Post on 24-Jul-2015
ANICETO MOLINARa
Lf:XICODE METAFISICA
PAULUS
LÉXICO DE METAFÍSICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Molinara, AnicetoLéxico de metafísica I Aniceto Molinaro: (tradução Benôni lemos, Patrizia G. E. Collina Bastianetto).
- São Paulo Paulus. 2000. - (Filosofia)
Título original Lessico di metafisica.ISBN 85-349-1623-3
1 Metafisica I Titulo II Série.
99-4719
índices para catálogo slstemallco:1 Metafisica Léxicos Filosofia 110.3
Coleção FILOSOFIA
• O homem. Quem é ele? Elementos de antropologia filosófica, B Mondin• Introdução à filosofia Problemas, sistemas, autores, obras, B Mondln• Curso de filosofia, 3 vais., B. Mondin• História da filosofia, 3 vais., G Reale e D. Antlseri• Filosofia da religião, U, Zilles• Os sofistas, W. K. C. Guthrie• Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica, B. Mondin• Os filósofos através dos textos - De Platão a Sartre, W.AA.• Tomismo no Brasil, F. A. Campos• A filosofia na antiguidade cristã, Christopher Stead• Etlca e Política em Aristóteles· physis, ethos e nomos, Solange Vergniéres• A educação do homem segundo Platão, Evilázio Francisco Borges Teixeira• LéXICO de metafíSica, A. Molinara
CDD-110.3
ANICETO MOLINARO
.-
LEXICO.-
DE METAFISICA
PAULUS
Titulo originaiLessico di metafisica© Edizioni San Paolo. Cinisello Balsamo (Milão), 1998
TraduçãoBen6ni Lemos e Patrizia G. E. Col/ina Bastianetto
RevisãoH. Da/basco
@ PAULUS - 2000Rua Francisco Cruz, 22904117-Q9 1 sao Paulo (Bras.l)Fax (Cl---l1) 570-3627Tel. (Cl-- -11) 5084-3066http://www.paulus.org.brdlr.edltonal@paulus.org.br
ISBN 85-349-1623-3ISBN 88-215-3634-3 (ed. onglnal)
PREFÁCIO
Este Léxico de metafísica quer ser instrumento de estudo, ouseja, de exercício do pensamento e da reflexão. Por isso o leitor éconvidado a usá-lo só nesse sentido.
À semelhança de dicionário, ele contém certo número de palavras, cujo sentido procura estabelecer. Mas trata-se de léxico "demetafísica", especificação essa que muda profundamente a situação. Pretendendo fornecer o significado metafísico das palavras, apesquisa já é metafísica em sua impostação, em seu método e emsua forma.
Quanto ao significado metafísico, foi ele que determinou o conteúdo do léxico e guiou a escolha das palavras, tomando em consideração só os termos fundamentais da metafísica. Isso porque estamosconvencidos de que a metafísica, por sua constituição, tem a tarefade estabelecer o significado original, precisamente metafísico, das- de algumas - palavras fundamentais e de articulá-las em unidade, em função da determinação da essência da verdade. Estamosconvencidos também de que o cumprimento dessa tarefa abre o horizonte de significado no qual toma forma o sentido do pensar e dofalar. É nessa convicção que reside o critério da escolha, a qual seapresenta então como necessariamente limitada pela tarefa dametafísica. Essa limitação necessária é confirmada pela consideração da história da filosofia sob o aspecto metafísico. Esse estado decoisas fornece o motivo pelo qual o presente Léxico de metafísicanão pode e não deve ser entendido como dicionário de filosofia emgeral, nem como repertório de informações sobre dados ou datas dafilosofia; não é concessão ao nocionismo nem ao consumismo cultural. O leitor encontrará nele só os termos nos quais a metafísica se
6 Prefácio
expõe a si mesma, e em cada palavra encontrará apenas seu significado metafísico.
Mas, como dissemos, não se trata só de palavras metafísicas ede seu significado metafísico; são metafísicos também o método e aforma do processo da exposição.
Isso significa que a preocupação com a qual os termos foramelaborados foi a de fixar, do modo mais rigoroso possível, a problemática metafísica de seu conteúdo, isto é, a questão que eles formulam, desenvolvem e resolvem, assumindo precisamente aquele significado no qual a verdade se mostra em seu conjunto. Assim cadapalavra metafísica se apresenta como uma "fôrma", na qual são conservados a compreensibilidade, o sentido e a verdade do real. Justifica-se assim o fato de que, na elaboração desse significado, predominem, de modo quase exclusivo, o perfil e a configuração teoréticos,especulativos: seguimos a dinãmica do problema, o estatuto de suainstituição e de seu desenvolvimento, a conseqüencialidade eorganicidade de seu compor-se e articular-se, e a consistência epositividade de seu resultado. Isso impunha que fosse reduzida aomínimo a referência histórica, isto é, que ela se limitasse aos pontosimportantes, nos quais a estrutura especulativa recebesse contribuição essencial. Mas isso acarretava a necessidade de elaboraçãoespeculativa das contribuições históricas, de modo que elas não figurassem na exposição como acréscimos exteriores ou simplesmente informativos, mas entrassem na exposição como elementos integrantes no plano teorético. As referências históricas não têm valorde juízos históricos; elas simplesmente exprimem o sentido de umaassimilação especulativa.
Esse método e essa forma metafísicos ditaram também a medida da exposição. O leitor encontrará palavras que requereram exposição longa, outras, exposição breve, e outras ainda que se reduziram a remessa. Isso se torna compreensível quando se observa queas palavras de exposição ampla, além de serem básicas e desenvolvidas segundo as conexões de sua problemática interna, contêm outras em sua compreensão. Essas últimas recebem naquelas sua colocação teorética apropriada e o esclarecimento de seu significadometafísico. Separando-as desse âmbito e expondo-as à parte, correríamos o risco de repetição ou de abstração que as tornaria incompreensíveis.
Prefácio 7
Ademais, esse modo de proceder nos permite mostrar a conexãoorgânica dos problemas e dos significados e, ao mesmo tempo, permanecer fiéis ao estilo sintético, sóbrio, o qual está de acordo com afinalidade do trabalho: a de ser instrumento para o exercício do pensamento. E, acima de tudo, somos sustentados pela convicção deque o pensamento metafísico é essencialmente breve.
Enfim, tudo isso tem uma vantagem metodológica - e didática- preciosa: a de mostrar, na elaboração dos vocábulos, a unidade, acoerência e a co-pertença dos significados contidos neles. No estudode cada palavra, dando atenção às remessas, o leitor reconheceráque este léxico é sistema, tratado articulado de metafísica: "tratadopor palavras". Não se trata de substituir o estudo de texto demetafísica, mas de acompanhá-lo, ajudando o estudante - talveztambém o estudioso - a compreender os problemas e sua articulação, seus aspectos e as fases de seu desenvolvimento, sua diferenciação e seu situar-se dentro de sua unidade. Esse acompanhamentopode contribuir - e desejamos que contribua - também para outraaquisição: a de considerar a filosofia como metafísica e avaliar à luzda metafísica todas as questões filosóficas e as palavras que as contêm e as exprimem.
Resta última consideração. O autor - que é grato às EdizioniSan Paolo (Itália) por ter aceitado a publicação desta obra - fazquestão de afirmar que o conteúdo doutrinal é totalmente seu, e queassume toda responsabilidade por ele. É claro que a compreensãometafísica que permeia a redação desses termos é a mesma que foiexpressa no texto publicado pela mesma Editora (Metafisica. Corsosistematico, Cinisello Balsamo, 1994). Ter projetado este léxico depois da publicação daquele volume atesta a convicção de sua utilidade, antes, de sua necessidade como guia complementar indispensável para a leitura e a compreensão do curso sistemático. Com issodesejo dizer também que a elaboração especulativa das contribuições históricas e sua configuração teorética dependem da concepçãometafísica do autor: no Léxico aparece e é exposta a "sua" metafísica.
PALAVRAS CONDUTORAS
No Léxico não aparecem três palavras: ente, ser e metafísica,porque são palavras condutoras e constituem o significado fundamental de todas as outras. Na verdade todas as palavras contém o significado dessas três ou remetem a ele. O autor pensa que toda exposiçãosobre qualquer tema deve procurar ser completa, sem omitir nem darpor resolvido nenhum elemento integrante. Essa regra é muito importante no caso presente, no qual, tratando-se de pontos metafísicos,o pensamento deve sempre levar em consideração o todo. Sob esseaspecto, a introdução dessas três palavras poderia representarpleonasmo fastidioso. 'Ibdavia, para evitar esse inconveniente, parece-nos oportuno fixar sistemática e antecipadamente, e de forma quaseaxiomática, o significado dessas palavras-chaves.
Ente
Enquanto fundado no ser, o ente se diferencia do ser. Essa diferença - diferença ontológica - consiste no fato de que o ente é serdeterminado. Essa determinação diferenciadora exprime a essênciado ente em relação ao ser: o ente não é o ser, mas uma determinaçãodo ser, um isso ou um aquilo do ser, o ser deste ou daquele modo.Isso leva a ver o ente como constituído pela síntese de determinaçãoe de ser. O termo "determinação" está por medida, modo, categorialidade específica; o termo "ser" está por ser do ente, o que santoTomás chamou ato de ser; o termo "síntese" está por pertinência aoser em sua totalidade; tanto o ser do ente quanto sua determinaçãosão ser e pertencem ao ser.
Palavras condutoras
Ser
9
Pensando o ente, todo ente e o ente todo em seu fundamento,que é o ser, a metafísica pensa fundamentalmente o ser e o pensacomo aquilo que, pondo-se, se opõe absolutamente ao não-ser; pensa-o como a incontraditoriedade absoluta. Daí o significado de totalidade exposto nas fórmulas: tudo é ser e ser é tudo. Esse significadode totalidade pode ser explicitado, conotando-se sua infinidade, ilimitação, incondicionamento, absolutez, insuperabilidade e inultrapassabilidade, porque fora do ser resta só o não-ser, que não é enão pode ser. Vê-se assim que o princípio de não-contradição constitui a semantização originária do ser: do ser necessariamente não sepode dizer senão ser.
Metafísica
Classicamente a metafísica é a ciência - o saber, o pensamento - do ente como ente. Destacando-se o como, a fórmula se transforma, esclarecendo-se nesta outra: a metafísica é ciência do entecomo ser. Esse esclarecimento traz para a luz o fato de que o ser éaquilo pelo que o ente simplesmente é ou é ente, e que o "aquilo peloque" afirma o ser como fundamento do ente. E como o ente, todoente e o ente todo se funda no ser, a metafísica, pensando o ente emseu ser, pensa-o na totalidade que o compreende. Nesse sentido, comociência do ser, a metafísica é a ciência da totalidade. Deve-se observar que, falando de ciência do ente enquanto ser ou em seu ser, ametafísica é, ao mesmo tempo, a ciência da totalidade do ser e atotalidade da ciência. O sentido dessa afirmação consiste no seguinte: de um lado, o pensamento é sempre e só pensamento do ser; dooutro, o ser é a luminosidade do pensamento, a co-extensividadeabsoluta entre pensamento e ser.
A
Absoluto
Absoluto é aquilo em cujo conceito está contida a ausência ou anegação de relação. No primeiro sentido, Absoluto é aquilo que ésem nenhuma relação, que é não-relativo, que exclui toda relaçãode dependência e de condicionamento. No segundo sentido, é aquiloque é positivamente perfeito, acabado, completo e que, por isso, nãotem relação. Nos dois sentidos, que podem ser desenvolvidos nosplanos cognitivo e ontológico, o Absoluto é o objeto e o conteúdo dafilosofia, a qual, justamente por isso, deve ser entendida comometafísica. Pesquisar e compreender o Absoluto significa instituir osentido ou a verdade total do ser, conseqüentemente o horizonte e oponto de vista supremo, que não é superável nem ultrapassável e aoqual não se pode acrescentar nada que o modifique ou limite, enriqueça ou aumente. Uma vez que a totalidade do ser é a verdadeabsoluta, a filosofia que a estabelece pode ser chamada compreensão absolutamente verdadeira do Absoluto ontológico.
Essa compreensão procede em duas direções. O Absoluto é absolutamente sem relação, sem dependência, sem condicionamento enão limitado por nenhum outro fora de si, já que o que resta foradele é o nada. Essa compreensão é totalmente formal e não permiteafirmar a auto-suficiência do absoluto assim atingido. A outra direção diz respeito ao Absoluto ontológico como totalidade do Ser originário, que é completamente por si e do qual dependem todos os entes originários, ao passo que Ele não depende de nenhum. O passoseguinte que a compreensão metafisica dá é o da determinação dadiferença essencial, no tocante à totalidade do ser, entre, de um lado,
12 Ação
a totalidade da realidade que aparece como deveniente, limitada,graduada, contingente, antitética e contraditória, e, do outro, o Seroriginário, a totalidade absoluta e a plenitude imutável, da qualprovém tudo, isto é, todas as realidades enquanto devenientes, e àqual tudo retorna. Essa é a questão metafísica fundamental, a dadistinção originária e essencial entre Deus e o mundo. Mas, umavez determinado o Absoluto como Ser originário e como plenitudetotal, deve-se admitir que não pode haver nada fora ou independente dele e que tudo já está nele de um modo a precisar.
Como plenitude originária e total, oAbsoluto compreende tudo oque deriva dele, a realidade deveniente, a qual não lhe acrescenta nenhuma positividade ou perfeição. Assim a palavra "Absoluto" se torna o predicado próprio e exclusivo de Deus, e a filosofia se configuracomo inteligência absoluta do Absoluto. Além disso, a metafísica se põecomo conhecimento absoluto do Absoluto enquanto refere ao Absoluto, como derivação ou retorno, todo ser em suas múltiplas formas.
Acrescentamos que essa temática do Absoluto constitui a estrutura de toda filosofia, de modo tal que, por isso, ela se distingue emmetafísica e antimetafísica, com base na afirmação ou na negaçãodo Absoluto (pode dar-se, como variante, a metafísica, à qual corresponde o agnosticismo). Uma vez que a antimetafísica é o mesmo queafilosofia - e a ametafísica é o mesmo que afilosofia -, deve-seconcluir que, rigorosamente falando, uma filosofia como negação doAbsoluto é possível só à medida que essa negação se institua metafisicamente. Fora dessa instituição, que é autocontraditória, a negação do Absoluto não pode pretender impor-se. Segue-se a intrínseca inconsistência especulativa do ateísmo e do agnosticismo.
Ação
Da ação - e do agir, da atividade, do fim e de todas as formasque entram em seu âmbito - deve-se falar em sentido transcendental, como propriedade transcendental do ser e, em sentido categorial, como propriedade do ser determinado. Em sentidotranscendental, a ação deve ser entendida como explicitação do ser,na qual se sintetizam a verdade e a bondade. Essas últimas devemser consideradas como aquelas atualidades do ser que são o espírito
Acidente 13
enquanto intelecção e volição; o ser é a ação como atualidade daverdade e da bondade. Isso se esclarece quando se observa atentamente que a ação, em sua estrutura essencial, é puro exercício deperfeição, isto é, de perfeição como atualidade e atualização: é perfeição em ato. De modo que se deve estabelecer a equação: ser emestado de perfeição = ser em ato = ser em ação = agir. O adágioescolástico diz: unumquodque agit in quantum est actu ("cada umage enquanto é em ato"). Isso significa que toda coisa age não sóporque é em ato, mas também enquanto é em ato ou, mais rigorosamente, enquanto é ato: seu ser ato é seu agir. Ora, o ser é absoluta epura atualidade e atualização; portanto, é absoluta e pura ação eatividade. Nesse plano transcendental, no qual a ação explicita aatualidade e a atualização do ser enquanto tal, deve-se, pois, afirmar: todo ser é ação e, conversivelmente, toda ação é ser.
Passando-se desse plano para o do ente como ser determinado,a ação assume o caráter de determinação do ente. Então a afirmação transcendental se transforma nesta outra: dado que a ação éexercício de perfeição, e dado que a perfeição determinada e seuexercício determinado são, ao mesmo tempo, perfeição determinadado ser e exercício determinado da atualidade do ser, a ação, de modoabsoluto, é o ser como ato. Como toda perfeição do ente é determinação do ser, toda ação determinada é determinação da ação do serenquanto tal. Isso ilumina e explica a presença da potencialidadena ação determinada (nesta ou naquela ação) e, portanto, a presença nela da passagem da potência para o ato: que um ente aja provém de seu ser; que aja vindo a ser provém de sua determinação.Essas considerações são amplamente confirmadas pela análisefenomenológica tanto da ação transitiva - a que passa do agentepara a obra - quanto da ação intransitiva ou imanente - a que éperfeição e aperfeiçoamento intrínsecos do agente.
---> Ato; Perfeição.
Acidente
Acidente é uma realidade que é considerada sob dois aspectos:como predicado mental e como predicado metafísico. Sob o primeiroaspecto, o acidente é pertença ou um atributo que modifica a essên-
14 Alguma coisa
cia já completa de um sujeito, mas a modifica acessoriamente, nãosempre e nem o mais das vezes, sendo, portanto, alguma coisa nãoessencial e externa à essência. Considerando-se um sujeito determinado, será acidente aquilo que pertence a esse sujeito ou que éatributo dele somente com dependência de algumas circunstânciasou ocasiões e que, portanto, não pertence a esse sujeito enquantotal. Acidente é chamada também uma propriedade que, mesmo nãofazendo parte da essência de um sujeito, pertence a ela por si ouintrinsecamente, por exemplo, as propriedades de um triângulo; também as -. categorias, tomadas em sua determinação essencial, entram nessa definição. Quando o sujeito é um acontecimento, também o acidente pode ter o caráter de acontecimento "casual", isto é,fortuito, preterintencional, no sentido de que "acontece" que a umevento se ligue outro. Nessa consideração, o acidente indica umadeterminação que está em relação externa, ocasional, fortuita comoutra determinação (essência, sujeito, acontecimento); a atenção éposta naquilo que é acidental em relação a outra realidade.
Sob o segundo aspecto, o acidente é entendido como determinação do ser, sendo definido então como o ser cuja determinação é o emoutro. E, como esse outro é a substância, essa definição deve serposta em correlação com a definição de substância, que é: ser cujadeterminação é o em si. Por isso a definição completa de acidentedeveria ser: cuja determinação é ser naquele que é o em si. Nessaconsideração, a atenção é posta na inerência ou na pertinência entitativa do acidente à substância, isto é, em sua correlatividade com asubstância, da qual ele tira toda a sua realidade.
-. Substância.
Afirmação
-. Negação; Positivo.
Alguma coisa
-. Diferença; Unidade.
Análise-síntese
Alteração
-+ Devir.
Alteridade
-+ Diferença.
Análise-síntese
15
Do ponto de vista da metafísica, essas duas figuras têm relevância com relaçâo ao problema de saber se o ser é analítico ou sintético, entendendo-se por análise a identidade, e por síntese a diferença. Ora, o ser é, ao mesmo tempo, analítico e sintético, seja noplano transcendental, seja no plano do ser enquanto ser, seja noplano ôntico, do ente como ser determinado. No primeiro sentido, éevidente que nada é estranho ao ser e que, portanto, o ser é tambémtodas as diferenças. No segundo sentido, é evidente também que asdiferenças - as determinações - sâo diferenças do ser e que, demodo especial, o ente é síntese de ser e determinaçâo, enquantomanifesta a pertinência absoluta da determinaçâo do ser; fora dessa pertinência, a determinação não é nada.
Querendo-se fazer referência à divisão kantiana entre juízosanalíticos ejuízos sintéticos, e à sua tese sobre os juízos sintéticos apriori, deve-se dizer que no âmbito da metafísica há só juízos sintéticos a priori ou juízos que são ao mesmo tempo analíticos e sintéticos. Mas é necessário precisar que o sentido dessa afirmação é essencialmente diferente do sentido kantiano. Com efeito, Kant seenrijece na posição gnosiológica e separa do ser as determinaçõesque constituem o juízo; as determinações são dados da experiência,isto é, fenômenos, e essa sua datidade empírica é a única manifestação de seu ser ou existir; o que é a priori é só a pensabilidade, ouseja, a necessidade e a universalidade das datidades empíricas. Ametafísica, entendendo as determinações como determinações do serou como o ser determinado, procede ao contrário, mostrando a identidade e as diferenças do ser e exprimindo-as no juízo. No todo siste-
16 Analogia
mático, que a define, a metafísica deve sempre considerar a identidade na diferença e, por isso, a análise, que, ao mesmo tempo, ésíntese, e inversamente. O ser é a ligação, a unidade absoluta, e,como tal, é identidade nas e das diferenças. As diferenças, por suavez, são diferenças na e da identidade.
Analogia
Usado, na origem, no campo matemático, no sentido de relaçãonumérica, esse termo adquiriu, com Platão, um sentido metafísico.Para Platão, a analogia (= proporção ou relação) é "a belíssima ligação que, enquanto possível, faz de si e das coisas ligadas uma só coisa"(Timeu 31c). Desde então, com o termo "analogia" se designa o problema da identidade e da diferença no âmbito do ser. Esquematicamente, esse problema se impõe como solução e superação de duasposições extremas e, por isso, unilaterais: a do monismo, que considera exclusivamente a identidade, e a do pluralismo, que consideraexclusivamente a diferença. A peculiaridade da analogia consisteem conciliar identidade e diferença, articulando-as em correlação. Asituação se esclarece, tendo-se presente que monismo significa univocismo metafísico, e que pluralismo significa equivocismo metafísico.Conseqüentemente a analogia é a posição na qual a diferença ou amultiplicidade supõe e implica a identidade ou a unidade.
O discurso metafísico que tem em vista esse esclarecimento procede em torno do ser, mais precisamente em relação com o ente entendido com síntese de ser e determinação. O ponto crucial é, emprimeiro lugar, o reconhecimento dessa síntese e, depois, o modo deentendê-la. A centralidade metafísica do problema se torna evidente já na definição. Uma vez que o aspecto metafísico é ligado aológico e ao lingüístico, pode-se estabelecer que univocidade, equivocidade a analogicidade se igualam enquanto lingüisticamente usamum único termo; diferenciam-se enquanto logicamente o termo"unívoco" denota um só conceito, o termo "equívoco" denota umamultiplicidade disparatada e não correlacionada de conceitos, e otermo "analógico" denota uma multiplicidade de conceitos articulados numa referência diferente a um conceito principal. Correlativamente, no plano real, ao único termo e ao único conceito da uni-
Analogia 17
vocidade corresponde uma única realidade; ao único termo à multiplicidade indiferente de conceitos da equivocidade corresponde umamultiplicidade indiferente de realidades; e ao único termo e à multiplicidade unificada de conceitos da analogicidade corresponde umamultiplicidade de realidades unificadas pela referência a uma realidade principal.
Em suma, há analogia quando um mesmo termo compreendeuma multiplicidade de significados cuja diversidade é unificada pelareferência a um significado principal, no qual cada um está incluídoem que cada um inclui; correspondentemente há analogia quandoum mesmo termo denota uma multiplicidade de entes, cuja diversidade se unifica por causa de uma referência diferente a uma mesmarealidade, na qual cada um está incluído e que cada um inclui em si.Detendo-se a atenção nesse último aspecto metafísico - o damultiplicidade dos entes - vê-se que a inclusão, tanto no sentido deser incluído como no de incluir, exprime a síntese de ser e de determinação, síntese na qual consiste o ente e a qual exprime o modopelo qual a analogia resolve e supera as posições extremas. Comefeito, o univocismo nega a síntese, porque considera só o ser e exclui a determinação; o equivocismo nega a síntese porque considerasó a determinação e exclui o ser. A analogicidade do ente mantém asíntese, porque considera a determinação como determinação do serou o ser em sua determinação.
Os entes são múltiplos porque representam o multíplice determinar-se do ser. Por isso deve-se reconhecer que todo ente está incluído no ser, uma vez que é ente por causa do ser; e que todo enteinclui o ser, porque é uma determinação do ser. Segue-se que a analogia metafísica é essencialmente analogia de atribuição, isto é, é aanalogia como atribuição do ser. Atribuição é outra palavra que estápor determinação. Thdo ente é ser segundo uma determinação, e adeterminação é um modo do ser, precisamente uma atribuição doser. Segue-se que todo ente é uno enquanto é constituído pelo sercomo positividade absolutamente una, mas, ao mesmo tempo, quetodo ente é multíplice e diverso enquanto constituído pela determinação, que é o modo multíplice e diverso de atribuição, isto é, dereferência e de síntese com o ser. Fica claro, então, que a inclusãoindica que a multiplicidade e a diversidade são intrínsecas à unidade que as permeia, isto é, que a determinação, que constitui a atri-
18 Analogia
buição do ser, é intrínseca ao ser. Em conclusão, a analogia metafísicasalva a unidade na diversidade e a diversidade na unidade; a unidade é o ser, a diversidade é a determinação ou a atribuição.
