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II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas:
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Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva
Ministro da CulturaJuca Ferreira
Fundao Casa de Rui Barbosa
PresidenteJos Almino de Alencar
Diretora ExecutivaRosalina Gouveia
Diretora do Centro de Memria e InformaoAna Maria Pessoa dos Santos
Chefe do MuseuJurema Seckler
Chefe do Setor de EditoraoStela Kaz
Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas (1. : 2008 ago. 12-14 : Rio de Janeiro, RJ)[Trabalhos apresentados no] II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas Rio deJaneiro : Fundao Casa de Rui Barbosa, 2010.240 p. (Coleo FCRB Aconteceu ; 9).
ISBN
1.Museu Casa - Seminrio. 2. Patrimnio cultural. I. Fundao Casa de Rui Barbosa.II. Ttulo. III. Srie.
CDD 069.1
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Coleo FCRB Aconteceu 9
II Encontro Luso-Brasileiro
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Rio de Janeiro, 2011
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Sumrio
Apresentao
Ana Pessoa, diretora do Centro de Memria e Informao 7
Abertura
Discurso de Jurema Seckler, chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa 11
Discurso de Jos Almino de Alencar, presidente da Fundao Casa de
Rui Barbosa 13
Discurso de Antnio Almeida Lima, Cnsul de Portugal no Rio de Janeiro 17
Discurso de Jerson de Lima da Silva, diretor cientfico da FAPERJ 19
Palestra
Tradio e componentes estruturantes da arte paisagstica portuguesa
(Sc. XVII e XVIII),Helder Carita 27
Palestra
Espaos volta das casas brasileiras 47
Mesa-redonda
Natureza e Espao Rural: Quintas e Fazendas, Carlos Fernando de
Moura Delphim 71O parque do baro de So Clemente e o jardim de Glaziou, Cludio
Piragibe 72
Os jardins do imperador,Maria de Lourdes Parreiras Horta 82
A fazenda do baro de Campo Belo (Fazenda do Secretrio),Marta Britto 93
Comunicaes
O jardim de Cora Coralina,Marlene Velasco 103
Verdes residuais: o entorno construdo e a utilizao dos jardins de
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interesse histrico na atualidade,Ins Andrade 107
Futura pinacoteca Rubem Berta: achados arqueolgicos como
determinantes das modificaes do projeto da casa e do ptio,Ana Margarida Xavier 115
Mesa-redonda
Natureza e Espao Urbano: Palacetes e Casas,Jurema Seckler 119
O Solar Grandjean de Montigny e seu entorno,Piedade Grinberg 120
O palcio do Baro de Nova Friburgo,Magaly Cabral 132
O palcio do Baro de Itamaraty,Luiz Antnio Ewbank 145Um jardim em trs tempos: do baro, do comendador e do advogado,
Ana Pessoa e Cludia Reis 161
Marcas arquitetnicas do brasileiro na paisagem do Minho,
Miguel Monteiro 171
Palestra
AQuinta da Regaleira e o Arqutipo da Ilha dos Amores,Joo Cruz Alves 181
O labirinto,Henrique Jos de Souza 188
Comunicaes
O Amor como via para a Sabedoria,Ana Cristina Oliveira Sampaio 211
Os jardins do imperador,Maria de Lourdes Parreiras Horta 213
Jardins e pomar da Casa do Pinhal, percepes do paraso,Francisco S 216
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Apresentao
A presente edio rene a transcrio das palestras e comunicaes
apresentadas no II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins
Privados do Sculo XIX, realizado de 12 a 14 de agosto de 2008, promo-
vido pela Fundao Casa de Rui Barbosa, com o apoio da FAPERJ.
O Encontro, que integra a tradicional srie de encontros bienais
dedicados ao estudo de aspectos do museu-casa, deu continuidade ao
intercmbio com especialistas portugueses iniciado em 2006, e integrou
a agenda de comemoraes dos 200 anos da instalao da corte portu-
guesa no Brasil.
A eleio do tema do evento jardins histricos do sculo XIX ,foi resultado da constatao da carncia de estudos das reas verdes
que os envolvem, o que vem impossibilitando uma efetiva preservao
integrada de todos os elementos que compem os museus casas. Essa
situao , em grande parte, consequncia do fato do jardim, lugar
onde a natureza e a histria so elementos vivos e dinmicos, em inces-
sante mutao, s ter sido recentemente identificado como monumen-
to cultural, merecedor de reconhecimento histrico, esttico e social.As iniciativas mais efetivas de reconhecimento do valor patrimo-
nial dos jardins s aconteceram, a partir do ano de 1980. Em 1981, o
Comit Internacional de Jardins e Stios Histricos ICOMOS/IFLA
estabeleceu carta relativa a jardins histricos, consagrada como Car-
ta de Florena, reconhecida no ano seguinte pela Fundao Nacional
Pr-Memria no Jardim Botnico do Rio de Janeiro, com a finalidade
de conceituar a questo dos monumentos, stios e paisagens naturais
que, embora estabelecida pelo Decreto-lei no25/37, no tinha sido at
ento efetivamente tratada pelo Iphan.
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Como consequncia desse reconhecimento tardio, muito se perdeu
dos traos e da memria sobre as praas e as reas verdes jardins, hor-
tas e pomares de fazendas, chcaras e palacetes. Assim como poucose sabe hoje sobre o cultivo e o uso das plantas pelos ndios e africanos.
Nas ltimas dcadas, o retraimento das reas verdes nos centros urba-
nos, ao reduzir cada vez mais o convvio cotidiano com a Natureza,
interrompeu a transmisso entre as geraes sobre a lida emprica com
rvores e plantas. Esse quadro tambm desestimulou a formao de
profissionais qualificados, capazes de articular as complexas questes
que envolvem a preservao dessas reas, que devem observar no saspectos do traado e dos elementos arquitetnicos, como sua vegeta-
o arbrea e herbcea.
Nesse quadro de fortalecimento dos estudos sobre jardins hist-
ricos, de grande importncia a contribuio portuguesa. Tanto pela
sua presena na formao do ethosdo brasileiro e de sua relao com
a Natureza, cujas repercusses podem ser ainda observadas na culturapopular e cotidiana, como pela sua atuao no campo erudito desse
tema, onde o conhecimento e a anlise dos jardins e stios portugueses
preservados so indispensveis para que se possa inferir muito de reas
j desaparecidas no Brasil. Ressalta-se que nesse sentido so importan-
tes tanto os lugares que expressam a tradio de traados arquitetni-
cos e de certa ocupao vegetal, como os que absorveram as diferentes
influncias europeias, como os estilos italiano, francs e ingls.Contudo, os jardins devem ser objeto de pesquisa e reflexo no
apenas a partir de seus aspectos formais e estruturais, mas tambm de
seu significado simblico e de memria. A correspondncia entre Por-
tugal e o Brasil na adeso a gostos paisagsticos tem um testemunho
peculiar no jardim da Casa de Rui Barbosa, resultado da presena de
dois comerciantes portugueses.
O uso domstico implantado na antiga chcara, em 1849, pelo co-
merciante tripeiro Bernardo Casimiro de Freitas, futuro baro da
Lagoa, lhe deixou a marca da extensa prgula, ou latada, que domina
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a rea posterior da propriedade, remetendo-a s propriedades do norte
de Portugal. Enquanto que os traos do jardim romntico ingls, mo-
delo predominante a partir dos meados do sculo XIX, que podem ain-da hoje ser observados no jardim social, foram implantados na dcada
de 1870 pelo comendador brasileiro Albino de Oliveira Guimares,
que promoveria, pouco depois, a adoo do mesmo estilo no jardim
pblico de Fafe, sua cidade natal.
Esta edio, ao compartilhar os estudos apresentados no seminrio
de 2008, pretende contribuir para o enfrentamento conjunto de nossas
instituies de memria do desafio de valorizao do jardim enquantobem cultural.
Ana Pessoa
Diretora do Centro de Memria e Informao
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DIA12 DEAGOSTODE2008
Abertura
Jurema Seckler, chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa
Boa noite a todos. Boas vindas ao Museu-Casa de Rui Barbosa e
Fundao Casa de Rui Barbosa. Estamos dando incio ao II Encontro
Luso-Brasileiro de Museus Casas. Mais uma vez contando com a parti-
cipao de colegas e amigos brasileiros e portugueses, compartilhando
estudos, debates, dessa vez com o tema Os Jardins Privados do Sculo
XIX. Estamos felizes e agradecemos a presena de todos.
Realmente, a preservao de um jardim histrico uma misso
rdua e desafiadora para uma instituio, qualquer que seja ela. A pre-servao de um jardim do sculo XIX em pleno sculo XXI, em um
bairro da zona Sul do Rio de Janeiro, tambm um desafio nosso. E
aproveitamos para agradecer aos colegas do Iphan que esto aqui e a
muitos outros colegas que nos ajudam nessa empreitada difcil.
Este jardim nos remete a Rui Barbosa, ao carinho que ele sem-
pre teve pelo jardim, este jardim que assiste a diversas geraes que
passam, que vm passando, este jardim na verdade nos remete a umtempo muito anterior ao de Rui Barbosa, que foi o quarto e ltimo
dono desta casa.
Hoje temos a felicidade, aqui, de estarmos com colegas portugueses
Professor Helder Carita e Joo Cruz Alves, da Quinta da Regaleira.
E gostaria tambm de citar a presena de Lcio Guedes de Azevedo,
Vice-Cnsul Honorrio de Portugal em Niteri; Thomas Correia deMiranda Lima, presidente do Centro da Comunidade Luso-Brasileira
do Estado do Rio de Janeiro; Comendador Orlando Cerveira Fran-
cisco, presidente do Clube Portugus de Niteri, e de Gentil Moreira
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de Souza, vice-presidente do Conselho da Sociedade de Beneficncia
Portuguesa de Niteri.
Estamos juntos aqui, nesta homenagem que vamos fazer hoje aosegundo proprietrio desta casa, o Comendador Albino de Oliveira
Guimares, natural de Fafe. Estamos ansiosos para que o Prefeito de
Fafe, que veio de Portugal, receba esta homenagem.
