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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
São Luís - MA, janeiro/junho de 2014 - Ano XIX - Nº 14
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JORNALISMO AMBIENTAL: Uma ótica a partir das contribuições de Roland Barthes
Catarine Moscato STURZA5
RESUMO: O texto apresenta algumas contribuições de Roland Barthes, ainda pouco
exploradas no Brasil, que auxiliam no conhecimento do jornalismo ambiental e no
tratamento das questões ambientais. Inicialmente é apresentada uma breve revisão
teórico-conceitual da obra barthesiana e, a seguir, alguns conceitos da geografia
(topofilia e topocídio) e biologia (biofilia). Também são discutidos conceitos de
percepção e racionalidade ambiental como referenciais teóricos para o jornalismo
ambiental, que é tratado conjuntamente na segunda parte. Em suma, o trabalho aponta
alguns vieses e interfaces multidisciplinares indispensáveis para o jornalismo ambiental
no trato das emergentes questões ambientais.
PALAVRAS-CHAVE: Roland Barthes. Jornalismo ambiental. Percepção.
Racionalidade.
ABSTRACT: The paper presents some contributions from Roland Barthes, still little
explored in Brazil, which provide knowledge of environmental journalism and in
addressing environmental issues. Initially a brief theoretical and conceptual review of
Barthes' work, then, some concepts of geography (topophilia and topocide) and biology
(biophilia) is presented. Also are discussed concepts of perception and environmental
rationality as theoretical frameworks to environmental journalism, which is discussed
together in the second part. In summary, this work shows some biases and indispensable
5 Jornalista e mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Membro pesquisador do Grupo de Pesquisa em Ciberjornalismo (CIBERJOR). E-mail: catarinesturza@yahoo.com.br.
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multidisciplinary interfaces for environmental journalism in dealing with the emerging
environmental issues.
KEYWORDS: Roland Barthes. Environmental journalism. Perception. Rationality.
1 APRESENTAÇÃO
Roland Barthes, um dos grandes estudiosos da Teoria da Literatura e Semiótica,
nasceu em 1915 na cidade de Cherbourg, França. Durante boa parte de sua vida se
dedicou a crítica literária, teatral e cultural.
A riqueza teórica trazida por suas obras serve de análise para várias áreas, como
no jornalismo ambiental – nome dado à especialidade da cobertura de fatos relacionados
ao meio ambiente. Acreditamos que o quadro de crise ambiental e de adversidades atual
compreende um precioso momento para uma busca por novos olhares conceituais e
multidisciplinares. Com isso, a proposta do artigo aqui apresentado é discutir alguns
conceitos de Roland Barthes – ainda pouco explorados no Brasil – que podem auxiliar
na contribuição do jornalismo ambiental e no tratamento das questões ambientais.
Na primeira parte do trabalho “Texto, linguagem e fotografia” é apresentada
uma breve revisão teórico-conceitual da obra barthesiana e suas contribuições à análise
da comunicação. São levantados conceitos como: kama-sutra da linguagem, fotógrafo-
spectador, punctum, studium, entre outros.
Na seção seguinte “Percepção e Jornalismo Ambiental” é discutido alguns
conceitos da geografia (topofilia e topocídio) e biologia (biofilia) que auxiliam no trato
e discurso jornalístico do meio ambiente.
2 TEXTO, LINGUAGEM E FOTOGRAFIA
Roland Barthes se formou em Letras Clássicas e Gramática e Filosofia na
Universidade de Paris. Suas ideias ancoradas na sociologia francesa foram publicadas
em diversas obras, como: O Grau Zero da Escrita (Le degré zéro de l'écriture, 1953),
Mitologias (Mythologies, 1957), Sistema da Moda (Le système de la mode, 1967), O
Prazer do Texto (Le plaisir du texte, 1973), A câmara clara (La chambre claire, 1980),
entre outras.
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A maioria de seus livros analisa o texto, a linguagem e a fotografia. Em El
analises textual de Roland Barthes, Robledo (1980) discute sobre a riqueza teórica que
o autor trouxe ao método de análise textual, como por exemplo, a conotação, os
códigos, as lexias, a leitura lenta e a exemplificação.
A construção do texto é algo laborioso que se assemelha a confecção de uma
renda (BARTHES, 2004). A renda é trabalhada com os nós dados pelos dedos e
momentos de pausa do bilro que, lentamente, vão dando forma ao desenho. Assim é o
texto construído pelo autor que, meticulosamente, dedica atenção e paciência à obra –
sua criatura.
