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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Ouro Preto - MG – 28 a 30/6/2012
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Infotainment: hibridismo de gêneros1
Fabíola Tarapanoff
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Universidade Metodista de São Paulo (UMESP),
São Bernardo do Campo, SP
RESUMO
Cada vez mais os meios de comunicação, principalmente a televisão e a
internet, apresentam notícias ligadas ao entretenimento, criando um gênero híbrido: o
infotainment. O artigo apresenta esse fenômeno, de que maneira ele surgiu e
iluminações teóricas de autores que estudaram questões culturais e relativas à audiência.
Busca compreender o infotainment e por que motivos apresentou um crescimento
maciço na contemporaneidade. Para isso tomará por base os referenciais teóricos de
Raymond Williams, Michel de Certeau, James Curran e Jesús Martín-Barbero.
PALAVRAS-CHAVE: estudos culturais; estudos de recepção; infotainment;
jornalismo; entretenimento.
TEXTO DO TRABALHO
Parte I – Introdução
Desesperada com a queda da audiência do famoso programa de notícias
Daybreak, a produtora de televisão Becky Fuller (Rachel McAdams) resolve fazer
mudanças radicais: coloca um repórter sendo filmado em apuros em uma montanha-
russa de um parque de diversões e mostra a apresentadora Colleen Peck (Diane Keaton)
em um ringue de luta. Além disso, traz o conceituado âncora Mike Pomeroy (Harrison
Ford) para dar credibilidade ao programa e dividir a bancada com Colleen. É claro que
Mike acha um absurdo apresentar notícias superficiais ao invés de jornalismo sério e
acaba assumindo a contragosto o posto. Mas a tática dá certo, obrigando o próprio
apresentador a rever seus conceitos sobre o que a audiência deseja ver em um telejornal.
O filme Uma manhã gloriosa (Morning glory, EUA, 2010 - Direção: Roger Mitchell)
1 Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual do “XVII Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Sudeste”, realizado de 28 a 30 de junho de 2012. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Área de Concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). E-mail: fabiolapaes@uol.com.br.
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apresenta de forma interessante o crescimento nos últimos anos no jornalismo de um
gênero específico: o infotainment.
Imbricamento entre informação e entretenimento, esferas costumeiramente
vistas como opostas. Assim tem sido definido o infotainment. Nos estudos do
jornalismo, o infotainment é considerado por muitos pesquisadores mera distração,
diferente da seriedade que o bom jornalismo requer. No entanto, para Ekström (2000
apud GOMES, 2011: p.174), o modo de comunicação de informação, a intenção da
produção é oferecer informação que seja não só relevante, mas interessante para chamar
a atenção da audiência. Para isso, eles utilizam o modo de comunicação storytelling, que
bebe na fonte dos recursos de obras de ficção, buscando contar uma história que seja
excitante ou dramática para apreender os possíveis telespectadores.
Em relação ao conteúdo, o gênero pauta-se principalmente por temas
relacionados ao prazer, ao esporte, à cultura, à moda e à música, enfatizando a vida
privada e o comportamento. Entre as estratégias semiótico-discursivas para atrair os
espectadores estão: recursos sonoros, grafismos, vinhetas, narrativa leve e agradável,
bate-papo de apresentadores de telejornais entre si e com repórteres, entre outros.
Boa parte das análises que se dedica ao tema salienta a exposição da vida
privada, a falta de profundidade e amenidades das conversas, deixando a análise da
própria conversação em segundo plano. O modelo dominante de jornalismo ficou
marcado pelo paradigma da objetividade e de um estilo textual caracterizado pelo
privilégio de fatos em detrimento das opiniões. Outras formas de jornalismo que se
desenvolveram no período, como o sensacionalismo, eram consideradas inferiores.
Devido a isso, o campo jornalístico para se legitimar se estabeleceu como um “não
entretenimento”, acolhendo apenas a racionalidade como norma de conduta, enquanto o
entretenimento seria um valor corruptível e uma ameaça à qualidade.