Gostaria ento de convidar para a nossa mesa de abertura o pre-
sidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, Jos Almino de Alencar;
Jerson Lima, diretor cientfico da FAPERJ; Antnio Almeida Lima,
Cnsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro e a Professora IsmniaMartins, que Decana do curso do Programa de Ps-Graduao de
Histria da UFF e Coordenadora do projeto Arquivo Nacional do
BNDES, relativo listagem de imigrantes no Brasil. Eu passo a pala-
vra ao presidente desta Fundao.
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Jos Almino de Alencar
Presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa
Senhor doutor Jos Ribeiro, Prefeito de Fafe, cuja presena assume
um significado especial para ns, da Fundao Casa de Rui Barbosa,
porque hoje nos unimos ao Museu da Emigrao e das Comunida-
des para, juntos, homenagearmos um cidado de c e de l, um tpicotorna-viagem, o Comendador Albino de Oliveira Guimares, natu-
ral de Fafe e proprietrio desta casa de 1879 a 1890, quando promoveu
grandes melhoramentos no edifcio e no jardim.
Senhor Cnsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro, doutor An-
tnio Almeida Lima, companheiro de tantas ocasies luso-brasileiras
comemorativas, amigo desta Casa e nosso vizinho.
Senhor Professor doutor Jerson Lima, diretor cientfico da Fun-dao de Apoio Pesquisa do Rio de Janeiro, FAPERJ, instituio do
Governo do Estado do Rio de Janeiro com a qual temos mantido rela-
es profcuas, excelentes e que tornou possvel a presena dos nossos
convidados portugueses.
Minhas senhoras e meus senhores,
Aqui estamos mais uma vez a segunda entre luso-brasileiros,
em uma entre a srie de sete encontros de museus casas iniciados
nesta Fundao, 13 anos atrs, em 1995 o que em si proeza con-
sidervel.
No Brasil, a construo de instituies, a formulao de problemas,
sua discusso e eventuais respostas se esvaem muitas vezes nos primei-
ros esforos. A nossa histria intelectual e a histria das nossas organi-
zaes culturais sofrem um excesso de interrupes, bitos prematuros,descontinuidades. Em parte, isso o resultado natural do nosso proces-
so de desenvolvimento econmico e social, que sempre esteve longe de
assumir uma forma alinhada, como de resto tambm acontece em mui-
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tas outras partes do mundo. Mas, sobretudo, a nossa posio perifrica
no raro alimenta um mundo intelectual reflexo aos grandes centros e
onde a atrao pela novidade prevalece sobre a atividade continuada ea busca do amadurecimento. O esforo intelectual se processa assim aos
soluos e vem a ser quase sempre inconcluso. A continuidade entre ns
torna-se, portanto, uma virtude particularmente progressista: e neste
sentido bom e salutar que nos encontremos novamente. Assim sendo,
eu vos sado; e congratulo a ns todos por este, j podemos diz-lo,
tradicional encontro de museus casas.
Os que trabalham com a memria e a histria frequentemente sub-vertem o postulado de Auguste Comte, o de que somos governados
pelos mortos: bem verdade que, por um lado, no conseguimos nos
livrar dos objetos, obras, ideias, gestos, atitudes e especialmente para-
digmas criados por aqueles que h muito se foram. Por outro lado, no
entanto, somos ns que governamos os mortos, no somente porque
prosaicamente somos os seus herdeiros e, portanto, senhores do seuslegados, mas porque decidimos seus destinos na nossa memria, na
nossa histria: atribumo-los sentido e valor, dentro das nossas vidas
e projetos.
Cada gerao, de certa maneira, refunda ou cria algo nesta fa-
bricao do passado, em um processo que mediado por interesses
materiais, inclinaes ideolgicas, afeto e curiosidade intelectual, no
necessariamente nesta ordem. Sobre as definies do que patrimniohistrico, cultural ou artstico, atua toda essa sorte de fatores causais:
econmicos, sociais, polticos, o que tem induzido multiplicao de
objetos e prticas como algo que deve ser guardado, prezado, estudado.
A memria estende o seu imprio sobre o esquecimento e incorpora, de
mais a mais, o que era considerado trivial. A percepo coletiva de que
ela um fator de prestgio faz crescer a sua demanda, ao mesmo tempo
em que este crescimento aponta para a sua banalizao. Porm, somos
frequentemente lembrados (pelo filsofo Paul Ricoeur, entre outros)
que memria e esquecimento so um par indissocivel, o que afinal,
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diante do avano notvel da primeira, seria o caso de perguntarmos
maneira de Jorge Luis Borges: e ento, o que deve ser esquecido?
Trago esse paradoxo para que ele me leve de volta ao valor imensoque representa a construo de comunidades como a que aqui se de-
senvolve e se consolida atravs de um empenho sistemtico em identifi-
car problemas, estabelecer temrio e promover o debate, o que tem sido
feito desde o seu incio, no I Encontro dos Museus Casas, em 1995. Ali
foram discutidas questes sobre a identidade dessas instituies, das ra-
diaes de seus significados, suas conexes com o imaginrio social, da
legitimidade histrica, poltica ou mesmo afetiva dos personagens ousituaes que elas representam e das mudanas no contexto histrico
e institucional a que elas vm sendo submetidas. Durante o segundo,
o terceiro e o quarto encontros, foram estudadas e debatidas algumas
das funes especficas que geralmente so atribudas aos museus, res-
pectivamente, a sua funo educativa, os problemas da conservao e
da relao entre conservao e os acervos e a questo da pesquisa nomuseu. O quinto encontro, sobre os museus casas na Amrica Latina,
abriu a perspectiva para reunies internacionais que desaguaram no
primeiro encontro de museus luso-brasileiros, em 2006 e neste agora,
apresentando muselogos, arquitetos, paisagistas brasileiros e especia-
listas portugueses, dirigido, sobretudo, para o estudo dos jardins hist-
ricos do sculo XIX.
Apresso-me a dizer que pouco ou nada conheo sobre o tema e seexamino os longes de minha formao intelectual, vejo-me plantado
em uma tradio forte e vastamente livresca, com pouca informao so-
bre a beleza da composio plstica, filho de uma regio (Pernambuco),
onde a monocultura brutal da cana-de-acar estabelecia uma relao
agressiva com o mundo natural volta. O viajante francs Louis-Fran-
ois de Tollenare, que viveu no Recife no final da dcada de 1810, re-
gistrou em suas Notas dominicais que, interessado na flora local, tudo
que dela pudera recolher lhe viera de um conterrneo, administrador
de um jardim, criado pela administrao joanina recm-estabelecida,
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onde reunia espcimes do lugar. Entre os monges beneditinos de Olin-
da, aos quais rende homenagem cultura e vivacidade de esprito,
tudo o que lhes interessava eram os feitos da Revoluo Francesa, asaventuras da razo e o destino da humanidade. Gilberto Freire, um
sculo e meio depois, confessa no seu livroNordesteque, em uma visita
a um engenho pernambucano e vista de uns restos de mata atlnti-
ca, tanto ele como o senhor de engenho e mesmo o empregado que os
acompanhava se revelaram incapazes de nomear um s nome de plan-
ta para satisfazer a curiosidade de um visitante estrangeiro a quem ele,
Freire, servia de cicerone.Provavelmente estimulado por essa ignorncia, tenho acompa-
nhado de perto e apoiado os esforos desenvolvidos pelos colegas aqui
da Casa na promoo de discusses e cursos sobre jardins histricos
que comearam quatro anos atrs, em 2004, com as palestras de Car-
los Fernando de Moura Delphim e o livro Memria de um jardim
Estudo do acervo do Museu-Casa de Rui Barbosa, de Cludia Reis. Apreservao de jardins histricos veio a ser o tema das comemoraes
dos 77 anos do Museu no ano passado e agora a discusso se amplia
neste encontro internacional ao qual eu fao votos de muito bom tra-
balho e sucesso.
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Antnio Almeida Lima
Cnsul de Portugal no Rio de Janeiro
Senhor presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, Senhor Jos
Almino de Alencar, querido amigo, carssimo e queridozinho tam-
bm, muito obrigado pelas suas palavras. Queria tambm agradecer
ao Senhor Jerson de Lima, diretor da FAPERJ, e Professora IsmniaMartins, tambm querida amiga, j tambm de vrios eventos rela-
cionados com a promoo da nossa cultura e das nossas experincias
comuns na rea patrimonial e cultural. Quero agradecer a todos, aos
organizadores deste II Encontro Luso-Brasileiro, naturalmente Fun-
dao Casa de Rui Barbosa e aos meus compatriotas portugueses, que
se prestaram, aceitaram e se interessaram por esta iniciativa.Eu estava ainda h pouco explicando a uma jornalista da Agncia
Lusa que me entrevistava, que a experincia, que tenho tido nestes dois
anos e meio aqui no Rio de Janeiro, deste grande intercmbio cultural,
artstico e tambm econmico que existe entre Portugal e Brasil nos
dias de hoje, prova que a nossa histria, apesar de rica, no acabou
ainda e que ns estamos a construir todos os dias pontes, laos, formas
de convvio contemporneo e bases para um futuro ainda, espero, bemmais promissor nas nossas relaes.
Em especial, a comemorao dos duzentos anos da chegada da fam-
lia real ao Brasil tem sido aqui no Rio de Janeiro de fato um momento
grande na revisitao da nossa histria comum e do quanto interessa aos
nossos dois pases, o quanto interessa s nossas duas sociedades, conhe-
cer melhor como fomos to prximos e como temos e guardamos ainda
muito de experincias e de heranas comuns. extraordinrio para um
portugus que chega ao Rio de Janeiro e vive no Rio de Janeiro conhecer
dia a dia a riqueza dessa presena e herana comum.
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Como dizia o Professor Jos Almino de Alencar, eu tambm no
sou um especialista na rea dos jardins, porm, sinto cada vez mais
verdadeira a velha mxima de Ea de Queirs, que afirma que umhomem s se completa quando cria um filho, planta uma rvore ou
escreve um livro. De fato, estes trs domnios da criao humana esto
prximos e, com a idade, percebemos, cada vez mais, a importncia da
natureza para estabelecermos uma relao importante com o mundo.
Sinto-me cada vez mais fascinado com o que vou aprendendo aos pou-
cos e, aqui, nesses prximos dias, certamente vou aprender muito sobre
o que os nossos antepassados fizeram no domnio dos jardins pblicose privados.