De acordo com Bosco (2004, p.45) o texto barthesiano é rico também em
temporalidades: “o texto clássico” (fluência, agilidade e baixo grau de resistência) e “o
texto moderno” (alta produtividade de sentidos).
“Textos de prazer” e “textos de fruição” são outras grandes contribuições do
escritor francês. Para essa diferenciação Barthes usa da própria vida que nos propicia
momentos de prazer e momentos de gozo (da palavra jouissance). O prazer é algo ainda
controlado, o próprio desejo, já o gozo é a realização do desejo.
Texto de prazer= aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da
cultura, não rompe com ela, está ligado à uma prática confortável da leitura.
Texto de fruição= aquele que põe em estado de perda, aquele que
desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas,
culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus
valores e de suas lembranças, faze entrar em crise sua relação com a
linguagem (BARTHES, 2004, p.20-21).
A caracterização de Barthes, dada aos textos de prazer e texto de fruição, é
bastante ampla e indica a intensidade da experiência de vida, tanto para o autor como
para o leitor do texto. O autor (escritor, quem dá arte à escrita) é um doador de sentido e
seu gozo reside na doação e no desejo de ter o leitor. Quem escreve lida com realidade e
utopia onde “[...] o mundo é uma medalha, uma moeda, uma dupla superfície de leitura
cujo avesso é ocupado por sua realidade e cujo direito, pela utopia” (idem, 2003, p. 91).
O texto pode ser visto como uma “kama-sutra da linguagem” (BARTHES, 2004,
p. 11), ou seja, uma comunhão de prazer entre autor e leitor, representado um momento
de êxtase pelo desejo/gozo no encontro dos dois. Para isso, o gozo é visto nas margens
do prazer.
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A produção de outros sentidos, novos textos a partir do texto, relaciona-se à
intertextualidade, isto é, o conjunto de leituras já feitas pelo autor que o influenciaram,
consciente e inconscientemente, no seu ato de criação. Nem sempre essa
intertextualidade é identificada pelo leitor na primeira leitura do texto, às vezes é
preciso voltar ao texto para identificar essa intertextualidade de que fala o autor. Para
Barthes o leitor nunca usa a mesma técnica para ler o texto, pois o que ele explora é a
liberdade dos seus desejos. Ele explica: “Cada vez que tento ‘analisar’ um texto que me
deu prazer, não é minha ‘subjetividade’ que volto a encontrar, mas o meu indivíduo, o
dado que torna meu corpo separado dos outros corpos e lhe apropria seu sofrimento e
seu prazer” (ibidem, p.73).
Barthes (1988) destaca a importância do leitor na obra, atribuindo a este o papel
de segundo autor, ou seja, a partir da leitura quem realmente dá vida ao texto é o leitor.
É a experiência do leitor que vivifica a obra. O escritor fala ainda da “morte do autor” a
partir do momento que a obra chega às mãos do leitor, isto é, é o leitor quem propicia a
continuidade da vida da obra. Podemos afirmar como Barthes, que quem escreve
vivencia menos do que quem lê. É o leitor quem digere e assimila a obra a parir da sua
experiência cultural, social e individual. Nesse momento a obra abre-se para múltiplas
possibilidades imprevisíveis para o autor da obra.
O semiólogo trata também da linguagem presente no texto. Ele entende que a
linguagem é a manifestação de poder, pois “[...] é o objeto em que se inscreve o próprio
poder, desde toda a eternidade humana [...]” (BARTHES, 2007, p.11-12). O discurso do
autor, dado à linguagem, é alienante e pode tornar-se uma ideologia que escraviza o
leitor. Um exemplo desse poder é o que ocorre na fala das pessoas quando reproduzem a
linguagem (e o discurso) dos meios de comunicação.
A linguagem é matéria-prima indispensável na produção do texto, mas também é
ardilosa, cuja armadilha é o poder. Barthes afirma que “o poder (libido dominandi) está
emboscado em todo e qualquer discurso” (ibidem, p.10). Nesse sentido, o estudo
barthesiano permite uma reflexão significativa sobre o tema do poder quando indaga: o
que é o poder? “[...] Por toda a parte, de todos os lados, chefes, aparelhos maciços ou
minúsculos, grupos de opressão ou de pressão: por toda parte, vozes 'autorizadas', que
se autorizam a fazer o discurso de todo poder” (ibidem, p.11).
