona mais com suas
palavras, ao contrário, parece entediada com elas. Mesmo a bandeira nazista, antes vistosa,
aparece agora murchando e sem destaque. É o início da derrocada de Hitler, que é melhor
representado no desenho seguinte.
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 04 dez. 1942. In: Caricatura dos Tempos.
O título da charge acima, “Crepúsculo”, indica a derrocada do exército nazista no
front oriental, no momento que a batalha de Stalingrado26 já se arrastava por dois meses e
dava provas de que as tropas alemãs não eram invencíveis, como até então se acreditava.
26 Mais sobre a batalha de Stalingrado, verificar BEEVOR, Antony. Stalingrado – o cerco fatal. Rio
de Janeiro: Record, 2002; e PIEKALKIEWICZ, Janus. Stalingrad - Anatomie einer Schlacht. Südwest: München, 1982.
40
Belmonte, porém, aponta para uma tendência que só seria comprovada cerca de três meses
mais tarde, quando a batalha acima citada é encerrada com a vitória soviética. A síntese da
idéia acerca da posição de Hitler e da Alemanha naquele momento neste desenho
demonstra a criatividade do autor, ao trazer como alegoria à opulência anterior do Reich a
figura do sol, que, como sempre, tem que se pôr. A queda prenunciada do regime nazista
fica assim simbolicamente retratada num pôr-do-sol, um sol que traz a face triste de Hitler,
que já pressente seu fim.
Na guerra, outra característica presente nas charges é a ridicularização do inimigo a
fim de, através do riso, colocá-lo em posição inferior, conforme pudemos discutir no
capítulo 2 desta dissertação. Tal especificidade não fugiu à obra de Belmonte. Ainda em
fins de 1942, quando já se percebia a derrocada nazista, um desenho faz alusão à bizarra
lógica nazista:
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 26 dez. 1942. In: Caricatura dos Tempos.
41
A charge satiriza a paranóia com o poder judaico que a alta cúpula nazista
encarnava desde suas campanhas pelo poder, ainda na década de 20, e que acabou
solidificando-se como uma das linhas mestras no pensamento nazista na formulação da
teoria da “Facada pelas Costas”27. Tal teoria evoca a frustração alemã da derrota na
Primeira Guerra Mundial e incute nos judeus a responsabilidade por ela, supondo que a
retirada de circulação de capitais oriundos de empresas pertencentes a judeus em solo
alemão seria a principal causa do colapso da economia e, conseqüentemente, do Exército
daquele país.
Tal teoria é novamente evocada neste momento da guerra, quando novamente os
soldados alemães passam a sofrer fragorosas derrotas. Satirizando esta “neurose” alemã,
Belmonte coloca Hitler acusando um rabino ancião de ser o culpado pela situação em que
seu país e seus exércitos se encontravam. “É êle! Êle é que está derrotando as nossas
tropas!” diz o Führer, apontando para o judeu prisioneiro. A dinâmica do chiste deste
desenho aponta para a zombaria de Hitler e de suas idéias, pois o nonsense causado pelo
pensamento de que um velho possa derrotar um exército de centenas de milhares de
soldados exaustivamente treinados se mostra ridícula. A transposição do ridículo desta idéia
para a figura do líder alemão e de todos os demais pensamentos que são por ele apregoados
se dá de forma instantânea no inconsciente individual, levando o leitor ao menosprezo pelo
personagem em questão. Desta forma, a charge alcança seu intento, qual seja, o de levar o
público a uma posição antagônica à do Führer.
Outras estratégias para chegar a este efeito são utilizadas pelo chargista paulista.
Uma das principais é a demonstração da incoerência existente entre o discurso e a prática
nazista. Fator facilmente utilizado, pois a incoerência parece ter guiado vários aspectos da
política externa alemã, principalmente no caso das relações com a URSS, que fora de
ataques inflamados ao Comunismo e ao Socialismo nos anos de ascensão, passando por um
tratado de não-agressão que possibilitou o início da Segunda Guerra e retornando aos
ataques inflamados quando da invasão alemã ao território soviético, na conhecida operação
Barbarossa.
27 Mais sobre a teoria da “Facada pelas Costas” e demais pensamentos raciais formulados pelos
nazistas, ver GOODSPEED, D. J. Ludendorff. Rio de Janeiro: Bibliex, 1968; e POLIAKOV, Leon. O Mito Ariano. São Paulo: Perspectiva, 1974.
42
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 20 fev. 1943. In: Caricatura dos Tempos.
Na charge acima encontramos um exemplo para o que acabamos de escrever. Na
legenda do desenho observamos uma frase proferida por Goebbels, Ministro da Propaganda
do Reich, relacionado à posição alemã relativa à URSS. “O povo compreende agora por
que adotamos o ‘slogan’:”Lutar contra o bolchevismo”!”, disse o ministro no início de
1943. A zombaria vem da argumentação de Juca Pato, que assiste ao discurso: “Que é isso,
doutor? O senhor anda com a memória muito fraca!”. Na corroboração da fala de Juca, o
leitor encontra um grande retrato, colocado como pano de fundo da manifestação, no qual
Hitler é mostrado apertando a mão de Stalin, tendo o quadro como legenda “Acordo teuto-
russo: 24-8-1939”. Apontando-se, assim, a incoerência das ações nazistas, mina-se também
a confiança e o respeito do leitor pelos “camisas-pardas”.
Em meados do ano de 1944, já estava claro o destino do conflito. Surgem então, a
partir dos traços de Belmonte, charges que mostram um destino apocalíptico para os
alemães e seus líderes, um destino que, naquele momento, já estava próximo.
43
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 18 abr. 1944. In: Caricatura dos Tempos.
Fonte: BELMONTE. Folha da Noite, 27 jan. 1945. In: Caricatura dos Tempos.
44
As duas charges acima são exemplos desta “fase sombria” das charges de Belmonte,
situada no final da guerra. A primeira mostra uma cena baseada na Divina Comédia, de
Dante Alighieri. Nela, Heinrich Himmler, Reichführer da SS (Schutzstaffel), organização de
elite que, entre outros, era responsável pelos campos de concentração, aparece carregando
vários esqueletos enquanto caminha pelo Inferno. O líder nazista profere: “Eu? Eu fui o
verdugo da Gestapo”. Duas questões pertinentes são levantadas no desenho: a primeira se
refere à culpa da guerra. Belmonte exime o povo alemão da culpa, que é atribuída apenas
aos líderes nazistas, entre eles, Himmler. A segunda, através da representação do Inferno, o
autor coloca a seriedade da situação alemã naquele momento, em abril de 1944. O caos e a
desesperança reinariam no solo germânico, prenunciando o fim que chegaria um ano
depois.
O segundo desenho tem como alegoria o texto bíblico referente a Caim e Abel,
filhos de Adão e Eva. Segundo a narrativa, Caim teria matado seu irmão por inveja da
relação deste com Deus, cometendo assim o primeiro assassinato do mundo desde a
Criação. No desenho de Belmonte, Hitler é representado como Caim, porém, ao invés do
assassinato de um único irmão, o Führer é acusado de levar à morte milhares de irmãos, ou
seja, de assassinar milhares de alemães na guerra por ele provocada. Tal como na Bíblia,
Deus aponta para o Caim moderno e pergunta: “Que fizeste dos teus irmãos?”.
Ao final do mês de abril de 1945, a Alemanha nazista assina a rendição, colocando
um ponto final no front ocidental da Segunda Guerra Mundial. Pudemos constatar, nas
análises acima, a forma com que o chargista paulista delineia o discurso em seus desenhos,
utilizando para tanto algumas das técnicas de chiste descritas por Freud, como o cinismo, o
nonsense e a alusão. Na crítica ao contra-senso das decisões tomadas pelos líderes nazistas
e das posições que sustentavam referentes aos mais variados assuntos, encontramos a chave
para o pensamento de Belmonte, para a linha editorial de seu jornal e para a opinião
formada por seus leitores.
45
4) CHICHORRO – A CHARGE PARANAENSE E O CONFLITO MUNDIAL:
Alceu Chichorro, alvo deste capítulo, marcou profundamente a sociedade
paranaense, em especial a curitibana, entre as décadas de 1920 e 1970. Suas ações são
pioneiras e destacadas em vários ramos sociais, como na poesia, no jornalismo e no
desenho humorístico.
Nascido em 21 de junho de 1896, Alceu foi uma criança precoce, aprendendo a ler e
escrever com sua mãe e ingressando já alfabetizado no Colégio Santa Júlia. Prossegue seus
estudos em outros estabelecimentos, dentre os quais se destacam a Escola Americana e o
Ginásio Curitibano. Sua veia artística é marcante nesta trajetória, de modo que, ao terminar
os estudos ginasiais, procura orientação nesta área. Encontra-a na Escola de Aprendizes e
Artífices do Paraná, onde estuda escultura, e com Andersen, que lhe ministra aulas de
desenho.
Sua vida profissional é iniciada aos dezessete anos, em 1913, quando começa a
trabalhar no diário A Tribuna. Neste jornal, inicia uma frutífera carreira de jornalista e de
fotógrafo. Em 1916, no decorrer do primeiro conflito mundial, a faceta artística pela qual
Chichorro seria conhecido é revelada nas páginas do diário: uma charge do autor é
publicada, fazendo referência à abdicação do czar russo. No desenho, “o nosso humorista
caricaturiza o Kaiser com o queixo dentro de um copo de chope e a seguinte legenda:
vendo as barbas do vizinho arder, pôs as suas barbas de molho. Um sucesso a charge,
reproduzida até num jornal londrino”28. Sucesso que também rendeu a publicação diária
dos desenhos de Chichorro a partir do ano seguinte, quando as charges passam a ser
assinadas com o pseudônimo que lhe acompanharia até a morte: Eloy.
No mesmo ano, entretanto, A Tribuna fecha suas portas, levando Alceu a migrar
para o diário Comércio do Paraná, onde ficou até 1919. O itinerário de Chichorro pelos
jornais curitibanos continua, passando pelos diários O Paraná (1919), Diário da tarde
(1920), Gazeta do Povo (1923) e O Dia (1926). Este último é o berço do principal
personagem do autor, o Chico Fumaça, presença constante das charges de Eloy e peça
primordial na análise dos desenhos de Alceu, análise que será efetuada nas próximas
páginas.
28 BÓIA. Wilson. Alceu Chichorro. Curitiba: Secretaria da Cultura, 1998. p. 18.
46
4.1) Características do Traço de Chichorro:
Fonte: ELOY. O Dia. 23 mai. 1926. Curitiba. In Alceu Chichorro.
No desenho acima, podemos observar a estréia de Chico Fumaça nos jornais
curitibanos. Na legenda29, a história do nascimento de Fumaça, na qual o autor coloca a
própria situação de oprimido pela sociedade e pelas ações governamentais, transpondo-a
assim para seu novo “calunga”. Seria a partir de então, Chico Fumaça o exteriorizador das
opiniões de Chichorro e do Jornal o Dia. A exemplo do Juca Pato, analisado no capítulo
anterior, Fumaça representa também as aspirações e as frustrações da classe média urbana,
no caso, a curitibana, quando leva um problema municipal, nacional ou mundial ao debate
público.
Chico Fumaça se tornaria o principal personagem de Chichorro30. Comparecerá
29 “Depois de tão rudes golpes que soffrera Eloy, entrou hontem em seu “attelier”. Lá estavam os
seus bonecos riscados do scenario da vida. Eloy pensou como o arlequim Dominico – Castigat ridendo mores, e rabiscou um novo boneco. Apromptou-o convenientemente, mandou-o para a rua lêr jornaes e tratar da vida nesta macacolandia... Elle, porem, em chegando proximo a um canno d´agua teve uma idéia. Amassou os jornaes e metteu-os pelo cano, riscando um phosphoro. E quando viu que o fôgo irrompera, poz-se a correr assustado, medroso, emquanto a cidade alarmada baptisava-o: - Chico - Fumaça! – Chico – Fumaça! – Pega o Fumaça! Elle já ia longe, quando o capitão Scheriffe, do Corpo de Bombeiros segurou-o e fincou o cacêtête na cabeça. E assim, Chico Fumaça nasceu... levando na cabeça!”
30 O autor ainda criaria outros, como Tancredo, Minervino, e alguns que contracenariam com Fumaça, como Dona Marcolina e Totó, seu fiel cachorro de estimação.