Ao lado da analogia de atribuição (multorum ad unum, "demuitos para um"), que pode ser definida como transcendental emsentido metafísico, desenvolveu-se outra forma de analogia, a deproporcionalidade. Se a primeira é constituída pela relação direta eintrínseca da multiplicidade para a unidade, ou seja, da determinação para o ser, a segunda se apresenta na forma de relação de relações, como a comparação ou o confronto - expressos por um "como"qualitativo - entre duas ou mais relações, nas quais os diversossujeitos se relacionam diversamente com uma perfeição. Mas essaanalogia se limita ao plano categorial e se desenvolve simplesmenteem relação com as determinações; ela é uma analogia de tipo horizontal, válida na comparação entre os entes considerados em suadeterminação categoria!. Mais em profundidade, ela mostra que valesó quando é baseada na analogia de atribuição e sustentada por ela.De fato, sempre se requer um termo - um significado, uma realidade - com referência ao qual se disponham as diversas relações nosdiversos sujeitos. Por isso, essas diversas relações podem ser consideradas entre si, sem referência a um termo principa!. Trata-se,com efeito, da relação entre as diversas atribuições ou determinações, relação que se exprime proporcionalmente. Se, ao contrário,se tomar em consideração o termo da referência, a analogia deproporcionalidade será só outro modo de exprimir a analogia deatribuição.
Essa avaliação se torna importante quando se usa a analogiaentre o Ser absoluto e o ente. Essa relação é a de criação. A analogiaexprime essa relação, descrevendo a atribuição como derivação, porcriação do ente em relação ao Ser absoluto. Essa atribuição do serimplica a dependência criatura!.
Por sua vez, a dependência criatural implica a participação doser em sentido coletivo: participação do ser da parte do Ser absolutoao ente, e participação do ser da parte do ente ao Ser absoluto. Esseestatuto metafísico mostra a implicação recíproca entre criação,participação e analogia. Ele é também a base do conhecimentoanalógico do Ser absoluto da parte do homem, enquanto media entre o monismo panteísta, que afirma a identidade perfeita do ser,
Ao infinito 19
sem derivação, atribuição e participação e que comporta, portanto,um conhecimento adequado e unívoco do ser e, em última análise,do Ser absoluto, e o equivocismo pluralista, que sustenta a diferença total do ser, também sem derivação, atribuição e participação,comportando, portanto, um agnosticismo simplesmente indiferenteao ser e, em última análise, ao Ser absoluto.
Mantendo unidas a identidade e a diferença, a analogia relaciona-as no sentido da derivação, da atribuição e da participação e,por isso, permite um conhecimento analógico, que é, ao mesmo tempo, positivo, por causa da identidade, e negativo, por causa da diferença. O positivo do conhecimento é obtido pela mediação do negativo. A identidade do ser é afirmada junto com a negação, na qualconsiste a diferença. Por aquele aspecto pelo qual o ente é, o Serabsoluto é afirmado; e por aquele aspecto pelo qual o ente é derivação, atribuição e participação, o Ser absoluto é negado.
Antinomia
Esse termo é sinânimo de ~ oposição. Ele adquiriu importância filosófica especialmente por causa das quatro antinomiaskantianas, as quais se restringem, porém, ao plano gnosiológico oucognitivo e dizem respeito à cosmologia. A crítica hegeliana elevouseu valor a estrutura metafísica da realidade, ou seja, a ~ contradição universal.
Antítese
É a relação de oposição, cujos dois termos - os opostos - sãoantitéticos.
~ Dialética; Oposição.
Ao infinito (impossibilidade de progressão e de regressão)
A impossibilidade que o princípio afirma equivale à necessidade de estar infinitamente pelo ser e no ser. Admitir progressão ouregressão ao infinito, no sentido de remeter o ser para além de si
20 Aparência
mesmo, contém a afirmação de um princípio que não é ser, mas nãoser. Significa, portanto, a identificação do ser com o não-ser, acontraditoriedade e a irracionalidade do ser. No plano do ente, tomando-se em consideração só a determinação, a progressão ao infinito é possível: o cavalo gera o cavalo. Mas, considerando-se o enteem seu ser reduzido ao ser e fundado no ser, proceder ao infinitosignifica que o ente não é reduzido ao ser nem fundado no ser e,portanto, que ele é um ente do qual se nega o ser, reduzindo-o a nãoente, ou seja, a um ente contraditório. Proceder ao infinito equivalea multiplicar e estender essa contradição ao infinito. Isso mostraque a impossibilidade de proceder ao infinito é a impossibilidade dacontradição segundo a qual o ente é e não é.
Aparência
A aparência se opõe à realidade, ao ser e à sua manifestação. Sea manifestação é identificada com a verdade e com a evidência, quea produz, a aparência é identificada com o erro, com o falso e com aopinião, que são formas de ocultamento da verdade e do ser. A suanatureza é claramente formulada nas palavras: aparece ou parece,mas não é. Isso mostra que a aparência está ligada ao não-ser; mas,como não se dá aparecer do não-ser, pode-se falar dele só em termosde aparência ou de parecença. Isso significa, porém, que a aparência e a parecença sejam não-ser ou nada, já que se deve dizer delasque aparecem - existem no aparecer - e que, por isso, têm umcerto ser. Sob esse aspecto, a aparência e a parecença também têmsua verdade, a qual consiste precisamente em serem aparência ouparecença, portanto, erro ou falsidade, ou, ao menos, não verdadeem relação ao ser e à sua manifestação. Essa situação obriga a afirmar que, com relação ao ser e à sua manifestação, que é a verdade,a aparência e a parecença podem apresentar-se só como acontecimentos particulares, determinados, e que, por isso, não pode dar-seerro absoluto, nem falsidade absoluta; e, além disso, que nessa forma particular e determinada, eles acontecem somente dentro dohorizonte do ser e de sua manifestação.
a época moderna, o problema se identifica com o do gnosiologismo: com o pressuposto da oposição entre sujeito e objeto, entre
Aporia 21
certeza e verdade, entre fenômeno e coisa em si, a aparência e aparecença são reduzidas ao terreno subjetivo, porque separadas doobjeto e do ser. Kant, distinguindo entre fenômeno e aparência, acentua essa separação: o fenômeno é fundamento e limite do conhecimento; a aparência é ilusão de legitimidade e de fundamento denosso conhecimento na sua ultrapassagem do limite do fenômeno.Hegel supera essa oposição, restabelecendo o significado origináriode aparência como aparição, e de fenômeno como manifestação, econsiderando ambos como fases dialéticas da lógica da essência. Afenomenologia de Husserl repropôe o significado de aparecer e defenômeno no sentido de visão vivida e de manifestação originária.Heidegger corrige o aspecto consciencialista e subjetivista dessaposição mediante a categoria da abertura, na qual o ser se dá naluminosidade.
-+ Erro: Fenômeno.
Aporia
o conceito de aporia (do grego aporía: inviabilidade de umaestrada) tomou o significado de dúvida, dificuldade, problema.Aristóteles (Metaphysica, B [3.2]) mostrou organicamente a complexidade dessa figura especulativa: aporia é o problema; diaporia é averificação das dificuldades que o constituem, sua discussão e suasolução; euporia é a boa solução final como resultado da diaporia. Eele mesmo observa que a aporia que o pensamento encontra "mostra dificuldades que estão nas coisas". Comentando esse texto, santo Tomás diz que "a essa ciência (a metafísica), que tem como tarefaa consideração universal da verdade, compete também assumir adúvida universal da verdade, sendo por isso que ela não procedepondo dúvidas particulares, mas tratando da dúvida universal" (lnMetaphysicam III, 1).
A consideração universal da verdade é a consideração do serenquanto tal; por isso, a busca universal da verdade do ser procedetratando em termos universais da aporia, a qual consiste essencialmente na oposição ou na negação constituída pelo não-ser. Tratandodessa infinita oposição, a metafísica se torna busca aporética, isto é,crítica e confutatória. Ela se empenha em estabelecer o fundamento
22 A priori - a posteriori
da verdade do todo e em pôr tudo em relação com esse fundamento;sob esse aspecto, ela é crítica. Mas essa crítica se torna confutatóriadiante da negação do fundamento ou diante daquilo que não é reduzido ou que não é redutível ao fundamento. Ora, o fundamento daverdade é o ser; e o ser manifesta essa sua função e valência pormeio do princípio de não-contradição; essa manifestação leva assima instituição do elenchos. A metafísica é, pois, aporética enquantoelênquica. Convencer da impossibilidade da negação do princípio denão-contradição é convencer de que toda posição na qual esse princípio é violado, controvertido ou negado é posição autocontraditória,autonegante e puro não-ser. O processo aporético da metafísica tem,portanto, um aspecto positivo, que consiste na solução da aporia eequivale à redução ou recondução ao fundamento; e um aspecto negativo, que consiste na refutação da aporia e equivale à declaraçãode sua autocontraditoriedade ou de sua nulidade.
- Elenchos; Fundamento.
A priori - a posteriori
Trata-se de dois processos nos quais mostra-se a diversidadeentre a ordem do ser e a ordem do saber imediato. Aristóteles estabeleceu seu significado, distinguindo entre o que é primeiro ou precede na ordem da natureza ou em si, e o que é primeiro ou precedena ordem do conhecimento - distinção essa retomada por Hegel,com outra: entre o em si e o para nós. Junto com essa distinção foiestabelecido também que ela interessa formalmente à filosofia doconhecimento: se se desse um conhecimento originário, isto é, quefosse adequado ao ser, não haveria distinção entre conhecimento apartir do que precede e conhecimento a partir do que segue. Ainadequação do conhecimento em relação ao ser obriga a tomar comoponto de partida originário, primário, anterior, aquilo que, do pontode vista do ser, é derivado, secundário, posterior. Da simples perspectiva do ser, essa distinção não tem valor: anterior e posterior,superior e inferior, além e aquém e distinçôes semelhantes se acomodam dentro do ser. Todavia, essa distinção tem um significadometafísico, porque indica a relação entre o ser imediato e o princípioabsoluto do ser como mediação do imediato. É nesse contexto que
Aseidade 23
adquire significado o uso de fórmulas equivalentes, como: a partirda causa ou da essência (demonstração propter quid, "por causa daqüididade") e a partir dos efeitos ou das propriedades (demonstração quia, "porque").
Na época moderna, a distinção se transpôs para o plano da relação do conhecimento com a experiência: a priori = independente daexperiência; a posteriori = fundado na experiência. Em Kant, de modoespecial, essa distinção se torna o fundamento da filosofia transcendental porque se configura como problema gnosiológico da relaçãoentre pensamento e ser (a coisa em si): o fato de conhecermos a experiência como proveniente de uma coisa em si implica que, a priori,nosso conhecimento faz referência a alguma coisa que transcende aexperiência, mesmo que essa coisa seja desconhecida. É nessa referência que consiste o pensar o objeto; sua expressão é ojuízo sintético a prIorI.
- Experiência.
Arché
- Fundamento.
Asseidade
o ente que é em si e por si (per se) pode ser por outro (podeproceder de outro) (ab alio = abalietas, "abaliedade"), pelo ser queem última instância é por si, a se (aseitas, "asseidade"). A metafísicachega à asseidade em sua realização como afirmação do Absoluto,que é Deus. O conteúdo dessa afirmação é que a totalidade do serque aparece, a totalidade dos entes, na medida em que são, deriva- está em relação de derivação, isto é, de criação - da Totalidadeabsoluta do ser: Ipsum Esse Subsistens ("o "Próprio Ser Subsistente").Se todos os entes são seres determinados, oAbsoluto é Absoluto porque sua determinação essencial é o próprio ser; a asseidade é, portanto, a absolutez do próprio ser, o qual, como tal, não é por outro,mas por si (a se), ao passo que todos os entes, como seres determinados, são necessariamente pelo Ser absoluto.
24 Ateísmo
Um caso particular desse ser-por-outro é visível no aparecer dadeterminação em outro de um ente: como em outro é por outro (abalio). Ou seja: o acidente, quanto ao seu ser, é na e pela substância(procede da substância); sob esse aspecto, a substância pode ser chamada por si (a se); mas, embora ela não seja em outro, enquanto serdeterminado é por outro (ab alio), isto é, pelo Ser absoluto.
A respeito do Ser absoluto como Ipsum Esse Subsistens, ("o Próprio Ser Subsistente"), alguns se empenham em fazer dois destaques. Primeiramente o ipsum da fórmula se explica como por si, e osubsistens, como em si; o Esse ("Ser") designa o por si (o a se) comoSer absoluto, o ser em sua totalidade absoluta. Além disso, essa determinação essencial do Absoluto é subjacente à transformação radical do processo de negação (via negationis) e de potenciamentoinfinito (via eminentiae, "via da eminência"). Com base nele, o em sie o por si deixam o significado próprio da substãncia como ente determinado e se elevam ao por si (como a se). Isso constitui uma negação, a saber, não (procedente) de outro, e, ao mesmo tempo, umaafirmação total e cheia de ser: justamente enquanto é Totalidadeabsoluta do ser, Ser que é todo e plenamente ser, o Absoluto sublimaem sua asseidade a inseidade e a perseidade, isto é, a sua absolutanecessidade de ser é de si (a se), em si e por si. Foi ligada à asseidadea noção de causa sui ("causa de si"), tanto em sentido negativo (nãoproveniente de outra causa) como e principalmente em sentido positivo eminente, como causa formal e intrínseca (Descartes) ou comocausa essencial (Spinoza). Mas é necessário notar que a consistência especulativa dessa noção alcança-se só quando se submete o conceito de causa à transformação radical da negação e da eminência,isto é, só quando se compreende aquela essência, da qual se diz queé causa sui, como Ser absoluto.
-+ Absoluto.
Ateísmo
É a doutrina filosófica que nega a existência de Deus. Deixadosde lado seus aspectos religiosos e culturais, o ateísmo, no planometafísico, constitui duas contradições. Primeiramente como negação do Absoluto. Com efeito, a proposição "o Absoluto existe neces-
Ato 25
sariamente" é uma evidência do saber originário, inegável. Isso setorna mais claro se, em vez de Absoluto, pusermos: a totalidade absoluta do ser. Então, se existe alguma coisa - e é inegável que existe -, necessariamente existe a totalidade absoluta do ser. Isso porque ou aquela coisa é a totalidade ou pertence a ela com parte oucomo aspecto. Em qualquer caso, a totalidade necessariamente deveser e deve ser posta. Por isso, a negação do Absoluto é uma autonegação. Daqui se deverá proceder à determinação essencial da totalidade absoluta do ser e, em particular, ao reconhecimento de seucaráter divino e à sua identificação com Deus. Nesse percurso podesurgir o ateísmo, e então poderão ser encontradas todas aquelasformas de ateísmo que se caracterizam como procura de Deus. Maso ponto metafísico essencial - a contraditoriedade da negação doAbsoluto - continua irrefutável.
Em segundo lugar, o ateísmo é contraditório enquanto se fechana afirmação do mundo, da totalidade do ser que aparece. Aqui oateísmo se choca com a contradição - com o mal, o absurdo, a caducidade, a morte, numa palavra, com a negatividade. Mas, em vez deproceder à superação da contradição, ele se detém nela, vive e existenela, melhor, encontra nela um motivo válido para a negação doAbsoluto. Essa segunda dimensão do ateísmo se qualifica comoantiteísmo e é freqüentemente acompanhada de uma atitude depresunção desmedida (hybris) ou de exaltação do finito - o homem,a liberdade, a emancipação, a técnica - às quais o Absoluto impõelimite, obstáculo, impedimento, objeção. Também aqui, e principalmente aqui, intervêm fatores culturais, mas deixam intacto o problema metafísico da contradição.
-+ Absoluto.
Ato
Noção simples e primordial, da qual não há definição; mas sóapreensão imediata e intuitiva, destacando-se seu significado mediante sua oposição à potência, com base na experiência do devir.Essa experiência mostra que o ãmbito do ser se divide em dois modos: o do poder ser ou do ser em potência, e o do ser em ato, e queessa divisão se realiza naquela unidade dos opostos que requer que
26 Ato
se compreenda um dos modos (o ato) em relação ao outro (a potência).Nessa união de opostos, o ato é o pólo positivo; a potência, o pólo negativo. Como positivo, o ato significa perfeição, forma, completude, determinação. Com relação àquela união de opostos que é o devir, o ato,em sua relação com a potência, se diferencia não só como negação(a potência é privação, falta, incompletude, falta de forma, indeterminação, mas é assim de um modo que implica a capacidade e a aptidão para superar esse estado e, portanto, para adquirir o ato correspondente), isto é, como perfeição de uma perfectibilidade, mas tambémporque está em via de efetuar essa negação (ato em e do devir) e enquanto considerado como aquisição realizada, como posse estávelda perfeição (ato como perfeição adquirida).
Sob todos esses aspectos, ele dá origem a duas extensões do valor de seu conceito. A primeira é a de perfeição pura, que toma onome de ato puro, cuja noção consiste na exclusão de toda potênciaou potencialidade. A demonstração da existência do ato puro é oobjetivo primário da metafísica. A segunda é a do ato como existência do positivo, que é ato porque é ou existe. Essa é a maior extensãoà qual o conceito de ato pode chegar e na qual ele coincide com oconceito de ser. Segue então que o ato é ser - ou é compreendidocomo ser -, porque diz oposição não só à potência - ao poder nãoser -, mas também e principalmente ao não-ser absoluto. Nessanova valência da oposição aparece uma diferença fundamental emrelação ao ser: o ser se opõe ao não-ser, o qual é o nada tanto do atoquanto da potência; ato e potência são, pois, internos ao ser; não serem ato não equivale a não ser, o mesmo vale da potência. Enquantointernos ao ser, ato e potência são dois modos do ser, duas determinações dele. Nesse sentido deve-se observar que o ato equivale a sersó quando é elevado à infinita oposição ao não-ser. Quando é entendido como oposição a todo tipo de privação potencial, ele significasomente a perfeição da perfectibilidade e por isso é ato como forma,não como ser. Um ente que tem essa forma é em ato porque é positivamente completo em sua perfeição; mas, para que se possa dizerque ele é ente como ente, é necessário aquele ato que é o ser.
Tanto sob o aspecto de enérgeia como sob o de entelécheia, ato éa palavra e o conceito-chave da metafísica de Aristóteles, o qual não ultrapassou, porém, a identificação do ato como forma. A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser é contribuição de santo
Ausência 27
Tomás, sob inspiração parmenideana. O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem é o que o Ato puro aristotélicose transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens.
~ Ato; Devir; Perfeição.
Ausência
Se presença remete ao ser, ausência remete ao não-ser; do nãoser não se dá presença, porque ele não existe. Esse não dar-se presença do não ser, essa não presença é rigorosamente ausência. Passando-se desse plano transcendental para o plano do ente, a ausênciadenota a negatividade determinada, a qual consiste na falta, no vazio, na privação correspondente a - portanto aprendida e definidapor - uma exigência, a uma necessidade, a um apelo, a um postulado. Nessas figuras, que são positivas e, por isso, presenças, torna-sepresente o que é ausente, isto é, dá-se a presença determinada daausência determinada. Nesse contexto adquire significado a fórmula: presença por ausência. A ausência não é presença como pura esimples ausência, mas como apelo, evocação, anúncio, no qual a ausência toma forma como presença incompleta, falhada, destruídaetc. Em geral, a ausência se configura de modo variado, em correspondência com a variação da presença, à qual é referida: a ausênciaé determinada pela presença. Embora possa ser um mal- enquanto privação de um bem devido, uma vez que o mal é a ausência doque é devido -, a ausência faz pressão sobre o devido, seja comopedido, exigência, seja como determinação positiva daquilo em queconsiste o pedido e o exigido. O ausente não é nada, é um ente quenão preenche ou não satisfaz a exigência. A negatividade se instalana relação entre o ente que exige e o ente que é o objeto da exigência. Assim, quando se fala da ausência de Deus ou de sua presençapor ausência, não se entende a negação de Deus ou de seu ser, masa negação da relação que liga o finito ao Infinito, e que os liga somente passando pela negação: o Infinito está presente mediante aausência, ou seja, mediante a negação.
-.. Presença.
B
Belo
A respeito do belo e da beleza deve-se dizer que não se trata deuma explicitação por si do ser e do ente, mas da harmonia para aqual confluem as três explicitações fundamentais: a unidade, a verdade e a bondade. Trata-se de sua fusão e do resultado de sua recíproca conversibilidade transcendental. Tomando como base os trêsconstitutivos do belo - integridade, proporção e claridade - podese destacar a correspondência da unidade à integridade, da bondade à proporção e da verdade à claridade. Pode-se destacar também acorrespondência das negações opostas: à lacunosidade ou desintegração corresponde o não-ser da divisão e da oposição, ou seja, anegação negada da unidade; à desproporção corresponde o não-serda subtração e da impermanência do mal como negação da bondade; e à escuridão e ao ofuscamento corresponde o não-ser da falsidade e do erro como negação da verdade.
Se o ser enquanto tal é belo como harmonia da unidade, da verdade e da bondade, o ente, como ser determinado, será belo comoharmonia do um, do verdadeiro e do bom. Mas, no plano do ente,aparece a distinção entre o belo como sentimento, gosto e prazerestético e o belo ôntico como ente ou obra bela. A essa distinção seliga a estética no sentido moderno e contemporãneo.
Bondade
Bondade
29
A bondade - o bem - é propriedade transcendental do ser eco-extensiva a ele. A metafísica se empenha em considerar a bondade, ou seja, o ser como bondade, porque ela é ciência do ser. Ora, abondade explicita o ser de maneira transcendental, mostrando queele implica de modo essencial o espírito como volição e liberdade.Nessa manifestação aparece que o ser, como totalidade intranscendível e como absoluta atualidade, compreende o espírito na formade volição e de liberdade e no modo de sua absoluta atualidade. Avolição é a atualidade da vontade e do volível, atualidade na qual severifica sua identidade. Uma vez que a volição é interior ao ser, émanifesto que sua atualidade é a própria atualidade do ser, e que oser é a atualidade da vontade e do volíveJ. Segue que o ser é atualmente volente e atualmente volível: a atualidade da volibilidade é avontade, e a atualidade da vontade é a volição. Desenvolvendo-seesse conteúdo da volição vê-se que ela exprime o ser como autoposse,designando a unidade da palavra "autoposse" a atualidade da volição como identidade do volível ("auto") e da vontade do ser ("posse").O ser como bondade é, pois, o ser como volição, como autoposse eequivalentemente como espírito nesta sua forma, na qual consiste araiz metafísica da liberdade. Considerando-se que essa explicitaçãose desenvolve no plano do ser como totalidade insuperável, chega-sea afirmação de que todo ser é bondade e, em total coincidência, deque toda bondade é ser. Assim o ser é o volível, o objeto do querer, ovolente e o querer, ou seja, é autoposse e realização de si consigo,. .por SI e para SI.
A bondade como ser estabelece a bondade ontológica, expressana proposição bonum est quod omnia appetunt ("o bem é aquilo quetodas as coisas desejam"), entendida no sentido da totalidadetranscendental do ser. Dela deriva a bondade do ente com ser determinado: o ente é bom na medida de seu ser. Mas no horizonte daestrutura ontológica da bondade como ser, a bondade do ente, comobondade determinada, aparece distinta em bondade intencional ouem exercício, em bondade ântica, isto é, em bondade de um ente cujadeterminação é a vontade (o sujeito volente) e em bondade de umente cuja determinação é a volibilidade (o objeto da vontade). A bondade intencional é a própria vontade quando se inclina e tende para
30 Bondade
o ente: é a bondade na ordem da intenção. A bondade ôntica é avolibilidade do ente, isto é, o ente como realização da vontade, queele satisfaz e preenche. Nessa distinção está contido um aspecto depotencialidade: nem sempre a vontade é volente em ato; nem sempre o volível é termo da vontade. Mas, sob o aspecto da volição, noqual a vontade é atualizada pelo volível e o volível é atualizado pelavontade, verifica-se uma perfeita identificação entre bondade intencional e bondade ôntica, ou seja, verifica-se a situação na qual abondade determinada é atualização da bondade transcendental e étornada possível por ela.
Do conjunto se tira o caráter transcendental da vontade no plano do ser, isto é, o significado metafísico do espírito na forma devontade: a vontade é o próprio ser possuindo-se e permanecendonessa posse; o ser quer ser atualmente, portanto, é volição, fruição egozo da posse que tem de si, em si e para si.
Vem à luz assim o caráter de permanência, isto é, o fato de queo ser é bondade enquanto permanência no ser. Nessa permanênciaestá em ação a oposição contraditória do ser ao não-ser. Esse nãoser, enquanto negação do ser, é negação de sua permanência e, portanto, da bondade; ele é o mal como subtração ou impermanênciadaquilo que permanece em sua posse completa.