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A ideologia é o instrumento menos adequado de trabalho que deveria incitar aos
vários sentidos à multiplicidade de outros textos. A objetividade (apenas um sentido,
uma ideologia) escraviza o leitor na leitura de novos sentidos. Para Barthes o texto
nunca cessa, nunca acaba, sempre multiplica sentidos. Ele é a produtividade, e está em
constante movimento nas infinitas possibilidades de significação dada pelo leitor.
Podemos dizer que é a continuidade da obra reclamada pela própria obra nos sentidos
criados pelo leitor.
Quanto à fotografia Roland Barthes (1984) explica sua afeição: “Decidi então
tomar como guia de minha nova análise a atração que eu sentia por certas fotos” (p.35).
Para ele essa atração era uma certeza.
As dificuldades metodológicas encontradas ao estudar a fotografia foram muito
cedo identificadas por Barthes que questionava: “Quem podia guiar-me? Desde o
primeiro passo, o da classificação (é preciso classificar, realizar amostragens, caso se
queira constituir um corpus) a fotografia se esquiva” (ibidem, p.12).
Desde o início das investigações Barthes distinguiu três práticas de análises
ligadas à fotografia, tomadas a partir da pessoa que a vê: a prática de fazer para o
operator (quem faz); a prática do suportar, relacionada ao spectrum e ao referente; e a
prática do olhar, atrelada ao spectador ou autor. Para ele existe uma alternância de
práticas entre o operator e o spectador, isto é, aquele que faz num primeiro momento, e
aquele que assiste num segundo momento.
Conforme Barthes (1984) existem duas linguagens na fotografia: a linguagem
conotativa e a linguagem denotativa. A conotativa diz respeito ao óbvio, o visível, o
evidente - são informações que revelam o contexto social e cultural da pessoa ou do
próprio fotógrafo. A linguagem denotativa é o obtuso, isto é, a informação implícita na
fotografia. Para ele isso significa “mensagem sem código” ou ainda quando assegura:
“[...] seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre
invisível: não é ele que vemos” (BARTHES, 1984, p.16).
O autor ainda vê na fotografia outras duas linguagens: a linguagem expressiva,
dirigida às características formais e estruturais, e a linguagem crítica, provocadora e
origem de vários sentidos que o investigador projeta em seu discurso específico. As
duas linguagens podem ser compreendidas como aquilo que se pode perceber e se pode
conceber numa fotografia.
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A contribuição de Barthes na análise estruturalista da fotografia é fundamentada
principalmente por dois elementos: o punctum e o studium. O punctum é o detalhe, o
estímulo. Lembra a punição, a picada, pequeno corte, a tomada da fotografia que inclui
tanto o fotógrafo-operador quanto o fotógrafo-spectador. O punctum não se relaciona
com os objetivos ou a cultura e visão de mundo, mas sim com algo que toca o fotógrafo
na imagem que vê. O studium relaciona-se a alguma coisa ou gosto por alguém, ou
ainda o interesse geral. Para o autor pode-se entendê-lo como um saber, uma espécie de
educação. Studium é um “extracampo sutil” (p.89) por meio do qual a imagem joga o
desejo para além do visível.
Barthes observa que o studium tem relação com o interior do sujeito, pois “[...] é
pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as recebe como testemunhos
políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos, pois é culturalmente (essa
conotação está presente no studium) que participo das figuras, das caras dos gestos, dos
cenários, das ações” (ibidem, p.45-46).
A ligação da fotografia com o sujeito é evidente porque o significado dela é a
representação psíquica de uma “coisa” e não a “coisa” em si. Portanto, a fotografia é um
lugar onde o observador instala e encontra o seu mundo, como explica o escritor
francês: "[...] diante da objetiva sou ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele
que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele
se serve para exibir sua arte" (ibidem, p.27). É a posição privilegiada do sujeito em sua
ação investigativa, de si mesmo e do mundo.
A fotografia apresenta também um caráter conservador para Barthes, pois ela
eterniza, imobiliza um tempo e um espaço. Por outro lado, a foto tem um caráter
subjetivo responsável por ressuscitar sentimentos ou, nas palavras do autor, ressuscitar
“o morto”. Esta qualidade não depende do tempo ou do modo em que foi produzida a
fotografia.
Barthes (2007) também contribui com a visão dos meios de comunicação,
principalmente da televisão. Para ele os telespectadores costumam ficar inseguros de si
mesmos e só veem o que os olhos da televisão focam [...] para manipulá-lo e fazer dele
Gregório [...] (p.27). Os telespectadores estão sempre em movimento, fazendo o que é
ditado pela mídia que capta a subjetividade do mesmo, passando como um espelho
midiático.