Durante quatro anos, servi em Moambique, onde aprendi muito
sobre a importncia da rvore para a cultura africana. As rvores so
objetos de culto das famlias que, debaixo delas, enterram seus mortos,
que nelas procuram abrigo e a elas elegem como locais de reflexo etc.
Ento, essa experincia vivida em Moambique me faz refletir o quan-to a civilizao ocidental tem de presumida, porque muitas vezes se
esquece da volta s origens e do regresso quilo que verdadeiramente
nos faz ligar ao todo, ao nosso todo e nossa natureza.
Assim, admiro e quero aqui prestar homenagem a todos os cria-
dores de jardins, a todos os criadores de parques pblicos e priva-
dos, porque sem eles certamente o mundo seria mais triste e mais
pobre. E por isso lhes devo, lhes devemos todos ns, creio, este plei-to de homenagem. E este encontro que hoje se inicia vem ajudar-
nos a conhecer melhor o nosso passado para podermos plantar o
nosso futuro. Muito obrigado.
Jos Almino de Alencar Agradeo as palavras do Senhor AntnioAlmeida de Lima e passo a palavra ao Senhor Jerson de Lima, diretorcientfico da FAPERJ.
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Jerson de Lima da Silva
Diretor cientfico da FAPERJ
Boa noite a todos. Queria inicialmente cumprimentar o doutor Jos
Almino, presidente da Fundao Casa de Rui Barbosa, nosso colega An-
tnio Alves de Lima, Cnsul de Portugal. Quero tambm cumprimentar
a Professora Ismnia, a quem tenho em alta conta e que muito me ajudouquando iniciei meu trabalho na FAPERJ. Sem a Professora Ismnia, eu
no teria conseguido realizar esse trabalho, especialmente no estado do Rio,
particularmente na cidade do Rio de Janeiro, onde essa rea to intensa.
Gostaria tambm de mencionar a importncia deste evento e desta
parceria com a Fundao Casa de Rui Barbosa. No final de 2003, estive
aqui para apresentar os programas da FAPERJ. Naquela poca, nossosrecursos constituam um dcimo do que hoje dispomos. Contudo, t-
nhamos a certeza de que a Fundao deveria ter uma misso de estado
e no, uma misso poltica. E dessa misso fazia parte o apoio Funda-
o Casa de Rui Barbosa, que, por sua vez, tem nos apoiado por meio
do trabalho de seus pesquisadores.
Devo tambm confessar o meu grande apego por esta Casa, porque,
na realidade, foi em suas imediaes que, pela primeira vez, morei nazona Sul da cidade. Sempre morei no subrbio do Rio de Janeiro e, de
l, transferi-me diretamente para Illinois, onde fiz o meu ps-doutorado.
Quando voltei ao Rio, vim morar na rua Baro de Lucena, prxima da-
qui, onde meus filhos pequenos e eu vnhamos constantemente visitar o
museu. Na poca no havia notebooks, ento, eu, que sou pesquisador
na rea de biomdica, trazia os meus caderninhos de anotaes, e com as
crianas experimentvamos algo bastante novo. Algo que tem a ver com
o que Jos Almino e o doutor Antnio observaram a respeito do ambien-
te dos museus e seus entornos na formao da cultura.
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H pouco tempo, ouvi um comentrio sobre a importncia de a cul-
tura ser cada vez mais expandida atravs da democratizao dos espaos,
da distribuio de livros etc. Contudo, se formos a qualquer cidade dointerior do pas, observamos justamente o inverso. Assim, se consegui-
mos distribuir um pouco a renda no Brasil, o mesmo no acontece com a
distribuio da cultura que no atingiu um nvel desejvel.
Diante disso, desejo muito sucesso para este evento. Sou mdico e
pesquisador da rea de cincias exatas, particularmente da bioqumica,
e esta contingncia me obriga muito a correr atrs do futuro, mas sei da
importncia de se valorizar o passado, a histria. Marcel Proust, um dosmeus autores preferidos, nos ensina que rememorar recriar a histria.
Lembrar de alguma coisa , de certa maneira, recri-la, reinvent-la.
Penso que aprendi bastante nesses anos de convivncia com a Pro-
fessora Ismnia. De vez em quando, ela brigava comigo: Olha, esto
indo muitos recursos para as reas exatas. importante destinar recur-
sos para as cincias humanas. Percebemos que, em alguns momentos,houve uma diminuio do apoio s pesquisas em histria. Isso agora,
por incrvel que parea, est acontecendo na rea da fsica. Ento, a
FAPERJ tem procurado no s ter um papel de banco, mas interagir
com os pesquisadores e implementar novas polticas, sempre buscando
parcerias e estimulando a multidisciplinaridade.
Este evento junta-se a uma srie de outros que a FAPERJ vem apoian-
do em parceria com Portugal, como a exposio sobre os duzentos anosda medicina. Ento, mais uma vez, parabenizo a Casa de Rui Barbosa e
lastimo no poder estar presente aqui nos outros dias, mas desejo que as
discusses programadas para o evento sejam bastante profcuas. Obrigado.
Jos Almino de Alencar Agradeo ao Professor Jerson de Lima, so-bretudo por essa lembrana da reunio de 2003, que nos faz ver todo ocaminho percorrido at agora. Est acabada aqui a sesso de encerramentoe iniciamos, agora, o II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas.
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Jurema Seckler
Chefe do Museu-Casa de Rui Barbosa
Eu gostaria agora de convidar a Professora Ismnia Martins para
fazer a homenagem ao Comendador Albino de Oliveira Guimares.
Gostaria tambm de informar que estamos vivendo um momento
muito feliz hoje, porque, to logo a Professora termine a homenagem, fa-remos a entrega dos prmios de uma atividade educativa que aconteceu
aqui no ms de julho: O Prazer do Percurso. Os contemplados com os
prmios de fotografia e de conto encontram-se aqui com os seus familia-
res. Agradecemos a presena e parabenizamos a todos. Aps a premiao,
iremos para a casa histrica, para a casa do Rui Barbosa, onde haver um
concerto de msicas do sculo XIX e ser servido vinho proveniente donorte de Portugal, gentilmente oferecido por um colaborador portugus.
Ismnia Martins Coube-me a honra, talvez por ser a mais velha dogrupo, que aqui tem inclusive, na pessoa da Ana Pessoa to forte osobrenome que eu acabei repetindo , uma incentivadora da pesquisae do compromisso com essa reflexo, no apenas sobre a Casa do Rui
Barbosa, seu jardim, seu museu, mas sobre uma problemtica maiorque a questo da imigrao portuguesa no Rio de Janeiro, que deixoutantas marcas materiais e imateriais na nossa vida social, poltica, eco-nmica e cultural.
Este prdio, do perodo de sua construo, entre 1850 at a aqui-
sio por Rui Barbosa em 1893, pertenceu a duas famlias de comer-
ciantes portugueses. Primeiro, de 1850 a 1879, famlia de Bernardo
Casemiro de Freitas, natural do Porto Baro de Lagoa; e depois, de1879 a 1890, do Comendador Albino de Oliveira Guimares, natural
de Fafe, que foi o proprietrio que o vendeu para Rui Barbosa.
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Na verdade, existe um intercmbio entre a Fundao Casa de
Rui Barbosa e o Museu da Imigrao Portuguesa de Fafe, que o
primeiro museu digital da imigrao portuguesa, que j conta comcolaboradores em vrios continentes. E mereceu o apoio no apenas
de instituies portuguesas e brasileiras, mas de instituies interna-
cionais como a UNESCO e a prpria Comunidade Econmica Eu-
ropeia, para a elaborao e a disponibilizao do site e tambm para
a realizao de eventos.
A Professora Ana Pessoa, no nas funes de mentora de projetos
e auxiliar da administrao deste grande equipamento cultural que a Casa de Rui Barbosa, mas, enquanto pesquisadora, trata justamente
de recuperar essa trajetria. Ela falaria muito melhor do que eu sobre
o assunto, mas, em funo de seu envolvimento com ele, pediu-me que
eu o fizesse.
Em sntese, nossa colega Ana Pessoa conseguiu essa cooperao e
iniciou um trabalho de pesquisa de rastreamento das razes desse gru-po familiar que imigrou da pequena vila portuguesa de Fafe, regio
de origem do Comendador Albino de Oliveira Guimares, ltimo
proprietrio desta casa antes de Rui Barbosa. No apenas dele, mas
tambm de sua mulher Lusa, que era filha do comerciante Antnio
Mendes Oliveira de Castro, que se destacou como proprietrio e capi-
talista. Sua mulher, dona Castorina, possua muitos bens, destacando-
se na vida social do Rio de Janeiro. O casal tambm foi proprietrio daChcara dos Macacos, no atual Horto, bairro da zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro.
Vrios projetos dessa ordem dos que participamos regularmente
foram levados adiante, e o trabalho iniciado na Casa de Rui foi ao en-
contro deles. E isto que bonito nessa lio luso-brasileira. Ao invs
de cada um fazer o seu, temos deixado de lado todas as vaidades aca-
dmicas, temos nos unido em nossos limites e dificuldades e estamos
conseguindo avanar. No meu entender, trata-se tambm de uma lio
para a comunidade acadmica brasileira que s vezes afirma: No,
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esse projeto da UNIRIO... No, esse projeto da UFRJ... No, esse
projeto da UERJ. Este projeto pertence a todos a que a ele acorrem,
tal como uma casa portuguesa, tal como uma boa casa luso-brasileira,tal como uma casa brasileira.
Nosso projeto interinstitucional: a Casa de Rui Barbosa, com o
Museu do Imigrante de Fafe, se unir ao projeto coordenado por mim
no Brasil e em Portugal, atravs do CEPESE. Estamos construindo
uma reflexo sobre a imigrao portuguesa que, at ento, tem sido
escassa, ao passo que existem muitas publicaes sobre a imigrao ita-
liana, muitas sobre a imigrao alem, sobretudo no Sul do Brasil, masso poucos os livros sobre a imigrao portuguesa.
Vivemos ento um momento de turning point, quer dizer, de re-
flexo, o momento em que o Brasil deixa de ser um pas de imigrantes
para se tornar um pas de emigrantes. Recentemente fiz uma confern-
cia de abertura de um encontro no Porto, onde estava presente o Se-
nhor Embaixador do Brasil em Lisboa. Na ocasio, durante o almoo,ele me informou que a comunidade brasileira j era a maior comunidade
estrangeira em Portugal: somos muitos, centenas de milhares, milhes no
exterior, em boa parte clandestinos. Temos de refletir consequentemente
sobre a imigrao e a emigrao neste pas. As questes da identidade, da
alteridade, da transculturalidade, da aculturao etc. so questes que se
colocaram no passado e que se colocam hoje novamente.