Na defesa de um jornalismo sério, o campo profissional tem argumentado que o
infotainment deprecia sua natureza, inserindo nas narrativas “estratégias de amenização
do relato”, que se aproximam de discursos mais ligados ao entretenimento enquanto
indústria (cinema, quadrinhos, música, moda e teledramaturgia). No entanto, em um
contexto mediático que se pauta pela tabloidização dos noticiários televisivos, a própria
fronteira que separa os gêneros realista e ficcional parece se esvair. As notícias têm
seguido essa lógica de mercado e utilizam do entretenimento como forma de atrair mais
telespectadores. A crítica racional é substituída pelo êxtase da comunicação e pela
sedução banal.
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Parte II - Luzes sobre os estudos culturais
Para entender melhor o fenômeno, é interessante buscar iluminações teóricas em
autores que estudaram de forma profunda questões culturais. Um desses autores é
Raymond Williams. Inicialmente devemos definir o que é cultura. No capítulo
“VI -“J.H. Newman e Matthew Arnold” da obra Cultura e Sociedade (1780-1950),
o autor explica que cultura deve ser algo cultivado, que requer estudo e busca. Ele cita
Matthew Arnold, que propõe que cultura é
uma forma de nos salvarmos das dificuldades atuais, considerada a cultura a
busca da nossa perfeição mais completa, a ser conseguida por meio do esforço
por saber, em todas as questões que nos interessam, o que de melhor foi
pensado e dito no mundo (...) Cultura, que é o estudo da perfeição, leva-nos a
(...) conceber a verdadeira perfeição como uma perfeição harmoniosa,
conduzindo ao desenvolvimento de todas as facetas de nossa humanidade e
como perfeição geral, conduzindo ao desenvolvimento de todos os aspectos de
nossa sociedade (WILLIAMS,1997: p. 131).
No capítulo “Tradições, instituições e formações” do livro Marxismo e
Literatura, Williams comenta que para compreender como uma cultura é constituída,
inicialmente é preciso distinguir três aspectos de qualquer processo cultural: tradições,
instituições e formações. Para o autor, tradição é na prática a expressão mais evidente
das pressões e limites dominantes e hegemônicos. Nesse sentido, ela se configura como
um aspecto da organização social e cultural contemporânea, no interesse do domínio de
uma classe específica. “É uma versão do passado que se deve ligar ao presente e
ratificá-lo. O que ela oferece na prática é um senso de continuidade predisposta”
(WILLIAMS,1979: p.119). O estabelecimento de uma tradição depende em parte de
instituições identificáveis, mas não somente delas, como pontua o autor:
As relações entre instituições culturais, políticas e econômicas são muito
complexas e a sua substância é uma indicação direta do caráter da cultura no
sentido mais amplo. Mas não é nunca apenas uma questão de instituições
formalmente identificáveis. É também uma questão de formações; esses
movimentos e tendências efetivos, na vida intelectual e artística, que têm
influência significativa e por vezes decisiva no desenvolvimento ativo de uma
cultura, e que têm uma relação variável, e com freqüência oblíqua, com as
instituições formais (WILLIAMS,1979: p. 120).
No capítulo 9 - “Estruturas de sentimento”, Williams comenta que quando se
analisa as relações entre instituições produzidas, formações e experiências, costuma-se
considerá-las como fixas e imutáveis e não sua natural mutação. Assim mesmo modelos
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consagrados do jornalismo, como reportagens que apresentam de forma extremamente
objetiva as notícias, seguindo o padrão da clássica “pirâmide invertida” também seriam
passíveis de transformações. O infotainment seria assim um gênero híbrido, uma nova
formação, que apresenta notícias de uma forma mais leve, seguindo os parâmetros do
entretenimento:
Se o social é sempre passado, no sentido de que é sempre formado, temos na
verdade de encontrar outros termos para a experiência inegável do presente: não
só o presente temporal, a realização deste instante, mas o presente específico de
ser, o inalienavelmente físico, dentro do que podemos realmente discutir e
reconhecer instituições, formações, posições, mas nem sempre como produtos
fixos, definidores.(...). E então, se o social é fixo e explícito – as relações,
instituições, formações, posições conhecidas – tudo o que está presente e se
move, tudo o que escapa ou parece escapar ao fixo, explícito e conhecido, e
compreendido e definido como o pessoal: este, aqui, agora, vivo, ativo,
“subjetivo” (WILLIAMS, 1979: p.130 ).
