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HOMOSSEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: INVESTIGAR PARA COMPREENDER
E RESPEITAR
Luís Carlos Silva da Cunha (UFRJ- FE) 112 Silvia Gabrielle Braz Coimbra (UFRJ-PPGE)
Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral
INTRODUÇÃO
Investigar, pesquisar e escrever sobre os diferentes comportamentos do ser humano num
determinado lugar e tempo tem sido campo de estudos ao longo dos anos para diversos
sociólogos, filósofos e psicólogos e tem sido de grande valia e forte impacto para uma
compreensão maior e melhor sobre os sujeitos da nossa sociedade. Tais estudos nos tem
feito refletir acerca de qual sociedade vivemos, reproduzimos e/ou queremos reconstruir.
A partir destas reflexões, que se aprofundaram ao ingressar no universo acadêmico, nos fez
observar atentamente para uma questão tão atual, porém antiga ao mesmo tempo, a
diversidade sexual, mais especificamente a homossexualidade. O que causou incômodo e
nos fez investigar no âmbito da formação docente, se pedagogos em formação e
licenciandos, sentem-se preparados para lidar com a diversidade sexual dos alunos dentro
da escola e/ou na sala de aula, conseguindo interagir e agir naturalmente quando uma
situação rotineira nos defronta.
Assim dizendo, o trabalho surgiu devido a algumas experiências vividas pelo autor
enquanto pedagogo em formação por meio dos estágios das práticas de ensino, através da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vale destacar que ao perceber essa nova
configuração de escola e alunos, percebemos uma expressiva mudança de comportamentos
e posturas da atual geração de alunos, à geração de dez anos atrás. Enquanto que apenas
dois, no máximo três alunos no âmbito escolar, impunham uma postura assumida referente
112 Este trabalho é orientado pela Prof.Dr. Maria Vitoria Campos Mamede Maia, orientadora do autor em sua monografia de final de curso que versa sobre o mesmo assunto. O autor participa do grupo de pesquisa Criar e Brincar – LUPEA.
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a sua sexualidade113, no dias atuais, 20% dos alunos, são homo afetivos (homem e mulher),
assumidos para pais, colegas, professores e funcionários. O que nos mostra que realmente
há uma mudança quando o assunto são as relações homo afetivas mais visíveis; sem
precisar citar os meios de comunicação, mais especificamente, a televisão, na qual muitas,
ou quase todas, telenovelas trazem personagens de destaque homossexual. Porém, não
iremos enveredar para esta esfera.
Nosso principal foco aqui é investigar, através de entrevistas e depoimentos, se educadores
formandos conseguirão lidar e/ou resolver futuros empasses acerca da homossexualidade
tão presente nas instituições de ensino. Contudo, para iniciarmos uma discussão com
propriedade, não basta nos retermos aos conhecimentos de nível senso comum, afinal, uma
das intensões deste trabalho, é poder a partir da ética, da solidariedade e das consciências
das relações existentes entre raça, gênero e classe, desenvolvermos a capacidade de
perceber o outro apenas como um outro e não como um estranho (Frazão 2003).
Teoricamente apoiamo-nos em especialistas da área como Louro (1997), Stoller (1978),
Grossi (1998), Frazão (2003) entre outros que nos ajudam a compreender de forma crítica
e solidária todas as desigualdades criadas e perpetuadas através dos anos.
Como metodologia deste trabalho, a pesquisa tem cunho qualitativo principalmente , tendo
em um primeiro momento sido feito um estudo quantitativo em relação às respostas dadas na
aplicação teste do questionário desta pesquisa. Pretendemos mostrar por meio dos
entrevistados o quanto a nossa opinião e conhecimento, estão atrelados aos conhecimentos
de senso comum e muitas das vezes não percebemos ao expor; A fim de gerar uma reflexão
crítica de qualidade construtiva para um bem estar maior. Como instrumentos da pesquisa,
fazemos uma revisão bibliográfica (citado acima). Fazemos também uma pesquisa de campo
(ainda em andamento), observando os espaços educacionais, sendo eles o ensino médio de
uma escola da rede estadual do Rio de Janeiro e espaço de ensino superior de esfera pública
federal; também inserimos entrevistas semiabertas com professores e alunos das mesmas
instituições, com intuito de preencher substancialmente o objeto e objetivo desta pesquisa. E
por fim, ocorrerá uma análise de conteúdos de todas as entrevistas realizadas.