47
com freqüência nas charges de Eloy no O Dia, tendo como arma principal o humor em
suas lutas contra o descaso governamental ou na simples exposição de um fato marcante na
sociedade curitibana. Servirá ainda como garoto-propaganda em vários momentos,
alardeando promoções ou novidades das principais casas comerciais que patrocinavam seu
jornal.
Fonte: ELOY. O Dia. 25 jun. 1939.
No desenho acima encontramos um exemplo desta utilização de charges com fins
propagandísticos. Nele, Fumaça exorta seus conterrâneos31 a se dirigirem a uma casa
comercial curitibana para comprarem seus produtos. É o uso de um produto da Indústria
Cultural (as charges de Fumaça, veiculadas no Jornal O Dia) com propósitos, não
ideológicos ou políticos, mas sim, comerciais. Da mesma forma, a dinâmica do prazer do
riso32, causado não apenas pela presença do personagem, mas também por sua fala, que faz
alusão à dinâmica política na Europa, causa no leitor a simpatia pela casa comercial em
31 “Vamos pessoal! Si esfriar o fogo na guerra na Europa, certamente aqui também vão esfriar e
precisaremos nos esconder nas trincheiras de lãs e fianeiros do Louvre que resistem a todas as temperaturas de inverno.”
32 FREUD, Sigmund. O chiste e sua relação com o Inconsciente. São Paulo: Imago, 1976.
48
questão. Trata-se, portanto, de uma eficiente forma de propagandear o produto, no caso,
cortes de tecido e roupas.
A utilização do “calunga” em propagandas comerciais demonstra o prestígio que
este já gozava na sociedade curitibana ainda antes da Segunda Guerra. Sua presença nas
tiras é constante, sendo sempre um observador das ações dos políticos e por vezes
contracenando com os mesmos.
Característica interessante dos desenhos de Chichorro é a inconstância nas
caricaturas dos retratados. Ao contrário das charges de Belmonte, que vimos no capítulo
anterior, as feições e os traços permanentes dos caricaturados mudam constantemente, o
que acaba por não proporcionar ao leitor uma aproximação com eles, diferentemente de
Fumaça, que sempre com seu chapéu coco, bigode quadrado e barriga proeminente,
transmite confiança e familiaridade. Nas caricaturas de Hitler, por exemplo, o nariz, os
olhos e o formato do rosto são metamorfoseados durante o período que é retratado, ato que,
pensamos nós, não podemos julgar ser consciente ou não.
Não se trata, entretanto, de falta de aptidão artística do autor, visto que suas
qualidades nesta área são comprovadamente reconhecidas. Talvez a pressa e os afazeres de
Alceu Chichorro não lhe disponibilizassem o tempo necessário para que as caricaturas
fossem constantes e, novamente em comparação com os traços de Belmonte, criassem uma
aura própria, ou seja, que dessem a impressão nos leitores de se tratarem de personagens do
próprio artista. Esta característica, entretanto, lega aos desenhos do chargista paranaense
uma distância dos caricaturados, legando às falas e às ações de Fumaça a verdadeira “aura”
da charge, transferindo, em grande parte dos desenhos, o papel de protagonista a seu
personagem, não aos atores do cenário político do período.
Algumas situações são recorrentes nas charges de Chichorro. Uma delas é a
formação de uma “marchinha” de carnaval, na qual os integrantes são os protagonistas das
manchetes do jornal. Assim, em um só desenho, vários aspectos do contexto retratado são
abordados pelas rimas proferidas pelos “foliões”. Chico Fumaça, é claro, também é
presença certa no “baile”, e em suas palavras verificamos a síntese do pensamento do autor,
a opinião colocada após a apresentação das quadras satíricas creditadas aos outros
personagens que participam da charge.
49
Fonte: ELOY. O Dia. Sem data. In Alceu Chichorro.
No desenho acima, dividido em duas partes a fim de obtermos uma melhor
visualização, estão representados, pela ordem, Getúlio Vargas, que estava deixando o
governo brasileiro e promovia as primeiras eleições presidenciais em quinze anos, uma
foliona que carrega uma cobra, com a palavra “Democracia” inscrita, o Tio Sam,
50
representante maior no imaginário coletivo dos EUA, carregando uma bomba atômica, uma
coreana fortemente armada, Stalin, e os candidatos à presidência nas eleições de 1945
Eduardo Gomes e Gaspar Dutra, além de Fumaça, Dona Marcolina e Totó.
Com uma legenda33 compassada, o desenho abrange vários aspectos do contexto
nacional e internacional já no fim do ano de 1945. Nas duas primeiras estrofes, a retirada de
Getúlio do poder e o movimento queremista são enfocadas. A possibilidade de Vargas dar
continuidade a seu governo é colocada na frase “Vamos por conta do atôa que esta terra é
do barulho”. A foliona que segue o ditador reconhece a habilidade do governante para
joguetes políticos – “malandragem há de sobra” – mas também adverte para a volta da
Democracia, a cobra que pode “morder Gegê”. A política nacional volta a ser motivo de
reflexão nas sexta e sétima estrofes, nas quis são representados os dois candidatos
presidenciáveis. Aqui Chichorro lega a Eduardo Gomes um suposto favoritismo (que pode
ser observado também na pose do candidato) sobre Dutra, quando o primeiro “canta”:
“Esta baiana ao meu lado, sabe que o meu santo é forte...” enquanto o segundo, delatando
um desconforto quanto à situação, reclama do jogo político: “agora essa fuzarca
destemperou o meu passo.”
O âmbito internacional é contemplado na charge pelas figuras do Tio Sam,
de uma coreana e de Stalin. O primeiro, dançando com um pacote de dinheiro e uma bomba
às mãos, ameaça: “si houver fecha entro com minha maromba.. (...) Tenho o dólar, tenho a
bomba!” A advertência já é reflexo da Guerra Fria que era delineada com o final da
Segunda Guerra. Na quinta estrofe é apresentado Stalin, o “malandro sarado do cordão
Foice e Martelo”. Sua roupa, típica da “malandragem brasileira”, faz referência às
33 “Recomeça a farra boa. Sou do povo, é meu orgulho. Vamos por conta do atôa que esta terra é do
barulho. Malandragem há de sobra. Já não há quem não concorde. Seu Gegê – olha esta cobra, feche o
corpo que ela morde... Vou na onda, si houver fecha entro com minha maromba. Teço a trama, mando a mecha... Tenho o
dólar, tenho a bomba! Coréia quer dizer – dansa. Coréia quer dizer – samba. Para o meu lado quem avança deve ser afoito
e bamba. Eis o malandro sarado, do cordão Foice e Martelo. Um vermelho camuflado no pagode do amarelo. Marujo, tenho viajado pelejei de sul a norte. Esta baiana ao meu lado, sabe que o meu santo é
forte... Eu dansei conforme a marca, nunca fugi ao compasso. Mas agora essa fuzarca destemperou o meu
passo. Rasga a saia Marcolina que este mundo é sempre o mesmo. Pegar fogo é a nossa sina. Temos que
virar torresmo.”
51
manobras políticas do líder soviético no pós-guerra, assegurando grande parte da Europa e
da Ásia para sua zona de influência. A segunda metade da quadra coloca ao leitor o grande
problema que era colocado na “divisão do mundo”: a Coréia. O país, representado na quarta
estrofe, fora dividido em 1945 após o conflito mundial conforme o estabelecido na
Conferência de Potsdam. Separado na altura da linha 38 de latitude norte, o país foi legado,
a metade norte para a URSS e a parte ao sul para os EUA. O autor consegue vislumbrar os
problemas que uma zona tão diminuta, separada por duas formas tão distintas de governo e
de ideologia, inserida na dinâmica da Guerra Fria, poderia causar. O caráter beligerante da
natureza da situação é retratado pela figura da coreana, que leva consigo um rifle,
convenientemente apontado para Stalin, e um revólver, que mira na direção do Tio Sam.
Porém, o ponto principal das charges de Chichorro é mesmo a presença de Chico
Fumaça. Posicionado no fundo da fila, o personagem canta a síntese de toda a conjuntura
retratada no desenho, ou seja, como a população se enquadra na situação. O resultado não
poderia ser outro: “Rasga a saia Marcolina que este mundo é sempre o mesmo. Pegar fogo
é a nossa sina. Temos que virar torresmo”. A frase esboça claramente a frustração da
classe média: sai governo, entra governo; começa guerra, finda guerra, para ela a situação
não muda: acaba sempre “pegando fogo”.
Sob essas características gerais é que versam as charges de Alceu Chichorro no
jornal “O Dia”. Veremos a partir do próximo item deste capítulo de que forma o Nacional-
socialismo e seus líderes eram caracterizados pela pena do desenhista paranaense e como
Chico Fumaça via-os e “interagia” com os mesmos.
4.2) O Desenho de Chichorro e a Guerra:
Ao atentarmos para as charges produzidas por Chichorro que fazem referências ao
regime nacional-socialista, podemos observar dois momentos distintos: no primeiro, que
compreende o período entre os anos de 1933, data de ascensão de Hitler ao cargo de
chanceler, e 1942, ano da entrada do Brasil no conflito, a visão daqueles elementos é
bastante branda. A origem de tal amenidade no trato do assunto tem várias possibilidades,
que vão desde uma orientação editorial voltada ao público curitibano, que tinha visões
otimistas acerca do regime alemão, até uma possível simpatia velada do autor para com a
52
ideologia nazista. As razões para este comportamento de seus desenhos, entretanto, não
passam de conjecturas. Contudo, retornaremos ao assunto na conclusão deste trabalho.
O segundo momento que podemos visualizar é iniciado no ano de 1942, quando o
Brasil ingressa no conflito junto aos Aliados. A partir de então, como era de se esperar, os
desenhos passam a criticar e satirizar o regime de Adolf Hitler e suas ações. Interessante
nesta fase de Chichorro é a sutileza das críticas, não lançando mão do horrendo em suas
charges, mas se utilizando sim de um humor sadio, que beira à inocência.
Fonte: ELOY. O Dia. 15 jan. 1943.
Na charge acima, produzida no ano de 1943, já situada, portanto, na segunda fase de
Chichorro, podemos visualizar o humor singelo do autor. Baseada em notícia de diários
estrangeiros, no caso, de Estocolmo, que noticiavam que “o estado de saúde de Hitler é
precário. A conselho médico, o füehrer (sic.) está usando óculos pretos”, a charge mostra
53
um Hitler de postura autoritária, demonstrando deter (ou com a ilusão de deter) o poder
sobre a África34. A situação é denunciada, além pela pose do líder alemão, pela placa que
no plano superior do desenho aponta para o continente africano. A ilusão do domínio do
continente negro é causada pelo uso dos óculos escuros, que, como o título da charge
proclama, causa uma “ilusão ensombrada” à vista do Führer.
O complemento do desenho é feito pelo diálogo travado entre Chico Fumaça e dona
Marcolina, que observam Hitler: “ – Mas porque (sic.) os óculo pretos, Fumaça? – É para
ter uma ilusão da conquista da.... África!...”. Aqui, Fumaça cumpre seu papel de
observador e de humorista, ao satirizar a atitude do ditador e, de forma indireta, sua
ambição de conquistar aquela região.
Como tantos outros intelectuais e analistas do período, Alceu previu que o
intrincado jogo diplomático que era travado na Europa iria desembocar em um novo
conflito armado. Já no início do ano de 1939, ano de eclosão da guerra, é publicada uma
charge em O Dia na qual Chico Fumaça visualiza a “mudança de tempo”:
Fonte: ELOY. O Dia. 11 fev. 1939.
34 Mais sobre a campanha alemã na África, ver MITCHAM, Samuel. Rommel´s Desert War: The life and death of the África Korps. New York: Book Sales, 1987.
54
Abaixo do título, “Vem Tempestade”, pode-se observar a previsão de Chichorro: “A
situação política européia parece cada vez mais complicada, prevendo-se novas
surprezas”. A imagem mostra Chico Fumaça preocupado, junto de seu cachorro Totó,
contemplando a paisagem que denuncia a formação do temporal. Na fala de Fumaça35,
podemos constatar a utilização da analogia do guarda-chuva, já comentada no capítulo
anterior. Aqui, porém, o personagem pensa em ele próprio pedir o utensílio para o
primeiro-ministro inglês, visto que ele não mais precisará dele em breve.
