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HISTÓRIA DA TECTÔNICA DE PLACAS E A QUESTÃO IMAGÉTICA: UMA ABORDAGEM EM SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA
CAROLINE ANDREASSA CARACHO1
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo tratar da história da Teoria da Tectônica de Placas,
processo dado no século XX, a partir do recorte em torno dos navios de pesquisa. Estes foram
utilizados para a obtenção de diversos dados acerca do assoalho oceânico. Tais navios
proporcionaram não somente informações e teorias importantes que fundamentaram a Tectônica
de Placas dentro do meio científico como, também, seus cientistas tripulantes desenvolveram
técnicas e aplicações que poderiam ser utilizadas ao mesmo tempo para interesses econômicos,
análise de recursos e, por fim, interesses bélicos. A partir do estudo desse processo de
quantificação imagética dado pela instrumentalização científica, no século XX, serão feitas
análises e comparações dentro das problemáticas concernentes ao campo de Ciências da Terra.
Para isso será utilizada a teoria Ator-Rede de Bruno Latour.
Palavras-chave. Geociências – história. Tectônica de Placas. Ilustrações científicas. Teoria Ator-
Rede. Ciência – aspectos sociais.
Abstract The present work has as objective to deal with the history of Plate Tectonics Theory, a process
given in the twentieth century, from the clipping around the research vessels. They are used to
obtain various data around the ocean floor. These ships provided not only important information
and theories that grounded Plate tectonics within the scientific community, but also their crew
scientists developed techniques and applications that could be used at the same time for
economic interests, resource analysis and, finally, militar interests. From the study of this process
of imagery quantification given by scientific instrumentalization, in the twentieth century, will be
made analyzes and comparisons within the issues concerning the field of Earth sciences. Bruno
Latour's Actor-Network theory will be used for this essay.
Key-words: Geosciences - History. Plate tectonics. Scientific Illustrations. Actor- Network Theory.
Science - Social aspects
1.Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tratar da questão imagética
científica através de livros e artigos acerca das pesquisas marítimas que
ocorreram por volta dos anos 40 aos anos 60 durante o século XX e que
culminaram, por fim, na construção da Teoria da Tectônica de Placas. Dentro
das disciplinas inclusas na grande área das Ciências da Terra como – desde a
Geografia até as Geociências – a questão imagética não é só relevante, mas,
1 Mestranda do programa de pós-graduação em Ensino e História de Ciências da Terra da Universidade Estadual de Campinas. E-mail de contato: ca.andreassa@gmail.com / caroline.caracho@usp.br
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também, crucial no que se trata do convencimento da validade de estudos entre
os pares científicos.
Nos últimos anos, desde os anos 30 (século XX), com o advento de
diversas tecnologias e instrumentalizações, o mapeamento terrestre se tornou
cada vez mais quantificado. Os fenômenos e estruturas terrestres são
parametrizados, capturados numericamente e tem seus dados processados
através de máquinas/computadores culminando, por fim, em uma imagem
científica. Esta pode tanto explicitar quanto para traduzir fenômenos terrestres e
mapear certas áreas de acordo com interesses e/ou recursos analisados em
determinas pesquisas científicas.
Portanto, dentro do fazer científico, tanto o cuidado de confecção de tais
imagens, quanto ao que se trata da escolha dos dados e os interesses
envolvidos em tais pesquisas, resultam na elaboração de uma imagem final:
fundamental nos debates dentro de artigos científicos e outras publicações do
ramo. Essas delimitam e configuram o próprio território, além do nosso olhar
acerca da própria Terra e seus fenômenos dinâmicos. Além disso, facilita a
análise e obtenção de recursos naturais específicos.
Nos dias atuais, praticamente nada escapa das imagens realistas obtidas
por satélites, porém, dentro do recorte histórico deste artigo, estes eram uma
tecnologia que ainda estava sendo desenvolvida e que foi, posteriormente,
melhorada. Com isso, os navios-pesquisa foram essenciais para analisar linhas
marítimas em torno do globo, as quais serviram como base para a formulação
de diversas teorias científicas tais como a importantíssima Teoria da Tectônica
de Placas, que dita a base das Geociências até os dias de hoje. Esse tipo de
trabalho era feito a partir de recursos obtidos devido interesses bélicos/militares
norte-americanos pós grandes guerras mundiais e durante a Guerra Fria
(Menard, 1986; Oreskes, 2001). Neste estudo serão analisados os processos
de captações de dados por tais laboratórios marítimos e a confecção imagética
dentro das Geociências nessa época, fazendo uma breve comparação quanto a
mudança de perspectivas no confeccionando de tais imagens dentro das
chamadas Ciências da Terra.