113 Informação inserida a partir das experiências vividas pelos autores.
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Re/Conhecendo gênero e sexo
Falamos anteriormente que para alcançarmos um objetivo, precisamos ter um forte alicerce para
debater, questionar e sugerir políticas e medidas (não compensatórias), para as questões homo
afetivas expostas nas escolas. E para isso, nosso ponto de partida, é compreender as diferenças
entre sexo e gênero. Segundo Louro (1997), entendemos que sexo trata-se do biológico (homem,
mulher e hermafrodita, este último ainda considerado anomalia humana, o que gera outra discussão
mais profunda que não será abordada aqui), enquanto que gênero (Scott 1995), é a construção
social e histórica a partir da diferenciação biológica. Assim como diz Robert Connell (1995 p. 189),
“no gênero, a prática social se dirige aos corpos”, servindo apenas para justificar comportamentos
sociais entre homens (atributos de masculinidades) e mulheres (atributos de feminilidades). Esses
apontamentos nos ajuda a começar a ter uma compreensão renovada acerca dos rótulos criados
sobre os sujeitos que vão contra a toda essa construção social de uma heteronormatividade cristã
europeia, que tem causado desigualdades sem fim. No entanto, cumpre destacar que nessa busca, o
reconhecimento das diferenças não pode levar a extremos de desigualdade, haja vista que
desigualdade é um conceito ético, relativo a dignidade coletiva (FRAZÃO, 2003). Para reafirmar
essa compreensão acerca das desigualdades geradas por meio das ideias heteronormativas,
podemos ainda nos apoiar em estudos realizados por Louro (1997, p. 22), quando esta diz que:
as justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas, mas nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade e nas formas de representação.
Conseguindo enxergar essas diferenças construídas ao longo dos anos, cabe-nos procurar entende-
las e colocar em prática, uma nova concepção de indivíduos, ou seja, desconstruir a expectativa de
se ter um sujeito adequado a heteronormatividade cristã europeia. Todavia, concordamos com
Louro (1997, p. 24), que a partir dos Estudos Femininos e Estudos Culturais, compreendemos os
sujeitos com identidades plurais, múltiplas; e identidades que transformam, que não são fixas ou
permanentes, podendo ser contraditórias. O que nos leva a nossa segunda investigação: “O que é
homossexualidade?”
Homossexualidade, conceitos e ramificações.
Há diversos entendimentos para a homossexualidade em si, e para nos dar um bom alicerce inicial,
decidimos investigar no dicionário da língua portuguesa, o significado dado ao Homossexual:
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Homossexual. Adj 1. Relativo ao comportamento sexual entre indivíduos do mesmo sexo. Homossexualidade: caráter de homossexual. Homossexualismo: Prática do comportamento homossexual”. (DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2012 p. 214)
Se usarmos apenas a explicação do dicionário para entender os conceitos apontados aos sujeitos
homossexuais, vamos diminuir nossa capacidade de compreensão crítica e construtiva. Pois vale
destacar, que ainda sim existem ramificações para designar sujeitos homo afetivos, e dentre um dos
mais usados que já está enraizado nos discursos populares é a denominação homossexualismo.
Lembrando que por mais que a psicanálise já tenha algum tempo retirado da lista de doenças o
homossexualismo, ainda há um ranso histórico do sufixo “ismo”, sendo este denominado as
patologias humanas. Contudo, ocorrem nos dias atuais lutas de ativistas e ONG’s homo afetivos,
para o fim desta denominação, a fim de desconstruir e desfazer toda carga histórica que a palavra
trás, apenas se referindo a homossexualidade dos sujeitos.