Esta seria uma das primeiras situações em que Fumaça se depara com a realidade da
guerra. A partir de então, entre seus interlocutores, surgem as figuras de Adolf Hitler,
Benito Mussolini e Joseph Stalin. Desta forma, o personagem de Chichorro passa a fazer
parte do cotidiano destes líderes e, assim, a transmitir para o leitor de maneira mais
próxima suas observações e as opiniões de seu criador.
No mesmo ano de 1939, a complicada questão das reivindicações da região de
Danzig pelos alemães é tema de várias charges de Eloy.
Fonte: ELOY. O Dia. 20 mai. 1939.
35 A tempestade está se armando... Vou ver si o sr. Chamberlain me empresta o guarda-chuva.
55
Fonte: ELOY. O Dia. 26 mai. 1939.
As duas charges por nós escolhidas para ilustrar este momento trazem interessantes
posicionamentos do autor e de seu personagem. Na primeira, datada de 20 de maio de 1939,
Chico Fumaça observa, incógnito, Hitler com uma indumentária que lhe caracteriza como
um verdadeiro chef de cusine, preparando uma mistura, que já está “fervendo”, e que leva o
nome de Dantzig. Acima do desenho, podemos ler a esperança de que os jornais
divulgavam de que a questão se resolvesse ainda naquele mês. Diante desta afirmação, o
artista reconhece as vitórias do Führer no campo diplomático nas questões da
Tchecoslováquia e da Áustria e prevê uma futura vitória do líder alemão neste novo intento,
quando Fumaça reconhece que “o homem, pelo que se vê, tem jeito para preparar as
comidas”.
Menos de uma semana depois, Chichorro satiriza as pretensões de Hitler de
dominação. Ao contrário da anterior, na qual Hitler é representado como um cozinheiro
experiente, esboçando, talvez, alguma admiração pela forma com que conduzia as
negociações diplomáticas, desta feita um diálogo travado entre o líder alemão e Fumaça
acusa uma teimosia infantil em suas pretensões. No diálogo, podemos ler: “ – Quero
porque quero, Fumaça! E hei de conseguir tudo para fazer da Alemanha o maior país do
56
mundo”. Fumaça replica então com um antigo dito popular: “ – Bobagem seu Hitler. .. do
mundo nada se leva!...”.
Esta interessante aparente dicotomia apresentada em um curto espaço de tempo
aponta para a característica marcante de Alceu de produzir charges referentes aos mais
diversos assuntos, sempre com um humor ponderado e não ofensivo aos retratados. Na
primeira charge, um elogio ao Hitler diplomata, intrínseco ao desenho, revela uma
admiração velada. A segunda representação, produzida diante das primeiras tentativas de
acordo fracassadas, já prevê uma possível guerra no horizonte. Perante o contexto, Fumaça,
em diálogo com o Führer, tenta persuadí-lo a desistir desta reivindicação. Portanto, a
charge, além de uma crítica ao posicionamento alemão, seja talvez principalmente um
pedido pela manutenção da paz.
Com o decorrer do tempo e o fracasso das negociações, o exército alemão invade a
Polônia e dá início à Segunda Guerra Mundial. As charges de Chichorro acompanham o
processo, dando especial atenção às ações alemãs no continente europeu. Em 1940, um fato
que passaria desapercebido pela História é retratado pelo desenho de Eloy:
Fonte: ELOY. O Dia. 31 mai. 1940.
57
Trata-se da rendição do rei da Bélgica, Leopoldo III, às tropas nazistas. Segundo os
jornais, como podemos ler na parte superior do desenho, o rei “que se entregou às forças
alemãs encontra-se numa cadeia por ele próprio escolhida”. A alegoria escolhida para
retratar a situação é um informal jogo de pôquer entre Hitler e Chico Fumaça. Nele, o
personagem de Eloy reclama: “Mas “Fuehrer”, eu ganhei a partida. Tenho três “reis”!”.
O líder alemão, entretanto, responde: “Impossível, HERR Fumaça... Onde foi você arranjar
tantos reis sem eu saber?...”. Observam a cena, além do cão Totó, Stálin, escondido atrás
da cortina à esquerda, e Mussolini, da mesma forma escondido à direita.
Detalhe interessante é a feição sarcástica de Hitler ao falar com Fumaça, a qual
delata uma sensação de superioridade para com o personagem. A ambigüidade marca
também este desenho, pois não há uma crítica ao líder nazista (nem a seus “comparsas”, no
fundo do ambiente). Em contra-partida, também não há elogios velados, donde podemos
concluir que as charges, mesmo em momentos conturbados, também podem ter como
propósito único a diversão do leitor.
Entretanto, como já pudemos colocar, 1942 é o ano do fim da neutralidade (ou da
dubiedade) não só na política externa brasileira, mas também no desenho de Chichorro. A
mudança pode ser constatada já na charge de final de ano, como observamos abaixo:
Fonte: ELOY. O Dia. 31 dez. 1942.
58
No desenho, notamos um senhor que ostenta o número 1942 presenteando um
garoto que, da mesma forma, tem o número 1943 escrito no chapéu. Trata-se, está claro, de
alegorias para o ano que estava acabado e para o que se iniciava, respectivamente. O
presente do “Ano Velho” para o “Ano Novo” é um abacaxi, também alegoria referente à
conjuntura de guerra na Europa. Ao fundo, Chico Fumaça ri da situação e da frase do
garoto para o idoso: “Para que isto, meu Velho?”. Também ao fundo, encontram-se
abraçados Hitler e Mussolini, com especial referência ao primeiro, que tem uma expressão
desolada frente à cena.
Fica evidente a intenção do autor de anunciar antecipadamente a derrota das Forças
do Eixo, bem como denunciar a apatia que se instaurava nos exércitos inimigos. O
derrotismo do líder alemão é transpassado, ao contemplar a passagem de ano, no desenho
de Chichorro. Ao abraçar Mussolini, leva consigo seus aliados para a derrota certa e
incontestável. É no detalhe dos líderes europeus que reside o agente inconsciente de
formação de opinião. Ao defrontar-se com a feição derrotista de Hitler no desenho
humorístico, o leitor tende a ver o líder alemão como “carta fora do baralho” e, assim,
recobra os ânimos para organizar e promover a vitória dos exércitos aliados, bem como o
patriotismo, pois o Brasil seria um dos agentes que levariam Hitler a tal situação.
Assim, observamos a utilização de um humor que beira à inocência, colocado na
charge a partir do gesto do “Ano Velho” em presentear seu sucessor com um abacaxi e da
frase proferida pelo “Ano Novo”, sendo utilizado para causar o prazer do riso e,
conseqüentemente, uma certa simpatia do leitor para com o desenho. Ao mesmo tempo, a
feição do líder alemão finaliza a intenção do desenho de Chichorro, conforme discutimos
no parágrafo anterior.
Na esteira deste desenho, outros vieram com o mesmo intuito e, como não poderia
deixar de ser, as marchinhas de carnaval também estiveram presentes nesta fase dos
desenhos de Eloy. Nesta modalidade das charges do autor paranaense as críticas eram
muito mais nítidas, principalmente quando expostas nas quadras compostas pelo chargista
paranaense para acompanhar o desenho. Selecionamos, para ilustrar esta faceta do desenho
humorístico de Chichorro, duas charges, as quais analisaremos a seguir:
59
Fonte: ELOY. O Dia. Sem data. In Alceu Chichorro.
Como podemos observar, a fila é conduzida por uma besta representando Marte,
deus romano da guerra, que segura um bastão e tem na cintura um facão, evidenciando seu
caráter belicista. Na quadra dedicada ao líder do cordão, Chichorro coloca a condição de
60
feroz, sedento de sangue que caracteriza a guerra. As demais quadras36 são dedicadas a
ridicularizar os líderes do Eixo, o que pode ser constatado pelas denominações que dá a
Hitler (Adolfito) e a Hiroyto (Pirolito e Papa Arroz). Com essa estratégia, o autor não
aproxima o leitor ou mesmo sua visão dos atores do cenário mundial, ao contrário, relega-
os a um plano inferior e causa o escárnio pela utilização de codinomes.
Com o passo da ridicularização do inimigo efetuado, segue o da previsão do
resultado do conflito. Para assim proceder, Chichorro se utiliza da alegoria da Paz, que
observa, consternada, os três líderes do Eixo serem levados pelo seu antagonista, Marte. A
jovem Paz é caracterizada pela roupa branca e por segurar uma pomba da mesma cor, seus
símbolos máximos. Sua fala profética, direcionada ao imperador japonês, “Na roda em que
o Eixo te pôs você perde até os pauzinhos”, vislumbra a derrota total de Alemanha, Itália e
Japão.
O terceiro elemento da charge é a explicitação da opinião do autor, transposta,
obviamente, para as figuras de seus principais personagens, Chico Fumaça e Dona
Marcolina. O primeiro, retomando o ditado popular, profere: “Quem ri por derradeiro é o
que ri sempre melhor”. Desta forma, faz alusão tanto a sua posição no “cordão de samba”
quanto ao histórico do conflito mundial, que teve início com seguidas vitórias nazistas e
terminava com uma estrondosa vitória aliada. Assim, o riso inicial dos nazistas dava lugar
ao riso vitorioso dos Aliados. Já sua tia, Dona Marcolina, é muito mais incisiva e explícita
na sua opinião. Na abertura de sua quadra, de imediato, sua posição quanto aos três líderes
representados é colocada: “Marcolina, que é da farra, torce contra esse complot.”.
Também ela, como a Paz, prevê para o trio “que o seu fim já começou”.
A constituição desta charge se mostra bastante profícua ao ser examinada, pois
pudemos perceber que, constituída de três “módulos”, o desenho carrega em si algumas das
principais características que fazem do desenho humorístico um instrumento poderoso na
36 Seus comparsas – o Adolfito, o veloz campeão (no peito?) e o imperador Pirolito vão dançando já
sem jeito... A valsa virou samba, com o barulho do batuque. E agora é na corda bamba... Papagaio! Muque é
muque. A Paz olha o Papa Arroz e diz, visando os vizinhos, - Na roda que o Eixo te pôs você perde até os
“pauzinhos”... Marcolina, que é da farra, torce contra este complot. Essa turma vai à garra, que o seu fim já
começou. O Fumaça, furzarqueiro, que é, do amor, um chefe mor, diz – Quem ri por derradeiro, é o que ri
sempre melhor...
61
constituição da opinião pública, a saber, a ridicularização do inimigo, a previsão vitoriosa e
a expressão da idéia do autor ou do veículo de comunicação a respeito do assunto.
Fonte: ELOY. O Dia. Sem data. In Alceu Chichorro.
62
A charge acima, também produzida já no final do conflito, tem como principais
agentes os líderes do Eixo e os personagens de Chichorro. Da mesma forma que a anterior,
mais que o desenho humorístico, as quadras37 “cantadas” pelos caricaturados conduzem a
intencionalidade do quadro.
Podemos observar no desenho acima que Hitler, dançando, comanda a fila do
“Rancho das Caveiras”. Na quadra, ele próprio admite a queda do Reich, a retirada das
tropas (hoje avanço em blitz para as trazeiras (sic.)) e a carnificina a que a Alemanha foi
levada ao dizer que sua dança vitoriosa “virou Rancho das Caveiras”. Segue o Führer o
ministro da propaganda nazista, Goebbels, que, também contaminado pela derrocada alemã,
reflete sobre sua queda como orador e propagandista, constatando que já não tem mais
sobre o que discursar, pois a glória já está distante.
O terceiro da fila é o comandante-em-chefe da Luftwaffe, Hermann Göering, que é
fortemente ridicularizado pelo desenhista ao trazer uma falsa esperança de vitória, baseado
em uma nova arma secreta que seria sua barriga proeminente (uma bomba de cerveja). Isso,
aliado à expressão patética e de desconsolo no semblante do aviador, denunciam o caráter
derrotista da situação alemã no desenho de Chichorro. O último alemão da lista é Heinrich
Himmler, comandante das SS, vestido no uniforme negro que caracteriza o destacamento
por ele liderado. Em sua quadra, denuncia-se uma nova condição que o líder alemão já
visualiza para o futuro: a de prisioneiro das Forças Armadas Soviéticas, condição esta tão
certa ele já treina a “continência que fará para o José (Joseph Stalin)”.