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2. Metodologia
Para a análise documental serão utilizados o livro The Ocean Of Truth de
Henry William Menard (1986), cientista atuante nesse processo histórico, o qual
relata diversos depoimentos e explicita redes imbricadas aos laboratórios
americanos na época, bem como a compilação de Naomi Oreskes chamada
Plate tectonics: An insider's history of the modern theory of the Earth (2001), livro
no qual possui diversos relatos de cientistas atuantes nesse dado contexto.
Como complementação, serão utilizados alguns artigos de referência publicados
na época em revistas de renome como a Science.
Para analisar tais documentos e trabalhos, serão utilizados como base
autores da chamada sociologia das ciências pautada na teoria ator-rede, como
Bruno Latour. Dentro dessa mesma linha, será utilizado também os estudos de
Lorraine Daston (1992; 1999)2, e o de Rudwick (1982)3.
3. Análise e discussão
3.1. Resumo acerca da construção da Teoria da tectônica de Placas
Para se introduzir ao contexto tratado neste artigo, um breve tópico
explicitando o resumo cronológico acerca do desenvolvimento da Teoria da
Tectônica de Placas será apresentado através de uma figura esquemática.
2 Construção do conceito de objetividade dentro das ciências e imagens científicas 3 Acerca da evolução das imagens em geociências até o fim do século XIX.
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Figura 01. Cronologia da construção da Teoria da Tectônica de Placas. Autoria própria
Assim, pela figura acima, é possível se situar através da desse processo
– que não foi curto comparado outras descobertas científicas relevantes
comumente trabalhadas – pelo desenvolvimento causal de tais ideias. Em
resumo, a partir da ideia da Teoria da Expansão do Assoalho oceânico em
conjunto com a Hipótese de Vine-Matthews Morley e a de Falhas
Transformantes, criou-se uma base para a construção da Teoria da Tectônica
de Placas. É notável explicitar que existiam teorias concorrentes em
determinadas épocas, tais como a teoria da Terra em Expansão e, mais para o
início do século XX em conjunto com a Teoria da Deriva Continental, a Teoria da
Terra em Contração (Menard, 1986; Oreskes, 2001).
3.2. Contexto dos laboratórios
Primeiramente, é preciso explicitar os dois grandes laboratórios de
pesquisa mantidos pela marinha americana e por universidades coligadas, o
quais eram os maiores responsáveis pela pesquisa e mapeamento do fundo do
assoalho oceânico e pesquisas marítimas em geral pós Segunda Guerra
Mundial, ou seja, com influência principalmente a partir dos anos 40. O primeiro
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é o Laboratório de Scripps4 da Califórnia, fundado em 1903. Roger Revelle
[1909-1991], foi diretor entre 1951 e 1964 e importante colaborador para tais
pesquisas. O segundo, o de Lamont5, fundado por Maurice Ewing6 [1906-1974]
em 1949. Menard explicita em seu livro The Ocean of Truth (1986, p.40), que
Ewing e Revelle desenvolveram, independentemente e em seus próprios estilos,
“instrumentos para uma exploração geológica contínua”. Ambos laboratórios
utilizavam navios equipados com medidores de parâmetros científicos diversos.
Exploravam continuamente os oceanos, com o devido cuidar de se fugir dos
invernos em cada hemisfério. Além desses fatores, havia um grande interesse
econômico de petrolíferas em relação às expedições de exploração marinhas,
aumentando o investimento em geofísica e geologia marinha, principalmente na
área de sismologia quanto a questão exploratória (Menard, 1986).
Figura 02. Esquema de redes dos cientistas participantes e questão de recursos. Autoria
própria
4 Nome completo: Scripps Institution of Oceanography. (MENARD, 1986) 5 Nome atual: Lamont-Doherty Earth Observatory (MENARD, 1986) 6 Geofísico e oceanógrafo especializado em sismologia, que ganhou a Medalha Penrose postumamente. (MENARD, 1986)
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É considerável expor que muitos desses cientistas participantes de tais
redes laboratoriais eram ex-oficiais da marinha. Estes laboratórios obteriam
muitos recursos da marinha americana, consequentemente. O esquema a seguir
resume a rede de cientistas atuantes nesse processo para facilitar o
entendimento panorâmico de tais relações de redes.