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O sentido da mídia é sempre o mesmo, a estética da plasticidade, em que todos
repetem e ouvem sem parar.
[...] forma bastarda da cultura de massa é a repetição vergonhosa: repetem-se
os conteúdos, os esquemas ideológicos, a obliteração das contradições, mas
variam-se as formas superficiais. Há sempre livros, emissões, filmes novos,
ocorrências diversas, mas é sempre o mesmo sentido [...] (BARTHES, 2004,
p. 51).
As novelas “reforçam as ideologias, achatam as massas” (ibidem, p.50), fazem
da realidade uma peça em movimento com flashes para interromper e mudar um pouco
a vida cotidiana dos telespectadores. Neste acaso, o ofício é tornar a comunicação um
ato de reproduzir em massa, uma função apenas instrumental, satisfazendo as
necessidades.
Segundo Ribeiro (2007) o Roland Barthes considerava a linguagem um processo
indispensável para “[...] descrever os processos de semantização dos comportamentos
sociais, acreditando ser possível estudar toda e qualquer atividade humana como
linguagem [...]” (p. 3).
3 PERCEPÇÃO E JORNALISMO AMBIENTAL: as interfaces com as ideias de
Roland Barthes
O mundo contemporâneo do homem e da ciência caracteriza-se por um ritmo
acelerado da história marcado nas diferentes escalas espaciais por um espaço geográfico
uno e múltiplo. O homem, como ser histórico e geográfico, tem sua existência e
experiência ambiental regidas pelas regras da discutida globalização e revolução tecno-
científica que unem e desunem diversas dimensões de tempo e espaço.
Michel Soulè (apud WILSON, 1997, p. 597-598) identifica as dimensões do
envolvimento entre a mente e a natureza: experiencial, analítica e valorativa. A primeira
corresponde ao primeiro contato de experiência imediata, sensorial da natureza,
amparada pelo sistema sensório-neural. A segunda é a analítica mental, responsável
pelas complexas associações, concepção de teorias e surgimento de sistemas
conceituais. E a última é a valorativa, que implica na atribuição de valores, juízo e
julgamentos. Ele defende a ideia de uma “conceitualização multidimensional” do lugar
com base na experiência, atividade essencial na mudança de valores e condutas. A
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motivação para ver e ouvir o ambiente com novos olhares é o primeiro passo para que
as pessoas valorizem a própria experiência e a percebam na vida cotidiana. Entretanto,
elas se proíbem destas importantes atividades mentais, nas palavras de Henry Lefebvre
(1991), uma vez que “a vida cotidiana no mundo moderno restringiu a experiência
afetiva e emocional” (p. 199) o que também resulta na diminuição das atividades
mentais.
A atual crise ambiental é fruto da crise humana, ou seja, um estado de
instabilidade vital da espécie humana provocado pela crise de percepção. A percepção e
a própria experiência humana estão reduzidas a um olhar, agir e julgar atrelados à visão
utilitarista a ao paradigma reducionista, pilares do pensamento e da ótica capitalista.
Assim, é necessária uma nova percepção, desprovida de imagens e pensamentos
estereotipados, de uma informação que também fale da experiência que “[...] incorpore
a própria vida daquele que conta para comunicá-lo como sua própria experiência àquele
que escuta” (BENJAMIM apud GUATTARI, 1980, p.51).
Leff (2001) defende a racionalidade ambiental como contraponto da
racionalidade econômica vigente. Para ele “depende da constituição de novos atores
sociais que objetivem através de sua mobilização e concretizem em suas práticas os
princípios e potenciais do ambientalismo” (p. 136). Entretanto, esta nova razão só virá
com uma nova percepção paradoxalmente à visão utilitarista atual. Aqui é importante
salientar outro conceito de Barthes (2003, p. 84) – a doxa – facilmente reconhecível na
cultura e comunicação de massa. A doxa é a opinião corrente, “um mau objeto”, a
repetição, não advinda do conteúdo, mas apenas da forma. A paradoxa (olhar diferente e
antagônico) é indispensável à racionalidade ambiental e que deve ser produzida por
jornalistas qualificados e compromissados com a relação harmônica entre sociedade e
natureza.
A fotografia é um poderoso instrumento investigado por Barthes que pode
auxiliar no exercício de uma nova percepção do homem, do mundo e, principalmente,
das relações entre homem e ambiente. Barthes (1984) destaca duas importantes
categorias que contribuem na discussão ambiental, o studium e o punctum. O studium é
o conjunto dos referentes visuais que nos tocam, humanamente, culturalmente e
moralmente, mas permanecem em plano impessoal, sem nos atingir de forma especial.