Segue os alemães o imperador Hiroito, caracterizado pelas vestimentas japonesas e
pelo codinome satírico Pirolito. Em seus versos, o líder japonês afirma que cometeu um
grande erro ao seguir os alemães, e que, pelo desenrolar dos acontecimentos, ele deverá ser
37 HITLER: Senhores – eu hoje avanço em “blitz” para as trazeiras. O Rancho “Passo de Ganso”,
virou – “Rancho das Caveiras”. GOEBELS: Já tenho medo da “glória” e o que digo não percebo. O meu farol, de oratória, tornou-se
vela de sebo... GOERING: Calma. Resta inda a esperança numa arma que nos proteja. É esta aqui – a minha pansa,
que é uma bomba... de cerveja. HIMLER: Com remorso da violência peço “louça” ao russo e até trêno já na continencia que farei
para o “José”... PIROLITO: Errei o pulo esta vez, Creio que irei a Pekin ser “comida de chinês”, com dois pausinhos
assim... FUMAÇA: O fascismo deu barréla! Deixa pessoal que eu violine agora – uma tarantéla no papo do
Mussolini. MARCOLINA: Aguenta negrada frouxa, pinga fogo no batuque. Ta chegando a hora roxa...
Papagaio... muque é muque!
63
preso pelos chineses, servindo de comida para eles. Todos os cinco líderes são
representados em posições satíricas ou que denunciem sua derrota, como é o caso de
Himmler, que apesar de ter uma espada desembainhada em uma mão, na outra segura uma
caveira.
O sexto da fila, entretanto, é desenhado em uma posição, além de satírica,
desconfortável. Mussolini é “montado” por Chico Fumaça, que tem um arco de violino nas
mãos e busca manobrá-lo no queixo do líder italiano e tocar uma Tarantela, música típica
italiana. Ao fazê-lo, Fumaça anuncia a queda do Fascismo nos principais países em que o
sistema vingou e, talvez assim, anunciasse também a queda do regime autoritário de
Getulio Vargas. Finaliza o cordão a tia de Fumaça, Dona Marcolina, que por sua vez
anuncia a chegada do momento final da guerra.
O exemplo acima demonstra a trajetória que a visão dos estrangeiros a respeito de
Hitler, de seus seguidores e do Nazismo seguiu no decorrer do conflito. Da visão de um
líder que irradia autoridade, como demonstra a figura da página 54, ou ainda confiante,
caso da imagem localizada na página 56, para figuras patéticas que demonstram extrema
insegurança e auto-piedade já no fim da guerra. A opinião, no caso, como já havíamos
anteriormente colocado, é do autor da charge e/ou do veículo noticioso que expõe o
desenho. A intenção desta exposição e a eficácia dela é que são alvos deste estudo, diante
do que podemos constatar que a própria intenção sofreu modificações no período ou, no
mínimo, intensificou-se.
Os exemplos deste segundo momento da obra de Chichorro no decorrer do conflito
mundial de 1939 são vários e diferenciados. Praticamente todos eles apontam para uma
proclamação antecipada da derrota alemã, o diferencial destes desenhos está no grau de
satirização ou de ridicularização de que se utilizam, bem como nos assuntos por eles
abordados.
Um exemplo interessante, no qual a ridicularização dos líderes fascistas chega ao
ápice nas charges de Eloy é o desenho seguinte, publicado em setembro de 1943. Trata-se
de uma sátira à operação nazista de resgate do líder italiano Benito Mussolini, que era
mantido preso pelas forças italianas desde 24 de julho de 1943, quando o Conselho Italiano
decidiu depor Mussolini. Diante da situação, os lideres nazistas organizaram um resgate,
visando à utilização do líder fascista no comando da região norte da Itália, área ainda
64
comandada pelas forças do Eixo. Assim, no dia 12 de setembro daquele ano, os alemães
enviaram uma força especial para resgatar o líder italiano na região montanhosa de Gran
Sasso d´Italia. Combinando o trabalho dos pára-quedistas e da SS, os alemães conseguiram
promover a missão e restabelecer então Mussolini no comando da Itália do norte.
Aproveitando o inusitado fato, Chichorro produz a seguinte charge, uma semana
depois do ocorrido:
Fonte: ELOY. O Dia. 19 set. 1943.
A alegoria utilizada é de um casamento entre Hitler e o líder fascista italiano. O
primeiro, caracterizado como o noivo, porém, em uniforme militar, é representado
sorridente e parecendo apaixonado por Mussolini. Este, por sua vez, adquire o papel da
noiva, estando devidamente trajado e de braços dados com o líder alemão. Fumaça, que
sorrindo assiste a cena, ouve o diálogo38 travado pelos noivos. Nas falas podemos observar
uma sátira em relação aos motivos que levaram os nazistas a providenciar a fuga do ditador
38 - E se me raptarem outra vez, querido? - Não te preocupes, meu amor! Farei outra guerra-relâmpago para te proteger!...
65
italiano. Quando Mussolini aventa para a possibilidade de um novo rapto ocorrer, Hitler
promete “outra guerra-relâmpago” para salvá-lo.
Outro exemplo de charge do ano de 1943 se mostra ainda mais imperativo na crítica
contra Hitler e o Terceiro Reich. Nela, Chichorro antevê o trágico futuro que aguardava o
ditador alemão:
Fonte: ELOY. O Dia. 19 fev. 1943.
Na imagem, observamos Hitler, em posição que remete a um estado de luto ou de
lamento, mirando uma sepultura e, na cruz que está posicionada sobre este túmulo, aparece
inscrita uma suástica, símbolo máximo do Nazismo. A notícia39 que inspira a charge trata
da possibilidade de um acordo de paz em separado entre Itália e Inglaterra, que obrigaria os
39 Zurich: “Uma irradiação informa o artigo de Virgínia Gaidas, aventando a idéia de uma paz em
separado entre a Itália e a Inglaterra; causou impressão na Alemanha.”
66
alemães a lutarem sozinhos. Diante dessa possibilidade, Hitler já prevê que a única
possibilidade de paz que encontrará é a “paz eterna”, como podemos constatar na frase40 a
ele atribuída no desenho.
O principal detalhe do desenho, entretanto, é a presença de Chico Fumaça ao fundo
da cena. Ali, na feição do personagem, é anunciada a conotação que a charge toma. Sua
face demonstra raiva para com o Führer, principalmente se atentarmos para a posição da
sobrancelha direita do calunga. Já pelo conjunto geral do rosto de Fumaça, constatamos que
a mensagem transmitida no desenho é séria, ou seja, esta charge não é uma piada ou um
chiste. O futuro apregoado a Hitler nesta ilustração é, na verdade, o desejo, a visão ou
mesmo a opinião que o autor tem sobre o desencadear do processo beligerante na Europa.
Com os exemplos acima, podemos observar de que forma Chichorro expõe suas
opiniões acerca do conflito mundial e do Nacional-socialismo. Algumas características de
seus desenhos, como a inconstância da feição dos caricaturados, bem como o humor
simples e, como já definimos anteriormente, quase infantil empregado nas charges, fazem
de seus traços humorísticos uma forma eficiente de comunicação de idéias e de opiniões. A
simpatia que o personagem Fumaça emanava nas tiras aumentava ainda mais a eficácia do
empreendimento de formação da opinião pública curitibana naquele período, em que pese,
obviamente, o público receptor deste trabalho, formado em grande parte por teuto-
brasileiros e por simpatizantes do regime organizado por Hitler, fator este que será ainda
colocado em destaque na conclusão deste trabalho.
40 Será o Sacy Pererê? Terei que submeter-me a uma paz eterna?
67
5) O DER STÜRMER E A PREPARAÇÃO PARA O HOLOCAUSTO:
Muito já se havia falado na Alemanha sobre Hitler e seu Partido Nacional-Socialista
dos Trabalhadores Alemães quando ele assumiu a chancelaria, nomeado pelo presidente
Hindenburg, em 30 de janeiro de 1933. Durante o período que se chamou de República de
Weimar, as lutas político-partidárias eram parte integrante da vida cotidiana dos cidadãos
alemães, prova disso são os inúmeros confrontos ocorridos entre os camisas-pardas nazistas
e os comunistas. Na descrição de Eve Rosenhaft:
Com a crise econômica, os bairros operários de Berlim, dominados pela miséria,
ficam à mercê dos militantes nazistas e de suas seções de assalto, que tentam
roubar a supremacia aos comunistas. Daí resultam os atentados incessantes e os
combates de rua – não sem sucesso para os nazistas. (...) Ao longo da história da
República de Weimar, a política foi sempre mais do que uma simples questão de
voto; envolvia slogans, passeatas, desfiles com uniforme das seções paramilita-res.
Mas nos anos de crise, entre 1929 e 1933, a vida cotidiana foi submetida a uma
politização geral e uma das conseqüências foi o aumento inquietante da violência
política.41
Neste contexto, a ascensão de Hitler e de seu partido era combatida por vários
seguimentos políticos, bem como por vários meios de comunicação. A luta partidária, como
era de se prever, passaria do campo das idéias para as folhas de jornal, para as transmissões
radiofônicas e para as ruas. Assim, era natural também que se estendesse para as charges,
um campo onde não só comunistas, mas também social-democratas e liberais,
comprometeram-se em promover uma campanha contra o NSDAP e seus líderes. A
ridicularização e o humor mordaz eram então constantemente empregados na campanha
contra o crescimento do poder dos nazistas, como podemos observar no exemplo abaixo:
41 ROSENHAFT, Eve. Guerra nas Ruas. In RICHARD, Lionel (org). Berlim 1919-1933 – a
encarnação extrema da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. p. 149.
68
Fonte: “Vlk”, 21mar 1932. Berlim. In German Propaganda Archive
O desenho, sob o título Hitlers Traum42, ridiculariza as pretensões de Hitler de
assumir o governo alemão. Nele, o futuro Führer desfila triunfante em Berlim, com pompas
de chefe de Estado, seguido por nazistas ilustres, como o general Ludendorff. A
ridicularização do líder do NSDAP é feita no próprio título, que julga toda a situação
impossível, não sendo mais que um sonho de Hitler. Como sabemos, a situação não era tão
absurda como fora mostrada na ilustração e, em menos de um ano, a cena se repetiria, desta
feita, a ascensão ocorria realmente.
Fator importante na guerra entre os partidos alemães era a comunicação e a
divulgação de suas idéias para os cidadãos. O arsenal propagandístico era composto por
panfletos, comícios, cartazes e jornais entre outros elementos de comunicação. Aos nazistas
também se fazia necessária a produção de meios eficientes de propaganda. Assim, após a
adesão de Julius Streicher ao NSDAP e a articulação de um forte comitê nazista em
Nuremberg, cidade de atuação política do recém convertido Streicher, no ano de 1923, o
principal jornal nazista, o Der Stürmer, iniciava suas atividades.
42 Trad. “O Sonho de Hitler”.
69
O semanário, criado em maio de 1923, tinha como função exaltar as ações e a
ideologia nacional-socialista, porém, seu foco principal recaiu sobre o anti-semitismo. No
mesmo ano, entretanto, ocorre o Putsch que levou os principais líderes do partido, entre
eles Streicher, à prisão. Após a soltura de seu editor, o jornal volta a ser produzido em
1925. Seu público-alvo era os adolescentes de Nuremberg43, a quem buscava “educar” com
suas posições racistas e matérias extremistas.
Um dos elementos mais nocivos das páginas da publicação, no entanto, eram as
charges. Pelo fato da assimilação do leitor, diante das imagens publicadas na primeira
página do jornal, ser praticamente imediata, as opiniões nazistas acerca de determinados
fatos ou mesmo a ideologia nacional socialista era passada facilmente nos desenhos,
revelando-se assim um importante elemento propagandístico em favor do anti-semitismo de
Hitler. A responsabilidade de produzí-las fora delegada a Philippe Rupprecht, cujos
cartoons eram assinados com o pseudônimo Fips.