---+ Mal.
c
Categoria
Em relação ao ser como tal, a categoria designa a determinaçãouniversal dos entes. Considerados sob o aspecto de sua determinação, os entes dividem o ser, isto é, o restringem a certas dimensões eo definem dentro de certas formas; toda categoria é uma dimensãoou uma forma do ser, uma determinação dele. A pesquisa das categorias procura distinguir os entes segundo as diversas determinações e ordená-los segundo certa conexão. A distinção e a ordenaçãosão feitas com base num princípio ou num critério que, por sua vez,é uma categoria, enquanto não é posto rigorosamente no plano doser, mas no plano de sua determinação universal, por exemplo, ascategorias de substância e de acidente. Já que as categorias são determinações universais dos entes no âmbito do ser, o ser constituide modo absoluto o princípio delas; e como o ser necessariamentedeve ser entendido como ontológico, isto é, como co-extensão de ser epensamento, ter-se-á como conseqüência que a categoria será aomesmo tempo determinação do ser e determinação do pensamento,tendo, por isso, um valor ontológico e sendo, como tal, categoria doreal e predicado do pensamento. Além disso, em virtude do princípio(isto é, do ser entendido ontologicamente como oposição ao nada), ométodo da categorização, isto é, da determinação do ser, consistirána oposição: toda categoria se apresentará como termo oposto emrelação ao termo que lhe é oposto e, portanto, remeterá necessariamente ao seu oposto como à negação de si. Fora dessa remissão epermanecendo puramente em si, a categoria se torna abstrata,indeterminada, puro dado de fato e descrição empírica. Com isso
está dito também que a categoria, em seu conteúdo, é dado da experiência, e que, em sua forma, enquanto categoria, é posição que opensamento efetua à luz do ser como princípio.
---> 1ranscendental.
32 Causa
r
Causa
o conceito de causa se impõe a partir da necessidade de tornarnão-contraditório o vir-a-ser dos entes. Entendida assim, a causa édefinida como aquilo do que um ente depende no seu vir-a-ser, noprocesso de sua mudança. Esse processo, considerado nos elementos intrínsecos que o configuram, requer uma causa potencial oumaterial e uma causa atual ou formal: potência e ato, matéria eforma são as causas intrínsecas do vir-a-ser. Por extensão elas sãoaplicadas também ao resultado do vir-a-ser, isto é, ao ser constituído, e são chamadas suas causas constitutivas e, impropriamente,causas do seu ser - impropriamente porque são causas constitutivassó de sua determinatez , de sua estrutura determinada. Mas, considerado em seu encaminhamento e em seu exercício, o devir requeruma causa eficiente, atualizante, e uma causa final, diretiva eespecificativa. A causa eficiente e a final são chamadas causasextrínsecas porque se distinguem tanto do processo como de seuresultado. Trata-se das célebres quatro formulações aristotélicas dascausas, que devem ser completadas com a menção da causa exemplar, do modelo causal, a qual, em última análise, se reduz à causaformal ou à causa final. Enquanto as causas intrínsecas formamuma coisa só com o processo e com o resultado, as causas extrínsecasdão origem a uma relação de causalidade tanto com o processo comocom o resultado - que então são propriamente o efeito. Essa relação do lado da causa, é a causação ou eficiência; do lado do efeito, éa dependência.
Da causa devem ser distinguidas a ocasião, que é uma circunstância que facilita a causação, isto é, a ação da causa eficiente, e acondição, que é aquilo sem o que a causa não causa e aquilo com oque a causa causa, e que não tem nenhuma causação. É importantedistinguir a causa do devir da causa do ser; esta última se situa noplano transcendental do ser, enquanto a causa do devir se situa no
Coisa 33
plano categorial da determinação. Essa distinção implica, de umlado, uma transformação radical da noção de causa, no sentido deque, enquanto causa do ser, a causa se resolve, em última análise,na causa criadora como única causa do ser; por outro lado, justamente por isso, ela implica a restrição da noção de causa ao âmbitodo devir e, portanto, do finito. Nesse âmbito é decisivo distinguir ouso metafísico e o uso científico da noção de causa. No campo científico, com o advento da ciência moderna e depois das críticas de Humee Kant, a noção de causa foi substituída pelo conceito de funçãomatemática, no sentido estatístico, indeterminista, convencionalistae operativista.
--> Criação; Fundamento.
Causação
--> Causa; Eficiência.
Certeza
--> Evidência.
Coisa
Nas línguas européias é o correspondente do latino res (cujoétimo é reor). Trata-se de uma noção transcendental, equivalente,na positividade de seu conteúdo, a ente. O ser se exprime clareandose afirmativamente no ente pelo fato de apresentar-se este inteiramente como determinação do ser: a coisa é a entidade do ente. Permanece uma diferença expressiva entre ente e coisa com relação aoser: o ente exprime principalmente sua relação ao ser (ens diciturab esse, "ente é dito (como proveniente] de ser"); a coisa exprimeprincipalmente a determinação ou a essência do ente no ser (resdicitur a quidditate, "coisa é dita (como proveniente] de qüididade").Esse conceito mostra que a coisa é a realidade efetiva, a efetividadedo ser. E, desenvolvendo-se mais essa linha, a coisa significa a
34 Contingência
coisalidade metafísica daquilo que, no plano da experiência comum,se apresenta como uma coisa e, no plano do conhecimento em geral,como um objeto.
Composição
Composição é o termo com o qual se indica, no ente, a distinçãometafísica real entre o ser e a determinação, ou entre o ato de ser ea essência. Mais propriamente deve-se chamá-la síntese entre ser edeterminação, para se evitar que esses dois elementos sejam entendidos como dois entes ou duas partes quejá existam por si e venhama entrar em composição, dando como resultado o ente. Esses doiselementos devem ser entendidos como dois constitutivos que se distinguem a partir do ente e só nele, sem que possam separar-se deleou subsistir independentemente dele; permanecem ou desaparecemcom o ente. A terminologia medieval indicava o ente como principiumquod est ("princípio que é"), e os dois constitutivos como principiaquibus ens est ("princípios pelos quais o ente é").
Condição
---> Causa.
Consciência
---> Evidência; Verdade.
Contingência
Diz-se contigente o ente cuja síntese entre determinação e ser éseparável, de modo que o ente pode ser e não ser, sendo indiferente aoser e ao não-ser. A razão da contingência consiste no fato de que o serdo ente não procede de sua essência, isto é, não é essencial, não entrana constituição de sua essência. Como tal, ele não tem a necessidade
Contradição (princípio de não) 35
da essência, e, nesse sentido, contingência se opõe a necessidade; oente contingente não é necessariamente, se bem que, supondo-se queexista, a sua essência é necessariamente a essência que é. Mas, notese, essa ausência de necessidade ou de essencialidade do ser com relação ao ente diz respeito ao ente em sua inteireza, ou seja, a essênciada qual se fala quando se diz que o ser não é essencial é a essência doente todo, e não só o aspecto que constitui sua determinação. De modoque a contingência se aplica ao ente em sua essência de ente. É nessesentido que a contingência é uma modalidade do ente como, em sentido contrário, a necessidade, à qual ela se opõe e que é negada porela, é a modalidade oposta do ente. Contingência e necessidade exprimem a modalidade do ente ao qual competem: o ente contingente écontigente como o ente necessário é necessário. Essa oposição entrecontingência e necessidade mostra, sob outro aspecto, que a noção decontingência não deve ser confundida com a de dependência em relação ao fundamento, uma vez que um ente dependente do fundamentopode ser necessário ou contingente.
ote-se, enfim, que a contingência não é um dado de verificaçãoimediata, ou seja, fenomenológico, mas que exige demonstração, istoé, que é uma noção metafísica mediata. Em geral essa demonstração é tirada do devir (geração e corrupção), entendido como a passagem na qual um ente vem do não-ser ao ser e volta do ser ao não-ser.
A tese metafísica da contingência não deve ser confundida coma tese científica do contingentismo, a qual se opõe a outra tese científica, a do determinismo.
--> Necessidade.
Contradição
--> Elenchos; Oposição.
Contradição (princípio de não)
Se o princípio de identidade diz positiva, mas abstratamente, aessência do ser, o princípio de não-contradição exprime a essênciaconcretamente, porque diz a identidade positiva do ser, afirmando
36 Cosmológico
ao mesmo tempo a negatividade de sua contradição, isto é, da negação do ser. Segue-se a incontraditoriedade do ser: o ser é positividadeabsoluta, a qual exclui a identificação com a negatividade absoluta.Essa incontraditoriedade se articula em alguns planos. No planoontológico: o ser é ser, e é impossível que seja não-ser; o não-ser énão-ser, e é impossível que seja ser. No plano lógico ou do pensamento: é impossível que a afirmação do ser seja a sua negação. Noplano antropológico: é impossível que alguém admita duas opiniõesque, sendo contrárias entre si, são contraditórias. Essas três proposições, que remontam a Aristóteles, pretendem estabelecer que avalidade do princípio concerne incondicionalmente ao ser, ao pensamento e à linguagem. Esse princípio é primeiro de modo absoluto ecomo tal não é susceptível a demonstração, sendo possível só a refutação (o elenchos) de seu negador. A esse primado se deve o fato deque esse é o princípio que envolve em si todos os outros princípios doser, e de que estes são suas explicitações, as quais se sustentam esão válidas enquanto se resolvem nele.
---> Antinomia; Elenchos; Oposição.
Contrariedade
---> Oposição.
Cosmológico
Cosmologia, da qual cosmológico é adjetivo, significa ciência docosmo. Tendo-se presente que a filosofia, como ciência do princípiode todas as coisas, nasceu transformando o chãos em kósmos, ouseja, na totalidade ordenada por um princípio, reconhecer-se-á facilmente que por si cosmologia equivale a filosofia ou a metafísica:ciência que, estudando o todo unificado, deixa fora de si só o nada.Kósmos é a palavra que, à diferença de chãos, exprime a totalidadedo ser, o qual se impõe sobre o nada, do mesmo modo que physis. Sómais tarde, quando o significado de kósmos foi reduzido à dimensãoda realidade sensível, empírica, é que a cosmologia se tornou umadas partes da filosofia, uma filosofia segunda. Também como filoso-
Criação 37
fia segunda ela está em relação com a metafísica e designa a parteda metafísica especial que estuda o ente cósmico. Mas tendo-se ametafísica tornado suspeita ou tendo sido superada, a cosmologiaperdeu o contato com ela e se transformou em filosofia da ciência,metodologia do saber científico e epistemologia.
--+ Hilemorfísmo.
Criação
Esse conceito tem uma matriz religiosa, a da revelação judaicocristã. A metafísica o elabora especulativamente como teorema próprio para compreender a estrutura concreta da totalidade do ser. Alógica que guia essa compreensão é o princípio de nao-contradiçãocomo princípio no qual se manifesta a lei do ser, a de não poder nãoser. Ora, a totalidade do ser que aparece - o mundo - se mostralimitada, múltipla e deveniente, isto é, submetida à negatividade,caracteres esses que não só não satisfazem o princípio, mas tambémo contrastam e o controvertem, de modo que o mundo, caso fosse atotalidade auto-suficiente completa do ser, seria contraditório. Impõe-se então a superação da contradição mediante a afirmação datotalidade absoluta e subsistente do ser. Essa afirmação é, ao mesmo tempo, a completa legitimidade e validade do princípio porquepõe o ser na necessidade e na permanência de sua essência de ser.E, porque é posição que efetua a superação da contradição do mundo, põe o mundo em relação essencial com a Totalidade absoluta doser: tirar a contradição do mundo é estabelecê-lo em sua relaçãointrínseca ao Ser absoluto.
Nessa relação há dois aspectos. Primeiro: como ser, o mundocom a multiplicidade, a limitação e o devir dos entes, pertence aoSer absoluto no modo de identidade: o mundo não acrescenta nadaao Ser absoluto, não o aumenta, não o enriquece e sem o Ser absoluto não é nada, isto é, está fora do ser. Mas - segundo - por sermúltiplo, limitado e deveniente e, portanto, por mostrar os sinais danegatividade, o mundo se distingue, se diferencia e declara sua derivação e dependência do Ser absoluto.
É desenvolvendo esse conteúdo que aparecem as outras determinações do conceito de criação: - do nada, como dependência total
38 Criação
do ente na raiz de seu ser; - absolutamente necessária da parte doente e absolutamente livre da parte do Ser absoluto; - intemporal,já que o tempo também é um ente criado; - imóvel, no sentido deque não é um devir, uma mudança; - idêntica à conservação, porque o "é" do ente criado é justamente seu ser atualmente criado;a incontraditoriedade de sua eternidade, por causa da dependênciatotal.
A noção de criação, elaborada metafisicamente como superaçãoda contradição do mundo, é a solução que supera o monismo, o qualconsiste na identidade entre a totalidade do ser que aparece e aTotalidade absoluta do ser; supera também o dualismo, entendidocomo posição de uma dimensão do ser - o mundo - independente eestranha à Totalidade absoluta do ser. Essas duas teses são contraditórias; a primeira enquanto não elimina a contradição do mundo;a segunda, enquanto, pondo o ser independente da Totalidade absoluta, o põe como nada.
--> Absoluto; Monismo; Panteísmo.
D
Deísmo
Quando o teísmo perde o caráter metafísico, o qual consiste naafirmação simultânea da Totalidade absoluta do ser e da relaçãoessencial de criação da totalidade do ser que aparece com a primeira Totalidade, decai para deísmo. Trata-se de um movimento filosófico de crítica racional das religiões positivas, cujo desenvolvimentohistórico se situa entre os séculos XVII e XVIII na Inglaterra, França e Alemanha. Esvaziado de toda base metafísica, o Deus do deísmoé um Ente originário que existe, mas cuja noção é "transcendental",para falarmos com Kant, ou seja, é a de "um Ente que tem toda arealidade, mas realidade que não pode ser determinada melhor".No deísmo, o Deus criador do teísmo se torna uma simples causa domundo, abstrata, distante dele, estranha e indiferente a ele.
--> Teísmo.
Determinação
o plano do conhecimento, "determinação" equivale em geral àatividade do pensamento que concebe, compreende e entende demaneira definida e rigorosa e que, por isso, corresponde a conceito,compreensão e inteligência de uma coisa. No plano da realidade, adeterminação indica o conteúdo dessa atividade. Nesse sentido, umadeterminação é uma realidade porque é outra relativamente a umarealidade distinta dela. Por isso, ela indica ao mesmo tempo os termos e os limites dentro dos quais uma realidade se estabelece em
40 Deus
sua identidade específica, e aqueles nos quais ele se diferencia deoutra realidade, considerada, ela também, dentro de seus termos ede seus limites: uma determinação determina a si mesma a partirdos termos de outra determinação. Assim ela se aparenta com adiversidade e com a diferença, com base na divisão do ser, e, emúltima análise, se reduz à alteridade.
'lUdo isso se esclarece mais quando se considera que o ente, todoente, é aquilo no que o ser se manifesta como multiformidade, variedade e diversidade, portanto, sempre numa forma delimitada ediminuída segundo uma multiplicidade de formas, de modos, de medidas e de graus. Dessa consideração se tira que a determinaçãoindica o processo dessa manifestação do ser, isto é, que ela é o ato deseu determinar-se como forma, modo, medida e grau. Se considerarmos o termo desse processo, ou seja, o ente determinado, a formadeterminada etc., a determinação deverá ser qualificada mais apropriadamente como determinatez. É importante não separar os doisaspectos: a pedra é determinação do ser como ato do determinar-see é sua determinatez como resultado. Da determinação se originamo "este" e o "aquele" de todo o ente: no este e no aquele se mostram adeterminação e a determinatez de um ente.
Tenha-se presente que os termos e os limites dentro dos quais enos quais a determinação se põe são os seus próprios, ou seja, sãointrínsecos a ela. Além disso, por causa do "de" de determinação,que designa o termo e o limite, uma determinação implica sempretambém a relação com outra determinação: o determinar-se do ser éao mesmo tempo o determinar-se com relação a outro determinarse; o mesmo vale para a determinatez como resultado. Por isso, adeterminação é constitutiva da multiplicidade e da pluralidade.Enquanto tal, uma determinação pede outras determinações, e assim se define como relação a toda outra determinação.
--> Participação; Qüididade.
Deus
"Deus" propriamente é um termo não metafísico, mas religioso.Quando a metafísica fala de Deus, faz uma identificação do termoreligioso com aquilo do que deve ocupar-se de modo principal como
Deus 41
de sua realização, isto é, do Princípio supremo, do Fundamento último, do Infinito, do Absoluto. Essa identificação constitui o campo dafilosofia da religião como extensão da metafísica, a qual mira a síntese com os dados da consciéncia religiosa. Arealização da metafísicana afirmação de Deus, entendido como princípio ou fundamentoabsoluto, se dá com base na abertura para a totalidade do ser e soba direção do princípio de não-contradição. Essa realização consisteem responder à questão de se a totalidade absoluta do ser se identifica com a totalidade do ser que aparece fenomenologicamente, se sereduz a ela e se se esgota nela. Uma vez que a totalidade do ser queaparece mostra aspectos ou sinais que, pela intervenção do princípio de não-contradição, a tornam contraditória, a exigência do mesmo princípio obriga a afirmar a Totalidade absoluta do ser comoplenitude de sua realização. Essa Totalidade é distinta, transcendente, em relação à totalidade do ser que aparece; esta última étotalmente dependente, derivada da primeira e subsistente nela.
O processo dessa realização constitui a metafísica como teologia, qualificada como natural ou racional porque se desenvolve inteiramente com base no princípio de não-contradição, à diferençada teologia religiosa, que se baseia na fé. Uma vez atingida a afirmação da Totalidade absoluta do ser, ou seja, do princípio ou do fundamento absoluto, a metafísica procede à determinação de suaconstituição ou essência mediante as várias atribuições. Nesse procedimento, a metafísica como teologia se distingue em positiva ouafirmativa (catafática) e em negativa (apofática). Ora, tanto a afirmação como tal, quanto a determinação essencial do princípio oufundamento absoluto, se concentram na afirmação da relação de criação, isto é, na demonstração de que a 'Ibtalidade absoluta do ser écriadora da totalidade do ser que aparece - o mundo -, demonstração na qual esta última toma a qualificação de criaturalidade, ouseja, de dependência total com relação à primeira.
A metafísica que se realiza na afirmação teológica é o teísmo, oqual, no ãmbito religioso, toma o nome de monoteísmo. Na eventualidade de uma metafísica que negue argumentativamente a necessidade da própria realização na afirmação teológica e que, por isso,negue Deus, temos o ateísmo. Por sua vez, se uma metafísica comoteísmo não atinge corretamente a própria realização na afirmaçãoda relação de criação, dá origem ao deísmo, que é uma forma de
42 Devir
dualismo (no qual podem insinuar-se tanto o henoteísmo como opoliteísmo); se a atinge insuficientemente, dá origem ao panteísmo,ao pan-enteísmo ou ao teopanismo. Isso mostra amplamente que aafirmação teológica é essencialmente ligada à afirmação da relaçãode criação: a metafísica criacionista se põe como solução do problema da relação entre o Absoluto como Totalidade absoluta do ser e omundo como totalidade do ser que aparece, ou seja, como superaçãodo dualismo e do monismo.
--> Absoluto; Criação; Fundamento; Teísmo.
Devir
A análise do devir se resolve necessariamente na análise doente deveniente. Essa análise se desenvolve em várias fases. Antesde tudo, o processo do devir, que deve ser considerado em dois níveis: o do ente enquanto determinado, e o do ente enquanto ente.
O ente determinado vem a ser enquanto se desloca espacialmente, se altera, aumenta ou diminui, se gera ou se corrompe. Astrês primeiras formas se referem a um processo acidental; a últimadenota um processo substancial. Mas, em geral, nesse nível o enteque vem a ser mostra que vem a ser "outro", não que vem a ser "umoutro". Essa diferença na formulação indica a diferença entre vir-aser e sucessão substitutiva; esta última comporta uma diversidadede sujeitos (B substitui A), ao passo que o vir-a-ser requer uma identidade e uma permanência do sujeito (A se torna AB). O fato que omesmo sujeito venha a ser supõe nele uma possibilidade, uma potencialidade e uma determinabilidade, na falta das quais o sujeito nãovem a ser outro. Mas, ao mesmo tempo, requer uma realidade, umaatualidade, uma determinatez que intervêm para fazer que a possibilidade se realize, que a potencialidade se atualize, que adeterminabilidade se determine. Essa intervenção constitui propriamente o processo do devir de um ente sob todos os aspectos: porexemplo, o fogo (= atualidade) queima (= devir) um combustível(= potencialidade); a madeira é o sujeito idêntico. Com isso se alcança a compreensão completa dos elementos que constituem a estrutura do processo do devir: a identidade do sujeito, a sua potencialidade e a atualidade, a qual atualiza a potencialidade. Mas se alcança
Devir 43
também a definição essencial do devir: ele consiste na atualizaçãoque uma atualidade realiza sobre a potencialidade de um sujeitoidêntico; ou também na determinação que uma determinatez realiza sobre a determinabilidade de um sujeito idêntico. Essa definiçãotraduz a definição aristotélica do devir: ato do ente em potência enquanto em potência.
Ora, essa definição é completa no tocante ao processo do devir,mas deixa sem solução a questão de como se dá a intervenção daatualidade sobre a potencialidade, ou da determinatez sobre adeterminabilidade. Isso significa que ela deixa sem solução a questão de como se realiza o processo de atualização ou de determinação, e de qual é a coisa que dá origem ao processo. Aristóteles resolveu essa questão, recorrendo à teoria da causa, em particular, dacausa eficiente, que compreende todo o complexo da causalidade.Esse recurso nos transfere para o nível do ente como ente. Considerada desse ponto de vista, a potência ou a determinabilidade, relativamente à atualidade ou à determinatez, é um não-ser; é ao menosaquele não-ser do qual a atualidade e a determinateza são o ser. Odevir se mostra assim como atualização ou determinação de um nãoser por uma atualidade ou determinatez que é ser. Essa manifestação faz o devir do ente aparecer como devir do não-ser para o ser oudo ser para o não-ser. E nessa manifestação aparece a contradiçãoque identifica o ser com o não-ser e vice-versa.
É a contradição apontada por Parmênides, a qual domina a solução artistotélica. De fato, Aristóteles respondeu a ela com a doutrina do Ato puro ou do Motor imóvel. Mas essa resposta permaneceno ente determinado, porque o Ato puro é a atualidade ou adeterminatez de todas as atualizações ou determinações que intervêm no devir dos entes; essa resposta tem ainda o inconveniente denão reconhecer ao Ato puro a causalidade eficiente nem das atualizações nem das determinações. Em outras palavras, o Ato puro nãoé aquilo que realiza as atualizações ou aquilo que determina as determinações, mas aquilo ao que miram ou para o que tendem(= causa final) todas as atualizações ou determinações. É uma concepção dualista e formalista, a qual se detém na determinateza doente, mas não atinge a compreensão fundamental do ente enquantoente em seu ser. A solução do devir como passagem do não-ser parao ser e vice-versa é oferecida pela doutrina da criação, a qual consi-
44 Dialética
dera o ente na absolutez de seu ser e, como tal, refere-o essencialmente ao ser em sua absoluta totalidade: ao Ser subsistente.
---> Ato; Causa; Devú:
Dialética
Que a metafísica deva constituir-se em sistema mediante adialética tomada como seu método próprio é inerente à sua natureza: a pesquisa em torno do ser é indissoluvelmente pesquisa emtorno de suas determinações, as quais, em síntese com o ser, constituem a multiplicidade dos entes. O problema da identidade ouunidade e da diferença ou diversidade é o problema essencial. Elerequer que seja tratado considerando-se a determinação ou as determinações em duas direções: em relação ao ser, portanto, comodeterminações do ser, e em relação a si mesmas, portanto, comodeterminações recíprocas, como entes que se referem a outros entes. Ora, na essência da determinação estão presentes a negatividade e a negação, e tanto uma quanto a outra equivalem à oposição, isto é, à relação de oposição. Essa relação, que se chama uniãodos opostos, constitui o conteúdo essencial da dialética. Ora, a uniãodos opostos, de um lado, enquanto oposição, indica a negatividadee a negação, que formam a contradição; do outro lado, que é o maisimportante, ela, como união, denota a superação e a eliminação danegatividade e da negação e, portanto, da contradição. Trata-sedaquele resultado positivo que provém da negação da negação e damediação que esta última opera. A união dos opostos, como união,implica também a reciprocidade dos dois opostos, ou seja, aquelarelação pela qual um não é sem o outro e um é imanente no outro.Com base nessa reciprocidade, o resultado positivo é o concreto, ouseja, a verdade superior, na qual os dois opostos se superam e seultrapassam, atingindo seu conceito pleno e completo. Os dois aspectos são o que são somente em sua união; fora dela, eles sãoabstratos e, nessa abstração, contraditórios. A sua união de opostos como tais é a superação e a resolução da contradição: a verdadeespeculativa deles.
Historicamente esse processo dialético teve sua expansão máxima e sua formulação mais completa em Hegel, no qual lógica e
Dialética 45
metafísica coincidem justamente em virtude da dialética. Mas Hegelse situa no encerramento de uma longa trajetória de pensamento, aqual chega a ele vindo de Heráclito, passando por Platão, pelosneoplatônicos (incluídos os cristãos), por Nicolau de Cusa e peloidealismo. A essa linha parece estranha aquela que, partindo deParmênides e passando por Aristóteles, chega a incluir também santoTomás. A divergência dessas duas linhas consiste nos dois modos detomar posição a respeito do problema da identidade e da diferençaentendida no primeiro sentido (relação entre o ser e suas determinaçôes, isto é, os entes). Em última análise, essa divergência dizrespeito à resposta à pergunta se a dialética, isto é, a união dosopostos, viola ou não o princípio de não-contradição como princípiosupremo do ser; em outras palavras, se o ser é ou não essencialmente dialético.