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Já o punctum seria um elemento, um detalhe inadvertido que salta da fotografia e nos
trespassa como uma flecha. Punctum é algo que nos fere, que nos "punge".
A fotografia abaixo (figura 1) pode ser explorada a partir desses conceitos de
Barthes, especialmente a dimensão do punctum, uma vez que o tema da foto nos fere,
nos sensibiliza. Ela – a fotografia – evidencia a possibilidade da relação harmoniosa
entre duas espécies diferentes (o homem e o porco-do-mato).
Fig. 1 – Exemplo de ligação biofílica entre índia e filhote de porco-do-mato6
A imagem acima foi colhida pelo fotógrafo Pisco Del Gaiso e publicada na
Folha de S. Paulo, em 16 de dezembro de 1992. Por tal feito, o fotógrafo recebeu o
Prêmio Internacional de Jornalismo Rei d'a Espanha.
Barthes lembra que a fotografia pode ressuscitar sentimentos ou sensações
vividas, como é o caso da biofilia (figura 1) que deve ser resgatada, ressuscitada para
uma nova racionalidade ambiental que se contraponha à racionalidade econômica. As
imagens precisam ser mais bem exploradas porque constituem um rico instrumento para
a sensibilização e nova consciência, a ser construída na e para a racionalidade
ambiental.
6 Disponível em: <http://respeitoanatureza.blogspot.com/2008_06_01_archive.html>. Acesso em 15 set. 2009.
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Barthes (1988) também contribui com o conceito de discurso acrático, ou seja,
aquele produzido a partir da linguagem a-política, “fora do poder e/ou contra ele” (p.
101).
A geografia contribui com diversos conceitos, entre eles podemos destacar, para
este ensaio, a topofilia e o topocídio. A topofilia é um neologismo que sintetiza “[...]
todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material” (TUAN,
1980, p. 107). O sentimento topofílico depende do enraizamento e da experiência com
os espaços e a natureza que produzem o pertencimento e a identidade do homem com os
lugares e as paisagens. O topocídio, termo proposto pelo geógrafo Yi-Fu Tuan, refere-se
à morte e/ou extinção de um lugar.
A biologia oferece outro conceito integrador – a biofilia – criado por Edward O.
Wilson em 1984 para designar a atração, as ligações umbilicais, a ligação inata/natural
do homem ao ambiente. É este elo vital, comprovado pelos genes (nemes) e certos
arquétipos culturais, que deve lançar o homem para a ética de preservação. A figura 1 é
um exemplo de biofilia, cuja fotografia é o instrumento indispensável para a
sensibilização e conscientização ambiental.
O jornalismo ambiental é um campo precioso e importante para a racionalidade
ambiental. Tendo iniciado na década de 70, paralelo aos movimentos ambientalistas
daquele período (SOUZA, 2005, p. 33), deve crescer ainda mais neste início do século
XXI para atender as demandas informacionais de uma sociedade que precisa sair do
papel de espectador e assumir as responsabilidades de sujeito.
Bueno (2004) discorre que o jornalismo ambiental ainda passa por uma fase de
transição e passa a incorporar uma visão intermultidisciplinar. Neste contexto, novos
olhares conceituais são fundamentais, especialmente aqueles que podem ajudar na
compreensão sistêmica, integradora e dinâmica das intrincadas relações entre homem e
ambiente. Para Girardi et al (2006) o jornalista ambiental deve ser um “agregador de
conhecimentos, complexo na essência, responsável na elaboração e didático para a
recepção”.
4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
As contribuições barthesianas nos trazem a riqueza do processo de linguagem na
reprodução e construção do comportamento humano.
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Partindo do cotidiano da vida francesa Roland Barthes critica a cultura de massa.
Para ele todo discurso da mídia, toda linguagem é ideológica, cheias de ideias,
pensamentos, visões, etc. Há significados ocultos que consumimos todos os dias nos
diferentes discursos. Com isso, os conceitos teóricos do semiólogo (o certo sujeito
inculto) não podem ser negligenciados especialmente quando necessitamos fazer a
desconstrução de um conhecimento fragmentário e viciado ideologicamente.
A informação e a comunicação, no âmbito do jornalismo ambiental, devem ser
produzidas por um profissional aberto ao debate pluridisciplinar, tão necessário à
formação de uma sociedade mais consciente e responsável em seus deveres com o
ambiente.
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