Ambos laboratórios realizavam extensas pesquisas levando diversos
cientistas especializados e capturavam, através de diversos equipamentos
adaptados, inúmeros dados em busca de sanar interesses científicos, mas,
também, mapear tais áreas até então pouco conhecidas detalhadamente. Tais
processos envolviam desde aquisição de dados geofísicos, tais como sismologia
aplicada através de pequenas explosões, captura de dados magnéticos,
batimetria, amostras de rochas e outros materiais dragados do fundo do oceano
quando possível, análises biológicas, geoquímicas, etc. Após isso, tais dados
eram processados, alguns em épocas mais tardias, com o auxílio de
computadores e plotters, e traduzidos em imagens científicas (Menard, 1986,
p.41-42).
Tal mapeamento se deu em escala global e, consequentemente,
influenciou pesquisas no mundo inteiro. Tais relações com interesses bélicos
não são ao acaso, isso também é relatado por Ron Mason7 na compilação de
Oreskes (2001, p.34). Vale lembrar que tais viagens e metodologias utilizadas
nos navios eram realmente arriscadas para tais tripulantes. (Menard, 1986;
Oreskes, 2001). Tais laboratórios também tinham relações com outros tipos de
pesquisa como análises de explosões teste de bombas nucleares8.
7 Cientista importante dentro desse recorte histórico. 8 Vide artigos publicados na revista Science constados nas referências bibliográficas deste trabalho.
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Figura 03. Rotas dos navios de Lamont. A rota do Eltanin-19 está em destaque. De acordo com
Menard, foi necessário manipular os dados por computador para produzir perfis
perpendiculares para a Elevação do Leste do Pacífico. Essa é uma ilustração em computador
produzida por Dennis Hayes. Retirado de Menard (1986), nos anexos entre as páginas 118 e
119.
3.3. Paleomagnetismo e Hipótese de Vine-Matthews-Morley
Diversas especializações científicas dentro da área de Geociências
surgiram e cresceram durante esse período de tempo. Uma das mais cruciais
para o desenvolvimento da Teoria da Tectônica de Placas foi o
paleomagnetismo. Primeiramente, começa a se considerar que o campo
magnético terrestre invertia sua polaridade de anos em anos e que rochas no
momento de sua formação – quando os sedimentos são depositados ou a lava
se resfria – registram o vetor do campo magnético remanente. Partindo do
pressuposto de que rochas são materiais estáveis e, com o advento de outra
especialização chamada geocronologia, foi possível relacionar amostras de
rochas com o campo magnético terrestre de sua formação, remontando
posicionamentos de rochas em um passado geológico distante.
Victor Vacquier [1907-2009] criou o magnetômetro fluxgate na década de
30, posicionados em aeronaves. Estes eram usados para detecção de
submarinos inimigos no fundo do mar durante a Segunda Guerra Mundial. Após
tal guerra, ele produziu uma adaptação para a utilização nos navios de pesquisa
aqui tratados (Menard, 1986; Oreskes, 2001, p.32). Pelo basalto ser um material
altamente magnético, junto com a teoria da magnetização remanente das
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rochas, eram captados através de tais magnetômetros faixas do fundo do
assoalho oceânico. Como este é composto basicamente por rochas basálticas,
resfriadas das lavas das grandes dorsais, era possível extrapolar e medir através
dos navios tais valores magnéticos remanentes registrados em tais rochas
(Frankel, 1982; Menard, 1986; Oreskes, 2001).
Após a obtenção desses valores, foram observadas faixas que pareciam
listras: se intercalavam entre padrões pretos e brancos de acordo com a
reversão/inversão do campo magnético remanente de tais rochas.
Posteriormente, começou-se através da geocronologia e do método de K/Ar9 a
relacionar tais padrões com suas datas de formação baseando-se no que se
sabia no paleomagnetismo de rochas continentais. Com isso, comparando a
idade das rochas com os valores das linhas magnéticas, as faixas mais próximas
das dorsais, passíveis de serem medidas, eram formadas por rochas mais
recentes que as faixas em lugares de bordas destrutivas. Era possível extrapolar
-através de uma linha geocronológica comparativa com as idades registradas de
inversão de polarização magnética terrestre – uma visão generalizada da
formação da crosta oceânica e sua destruição. Posteriormente, isso ajudaria a
mostrar em uma escala global a relação de criação e destruição de tais rochas
do assoalho oceânico, o que explicaria um regime de Expansão do Assoalho
Oceânico – uma espécie de Deriva Continental – sem supor que a Terra estava
se expandindo como alguns cientistas acreditavam na época (Frankel, 1982;
Menard, 1986 Oreskes, 2001).