Há também o que discutir e entender acerca de algumas ramificações conhecidas aos
homossexuais, quando estes demonstram posturas/comportamentos contraditórios ao padrão da
sociedade. Sabe-se que um homossexual pode ter posturas adequadas a heteronormatividade, sem
“agredir” o padrão, enquanto que há aqueles que fogem a essa expectativa e causa o distanciamento
de alguns, gerando até mesmo a fobia. Concordamos com Louro (1997, apud MAC AN GHAILL,
1996 p.198), quando diz que:
é crucial manter uma conexão não-causal e não redutiva entre gênero e sexualidade. Exatamente devido ao fato de a homofobia operar muitas vezes através da atribuição aos homossexuais de um gênero defeituoso, de um gênero falho ou mesmo abjeto, é que se chama os homens gays de “femininos” ou se chama as mulheres lésbicas de “masculinas”.
Esse medo é entendido por nós, como um terror, por parte daqueles reconhecidos como
heterossexuais, de não serem reconhecidos como homens e mulheres, pois estes sujeitos
“femininos” e “masculinos” estariam agredindo e contradizendo o reconhecimento da identidade de
genero heteronormativa. E este conceito nos leva a algumas das resposta obtidas inicialmente nas
entrevistas realizadas pelos autores, quando a seguinte pergunta é levantada: “você se importaria
em ter um amigo/a homossexual?”. A resposta é surpreendente, mas ao mesmo tempo curioso, pois
diversos entrevistados respondem que não teriam nenhum tipo de problema, desde que este amigo
gay não “invadisse” seu espaço, o respeitasse e/ou não fizesse nada com ele (o entrevistado).
Contudo, percebemos nas análises feitas que muitos dos entrevistados (salientando que são
educadores em formação), trazem consigo consciente e/ou insconsciente o medo do não
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reconhecimento da sua identidade gênero e sexual ao manter uma relação com um amigo
homossexual.
Diante desta discussão envolvendo contato e convivência com amigos, alunos e familiares homo
afetivos, somos levados as questões elaboradas na pesquisa em questão.
Questionário para investigação
Voltando a nossa pesquisa de campo, cumpre apresentar as questões elaboradas a fim de entender e
compreender melhor os conhecimentos prévios dos alunos entrevistados para a construção do
trabalho. Foram elas:
1. Você se importaria em ter um amigo homossexual? Sim/Não? Por quê?
2. Para você homossexualidade é doença? Sim/Não? Por quê?
3. O tema “Homossexualidade na escola” foi abordado em sala de aula durante a sua
formação na universidade? Sim/Não? Comente.
4. Diante de sua formação acadêmcia, você se sente preparado para lidar com as questões
referentes as diversidades sexuais e de gênero no ambiente escolar? Se não, quais
seriam as dificuldades?
5. Você já vivenciou e/ou presenciou alguma situação de discriminação ou preconceito
numa instituição de ensino (escola, faculdade, cursos)?
É importante salientar que o dado apresentado, é resultado parcial do inicio da pesquisa que
encontra-se em andamento. Conseguimos observar pelas respostas dos alunos, que 100%
responderam que não teriam nenhum tipo de problema em ter um amigo homossexual; obtemos
alguns motivos, dentre eles, “respeita as escolas do outro, “Não interfere no relacionamento pessoal
e de aprendizagem”, “são como qualquer outra pessoa” e outros. Quando questionamos se
consideram doença, 4% disseram que sim, acreditam ter algum tipo de ligação com genética e
hormonal, e 96% responderam que não, dizendo que “opção/escola”, “natural”, “a pessoa nasce
assim”, curioso perceber que mesmo não considerando doença, muitos ainda dizem que ser
homossexual está ligado ao nascimeno e a genética. Acerca da abordagem sobre o tema dentro da
sala de aula, 21% dizem que o tema foi abordado, porém não aprofundado, apenas “pincelado”,
enquanto que 79% afirmam nunca ter debatido o assunto na sala de aula, e acrescentaram que
mesmo que não tenham discutido o tema, saberiam lidar com as diferenças, utilizando-se de
experiências vividas fora do âmbito acadêmico. Quando questionados sobre sua formação e se
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estão preparados para lidar com a diversidade sexual, 50% responderam que sentem-se preparados,
reafirmando que conseguem, pois presenciaram, vivenciaram ou convivem com amigos e
familiares homo afetivos. 25% disseram que não saberiam lidar com essas questões na escola e
50% não quiseram responder. Por fim, ao responderem se presenciaram alguma situação
preconceituosa, 50% responderam que sim e ainda acrescentaram que muitas das discriminações,
foram verbais, através de apelidos e nomes pejorativos. 37% disseram que nunca presenciaram
nada do tipo e 13% não quiseram responder.