Seguindo a metodologia empregada neste trabalho nos capítulos anteriores,
verificaremos as características mais marcantes nos desenhos de Fips a seguir:
5.1) Características do Traço de Fips:
O desenhista oficial do Der Stürmer, Philippe Rupprecht, refugiou-se na Argentina
após o término da Primeira Guerra Mundial. Trabalhando nos ranchos argentinos,
conseguiu seu sustento até seu retorno à Alemanha no ano de 1924. Sua carreira de
chargista teve início no Fränkische Tagespost, jornal ligado ao Partido Social Democrata
Alemão. Já no ano seguinte, foi contratado pelo semanário de Streicher, onde seguiria
profícua carreira, finalizada em 1945 com o fechamento do impresso.
As charges de Rupprecht se caracterizam, ao contrário dos traços de Chichorro e de
Belmonte anteriormente analisados, por uma busca pelo realismo nas representações de
pessoas e de ambientes. Ao dar esta entonação aos seus desenhos, Fips busca a analogia
com a realidade, ou seja, ao desenhar um judeu, um bolchevique ou um padre, procura que
seu desenho seja assimilado como uma situação real, garantindo assim a impressão de
43 Mais tarde o jornal atingiria toda a Alemanha e boa parte da colônia teuta em territórios
estrangeiros, visto que o jornal chegou a ser enviado aos quatro cantos do globo, inclusive para o Brasil. Esta situação, obviamente, manifestou-se na tiragem do semanário, que denunciava 14.000 exemplares produzidos em 1927 e aproximou-se dos 500.000 em 1935. (Fonte: BYTWERK, Randall. Julius Streicher – Nazi Editor of the notorious anti-semitic newspaper Der Stürmer. New York, Cooper, 2001. p. 57).
70
veracidade das críticas e insultos que estão implicitamente – e por vezes explicitamente –
colocadas em suas charges. Assim, os desenhos publicados no Der Stürmer não possuem
semelhanças com cartoons ou histórias em quadrinhos; são charges que se utilizam de
traços firmes e consistentes, que transparecem a intenção do autor em retratar rostos,
objetos e ambientes da maneira mais fiel possível.
Fonte: FIPS. Der Stürmer, fev 1932. Nuremberg. In German Propaganda Archive
O exemplo acima demonstra esta característica do traço de Fips. O chargista tenta, a
todo custo, retratar os personagens tal como seriam na realidade, buscando impor uma
similitude ao desenho com uma fotografia. As feições dos personagens são construídas a
partir da utilização de técnicas de retrato, seguindo uma proporcionalidade que lhes dá
aparência real, conforme havíamos descrito anteriormente. Da mesma forma, o ambiente e
os objetos inseridos na charge acusam a técnica usada, na qual o abuso dos detalhes se faz
presente.
Outra característica dos desenhos de Rupprecht é o papel importante do elemento
textual, ou seja, do título e da legenda da charge. Normalmente estes elementos
proporcionam ao leitor o entendimento da intenção da ilustração, que por vezes não pode
71
ser tido somente com o gráfico. No exemplo acima, temos o título Die Impfung44 e a
legenda Es ist mir sonderbar zu Mut, denn Gift und Jud tut selten gut.45 Analisando a
gravura, podemos constatar que a frase teria sido proferida pela mãe da criança que está
sendo vacinada. O fato da vacina ser produzida através de pequena quantidade de veneno
causa estranheza à senhora, que também vê com estranheza e receio o fato do médico que
lhe atende ser judeu.
A identificação da etnia do médico pode ser feita através do conhecimento de outro
elemento presente nos desenhos de Fips, qual seja, a grotesca representação caricatural do
povo judeu. O desenho abaixo nos dá uma idéia melhor do que acabamos de colocar:
Fonte: FIPS. Der Stürmer, fev 1934. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 86.
A ilustração, que tem como título “Quatro faces judias”, tem como intenção
justamente caracterizar, para os leitores do jornal, as feições do povo judeu. O exagero na
composição das orelhas e principalmente dos narizes acabaram por produzir um estereotipo
do povo israelita. Aliado a esta caracterização física, também era corrente nos desenhos
humorísticos a comparação dos judeus com vermes e insetos ou ainda com sanguessugas e
morcegos. Estas alegorias tinham como claro intuito moldar a imagem popular do povo
44 Trad. “A Vacinação”. 45 Trad. “ Parece estranho para mim, veneno e judeu raramente soam bem”.
72
israelita, acusando-os de usurpadores, traiçoeiros ou aproveitadores, utilizando-se para
tanto das alegorias que tais animais representam.
Da mesma forma que o anti-semitismo era passado abertamente nas páginas do Der
Stürmer, outras características do discurso nazista podem ser observadas nos desenhos,
como o nacionalismo exacerbado ou ainda o anti-comunismo. Nada disso, porém, pode ser
comparado ao grau de virulência que era empregado no discurso anti-semita do semanário.
Neste quesito, tanto as matérias escritas como as charges atingem seu grau máximo,
delimitando assim a linha editorial do jornal.
5.2) O Desenho de Rupprecht e o Nazismo:
Tendo como foco principal a defesa das idéias nazistas e servindo de aparato na
máquina de propaganda nacional-socialista, é de se esperar que o Der Stürmer tenha ganho
um caráter quase oficial a partir de 1933. De fato, porém, o prestigio do jornal junto ao
Führer atingia níveis estratosféricos, tendo o próprio Hitler anunciado certa vez que o
semanário de Streicher era o único que lia por inteiro, independente dos afazeres que
tomavam seu tempo. Até mesmo Streicher caiu nas graças do Führer, o que causou ciúmes
na alta cúpula nazista, como descreve Ron Rosenbaum ao se referir a um interrogatório
efetuado pela OSS à princesa Hohenlohe, oriunda de uma casa real austríaca e que teria
estreito relacionamento com Hitler:
Apesar de tudo – diz ela, querendo se referir tímida adoração mútua entre heróis de Goering e Hitler, eles nunca chegaram ao estágio da brüderschaft, a camaradagem em que se dirigem um ao outro com o familiar du. (...) Existe apenas um nazista, além de Hess, a quem foi concedido este privilégio, e esse era, quem diria, Julius Streicher, o editor do Der Stürmer.46
Outra referência ao relacionamento entre Hitler e Streicher é feita por Rosenbaum
ao citar como fonte a memória escrita por Frederick Oechsner, um jornalista
correspondente na Alemanha no período comandado pelos nazistas. A citação demonstra
não apenas o grau de intimidade da relação de Streicher e Hitler, mas também a influência
que o primeiro exercia sobre o Führer:
46 ROSENBAUM, Ron. Para entender Hitler – a busca das origens do mal. Rio de Janeiro: Record,
2002. p. 312.
73
“Der Führer é sempre influenciado em seus sentimentos anti-judaicos por seu contato com o notório Julius Streicher. É possível perceber que, após ter passado algum tempo com o Dr. Streicher, ele começa a sair com alguma nova medida ou novo discurso contra os judeus.” O que temos aqui é uma reversão do famoso efeito FührerKontakt – a inúmeras vezes narrada experiência de que o contato pessoal com a presença carismática de Hitler causava um profundo efeito transformador naqueles que a ela se expunham. Aqui, o próprio Führer é descrito como vulnerável ao que poderia ser chamado de Streicherkontakt.47
Boa parte desta influência que o Der Stürmer ganhou na Alemanha, atingindo até
mesmo o próprio Führer, era devida aos cartoons de Fips publicados no semanário. Assim
sedo, dentre todos os jornais que serviram de base para a consolidação das idéias nacional-
socialistas, dentre todos as formas de propaganda que os nazistas utilizavam, o Der Stürmer
acabava tendo destaque especial e, conseqüentemente, as charges nele veiculadas.
Grande parte da juventude alemã daquele período teve no semanário de Streicher
um condutor para a formação de princípios morais e comportamentais, bem como um guia
para a absorção da ideologia nazista e do anti-semitismo nela intrínseca. Também nesse
sentido, as charges eram parte essencial na dinâmica propagandista do nazismo, visto que
tais desenhos e gravuras contêm um forte apelo para os jovens e as crianças do Reich.
Dessa forma, através de desenhos atrativos para a juventude e das organizações para-
militares denominadas Juventude Hitlerista, estava completa a aparelhagem estatal
necessária para moldar as mentes futuras.
Da mesma forma, do outro lado da guerra, as crianças e os jovens dos países
Aliados eram moldados e em suas mentes eram incutidos os valores anti-nazistas. O
material utilizado por Inglaterra e Estados Unidos, entretanto, era mais elaborado e em
vários aspectos mais eficiente. Tratava-se dos desenhos animados produzidos por grandes
empresas como os Estúdios Disney e Warner Brothers, que aproveitavam-se do carisma de
seus personagens (Pato Donald, Patolino, Pernalonga etc.) para manter um diálogo mais
próximo às crianças. Às crianças alemãs, que não contavam com a magia produzida pelas
indústrias cinematográficas infantis, restavam os desenhos caricatos dos jornais.
As charges publicadas no Der Stürmer muitas vezes se utilizavam do humor fácil e
quase infantil para aproximar-se dos jovens alemães, como o exemplo abaixo demonstra:
47 Ibid. p. 314.
74
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jul. 1936. Nuremberg. In German Propaganda Archive
Na charge acima, lemos a legenda Sie gestatten gutigst ... daß ich Blau nehme
48.
Abaixo, encontramos uma pequena nota que diz que os judeus, como o exemplo acima, se
aproveitam dos arianos de bem em todas as ocasiões na vida. Na representação pictórica,
visualizamos, no primeiro quadro, um judeu característico (atentemos para o detalhe do
nariz) pedindo cortesmente um lugar no banco público para um senhor ariano. Após a
concessão do alemão, o judeu se apropria da maior parte do banco, deixando o senhor que
já estava ali sentado anteriormente extremamente desconfortável.
As feições de ambos denunciam a intenção do autor ao produzir o desenho. No
primeiro quadro o alemão, sério, assiste o judeu, de olhos fechados (sinal de falsidade) e
polidamente, pedir licença para sentar-se no banco. Já no segundo, a expressão do ariano é
de espanto e desconforto, enquanto a do judeu é de descaso com a situação que ele próprio
promoveu. Algumas características creditadas aos personagens estereotipados são correntes
tanto nas matérias do Der Stürmer quanto nos discursos e panfletos nazistas, tal como as do
judeu falso e egoísta e do ariano bondoso e sério.
48 Trad. O senhor permite bondosamente ... então eu me aproveito.
75
Fonte: FIPS. Der Stürmer, ago 1934. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 84.
No exemplo acima visualizamos a técnica da associação sendo utilizada na
difamação do povo judeu. Aqui, um morcego que carrega a estrela de Davi no peito e que
tem as feições características do indivíduo judeu representado nas charges de Fips, surge
nos céus espalhando terror e morte no seu caminho. O título, Der Vampyr49, já demonstra a
conotação que a charge pretende imprimir: a do judeu sugador e aproveitador. A legenda
ratifica esta idéia ao dizer Vom Teufel in die Welt gesegt er stets die Völker quält und
hekt50
. Em linhas gerais, o significado da frase evoca a qualificação dos judeus como povo
do inferno, cuja principal ação no mundo abençoado, o mundo germanizado, é a de
atormentar e sugar os cidadãos arianos.
49 Trad. O Vampiro. 50 Trad. Do demônio no mundo abençoado ele sempre agita e atormenta o povo.
76
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jul 1934. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 97.
Da mesma forma, o desenho acima se utiliza de alegorias que evocam animais
peçonhentos para caracterizar o povo israelita e sua condição de traiçoeiros e venenosos.
Aqui, uma jovem ariana parece seduzida pela aranha que, da mesma forma que o morcego
da ilustração anterior, tem a face caracterizada pelo semblante judeu – além do rosto, a
estrela de Davi confirma esta intenção. O título, Der Spinne51, faz menção à alegoria
utilizada, bem como a legenda, que traz os seguintes versos: Manch Opfer blieb im Netze
hangen/ Von Schmeicheltönen eingefangen/ Zerreikt das Netz der Heuchelei/ Ihr macht die
deutsche Jugend frei52
.
Como podemos observar a partir dos exemplos acima, a difamação do povo judeu
passa pela utilização de alegorias, dentre as quais a alusão a animais nocivos é a mais
direta. Desta forma, a idéia do perigo judeu está posta com força, pois o cuidado que os
leitores têm com os animais peçonhentos seria o mesmo que deveriam ter com os israelitas
(e com sua lábia, como observamos na legenda do desenho anterior).