Assim, a casa de Albino de Oliveira Guimares, que se tornou umequipamento cultural da maior importncia na museologia do Brasil,
um centro de pesquisas e estudos jurdicos, literrios e histricos, tam-
bm muito mais que isso, porque ela alguma coisa que a comunidade
identifica como um bem pblico. Este jardim, este espao, que cada
vez mais a cidade v. medida em que as casas morrem, este jardim
se torna um espao muito privilegiado, como disse aqui o nosso diretor
cientfico, para as crianas, os pais, a terceira idade, mas sobretudo para
o cidado carioca, que tem nesta casa um patrimnio muito querido.
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Enquanto ela assim continuar, permanecer sendo um smbolo de
uma ponte que atravessa o Atlntico, as pontezinhas que existem neste
jardim, que foram reconstrudas pelo Albino de Oliveira Guimaresna praa de Fafe. Esta , na verdade, a melhor imagem: uma ponte
atravessando o Atlntico, unindo Brasil e Portugal nas suas expresses
de luso-brasilidade das quais esta casa, sem dvida, um exemplar.
Muito obrigada.
Ana Pessoa Muito obrigada, Professora. Acabamos de receber a in-
formao de que a placa em homenagem a Albino de Oliveira Guimaresestar exposta no museu, onde poderemos v-la. Depois, ela ser fixadapara a posteridade, em pedestal prprio no jardim.
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DIA13 DEAGOSTODE2008
Jurema Seckler Hoje, 13 de agosto de 2008, comemoramos os 78anos do Museu-Casa de Rui Barbosa. H 78 anos, com uma grande fes-ta, o presidente Washington Lus inaugurou a Casa de Rui Barbosa como
o primeiro Museu-Casa do Brasil. De alguns anos para c, a instituiocomemora a data com um encontro que tem como tema principal essaespecificidade de museu. Neste ano o tema Jardins Privados do SculoXIX. At agora j realizamos o I Encontro de Casas-Museus da AmricaLatina e Caribe e o I Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas. Espe-ramos realizar muitos outros encontros nacionais e internacionais. Nestamanh teremos duas palestras: a primeira ser a do historiador portugus
Helder Carita. A segunda palestra ser feita pelo Professor Carlos Lemos.Agradecemos e estamos muito felizes com a presena dos dois palestrantes.
Convido a doutora Ana Pessoa, diretora do Centro de Memria e
Informao da Fundao Casa de Rui Barbosa, para apresentar o Pro-
fessor Helder Carita, nosso palestrante da manh de hoje.
Ana Pessoa
Helder Carita um renomado historiador, arquitetoe professor, residente em Lisboa. Formado pela Escola Superior de Be-las Artes de Lisboa, doutor em histria da arte moderna, arquitetura eurbanismo. Entre 2000 e 2004, foi diretor pedaggico da Fundao Ricar-do Esprito Santo e do Conservatrio Nacional de Lisboa. No campo dapreservao, participou, em 1982, da renovao da Casa dos Bispos. Aolongo de sua carreira, Helder Carita tem se dedicado ao estudo da arqui-
tetura e evoluo do conceito de espao, tendo publicado vrios livros eartigos sobre o patrimnio arquitetnico portugus e, em especial, sobre aarquitetura hindu-portuguesa do sul da ndia. autor do Tratado da gran-
deza dos jardins de Portugale de Originalidade e designs dessa arte, editado em
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1987, um dos mais alentados estudos no gnero, alm de outras publicaescomo O Oriente e o Ocidente nos interiores de Portugal, Elementos para o estu-
do da Casa dos Bispos, Lisboa manoelina e Formao de modelos urbansticosda poca moderna. Organizou, com Renato Arajo, o Universo urbansticoportugus, uma publicao das Comemoraes do Descobrimento dos Por-tugueses, em 1998.
Conforme a nossa programao, teremos uma hora de palestra,
com um pequeno intervalo, seguida de uma segunda palestra, aps a
qual ser iniciado o debate. Ento, passo a palavra a Helder Carita.
Muito obrigada.
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Palestra
Tradio e componentes estruturantes da artepaisagstica portuguesa (Sc. XVII e XVIII)Helder Carita
(Jardins de Portugal - 5Mb)
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer Fundao Casa de Rui
Barbosa pelo convite. Para ns, portugueses, sempre um grande pra-
zer estar em contato com o Brasil e com os historiadores brasileiros.
Tentarei dividir a minha palestra em duas partes. Na primeira, fa-
rei uma introduo ao tema Tradio e componentes estruturantes da
arte paisagstica portuguesa (sc. XVII e XVIII). Em seguida, apre-
sentarei um pequeno nmero de imagens.
Quando fui convidado a participar deste encontro, pensei num tema
que fosse mais pertinente para a troca de impresses que realizamos
aqui. Pensei, ento, em fazer uma sntese da tradio paisagstica portu-
guesa, tratando dos elementos que a estruturam e que estaro presentes
nos jardins brasileiros. Pensei em tratar desse fundo cultural que, muitasvezes, est por trs do entendimento particular do que um jardim. Nas
suas mais variadas estruturas e formas, um jardim contm sempre uma
aspirao a um universo outro, um paraso na Terra. Nas documentaes
antigas, podemos perceber uma evocao a um espao particular que em
Portugal adquire alguns aspectos especficos, para alm das influncias
mais italianas ou mais francesas, e que se mantm subjacente s transfor-
maes operadas em vrias pocas.Diante disso, elegi dois pontos fundamentais. O primeiro est liga-
do a uma tradio islmica e mediterrnica, que, ao longo dos sculos,
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Jardins_Portugal_-_Rio_de_Janeiro.pdfhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Jardins_Portugal_-_Rio_de_Janeiro.pdf7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX
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vai modelando o sentido e o pensar portugus. O segundo ponto: sobre
essa tradio islmica e mediterrnica de fundo estaria uma atitude
aristotlica que, entre os sculos XVI e XVII, se desenvolve em Portu-gal e que, em relao Europa, nos contrape ao idealismo platnico.
Isso est claro na questo do urbanismo, na sua flexibilidade e adapta-
o ao terreno, que reflete uma organizao de sentido mais aristotlico
promovido pela Casa Real e pelos jesutas. Esta tendncia conferia par-
ticular importncia experincia e a certo pragmatismo com grande
influncia no nosso pensamento do sculo XVI e nas formas de atuao
da Casa Real.Ao intitular o meu livro sobre jardins portugueses de Tratado da
grandeza, fiz to somente uma provocao, na medida em que os jar-
dins portugueses no so grandes no sentido da escala. A sua grandio-
sidade de uma outra ordem, mais sutil, mais de ordem do vivencial,
exprimindo-se numa harmonia intrnseca, que no tem a ver com a
grande escala. Comparativamente aos modelos europeus, o jardimportugus revela-se, sobretudo, como um espao de estar, afirmando-
se atravs de uma estrutura mais arquitetnica que paisagstica. Sepa-
rado por altos muros ou por terraos, ele afirma-se por uma vivncia
interior, um universo fechado que, a partir de um lugar, se gera a si
prprio. Daqui a pouco, veremos um caso dos jardins do palcio dos
Marqueses de Fronteira, que, sendo pequeno, ganha uma forte monu-
mentalidade pela relao de escala entre seus diferentes elementos epelo requinte do seu ambiente interior.
A primeira documentao a respeito dos nossos jardins, de que dis-
pomos, data do sculo XV e registra a contratao, por parte do prprio
rei Dom Joo II, de um jardineiro vindo de Valncia (Espanha). Esse
um momento de confluncia de tradies, pois, em 1415, iniciamos
um contato direto com o norte da frica, o que causa um novo impacto
desta cultura na arquitetura civil portuguesa. Fato significativo, neste
perodo, temos como designao usual o termo laranjal, sendo que
o termo jardim s passa a ser usado no sculo XVI, a partir do Re-
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nascimento. Exprimindo um sentido privado e individualizado, esses
laranjais tm nomes, caso do Laranjal da Rainha que vemos referido
no pao de Sintra.O jardim ou laranjal tinha assim um certo sentido privado, ntimo
e contemplativo. Ele era sempre murado, estruturando-se, nos casos
de paos reais, em ntima relao com os aposentos privados do rei,
da rainha ou dos prncipes. Observamos, assim, uma multiplicao de
pequenos espaos com identidades particulares que vemos estender-se
alta nobreza, caso do pao Ducal de Vila Viosa, com um jardim de-
nominado da Duquesa e outro das Damas.Outra caracterstica interessante dos jardins portugueses, que ve-
mos perdurar ao longo dos sculos, est ligada ao elemento gua e s
suas implicaes na estruturao e ambiente desse espao. Geografica-
mente confrontamo-nos com situaes de clima seco com vero quente.
Esta condicionante gera a necessidade de pequenos espaos constru-
dos numa lgica de conteno e gesto criteriosa das reservas de gua.Com uma estrutura de um ou mais pequenos patamares, na zona mais
alta o jardim tende a formar um grande tanque, que se assume pelas
suas propores e tratamento decorativo como elemento fundamental
e gerador de todo o espao.
Este tanque e o sistema de distribuio de guas de rega, que se
desenvolve a partir dele, permitem que, no vero, o jardim se torne um
pequeno osis verdejante, opondo-se a uma natureza exterior seca eagreste. Normalmente muito largo e pouco profundo, este tanque ten-
de a assumir um papel de espelho dgua, numa clara e simblica fonte
de vida radicada na tradio islmica do osis do deserto. Em estreita
relao com casas de fresco, o lago, espelho dgua, tende a organizar
sua volta um ambiente de estar, onde a proximidade da gua impri-
me um clima refrescante de calma e sofisticada intimidade.
Na realidade, no contexto de um espao arquitetnico que o jar-
dim portugus vai estruturando as suas caractersticas. Como arquiteto
e no incio da minha investigao sobre a casa senhorial, este elemen-
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to se foi revelando atravs da documentao, onde o jardim aparecia
como uma parte integrante da casa, ou seja, como uma sala. Neste sen-
tido, particularmente significativa uma descrio, do incio do scu-lo XVIII, de um viajante francs sobre um jardim da Casa Real, ao
afirmar: isto no um verdadeiro jardim, uma sala de verdura.