3.4. Eltanin-19: O perfil “mágico”
Este perfil é importante pois foi uma imagem decisiva para o
convencimento de diversos pares científicos com relação a Teoria da Expansão
do Assoalho Oceânico que, com a Teoria das Falhas Transformantes, seria
reformulada no que chamamos de Teoria da Tectônica de Placas. O navio
Eltanin foi um dos diversos navios de pesquisa que circularam capturando tais
9 Método potássio- argônio é um dos métodos mais comuns em geocronologia.
9
dados. Os planos de expedição eram de fazer duas longas “travessas [linhas]
geofísicas” na Dorsal do Pacífico-Atlântico, obtendo dados magnéticos,
topográficos e de sísmica de reflexão. Desse modo, uma das linhas magnéticas,
chamada Eltanin-19, foi a utilizada para a composição do perfil apresentado na
Figura 04; (Frankel, 1982; Menard, 1986; Oreskes, 2001).
Essa imagem (Figura 04) - ao se analisar com um olhar leigo - parece
incompreensível: várias curvas/picos, quantificações e eixos e um comparativo
esquemático ao final da figura representando as faixas de magnetismo
reverso/inverso de acordo com a época da formação de tais rochas. Ele foi feito
através de um processamento de dados, onde Vine ficou impressionado com
sua qualidade ao ver tais resultados mostrados por Jim Heitzler. Assim, esse
perfil foi publicado em 1966 (Oreskes, 2001) e foi considerado por muitos o “perfil
mágico”, pela sua quase inacreditável simetria: faixas de pico correspondentes
em ambos os lados do eixo central que seria a dorsal Quase uma “transcrição
perfeita da Natureza”, onde os dados matemáticos mostram o fenômeno que
buscava-se parametrizar (Frankel, 1982; Menard, 1986; Oreskes, 2001).
Figura 04. Perfil Eltanin-19 representado pela curva central. É possível reparar na incrível
simetria entre as anomalias magnéticas positivas e negativas entre os dois lados da Dorsal
(região central do esquema abaixo). O modelo computadorizado dos dados estimado para a
área (última curva) também corresponde bem aos dados obtidos nela (Eltanin-19). A primeira
curva corresponde ao perfil reverso. Retirado de Frankel (1982) com referência ao artigo de
Pitman e Heitzler (1966, p.1164).
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4.1. Evolução da imagética científicas dentro das Ciências da Terra (em
especial, dentro das Geociências)
Rudwick (1976) é um dos historiadores mais relevantes em Geociências
e possui um trabalho que explicita a evolução e a importância da imagética
dentro do desenvolvimento dessa área. Ele mostra como tecnologias, tais como
diferentes técnicas de gravuras, foram importantes para a elaboração e
divulgação de croquis e imagens geocientíficas. Perpassando por seus
comparativos, como a imagem em Geociências mudou hoje com o advento de
novas tecnologias e o processo de quantificação científica? É notável como a
necessidade de parametrizar os fenômenos e mapear a Terra substancialmente
aumentaram no Século XX com as chamadas Guerras Mundiais e a posterior
Guerra Fria.
Esse artigo explicita o processo ocorrido nos EUA, que foi de escala
global. A fragmentação de diversas áreas científicas, coleta de dados específicos
e a elaboração final de um mapa que reduz um território de acordo com os
interesses escolhidos, se pautando na fidelidade objetiva/numérica, ou seja, de
acordo com a tendência atual de justificar através de equações e estatísticas, é
evidente (Latour, 2000; Daston & Galison, 1992). Existe ainda a necessidade de
observação e comparação com meio, porém a “matematização” vem com o
advento de se poder explorar melhor tais recursos. Lorraine Daston (1999) trata
de estudar as origens das objetividades da imagem científica. Ela separa em
duas categorias: objetividade mecânica, advinda de instrumentalizações, e a
comunitária, que envolveria uma ampla rede de cientistas em busca de uma
imagem padronizada global. Assim como Latour (2000) trata de um padrão e da
importância da imagem obtida pelo instrumento, neste caso, dentro das
Geociências, essa seria a transcrição natural da Terra.