Tomada na rigorosa formulação hegeliana, parece a muitos quea dialética nega o princípio. Mas parece necessário observar que sepode dizer da dialética hegeliana o que foi dito do parricídio platônico contra Parmênides: num caso e no outro não se trata de negaçãocomo tal, mas de um desenvolvimento e de um completamento. ComoPlatão desenvolveu e completou Parmênides, dando concretude aoser parmenidiano assim Hegel desenvolveu e completou a compreensão do princípio, negando sua interpretação abstratamenteintelectualista, que não salvaguardava a identidade do ser. Se o sernão se opôem ao não-ser, isto é, .;e não está unido ao seu oposto naforma de negação da própria negação, que é o não-ser, o ser se identifica com ele e, portanto, se contradiz. Mas essa união de oposiçãocom o próprio oposto é justamente a formulação do princípio. Detudo isso segue que falar da dialética do ser tem sentido; esse sentido é o que é formulado pelo princípio de não- contradição; dialética eincontraditoriedade podem estar e estão juntas.
Com base nisso deve-se dizer que também a segunda direção doproblema, a da relação das determinaçôes entre si, portanto, o aspecto da dialética entre os entes, é possível e se entende como derivada da primeira. A dialética entre os entes é o reflexo da dialéticaentre ser e ente, e se desenvolve como sua forma determinada.
---+ Mediação; Oposição.
46
Diferença
Diferença
Em conexão com a noção de diferença apresenta-se uma sériede noções, as quais devem ser tratadas unidas, e precisamente emsua conexão metafísica. Isso significa que o conteúdo delas deve serestabelecido a partir de sua origem, que é o ser: são noções que brotam da divisão do ser, sendo internas ao ser. O ponto de partidadeve consistir na identidade e na unidade do ser e na consideraçãode que a divisão originária e absoluta do ser reside em sua oposiçãoinfinita ao não-ser. Por força dessa oposição, a identidade e a unidade do ser se constituem como negação da negação. Essa oposiçãomáxima e suprema é a contradição. A presença da multiplicidadedos entes, cuja configuração é a do ser determinado, obriga, alémdisso, a admitir uma oposição diminuída, relativa, isto é, determinada: a do ente como outro relativamente ao ser e como outro relativamente aos outros entes. Também essa oposição se dá por força danegação, mas da negação por determinação.
A articulação intrínseca da negação segundo as duas direções (ado ente como outro em relação ao ser e a do ente como outro emrelação a todo outro ente) dá origem a toda a série de noções conexas.Procedendo com ordem, podeml1s dizer: a oposição é uma relaçãonegativa ou uma negação relativa, isto é, tal que, nos dois termosentre os quais se estende, a negação de um entra na compreensãodo outro. Nessa oposição reside o significado original de alteridade.De modo absoluto, a alteridade é a relação negativa entre o ser e onão-ser: o outro absoluto é o não-ser, cuja negação tem como resultado a identidade e a unidade do ser. A compreensão do ser se estabelece por força da negação absoluta, que ele impõe, de seu outro,isto é, do não-ser. Nessa oposição, no plano do ente (isto é, do serdeterminado), situa-se a alteridade como alteridade determinada,isto é, a alteridade que provém da negação por determinação. Essanegação por determinação, tomada em geral, constitui o significadodo termo "distinção".
Insistindo na determinação e no fato de que uma determinaçãose estabelece em relação negativa com outra, obtemos a noção de"diverso". Diversos são dois entes cuja determinação pertence respectivamente a ordens de realidade que não têm em comum nemmesmo o gênero e que, portanto, se diversificam por si mesmas; en-
Diferença 47
tre elas a relação negativa domina como simples, mera negação.Quando o diverso contém uma determinação comum com relação àqual e pela qual os entes diferem, toma a figura de "diferente". Demodo que o diverso é o oposto do idêntico, enquanto o diferente inclui o idêntico, ou seja, difere em relação a alguma coisa do idêntico.Formas derivadas do diferente são o "contrário", o "dessemelhante"e o "desigual". Aessa série se opõe a série do idêntico, do semelhantee do igual. Observando-se a oposição das duas séries, vê-se facilmente que, enquanto a primeira exprime o âmbito da multiplicidade,a segunda manifesta o da unidade.
Mas se, da consideração dessa linha, que se desenrola no planoda determinação, passarmos para a consideração da outra, que sedesenrola no plano da relação entre o ser e o ente como relação dealteridade do ente ao ser, a perspectiva se simplifica: desse lado seolha para a determinação do ente só enquanto determinação do ser,como modo de determinar-se do ser, precisamente como ser determinado. De modo que, de um lado, o do ser, todo ente converge e secomunica com todo ente: entre os entes como entes não se dá divisãonem oposição; considerados em seu ser, os entes se unificam. Sobesse aspecto, o ser é o idêntico, em relação ao qual e pelo qual osentes diferem em sua determinação.
Em geral, o ente é o diferente do ser, ao passo que no ente mesmo o ser é o idêntico, e a determinação é o diferente, o outro emrelação ao ser. Dessa diferença se origina, desenvolvendo-se, a sériedo diverso, do diferente, do contrário, do dessemelhante e do desigual. Esse desenvolvimento se dá no plano da determinação tomadacomo tal em sua especificidade. Essa série se denomina diferençaôntica, ao passo que a diferença do ente em relação ao ser toma onome de diferença ontológica, e sua exposição sistemática tem suaformulação no teorema da analogia do ente. O desenvolvimento completo da análise da diferença chega à diferença metafísica, que éaquela diferença que se instaura mediante a afirmação de que o sercomo tal supõe a Totalidade absoluta do ser (Deus).
---> Oposição.
48
Diferença ontológica
Divisão
É a diferença entre o ente e o ser, a qual não deve ser reduzida àcomposição ou à distinção real interna do ente, nem confundida comelas. O ente é aquilo que é, e por isso se configura como uma substância, como uma subsistência, como alguma coisa que está em si; e,enquanto ser determinado, se divide categorialmente em gêneros eespécies, em graus e ordens. O ser, ao contrário, em sua pura e indeterminadamente simples transcendentalidade se separa tanto da configuração concretiva como da categorialidade do ente. Assim nadadaquilo que compete ao ente pode competir ao ser, que está além detoda definibilidade e de toda determinatez. A diferença ontológica põe"o não entre ente e ser", como diz Heidegger, ao qual a fórmula deve suapaternidade. Esse "não" interessa tanto ao ente quanto ao ser, no sentido de que a diferença pertence ao ente relativamente ao ser, mastambém e em medida mais essencial ao ser relativamente ao ente.
Distinção
-> Diferença.
Diversidade
-> Diferença.
Divisão
Em sentido metafísico, divisão é o mesmo que oposição, a qualpode ser entendida em sentido absoluto, como oposição entre o ser e onão-ser, ou em sentido relativo, como oposição entre dois entes enquanto determinados e segundo a variação de suas determinações.Rigorosamente falando, a divisão se verifica nesse segundo caso, aopasso que no primeiro se verifica a indivisão ou a unidade e a identidade do ser. A divisão tem, pois, valor ôntico ou categorial; ôntico porque se põe no plano do ente como ser determinado; categorial porque
Dualismo 49
dá origem às categorias, nas quais a multiplicidade dos entes se desdobra, classificando-se e ordenando-se por setores, regiões e dimensões diversas. Isto é, se a divisão se põe no plano õntico, a indivisão sepõe no plano transcendental, isto é, precisamente ontológico. É claro,porém, que a divisão õntica tem um significado também ontológico,caso se considere que a categorialização dos múltiplos entes entra noprocesso de determinação do ser como tal. De fato, dizer que o ente éum ser determinado equivale a dizer que ele é uma determinação doser, ou que a divisão dos entes se dá no ser e interessa ao ser.
-+ Oposição; Unidade.
Dualismo
Uma vez que a metafísica se institui como ciência do princípio detodas as coisas e, portanto, como ciência da totalidade, o dualismorepresenta a falência da metafísica, porque o princípio procurado nãoé posto de modo tal que abranja a totalidade do real. No dualismo, umadimensão do real é estranha ao princípio e por isso independente delee autónoma. Essa independência ou autonomia prejudica o valor doprincípio, limita-o em seu ser princípio e o relativiza. Ele poderá constituir-se como realidade mais perfeita, máxima, suma, mas sempreem relação ao que, em grau inferior, está ao seu lado, justapõe-se aele e até subjaz a ele, mas sempre como algo que não está compreendido nele, que não é derivado dele, que não é reduzido nem redutívela ele. Essa outra dimensão do real, da qual o princípio não é princípio, deixa aberta a controversibilidade ao princípio e, por isso, prejudica a metafísica como ciência da totalidade. Pode-se, pois, afirmarque o dualismo implica duplicidade de princípios irredutíveis.
Ao dualismo se opõe o monismo, que é aquela metafísica que sepõe como ciência exclusiva do princípio sem derivações ou comociência do princípio na qual as derivações são derivações "do" princípio, no sentido de que o princípio deriva várias vezes, não "do"princípio no sentido de as derivações procederem dele. Ao dualismose opõe também aquela metafísica na qual as derivações procedemdo princípio e na qual se salva a unidade da ciência como ciência datotalidade do princípio e de suas derivações.
-+ Criação; Monismo.
E
Efeito
É o resultado da causação ou da eficiência da causa: é aquilo quedepende (effectus, particípio passado de efficere, "fazer, efetuar"). Se acausa é um ente em ato de causar, também o efeito é um ente em atode ser causado. Esse ser em ato que une causa e efeito é a relaçãocomum que, vista da parte da causa, é o causar, a causação, e, vistada parte do efeito, é o depender, a dependência. Segue que se podefalar do efeito só na presença da causa ou só enquanto ele atualmenteé causado e atualmente dependente da causa, de modo que vale aafirmação segundo a qual, pondo-se a causa, põe-se o efeito e, tirando-se a causa, tira-se o efeito. Essa relação, pela qual a presença ou aausência da causa implica a presença ou a ausência do efeito, mostraporque, na identidade da relação que os une - a atualidade da causaé a atualidade do efeito -, emerge a diversidade entre causar e depender: justamente porque a atualidade da causa constitui a atualidade do efeito, este depende dela e, portanto, se diferencia dela. Essarelação varia de acordo com a determinação da atualidade que a constitui (causa acidental e substancial, física, psíquica, espiritual etc.).
-> Causa; Eficiência.
Eficiência
É a propriedade pela qual uma causa se chama eficiente. Elaconsiste propriamente na perfeição, atualidade, energia de um enteque efetua a atualização ou realiza a efetuação do devir de outro
Elenchos 51
ente. Trata-se da ação ou do ato da causa considerada em seu causar, em seu atual ser causa. Assim ela se identifica com a causação,ou seja, com a relação de eficácia que a causa mantém com o efeito:dizer que A é causa de B significa que A possui uma atualidade queatualiza ou efetua a atualização de B, que é seu efeito. Em poucaspalavras: a eficiência é o ser da causa em ato de causar.
--> Causa.
Elemento
É aquilo do que uma coisa é formada. Nesse sentido chama-setambém princípio constitutivo ou intrínseco. Todo elemento é princípio, mas nem todo princípio é elemento. Do mesmo modo ele échamado também causa intrínseca, a qual difere da causa extrínseca.Deve-se notar também, com referência à causa, que todo elemento écausa, mas nem toda causa é elemento.
--> Fundamento.
Elenchos
É o termo com o qual Aristóteles fez - e ainda se faz - a defesa, por refutação, da validade do princípio de não-contradição. A suapertinência metafísica consiste no fato de que a metafísica, comociência do ser como ser, se desenvolve, se explica e se realiza comosaber da totalidade do ser, com base e segundo a lógica do princípiode não-contradição, que estabelece a absoluta oposição entre ser enão-ser. A metafísica, na construção de seu sistema epistêmico, procede fundando-se nas três valências - ser, pensamento, linguagem- do princípio e atendo-se à sua rigorosa aplicação. Assim o procedimento metafísico é um procedimento elênquico, o qual tem constantemente presente e exerce incessantemente a lógica da absolutaoposição entre ser e não-ser. Nesse procedimento consiste a provametafísica de todas as proposições que constituem seu saber: é verdadeiro saber metafísico aquele que procede da prova elênquica. Nelase evidencia a contraditoriedade da afirmação contraditória, ou seja,da negação do princípio. Essa negação, direta ou indireta, para man-
52 Emanação
ter-se, para valer e para fazer-se valer como negação, é obrigada aadmitir o princípio; não o admitindo, ela se autodestrói como autonegação, isto é, torna-se uma negação que não pode sustentar-se comota!. A contraditoriedade da negação consiste justamente nessaautonegação. A prova elênquica, isto é, a refutação, tem esta funçãoessencial: a negação do princípio desemboca na autocontradição doniilismo ontológico. Em correspondência às três valências do princípio, ela desemboca na autonegação do não-ser, da irracionalidade ealogicidade e da incomunicabilidade.
--+ Aporia; Contradição.
Emanação
A relação de criação entre o Absoluto e o mundo exige um esclarecimento, que é feito mediante os conceitos de produção total, dederivação, de dependência, de participação, da saída, de processo.Emanação é um dos conceitos usados. Ele provoca a suspeita depanteísmo, especialmente por causa de sua conexão com o neoplatonismo. Mas esse termo teve amplo emprego na filosofia medieval,especialmente em santo Tomás, que o usa como os outros conceitos,ao ponto de dizer categoricamente: "A produção universal da realidade por Deus não é nem devir, nem mudança, mas certa emanaçãoabsoluta" (ln Phys., Ed. Marietti, n. 974); pode-se, pois, pensar numsignificado correto de emanar, válido para se definir a relação de criação. Quanto ao neoplatonismo, no qual esse termo é, aliás, bastanteraro, sendo dominante o termo processo Ipráodos), parece certo: que, além das imagens ilustrativas (o fluir da água saindo da fonte, airradiação da luz etc.), com a emanação, o Um não é diminuído emsua realidade, nem recebe aumento de realidade, nem mesmo com oretorno do emanado ao Emanante; - que o emanado não é parte dasubstância do Emanante; - que o Um permanece em sua absolutaauto-identidade, simplicidade e perfeição, imune ao devir e excluídodele; - que o Um não tem necessidade da emanação, nem do emanado, porque não emana por indigência, mas por superabundância desua perfeição e de sua bondade; - que há intérpretes que reconhecem um aspecto de liberdade na emanação.
--+ Criação.
Em si epor si
Eminência
~ Analogia; Teologia catafática.
Em si
53
É a determinação do ente chamado substância; difere da determinação do em outro, a qual qualifica o acidente. Nesse sentido oem si equivale a subsistência. Quando ele se refere ao conteúdo dadeterminação, indica a plenitude e a completude da perfeição tomada em exame. Platão usa o em si nos dois sentidos seguintes: o beloem si é, ao mesmo tempo, a beleza subsistente e a totalidade plenada beleza, relativamente às muitas coisas belas que são deficientes,seja quanto à subsistência, por serem devenientes, seja quanto àplenitude, por serem participações limitadas. No pensamento moderno, o em si se impôs com o conceito kantiano de "coisa em si", quetem um significado gnosiológico: a coisa em si é independente tantodo "fenômeno", isto é, das formas da intuição sensível, quanto dasformas do intelecto. Em si equivale, pois, a coisa desconhecida eincognoscível, estranha ao pensamento humano, embora, como"númeno", não seja independente de todo conhecimento em geral.
~Porsi.
Em si e por si
Essa fórmula se tornou célebre por causa do uso que Hegel fezdela. Enquanto Hegel entende o ser como processo dialético de determinação, o em si, o por si, e o em si e por si constituem graus desseprocesso: o em si é o ser, isto é, o pensamento em sua imediaticidade- o conceito em si; o por si é a essência, isto é, o pensamento em suareflexão e mediação - o ser por si é o aparecer do conceito; o em si epor si é o conceito, a idéia, o espírito, isto é, o pensamento no retornoa si e junto de si no desenvolvimento completo - o conceito em si epor si (cf. Enciclopedia, 83). Como se pode notar, os termos conservam fundamentalmente o significado tradicional, mas especulativamente variado e aprofundado pela concepção dialética de base. A
54 Entidade
mesma observação vale para Sartre, que retoma essa dialética emchave fenomenológica, restringindo-a à relação de oposição entreser e nada: o em si é o ser como datidade opaca, maciça e gratuita,que "se perde como em si" no por si como nada, que é a consciência.Essa concepção está bastante difundida no pensamento contemporãneo: o em si indica a simples substãncia; o por outros, a fenomenicidade; o por si, a reflexividade, a transparência, o ser juntode si da consciência como espírito, que é porque sente, pensa e decide.
---> Pessoa.
Ente
---> cap. Palavras condutoras
Entidade
É o termo metafísico com o qual se denota de forma abstrata oque é o ente, ou seja, o termo com o qual se designa a resposta àpergunta: que é o ente? Segundo a tese aristotélica da multiplicidadedos significados de ente, tais significados são entidades. A primeirae a principal delas é a ousía, que é propriamente a entidade do ente.Heidegger notou a variação desses significados ao longo da história:da idéia platônica à criaturalidade cristã, à subjetividade moderna("eu penso", autoconsciência absoluta, vontade de poder), até o instrumental técnico contemporâneo. Além dessas exemplificações históricas, deve-se dizer que a tarefa fundamental da filosofia, que éessencialmente metafísica, é a procura e a determinação da entidade (ou, no uso mais atual, da essencialidade) do ente, ou seja, dosentido, do significado e da verdade do ente. Essa tarefa consiste,em última análise, na procura e na determinação do sentido, do significado e da verdade do ser como tal em sua relação ao ente e emsua diferença dele. É só a partir do ser que se pode chegar à entidade do ente.
---> Coisa.
Erro
Equivocidade
-> Analogia.
Erro
55
o significado metafísico de erro e de falsidade deriva da afirmação transcendental da identidade entre ser e verdade. Se o ser éa verdade e, reciprocamente, se a verdade é o ser; se, no plano doente, deve-se ter como firme que, na medida de seu ser, todo ente éverdadeiro e todo verdadeiro é ente, deve-se concluir que o erro e afalsidade se opõem à verdade enquanto não-ser, e que o errõneo e ofalso se opõem à verdade do ente enquanto não entes. Dada a oposição absoluta entre ser e não-ser, o erro e a falsidade como oposiçãoabsoluta à verdade negam a si mesmos. Ou seja, no plano do sercomo tal, não pode dar-se nem erro nem falsidade; são impossíveisum erro e uma falsidade absolutos ou em absoluto.
Mas tanto o erro como a falsidade se apresentam na experiência. Deixadas de lado sua origem e sua configuração particular, aparecem evidentes dois aspectos: o erro e a falsidade podem dar-sesomente como erro e falsidade determinados, parciais, relativos; e- o que é mais - o acontecer do erro e da falsidade enquanto erro efalsidade situa-se sempre e só na luz da verdade do ser e do verdadeiro do ente. Isso quer dizer que o erro e a falsidade, como tais,aparecem superados, negados, eliminados. A luz da verdade é a luzdo erro e da falsidade, no sentido de que o aparecer do erro e dafalsidade enquanto tais é o aparecer da verdade. E isso por causa doprincípio de não-contradição, que se opõe à possibilidade de pensarcontraditoriamente, porque o pensamento do ser exprime suaincontraditoriedade. O fato de que um certo ente pensante - o homem - erre ou caia na falsidade, enquanto confirma a parcialidade, a determinatez e a relatividade do erro e da falsidade, denota oobscurecimento e a decadência daquele certo pensamento relativamente ao pensamento no qual a incontraditoriedade do ser vem àluz e se exprime: trata-se de aparência, não de aparição do ser. Queo erro e a falsidade aconteçam nesses termos, que o acontecer delescomo tais seja o mesmo acontecer da verdade e que esse seja seu
56 Especulativo
significado metafísico parece fora de dúvida. Permanece aberta aquestão da gênese deles e da aptidão necessária para evitá-los esuperá-los, questão essa que pertence a outra consideração, àquelaque atribuindo ao erro uma gênese extrateorética, tem relação coma psicologia, a metódica e a retidão intelectual.
-+ Verdade.
Especulativo
Em oposição a prático e a técnico (poietico, produtivo), especulativo é sinónimo de teorético e remete a teoria, que em grego é oque em latim é "especulação". Os dois termos coincidem como relativos a visão, a qual, referida ao pensamento como tal, se torna meditação, contemplação, intuição, percepção, apreensão da verdade. Ametafísica, como ciência do ser ou da verdade, é especulação eespeculativa. Ciência do ser ou da verdade, a especulação metafísicaé saber no qual o ser sabe a si mesmo, e é ser que, sabendo-se a simesmo, sabe sua própria verdade. De modo que, segundo o significado metafísico de verdade como intelecção, isto é, como identidadeentre a inteligência e a inteligibilidade - e aceitando-se uma convicção da tradição metafísica segundo a qual especulação provém despeculum, isto é, comporta uma reflexividade visiva total, e não (provém) de specola, isto é, não é uma visão exterior e extrínseca (cf.Suma Teológica II-II, q. 180, a. 3, ad 2) -, a especulação é o pensamento puro, no qual aparece o ser puro, a identidade entre pensamento e ser; e é especulativo tudo o que diz respeito a atualizaçãodessa identidade.
Com efeito, devem ser distinguidos o saber e o pensar originários e o saber e o pensar derivados. O primeiro é constituído pelaimediaticidade do aparecer, fenomenologicamente inegável, do sere, ao mesmo tempo, pela imediaticidade do logos inegável do ser emsua oposição ao não-ser, ou seja, pela posição da negação da negaçãodo fundamento. O segundo é constituído pela recondução - que ésimultaneamente dedução e resolução - ao fundamento daquilo queaparece como um novo conteúdo ou como uma nova positividade eque, na ausência daquela recondução, mostra que permanece nacontradição. Altamente especulativa é a afirmação do Absoluto, na
Evidência 57
qual se realiza a metafísica: o mundo - a totalidade do ser queaparece, a totalidade dos entes - é posto especulativamente mediante sua recondução - que é a posição da relação de criação, istoé, que é a superação da contradição - à Thtalidade absoluta do ser.
Do "caminho do dia e da verdade" de Parmênides e da "segundanavegação" platônica ao "especulativo" hegeliano, a metafísica é aposição imediata e mediata da verdade porque é posição da negaçãoda negação do fundamento. Em particular, quando Hegel afirmaque "o elemento especulativo ou positivamente racional apreende aunidade das determinações na contraposição delas, e o elemento afirmativo, que está contido na resolução delas e no passar delas paraoutro" (Enciciopedia, 82), reage criticamente contra Kant, que definiu como "especulações vazias" e "ilusões transcendentais" o uso teorético, especulativo, da razão além da experiência, e estabelece oponto historicamente discriminante relativamente ao pensamentocontemporâneo, que quer ser simplesmente antiespeculativo.
- Analogia; Criação; Mediação.
Espírito
- Bondade; Verdade.
Essência
- Determinação; Qüididade.
Essencialismo
-Forma.
Evidência
Proveniente do latim e-videri, o termo evidência indica a visãorelativa à manifestação e, mais propriamente, a coincidência entrevisão e manifestaçâo. Essa coincidência não só se refere ao fato do
58 Existência
conhecimento, no qual coincidem o conhecente e o conhecido considerados enquanto tais, porém, mais ainda, indica também o fundamento transcendental, no qual se dá a coincidência entre conhecentee conhecido, a sua possibilidade absoluta. A evidência designa a identidade de ser presente e de ter presente - a coisa conhecida e oconhecimento da coisa - que extrai sua condição de possibilidadeda presencialidade transcendental do ser. A evidência é o próprioser, no qual são evidentes o conhecente, o conhecido e, ainda, a atualidade cognitiva deles. Aqui ser evidente significa que esses elementos se constituem como tais, isto é, como conhecente e conhecido, e em tal atualidade cognitiva: todo conhecimento é aspectoatualizante da evidência do ser. A figura especulativa que contém eexprime rigorosamente a situação da evidência é a unidade da experiência, a qual, entendida metafisicamente, é a presença de tudoo que está presente, ou a evidência de tudo o que é evidente; emsuma: o ser de todo ente.
---> Experiência; Presença.