Eivada de um sentido crtico, onde a tradio do grande jardim fran-
cs era tomado como referncia, a frase acaba por fazer emergir uma
das caractersticas mais essenciais do jardim portugus, o seu carter
arquitetnico, um espao de estar e de usufruto existencial. Ele afasta-
-se, assim, da tradio europeia onde o jardim entendido sobretudocomo um espao de percurso e de apropriao visual, estruturado por
um grande eixo gerador de todo o programa, como observamos num
dos seus casos mais paradigmticos, os jardins de Versailles. Concebi-
do como uma rigorosa apropriao da natureza, ele afasta-se de uma
tradio portuguesa, onde o espao se separa radicalmente da natureza
num universo idealizado e fechado sobre si prprio.Voltando ao sculo XV e aos incios do desenvolvimento da arte do
jardim em Portugal, o primeiro documento que descreve um jardim
corresponde a um Tombo do Pao do infante Dom Pedro, Mestre da
Ordem Militar de Aviz. Neto de Dom Joo I, o infante Dom Pedro
foi ainda Condestvel do Reino tendo, nesta qualidade, construdo
um pao na vila de Aviz, hoje completamente transformado. O tombo
permite-nos reconstituir no s o pao como o seu jardim, que aparececercado por altos muros de 15 palmos de altura (cerca de trs metros
de altura), decorados, por sua vez, de ameias. O interior era dividido
em ruas, formando canteiros com laranjeiras, decorados com bancos e
alegretes. Estes bancos e alegretes, construdos em alvenaria e referidos
neste tombo, vo permanecer como elementos essenciais e sistemticos
dos jardins portugueses at ao sculo XVIII. Associados a janelas aber-
tas nos muros, estes bancos permitiam um usufruto da natureza que,
enquadrada pelas janelas, se apresenta como um quadro longnquo.
Remetendo a paisagem para o infinito, o ambiente do jardim adquire
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um valor de espao interior e arquitetnico profundamente separado
da natureza. Vemos este ambiente, ainda hoje, no pao Real de Sintra.
Situado no alto de uma colina, o Jardim dos Prncipes cercado poraltos muros que tapam a magnfica paisagem da serra de Sintra que
se desenrola em frente. Os muros do jardim so providos, porm, de
duas belas janelas geminadas que, quando abertas, revelam a paisagem
da serra em todo o seu esplendor. No protegido ambiente do jardim,
a natureza circundante pode ser vista, mas nunca parte integrante.
A descontinuidade entre espao interior e natureza, entre uma
natureza idealizada e uma natureza paisagem, revela-se igualmentenas estruturas mais complexas dos jardins dos sculos XVI e XVII.
Voltados para si prprios, em um universo que se constri de dentro
para fora, observamos que os jardins revelam uma estrutura espacial
descontnua. Cada jardim tem tendncia a dividir-se em espaos indivi-
dualizados e independentes, isto , em pequenos jardins que, separados
por muros, patamares e escadas, ganham um clima e personalidade par-ticulares. Entre um jardim e outro, estabelecem-se graus de privacidade
numa sequncia de espaos mais sociais e de representao para outros
progressivamente mais ntimos e privados. Aps esta breve tentativa de
estabelecer algumas das constantes mais significativas do jardim portu-
gus, irei agora apresentar alguns casos de jardins onde, de forma mais
ou menos clara, podemos ilustrar estas constantes. Cabe salientar que,
muito mais que arquitetura, um jardim um universo de grande debili-dade, sujeito a constantes alteraes. Uma gerao de abandono de uma
casa destri um jardim. Temos assim que olhar para o atual patrimnio
com alguma distncia. Neste contexto, a documentao de inventrios,
descries ou desenhos de poca torna-se fundamental para nos aproxi-
marmos do ambiente e da sua estrutura original.
Temos aqui uma seleo de imagens de alguns jardins portugue-
ses. Como primeira imagem, podemos observar uma planta de Duarte
dArmas, que faz parte de um dos primeiros registros conhecidos de
desenhos de fortalezas do incio do sculo XVI. A planta corresponde
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fortaleza de Moura, no Alentejo, onde, na zona da casa do alcaide,
destaca-se um jardim murado com uma porta, referido em legenda
como laranjal. Em estreita relao, temos a reproduo de uma ilu-minura islmica com um pequeno jardim de um palcio, claramente
identificado como um espao arquitetnico particular. No outro de-
senho de Duarte dArmas, temos uma situao tambm interessante,
presente na documentao, que a presena de ciprestes despontando
num horto de um convento franciscano. Em Portugal, no sculo XIX,
o cipreste tornou-se quase sinistro, pois era muito utilizado em cemi-
trios. Vemos, nessa iluminura rabe, a representao de um jardimmurado, com dois ciprestes emergindo do seu interior. Temos registros
de claustros do final da Idade Mdia, onde as laranjeiras e os ciprestes
so os principais elementos do jardim.
Este o palcio de Sintra (imagem 2), que rene um conjunto de
obras datadas do sculo XV, do perodo de Dom Joo I. O jardim
precisamente o Laranjal da Rainha comentado anteriormente, hoje co-nhecido como Jardim dos Prncipes. Dessa janela vemos a paisagem
deslumbrante da serra de Sintra, mas que, como num quadro, remete
paisagem para o infinito.
Neste caso temos duas iluminuras (imagem 3) de dois jardins sobre
os quais, do ponto de vista documental, temos informaes variadas.
Um deles o do palcio da Ribeira, que desapareceu no terremoto.
O outro o jardim do pao de Santos, que, habitado pela famlia realno sculo XVI, foi se perdendo com obras posteriores. Documentos
comprovam que este ltimo tinha vrios terraos decorados com laran-
jeiras e suas obras estiveram a cargo do arquiteto Joo de Castilho, um
dos autores do mosteiro dos Jernimos. Quanto ao pao da Ribeira, a
documentao do incio do sculo XVI refere-se a azulejos revestindo
bancos e alegretes, decorao que se manter como uma caracterstica
dos jardins portugueses at o sculo XVIII. Esta superfcie brilhante e
aquosa confere uma imaterialidade ao espao, relacionando-se com um
sentido criptomgico do jardim fechado sobre si prprio. Esta magia
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no brilho do azulejo, que vemos repetir-se nos mais variados jardins,
constitui, sem dvida, uma das caractersticas mais tpicas do jardim
portugus, que se contrape a certos formalismos italiano e francs.Outra caracterstica muito peculiar, relacionada com a pequena
escala e o fato de estar cercado por altos muros, a valorizao do sen-
tido do olfato e do perfume. Muitos jardins dos sculos XV e XVI so
mencionados pelas suas ervas aromticas, como o caso dos jardins dos
Duques de Bragana, elogiados em uma descrio da poca como os
jardins com as ervas mais cheirosas de todo Portugal.
Temos aqui o caso do palcio dos Condes de Basto em vo-ra (imagem 4), que, apesar de ter sofrido grandes transformaes,
mantm as caractersticas tpicas do jardim dos sculos XV e XVI,
conformado por um pequeno espao murado, ornamentado com as
tradicionais laranjeiras.
Nesta imagem passamos para um universo relativamente dife-
rente, ou aparentemente diferente, que a poca do Renascimento ea Quinta da Bacalhoa (imagem 5). Esta quinta mandada construir
por Brs Afonso de Albuquerque, filho do grande heri das ndias,
Afonso de Albuquerque. Como recompensa aos feitos de seu pai, Dom
Manuel privilegia o seu filho, dotando-o de uma considervel fortuna.
Brs Afonso Albuquerque constri esta quinta com ntidas influncias
italianas. A casa e os jardins mantm, na sua estrutura, claros elemen-
tos de tradio portuguesa. assim que a entrada se constitui de umptio fechado por altos muros ao qual s se passa por uma pequenina
escadinha em caracol para os jardins, que se constituem de vrios es-
paos independentes e descontnuos entre si. Por um tombo, de cerca
de 1620, sabemos que o jardim do buxo,1 junto loggia poente, era
murado, autonomizando-se dos outros jardins. Na verdade, a par deste
jardim, verificamos uma grande quantidade de casos que sofreram o
mesmo tipo de transformaes. Um exemplo destas alteraes abusivas
so os jardins do pao de Vila Viosa, onde um conjunto de trs pe-
1Jardim de buxo, ou seja, jardim formado por arbustos e pequenas rvores.
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quenos jardins murados transformado, j no sculo XX, num espao
unificado que, conferindo-lhes outra escala, destri a sua natureza e a
coerncia esttica.Voltando aos Jardins da Bacalhoa, a partir do pequeno jardim de
buxo, desenvolve-se uma espcie de longo passeio que, emoldurado
por alegretes e bancos decorados de belos azulejos, terminava na casa
do Lago. De belas propores e um desenho muito clssico, a casa do
Lago (imagem 7) interliga-se com o grande tanque-espelho dgua,
formando um conjunto nico que, embora de grande monumentalida-
de, mantm um claro ambiente intimista. Esta intimidade conferida,sobretudo, pelos altos muros que circundam a casa do Lago e o tanque
onde alegretes, banquinhos e nichos nas paredes vm acrescentar um
clima de marcado requinte.
Digna de nota ainda a relao que se estabelece entre as varandas
da casa do Lago e o tanque-espelho dgua, onde as colunas repousam
num baixo murete, estabelecendo uma clara proximidade com as guasdo lago. Esta proximidade parece ligar-se com a tradio das senhoras
se sentarem no cho sobre almofadas e tapetes. Nas tardes escaldantes
do vero, podemos imaginar a sensao de frescor proporcionada pela
brisa penetrando o interior das varandas. Um pequeno cais, situado no
corpo central da casa, servia de ancoradouro a um barco de recreio, fato
que podemos confirmar em outros jardins, como os jardins do palcio
dos Marqueses de Fronteira ou, ainda mais tarde, nos jardins de Queluz.Esta outra quinta de recreio, situada na regio de Azeito, ao sul
de Lisboa, tambm de carter muito particular: a Quinta das Torres.