Hoje se observam diversas mudanças não só políticas, econômicas, mas também
na cultura em si. Ela está tão presente em nossa sociedade, assim como o entretenimento
e o espetáculo que atinge também o outrora sério campo das notícias. Trata-se de uma
mudança na estrutura de sentimento, de visão de mundo, sobre o que os produtores
acreditam que é importante para telespectadores e leitores. Como Williams explica, as
estruturas de sentimento “podem ser definidas como experiências sociais em solução,
distintas de outras formações semânticas sociais que foram precipitadas e existem de
forma mais evidente e imediata.”
Como um reflexo não das meras aparências, mas da realidade por trás delas: a
natureza interior do mundo ou suas formas constitutivas. Ou a arte pode ser considerada
como um reflexo não do mundo inanimado, mas do mundo como é visto pela mente do
artista. Para entender essas mudanças na cultura, Williams propõe uma Sociologia
Cultural, em que se analise o sistema de signos presente em qualquer obra, como, por
exemplo, uma reportagem presente na televisão ou em uma revista: das relações sociais
internas, dos signos presentes em sua estrutura e externas, constituídas sob influência de
instituições culturais, sociais e econômicas.
Michel de Certeau também apresenta uma interessante definição de cultura na
obra A cultura no plural. Certeau explica que a palavra cultura aparece sob diversas
expressões como “difusão da cultura”, “cultura de massa” e “política da cultura”,
apresentando diversos empregos, designando, por exemplo:
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a) os traços do homem culto, de acordo com o modelo elaborado nas sociedades
estratificadas por uma categoria que introduziu suas normas;
b) um patrimônio de obras que devem ser preservadas, difundidas ou com relação
ao qual se situar. À ideia de obras que devem ser difundidas acrescenta-se a de
criações e de criadores;
c) a imagem, a percepção ou a compreensão do mundo próprio a um meio;
d) comportamentos, instituições, ideologias e mitos que compõem quadros de
referência e cujo conjunto, coerente ou não, caracteriza uma sociedade como
diferente das outras;
e) a aquisição, enquanto distinta do inato. A cultura diz respeito aqui à criação, ao
artifício, à ação, em uma dialética que a opõe e a associa à natureza;
f) um sistema de comunicação elaborado de acordo com os modelos criados pelas
teorias da linguagem verbal.
A industrialização e a racionalização do trabalho conduziram a mudanças
profundas na vida privada. E já que a capacidade de produzir é na realidade
organizada segundo poderes econômicos, as representações coletivas se folclorizam.
As ideologias transformam-se em espetáculos. E nessa “sociedade do espetáculo”,
como já previra Guy Debord em sua obra homônima, são apresentadas fábulas para
os espectadores em seus espaços de lazer que tornam possível um trabalho forçado e
concentrado. O crescimento do cultural é um movimento que transforma o público
em consumidor. Seria o fim das militâncias? Para o autor, com a desmitificação das
ideologias e a derrocada do comunismo e do capitalismo e a descrença em relação à
política em geral, foi necessária a criação de novos mitos: surgem no lugar de
militantes os “promotores culturais”. A cultura torna-se um neutro: “o cultural”:
É o sintoma da existência de um bolso para onde refluem os problemas com os
quais uma sociedade está em dívida, sem saber como tratá-los. Ali estão
guardados, isolados de seus laços estruturais, com o surgimento de novos
poderes e com os deslocamentos sobrevindos nos conflitos sociais ou nas
determinações econômicas. Acaba-se, portanto, por imaginar que a cultura
possua uma autonomia indiferenciada e flexível. Ela se caracteriza como um
não-lugar onde todos os investimentos são possíveis, onde pode circular “o que
quer que seja”. Quando não se encerra na estatística e na precisão analítica dos
dados, o discurso cultural cai nas generalidades e reaplica resíduos doutrinais
(políticos, filosóficos, religiosos). Esse discurso universal é o museu onde se
reinstalam alguns conceitos extraídos de sistemas que tinham outrora seu rigor
(“humanismo” etc.) A ideologia ressurge assim, sub-repticiamente, no cultural –
uma ideologia de bricolagem, um saco ideológico, mas que anuncia, sem
dúvida, uma outra coisa (CERTEAU, 1995: p. 199).