Existência
Este conceito adquire valência filosófica com a segundaescolástica (séc. XVI), quando o conjunto essência-ser foi substitUÍdo pelo conjunto essência-existência, na questão da distinção entreos dois constituintes do ente e na questão de sua respectiva contribuição para a mesma constituição. Em geral, existir significava, paraum ente, estar "fora" tanto das causas quanto das possibilidades,isto é, realizar a possibilidade representada pela essência. Com Descartes, o conceito perde esse significado de derivação de outro (dacausa) e assume o significado geral de realidade; e com Kant, o de"posição absoluta de uma coisa" - equivalendo posição à categoriade realidade, de existência de fato, com a qual se pensa um objetopercebido no âmbito da experiência. A diferença entre a concepçãoclássica, fixada no conjunto essência-ser, e a concepção escolásticomoderna se torna evidente nas duas formulações seguintes: parasanto Tomás, a prova teológica era concebida como demonstração deque "Deus é", ao passo que os modernos falam de prova da "existência de Deus". Na filosofia contemporânea, a noção de existência de-
Experiência 59
fine a essência singular do homem, que ek-siste estando fora no ser(Dasein). Dessa essência a analítica existencial heideggeriana indaga os existentivos (= os modos pelos quais o homem decide em relação às possibilidades alternativas da existência) e os existenciais(= as estruturas que qualificam a tematização da existência, como asituação afetiva, a compreensão, a angústia; as estruturas dos entes diversos do homem são as categorias). A consideração metafísicajulga que a existência deve ser reduzida ao ser, precisamente aoaspecto de seu aparecer, de seu mostrar-se na determinatez do enteou dos entes, portanto, ao aspecto do aparecer ou mostrar-se determinado. Nesse sentido, a existência pode ser entendida comofacticidade ou datidade de fato, como fenomenalidade õntica exterior: o ente, que é em virtude do ser, existe enquanto aparece e se dádeterminadamente em sua determinatez. Compreende-se assim quea existência não tem outra relevância metafísica senão a que é compreendida na dimensão das determinações do ser. Compreende-setambém que, considerando-se a singularidade do dar-se do homem,à diferença do dar-se das coisas e do dar-se do Absoluto, pode-selegitimamente reservar para ele a denominação de existência(Existenz) como peculiaridade própria por excelência.
Experiência
Metafisicamente falando, a experiência se identifica com a presença imediata de tudo o que está presente. É necessário, com efeito, destacar a diferença entre o plano da presença, da datidade comotalou do dar-se e do aparecer, e o plano daquilo que está presente,daquilo que se dá, daquilo que aparece. O primeiro deles constitui oser em presença originário, o qual atualiza a abertura imediata dopensamento. Esse abrir-se do pensamento é, ao mesmo tempo, oabrir-se da presença; a presença, por sua vez, designa aquele iluminar-se do ser que é a luminosidade do pensamento: ser e pensamento se iluminam, originando-se simultaneamente. Essa iluminação éa evidência absoluta, de modo que a experiência é metafisicamentea presencialidade primordial, inegável e incondicionada do ser. Elase exprime nas fórmulas: "há alguma coisa, aparece alguma coisa,penso alguma coisa", as quais não só são conexas, mas também
60 Experiência
indissolúveis, essencialmente inseparáveis. Dentro dessa presencialidade, e em virtude dela, torna-se presente tudo o que se apresenta em sua determinatez, diversidade, variedade, multiformidade,mobilidade. Nesse nível, pode-se compreender a experiência em suasdistinções: sensível e inteligível, empírica e científica, indutiva eoperativa, e assim por diante. Essas distinções são, todavia, secundárias, sucessivas com relação à primordial, que é a da presencialidade. A essa ordem secundária e sucessiva pertence também a distinção entre sujeito e objeto, e, portanto, também a distinção entre oem si e o para nós. Em geral a problemática da experiência se detémnessas distinções e descura a primordialidade da presença, ou seja,se detém na experiência õntica e não toma em consideração a experiência ontológica. Observe-se, contudo, que nesse deter-se e nessedescurar decide-se o destino da metafísica, isto é, a afirmação ou anegação de sua possibilidade.
--+ Evidência; Presença.
F
Facticidade
Esse termo se tornou usual na filosofia a partir da análise dafacticidade feita por Heidegger em Ser e tempo, a qual tem por objeto as estruturas requeridas pela situação do homem - o ser em no mundo. Seu significado diz respeito ao de existência.
Falsidade
-+ Erro; Verdade.
Fenomenismo
-+ Fenômeno.
Fenômeno
Segundo sua etimologia (tá phainámenon, particípio substantivado de phaínesthai, "aparecer"), fenômeno indica aquilo que aparece, que se manifesta, independentemente do nível (sensível ouinteligível) no qual se dá a aparição ou a manifestação. É fácil perceber que no "aquilo que aparece" podem ser distinguidos o "aquiloque", ou seja, o conteúdo, a coisa, o ente e o ser, e a aparição ou manifestação, ou seja, a sensação, o conhecimento, a consciência. Como
62 Fenômeno
é fácil também, a partir dessa distinção, apreender o surgir do problema da relação entre os dois aspectos. Essa relação dá origem àdeterminação de dois pólos: o objeto e o sujeito, o ser e o pensamento, a verdade e a certeza. Mas a problemática que nasce da distinção(essa distinção também já é um fenômeno, ou seja, é tal e se pôecomo tal pelo fato de aparecer) tem uma raiz mais originária, aqual consiste em se perguntar se a coisa e seu fenômeno pertencem,em sua distinção, a duas ordens ou dimensôes diferentes da realidade, de modo que a realidade da coisa seja diferente da realidade desua manifestação. Portanto, se entre a coisa e o fenômeno se abreuma diferença tal que exija duas consideraçôes: a da coisa e a dofenômeno.
A resposta a essa pergunta assume duas posiçôes. A primeira éa que sustenta duas fenomenalidades, em correlação com as duasdimensôes da realidade: a fenomenalidade da realidade sensívela qual consiste na sensação - e a fenomenalidade da realidade inteligível - a qual consiste na intelecção. Essa posição, embora reduza a distinção entre coisa e fenômeno à distinção entre duas ordens de realidade, mantém a união deles: toda realidade tem seufenômeno correspondente. A coisa tem sua manifestação apropriada e aparece qual é: a coisa sensível aparece sensivelmente, a coisainteligível aparece inteligivelmente. Aoutra posição é aquela na qualessa unidade é negada, de modo que entre a coisa e o fenômeno seinstaura uma dualidade: a coisa não é o fenômeno e reciprocamente; a coisa não aparece no fenômeno, e o fenômeno não é a manifestação da coisa, de modo que o conhecimento do fenômeno não é oconhecimento da coisa. Em geral essas duas posiçôes podem serindividuadas como a da metafísica clássica, de um lado, e, de outro,a do gnosiologismo moderno, de Descartes a Kant. O idealismo - oidealismo absoluto de Hegel - é a retomada especulativamentemadura da posição clássica, cuja continuação se encontra nafenomenologia husserliana e na ontologia fundamental de Heidegger.
Mas, além das referências históricas, resta que a problemáticada distinção entre a coisa e seu fenômeno se resolve no ser, ou seja,na atualidade e na unidade ou identidade do ser. Isso significa que oser é o próprio fenômeno e que a distinção se origina no próprio sercomo fenomenalidade: o ser aparece, isto é, o ser é a sua manifestação e é a manifestatividade. Deve-se dizer então que aquilo que é
Fim 63
chamado sujeito, pensamento, consciência, certeza, é o ser em suamanifestação, em sua aparição, em sua intelecção, em sua presencialidade. Dá-se, pois, distinção, porque é absurda uma manifestação que não seja manifestação do ser; mas, ao mesmo tempo, háidentidade, porque a manifestação é o próprio ser manifesto, o próprio ser em sua manifestação.
Nessa asserção torna-se evidente a insustentabilidade do fenomenismo, tanto em sua versão gnosiológica quanto em sua versãoontológica. A primeira versão, que culmina em Kant, é insustentável porque o fenômeno como tal, não sendo fenômeno da coisa, cessade ser fenômeno: uma manifestação que não manifesta nada não émanifestação - é a contradição radical do kantismo. A segunda versão, representada por G. Berkeley e mais recentemente por E. Mach,sustentando que os fenômenos, ou seja, as percepçôes subjetivas,são não só os únicos conteúdos cognosCÍveis, mas também as únicascoisas existentes, decreta sua própria insustentabilidade, porque oureduz o fenômeno ao ser ou o ser ao fenômeno. Nos dois sentidosessa redução é injustificada. Se, porém, com ela se quer significarque todo ser é fenômeno, ou inversamente, então o fenomenismotoma seu autêntico significado ontológico, constituindo assim, emúltima análise, a posição metafísica clássica - com a reserva crítica do recurso ao conceito de "redução", pela posição gnosiológicaentendida em sentido empírico.
--+ Aparência; Experiência.
Fim
o conceito de fim ( --+ télos em grego, finis em latim) pode serconsiderado como "aquilo por causa do que" uma ação é feita, oucomo a realização daquilo para o que a ação tende. Nos dois casos,esse conceito implica ação, ou seja, o exercício de uma perfeição e,em última análise, o exercício, a atualidade e a atualização do ser.Ora, a ação, entendida como esse exerCÍcio, comporta, por sua vez,uma intenção, isto é, uma direção, uma orientação, uma tendência,e uma execução, ou seja, uma terminação, um alvo, uma realização:a ação é intenção e execução. Mas, uma vez que o ser é ação, deve-seafirmar que o ser é intenção e execução e que, por isso, é fim em si,
64 Fim
de si (a se: procedente de si, originado de si) e por si mesmo, fimabsoluto. Isso estabelece a finalidade transcendental do ser mediante a ação transcendental e com base na oposição contraditóriado ser ao não-ser: não é possível um fim do ser que não seja o próprioser, já que além do ser ou de outra coisa que não seja o ser, há só onada, isto é, não há nada.
Essa finalidade transcendental do ser é determinada no ente, demodo que o ente procede do ser - essa é a sua atualidade e a suaintenção - e, com relação ao ser, é para o ser - e essa é a sua atualização e a sua execução. Mas, como ser determinado, o ente agedeterminadamente: sua finalidade é determinada, seja que se considere o ser do ente, seja que se considere sua determinação. O fim é,pois, o constitutivo da ação como exercício de perfeição, que é, afinal,o ser, seja no plano transcendental, seja no plano determinado, porque o exercício é intenção e, ao mesmo tempo, execução, ou seja, atualidade que atualiza a si mesma, atualidade em atualização.
À luz dessas considerações torna-se compreensível a proposição: todo agente age por causa de um (do) fim. O agente é o ente emato, o ente que é atualmente por causa do ser e que exerce essaatualidade de ser: como atualidade ele é intenção, e como exercício,ele é atuação, isto é, execução de seu ser determinado. Justamenteporque é ser determinado, o ente é intenção e execução determinadas do ser. Essa determinação explica porque, no plano do ente, aação e sua finalidade se mostram como aperfeiçoamento e devir,portanto, como implicando um aspecto de potencialidade. E, ao mesmo tempo, explica porque essa finalidade comporta multiplicidadee exterioridade, a qual distingue a intenção e a execução. Determinam-se assim: - o fim do agente, que é simples intenção, distintada execução; - o fim da obra ou do operado, que é mera execuçãomantida em sua realização; - o fim da ação ou da operação, que é oaspecto de atualidade como união de intenção e execução. Esse aspecto qualifica essencialmente tanto a ação que passa para a obra- ação transitiva -, quanto a ação que se realiza no ente que age- ação intransitiva ou imanente. É esse aspecto, no qual estão co-presentes a atualidade como intenção e a atuação como execução,que constitui a determinação da finalidade transcendental ou ontológica da ação de um ente.
--> Ação.
Forma
Finito
65
o finito é o ente como ser determinado. Nessa determinaçãose notam três ordens de relação nas quais sobressai o significadode finito: como ser determinado, o ente não é o ser, e portanto, éfinito em relação à infinidade do ser, a qual exclui só o não-ser; oente é finito no sentido de que está em relação de derivação e dedependência - de criação - com a Totalidade absoluta do ser,com o Absoluto: é finito porque é fundado no Absoluto; enfim, oente é finito porque sua determinação o finaliza, o limita e o determina mediante a negação e a exclusão de qualquer outra determinação e, portanto, de qualquer outro ente. Desses três significadosdo finito, que caracterizam a estrutura da metafísica clássica antiga e moderna, o pensamento contemporâneo aceita só o terceiro,instituindo-se e configurando-se como ontologia da finitude e comoseu elogio.
Quanto à constituição interna do finito, ela consiste no entecomo síntese de ser e determinação. Essa síntese é inseparável,embora contenha uma distinção entre o ser - que então será chamado ato de ser do ente - e a determinação - que é o aspecto daessência, da ---> qüididade, da totalidade do ente. A inseparabilidadedessa distinção é definida como distinção real metafísica, para sesublinhar o fato de que os dois elementos distintos são reais só nasíntese.
---> Composição; Infinito.
Forma
A forma é compreendida em sua correlação proporcional coma matéria; nessa correlação, elas constituem os elementos dos quaisse ocupa o ---> hilemorfismo. Precisando-se a função, o significado eo valor da forma em relação à matéria, têm-se as seguintes relações: a forma é o elemento de ordem, de determinação, de simetria, de proporção, de perfeição, de medida, de limite, de unidade,de harmonia; a matéria é o elemento de desordem, de indeterminação, de assimetria, de ausência de proporção ou de desproporção, de imperfeição, de desmedida, de i1imite, de multiplicidade,
de desarmonia. Justamente por causa disso, conferindo a forma àmatéria suas próprias características, se constitui no composto o ente material - como o elemento dominante, com base no qualaquele ente se torna acessível ao conhecimento. Assim a formamostra que, seja como morphé, seja como schéma, seja como efdos,seja como idéa, é a inteligibilidade de si e do composto, portanto,também da matéria. É nesse sentido que a forma é chamada formaessencial ou diferença específica, isto é, porque dá à matéria aespecificação essencial.
A partir dessa consideração, a análise aprofunda o significadoda forma, notando que ela, em sua correlação com a matéria, secoloca em certo nível da relação geral entre ato e potência: no níveldo ente material. Por outro lado, a mesma análise aprofunda essesignificado, colocando no mesmo nível a forma e o ato até sua identificação no grau máximo. Nessa segunda direção da análise, insiste-se no fato de que as características que a forma leva para ocomposto e confere à matéria são fundamentalmente as determinações e as perfeições do ser, de modo que, definitivamente, a forma, em absoluto e em sua pureza, é o próprio ser. É essa a genialintuição tomista: o ser é a forma de todas as formas, a perfeição detodas as perfeições, isto é, aquilo que há de mais formal em todasas realidades. Esse resultado, no qual se põe a equivalência forma=ser, correspondente à equivalência ato =ser, contém conseqüências da maior importância. A forma, em todos os graus de seuaparecimento - da forma pura à forma na mais imediata correlação com a matéria - possui aquelas características em virtude dofato de que é determinação do ser: ela é o modo ou a medida naqual o ser se determina. De modo que a consideração formal detoda realidade, da material à mais espiritual, é consideraçãometafísica, conduzida a partir do ser, porque o ser é a forma detodas as formas, ou seja, de toda a realidade enquanto tal.
Quando essa consideração formal não é entendida em sentidometafísico, surge o formalismo ou essencialismo em seus dois significados: o propriamente metafísico, no qual a forma assume o valorde determinação última da realidade, sem nenhuma referência ulterior ao ser; e o significado geral, no qual a forma é tomada em si,com abstração de sua função determinativa, ou seja, de sua funçãode "informação" e, portanto, tal que compreenda sua matéria ou seu
66 Forma I
Fundamento 67
conteúdo. Esse segundo significado - que se estende a todos os campos: cognitivo, ético, estético etc. - depende do primeiro.
~ Ato; Matéria.
Formalismo
~ Ato; Forma.
Fundamento
A metafísica, justamente porque é ciência do ente como ser, éciência do fundamento: o ser é, com efeito, aquilo pelo que o ente éente. A fórmula "aquilo pelo que" descreve o fundamento. E, se seconsidera que o oposto contraditório de ser é o não-ser, chega-se aqualificar o fundamento como aquilo que, supresso, faz que seja suprimido todo o resto. Isto é: o fundamento - o ser - é aquilo cujanegação é a negação de tudo aquilo que é. Metafisicamente, portanto, o fundamento diz respeito à totalidade no sentido de que estabelece a totalidade do real como totalidade unificada: o fundamento éa unidade do todo, porque tudo o que é está no fundamento. Fora dofundamento há só o não-ser, o nada, isto é, não há nada.
Percebe-se logo que a noção de fundamento é a própria noção dafilosofia: o nascimento da filosofia consiste em estabelecer o fundamento de todas as coisas (fundamento equivale a arehé, que é sinânimo de "princípio", de "origem"). Pensar o fundamento de todas as coisas é pensar aquilo do que elas derivam, do que são constituídas, peloque ou sobre o que estão, e ao que retornam. O desenvolvimento dessas dimensões (= as relativas: do que [procedência], pelo que, do que,sobre que, a que) é o desenvolvimento da metafísica, a qual consiste,portanto, em pensar o nexo entre o fundamento e aquilo que procedeou deriva dele. Em relação ao fundamento, o nexo deve mostrar seucaráter de absoluta originariedade, ou seja, sua não ulterioridade, ede absoluta definitividade, ou seja, a estabilidade do e no fundamento. Em relação ao que deriva, esse nexo deve mostrar seu caráter detotalidade e de unidade. O fundamento é total e unitário porque dáfundamento e funda totalmente, seja a derivação, seja o termo deri-
68 Fundamento
vado, de modo que este é tudo aquilo que é em virtude de sua total derivação do fundamento. No pensar esse nexo, a filosofia cumpre suafunção essencial, a da redução ou recondução ao fundamento. Umavez que o fundamento é o ser, e que o ser é o ontológico por excelência,metafisicamente o fundamento concerne indissociavelmente ao ser eao pensamento: é fundamento que é ser e pensamento.
--> Absoluto; Criação; Deus.
G
Gênero
o interesse metafísico em relação ao gênero consiste na negação de que o ser seja um gênero. Em seu significado lógico (predicamental) e categorial (predicamento), o gênero denota a divisão doser no plano dos entes e a classificação dos entes em gêneros universalíssimos. Esse significado se amplia, mudando-se intrinsecamente, até alcançar o plano transcendental, no qual se fala de gêneros supremos do ser. Platão os individuou no idêntico, no diverso, norepouso e no movimento.
---> Categoria; Transcendental.
H
Hierarquia
---> Totalidade.
Hilemorfismo
É a doutrina metafísica que explica o devir dos entes materiais, recorrendo aos dois elementos que os compõem: hyle-matéria,e morphé-forma. A matéria faz o papel de substrato sobre o qual sesucedem as formas; essa sucessão constitui o devir substancial, oqual se verifica na geração e na corrupção. A matéria é chamada"segunda" quando já tem uma forma; no devir, ela perde essa formae adquire outra; é chamada "prima" (primeira) quando é considerada como o elemento originário comum, que faz o papel de substratoúltimo de todo devir substancial. Nesse sentido o hilemorfismo é acosmologia porque se ocupa da constituição substancial dos entesmateriais como composição de matéria e forma. Esse significado foiestendido ao problema da unidade e da multiplicidade, da individuação, da unicidade e da multiplicidade das formas substanciais, até a proposta de um hilemorfismo universal (como sustentava são Boaventura, na linha da escola franciscana), com base noqual também os entes espirituais seriam compostos de uma matéria espiritual e de uma forma. Essa composição definiria a estrutura do ente finito, criado, em relação ao Ser inflIÚto, criador. A refutaçãodessa doutrina, principalmente por santo Tomás, teve como resultado a restrição do hilemorfismo aos entes materiais, mantendo, con-
I
Hilemorfismo 71
tudo, a universalidade do binômio ato-potência - transformado,porém, metafisicamente no de ato de ser e de essência. Esse binômiodefine o estatuto do ente finito como tal, ao passo que o binômiomatéria-forma define a estrutura do ente finito material.
--> Cosmológico.
I
Idealismo
É aquela metafísica na qual o ser é entendido como idéia oucomo espírito e na qual, por conseguinte, o ser absoluto é a idéiaabsoluta ou o espírito absoluto. A formulação explicita e completadessa metafísica se encontra no idealismo absoluto, no qual lógica emetafísica coincidem perfeita e expressamente. Mas, em forma inicial e inexpressa, ela constitui a essência da metafísica clássica, dePlatão à escolástica. A articulação especulativa do idealismo se efetua sustentando que, se o Absoluto é a idéia de Bem (Platão), o pensamento do pensamento (Aristóteles, o qual, porém, não admite aderivação e a dependência ontológica), a intelecção subsistente, idêntica ao ser subsistente (santo Tomás), o eu ou o espírito absoluto(idealismo alemão), aquilo que deriva dele - o ente, que não é oAbsoluto, mas depende do Absoluto - será formado e impregnadode idealidade, de pensabilidade, de inteligibilidade e de verdade namedida de sua dependência, isto é, de sua participação no Absoluto.Nesse sentido, a tese de Hegel, segundo a qual o idealismo consistena afirmação de que "o finito é ideal", esclarece a tese platônica etomista da -+ participação, que nessas filosofias é sustentada pelanoção transcendental de verdade, desenvolvida na direção do princípio absoluto entendido justamente como idéia ou verdade.
Isso permite compreender que idealismo não se opõe a realismo,mas a materialismo e, em última análise, a irracionalismo agnóstico.A essência dessas metafísicas deve ser posta na consideração de queo ser não é verdade e, portanto, de que não admite a pensabilidade. Anegação da verdade e da pensabilidade do ser tem seu equivalente na
Identidade 73
negação do pensamento e da consciência ou do sujeito. Desse modo seobtém como conseqüência que o materialismo, sendo o oposto do idealismo, é oposto também ao realismo. Mas, ao mesmo tempo, se obtém também que todas as formas de idealismo (empírico, consciencialista, transcendental ou crítico, subjetivo, objetivo e absoluto) sãoformas metafísicas, as quais, em última análise, giram em torno doser como verdade e do ente como verdadeiro.
Que o idealismo em sua figura histórica completa - a hegeliana- seja panteísta ou implique uma coloração panteísta decorre deuma compreensão insuficiente e deficiente da idealidade do finito,isto é, da redução do finito em sua idealidade a simples aspectoconstitutivo do Absoluto.
-> Absoluto; Monismo; Verdade.
Identidade
A identidade designa o significado completo da unidade do ser:o ser, pelo fato de opor-se absolutamente ao não-ser, é o indiviso, ouseja, a negação da negação. Mas, enquanto a oposição é absoluta, anegação da negação não se limita a indicar a indivisão, mas chegaaté a indivisibilidade. Isso comporta o impor-se do ser ao não-ser, nosentido de que o ser exclui toda possibilidade do não-ser. Opondo-seao não-ser, o ser é a identidade absoluta. É esse o significadoontológico originário; dele derivam o significado ôntico: todo ente,na medida de seu ser, é idêntico a si mesmo, ou seja, nega a próprianegação; e o significado lógico: todo conceito se determina como talnegando seu oposto. Justamente pelo fato de que a identidade é negação da negação, ela é uma relação, e é uma relação negativa,mediata, isto é, tal que inclui em si a negação do próprio outro. Oser é idêntico a si mesmo porque inclui a oposição absoluta ao nãoser; derivadamente, isso vale para a identidade de todo ente. Podese formular a mesma idéia dizendo que a identidade implica sempre a diferença. Do conjunto resulta que também o princípio deidentidade não pode valer isoladamente do princípio de não-contradição: o isolamento o reduziria a uma abstração, a uma meratautologia. Isso comporta que ele pode valer com um significado concreto só em união com o princípio de não-contradição, do qual ele
74 Imanência
exprime a positividade, como identidade que o ser mostra impondose sobre sua negação, que é o não-ser.
-> Diferença; Oposição.
Identidade (princípio de)
É a fórmula que exprime a natureza do ser, dizendo que, enquanto tal, o ser é absoluto, incondicional e necessariamente ser. É,pois, a fórmula pela qual se afirma a absoluta autoposição do ser esua positividade. A identidade é o conteúdo dessa positividade, aqual faz referência à explicitação transcendental da unidade do ser.Tomada como tal, essa fórmula pode parecer tautológica e ser acusada de vazia - a "identidade morta" da qual fala Hegel. Essa acusação é justificada caso se entenda esse princípio isoladamente doprincípio de não-contradição; então ele é abstrato, no sentido de queexprime só um aspecto da essência do ser; é só em união com o princípio de não-contradição que ele adquire seu sentido concreto.
Imanência
É o termo contrário, e simultaneamente correlativo, de transcendência. A sua determinação metafísica dever ser tirada da tesesegundo a qual nada é estranho, ulterior, além ou fora do ser - nãohá uma transcendência relativa ao ser -, mas tudo lhe é interior eíntimo, pertence-lhe e, portanto, é-lhe imanente (do latim inmanere: "permanecer em"). A imanência é a lei ou a lógica do ser, comrelação ao qual permanece fora só o nada, o não-ser: o ser é o absoluto em geral. O problema da imanência - e, correlativamente, datranscendência - se põe com a pergunta se o ser enquanto tal seidentifica com a totalidade do ser que aparece, ou se essa totalidade que aparece - o mundo - requer, em virtude do primeiro princípio do ser, uma superação de si mesma pela afirmação da Totalidade absoluta do ser, compreendendo esta a plenitude completa daperfeição de todo ser, isto é, pela afirmação do Absoluto ou de Deus.Se a resposta sustenta a identificação, tem-se a metafísica daimanência; se ela sustenta a superação, isto é, a distinção que
Imanência 75
consiste na superação absoluta, tem-se a metafísica da transcendência.