Com esttica de um classicismo tardio, a construo desta casa deve-se
a Dom Diogo DEa, que viveu em Itlia na segunda metade do sculo
XVI, regressando a Portugal por volta de 1580. Como elemento funda-
mental da estrutura dos jardins, junto fachada norte da casa desenha-
se um enorme lago com ntidas afinidades com o tanque da quinta da
Bacalhoa. Neste caso, o tanque marcado ao centro por uma casa de
fresco, num desenho de grande pureza formal, tratado em templete.
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Verificamos que a casa de fresco dispe igualmente de um pequeno
cais para o acesso de um barco, permitindo algum estar no meio do
lago, na mais perfeita privacidade.Outro exemplo, ainda do sculo XVI, so os jardins do palcio dos
Duques de Bragana em Vila Viosa (imagem 9). Neste caso temos
vrias descries da poca que nos permitem reconstituir o ambiente
dos jardins do perodo. No caso do Jardim da Duquesa, verificamos
a mesma estrutura de jardim completamente murado, com janelas
onde, por descries antigas, sabemos que as damas se sentavam para
ver as touradas e ver os cavaleiros passarem. Na sua estrutura espacial,o jardim desenvolve-se com uma longa alameda, com uma sequncia
de alegretes e banquinhos, marcada no final por um tanque-espelho
dgua, tambm com uma casa de fresco. A designao deste jardim
como Jardim da Duquesa salienta, mais uma vez, o carter privado dos
jardins dessa poca. Na parte posterior do palcio, havia ainda mais
dois jardins cercados por altos muros e assinalados em plantas antigascomo Jardim das Damas e dos Prncipes, mas que se perderam em res-
tauros do sculo XX, como referimos anteriormente.
Aqui estamos em presena dos jardins da Quinta do Bomjardim
(imagem 10), cuja casa, embora do sculo XVI, recebeu fortes altera-
es no sculo XVIII. O jardim, localizado na zona norte, mantm
como elemento fundamental um grande lago com desenho de gosto
maneirista com curvas e contracurvas. Desenvolvendo-se a partir deum terrao situado no alto, o jardim, apesar das suas alteraes do scu-
lo XVIII, transparece ntidas caractersticas portuguesas na sua estru-
tura de alegretes e bancos circundando o tpico lago. Quanto grande
alameda, que se desenvolve a partir do terrao do lago, pensamos cons-
tituir uma alterao do sculo XVIII, de influncia francesa. A sua lon-
ga estrutura axial remete-nos para uma natureza com grandes rvores
que, alm de usufruda como paisagem, integrada na estrutura do
jardim, afastando-se das caratersticas tpicas dos jardins portugueses
dos sculos XVI e XVII.
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Neste caso dos jardins do palcio dos Marqueses de Fronteira, es-
tamos, sem dvida, perante o mais notvel jardim portugus do sculo
XVII chegado at ns (imagem 11). Com claras influncias italianas,a sua estrutura espacial, constituda de vrios jardins autonomizados
entre si, o uso de elementos como o grande tanque-espelho dgua, as
casas de fresco, os muros, alegretes e bancos revestidos de magnficos
azulejos, colocam estes jardins na mais pura tradio portuguesa. No
seu conjunto, o jardim do buxo, definindo-se como espao de apara-
to e representao social, adquire uma particular monumentalidade e
sofisticao, no pela sua grandeza a sua rea propriamente dita pequena , mas pela relao dos seus elementos arquitetnicos, onde
o enorme tanque-espelho dgua, enquadrado por uma monumental
casa de fresco, incute ao espao um clima de grande teatralidade (ima-
gem 12). A essas qualidades associa-se a sofisticao esttica, conferida
pela relao do verde das plantas com o azul dos azulejos, que revestem
a fachada da Casa do Lago e, por sua vez, a relao entre o azul do azu-lejo com o azul do cu, efeito verdadeiramente magnfico.
No seu conjunto, ao jardim do buxo, segue-se um outro jardim
(imagem 12), menor e privado, que, conformado por altos muros,
termina numa segunda zona de casa de fresco com lago circundado
de bancos forrados mais uma vez de azulejos. Afastando-se de uma
tradio europeia, onde os jardins tendem a desenvolver-se de for-
ma contnua a partir de um eixo central e gerador do espao, nosjardins de Fronteira, assistimos a um desenvolvimento descontnuo
dos espaos onde, ao jardim do buxo, mais social e de aparato, se
vo sucedendo espaos mais ntimos e autonomizados, sem ligao
entre si. Nessa progresso de espaos mais ntimos e privados, os
jardins terminam num terrao em forma de passeio. Na sua acen-
tuao decorativa, onde a azulejaria (imagem 13) se associa a um
conjunto de grandes esttuas de mrmore (imagem 14), esse espao
afirma-se como ponto mais sagrado e privado da casa, contrapon-
do-se ao espao mais social do jardim de buxo.
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Com esta imagem, confrontamo-nos com o primeiro documento
que temos de uma planta de jardim. Trata-se da planta do palcio do
Conde da Castanheira em Lisboa (imagem 15). Na verdade, no setrata exatamente de um projeto, mas de levantamento da casa feito
pelo arquiteto Joo Nunes Tinoco, datvel da dcada de 1740 do s-
culo XVII. Com uma estrutura mais simples que os jardins do Palcio
Fronteira, verificamos a mesma estrutura descontnua, constituda por
patamares, onde o jardim de buxo se organiza em estreita relao com
a fachada da casa. Formado por quatro largos canteiros e um chafariz
central, verificamos a utilizao do buxo desenvolvendo um desenhode formas geomtricas, divulgadas nos tratados de arquitetura que cir-
culavam por toda a Europa. Este jardim , por sua vez, emoldurado a
uma cota superior por um pomar com ciprestes e, em baixo, por laran-
jal, constituindo parte integrante do conjunto paisagstico.
Com estas imagens do Palcio de Queluz (imagem 16), encontra-
mo-nos agora em pleno sculo XVIII. Apesar das claras influnciasfrancesas, que dominavam o gosto europeu da poca, acabamos por
verificar que essas influncias so interpretadas luz de um gosto por-
tugus. Se, em planta, os jardins desenvolvem-se a partir de um grande
eixo ordenador do conjunto, devido inclinao do terreno, esse eixo
acaba por se diluir, dividindo-se o jardim em espaos autonomizados,
adquirindo cada um uma vivncia particular e privada. Neste sentido,
interessante que as fachadas mais importantes e decoradas do pal-cio se voltam sobre o jardim, participando a arquitetura na imagem e
estrutura do jardim. Isto , se para fora as fachadas so relativamente
desinteressantes, para o interior a arquitetura adquire outra delicade-
za, contribuindo para criar um universo fechado sobre si prprio.
Na sua decorao interior, os jardins sofreram, ao longo dos s-
culos, grandes transformaes, retirando-lhes muito do seu ambiente
extico. Por documentao do sculo XVIII, as esttuas e fontes eram
douradas e pintadas. Igualmente existia um vasto espelho dgua que
desapareceu. Localizado junto da grande Sala dos Espelhos, este tan-
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que-espelho dgua, que se perdeu, imprimia ao espao uma relao
de usufruto vivencial, muito comum na tradio portuguesa. Embora
com transformaes abusivas, o atual Jardim Pnsil, que se estrutu-ra como o espao de aparato e de carter mais social, mantm uma
autonomia face ao conjunto dos outros jardins que se desenvolvem
sua volta. Conformado por vrias frentes arquitetnicas e cercado por
balaustradas decoradas com esttuas e vasos, este jardim guarda, ainda
hoje, uma sofisticada privacidade, que lhe conferida pelas suas rela-
es de escala e requintada decorao.
De meados do sculo XVIII so igualmente os jardins do palciodo Conde de Oeiras, mais tarde Marqus de Pombal. No seu con-
junto, esses jardins apresentam-se com uma estrutura relativamente
grandiosa, dividida por vrios espaos onde se destacava um extenso
laranjal dividido por ruas e que terminava, ao fundo, com uma mo-
numental fonte em cascata. Agregado casa, mas em terraos sobre-
elevados, podemos observar a existncia de dois pequenos jardins debuxo, decorados com belas esttuas e vasos de pedra. Dispondo cada
um deles de escadas de acesso ao laranjal, estes jardins organizam-se,
porm, em terraos cercados por muros feitos de alegretes, que se au-
tonomizam, em termos espaciais, do conjunto do laranjal. Mais uma
vez, a natureza relegada a uma paisagem distante, afirmando aqui
um sentido buclico pela sua transformao num universo cotidiano
de produo agrcola.Na poca, o jardim foi visitado por vrios estrangeiros que regis-
traram de forma crtica a presena desses laranjais incorporados no
conjunto dos jardins. Esta crtica evidencia, porm, outro entendimen-
to do jardim e da natureza que estamos analisando.
Mediante estas imagens, temos dois exemplos de jardins do norte
do pas. Pela sua tradio de raiz mais cltica, a natureza e a flores-
ta tm uma relao mais prxima e participativa nas estruturas dos
jardins. Em comparao com o sul do pas, os jardins nessa zona s
adquirem uma expresso mais elaborada num perodo tardio do sculo
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XVIII. De forma menos evidente que no sul, esses jardins tendem a
formar pequenas estruturas espaciais divididas em terraos que, locali-
zadas em pontos estratgicos, se autonomizam da natureza circundan-te, relegando-a funo de paisagem e usufruto visual. Como exemplo,
entre muitos, selecionamos o Pao de Calheiros em Ponte de Lima,
onde o jardim se relaciona com a paisagem que se desfruta do alto, em
ntima ligao com as belas propores arquitetnicas da casa.
No caso da Quinta da Boa Viagem, imagem situada nos arredores
de Viana do Castelo, confrontamo-nos com um interessante caso de in-
fluncia chinesa. Trata-se de um pequeno espao decorado por esttuasa que se acede por uma escada ladeada por dois grandes lees de linhas
claramente inspiradas na imaginria chinesa. Temos assim um fenme-
no em que memrias do oriente so integradas ao cotidiano dos jardins.