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Assim a cultura de consumo desenvolve nos espectadores a passividade da qual
ela já é o efeito. O autor observa que quanto mais aumenta o tempo concedido ao lazer,
menos o lazer é escolhido. A informação que aparece na mídia impressa, nos programas
de televisão, em rádios e em sites na internet está reservada a um círculo cada vez mais
estreito de produtores. Apresenta assim uma linguagem de espelho, que reflete apenas o
que a sociedade é: uma sociedade de consumo e pautada pelo entretenimento.
Esse entretenimento, antes restrito a programas de ficção como novelas e séries e
presente em anúncios publicitários agora invade um novo terreno: o de telejornais.
Na imprensa escrita, ganha espaço notícias não sobre mudanças na política e na
economia, mas a vida de astros e estrelas globais e de Hollywood, entre outras
amenidades. O mesmo ocorre em programas de rádio e em sites. Assim a linguagem
oferece como espetáculo a ação que a sociedade não mais permite. Hoje as trocas são
medidas pelas relações econômicas, obedecendo às leis de uma sociedade produtivista
que se tornou incapaz de criar um conjunto de bens que devem ser consumidos
(produtos) e, nos compradores eventuais, de “necessidades” correspondentes que devem
ser satisfeitas (publicidade).
A alienação está assim relacionada ao isolamento do cultural. Outra constatação
é de que as formas atuais de conscientização manifestam ao mesmo tempo a
transformação dos organismos políticos ou sindicais. Nas últimas décadas, a indústria
cultural possibilitou a multiplicação dos espetáculos por meio de novos espaços e sites e
o próprio espetáculo está se tornando um dos princípios organizacionais da economia,
da política, da sociedade e da vida cotidiana. A economia baseada na internet permite
que o espetáculo seja um meio de divulgação, reprodução, circulação e venda de
mercadorias. A cultura da mídia promove espetáculos tecnologicamente ainda mais
sofisticados para atender às expectativas do público
e aumentar dessa forma seu poder e lucro.
As formas de entretenimento invadem a notícia e a informação e uma cultura
tablóide, do tipo infoentretenimento, torna-se cada vez mais popular. Novas multimídias
– que sintetizam as formas de rádio, filme, noticiário de TV e entretenimento – e o
crescimento repentino do domínio do ciberespaço tornam-se espetáculos de
tecnocultura, gerando múltiplos sites de informação e entretenimento, ao mesmo tempo
em que intensificam a forma-espetáculo da cultura da mídia.
Desde a teorização de Debord sobre a sociedade do espetáculo nos anos 1960 e
1970, a cultura do espetáculo se expandiu em todas as áreas da vida.
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O entretenimento sempre foi o principal campo do espetáculo, mas na atual
sociedade do infoentretenimento, entretenimento e espetáculo entraram pelos domínios
da economia, política, sociedade e vida cotidiana por meio de formas inovadoras e
importantes, como alertara Douglas Kellner na obra A cultura da mídia.
Segundo Néstor García Canclini no texto “El consumo sirve para pensar”, em
meio a essa heterogeneidade encontramos códigos que nos unificam e que permitem que
nos entendamos. Mas esses códigos compartilhados são cada vez menos os da etnia, de
classe ou a nação em que nascemos. Essas unidades parecem se reformular como pactos
móveis de leitura dos bens e das mensagens. Por exemplo, uma nação não se define
mais tanto pelos limites territoriais ou por sua história política. Mas sobrevive como
uma comunidade hermenêutica de consumidores, cujos hábitos tradicionais levam a
relacionar se de um modo peculiar com os objetos e a informação circulante nas redes
internacionais.
Como os acordos entre produtores, instituições, mercados e receptores que constituem
os pactos de leitura e os renovam periodicamente- se fazem por meio dessas redes
internacionais, ocorre que o setor hegemônico de una nação tem mais afinidades com de
outra que com os setores subalternos da própria. Há vinte anos, na euforia das
interpretações sobre dependência, relacionava-se ante as primeiras manifestações desse
processo acusando à burguesia pela falta de fidelidade aos interesses nacionais.