No primeiro caso, afirma-se que o ser é o mundo, a natureza, amatéria, a história, a evolução e assim por diante. Essa afirmação éequiparada a esta outra: o Absoluto é o mundo, ou seja, o Absolutonão é outro senão o mundo, reduz-se ao mundo e, nesse sentido, éimanente ao mundo. Note-se, porém, que essa identificação podeser entendida em dois sentidos. O primeiro é aquele segundo o qualo Absoluto propriamente não existe, e então a imanência se resolvena simples afirmação do mundo; isso coincide com o ateísmo e éacompanhado de uma compreensão do ser que consiste no equivocismo das determinações e na pluralidade das diferenças. Nessa linha, a imanência tem o significado de uma atenção exclusiva aomundo em sua multiplicidade, significado que segue ao esvaziamentoda absolutez do ser. Por isso, a simples afirmação do mundo se põeem sua positividade mediante a negação do Absoluto.
Mas a identificação pode também apresentar-se efetivamentecomo tal, isto é, no sentido de que oAbsoluto não se distinga do mundo nem o mundo se distinga do Absoluto. Essa é a forma monista, aqual dá origem a todos os tipos de panteísmo e na qual o mundo éimediatamente o Absoluto como um aspecto, um modo, uma modificação, uma fase ou uma etapa evolutiva, um grau ou uma medidaemanativa dele. Seja o mundo imanente ao Absoluto ou inversamente, segue-se, nos dois casos, que oAbsoluto não se propõe ou não consegue propor-se como Absoluto em relação ao mundo, e que o mundonão se propõe ou não consegue propor-se como tal em relação ao Absoluto. Em termos metafísicos, oAbsoluto como 'Ibtalidade do ser nãoestá em condição de admitir as diferenças como diferenças suas, ouas admite como aparições inconsistentes suas. O monismo exprime oser como imanência na configuração do "não há outra coisa senão oser", ou do univocismo insuperável, seja como for que o ser se determine: como substância, espírito, sujeito, idéia ou outra coisa. Essaconfiguração dá forma a si mesma nas expressões: "o todo é oAbsoluto" ou "o Absoluto é o todo", entendendo-se nos dois sentidos aindistinção, isto é, a ausência de um termo em relação ao qual oAbsoluto possa distinguir-se ou transcender. A primeira fórmula, dizendoque o todo é oAbsoluto, afirma a imanência do mundo no Absoluto, imanência acósmica -; a segunda, dizendo que o Absoluto é o todo,
76 Indivíduo
afirma a imanência do Absoluto no mundo, - imanência cósmica. Écomum às duas a tese segundo a qual não há ser além ou fora do Absoluto, isto é, distinto dele: o mundo é sempre afirmado como nada. Se aúltima forma de imanência parece convergir para a imanência pluralista, não se deve esquecer que permanece uma diferença essencial entre os dois tipos: a imanência pluralista exclui o Absoluto, ao passoque a monista o afirma como o fundamento único, total e exaustivo.
No segundo caso, o da superação, a resposta é a que afirma atranscendência. Mas nessa questão deve-se tomar o cuidado de nãoseparar as duas respostas: imanência e transcendência devem serconsideradas juntas e mantidas em relação de progressão direta: aimanência implica em igual medida a transcendência e inversamente, de modo que a imanência absoluta pode ser afirmada efetivamente como reverso essencial só da transcendência absoluta. A suaseparação dá origem respectivamente ao imanentismo e ao transcendentismo, posições essas que são insustentáveis por causa desua unilateralidade exclusiva.
--+ Ateísmo; Monismo; Transcendência.
Imediato
--+ Mediação.
Imitação
--+ Participação.
Incondicionado
--+ Absoluto.
Indivíduo
Indica a unidade de todo ente enquanto indiviso em si e dividido de todos os outros entes. É o termo latino correspondente aoátomon grego.
Intuição
Infinito
77
Este termo, como outros afins (absoluto, ilimitado, incondicionado) denota duas considerações sobre o ser: a transcendental,ou seja, do ser enquanto tal, e a do ser como Thtalidade absoluta.Em geral, o termo "infinito" é aberto tanto ao significado de indefinido, que indica aquele tipo de realidade que não pode ter um fim,porque pode sempre proceder ulteriomente (por exemplo, um número indefinido); quanto ao significado próprio de infinito, o qual designa aquele tipo de realidade que não pode ter fim porque não podeproceder ulteriormente. Nesse segundo caso, o fim é a realização, aperfeição, a plenitude, a totalidade. É neste segundo significado quesão compreendidas as duas considerações sobre o ser. A infinidadedo ser como tal é determinada pela sua oposição ao não-ser. Nessesentido não se pode proceder ulteriormente: ir além do ser equivalea ir ao não-ser. A infinidade do ser como Thtalidade absoluta, sendoa plenitude concreta de toda a perfeição do ser e a totalidade completa do ser, denota o Infinito em sentido maiúsculo em sua diferença do finito: a infinidade absoluta.
- Ao infinito; Absoluto; Finito.
Inteligência
- Verdade.
Intenção
- Ação; Bondade; Fim.
Intuição
- Especulativo.
L
Liberdade
~Bondade.
Limite
o conceito de limite indica o término, o fim de uma coisa. Masuma coisa tem limite porque é perfeita ou porque é imperfeita. Enquanto perfeita, uma coisa tem a consistência e a totalidade de suaconstituição: o verde perfeito em seu ser verde é a totalidade doverde. Enquanto imperfeita, a coisa implica uma parcialidade e umaparticularidade: esse verde é uma parte e um detalhe do verde; issosignifica que ele deixa fora de si as outras partes do verde ou quenão compreende todo o verde, ao qual, como parte, faz referência.Quanto ao ser, deve-se dizer que ele é absolutamente perfeito, ilimitado, uma vez que o único limite possível é o não-ser, que não existee, portanto, não pode ser limite. Mas, a respeito do ser e do seuinterior, qualquer coisa ou ente, perfeito ou imperfeito, é limitadono sentido de que é uma determinação, um ser determinado. Porisso, no plano metafísico, tudo o que não é o ser como tal, em suatotalidade e plenitude, é ser limitado, determinado, ser que deixafora de si outro ser ou outra determinação do ser. Assim é ilustradoo significado metafísico de limite: ele equivale a uma determinaçãodo ser, determinação tal que implica sempre um além, e, que, portanto, comporta sempre uma ultrapassagem e um positivo além desi. Como determinação, o limite é uma negação, a qual faz referên-
Logos 79
cia tanto ao ser como tal quanto aos outros entes: todo ente, comoser determinado, é essencialmente limitado, e como tal implica oser como tal e os outros entes.
Nesse sentido o ente - a totalidade dos entes - é finito e comporta metafisicamente as três ordens de finitude com relação às quaisele se define: os outros entes, o ser como tal, o Ser absoluto. Paracompletar o significado de limite pode-se fazer a equação: limitado=determinado; limite =determinatez; limitação =determinação.Essa equação mostra claramente as duas considerações que podemser feitas em relação ao limite: sob o aspecto de seu aquém, o limiteestabelece o ente perfeito em sua constituição ou determinatez: umente e uma essência são perfeitos em si e por si. Sob o aspecto de seualém, o limite estabelece uma relação com aquilo que ele exclui ounega, relação essa que é ao mesmo tempo negativa: o ente não é oser; e positiva: o ente é tal pelo ser, como uma determinação dele.Em relação ao Ser absoluto, o ente não é o Ser absoluto, mas deriva,depende do - está em relação de criação com o - Ser absoluto: asua própria positividade limitada contém em si essa relação, é intrinsecamente nessa relação.
-+ Determinação; Diferença; Perfeição.
Logos
Logos é o termo grego do qual derivam os termos lógica elogicidade. Mas o significado metafisico de logos consiste na identificação originária entre logos e ser, a qual, na idade moderna,tem seu correspectivo na identificação entre ser e pensamento.Logos e ser são princípios e o são enquanto constituem uma ligação (logos deriva de légein, que significa "ligar", "reunir"), umaunificação, que é o todo reunido e mantido em unidade, e fora doqual permanece só o não-ser, ou seja, o ilógico ou o alógico. Desseponto de vista, a metafísica é igualmente ciência do ser e do logos;e compreendendo o logos como pensamento, ela é igualmente ciência do ser e do pensamento, porque o pensamento é aquilo em quese mostra a ligação do ser, a lógica ou a logicidade do ser. Como oser é aquilo em que se reúne em unidade tudo o que é, assim opensamento é a manifestação desse reunir-se, a forma manifesta
80 Logos
da unidade de todas as coisas no ser. A metafísica é logos enquantopensamento do ser, no sentido de que o pensamento é a própriaunidade necessária do ser que aparece e se impõe em sua manifestação.
--+ Verdade.
M
Mal
o significado metafísico do mal como oposição contraditória àbondade deve ser procurado na afirmação transcendental da identidade entre ser e bondade. Se o ser é a bondade e, reciprocamente, sea bondade é o ser; se todo ente, na medida de seu ser, é bom, e se obom é todo ente, deve-se concluir que o mal se opõe à bondade comonão-ser, e que se opõe à bondade do ente como não-ente. A oposiçãoabsoluta entre ser e não-ser comporta que o mal, como oposição absoluta à bondade, se autonega, ou seja, no plano do ser enquantotal, não se pode admitir o mal: o mal absoluto, isto é, o mal comosimples e imediata negação do ser é impossível.
Ora, o mal se apresenta na experiência e é comumente divididoem três: metafísico, físico e moral. O mal metafísico é identificadocom a finitude ou com a contingência do ente. Isso significa que ele éentendido como simples e imediata negação de alguma coisa de positivo, de uma determinação do ente. Mas, considerando-se bem, o malmetafísico não é mal: o fato de que uma determinação ou um conjunto de determinações exclua outras ou todas as outras determinaçõesopostas à determinatez positiva de um ente não constitui um mal;enquanto um ente é tal ente - por exemplo, finito - é um positivo;que ele não seja o Infinito não é um mal. Resta que o mal - físico emoral - pode ser entendido só como privação do bem devido a umente, como privação de uma determinação que compete a um ente,portanto, como mal do ente e no ente e, em última análise, como mal,ou seja, como oposição e negação determinadas, parciais, relativas. Omal, a oposição e a negação se apresentam mais precisamente como
82 Matéria
perda da atualidade, como divisão da identidade, como subtração daposse, como desaparecimento da permanência, como corrupção daintegridade, ou seja, como privação daquilo que constitui um entecomo bom. Prescindindo-se questão de sua origem e de suas formasparticulares, deve-se notar que esse significado metafísico do mal enquanto mal aparece só e sempre na luz da bondade do ser, e que nessaluz ele aparece superado. Essa afumação deixa a experiência do malem toda a sua aguda dramaticidade. Mas se se considera que o mal éafinal o aniquilamento do ente em seu ser e se condensa no devirentendido como o perecer, o corromper-se, o faltar do ser do ente, essaafirmação se liga ao problema do ser e do devir e se propõe na mesmalinha de desenvolvimento e de resolução. Ao longo dessa linha ametafísica se encontra, chocando-se, com o pensamento trágico, o pensamento no qual se afirma a persuasão do destino como necessidadedo ente de tornar-se nada.
---> Bondade; Privação.
Matéria
o conceito metafísico de matéria é correlativo e oposto ao de forma. Se a forma é entendida como ato, a matéria é potência; se a formaé entendida como perfeição e idéia, a correlação opositiva da matériaà forma é a do informal ao formal, do desordenado ao ordenado, doalógico ao lógico, do assimétrico ao simétrico, do desproporcionado aoproporcionado, do indeterminado ao determinado, do exterior ao interior, do múltiplo ao um. Seja como potência, seja propriamente comomatéria, ela é um dos elementos constitutivos dos entes sensíveis,empíricos, isto é, ela é aquele elemento pelo qual eles se estabelecemno espaço e mudam no tempo. Como elemento constitutivo, a matériatem realidade só em união ou em composição com a forma: a sua uniãoconstitui o singular, que se denomina hile ("matéria"J-mórfico ("forma").No ãmbito dos entes sensíveis à matéria, é reconhecida a função dadiferenciação, da diversificação, da multiplicação e da exteriorização.E, como essa funçáo compreende a divisão e a divisibilidade, atribui-seà matéria o caráter de não-ser relativo, determinado, em relação aoser, que, enquanto indivisão e indivisibilidade, é a unidade.
---> Forma; Hilemorfismo; Unidade.
Mediação
Materialismo
--> Unidade.
Mediação
83
Entre o imediato e o mediato - entre a imediateza e a mediatez- põe-se a mediação, ou seja, aquilo que media, o mediar. A mediação é definida habitualmente como o ato do passar - a passagem- de um termo a outro. Essa passagem é explicitada como ultrapassagem, desenvolvimento, às vezes também como devir. Mas osentido desse processo deve ser entendido especulativamente. E,nesse sentido, a mediação consiste na relação de determinação,isto é, numa negação que, em última análise, é uma oposição relativa. Por isso, a passagem que é a mediação, tomando o significadode oposição relativa, revela-se como a união dos opostos, isto é,como a união do imediato e do mediato. Nessa união consiste opositivo, ao qual chega a mediação. Com efeito, essa união não sepõe como alguma coisa exterior, extrínseca, indiferente, mas entrana própria constituição dos dois termos, de maneira que eles são oque são enquanto são nessa união. Mas entram nela como opostos,isto é, porque um não é o outro e, ao mesmo tempo, porque um nãoé sem o outro. Esse "não ser" o outro e "não ser sem" o outro é oconteúdo da relação opositiva ou negativa, ou seja, da mediação.
Torna-se claro então que o mediato é interno à mediação comoseu resultado, porque conserva em si o imediato, conservando a relação opositiva ou negativa que o liga a ele. Na ausência dessa relação o mediato não seria um resultado, mas um simples e abstratoimediato. Também o imediato está na mediação porque sua constituição de imediato resulta de sua relação opositiva ou negativa; empoucas palavras: o imediato é tal só porque resulta na união dosopostos. Isso mostra que os dois termos da mediação são necessariamente ligados e que é a necessidade de sua união que tira a contradição na qual se envolveriam, caso fossem considerados em si,separada e abstratamente. Nesse caso ambos seriam o negativo desi mesmos: portanto, nem imediato nem mediato.
Isso leva a considerar que o interesse essencial da mediação
84 Mito
reside no fato de que, no plano metafísico, ela é sinânimo de dialética,entendida esta em sentido ontológico, portanto, como método dametafísica. Com efeito, a mediação constitui a trama interior dametafísica: ela parte da semantização do ser como oposição absoluta ao não-ser ("os elementos primeiros e simples se tornam conhecidos mediante as negações": Suma teológica I, q. 10, a. 1, ad 1; q. 33,a. 4, ad 1), passa pela analogia do ente e chega à realização dametafísica como afirmação do Absoluto e como sua determinaçãoessencial através das três vias: afirmação-negação-eminência. Amediação, na forma da dialética hegeliana corretamente entendida,representa um refinamento que a metafísica clássica não pode ignorar.
--- Dialética; Oposição.
Mediato
--- Mediação.
Metafísica
--- cap. Palavras condutoras.
Mito
A metafísica se refere ao mito no sentido de que se separa dele.Em sua instituição histórica e teorética, a metafísica se põe comologos em contraposição ao mythos, ou seja, como manifestação daquilo que se mostra em sua totalidade inegável, na luminosidade naqual tudo aquilo que é se impõe, na impossibilidade de não ser. Issoem oposição ao mito, que é um claro-escuro no qual tudo que semostra traz consigo a possibilidade de não ser como se mostra, ouaté de não ser. O conteúdo do logos é o kosmos como totalidadeunificada, como ordem e determinatez de relações; o conteúdo domythos é o chaos como totalidade em movimento, como mistura confusa e desmedida, como desordem indistinta. De fato, o mito é um
Monismo 85
saber verossímil e opinativo, mutável e incerto, o qual assume, depreferência, a forma de narração alusiva. Como o chaos se agitadesordenadamente, muda seu aspecto e se transforma em seu conjunto instável, assim o mito é uma narração em devir, à qual sobrevêm elementos e acontecimentos desconhecidos e imprevisíveis. Eladeixa fora de si dimensões que com seu sobrevir poderiam desmenti-lo e contradizê-lo; é uma narração destituída de firmeza, ou seja,destituída daquele estar na inegável luz da verdade que se manifesta no logos.
---> Logos; Verdade.
Modo
Em geral modo equivale a determinação do ser e, por isso, serefere ao ente. O modo se explicita como grau de entidade, espécie,categoria; substãncia e acidente são as duas categorias supremasdo ente e os dois modos supremos: o ser em si e o ser em outro. A elesse acrescentam o ato e a potência e, em geral, as categorias nasquais se determina o ser de um ente. Modo dá, pois, o significado deente como ser determinado assim ou assim.
---> Categoria; Determinação.
Monismo
O termo monismo designa aquela metafísica que, partindo daafirmação de que o ser como ser é uno, ou seja, de que o ser nega asua negação, reduzindo-a a uma autonegação, traduz a unidade doser na unicidade: há só um ser. Segue que a multiplicidade não épossível ou é possível só como variação do único ser. Há tantos tiposde monismo quantos são os modos de compreender o ser: monismomaterialista, espiritualista, idealista, substancialista, historicistae assim por diante. O monismo se opõe ao pluralismo e ao dualismo,ao passo que, quando entende o único ser como Deus, identifica-secom o panteísmo em todas as suas formas.
---> Analogia; Absoluto.
86
Movimento
~ Devir.
Mudança
~ Devir.
Multiplicidade
~ Determinação; Diferença.
Mundo
~ Cosmologia; Totalidade.
Mundo
N
Nada
Nada significa tanto o não-ser quanto o não-ente. A origemteorética da metafísica, com Parmênides, como abertura da totalidade do ser, coincide com o aparecimento do nada como negaçãoabsoluta do ser em sua totalidade, portanto, como absolutamenteoutro em relação ao ser e oposto a ele de maneira tal que não só nãoé, mas também não pode ser nem sequer pensado e expresso. Essaoposição, absolutizada tão rigidamente, não permite tratar a multiplicidade e o devir, nos quais se mostra certa negatividade, certonão-ser. Platão, no Sofista, justifica a admissão desse certo não-sercom a distinção entre não-ser absoluto e não-ser relativo, isto é, coma distinção entre contrariedade e contradição (256d-259a). Essa aquisição está na base de toda a metafísica posterior: se a metafísica écompreensão do ser, seu desenvolvimento teorético e histórico dacompreensão do ser é igualmente desenvolvimento da compreensãodo nada, uma vez que o significado do nada é relativo ao ser, justamente porque é oposto a ele.
Ora, precisamente essa relação dá origem a uma aporia metafísicarecorrente: já que o nada é a negação absoluta da totalidade do ser, asua compreensão requer a compreensão do ser; mas, inversamente, acompreensão do ser postula a compreensão do nada, sem a qual ametafísica não poderia formular o princípio de todos os princípios, ode não-contradição, o qual estabelece a oposição do ser ao não-ser,negando de modo absoluto sua identidade. O sentido preciso da aporiarepousa no fato de que o pensamento pensa o nada como alguma coisa, ontologiza-o e, portanto, faz dele um ser positivo. O absurdo desse
88 Natureza
comportamento, que faz do nada, da negação absoluta do ser, o sero quê equivale a fazer do ser o nada - em aberta violação do princípiode não-contradição, tem explicação no fato de que a oposição absolutaentre ser e nada não se mantém firme, e de que não se vê que o significado do nada não é pensável senão nessa oposição: ela constitui opositivo que é pensado quando se compreende o nada como relativoao ser. Oposição absoluta é o mesmo que negação da negação, que éjustamente o nada: não se pensa o nada, mas se pensa o ser comoaquela totalidade do positivo que torna o nada absolutamente impossível. Oposição absoluta significa que o nada não constitui uma oposição, porque esta é superada pela posição originária do ser: justamente porque o ser é ser, e é só e totalmente ser, o nada não é e não podeser, de modo que pensar o nada ou o não-ser é positivamente pensar oser em sua exaustividade e em sua totalidade.
Nessa base se abre o acesso à compreensão da função que apresença do nada desempenha nas diversas filosofias: na de Hegel,que distingue a contradição impossível entre o nada como negaçãoda totalidade do ser e o nada determinado, que é pensável só nasuposição daquela totalidade; e na de Heidegger, que, mesmo identificando o puro ser e o puro nada, e mesmo conferindo ao nada do sera tarefa de nulificar, ou seja, de deixar o ente ser, de modo que "noser do ente se dá o nulificar do nada", conserva a diferença entrenada absoluto e nada determinado.
-+ Contradição; Elenchos; Negação; Oposição.
Natureza
A palavra latina natura, "natureza" (de nascor, vir ao ser porgeração), traduz a palavra gregaphysis (que provém dephyo, "gero").Se se considera que os primeiros filósofos, incluido Parmênides, denominaram "Em torno da natureza" (peri physeos) sua pesquisametafísica em torno do ser, deve-se reconhecer que physis-naturezaé a palavra com a qual se indica o ser em seu significado mais amplo. Por natureza entende-se o fundo comum e inexaurível do qualprovêm, do que são constituídos, sobre o qual estão e ao qual retornamtodos os entes: a natureza se torna presente tornando os entes presentes, pondo-os na presença. Esse fundo é o ser como presencia-
Necessidade 89
lidade; por ela se manifesta tudo aquilo que está na presença; apresencialidade contém, envolvendo-a, a totalidade das coisas presentes, as quais são o que são enquanto estão e se mantêm nessapresença. Ora, essa presença é manifestação que se põe e se impõeem sua inegabilidade: ela é o ser como tal.
Mas, já com Platão e principalmente com Aristóteles, o significado de natureza foi restringido, passando a indicar uma dimensão- a sensível, física ou empírica no sentido moderno - do ser emrelação a outra. Em geral, natureza e natural são respectivamenteo substantivo e o adjetivo com os quais são denotados os entes quecaem no âmbito da experiência sensível, os quais são constituídosde matéria/potência e de forma/ato e que, mais geralmente, estãosujeitos ao movimento. Disso nasceram as contraposições nas quaiso ser se divide: sensível e supra-sensível, móvel e imóvel, natureza eespírito, natureza e história, natureza e sobrenatureza etc. Essascontraposições se configuram, intensificando-se ou atenuando-se, deacordo com as concepções de natureza de uma dada época: mecanicismo, vitalismo, finalismo, idealismo, evolucionismo etc., e segundo o lugar que a natureza passa a ocupar na totalidade do ser.
Em sentido mais restrito, natureza indica a determinação quedefine um ente: natureza como essência. Fazendo ressoar o significado originário, essa determinação consiste, desde Aristóteles, noprincípio intrínseco do movimento, isto é, do desenvolvimento, darealização e do modo unitário de agir e de comportar-se de um ente.Nesse sentido natureza se opõe a técnica ou arte, ou seja, ao enteproduzido pela técnica ou pela arte e que se chama artificia!. Esseúltimo ente, mesmo pertencendo à dimensão da natureza sensível,se diferencia do ente natural pela ausência do princípio imanentedo movimento, do desenvolvimento e da ação. Obviamente na história da filosofia também essa determinação passou por variações deacordo com a concepção de natureza em gera!.
Necessidade
A oposição absoluta do ser ao não-ser define a necessidade doser: o ser necessariamente é ser; o ser é necessidade de ser. A essanecessidade se opõe, com o mesmo vigor do não-ser, a possibilidade
90 Negação
do ser ou o ser como possibilidade, enquanto a possibilidade qualifica o ser como não oposto ao não-ser: o ser pode não ser. Nesse sentido, a necessidade está em oposição contraditória com a possibilidade. A mesma oposição contraditória se apresenta entre a necessidadee a impossibilidade: a impossibilidade de que o ser seja equivale ànecessidade de que não seja, de modo que a necessidade do ser seidentifica com a necessidade de não ser. Conseqüentemente a necessidade metafísica significa a necessidade de contradição do contraditório, de sua autonegação: a necessidade do ser é a necessidadede que o não-ser não seja. Todas as outras formas de necessidade(relativa ou condicionada, no plano físico ou natural e no moral,lógica, subjetiva ou objetiva) se dispõem no plano da determinaçãoou da essência e se conformam a ele como modalidades.
Negação
Em oposição a afirmação, que é posição que o ser faz de si, negação significa a negação que o não-ser faz de si. Mas esse significado é contraditório, porque o ser não é nem faz nenhuma negação.Segue-se que a negação é afirmação do ser, o qual, como tal, põe anegação daquela negação e do seu conteúdo. Portanto, a negação, noplano absoluto do ser, é autonegação como a negatividade do nãoser é autonegatividade. O sentido dessa autonegação e dessaautonegatividade esclarece o fato de que a negação é afirmação doser. Também a negação é posição, niio que negar seja afirmar ou pôr,ou que o negativo seja positivo, mas porque a negação é posta comonegação que se nega, como não-ser que não é; portanto, a negação éposição por causa do significado positivo da negação da negação oude não ser do não-ser.