A partir dos resultados inicias que obtivemos, podemos pensar e questionar quais os tipos de
formadores de opiniões e educadores, queremos para nossas escolas. Pode-se iniciar um bom
debate nas instituições e dentro das salas de aula, acerca da diversidade sexual e identidade de
gênero. Porque é no campo da educação que se encontra o maior desafio do ser humano; seja para
reconstruir uma nova realidade cultural com todas as contribuições científicas das diferentes
naturezas culturais e dos movimentos sociais (FRAZÃO, 2003), ou para alcançar o respeito a
condição desejada e sentida pelos sujeitos da nossa sociedade.
Ainda utilizando destes resultados, chegamos ao entendimento de que ocorre o conflito entre o que
é politicamente correto e o que “eu realmente sinto”. O que nos leva a ressaltar a importância de
haver debates e estudos mais aprofundados da diversidade sexual no dias atuais, buscado evitar tais
conflitos. E é encontrado nas respostas também, o ranso da ideia de uma escola como ambiente
sagrado, pois o que não é “normal” precisa permanecer invisível. O que nos remete a questão da
expectativa e perpetuação de individuos com posturas e comportamentos heteronormativos e
cristão, já citado anteriormente.
Algumas considerações
Contudo, vale salientar a importância da continuidade e ampliação desta pesquisa, sempre visando
alcançar possiveis debates construtivos, para assim, estabelecer uma nova visão pluri-étinca, que
divulgue um novo modelo de sociedade que respeite a diversidade humana, na sua especificidade,
pondendo contribuir com as gerações futuras e garantir a paticipação de novos atores na luta
(Frazão 2003). Todavia, poder possibilitar esse conhecimento, num momento de formação de
educadores, pode ser mais um passo para concretizarmos o ideal de uma sociedade mais justa e
igualitária. Por outro lado, vale reafirmar que os grupos ditos dominados são, muitas das vezes,
capazes de fazer dos espaços e das instâncias de opressão, momentos e lugares de resistência e de
exercício de poder (LOURO, 1997).
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Por fim, podermos estudar, investigar, militar e reivindicar nossos direitos, em algumas situações,
passar a ser nosso dever, pois amplia-se para o bem estar comum de todos, afinal, entender a
diversidade humana como riqueza é parte imprescindível da biodiversidade; entender as diferenças
étinico-cultural e de gênero como elementos basilares para a pluralidade humana e a
multiculturalidade (Frazão 2003). E se oferecemos meios e mecanismos para tais questionamentos,
é necessário entender também que:
a educação requer mais do que dar formação e informação sobre a história e cultura da matriz africana, indígena e outras, mas exige envolvimento dos administradores do sistema e de ensino, das (os) professores (as), do alunado, dos (as) coordenadores (as) e das (os) diretoras (es), com disposição compartilhada, como agentes de combate à discriminações e ao racismo desconstruindo a lógica do conhecimento eurocentrista, machista e sexista, que oprime, oculta, inferioriza e infantiliza os diferentes. (Ibdem, p. 62).
Ou seja, para mudarmos a sociedade de alguma forma, faz-se necessário mudar a formação dos
educadores também, pois quem estuda gênero, sexismo e homoafetividade, não pode reter-se em
apenas uma categoria, pois estes conhecimentos precisam ser analisados e estudados.
Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012, p. 214.
FRAZÃO, Marilândia. Gênero e Educação – Caderno de apoio para a educadora e o educador. Secretaria Municipal de Educação. Junho, 2003.
LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer - uma política Pós-identitária para a educação. Estudos Feministras,2001.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis – RJ: Vozes, 1997.
NOGUEIRA, João Carlos. Trabalho, raças e desigualdades. Escola Sul-CUT. Florianópolis: Rocha gráfica editora, revista nº 1.