Este ltimo caso, tambm do sculo XVIII, foi escolhido por apre-
sentar de forma exemplar a permanncia de certas caractersticas do
jardim portugus que estamos analisando. Trata-se de uma pequenaquinta-recreio dos Condes de Mesquitela (imagem 23). Como obser-
vamos no Palcio de Queluz, a casa apresenta, sobre o exterior e a rua,
uma fachada muito simples e austera, abrindo-se, em oposio, para os
jardins, com uma magnfica varanda desdobrando-se numa escadaria
de dois lances, que recebe uma delicada decorao de azulejos, est-
tuas e vasos de pedra. Desta zona em meia-laranja, que antigamente
fazia a ligao para a horta, acede-se, por sua vez, a um jardim de buxocaracterizado por um envolvimento em altos muros (imagem 24). A
pequena escala do espao contrasta com o clima requintado do interior,
marcado por um excepcional conjunto de grandes painis de azulejaria
de inspirao clssica, com temas alusivos s diferentes artes e cincias,
ladeados por figuras de deuses gregos e romanos. Entre estes painis,
abrem-se, nos muros, janelas que, enquadradas por tradicionais ban-
quinhos, estabelecem uma peculiar relao com a natureza envolvente.
Trata-se, uma vez mais, de um espao fechado sobre si prprio, marca-
do por um sentido criptomgico, de ambiente contemplativo e esttico,
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que nos confirma a permanncia de tradies antigas que se estendem
at o sculo XVIII.
A partir de agora, coloco-me disposio para responder as per-guntas que desejarem fazer, agradecendo a vossa ateno.
Ana Pessoa
Temos cerca de vinte minutos para as perguntas.
Plateia O que so os alegretes de que voc tanto fala?
Helder Carita Os alegretes so uns canteiros em forma de muretesbaixos e largos, construdos em alvenaria caiada, que delimitavam o espaodo jardim. Na sua distribuio, tanto se colocavam no interior do espao,formando caminhos, como eram encostados aos muros altos de envolvi-mento do jardim. Pela sua estrutura larga e baixa, esses alegretes eram,muitas vezes, interrompidos por bancos, constituindo sequncias de ale-gretes e bancos forrados, por sua vez, com azulejos.
Em termos funcionais, esses alegretes esto intimamente ligados
com um clima de veres quentes e secos, permitindo uma gesto mais
econmica das guas de rega. Era aqui que se colocavam as flores e as
plantas mais delicadas, que necessitavam de mais gua e de mais cuida-
dos. Colocadas numa cota mais elevada que o resto do jardim, as suas
flores assumiam uma maior presena, com implicaes na estruturao
de uma imagem mais verdejante e florida do espao.
Plateia A influncia dos jardins franceses nos jardins portugueses foiuma consequncia do turismo?
Helder Carita A influncia francesa revela-se durante o sculoXVIII nos jardins portugueses, sendo esta influncia interpretada luz das
tradies da nossa arte paisagstica. Num processo mais recente, que se de-senvolve no sculo XX, muitos desses jardins foram progressivamente so-frendo restauraes que eliminaram muito as suas caractersticas originais.As razes so, porm, anteriores ao fenmeno do turismo e esto ligadas ao
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prestgio da arte francesa durante os sculos XIX e XX, a par de uma faltade estudos de arte onde a nossa arte dos jardins adquirisse uma identida-
de com caractersticas prprias e autnomas. Muitas estruturas dos jardinsforam destrudas durante trabalhos efetuados no sculo XX. Caso para-digmtico, e j referido, foram os jardins do palcio Ducal de Vila Viosa.Na rea posterior do palcio, havia uma passagem para a horta com altosmuros, que conformavam dois pequenos jardins de clima muito peculiar.Em meados do sculo XX, destruram esses muros de forma a criar ums jardim de escala maior, destruindo a estrutura e ambincia original do
conjunto.
Plateia Qual a diferena entre a concepo da natureza nosjardins de tradies mediterrnica e islmica e nos jardins dos s-culos XVI e XVII?
Helder Carita Na tradio mediterrnica, mas, sobretudo, islmica,
donde vamos receber influncias mais diretas, a natureza configurada nojardim tem um sentido altamente idealizado e simblico. Pela presenado deserto, a natureza no s agreste como perigosa manuteno davida. O jardim rabe um espao absolutamente fechado, construindo--se como uma representao de um paraso na terra. Na tradio islmica,a laranjeira uma rvore do paraso e o cipreste, pela sua verticalidade,correspondia a uma relao simblica de ligao entre a terra e o cu. Se,durante o sculo XV, observamos em Portugal a emergncia de uma artepaisagstica muito prxima da tradio islmica, com o Renascimento e apoca Moderna, a natureza chamada a participar de forma mais ampla,mantendo-se, porm, como paisagem longnqua, desfrutada ao longe atra-vs de janelas ou de terraos.
Se em grandes jardins do sculo XVI ou XVII, verificamos
o desenvolvimento de estruturas espaciais mais complexas, onde, nasequncia do jardim de buxo, verificamos a integrao de hortas e po-
mares, todo o conjunto permanece como um universo parte face
paisagem natural envolvente.
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Plateia O que quer dizer a expresso sentido criptomgico?
Helder Carita Cripto vem de cripta, o que nos remete a ideia defechado e de voltado para dentro. Sob esse ponto de vista, os nossos jardins,sobretudo os dos sculos XVI e XVII, so espaos fechados sobre si mes-mos, nos quais os muros de envolvimento conferem ao interior um climaque o separa da natureza exterior. Quanto ao sentido do mgico, ele refe-re-se mais concepo da estrutura espacial e ao tratamento decorativo dosjardins. Por exemplo, o azulejo to caraterstico dos nossos jardins, pelo seu
brilho aquoso, contm, em si, um forte sentido de imaterialidade. Este bri-lho aqutico do azulejo, a par de outros elementos, como os embrechadosou o grande lago tratado em espelho dgua, tendem a dotar o jardim deum ambiente que tende a se afastar da realidade.
Quanto sua estrutura, os jardins tendem a organizar-se em es-
paos autnomos sem uma relao causal entre si. Em oposio a uma
estrutura marcada por um grande eixo gerador do conjunto que nos
d uma sensao lgica do desenvolvimento do espao, verificamos
que cada espao-jardim se compe por um clima uno e descontnuo,
sem ligaes lgicas entre si, conferindo aos espaos uma sensao de
imprevisibilidade e de magia. De uma forma mais ou menos velada, o
jardim portugus, atravs dos sculos, permanece com uma estrutura
descontnua, que se radica numa antiga tradio do jardim rabe.
isso que lhe confere o sentido criptomgico, qualquer coisa de impre-visvel e de oculto.
Plateia Voc no acha que o jardim portugus tem mais afinidadescom o jardim da vila italiana que propriamente com um jardim francs?
Helder Carita Depende das pocas. Nos sculos XVI e XVII, obser-
vamos certa influncia dos jardins das vilas italianas, verificando-se, porsua vez, no sculo XVIII, uma maior influncia do jardim francs. Emambos os casos, essas influncias permanecem mais em nvel da decoraoe dos elementos de composio, sem afetar a estrutura global do espao.
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Ele pode ter afinidades com os jardins das vilas romanas, mas mantmsempre um carter intimista e contemplativo, sem a axialidade das grandes
vilas italianas e a sua grandiosidade espacial.
Jurema Seckler Ns vamos reiniciar. Queramos convidar ento,para coordenar essa mesa da palestra do professor Carlos Lemos, a arqui-teta Cludia Carvalho, da Fundao Casa de Rui Barbosa. Meu queridoprofessor Carlos Lemos.
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Cludia Carvalho
Arquiteta FCRB
Bom dia a todos. Gostaria de agradecer a presena nessa se-
gunda etapa da manh, do nosso II Encontro Luso-Brasileiro de
Museus Casas e dizer que tenho um enorme prazer em apresentar oprofessor Carlos Alberto Cerqueira Lemos, que vai nos falar sobre
o entorno das casas brasileiras. O professor Lemos, como sabemos,
arquiteto e historiador da arquitetura, formou-se em 1950 pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Macken-
zie, em So Paulo. E j naquela dcada participou da equipe que
fez o projeto do parque do Ibirapuera, sendo um dos chefes do es-
critrio do Oscar Niemeyer naquela cidade. Em paralelo sua ati-
vidade projetual, o arquiteto Carlos Lemos se dedicou docncia,
sendo professor titular no departamento de histria de arquitetura
e esttica do urbanismo da faculdade de arquitetura e urbanismo
da USP. Possui uma trajetria muito consolidada de pesquisa na
rea de histria da arquitetura do Brasil, autor de diversos livros,
a maioria esgotados, como estvamos observando agora mesmo etrata de maneira muito didtica temas extremamente complexos e
muito importantes para o nosso entendimento.
Na coleo Primeiros Passos, os seus livros O Que arquitetura
e O que patrimnio histrico, certamente foram as primeiras con-
dies de dilogo de muitos estudantes dessa rea. E tem tambm
outras obras de muito vulto, baseadas em pesquisas de dados de
fontes primrias, destacando-se o livro Alvenaria Burguesa, que amaioria conhece, resultado da sua tese de livre docncia apresenta-
da em 1983 USP tambm.
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E eu gostaria de falar aqui tambm um pouco do livroA Casa Pau-
lista,tendo em vista que esse o nosso assunto aqui no seminrio, que
um livro que retrata a produo arquitetnica voltada habitaono Brasil e com um olhar que no se detm materialidade, cons-
truo, tcnica construtiva, mas como j observou o Carlos Antnio
Brando, o raro registro de um olhar sensvel ao morar e aos seus
espaos. Acreditamos que, com esse olhar sensvel, o professor Carlos
Lemos realmente nos brindar com novas ideias e novas perspectivas
para os temas que estamos aqui tratando. Muito obrigada. Professor
Carlos Lemos.
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Palestra
Espaos volta das casas brasileirasCarlos Lemos
Arquiteto e professor
(Espaos volta das Casas Brasileiras - 3,6Mb)
Bom dia. Eu denominei o meu tema de Espaos volta das casas
brasileiras, pois ele no vai tratar propriamente de jardins, como o meu
antecessor fez, mas um tema que, inclusive, pode englobar jardins
tambm. Antes de mais nada, havemos de lembrar que os programas de
necessidades da casa brasileira, at pouco tempo, sempre pressupunham
atividades fora da moradia propriamente dita, isto , atuaes em locais
independentes da construo principal, destinadas a atender as carn-
cias normais da vida domstica. Esse tema tem um maior significado emnosso perodo colonial, sobretudo quando tratamos de regies bastante
isoladas e distantes dos centros urbanos, do litoral, quando os complexos
habitacionais praticamente haviam de ser autossuficientes, necessitando,
de fora, to somente de ferro, plvora e sal, como diziam os antigos.