51 Trad. A Aranha. 52 Trad. Muitas vítimas caíram presas/ na teia da bajulação/ Rasgues a teia da hipocrisia/ e fazes livre
a juventude alemã.
77
Outra forma encontrada pelo semanário e por Rupprecht de denegrir ainda mais a
imagem dos judeus era mostrar o judeu como um ser degenerado e decadente, propenso à
promiscuidade e pouco afeito à cultura, como observamos na ilustração a seguir:
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jul 1934. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 98.
Aqui, outras faces do povo judeu seriam mostradas pelo chargista. Sobre a inscrição
Fort mit der Kultur! Her mit der Hure Unnatur!53, podemos visualizar uma meretriz de
traços físicos judeus sendo carregada por dois indivíduos, um negro e o outro também
judeu. A intenção é denunciar a suposta perversão natural destes povos – aqui incluídos
também os bolcheviques, representados pela estrela na lapela do judeu – desqiualificandoos
moralmente perante o leitor.
Outro detalhe importante são as imagens que servem de pano de fundo para a cena.
Nelas observamos ícones importantes da arquitetura alemã, à direita, e uma figura
representativa da cultura à esquerda, fazendo menção de que está partindo diante da
situação. Aqui, a mensagem passada é de que, enquanto tais elementos perdurarem no
53 Trad. Fora com a cultura! Viva a meretriz afetada!
78
ambiente cotidiano alemão, tanto a cultura quanto a moral e os bons-costumes estarão
ameaçados.
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jul. 1936. Nuremberg. In German Propaganda Archive
Já no exemplo acima, podemos observar que não só os judeus eram perseguidos nas
páginas do Der Stürmer. Nesta ilustração, que traz o título Unfruchtbar54, vemos duas
situações representadas: na primeira, um padre e uma freira rezam, tendo a subscrição Der
Kierche zu eigen55. Já na segunda, uma jovem se encontra nos braços de um judeu,
entregando-se aos prazeres terrenos (representados pelo álcool, o fumo e pelo abraço que
seu parceiro lhe dá). A inscrição, Dem Satan verichwore56, indica que ela já estaria
contaminada pelo veneno judeu.
Dois aspectos são importantes de se salientar na observação deste desenho. O
primeiro se refere à visão do Der Stürmer e do movimento nazista em geral sobre a Igreja
Católica. Apesar de se aproveitarem da posição da Igreja como unificadora e de seu papel
54 Trad. Inútil. 55 Trad. A Igreja deles se apropriou. 56 Trad. Ela se perdeu para Satã.
79
de autoridade para grande parte dos alemães, papel este cultivado desde tempos remotos,
quando da formação do Sacro Império Romano-Germânico, os nazistas abominavam esta
instituição.
O próprio Führer, apesar de ter nascido católico, renegou esta religião. Segundo
Louis Snyder57, Hitler teria proferido em determinada ocasião que a Antiguidade era
melhor que os tempos modernos, pois a humanidade ainda não conhecia o Cristianismo e a
sífilis. Ainda na explicação de Snyder, as críticas do líder alemão à Igreja Católica eram:
1. Christianity was a religion that defended the weak and the low. 2. It was purely Jewish and Oriental in origin. It forced people “to bend their
backs to the sound of church bells and crawl to the cross of a foreign God”. 3. It began 2,000 years ago among sick, exhausted, and despairing men who had
lost their belief in life. 4. The Christian tenets of forgiveness of sin, resurrection, and salvation were
plain nonsense. 5. The Christian idea of mercy was a dangerous, un-German idea. 6. Christian love was a silly concept because love paralyzed men. 7. The Christian idea of equality protected the racially inferior, the ill, the weak,
and the crippled.58
Assim, a ilustração de Fips acima reflete um pensamento dominante, ao menos na
cúpula e no centro organizacional do Estado Nazista. Era então lícito que o desenho
afirmasse que aqueles que se entregavam ao clero tinham se perdido para o Reich ao
complementar und beide der Volksgemeinschaft verloren59.
A segunda personagem perdida para a sociedade alemã é a ariana representada na
ilustração à esquerda. Ela, como já expusemos, está dando provas de sua degeneração
através do comportamento libidinoso e teoricamente amoral. Perdeu-se, entretanto, não
apenas por seu comportamento, mas principalmente por entregar-se ao próprio Satã, aqui
57 SNYDER, Louis L. Encyclopedia of the Third Reich. New York: Marlowe & Company, 1976. p.
291. 58 Trad. 1. O Cristianismo era uma religião que defendia o fraco e o inferior. 2. Ele era puramente judeu e oriental em sua origem. Forçava o povo a “curvarem suas
costas ao som dos sinos da igreja e rastejar para a cruz de um Deus estrangeiro”. 3. Surgiu 2000 anos atrás entre homens doentes, exaustos e desesperados que tinham
perdido sua crença na vida. 4. Os princípios cristãos de remissão dos pecados, ressurreição e salvação eram francamente
um absurdo. 5. A idéia cristã de clemência era perigosa, uma idéia anti-germânica. 6. O amor cristão era um conceito simplório, pois o amor paralisou os homens. 7. A idéia cristã de igualdade protegia os racialmente inferiores, os doentes, os fracos e os
aleijados. SNYDER, Louis. Op. cit. p. 291. 59 Trad. E ambos foram perdidos para a comunidade.
80
personificado na figura de um judeu sedutor. O porque de uma ariana, por se relacionar
com um judeu, perde-se para o Reich, encontra-se na idéia de pureza racial que os nazistas
pregavam abertamente. Porém, a garota em questão seria pura, sem pai nem mãe judeus.
Por que estaria ela então marcada? A resposta vem em um ensaio pseudo-científico
produzido por Streicher, no qual o editor do Der Stürmer escreve:
“Alien albumin” is the semen of a man of another race. As a result of intercourse, the male semen is partially or totally absorbed by the female body. A single incident of intercourse is sufficient to poison her blood forever. She has taken in the alien soul along with the “alien albumin.” Even if she marries an Aryan man, she can no longer bear pure Aryan children, but only bastards, in whose breasts dwell two souls, and who physically look like members of a mixed race…60
Desta forma, observamos dois conceitos próprios do Nazismo sendo abordados e
defendidos em uma só charge, quais sejam, o anticatolicismo e a pureza da raça ariana, em
especial quando referida ao povo judeu. O poder da charge como elemento propagandístico
mostra aqui toda a sua síntese no passar a mensagem e eficiência. Outro exemplo da crítica
a uma série de elementos malquistos no sistema nazista em um único desenho é o trabalho
de Fips abaixo.
60 Trad. “Albumina estranha” é o sêmen de um homem de outra raça. Como resultado do intercurso,
o sêmen masculino é parcial ou totalmente absorvido pelo corpo feminino. Um simples incidente no intercurso é suficiente para envenenar seu sangue para sempre. Ela é levada na alma estranha com a “albumina estranha”. Mesmo se ela casar com um homem ariano, ela não pode mais parir crianças arianas puras, mas apenas bastardos, em cujos peitos viverão duas almas, e que fisicamente parecerão membros de uma raça mista. STREICHER, Julius. Deutsche volksgesundheit aus Blut und Boden, III. Jan, 1935, 3. In BYTWERK, Randall. Op cit. p. 145.
81
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jul. 1936. Nuremberg. In German Propaganda Archive
Na charge acima, um pequeno verso acompanha e faz referência ao desenho:
Das ist die Freiheit, die uns zugedacht,
Wie seh´n es dort, wo Juda hat die Macht,
Wie hinter Herfermauern, Gittersfangen
Im finsteren Gefängnis sigt gefangen
Die Menschheit, die nach wahrer Freiheit stöhnt
Und sich nach Rettung und Befreiung sehnt.61
A ilustração mostra um ariano prisioneiro numa cela. Com a face visivelmente
desesperada, observa as barras da janela que trazem gravadas símbolos que remetem a
instituições que levariam a Alemanha, segundo os nazistas, à decadência. São elas,
dispostas da esquerda para a direita na gravura: o Cristianismo, representado pela cruz, o
61 Trad. Esta é a liberdade a nós destinada / A liberdade que nós vemos onde Judah tem autoridade. /
Aprisionada, atrás das grades, / em escura prisão permanece prisioneira / a humanidade, que conserva seu gemido por liberdade / e busca a salvação e a libertação.
82
Capitalismo, que tem no cifrão seu símbolo, o Judaísmo, com a estrela de Davi, e o
Comunismo, que tem na representação da foice e do martelo seu arquétipo.
A alegoria do prisioneiro encarcerado é, obviamente, uma metáfora da prisão que as
ideologias e sistemas criados pelos judeus manteriam os cidadãos do mundo, em especial,
os arianos. Segundo os nazistas, o Cristianismo, como já vimos anteriormente, seria uma
religião criada por judeus que teria como intento primeiro dominar os seres superiores em
favor dos inferiores, sendo, portanto, uma religião antiariana.
O Capitalismo, por sua vez, seria o sistema no qual os judeus se desenvolveram e
conseguiram “dominar o mundo”. Era comum se ouvir o discurso proferido pelos nacional-
socialistas, baseado nos “Protocolos dos Sábios de Sião”, referindo-se aos judeus como
donos das redes de comunicação, das indústrias e de todos os campos estratégicos da
economia62. A mesma acusação era dirigida ao Comunismo, que buscava uma sociedade
igualitária, com exceção dos judeus, que continuariam controlando a dinâmica mundial.
Quanto ao Judaísmo, cremos não ser necessário comentários, uma vez que seria o berço de
todas as outras “mazelas” citadas.
Todas estas explicações, que encontravam no cotidiano alemão das décadas de 30 e
de 40 seu terreno mais fecundo, eram resgatadas pelos leitores ao visualizarem a charge. A
utilização de símbolos arquetípicos na ilustração acaba tornando ainda mais expressiva a
interação da informação com o inconsciente do leitor, que automaticamente associa as
correntes explicações nazistas à situação de encarcerado, tornando esta situação uma
“verdade virtual”.
O Comunismo, como pudemos observar no exemplo acima, era um dos perigos que
rondavam a vida dos cidadãos alemães. Não por acaso, antes mesmo dos nazistas
assumirem o controle do país, estes já eram apontados pelos nacional-socialistas como
principais inimigos a serem combatidos depois dos judeus. O Der Stürmer, como não
62 A esse respeito, uma anedota corrente entre os judeus na Alemanha nazista fazia referência ao
próprio Der Stürmer. Nela, “um judeu encontra, num café, um de seus amigos lendo Der Stürmer, jornal violentamente anti-semita. ‘Como você pode ler este horror?’, pergunta. O amigo lhe responde: ‘Quando leio um jornal judeu, só encontro notícias tristes e catástrofes. Por toda parte, anti-semitismo, perseguições, portas que se fecham para os judeus que querem deixar seu país. Neste jornal, ao contrário, fico sabendo que dominamos o mundo, que controlamos os bancos, as finanças, a imprensa. É altamente reconfortante’”. (Relatado por KLATZMANN, J. L´humour juif. Paris: 1998. p.42. In MINOIS, Georges. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Unesp, 2003. p. 566.
83
poderia deixar de ser, dedicou grande espaço de suas páginas para combatê-lo, inclusive
nas charges de Fips.
Fonte: FIPS. Der Stürmer, 194?. Nuremberg.
A charge acima, sob título de Mãe Europa (Mutter Europa) é um caso. Nela
visualizamos um russo comunista (caracterizado pela estrela vermelha sobre o capacete)
observando uma senhora, identificada como Europa. O olhar do bolchevique indica raiva e
cobiça, levando a “Mãe Europa” a pensar: und sollte ich diesem Teufel nur eines meiner
Kinder überlassen müssen, es wäre mein Tod.63 Desta forma, Fips expõe o perigo
comunista e o coloca não mais como um problema a ser enfrentado pelos alemães, mas por
todo o continente.
A solução para a angústia da realidade comandada pelos judeus, que os nazistas
proclamavam como verdadeira e presente, e para o perigo comunista era apontada pelo
próprio semanário de Streicher: Hitler e seu Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
Alemães. Apesar da figura do Führer não ser retratada nas charges do Der Stürmer, a idéia
de que ele e seu partido seriam a salvação da Alemanha era latente. Menos de dois meses
63 Trad. Tendo eu de entregar apenas um dos meus filhos a este demônio, seria minha morte.
84
após a indicação de Hitler à chancelaria, o semanário já declarava o início de uma nova era
na Alemanha e, como não poderia deixar de ser, Fips também participou da empreitada.