No plano do ente, a negação - afirmação do não-ser - temcaráter determinado e equivale precisamente a determinação. Aquia negação se configura como o "não" que se interpõe entre um entedeterminado e todo outro ente determinado e que se resolve simplesmente na posição - na afirmação - do ser determinado de todooutro ente. Isso põe em relevo o fato de que, caso seja feita, em relação a um ente determinado, uma negação que entenda o ente comonão-ente, a negação absoluta retoma vigor como autonegação. Mas
Niilismo 91
segue-se disso que também a negação determinada, por constituir adeterminatez do ente, é negatividade no sentido do não-ser relativo,o qual é seu ser determinado em relação tanto ao ser quanto a todooutro ser determinado ou ente.
Retomando a distinção platónica fundamental entre o não-sercomo o contraditório do ser e o não-ser como o contrário do ser, outroe diverso do ser, Hegel acertou no alvo quando indicou na dialética oaspecto especulativo no qual uma determinação tomada em si, separada e isolada de sua relação com as outras determinações - ouseja, uma determinação que nega absolutamente as outras determinações e não se põe como negação relativa - se torna contraditória porque identifica seu não-ser determinado com o ser, e sua relatividade com a absolutez, e nesse sentido se nega e se anula.
--> Elenchos; Positivo; Verdade.
Negativo
--> Positivo.
Niilismo
Do niilismo se fala com certa ênfase, especialmente a partir deNietzsche. Fala-se em termos diferenciados: tomam o nome deniilismo movimentos, tendências e correntes que dizem respeito aaspectos religiosos, filosóficos, morais, políticos, artísticos etc. Masem todas essas configurações seu significado é parcial, porque é declarada nada e negada - na forma de crítica, de suspeita, de denúncia, de resistência, de reação, de revolta, de revolução - umadimensão da realidade, mantendo-se, entretanto, a dimensão restante, a qual, em relação à falsidade ou à inautenticidade da que énegada, é a dimensão verdadeira, autêntica. Também em Nietzschee em Heidegger, nos quais o niilismo aparece não episódica mas centralmente, na forma de identificação entre niilismo e metafísica,permanecem firmes algumas realidades. Em Nietzsche a vontadede poder, o eterno retorno, o super-homem; em Heidegger, depois dofim da filosofia, a tarefa do pensamento; depois da superação da
92 Niilismo
metafísica, a Verwindung, ou seja, "a retomada-distorsão-aceitaçãoresignada da metafísica e do niilismo" eG. Vattimo).
O niilismo no sentido verdadeiro e próprio - o metafísico supõe a plausibilidade da proposição: o ser é o não-ser; o ente é onão-ente, o nada. Ou da enunciação da primeira tese da obra deGórgias, Em torno do não-ser: "Nada existe". Mas Parmênides jáestabelecera as duas vias: a senda do dia, na qual brilha a luz do sere da verdade, e a senda da noite, na qual domina a escuridão donada e do erro. A primeira é a única via a percorrer; a segunda éimpraticável, porque o não-ser não é. A impraticabilidade da via donão-ser é a impraticabilidade do niilismo, entendido radicalmente.Na realidade, quanto a isso, reapresenta-se a situação da instituição do elenchos: a contradição é absolutamente impossível, mas ohomem se contradiz. Esse fato mostra que é possível violar o princípio de não-contradição, a saber, quando são enunciadas duas proposições contraditórias entre si, e a contradição delas não aparece enão é vista claramente, e quem as enuncia está convencido de queelas não são contraditórias. Por outro lado, é impossível contradizer-se: a contradição é impossível também para o pensamento, ouseja, é impossível enunciar duas proposições contraditórias quandoelas aparecem e são vistas claramente como contraditórias, e quando há a convicção de que sua enunciação incorre em contradição.
Assim, no tocante ao niilismo, com exceção de seu significadoparcial, deve-se dizer que ele é uma contradição que não aparece enão se mostra como tal, ao contrário, é dominante a convicção - acrença - de que ele seja a própria evidência. Desse modo o niilismoconstitui um fundo impensado, não expresso, que determina também aquela dimensão que a persuasão e a convicção - novamente acrença - mantêm firme como salva e não tocada pelo niilismo. Então, se a contradição real do niilismo é a identificação do ser com onão-ser, do ente com o nada, e se tal contradição é impossível comotal, porque se auto-suprime, verificar-se-á niilismo sempre que seenunciarem teses que aparentemente não são contraditórias, mastrazem em si o germe do niilismo, porque podem ser sustentadas sósobre a base pressuposta e nunca explicitamente reconhecida daquela contradição. Em outras palavras, se a verdade é o ser que semostra na luz da necessidade de ser e da impossibilidade de não ser,atualiza-se uma enunciação niilista todas as vezes que o conteúdo
Niilismo 93
de uma afirmação é esvaziado de sua necessidade de ser e da impossibilidade de não ser. Uma verdade não absoluta que pode ser diferente do que é, que pode valer num momento e perder o valor nomomento seguinte, é uma verdade entendida niilisticamente, masafirmada só enquanto não se tem advertência de sua contradição.
Em conclusão: a metafísica é vitoriosa sobre o niilismo porquese apóia no princípio firmíssimo que exprime a incontraditoriedadedo ser, sua necessidade de ser e sua impossibilidade de não ser. Seuma metafísica volta as costas a esse princípio e se despede dele, éniilismo, não só porque proclama a morte de Deus, mas também, eradicalmente, porque essa proclamação é o resultado da negação doprincípio, antes, é uma coisa só com ela. Essa estrutura pode darorigem a situações inversas, ou seja, a metafísicas que põem a afirmação de Deus em bases niilistas, como também a metafísicas ou afilosofias que denunciam o niilismo, mesmo sendo elas mesmasniilistas.
- Contradição.
o
Ocasião
~ Causa.
Ôntico
~ Ontologia.
Ontologia
Esse termo foi cunhado no século XVII (quase contemporaneamente ao de philosophia entis ["filosofia do ente"] e deontosophia ["sabedoria do ente"]). Segundo sua composição, de derivação grega, ontologia significa doutrina ou discurso sobre o ente.Erroneamente ela foi identificada com a filosofia primeira deAristóteles; na realidade, ela corresponde só à primeira parte dela,isto é, à doutrina do ente como tal, e não à metafísica em sua totalidade. De fato, o campo da ontologia é o da metafísica geral, que nãocontempla, embora seja preparatória para ela, a metafísica especial: cosmologia, psicologia racional, teologia racional.
Indo mais a fundo na análise do significado grego, devemos colher na ontologia o nexo entre o ente e o logos (o espírito). Segue-sedisso que o logos é o lugar da manifestação do ente como tal e, portanto, no seu ser: a intimidade entre ser e logos leva a fazer o grau deentidade de um ente corresponder ao grau de espiritualidade ou de
Ontológico (argumento) 95
logicidade. Conseqüentemente ontológico é o termo que indica o sercomo tal em sua coincidência com a verdade, uma vez que esta é o serem seu logos. Ao passo que ôntico é o termo que designa o ente comouma determinação do ser e do seu logos, isto é, o ente em sua diferença do ser. Liga-se a essa compreensão a fórmula "onto-teo-Iogia", naqual insiste Heidegger. Ela sublinha o fato de que a ontologia se limitou a pensar o ente também quando, como metafísica, se elevou àafirmação do ente supremo (Deus). Assim ela esqueceu o ser e suadiferença do ente, também do ente supremo, o qual, mesmo que pensado como Ser absoluto ou Ipsum Esse Subsistens (o "Próprio SerSubsistente"), é sempre entificado. A ontologia fundamental queHeidegger propõe é a radicalização da pergunta sobre a verdade doser como abertura ou "clareira" (Lichtung), em cuja insistência o homem - o ente ontológico por excelência - exprime sua destinaçãoconstitutiva. A legitimidade dessa proposta está toda na instância deum repensamento do ontológico no sentido do ser em seu logos, e nãona direção que o afaste dele, tornando o ser alógico e deveniencial. Énessa instância que está o sentido da diferença entre o ser e o ente.
Ontológico (argumento)
Kant definiu com esse termo a prova a priori da existência deDeus, a qual, proposta pela primeira vez por santo Anselmo, foi retomada por Descartes, Malebranche, Leibniz, Wolf e Hegel. Mais queno caráter a priori, isto é, independente da experiência e do recursoao conceito de causa, o caráter falho do argumento é visto por Kantno fato de ser ele ontológico, isto é, no fato de passar da idéia de serperfeitíssimo para a dedução da existência. Essa dedução deve serrejeitada porque o ser ou a existência não é um predicado real e porisso não pode ser deduzido da idéia. Além disso, a existência é umacategoria que funciona só em relação ao âmbito da experiência edentro dele; assim deduzir a existência do conceito de existência seresolve numa proposição analítica cognitivamente vazia. Se se quisesse fazê-la valer como proposição sintética a priori, cair-se-ia naexperiência e assim se poria o sujeito (Deus) no plano dos entes condicionados, negando-lhe seu caráter de ser perfeitíssimo e incondicionado.
96 Ontologismo
No fundo dessa crítica kantiana está seu gnosiologismo: o pensamento não atinge o ser; o ser é estranho ao pensamento. Essegnosiologismo, que é responsável pela negação da metafísica, nãopermite equiparar a crítica kantíana à de Gaunilão e à de santoTomás, nem considerá-la válida contra a prova anselmiana, umavez que esta não é ontológica, porque não implica nenhuma deduçãoda existência de Deus a partir da idéia de Deus. Por outro lado, elaé coerente com a posição gnosiológica do racionalismo, para o qualvale a tese de que a essência de toda coisa finita é tal que não implica a existência e de que assim a negação de sua existência não implica contradição; isso não vale relativamente à essência do Serperfeitíssimo, a qual, sem contradição, não pode ser pensada comonão existente. Conseqüentemente, pensar o Ser perfeitíssimo, ter oconceito dele, equivale a pensar sua existência; mas trata-se precisamente de uma existência pensada, do conceito de existência comoconstitutivo pensado do ser do Ser perfeitíssimo. A crítica de Kantsalienta só o fato de que, no argumento ontológico assim entendido,a existência da qual se fala é a existência como conceito possível,não a existência como conteúdo no contexto da experiência empírica,o qual é acrescentado sinteticamente, de fora, ao conceito possível."Deus existe" é, pois, uma proposição analítica, não uma proposiçãosintética baseada na experiência. A superação do gnosiologismo permite a Hegel a retomada do argumento ontológico, não na formacriticada por Kant, mas na forma do pensamento que está em identidade mediata com o ser e ao qual o ser não é estranho, mas íntimoeco-extenso.
Ontologismo
Se, do ser como primeira imediaticidade fenomenológica e lógica primum et per se notissimum ("primeiro e por si conhecidíssimo"),passarmos sem mediação demonstrativa para Deus, teremos a posição ontologista, segundo a qual o ser de Deus é o primeiro lógico e oprimeiro ontológico. Deus é conhecido imediata e intuitivamentecomo a origem de todos os outros conhecimentos e posto com fundamento de todos os outros entes ou existentes. Essa intuição imediata de Deus é distinguida da visão beatífica porque se afirma que o
Ontoteologia 97
ser de Deus é conhecido como exemplar originário (Malebranche) oucomo atividade criante (Gioberti).Ela se distingue também dopanteísmo porque nas duas posições mencionadas a intuição temum caráter de passividade, pelo qual se diferencia do Absoluto comofinita. O defeito do ontologismo consiste na equivalência posta entre o primeiro conhecimento do ser e o conhecimento do Absoluto,ainda que se sublinhe o fato de que a intuição de Deus, por seucaráter fulgurante, requer uma reflexão fatigante e elaborada paratornar-se conhecimento temático.
-+ Absoluto; Criação.
Ontoteologia
Termo cunhado por Kant, mas usado comumente a partir dainsistência com a qual Heidegger qualificou desse modo a metafísicacomo história do ser. Propondo-se a pergunta: "Como entra (o) Deusna filosofia?", tomam-se em exame dois aspectos da metafísica,unidos por um postulado comum: o ser é fundamento. Para essaexigência de fundamento convergem tanto a ontologia como discurso no qual o ser é entendido com fundamento e justificação doente, quanto a teologia como discurso sobre o Ser supremo ou causa sui ("causa de si"), que é entendido como o fundamento e a justificação do mundo. Realiza-se assim tanto uma ontologização dateologia, no sentido de que Deus como princípio e fundamento nãoé o Deus da religião, ou seja, da adoração, da oração e do culto;quanto uma teologização da ontologia, no sentido de que o ser éidentificado com Deus. Essas duas realizações são o resultado erróneo do esquecimento do ser como diferença. Em suma, a qualificação da metafísica como ontoteologia representa a desconstruçãomais radical da metafísica e com isso sua superação: a verdade doser se configura agora só como pensamento interrogante. Essa superação é gratuita, porque transfere para o ser como diferença amesma estrutura das duas realizações criticadas, isto é, a daontologização da teologia e a da teologização da ontologia; e também porque é sustentada por uma atitude problematicista, que seexprime na infinita interrogação e termina extenuando a própriaverdade do ser.
98
Oposição
Oposição
Ela tem o significado de negação e, mais precisamente, de relação negativa: há oposição quando entre dois termos se estabeleceuma relação tal que um nega o outro, e também o exclui e o repele.A função da negação é, pois, essencial à oposição; e devem ser reconhecidas tantas formas de oposição quantas são as formas de negação. Metafisicamente, a negação absoluta é dada pelo não-ser. Comonegação absoluta, o não-ser nega absolutamente o ser, estabelecendo com ele uma relação de oposição contraditória. A singularidadedessa oposição consiste no fato de que o não-ser, justamente comonegação absoluta do ser e para pôr-se como tal, se autonega, se autoexclui e se auto-repele, confirmando o impor-se do ser como termoúnico e incontrastado. De modo que, essencialmente, a contraditoriedade é aquela oposição na qual a relação negativa recai no termonegativo - o não ser - e o anula; a negação do não-ser é, pois, autonegação e auto-supressão, e dá origem à pura e absoluta afirmaçãodo ser: só o ser é e não pode não ser, ao passo que o não-ser não é enão pode ser.
Dessa oposição infinita se conclui que todo tipo de contradiçãose configura como posição de um termo que nega e exclui a posiçãode seu oposto, isto é, que a posição de A nega a posição de NA; arelação negativa de contradição deixa subsistir só o termo positivo.Uma vez que considera o ser como tal em sua absoluta oposição aonão-ser, a contradição deve ser chamada oposição transcendental ouontológica. Em depedência e derivadamente dessa oposição, articulam-se as outras formas de oposição, as quais se dispõem com maiorou menor intensidade conforme a maior ou menor presença ou participação da oposição de contradição. O que caracteriza essas formas é o fato geral de que sob os dois termos está um sujeito ou umsubstrato comum, sobre o qual se dá a oposição. Trata-se, por isso,de oposições ônticas, isto é, tais que dizem respeito ao ente em suadeterminação, portanto, de oposições determinadas, ou melhor, deoposições por determinação.
A mais intensa nesse ãmbito é a oposição entre a posse de umatributo e sua privação, por exemplo, a vista e a cegueira. A privação exerce a função de negação total, mas determinada, isto é, denão-ser do ser da posse em um ente que é. A relação negativa é total,
Oposição 99
porque a presença de um dos dois termos comporta a exclusão e aausência do outro, e entre os dois não é admitida diretamente umarealidade intermédia; mas é determinada enquanto é relativa aooutro e enquanto se dá em um ente.
Com relação a esta, a oposição de contrariedade é uma relaçãonegativa entre dois termos que formam uma diferença máxima, extrema, "perfeita", mas num único gênero comum, como o branco e onegro em relação à cor. A função do gênero comum é a de um elemento em relação ao qual se dão dois extremos maximamente diferentes; por isso ele pode ser representado também por uma espécie,por uma faculdade, por uma habilidade, por uma ciência e até pelopróprio sujeito. Além disso, os dois termos, mesmo em relação denegação, não só são dois positivos, mas também admitem entre sitermos intermediários igualmente positivos. Em última análise, todos os termos da alteridade são redutíveis à contrariedade. Isso significa que a dimensão da contrariedade é a dimensão da determinação ou do ser determinado como tal.
Enfim, a oposição de relação recíproca ou de correlatividade éaquela na qual os dois termos comportam uma rigorosa simultaneidade, de modo que um não pode estar nem ter significado sem ooutro, isto é, estão e caem juntos, por exemplo, pai-filho. O que écomum entre eles é o fundamento ou a razão de sua relação. E comopodem realizar-se em entes realmente diversos, podem também serrealmente idênticos e opor-se relativamente só em sentido ideal,pensado: também a identidade consigo é uma relação, mas uma relação de razão, pensada. Essa situação mostra a pequena entidadeda relação e explica por que ela é a menor oposição, a mais distanteda máxima.
À contrariedade e à relação se reduzem: a oposição de polaridade, cujos extremos configuram uma totalidade, como homem e mulher, que constituem a humanidade; e a oposição dinâmica, que Kantchamou de oposição real, a qual consiste no contraste entre duasforças de direção contrária aplicadas ao mesmo sujeito. Quando asforças são de intensidade igual, o resultado é nulo (por exemplo, orepouso); trata-se de contrários dinâmicos e simultâneos, isto é,correlativos. Um papel de primeira ordem desempenha a oposiçãona filosofia hegeliana, na qual ela adquire o caráter de imanência,no sentido de que a oposição é intrínseca aos dois termos e consti-
100 Origem
tutiva deles. Para ele, cada um dos opostos não só está em relaçãocom outro, mas também é o que é só nessa relação, motivo pelo qualele entra na constituição do outro e vice-versa: o outro é o seu outro;a oposição é uma correlação constitutiva. Esse caráter intrínseco ereciprocamente constitutivo explica porque Hegel leva em geral osopostos até a extrema intensidade da oposição, de modo a exasperaresta na contradição. Com essa caracterização, Hegel mostra, a seumodo, o significado profundo da oposição na metafísica clássica(Aristóteles, santo 'Ibmásl: todos os contrários e todos os opostos sereduzem à oposição entre ser e não-ser, e são uma realização dela,diminuída e derivada.
--+ Antinomia; Contradição; Dialética; Diferença.
Ordem
--+ Totalidade.
Origem
--+ Fundamento.
p
Palavra
A determinação do significado metafísico da palavra abrangeum campo de temas referentes à relação que a metafísica instauracom a linguagem, com a análise lingüística, com a interpretação ecom a hermenêutica. Essa determinação aparece no ato teoréticono qual a metafísica se institui (Parmênides, Heráclito), configurando-se como círculo de identidade e diferença entre ser, pensar edizer, ou entre ser, pensamento e linguagem, ou ainda entre realidade, verdade e palavra. Como se trata de círculo, nota-se que aidentidade, junto com a diferença, se dispõe tanto no sentido dacirculação, a qual, partindo de um dos aspectos, avança para osoutros, quanto no sentido de que cada aspecto é tal identidade, ouseja, contém em si a identidade dos outros aspectos e com os outros aspectos. Assim se mostra que o ser se ilumina, e que essa iluminação é o pensamento; a iluminação do pensamento é a luminosidade do dizer, da palavra, da linguagem. Ou também: o serilumina o pensamento, e o pensamento é o pensar-se, a intelecçãodo ser. De modo que não há ser sem sua iluminação, que é o pensamento, e não há pensamento sem que a iluminação do ser resplandeça até na manifestação da palavra: a luz do ser, que é o pensamento, é o esplendor da palavra.
É claro que essas considerações são plausíveis no plano datranscendentalidade em absoluto, que é a transcendentalidade doser; para ela convergem a transcendentalidade do pensamento e ada linguagem. O ser como tal é o "é" de tudo o que é; mas, ao mesmotempo, é a abertura e a manifestação originárias de tudo o que é, a
102 Pan-enteísmo
própria fenomenalidade, isto é, o próprio pensamento. Além dis o,ele é a forma na qual tudo o que é vem à palavra e à linguagem enquanto forma universal de seu manifestar-se; portanto, (o ser) é oser daquilo que é, o ser do pensamento e o ser da palavra. Nesse plano vigora a estrutura identidade/diferença, a qual explica por que aidentidade não deve ser considerada como pura e simples identidade, mas em conexão essencial com a diferença e explica, portanto,por que se trata do diferenciar-se transcendental da identidade e,em última análise, do ser.
No plano ôntico ou categorial, verifica-se a mesma situação quese encontra na consideração da verdade. Isto é, verifica-se uma situação de alteridade, a qual comporta não só uma distinção, mastambém uma separação entre um ente pensante e um ente pensável,e correspondentemente entre um ente falante e um ente do qual esobre o qual se fala. Nessa situação está presente um estado depotencialidade, da qual depende a própria alteridade. Mas no ato noqual o ente pensante pensa atualmente o ente pensável, que se torna então atualmente pensado, e correspondentemente no ato no qualo ente falante fala atualmente do ente ou sobre o ente, o qual enquanto conteúdo é atualmente falado, realiza-se a atualização dacircularidade transcendental, ou seja, a estrutura da identidade eda diferença entre ser, pensamento e palavra.
Daqui se vê que as posições nas quais se sustenta a auto-referência da linguagem - a linguagem se refere só a si mesma - ou sepretende generalizar e absolutizar a hermenêutica e a interpretação ao ponto de fazer delas a dimensão constitutiva da realidadefala-se então de ontologia hermenêutica ou interpretativa ou lingüística - são posições nas quais se fixa rígida e injustificadamentea alteridade intransponível entre o ser e o pensamento e entre opensamento e a linguagem, ou então se decreta a resolução do serno pensamento e de modo definitivo na linguagem: o ser é a linguagem.
- Verdade.
Pan-enteísmo
- Panteísmo.
Panteísmo
Panteísmo
103
Chama-se panteísmo (pán, théos) aquele monismo para o qualo único ser é Deus. Em termos metafísicos, há panteísmo quando atotalidade do ser que aparece - o mundo - é identificada ou nãodistinta ou insuficientemente distinta da Totalidade absoluta do ser- do Absoluto. O mundo e o Absoluto constituem uma unidade essencial, na qual a diferença, a multiplicidade e o devir dos entesfinitos são resolvidos no Absoluto como uma parte, uma determinação, um modo dele, como um aspecto de seu desenvolvimento etc.Essa resolução do finito no Absoluto - que não deve ser entendidacomo uma simples e exterior identificação da realidade mundanaem suas particularidades empíricas e acidentais como oAbsolutopode tomar a direção descendente como imanência do Absoluto nofinito, ou a direção ascendente como elevação do finito ao Absoluto.
No primeiro caso, o panteísmo se condensa na fórmula "Deus étudo", e então se trata de panteísmo cósmico, porque são o mundo, ahistória, a matéria e a natureza que constituem o conteúdo do Absoluto.
No segundo caso, o panteísmo tem sua expressão na fórmula maisusual: "tudo é Deus; todas as coisas são Deus", e se trata então de panteísmo acósmico. Pertence a esse tipo também opan-enteísmo, que seformula assim "tudo, todas as coisas estão em Deus"; neste caso, osentido é que o mundo se dissolve e se esfuma inteiramente no Absoluto como uma simples manifestação dele, como um fenômeno dele.
O problema do panteísmo consiste na ausência da relação decriação, ausência que se traduz na unidade essencial entre o mundoe o Absoluto. Essa unidade essencial comporta que a contradição domundo entre no Absoluto sem uma superação dele: o mundo se uneao Absoluto ou vice-versa de maneira tal que ou o finito continuafinito ou se anula como finito. Conseqüentemente, no primeiro caso,o Absoluto se imerge na contradição do finito; no segundo caso, acontradição do finito se transfere para o Absoluto, porque o finitosimplesmente se une ao Absoluto ou porque o Absoluto resulta dacontradição do anulamento do finito (por exemplo, no sentido noqual Hegel sustenta que a afirmação do Absoluto resulta da negação - da nulidade - do finito). De modo que a contradição não sónão é eliminada, mas também diz respeito ao próprio Absoluto.
104 Participação
Além disso, deve-se precisar que o panteísmo cósmico muitasvezes é definido como ateu, mas impropriamente, uma vez que, àparte a dissonância terminológica, o panteísmo cósmico afirma oAbsoluto, ao passo que o ateísmo o nega. Pode-se aceitar essa definiçâo caso oAbsoluto afirmado nâo apresente os caracteres essenciaisao Absoluto, mas isso vale também para o panteísmo acósmico.
---+ Absoluto; Criação; Monismo.