De fato, naquela poca de difceis comunicaes e de poucos recur-
sos, era quase que impossvel a preservao e o armazenamento de gne-
ros perecveis e de produtos alimentcios em geral. A arte da charcutaria,por exemplo, dos embutidos tinha as suas limitaes e nem todos eram
aptos desidratao ao sol da carne salgada. E em um empenho solitrio
do prprio abastecimento da casa de muitas bocas, o suprimento no s
de comida, mas de algodo para os teares, de couros, peles de usos varia-
dos, de cera para as velas, de leo para as candeias e em muitas ocasies
at de argila boa para a feitura de loua de barro do cotidiano.H de se fazer uma histria completa dessa rea envoltria da casa
brasileira, da casa urbana e da casa rural e assim poderamos acompanhar
o seu lento e gradual desaparecimento, na medida em que o progresso
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Espacos_Casas_Brasileiras.pdfhttp://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/anais/FCRB_Espacos_Casas_Brasileiras.pdf7/25/2019 II Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas: Jardins Privados do Sculo XIX
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vai melhorando os meios de comunicao e de translado de gneros, vai
aperfeioando as tcnicas de manuseio de produtos alimentcios e as in-
dstrias suprindo exemplarmente os lares daquilo que tudo for necess-rio ao desempenho da vida familiar. E nessa histria iramos chegar ao
apartamento moderno, suspenso no ar, ininterruptamente provido por
incansveis elevadores a servio de todos.
Nesse momento, com as limitaes de tempo disponvel, dedicare-
mo-nos com maior empenho s pocas antigas, mas no perderemos a
viso do lento caminho por que passou a casa urbana brasileira, a casa
sede dos complexos rurais e as moradias humildes na periferia das cida-des e beira das roas alheias.
Inicialmente percebemos que essas reas domsticas ao ar livre, ro-
deando as residncias, sempre so delimitadas por cercaduras, que antes
de demarcar espaos, constituem em elementos de proteo contra agen-
tes externos e tambm destinados a impedir a fuga dos animais caseiros.
Cercaduras feitas de pedra, de taipa de pilo, de tijolos ou ento de tron-cos, ou de pranches de madeira, encarreirados, fincados no solo como
aquelas descritas por Saint-Hilaire nos arredores de So Joo Del Rei,
onde estavam os cmodos a ele oferecidos na hospedagem temporria.
Esses cmodos a ele destinados estavam como as senzalas. Agora trans-
crito palavras dele: Situadas ao fundo de um vasto terreno rodeado
por estacas, que tinham a grossura da coxa e a altura de um homem.
Gnero de clausura muito comum em uso nessa regio.Desde muito antigamente, quando e onde os recursos eram escassos,
usaram-se tambm valos bem mais fundos do que lardos, delimitando os
terrenos. E depois, com a chegada da modernidade, no havendo ques-
tes de devastamento visual, tambm essas reas de terrenos puderam
ser protegidas por cercas de simples arame farpado.
Vamos tratar agora do nosso tema verdadeiramente. Como j dis-
semos h pouco, estaremos tratando exclusivamente de reas compro-
missadas com a vida domstica, por isso no temos empenho em analisar
exemplos de casas em espaos comprometidos com atividades alheias
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arte de morar. So comuns instalaes industriais de agronegcios, so-
bretudo as monoculturas, envolvendo construes residenciais, partici-
pando dos programas de produo por variados motivos, especialmenteculturais. Pois em nossa condio americana de colonizao, caracteri-
zada principalmente pelo isolamento da Europa, alguns determinantes
prprios daqui, como o escravismo e o necessrio e consequente convvio
ntimo com ndios e negros, apesar do fatal processo miscigenatrio, pro-
vocaram agenciamentos e partidos arquitetnicos peculiares e distancia-
dos da usana portuguesa.
No mundo agrcola lusitano, tanto no norte como no sul, a produofamiliar obviamente no impedia a residncia de todos ali ao lado dos
locais de trabalho, em muitos e muitos casos, todas as atividades sob o
mesmo telhado. Ao contrrio, aqui entre ns, nas distantes fazendas, e
nas roas ermas, a casa sede da propriedade sempre foi isolada, com a
sua vida prpria, isolada, mas no afastada, abrigando o senhor do es-
cravo, sempre vigilante. Na verdade essa a casa que nos interessa nessemomento, a casa brasileira por excelncia. O quintal da casa brasileira
-nos secundrio, como tambm poderemos deixar para outra ocasio
as moradias levantadas por reinis recm-chegados, normalmente as li-
torneas, onde no est explcita aquela vivncia nacional, lentamente
sedimentada a geraes escravocratas. So casas de aventureiros trazidos,
sobretudo, pela fama da abastana vinda do ouro produzido por Minas,
grande parte delas levantadas no litoral, entre Rio de Janeiro e So Se-bastio, em So Paulo.
Moradas e engenhos em uma mesma construo, essas fbricas de
acar ainda existem em Ilha Bela, os engenhos de So Matias, Dgua
e do Porto das Canas. Pelo continente, em So Sebastio, fica o engenho
de Santana. Modernamente o engenho de caf no Rio e em So Paulo, na
cana destinada s usinas de acar e agora na soja, j no h mais regras
situando a casa grande do linguajar de Gilberto Freire. Fiquemos, por-
tanto, apenas com os terreiros, hortas e quintais tradicionais, que ainda
hoje existem por a.
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Quanto s moradias coloniais, notcias valiosas existem nos processos
relativos a inventrios, cujos testamentos e descries de bens de raiz so
fontes primrias importantes para nos abastecer de dados fundamentais compreenso da vida familiar de ento. uma pena que a maioria
das localidades brasileiras antigas no tenham conseguido guardar docu-
mentos daquele teor, em quantidade suficiente para configurar a amos-
tragem necessria a concluses corretas sobre como se morava naquele
tempo antigo, atravs do arrolamento das construes e dos bens mveis
e equipamentos das moradias.
Julgamos que So Paulo seja uma exceo. Felizmente a clarivi-dncia de polticos como Washington Lus, que preservou esta casa e de
prelados como D. Duarte Leopoldo e Silva, ps a salvo documentos fun-
damentais, publicando-os em enormes colees temticas e resguardan-
do-os das traas e de demais insetos de mesma apreciao gastronmica.
Atualmente existem arquivos primorosos, permitindo aos historiadores
fontes mil de pesquisas, dentre tais publicaes sobressaem os volumesdos inventrios e testamentos publicados pelo Arquivo do Estado de So
Paulo. Estes nos do sistemticas informaes sobre o passado de um
bandeirante, desde o sculo XVI, at parte do setecentismo. Esses pa-
pis nos levam a conhecer o mundo recluso de nossa herana mourstica,
onde as mulheres do gineceu agrcola perambulavam dando ordem s
ndias, peas de servio. E mais tarde, no tempo do acar do morgado
de Mateus, havia as mucamas recm-chegadas sociedade mameluca.Elas comandavam a labuta diria, s vezes auxiliadas tambm por algum
velho escravo, ainda com foras, cuidando da horta, de muitas couves,
couves naquele tempo eram qualquer coisa verde que fosse passvel de
ser comida e de diferentes razes, pois como disse o padre Anchieta:
Em So Paulo, comia-se toda a sorte de carases. Isto , vrios tipos de
tubrculos, como o car propriamente dito, a batata das mais variadas e
a mandioca, cujas ramas em grandes reas forneciam o material da fari-
nha, o sustento maior dos paulistas.
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Da cana-se-acar tira-se a garapa, faziam-se as rapaduras, que tri-
turadas davam o adoante do ch de congonha, do furrundum, a so-
bremesa feita com cidra ralada, mais gengibre e da jacuba, uma bebidarefrescante. Todos cuidavam do milharal, cujas espigas ainda verdes for-
neciam o caldo lils das pamonhas, do curau e aquelas maduras, os gros
destinados canjica, beneficiados no monjolo, que lhes tirava as cascas e
ento reduzia-os quirera, no apiloamento muito demorado. Cuidavam
das abboras, das uvas, beneficiavam o algodo arbreo, presente em to-
dos os quintais de roa, destinado aos teares verticais, vindos da produo
txtil dos ndios. Passamos a conhecer o tear horizontal somente depoisda invaso portuguesa em Minas Gerais.
Nesse grande espao cultivado, havia tambm os telheiros para abri-
gar da chuva gneros e foges, feitos a modo indgena, compostos de trs
pedras, quase sempre talhadas em blocos de cupinzeiro, foges chama-
dos de tucuruva. A casa bandeirante no possua em seu mbito, em seu
mago, a cozinha propriamente dita, tudo era cozido fora, nos telheiros,embaixo das rvores ou dos alpendres acoplados a ela. Mas, acendia-se
fogo dentro de casa, mais para aquecimento no inverno e ento se apro-
veitava essa fonte energtica para aquecimento da gua para o ch, para
outras bebidas ou outras comidas leves.
Podemos mostrar, aqui, algumas das muitas centenas de descries
desses quintais domsticos, para indicar como aqueles citados documen-
tos foram de grande valia informativa sobre o mundo bandeirante. Ve-jamos o inventrio de Catarina Dorta, viva de Rafael de Oliveira, o
fundador de Jundia, cuja propriedade foi descrita em 1648: Uma casa
de dois lances, coberta de telha de taipa de mo, com seus corredores e
mais um lance que serve de despensa e seu galinheiro. E casa de trapiche,
coberta de telha e um pedao de vinha, e uma parreira, e um pedao
de canavial, com marmeleiros e bananal, limeiras e laranjeiras e mais
rvores. Tudo em sua avaliao de 55 mil ris. Essa confusa descrio,
prpria da populao de analfabetos, em sua maioria trapiche local da
moenda de cana movida a bois. Nesse referido documento tambm, an-
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teriormente, em 1626, faz-se referncia ao mesmo espao, porm reduzi-
da, fala do lance de despensa, com todas as rvores de espinho e outras de
fruta, e mandioca no prprio quintal. Agora mesmo estava conversandocom o professor Helder Carita, todas essas rvores de espinho so exata-
mente as laranjeiras e limeiras etc., mencio