E, é claro, o caráter nacional dos interesses era definido a partir de tradições autênticas
do povo. Hoje sabemos que essa autenticidade era ilusória, pois o sentido próprio (...) de
objetos é arbitrariamente delimitado e reinterpretado nos processos históricos híbridos
(CANCLINI, 1997: 56. Tradução nossa).
Nessa sociedade de consumo, que luta pela audiência, há uma reorganização de
bens simbólicos, obrigando os “produtos” jornalísticos a mudarem sua embalagem,
tornando-a mais atrativa para os consumidores/espectadores/leitores. É natural portanto,
que o entretenimento, que está presente em todas as esferas da sociedade e contribui de
forma enorme para sustentar economicamente a sociedade do consumo esteja presente
também no jornalismo:
Não é a estrutura do meio (televisão, rádio ou vídeo) a causa do achatamento cultural e
da desativação política: as possibilidades interativas e de promover a reflexão crítica de
esses instrumentos têm sido muitas vezes demonstradas nas experiências micro, de
baixa ou nula eficácia massiva. Tampouco deve atribuir-se à diminuição da vida pública
(...) explicação do desinteresse pela política: (...) essa transformação das relações entre o
público e o privado no consumo cultural cotidiano deve ser tomada em conta como a
principal mudança de condiciones em que devem exercer-se um novo tipo de
responsabilidade cívica as novas tecnologias e manter suas crenças antigas e locais
(CANCLINI, 1997: p. 57-58 )
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Parte III – Compreendendo a audiência
Mas o que quer afinal a audiência? Ela somente está ávida por entretenimento e
isso se reflete em mudanças paradigmáticas no jornalismo, que procura apresentar temas
mais leves? James Curran, no artigo “Repensar a comunicação de massas”, argumenta
que as notícias que recebemos apresentam um sistema simbólico existente na sociedade.
Elas se inspiram em pressupostos, em imagens e cadeiras de associação, que estão
presentes na tradição cultural. As notícias também são estruturadas por convênios de
formas e de gêneros da nova reportagem, que muda dentro de cada sociedade e evolui
com o tempo, buscando apresentar diferentes segmentos da sociedade (CURRAN, 1990:
p.190-191). E com a concentração excessiva de empresas na área de mídia nas mãos de
poucos empresários, faz com que eles se preocupem com a audiência e seus lucros,
procurando entender essa audiência:
As pesquisas de audiência da televisão comercial estão em constante alerta para
identificar o menor indício de mudança nas preferências do público. Os índices de
audiência são revistos com ansiedade, porque são equivalentes a ouro na televisão. Uma
grande parte desse esforço, da energia e da criatividade das corporações televisivas e de
outras empresas comerciais se destina a contentar a audiência dentro de um entorno
ferozmente competitivo. As corporações dos meios de comunicação têm desenvolvido
estratégias para fazer o seguinte: investigar e fazer provas prévias dos produtos, formar
equipes criativas, repetir e recombinar fórmulas que tenham tido êxito no passado
(CURRAN, 1990: p.193).
Assim, mesmo programas com uma embalagem moderna e destinados a agradar
o público jovem, como o CQC, que combina notícias e entretenimento, já tinha sido
testado em outros países como a Argentina, antes de ser veiculado no Brasil. É claro que
os espectadores formam suas opiniões não só com base nas informações adquiridas nos
meios de comunicação, mas também nos círculos familiar, de trabalho e grupo de
amigos. Mas para Curran:
a diminuição de afiliações aos partidos políticos nos últimos anos das massas nas
últimas três décadas teve como consequência um número de pessoas mais elevado que
sejam influenciadas pelos meios de comunicação. Também se sustenta, mas isso de
forma menos especulativa, que a mudança social acelerada contribuiu para que
aumentasse o número de pessoas que buscam nos meios de comunicação uma
orientação e que eles sejam guias, por estarem perdidos em um mundo de mudanças e
incertezas (CURRAN, 1990, p. 197).
Segundo Jesús Martín-Barbero na obra Dos meios às mediações, é a própria
noção de cultura que está sendo transformada pelo que a televisão produz e o seu modo
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de produção. Para o autor, as interações entre o receptor e o produtor podem ser
compreendidas por meio das mediações, lugar que propicia o consumo diferenciado aos
diversos receptores dos bens simbólicos, de forma que produzem e reproduzem os
significados sociais. Mediação é o conjunto de fatores que estrutura, organiza e
reorganiza a percepção e apropriação da realidade pelo receptor.