Fonte: FIPS. Der Stürmer, mar 1933. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 99.
Aqui, sob o título Sieg
64, um ariano é retratado em dois momentos: um antes da
ascensão dos nazistas, sendo representado como um período sombrio, no qual o medo
transparece na feição do cidadão alemão. Os fantasmas que o afligem têm feições que
remetem aos comunistas, aos judeus, à morte e ao próprio Satã. Palavras são murmuradas,
trazendo ainda mais desespero ao personagem, tais como Dawes Plan, Young Plan,
Fotmord, Korruption, Versailles65
. Outro detalhe importante que visualizamos na gravura é
a representação de um judeu na Lua que observa o cidadão ariano. A legenda, entretanto, é
alentadora: Der Spuk ist zu Ende66
.
Ao lado temos a confirmação – Der Tag ist erwacht67. Um Sol brilha radiante para o
mesmo cidadão alemão e, convenientemente, o astro traz inscrito em seu interior a cruz
64 Trad. Vitória. 65 Trad. Plano Dawes, Plano Young (dois planos econômicos de auxílio à Alemanha para o
pagamento das dívidas ocasionadas pelo Tratado de Versailles e pelos demais acordos pós-Primeira Guerra), assassinato, corrupção, Versailles.
66 Trad. A assombração está acabando. 67 Trad. O dia está despertando.
85
gamada, insígnia que caracteriza o movimento nacional-socialista. Rupprecht foi feliz na
colocação do antagonismo existente entre o Nazismo e os judeus, representando-os sob as
alegorias do Sol e da Lua. Entretanto, a mensagem mais importante talvez seja a de que
agora o cidadão não está mais sozinho; uma multidão se junta a ele para celebrar a ascensão
nazista. O espírito de coletividade e de participação é passado ao leitor, que acaba ele
mesmo se colocando naquele contexto de ovação.
Fonte: FIPS. Der Stürmer, jun 1933. Nuremberg. In BYTWERK, Randall. Op. cit. p. 98.
Em outro exemplo da utilização do Nazismo como sinônimo de Nacionalismo nas
charges de Fips, vislumbramos um ariano empurrando um judeu para um abismo. Tendo
como título Bergeltung68, a ilustração mostra o cidadão do Reich dizendo para o judeu
Fahre hin, wohin Du mich haben wolltest, Du Ungeist69, sendo o abismo claramente uma
alegoria para uma situação de miséria e desespero para a qual, supostamente, os judeus
intencionavam conduzir a Alemanha. O grande destaque do desenho é novamente o Sol
com a suástica gravada. Ele parece impulsionar e dar forças para que o alemão empurre o
68 Trad. Encerramento, Salvação. 69 Trad. Vá para onde você queria que eu fosse, desalmado.
86
judeu no abismo, dando a impressão que é o astro, ao fim ao cabo, o real responsável pela
mudança da situação. A mensagem passada acaba sendo, novamente, que a força
(individual ou coletiva) é proporcionada aos alemães pelo Nacional-Socialismo e pelo
Führer.
A guerra, que tivera um início vitorioso para as forças do Eixo, dando a impressão
mesmo da correção das previsões e das afirmações nacionalistas do Der Stürmer, passava a
pender, a partir de meados de 1942, para os Aliados. A derrota dos alemães em Stalingrado
e uma série de erros táticos da cúpula do Exército Alemão, juntamente da entrada dos
Estados Unidos no conflito, o que proporcionou um aumento substancial na quantidade de
material bélico disponibilizada aos exércitos aliados, garantiram a derrocada nazista.
Diante desta situação, uma nova realidade passa a imperar também nas charges do
Der Stürmer. O grande objetivo das ilustrações, bem como das matérias veiculadas no
semanário, é justificar a derrota que se mostra iminente. Conforme as tropas nazistas
recuavam no front, mais necessárias eram as justificativas e o trabalho de Rupprecht com
suas charges. Fato interessante é que o movimento nazista ganhou impulso com a teoria da
“facada pelas costas”, já referida no capítulo 03, e também tinha nela a principal
justificativa para os seguidos fracassos ocorridos depois de meados de 1943, como
podemos visualizar no desenho seguinte.
87
Fonte: FIPS. Der Stürmer, mai. 1944. Nuremberg. In German Propaganda Archive
Aqui, sob a pergunta Wofür?
70, encontram-se dois soldados alemães tombados no
campo de batalha. O ambiente soturno que envolve a charge faz referência à atuação
escamoteada que os nacional-socialistas creditavam aos judeus, ou seja, que secretamente
ajudavam os aliados a vencer a guerra através de traições e boicotes, a exemplo do que teria
ocorrido em 1918. A figura do judeu surge no céu, tendo um ponto de interrogação à sua
frente, dando a impressão no leitor de que seu olhar é onisciente (e como não seria, visto
que, segundo os nazistas, os judeus controlariam o comércio, a imprensa e a política?).
Na quadra que acompanha a ilustração, lemos:
Wofür, warum, vergießen sie ihr Blut?
Im Hintergrung der Frage grinst der Jud.
Und somit ist die Antwort schon gegeben:
70 Trad. Para quê?
88
Für Judes Ziele halten sie ihr Leben!71
A retomada da questão da “facada pelas costas” mostra-se uma ação desesperada em
face ao destino trágico que aguardava a Alemanha. Trata-se, porém, também de uma
justificativa derradeira para a “Solução Final” ou a tentativa de eliminação total dos judeus
que Hitler tentou empreender as pressas após a constatação da derrota.
Pudemos observar, a partir dos exemplos acima analisados, a constância das
acusações aos judeus nos assuntos tratados nas charges. Fips se utilizava, para tanto, de
uma forma de humor que não visa apenas a ridicularização do seu alvo, mas também a sua
degradação moral. A técnica utilizada não é a simples exageração de características que por
si só já denigrem o retratado ao colocar em evidência aspectos “tortos” de seu físico ou de
seu comportamento72. É, na verdade, a acusação direta de deturpações morais que o
chargista e seu jornal julgavam próprios dos judeus em desenhos que buscavam incutir no
inconsciente do observador estes julgamentos.
As charges do Der Stürmer se prestam, portanto, para a degeneração do alvo (os judeus)
através da utilização de um humor grosseiro, com alusões diretas, valendo-se de títulos e
legendas para melhor transparecer sua intenção. Trata-se de um produto destinado a um
público muito definido, qual seja, o ariano adepto das idéias nazistas, em especial do anti-
semitismo, e predisposto a acatar as opiniões expostas.
71 Trad. Para que, por quê, derramam vocês seu sangue? / Ao fundo, ri o judeu da pergunta. / E assim
a resposta é dada: / pelos propósitos judeus vocês perderam suas vidas. 72 FREUD, Sigmund. O Chiste e sua relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p.
228.
89
6) CONCLUSÃO:
Este trabalho se propôs a analisar o efeito da propaganda, em especial, da charge e
dos desenhos humorísticos, no inconsciente individual e na formação da opinião pública.
Pudemos notar, através dos exemplos examinados, de que formas o leitor é atingido e
transformado pela simples visualização de uma gravura ou ainda pelos efeitos causados por
uma risada.
O gesto e o ato do riso são exaustivamente estudados no campo social,
comportamental e médico. Neste último aspecto, podemos tomar os estudos do pioneiro
nesta área, o Dr. William Fry, que defende a utilização da risada como meio auxiliador no
tratamento de doenças e do estresse. Segundo Fry, algumas das reações do corpo à
gargalhada, como o relaxamento muscular e a queda da pressão arterial, produzem efeitos
benignos em todo o organismo do indivíduo, gerando uma sensação prazerosa73. Unida ao
discurso médico, a Psicanálise complementa e também contribui com nosso estudo.
Observamos, com o auxílio da teoria freudiana acerca dos chistes e sua relação com
o inconsciente, que o riso promove a sensação de prazer no espectador ou ouvinte da piada,
aproveitando-se desta situação para angariar adeptos às idéias por ele transmitidas.
Conforme já analisado no capítulo 02 deste trabalho, ao rir de determinado gracejo o
receptor revela ter automaticamente concordado com a crítica nele embutida – e não
podemos perder de vista que qualquer piada é uma forma de crítica velada. Resumindo, nas
palavras do próprio Freud:
Um chiste nos permite explorar no inimigo algo de ridículo que não
poderíamos tratar aberta ou conscientemente, devido a obstáculos no caminho;
ainda uma vez, o chiste evitará as restrições e abrirá fontes de prazer que se
tinham tornado inacessíveis.74
Desta forma, somos levados à conclusão de que a piada e a crítica que ela carrega
consigo são direcionadas a um público específico, uma vez que as características e as
73 Mais sobre a ação do riso no metabolismo, ver FRY, William. Sweet Madness: A Study of
Humor. New York: Pacific Book Pub, 1968. 74 FREUD, Sigmund. O Chiste e sua relação com o Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 1977. p.
123.
90
opiniões do espectador são determinantes na aceitação da idéia. Porém, não podemos nos
esquecer que o alvo deste estudo, as charges, são veiculadas em jornais e revistas com
grande circulação, destinadas, portanto, a um público amplo e muitas vezes heterogênea.
Neste sentido, ela se presta também a tornar mais “clara e elucidativa” a idéia que o leitor
por ventura venha a ter do acontecimento ou da idéia retratada no desenho. Em outras
palavras, se presta a aproveitar-se das propriedades do riso para direcionar a formação das
opiniões do leitor, moldando-as conforme a do chargista e do meio de comunicação.
Os desenhos ganham em força se somados a símbolos presentes no inconsciente
coletivo75. A utilização de imagens arquetípicas remonta a idéias ainda mais fortes e
impregnadas no imaginário coletivo, levando o indivíduo, pelo próprio trabalho
inconsciente que desenvolve, a incutir um maior valor à idéia exposta.
Fonte: Daily Express, Londres. 14 nov. 1938. In. German Propaganda Archive.
75 Em Freud, o princípio do inconsciente surge apenas como algo reprimido ou esquecido no
indivíduo, sendo, portanto, algo baseado nas experiências e memórias individuais. O coletivo, por sua vez concebido por Carl Jung, compreende uma experiência global, sendo compartilhada por toda a humanidade. É uma espécie de identidade psíquica humana, “povoada” por símbolos reconhecidos por todos os indivíduos, denominados arquétipos.
91
Acima, podemos observar uma cruz suástica, símbolo que acabou se tornando um
arquétipo do Nazismo e, em certa medida, da própria essência do Mal, comprimindo um
indivíduo que, pelos trajes, remonta ao povo hebreu, e que se ajoelha sobre uma estrela de
David, outro símbolo que faz parte do inconsciente coletivo, remetendo-nos ao Judaísmo.
Toda a situação tem como pano de fundo labaredas incandescentes que parecem consumir o
ambiente. A charge tem um propósito claro: o de alertar sobre o anti-semitismo exacerbado
pregado pelos nacional-socialistas.
A utilização do desenho como meio de predizer um futuro sinistro que se apresenta
ou de alertar a população para o mal que se desenha é contraposta à utilização plenamente
humorística (ou propagandística) das charges nos diários. Nelas podemos visualizar a
comparação seguida da determinação de uma hierarquia na qualificação dos objetos alvos
do chargista. Baudelaire, escrevendo sobre a natureza superior do riso76, registra-o como
unicamente proveniente do escárnio, do “sarro” e da sujeição do inferior ao superior. Tal
superioridade pode advir da capacidade intelectual, do caráter monetário ou das
circunstâncias trágicas. Nesta sujeição, os artifícios utilizados podem ser vários, desde a
comparação com o estado de aparente perfeição daquele que podemos chamar de “herói”
na charge até a ridicularização do nonsense.
Na técnica do nonsense o autor fantasia uma situação absurda ou ainda denuncia
uma posição ou idéia desconexa defendida pelo anti-herói da charge. Pudemos observar
essa situação na charge de Belmonte analisada na página 40 deste trabalho. Ali, em meio a
um soldado alemão e um Hitler histérico, um judeu fraco e idoso é acusado de derrotar os
exércitos nazistas. A idéia de que um senhor naquela situação pudesse, sozinho, destruir
todas as divisões militares alemãs é, no mínimo, bizarra. Obviamente Hitler não acusou
realmente um único judeu pelo destino desafortunado que seus exércitos encontravam.