Pode-se se dizer que no caso dessa história há uma união das duas
classificações. Se transportarmos para os dias atuais, é a tendência que todas
as áreas que estudam o sistema Terra seguem, através de mapeamentos ainda
mais tecnologicamente avançados e amplos, tais como satélites. Talvez o maior
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peso hoje é que tal mapeamento transpassa a necessidade de se conhecer o
território inimigo, foi para a exploração extrema de recursos e agora tais
consequências se apresentam nas catástrofes ambientais humanas e
aceleramento de mudanças climáticas, tais como aquecimento global.
5.Conclusões
Ao explicitar as relações imbricadas em redes de cientistas e laboratórios
de pesquisa em conjunto com o aspecto móvel dos navios de pesquisa marinhos,
é possível discernir a dimensão social, econômica e, até mesmo, territorial
consequente desse processo histórico. A facilitação para obtenção de recursos
e análises de territórios externos, bem como a defesa dos internos, eram os
motivos principais que justificam o bruto investimento da marinha americana
nestes laboratórios. Além disso, tais centros de pesquisas também estavam
ligados a outros projetos bélicos importantes, tais como estudos de efeitos de
testes de explosões de bombas atômicas. Portanto, ao se tratar da história do
desenvolvimento da Teoria da Tectônica de Placas é possível afirmar que houve
decisiva influência de fatores externos no que se diz ao investimento e
manutenção de tais centros de pesquisa. Além disso, no sentido epistemológico
mais estrito, trata-se de um teorema que mudou toda uma base dos estudos em
Ciências da Terra, influenciando a pesquisa de forma global e no modo como
enxerga-se os processos dinâmicos terrestres (Menard, 1986, Oreskes, 2001).
Além disso, dentro do campo imagético científico, o processo de
“matematização” das ciências é evidente em todas as áreas e não seria o
contrário dentro das Ciências da Terra. O interessante de se notar é o reflexo
das análises observacionais da Terra, sua parametrização e assemelhação a
outros tipos de gráficos em ciências puramente exatas. As imagens
observacionais dão cada vez mais lugar para as obtidas diretamente por meio
de instrumentos hipertecnológicos. Os esquemas e diagramas viram apenas
auxiliares de compreensão dos processos fenomênicos. Desse modo,
fotografias e imagens de satélites, além de dados físicos de parâmetros
específicos por metodologias simulatórias tais como sismologia aplicada,
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batimetria, paleomagnetismo, entre outras especializações, produzem imagens
de prova científica obtidas diretamente por máquinas/instrumentos específicos.
É como, para muitos, estivéssemos, por meio de fórmulas e captações
maquinárias, fazendo uma transcrição da Natureza, livre dos erros humanos. O
que pode ser problemático, no entanto, é nos esquecermos que a interpretação,
a produção e a autoridade do cientista que trabalha na obtenção de dados e na
elaboração de imagens são tão necessárias para sustentar tais conhecimentos
quanto a máquina. Mais do que isso, um não é nada sem o outro. Nem a imagem
se valida sem um cientista autorizado que a explique. (Latour, 2000; Daston &
Galison, 1992; Galison, 1999)
Estudar as redes de investimentos e intenções pode nos revelar certas
problemáticas que desaparecem ao se apresentar um artigo ou discurso
científico pronto, solidificado (Foucault, 1995; Latour, 1994, Id. 2000). É
essencial lembrar, portanto, que os tipos de escolhas nas produções e
apresentações de gráficos bem como enquadramentos de fotos também são
escolhas. Que os investimentos laboratoriais e seu sustento possuem influência
econômica e discursiva. A ciência pronta, dada nos artigos e outras burocracias
produtivas, se distancia do mundo do cidadão leigo justamente porque esta não
compartilha a mesma linguagem. Se mostra como uma produção finalizada da
objetividade. Em sua prática, é uma produção feita de ação e que possui
dificuldades teóricas, políticas e econômicas, bem como se produz através de
análises de erros e acertos, assim como qualquer trabalho humano. Abrir a caixa
desse processo, ou seja, as portas dos laboratórios e instituições, pode ser mais
elucidativo para uma população desconectada desse tipo de produção - ou
mesmo para outros pesquisadores, devido à enorme fragmentação e
hiperespecializações das pesquisas atualmente - que simplesmente apresentar
fatos purificados e cristalizados utilizando como recuso apenas a autoridade
científica. (Latour, 1994, Id. 2000)
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