Martín-Barbero observa que o modo como as indústrias culturais estão
reorganizando as identidades coletivas e as formas de diferenciação simbólica,
esmaecendo cada vez mais as demarcações entre o culto e o popular, o tradicional e o
moderno, o próprio e o alheio. Essa situação só se intensificou na última década:
aprofundam e reforçam as divisões sociais, refazem as exclusões que vêm da estrutura
social e política, legitimando-as culturalmente […] falar em identidade regional ou local
implica falar não só de costumes e tradições orais, de cerâmicas e ritmos musicais, mas,
também, de marginalização social, de expoliação econômica e de exclusão nas decisões
políticas, isto é, do ‘desenvolvimento desigual’ de que estão feitos esses países
(MARTÍN-BARBERO, 2007, p. 9; 13).
No livro Cartografias dos estudos culturais: uma visão latino-americana,
Ana Carolina D. Escosteguy a questão das mediações também está presente. A autora
cita Stuart Hall e seu texto clássico “Codificação/Decodificação” presente na obra
Da diáspora:
Hall tenta explicar essa situação quase vinte anos depois de publicar o “modelo de
codificação/decodificação”: leituras preferidas dão a impressão de assumir o lado
decodificante, ao passo que sentido preferido está no âmbito codificante, não no
decodificante. Por que ele está lá? Bem, está lá porque não quero um modelo de um
circuito que não tenha poder dentro dele. Não quero um modelo que seja determinista,
mas não quero um modelo sem determinação (HALL apud ESCOSTEGUY, 2010: p.
77).
Ou seja, apesar de os meios de comunicação oferecerem programas jornalísticos
com reportagens mais leves, com o intuito somente “de agradar a audiência”, há um
sentido para o crescimento desse tipo de programação. Eles não só refletem a sociedade
em que vivemos, uma sociedade de consumo, apresentando assuntos mais leves, mas
evita a abordagem de notícias polêmicas. Notícias negativas que podem envolver, por
exemplo, patrocinadores do veículo de comunicação ou de políticos que contribuem
para que o veículo obtenha aprovação no congresso e concessão para continuar
operando.
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Para Escosteguy, esse pensamento hegemônico hoje, das classes dominantes e
refletido pelos proprietários dos meios de comunicação, passou por uma mudança e se
observa de maneira mais sutil no conteúdo do que é exibido na mídia:
Nesse espectro teórico, os media são responsáveis por prover a base pela qual grupos e
classes sociais constroem uma imagem das vidas, práticas e valores de outros grupos e
classes. Essas imagens, representações esparsas e fragmentadas da totalidade social,
acabam construindo um todo coerente, o imaginário social “[…] através do qual nós
percebemos os ‘mundos’, as ‘realidades vividas’ dos outros e, imaginariamente,
reconstruímos suas vidas e as nossas em algum ‘mundo por todos’ inteligível, numa
‘totalidade vivida (...) E, por último, esse conjunto de representações, imagens e
sentidos, seletivamente representado e classificado, é organizado e articulado em um
todo coerente, numa ordem reconhecida, ou melhor, na produção do consenso, na
construção da legitimidade. São determinados mecanismos que permitem aos media ter
tal papel ideológico. Os media produzem mercadorias simbólicas e sua produção não
pode ser alcançada sem passar pelo crivo da linguagem, pois é necessário traduzir o
evento real numa forma simbólica. Esse é o processo de codificação em que a seleção
de códigos preferenciais parece corporificar uma explicação “natural”, mostrando-se
como a única forma inteligível e disponível do evento (ESCOSTEGUY, 2010: p.69).
