Post on 22-Mar-2016
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Indignai-vos!
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“93 anos. O fim se aproxima. Que sorte a minha, po-der repassar a memória daquilo que serviu de base para meu engajamento político: o programa elabo-rado há setenta anos pelo Conselho Nacional de Resistência!”Que sorte a nossa, poder nos alimentar da experi-ência deste grande resistente, que sobreviveu aos campos de concentração de Buchenwald e de Dora, que participou da redação da Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos, de 1948, foi embaixador da França e agraciado com a Legião de Honra!Para Stéphane Hessel, o “motivo básico da Resis-tência foi a indignação”. É verdade que, no mun-do complexo de hoje, as razões para se indignar podem parecer menos claras e nítidas do que nos tempos do nazismo. Mas, “procurem e encontra-rão”: a distância crescente entre ricos e pobres, o estado do planeta, o tratamento dispensado aos imigrantes ilegais e aos ciganos, a corrida para ter cada vez mais, a competição, a ditadura dos merca-dos financeiros, a ameaça às conquistas alcança-das pela Resistência, de aposentadoria, de seguri-dade social... Para ser eficaz, é preciso que essa luta aconteça como no passado, em rede, como ação conjunta. Prova disto são as organizações, como Attac, Amnesty ou a FIDH, dentre outras.Por isso, podemos, sim, dar crédito a Stéphane Hes-sel e acompanhá-lo nessa caminhada, à qual ele conclama, de uma “insurreição pacífica”.
Sylvie Crossman
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Paul Klee, Angelus Novus, 1920Aquarela, 31,8 × 24,2 cm, Museu de Israel, Jerusalém.
Neste texto, Stéphane Hessel se refere à obra de Klee e ao comen-tário que sobre ela deixou o fi lósofo alemão Walter Benjamin em suas Teses sobre a fi losofi a da história, escritas em 1940 sob o cho-que do pacto germano -soviético. Walter Benjamin foi seu primeiro proprietário. Ele via na obra um anjo repelente, “a tempestade que chamamos de progresso”.
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O nome desta nova coleção,
“Ceux qui marchent contre le vent”
[Os que andam contra o vento],
foi tomado emprestado dos Omahas,
um povo indígena das planícies
da América do Norte ligado
à família dos Sioux, que são
designados por esta expressão.
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STÉPHANE HESSEL
Indignai-vos!
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Noventa e três anos. Pode -se falar em etapa fi nal. O fi m não está longe. Que sorte poder aproveitar para lembrar o que serviu de base ao meu engajamento po-lítico: os anos de resistência e o programa elaborado há 66 anos pelo Conselho Nacional da Resistência! Devemos a Jean Moulin, no âmbito desse Conselho, a reunião de todos os componentes da França ocupada, os movimentos, os partidos, os sindicatos, para procla-marem sua adesão à França combatente e ao único chefe que ela reconhecia: o general De Gaulle. De Londres, onde me juntara a De Gaulle em março de 1941, soube que esse Conselho havia organizado um programa e que o tinha adotado em 15 de março de 1944, propondo para a França libertada um conjunto de princípios e de valores sobre os quais se apoiaria a moderna democracia de nosso país.1
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Mais do que nunca, hoje temos necessidade desses
princípios e valores. Precisamos nos manter vigilan-
tes, todos juntos, para que esta continue sendo uma
sociedade da qual nos orgulhemos; não a sociedade
dos imigrantes sem documento, das expulsões, das sus-
peitas aos imigrantes; não a sociedade na qual sejam
questionadas as aposentadorias, os direitos adquiridos
da Previdência Social; não a sociedade na qual a mídia
está nas mãos dos ricos – todas essas coisas que teríamos
recusado avalizar se fôssemos os verdadeiros herdeiros
do Conselho Nacional da Resistência.
Após um drama cruel, em 1945 houve uma ressur-
reição ambiciosa a que se dedicaram as forças presentes
no seio do Conselho da Resistência. Vale lembrar que
naquela ocasião foi criada a Seguridade Social, como
queria a Resistência, que estipulara expressamente em
seu programa: “Um plano completo de Seguridade So-
cial, visando a assegurar meios de existência a todos os
cidadãos, em todos os casos em que eles não tenham
capacidade de consegui -los pelo trabalho”; “uma apo-
sentadoria que permita aos trabalhadores idosos encer-
rarem dignamente seus dias”. As fontes de energia, a
eletricidade e o gás, as minas de carvão, os grandes
bancos foram nacionalizados. Era o que esse programa
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também preconizava, “o retorno à nação dos meios de
produção monopolizados, fruto do trabalho comum,
das fontes de energia, das riquezas do subsolo, das com-
panhias de seguro e dos grandes bancos”; “a instaura-
ção de uma verdadeira democracia econômica e social,
implicando a evicção dos grandes feudos econômicos
e fi nanceiros que comandam a economia”. O interesse
geral deve sobrepujar o particular, a justa divisão das
riquezas criadas pelo mundo do trabalho deve primar
sobre o poder do dinheiro. A Resistência propunha
“uma organização racional da economia, assegurando
a subordinação dos interesses particulares ao interesse
geral, liberado da ditadura profi ssional instaurada à
imagem dos Estados fascistas”, e o Governo provisório
da República assegurava a continuidade.
Uma verdadeira democracia tem necessidade de
uma imprensa independente; a Resistência sabia disso,
e assim o exigia, defendendo “a liberdade de imprensa,
sua honra e sua independência com relação ao Estado,
aos poderes do dinheiro e às infl uências estrangeiras”.
Era isto o que repetiam os decretos sobre a imprensa,
já em 1944. Ora, é isto que hoje está em perigo.
A Resistência apelava para “a possibilidade efetiva,
para todas as crianças francesas, de se benefi ciarem da
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educação mais desenvolvida”, sem discriminação; ora,
as reformas propostas em 2008 vão contra esse projeto.
Jovens docentes, cuja ação eu apoio, chegaram a se
recusar a aplicá -las, e viram seus salários reduzidos a
título de punição. Eles se indignaram, “desobedece-
ram”, julgaram essas reformas muito afastadas do ideal
da escola pública, muito a serviço de uma sociedade do
dinheiro, e que não mais desenvolve sufi cientemente
o espírito criativo e crítico.
É toda a base das conquistas sociais da Resistência
que está sendo agora contestada.2
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