Porém, utilizando-se desta técnica, o autor busca mostrar o disparate das acusações do
Führer, absurdo tal que pode ser comparado à acusação retratada no desenho humorístico.
Se acaso Belmonte, ao invés desta ilustração, produzisse uma nos mesmos moldes, mas que
mostrasse Hitler com uma face serena e equilibrada e um judeu forte e saudável, a
ilustração teria o efeito de proclamar uma verdade. O riso viria sim, mas seria um riso
76 BAUDELAIRE, C. De l´essence du rire et généralement du comique dans les arts plastiques. In.
MINOIS, George. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Unesp, 2003. p. 533-535.
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comparado ao do cientista que vislumbra uma nova idéia revolucionária: “Eureca! Os
judeus são realmente os culpados pelo desastre alemão”.Essa seria a fórmula para alcançar
o efeito necessário utilizada por Fips na maioria de seus desenhos.
Fonte: Labor Front. 17 fev. 1936. In. HILLENBRAND, F.K.M. Underground Humour in Nazi Germany 1933-45. New York: Routledge, 1995. p. 37.
Outro exemplo do nonsense nas charges é a ilustração inglesa acima. Nela, Hitler é
descrito como “the greatest educator of the German nation”77 e surge ministrando uma aula
para alguns soldados alemães. O tema da aula é “An Aryan is:”78 e segue com a descrição
de um típico ariano: “tall like Goebbels, slim like Goering, blonde like Hess and heroic,
like me”79. A intenção do desenho é clara; pretende demonstrar o absurdo das crenças
raciais pregadas pela cúpula nazista quando ela mesma não correspondia a tais requisitos. A
charge tem, desta forma, o valor não apenas de utilizar-se da técnica do nonsense, mas
também de denunciar o nonsense existente nas próprias idéias raciais nazistas, jogando-as
para uma realidade bizarra e “torta”.
77 Trad. O maior educador da nação alemã. 78 Trad. Um ariano é: 79 Trad. Alto como Goebbels, magro como Goering, loiro como Hess e heróico como eu.
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Outra técnica de humor que pudemos analisar em nossas fontes é o humor inocente
ou infantil, que parece demonstrar pouca ou nenhuma pretensão de crítica. Esta
característica pudemos observar principalmente no capítulo dedicado a Chichorro, que
através da figura de Chico Fumaça tece comentários aparentemente ingênuos e por vezes
favoráveis ao regime nacional socialista. Porém, seria esta característica de seus desenhos
apenas uma técnica utilizada ou era movida por outros propósitos?
Conforme visualizamos, as charges de Eloy encontram dois momentos principais:
antes da declaração de guerra do Brasil às forças do Eixo e após este ato. Em cada uma
destas fases, o desenho encontra características distintas, sendo que na primeira as críticas
eram escassas e ralas, tendendo por vezes à complacência para com os nazistas, enquanto
na segunda os comentários se tornam mais mordazes, criticando vários aspectos da
ideologia de da conduta nacional-socialista. Fica claro que o tratamento de Chichorro para
com os alemães está de acordo com o tratamento diplomático dispensado pelo próprio
governo brasileiro naquele período. Porém, quando comparados aos desenhos de Belmonte,
notamos algumas omissões de Chichorro – por quê elas ocorriam?
Algumas possibilidades são lançadas na busca desta resposta. A primeira é a de que
o autor teria alguma forma de simpatia pelo sistema Fascista e em especial o Nazista. Nada
impossível, uma vez que Alceu Chichorro estava inserido na sociedade curitibana,
historicamente conservadora e com fortíssima presença ítalo-germânica na sua população.
Além disso, a admiração pela organização e pela competência alemã em reformar seu
Estado era corrente em vários países, o que era impulsionado pela máquina de propaganda
nazista e pelo afastamento destes observadores do sistema totalitário alemão80. Porém, as
aspirações políticas de Alceu e sua luta pela Democracia e pelo fim da ditadura de Vargas
denunciam o oposto.
Alguns desenhos do chargista paranaense, entretanto, reforçam a teoria da simpatia
pessoal de Chichorro para com o sistema nazista. O primeiro exemplo que analisaremos
80 Caracteriza-se por autoritário o regime que centraliza o poder nas mãos de uma só pessoa, diminuindo o poder do senso comum ou da opinião pública e colocando numa posição secundária as instituições representativas. As ideologias autoritárias primam pela desigualdade entre os homens, colocando de forma decisiva os princípios hierárquicos por elas definidos. Já o Totalitarismo pretende instalar uma postura extremamente autoritária no Estado e se utiliza do terror (violência física e psicológica) para isolar o indivíduo do restante da sociedade, o que facilita o controle. Busca também através da violência eliminar qualquer oposição aos seus métodos. Segundo a filósofa Hannah Arendt, existem dois exemplos clássicos de Estado totalitário: a União Soviética de Stalin e a Alemanha nazista. (ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo : Cia. Das Letras, 2000.)
94
mostra Chico Fumaça conversando com um membro da colônia alemã de Curitiba. Este
aparece com um “broche” ostentando a cruz suástica, apoiando a candidatura de Gustavo
Wenske, importante industrial curitibano que concorria à deputação estadual. Uma pequena
anedota81 acompanha a ilustração, porém, a intenção de Alceu vai além do apoio a um
membro da colônia alemã: seu apoio é direcionado á candidatura paranaense, numa luta
simbólica que Chichorro travou nas páginas dos jornais contra os adventistas, candidatos
paulistas que buscavam se eleger no Paraná.
Fonte: ELOY. O Dia. Curitiba. In Alceu Chichorro.
O segundo exemplo faz parte da coleção de desenhos de Chico Fumaça que
serviram para propósitos propagandísticos comerciais. Como já pudemos visualizar no
81 - Que tal nosso candidato, Herr Fumaça? - Magnífico! O senhor Wenske será um deputado consciencioso. Pelo menos não desmentirá que
sabe fazer fitas!... (em alusão á fábrica de fitas que o candidato possuía na cidade).
95
capítulo 04, o calunga de Chichorro era freqüentemente procurado para ilustrar as
propagandas dos anunciantes do jornal. Um destes anunciantes foi a cerveja Atlântica, que
teve um desenho a ela dedicado no dia do trabalho. Nele, Fumaça está discursando para
uma grande multidão82, proclamando o valor da bebida. Chamam a atenção do leitor o
título: “Fumaça Hitlerista” e a suástica ostentada pelo personagem.
Fonte: ELOY. O Dia. Curitiba. In Alceu Chichorro.
Mais uma vez, entretanto, a idéia de Chichorro como simpatizante do Nazismo pode
ser desfeita quando procuramos alguma referência à cervejaria em questão. A Atlântica
fazia parte da “Câmara de Comércio Teuto-brasileira em Curitiba”, sendo inclusive uma
das várias empresas patrocinadoras da “Semana Allemã” na capital paranaense. Podemos
supor, assim, que o desenho acima tenha sido encomendado pela empresa e que Alceu o
tenha produzido apenas como cumprimento do dever. Desta forma, Chichorro estaria
82 Senhores, no dia consagrado ao trabalho, eu vos aconselho a trabalhar! E como o trabalho dá força,
vigor e saúde, deveis beber a “Bock-Bier”, da Atlântica, que nella encontrareis tudo isso!...
96
apenas buscando seguir a orientação editorial d´O Dia, que visava ser neutro na transmissão
da notícia e da opinião, bem como a missão do jornalista, o que já foi discutido na
introdução deste trabalho.
O mercado curitibano também poderia ter influenciado os desenhos de Eloy, uma
vez que a presença alemã na cidade era marcante e relevante. Assim, visando uma maior
vendagem entre a população teuto-brasileira simpatizante do nazi-fascismo, as charges não
criticariam o regime e os líderes alemães abertamente. Porém, se esta fosse a verdadeira
razão da leveza das críticas de Chichorro ao Nazismo nos primeiros anos da guerra e
anteriores, esta política possivelmente teria sido mantida após 1942. Desta forma, para
acompanhar a possibilidade da orientação pretensamente isenta do jornal e do jornalista,
uma quarta idéia se apresenta – e é esta, em nossa opinião, a mais forte delas – a da atuação
da censura do DIP durante o Estado Novo. Esta hipótese explicaria a duração das críticas
brandas e a mudança de ênfase a partir da declaração de guerra brasileira.
Esta extensa análise dos desenhos de Chichorro presta-se a nos relembrar as
intenções que se escondem por detrás do humor das charges, em especial das políticas. O
terceiro caso analisado nesta monografia, o das charges do Der Stürmer, também teria um
propósito bem definido. Através de um humor por vezes negro e grotesco ou de uma
simples panfletagem política e racista, o semanário proporcionava uma grande assistência
ao governo hitlerista na busca do fomento ao anti-semitismo da nação alemã. Em outros
termos, o humor de Rupprecht serviu como uma alavanca para o ódio dos arianos para com
os judeus, não se dirigindo à “inteligência pura”83, como pregava Bergson, mas a um dos
sentimentos mais recônditos do ser humano, qual seja, o ódio.
A forma com que se deu esta ação pudemos visualizar no capítulo 06. A
demonização e a satirização dos elementos supostamente nocivos à sociedade (os israelitas,
comunistas e em muitas situações os católicos) tinham a função de alertar os cidadãos sobre
o caráter supostamente anômalo destes grupos. A busca era por uma uniformização das
idéias raciais e da moral do povo alemão, negando nesse processo a moral cristã, judaica ou
qualquer outra e impondo a moral do Partido Nazista, processo acelerado e intensificado
pelo Terror empreendido pela polícia secreta e pelas outras formas de propaganda
empregadas, como panfletos e discursos radiofônicos.
83 BERGSON, Henri. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 4.
97
Verificamos, assim, a ratificação da validade da teoria de Bergson a respeito da
utilização (consciente ou não) do riso como regulador social. A idéia do filósofo francês é
de que o humor, enquanto estimulador do riso, visa principalmente o ponto de ruptura da
harmonia social, ou seja, visa aquele indivíduo ou grupo que, seja por seus costumes, por
sua natureza ou por sua índole, mostra-se diferente daquilo que é entendido como normal
naquela sociedade. Desta forma, o chiste causa o riso ao abordar o “anormal” e
automaticamente o sentimento de humilhação no indivíduo ou no grupo alvo da crítica, o
que o leva a se corrigir ou ao menos a não demonstrar mais o erro. Nas palavras de
Bergson:
Se Harpagon84 nos visse rir de sua avareza, eu não lhe digo que se corrigiria,
mas a mostraria menos, ou a mostraria de outro modo. Podemos dizer desde já: é
nesse sentido, sobretudo, que o riso “castiga os costumes”. Ele nos faz tentar
imediatamente parecer o que deveríamos ser, o que, sem dúvida, acabaríamos
um dia por ser de verdade.85
Com o Der Stürmer a população alemã passou a “ver” a quebra da harmonia social
que os judeus promoveriam e, como não havia a possibilidade deste “erro” se corrigir
sozinho, passou-se a aceitar a idéia da extirpação deste “corpo estranho” da sociedade. Da
mesma forma, através do riso, Chichorro buscou convencer a sociedade paranaense da
desarmonia que os adventistas traziam para o Estado do Paraná, bem como Belmonte
buscava transmitir a visão da ruptura que os nazistas e suas idéias impunham à harmonia
européia e mundial.
Neste sentido, as charges têm seu lugar no espaço público, na arena de discussões.
Sua função de expositora e de formadora de opiniões permanece marcante, seja como
crítica a um governo ou como apoio ao mesmo, seja em Democracias ou Ditaduras. Da
mesma forma que os chargistas atuaram nas décadas de 30, combatendo ou alicerçando
políticas governamentais, hoje ainda se destacam na formação da opinião popular, aliando-
se ao poder vigente ou a ele se opondo, as charges continuam tendo grande atração para os
leitores e ainda possuem a capacidade de influenciar, de alguma forma, a sociedade.
84 Personagem da peça L´Avare, de Molière, cuja característica principal é a avareza. 85 BERGSON, Henri. Op Cit. p. 13.
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