Como bem observaram Maria Immacolata Vassallo de Lopes, Sílvia Helena
Simões Borelli e Vera da Rocha Resende em Vivendo com a telenovela, os estudos
culturais permitiram uma análise mais ampla de como se processa a produção e
recepção de mensagens dentro de um quadro semiológico inspirado no marxismo,
considerando a recepção como prática complexa de construção social de sentido. E é na
televisão, que essas mudanças ganham grande alcance na América Latina, ainda hoje,
mesmo com o crescimento da internet. O fenômeno infotainment e programas como
CQC, Fantástico e talking shows como o Programa do Jô e até mesmo telejornais como
o Jornal Nacional (que em 1997 deu mais destaque ao nascimento da filha de Xuxa,
Sasha, do que à privatização das empresas de telecomunicações), revelam que
o espaço da cultura vem se convertendo nos últimos anos em um lugar fundamental de
questionamento sobre os sentidos implicados nos processos de modernização da
sociedade. Na América Latina, e especialmente no Brasil, a televisão tem se mostrado
um meio estratégico de modernização, cuja lógica empresarial se articula através de
formas variadas de integração e de conflito com as demais lógicas sociais e de onde
resultam processos culturais e comunicativos marcados pela hibridização (VASSALLO,
BORELLI E RESENDE, 2002: p.35).
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CONCLUSÕES
Os autores dos estudos culturais podem ajudar muito na compreensão de como o
cinema hoje é cada vez mais importante na sociedade, influenciando no imaginário que
as pessoas têm a respeito de determinadas profissões. A influência do cinema e o
crescimento do gênero infotainment são assuntos tão prementes na contemporaneidade,
que devem ser estudados em profundidade, instigando esta pesquisadora a compreender
melhor esses fenômenos em sua tese para o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu -
Área de Concentração: Processos Comunicacionais Linha de Pesquisa: Processos
Comunicacionais Midiáticos da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
A análise de filmes sobre Jornalismo, como A montanha dos sete abutres (The
big Carnival ou Ace in the hole, EUA, 1951), dirigido por Billy Wilder e Todos os
homens do presidente (All the president’s men, EUA, 1976), com direção de Alan
Pakula até mais recentes, como Intrigas de Estado (State of play, EUA/ING, 2006) e
Uma manhã gloriosa (Morning glory, EUA, 2010 – Direção: Roger Mitchell)
possibilitarão entender como o cinema não só participa na construção do imaginário,
como também reflete a sociedade em que vive, como no último filme citado.
Mostram ainda que o jornalismo também teve de se adaptar, criando “produtos
jornalísticos” mais adequados à nova sociedade de consumo e de entretenimento que se
configura.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros:
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Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
CANCLINI, N. G. “El consumo sirve para pensar”. In: Consumidores e cidadãos:
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CURRAN, J. “Repensar la comunicación de masas.” In: CURRAN, James, MORLEY, David &
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Sociedade midiatizada. Traduções de Carlos Frederico Moura da Silva, Maria Inês
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HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Organização: Liv Sovik.
Tradução Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003.
LOPES, M. I. V.; BORELLI, S. H. S. & RESENDE, V. R. Vivendo com a telenovela:
mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, 2009.
WILLIAMS, R. Cultura e Sociedade - 1780 - 1950. Tradução: Leônidas H.B. Hegenberg e
Octanny Silveira da Mota e Anísio Teixeira. Coleção Cultura, Sociedade, Educação. Direção:
Anísio Teixeira.Volume I. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1997.
WILLIAMS, R. Marxismo e Literatura. Tradução: Waltensir Dutra. Biblioteca de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
Créditos das imagens:
Filme - Uma manhã gloriosa
Endereços eletrônicos:
http://www.google.com.br/imgres?q=uma+manh%C3%A3+gloriosa&um=1&hl=pt-
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Ouro Preto - MG – 28 a 30/6/2012
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Artigos e textos presentes em endereços eletrônicos:
Infotainment – Wikipedia – Endereço eletrônico:
http://en.wikipedia.org/wiki/Infotainment
ESCOSTEGUY, A. C. Cartografias dos estudos culturais: uma versão
latinoamericana. ed. on-line – Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
Endereço eletrônico:
http://www.autenticaeditora.com.br/autentica/cartografias_dos_estudos_culturais_-
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SANTOS, T. E. F. “Infotainment na TV: as estratégias de endereçamento do Profissão
Repórter.” In: GOMES, Itania Maria Mota (Org.). Gêneros televisivos e modos de
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http://telejornalismo.org/wp-content/uploads/2011/06/Generos-Televisivos-e-Modos-
de-Endere%C3%A7amento-no-Telejornalismo.pdf#page=174