Participação
Esse termo deriva do latim: partem capere ("tomar parte"). Masa problemática nasceu com Platão, em relação ao conceito do outro(diferente) do ser ou do outro do ser. Tratava-se de determinar arelação entre o ser e seu outro, não como não-ser contraditório, mascomo ser relativo, como contrário. Platão forneceu ao menos quatrofórmulas: metéxis, mímesis, koinonía, parusía ("participação", "imitação", "comunhão", "presença"). O desenvolvimento do conceito sedeu no neoplatonismo e, através de santo Agostinho, atingiu suaformulação clássica em santo Tomás, que o sintetizou na doutrinaaristotélica do ato e da potência e, englobando nele a noção de causalidade eficiente e exemplar, elevou-o a expressão essencial da relação criacional.
O universo metafísico que resulta disso se configura concretamente como relação entre o Ser por essência e o ente por participação. O Ser por essência é a plenitude fontal de todo o ser e, enquantoabsoluto e infinito, contém em si todas as perfeições e determinações, de forma unida e eminente. O Ser por essência participa, istoé, cria, faz derivar e depender de si o ente finito, a criatura. Esse é oente por participação, enquanto, segundo a eficiência, é absolutadependência e derivação no ser, e segundo a exemplaridade, é dependência e derivação gradual, limitada, determinada. Essagradualidade, limitação e determinação constituem a essência, aforma, o modo e a medida do ser que participa. Por isso o ente porparticipação é o ente constituído pelo ser (linha da eficiência) e pelaessência (linha da exemplaridade): o ser é o ato de ser, e a essênciaé a potência em relação ao ato de ser. Mas o ente é inteiramente porparticipação enquanto entre o ato de ser e a essência subsiste uma
Perfeição 105
correspondência perfeita: o ser é o ser próprio de determinada essência, e a essência é a essência própria, ou seja, a determinaçãoprópria daquele ser. Essa síntese é o ente por participação. Da participação deve-se, pois, falar sob dois aspectos: o primeiro se refere àrelação de criação, de derivação e de dependência do ente relativamente ao Ser por essência; o segundo estabelece o significado doente por participação, pondo em ato a referência ao Ser por essência. Segue que o Ser por essência significa o Ser cuja essência oudeterminação é o próprio ser absoluto, e que o ente por participaçãosignifica o ser cuja essência ou determinação é a participação noSer.
Nesse segundo significado, torna-se clara a identidade entreparticipação e essência ou determinação. Essa clareza exige que seelimine do conceito de participação a representação de um ente oude uma essência pressupostos ao ato de participar e, portanto, taisque recebam o ato de ser do Ser por essência. O ente enquanto serdeterminado é participante no mesmo sentido no qual é determinado: a sua participação no ser é a sua determinação ou essência. Damesma clareza segue ainda que o verbo "participar" deve ser entendido em sentido intransitivo, equivalente a "determinar-se" do serno ente no tocante tanto à sua essência quanto à sua atualidade.
-> Analogia; Criação; Determinação.
Pensamento
-> Evidência; Verdade.
Perfeição
Perfeição indica totalidade, completude, plenitude, realização;diz-se que uma realidade é perfeita quando seu conteúdo é extensiva e intensivamente realizado ao ponto de ser ela exaustiva, total.Existe, pois, a perfeição em si e por si ou perfeição absoluta (a brancura, a bondade). Mas a perfeição pode apresentar-se em forma determinada, limitada e condicionada por uma medida ou por um grau;então a perfeição é relativa ou participada: uma coisa branca, boa
106 Permanência
etc. Também neste caso, a perfeição é total, mas limitada à medidaou ao grau da coisa; quando essa medida ou esse grau não têm suatotalidade há imperfeição.
Ao lado dessa distinção deve-se pôr a que existe entre perfeiçãotranscendental e perfeição categorial, distinção essa que se baseia narelação da perfeição com o ser. O primeiro tipo se refere àquelas perfeições que são co-extensivas ao ser enquanto tal, que são absolutascomo o ser e que constituem sua explicitação expressiva e esclarecedora: elas correspondem às propriedades transcendentais do ser.O segundo tipo compreende as perfeições que são propriamente determinações do ser e indicam as dimensões nas quais o ser se divide ese especifica, ou as categorias entendidas no sentido da diversificaçãodo ser, na qual uma perfeição exclui ou nega a outra. Consideradascomo perfeições, as perfeições categoriais se colocam no plano do atoou da forma, e se multiplicam tanto quanto se multiplica o ato ou aforma. Elas se distinguem em perfeições puras, cujo conteúdo nãoimplica em seu significado nenhuma limitação ou negação (intelecto), e em perfeições mistas, cujo conteúdo é constituído por um significado essencialmente limitado, atingido pela negação (sentido).
A distinção entre perfeições transcendentais e categoriais, porse estabelecer em relação ao ser, mostra que todas as perfeições sãoperfeições do ser e que o ser é a perfeição de todas as perfeições, nosentido de que é só em relação ao ser em absoluto que se pode falarde totalidade, de completude, de plenitude e de realização.
~ Determinação; Limite.
Permanência
Permanência se define em oposição a devir ou a deveniência eem relação essencial à necessidade do ser e à sua impossibilidade denão ser: "per-manência" é "manência duradoura". E como, da partede todo ente, per-manecer equivale a manter o ser e a manter-se noser, o significado de permanência se alinha ao de bondade comoautoposse do ser. E como se dá uma permanência transcendental doser como tal, assim se dá uma permanência ôntica ou categorial doente na medida de seu ser. Se a permanência é descrita como tendência para permanecer ou para conservar o ser - toda coisa tende
Por si 107
a manter seu ser - isso significa que a tendência deve ser entendida no sentido da oposição do ser ao não-ser.
---> Bondade; Devi!:
Pessoa
A célebre definição de pessoa dada por Boécio, "uma substãnciaindividual de natureza racional", aceita e reexpressa em formulaçõesigualmente célebres por santo Tomás, "um subsistente em uma natureza racional", ou "um inclividuo de natureza racional", fixa em três ordens os constitutivos da pessoa: subsistência, individualidade, racionalidade. O primeiro termo equivale a substancialidade, supósito,hipóstase, su-jeito ou, em geral, a ente por si. O segundo sublinha asingularidade, a identidade, aquilo que é expresso pela palavra "eu".O terceiro designa a consciência com suas funções de inteligência eliberdade, mas determinada de modo tal que é ao mesmo tempoautoconsciência e autoposse e, portanto, reflexividade circular, a qualtoma o nome de espírito. 'lUdo isso mostra que a pessoa é um ente porsi, cuja determinação essencial, tanto como ente quanto como por si, édada pela autoconsciência e pela autoposse como dimensõestranscendentais, nas quais o ser aparece como espírito ou, como atualmente é costume dizer, como subjetividade. Essa aparição é imediatamente o homem. Toda a problemática metafísica da pessoa consistena explicitação dessa determinação, ou seja, no desenvolvimento daestrutura da singularidade da consciência em sua relação essencialcom a reflexividade transcendental, na qual se dá a manifestação doser como tal.
---> Indivíduo; Em si e por si.
Pluralismo
---> Analogia; Monismo.
Por si
Por si, junto com ---> em si, é a ulterior determinação do enteque é a substância; ulterior, enquanto reforça o em si, excluindo eopondo-se tanto ao "em outro" quanto ao "por outro". E, nesse senti-
108 Positivo
do, completa o conceito de substância, introduzindo no ser os conceitos de consistência e de energia autônoma: a subsistência é em si epor si, "inseidade" e "perseidade". Referido à determinação como tal,o por si designa, ainda completando o em si, a exaustiva expansãoda perfeição tomada em exame em todo o seu conteúdo, excluindotoda limitação e exprimindo a capacidade intrínseca de sua forma.Assim, a beleza por si é a beleza subsistente, mas é também a expansão completa da beleza em virtude daquilo no que ela consiste.Nesse sentido, por si equivale a essencial em contraposição a acidental, ou a total em contraposição a parcial.
--> Em si e por si.
Positivo
É o oposto de negativo. Esse termo é de origem latina: positivus,que remete ao verbo ponere - "pôr" -; tendo-se presente que o particípio passado é positus ("posto"), pode-se ver que positivo está nalinha de "posto" em oposição a tirado ou, considerando-se o ato, nalinha de "posição" em oposição a tiramento. O significado metafísicoé tirado da consideração do ser como verdade: o ser é intelecção, istoé, auto-afirmação. Mas essa auto-afirmação é o ser em sua oposiçãoao não-ser, é, portanto, a posição do ser que consiste na negação danegação do não-ser, pela qual se tornam evidentes a unidade e apositividade do ser. Desse modo o ser é a positividade, a posição; onão-ser é a negatividade, o tiramento. Mas, em virtude da oposiçãodo ser ao não-ser, como o ser é autopositividade e autoposição, assim o não-ser é negatividade negada, tiramento tirado: autonegaçãoe autotiramento. Correspectivamente o ente como ser determinado,na medida de seu ser, é o positivo, o posto; o não-ente é o negativo, otirado. Mantidas a unidade e a verdade do ser e, determinadamente,do ente, vê-se que o positivo é, ao mesmo tempo, o que é afirmado,em oposição ao que é negado, e o que é, em oposição ao que não é: opositivo é o "é" afirmado; o negativo é o "é" negado. Ou seja, o pôr, aposição, o posto, a positividade e o positivo são sempre atualidadesdo pensamento nas quais o ser aparece: é a atualidade do aparecerdo ser. Correlativamente, o negativo, a negação, a negatividade sãosempre atualidades do pensamento nas quais o não-ser aparece na
Presença 109
positividade da negação da negação, do tiramento do tiramento; demodo que também a negatividade e o negativo, sob esse aspecto eem virtude da positividade da dupla negação, são uma posição e umpositivo. O ser e o ente que não são postos não são positivos: sãosimples pressupostos naturalistas; o mesmo vale para o não-ser e onão-ente. A metafísica é especulativa enquanto posição do pressuposto ou enquanto posição da negação da negação do não-ser.
--> Negação; Nada.
Possibilidade
De um ente se diz em geral que é possível enquanto é incontraditório, seja considerado como real, seja considerado comopensável. Nesse último sentido, entende-se que ele tem uma modalidade de ser distinta de sua atualidade. A possibilidade é, pois, umamodalidade do ser. Mas, atenção: dizendo-se que ela é uma modalidade, não se faz referência ao não-ser do ser, nem à sua contingência: um possível não é nada, nem implica que possa não ser possível:ele é o ente cuja determinação é a possibilidade. Por conseqüência, apossibilidade se aproxima do ser em potência em relação ao ser emato, ao passo que não tem nada com a noção de contingência, queimplica para o ser a possibilidade de não ser.
--> Necessidade.
Potência
--> Ato; Devir; Privação.
Presença
Metafisicamente é necessário distinguir entre o "presente", ouseja, aquilo que está presente, que equivale a alguma coisa que estána presença, e a "presença", na qual e pela qual alguma coisa estápresente. Essa distinção é paralela e equivalente à que existe entreente e ser.
110 Presença
o primeiro significado, se diz presente aquilo que está diante(= do latim,prae-sum Iprae-sens, particípio presente; ele correspondeao grego pãreimi Iparón, donde o termo praesentia-parusía). Esse"estar diante" lembra e remete a outro ente presente: estar presente significa estar presente a um ente. Obviamente se supõe que oente ao qual o outro ente está presente tenha em si a capacidade deatualizar essa presença. Essa capacidade é vista na faculdadecognitiva: é ela que torna o ente presente.
Desenvolvida em suas implicações até a máxima conseqüencialidade, essa concepção da presença conduz à relação gnosiológica,na qual o sujeito é o atol' da presença, e o ente que é tornado presente é o objeto. Um ente está presente enquanto é tornado, feito presente; em outras palavras, quando é conhecido, entendido, julgado,afirmado e, em última análise, objetivado. Obtém-se assim a equivalência entre presença e certeza: o ser presente de um ente é seuser certo na faculdade e pela faculdade cognitiva, ou seja, seu ser naconsciência. Mas essa concepção deixa de considerar que também osujeito presentificante - que se mostra, portanto, como representante, o que leva a se fazer a presença coincidir com a representação- deve, por sua vez, estar presente. Isto é, a certeza deve afirmarse como autocerteza, a consciência como autoconsciência.
Esse estado de coisas conduz diretamente ao conceito de sujeitotranscendental ou de eu transcendental. Esse resultado desenvolve, porém, só o lado subjetivo da certeza ou da consciência e desemboca no transcendentalismo kantiano ou idealista. Todavia impõese por si a superação dessa unilateralidade subjetiva, superação queconsiste na identificação da transcendentalidade com a transcendentalidade do ser, e que tem como conseqüência a concepção dapresença transcendental do ser: o ser é a presença absoluta, na quale pela qual todo ente, mesmo o ente subjetivo, está presente. Obtém-se assim que a presença designa a presencialidade, a manifestatividade, a fenomenalidade, a aparição do ser; numa palavra, aevidência do ser ou a sua verdade.
Nesse plano da presencialidade transcendental do ser se revelaque a presença, como relação de um objeto a um sujeito ou do ente aopensamento, é superada naquela identidade na qual ser e pensamento são a mesma coisa: o ser como manifestatividade e o pensamento como manifestação, o ser como ser do pensamento e o pensamen-
Privação 111
to como pensamento do ser, verdade e certeza fundidas juntas noser. Nessa presença idêntica dispõem-se e se estabelecem todas asformas nas quais se distinguem verdade e certeza e também todasas relações entre um objeto e um sujeito.
A essa doutrina está ligada a imagem do ser como luz ouluminosidade, a qual está presente ao longo de todo o curso de filosofia. A acusação que Heidegger dirigiu à metafísica, de ter entendido o ente como "simples presença", é unilateral enquanto considerasó o aspecto gnosiológico subjetivo da questão e negligencia o aspecto essencial da presencialidade transcendental do ser. E quando critica a presença da "simples presença" como uma das dimensões temporais - a do presente -, sua atenção é dirigida para entender oente como envio do ser e, portanto, como ente "de vez em vez" presente na deveniencialidade do ser. Com esse desenvolvimento,Heidegger atinge a estrutura da presencialidade do ser, mas comuma transformação radical: a prensencialidade é deveniencialidade,o ser é evento, e o ente é aquilo no que o ser devém.
--> Ausência; Evidência.
Privação
É a condição de um ente em cuja determinação não está incluída outra determinação ou outras determinações: elas lhe faltam, ele está privado delas. Em sentido geral, privação significa simplesmente ausência. Da privação se distingue a potência. Ela é umaprivação ou ausência de alguma coisa em um ente, mas acrescentaa ele sua capacidade ou aspiração a ser aquilo que lhe falta. O enteem tal caso está em condição de alcançar a perfeição ausente, para aqual ele tem a potência ou a possibilidade, ou para a qual está empotência, se uma causa que tem a perfeição correspondente efetuara atualização. Um ente que não tem uma perfeição pode estar ounão estar em potência para sua aquisição. Enquanto não tem umaperfeição, a sua condição delimita a sua determinação: uma pedra édelimitada pela ausência de vida. Quando um ente que não temuma perfeição pode ou tem a capacidade de adquiri-la, se diz queestá em potência. Esse ser em potência é alguma coisa de positivo;por isso, deve-se dizer que ser "em potência" é uma atualidade, isto
112 Privação
é, uma perfeição que o ente "privado dela" não possui. Se a privaçãose estende até compreender a ausência daquilo que pertence à determinação do ente, tem-se o conceito de privação daquilo que é devido, daquilo que necessariamente entra em sua determinação: é aprivação como falta, deficiência, mal.
-+ Ato; Devir; Mal.
Q
Qüididade
É a realidade em torno da qual gira a pergunta: que coisa é?(em latim, quid), cuja resposta é formulada numa definição. Equivale a essência ou, mais em geral, a determinação, enquanto ao aparecer de qualquer tipo de realidade se pode e se deve propor a pergunta: que coisa é?
A obtenção da resposta na qual é formulada a qüididade temvários métodos. O método clássico é o da abstração; mais recentemente a fenomenologia husserliana indicou o método da reduçãoeidética (de efdos =idéia =essência) mediante a epoché. Da pergunta: "que coisa é" (quid sit) foi distinguida a pergunta: "se existe" (ansit). Essa distinção, de um ponto de vista metafísico, é artificial porque a pergunta sobre o "que coisa" pode surgir só em relação ao fatode que alguma coisa se mostra ou aparece e, portanto, é. E, considerando-se que essa pergunta se refere propriamente à essência ou àdeterminação do ser da coisa que se mostra ou aparece, vê-se imediatamente que pergunta e resposta (quid sit - quidditas) podemser obtidas somente à medida que se destaca nelas o determinar-sedo ser (an sit). Toda coisa é o que é, tem sua qüididade enquanto édeterminação do ser. A esse aspecto faz referência a antiga fórmulagrega: tà tí ên efnai, que os latinos traduziram como quod quid eratesse. Essa fórmula, que podemos traduzir como "aquilo que era ser",sublinha a intimidade originária da qüididade com o ser,justamente pelo fato de que ela é uma determinação dele. Hegel baseou sualógica da essência nessa intimidade (Wesen / Gewesen).
-+ Determinação.
R
Razão
o sentido de "razão pela qual" ou de "razão de", essa palavraequivale a princípio, fundamento, causa. Mas se diferencia delesporque não implica um processo, como os dois primeiros, nem umadependência, como a última. O termo "razão" salienta a racionalidade, a compreensibilidade, a inteligibilidade de um ente: a sua verdade, o seu ser verdadeiro. Isso faz a razão assim entendida coincidir com a noção transcendental de verdade do ser e requer aafirmação de que o ser é a razão, ou seja, a razão de si e de tudo oque é.
-> Fundamento.
Razão (princípio de)
É conhecido sob a denominação de princípio de razão suficiente."Suficiente" é um pleonasmo, porque uma razão não suficiente não érazão. Esse princípio exprime o transcendental da verdade, ou seja, anecessidade da evidência do ser como oposição à sua negação. Assimele consiste em um modo de explicitar o princípio de não-contradição:o ser é a própria razão absolutamente suficiente, isto é, é a evidênciada racionalidade fundamental do ser, no sentido de que se o ser, que érazão, se identifica com o não-ser, se contradiz. Identificando-se a razão com o porquê, chega-se à afirmação de que o ser é a razão e oporquê, e de que a sua negação equivale a dizer que o não-ser é arazão e o porquê. No plano do ente isso significa que, uma vez que o
Relação 115
ser é aquilo pelo que o ente é e é racional, para o ente - para todoente - não ter sua razão, não ter sua racionalidade, é o mesmo quenão ter o ser e, portanto, é o mesmo que não ser. Isso é contraditório.Além disso, com base no pertencer do ente ao ser, a sua racionalidadeimplica e exige a aftrmação de tudo aquilo sem o que a racionalidadese transformaria em irracionalidade e em contraditoriedade.
Realidade
-> Coisa.
Realismo
-> Idealismo.
Relação
A noção de relação constitui para a metafísica uma problemática de extremo interesse por causa das diftculdades que propõe. Deum lado, a totalidade concreta do real, na ausência de relações, seresolveria num monismo absoluto; do outro, a multiplicidade cairianum pluralismo absoluto, caso fosse reduzida a uma pluralidadesem relações. Impõe-se por si uma estrutura unitária, na qual amultiplicidade dos entes se uniftque e se ordene com base nas relações recíprocas dos entes singulares e na relação comum deles com ofundamento. É o problema da analogia (-», que é precisamente relação entre a identidade e a unidade do ser, de um lado, e a diferença e a multiplicidade dos entes, do outro. Isso comporta que a relação é uma determinação do absoluto do ser, e que não pode haverrelação senão com base em um absoluto. Mas desse resultado segueinevitavelmente a impossibilidade de considerar a relação como umasimples categoria real ou pensada, como um acidente, ou de reduzila àquele debilissimum, postremum et imperfectissimum esse("debilíssimo, último e imperfeitíssimo ser") que a aproxima dairrealidade do não-ser.
116 Relação
Permanece aberta, contudo, a questão da compreensão do serda relação, ou seja, de qual é a entidade de seu ser determinação.Ela, enquanto tal, isto é, enquanto relação, supõe dois termos entreos quais se instaura, e um fundamento, do qual se origina. Mas, aomesmo tempo, ela comporta a própria distinção tanto dos termoscomo do fundamento, resultando ser ela só referência a outro (prósti; ad alterum), pura ordem ou relação de uma coisa a outra. As viastomadas para chegar a uma solução propõem mais dificuldades doque as que resolvem. Se se afirma que a relação não é nada de real,que é só pensada, cai-se no monismo. Se se afirma que a relação éalgo real, apresenta-se um dilema: ou se estende essa realidade atésustentar que tudo é relação, e então se dá um choque com umaautocontradição, por causa da evidência de que o relativo é relativoa um absoluto; ou se afirma que a relação é um ente entre os doistermos, mas com isso se abre o processo ao infinito, incorrendo-sena necessidade de se multiplicarem as relações da relação.
Para se evitarem essas dificuldades, pensou-se no conceito derelação transcendental, ou seja, de correlação constitutiva, que seliga ao conceito de oposto relativo. Essa noção, se, por um lado, podeter o perigo de admitir que a realidade consiste totalmente em serrelativa, por outro, ajuda a esclarecer o caráter relativo da determinação do ser. De fato, no plano especulativo, são intimamente ligados à relação os conceitos de oposição, de alteridade, de contrariedade, de diferença, de diversidade e de negatividade, sem os quais atotalidade concreta do real é impensável. Isso mostra que, metafisicamente, o problema da relação é o mesmo que o do um e do múltiplo, e que a solução é uma só nos dois casos.
Recorde-se que santo Tomás recorreu ao conceito de relação emdois pontos culminantes de sua doutrina: acerca da criação, explicadacomo relação, e acerca das Pessoas na Trindade, explicadas comorelações subsistentes. Além disso, a crítica de panteísmo levantadacontra Hegel se baseia no fato de que ele resolve a totalidade do realna relação dialética.
---> Absoluto; Oposição.
s
Sentido
No plano metafísico, sentido e significado coincidem com o sercomo verdade. Como verdade, o ser como tal é a sensatez e a significatividade transcendentais; o ente é o sensato e significativo na medida de seu ser - segundo a determinação. A articulação do sentidoe do significado reproduz a articulação da verdade no plano do ser eno do ente.
---+ Verdade.
Ser
cap. Palavras condutoras.
Ser eTll
---+ Existência.
Significado
---+ Sentido; Verdade.
Síntese
---+ Análise.
118
Sistema
Sistema
o conceito de sistema (do grego, systema, composto desyn, "com",e hístemi, "estar'') consiste na unificação de uma multiplicidade emum todo. Implica, portanto, uma multiplicidade, um princípiounificador e a unificação como relação da multiplicidade com o princípio; essa unificação constitui a totalidade ou a unidade sistemática. A metafísica é necessariamente sistema, justamente porque éciência do ente enquanto ente. Pensando o ente, ela o pensa enquanto ele pertence ao ser e, por isso, pensa o ser como aquilo noque e pelo que todo ente é ente. O ser se mostra assim como fundamento de todo ente, e, portanto, como o princípio unificador da totalidade dos entes. Todo ente se funda no ser, ou seja, todo ente está(= hístemi) no ser; mas estando no ser, todo ente coincide com o ser ecoincide com todo ente (syn), de modo que o ser é a unidade queconstitui a totalidade. Assim os entes são a multiplicidade, o ser é oprincípio unificador, e o pertencer ao ser e o co-pertencer recíprocodos entes constituem a relação de unificação da qual resulta a totalidade.
Essa sistematicidade da metafísica se mostra em seu procedimento, que se desenvolve na ostensão e na explicitação da implicação do ser e da sua manifestação. Essa explicitação se processa segundo uma conexão necessária sob dois aspectos. Em geral, todaafirmação metafísica explicita aquilo que pertence ao ser, mas essapertinência se explicita em duas direções. Como transcendental,enquanto clareia o ser como tal, ou como ântica e categorial, enquanto apreende a determinação do ser no ente, e, em relação atoda determinação, afirma, ao mesmo tempo, que ela é ser e que oser é também essa determinação. Esses dois aspectos, enquantomostram a conexão essencial e necessária de toda afirmaçãometafísica com o ser - pertinência e co-pertinência: o sistema constituem, em última análise, a prova metafísica: é metafisicamente provado aquilo que resulta necessariamente - e só aquilo que resulta necessariamente - na explicitação do ser e de suamanifestação.
-> Totalidade; Unidade.
Substância
Subsistência
119
No plano concreto, subsistência coincide com substância. Masseu significado preciso consiste na "inseidade" e na "perseidade" dasubstância, em sua atualidade auto-suficiente, em sua independência, efetividade e autonomia. Ou seja, a subsistência destaca o aspecto de ser em si e por si, e nâo em outro e por outro, do ente primário e completo, sem atingir o aspecto da determinaçâo essencial.Também a respeito da subsistência, entendida nesse sentido preciso, verificou-se historicamente uma negligência em se manter emequilíbrio a síntese do ente; deu-se assim ou a reduçâo do aspecto deser em si e por si ao aspecto da determinação essencial, ou a confusão deles, com os inevitáveis inconvenientes.
-+ Pessoa; Substância.
Substância
A equivalência metafísica posta por Aristóteles entre a pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substância (ousía) estabeleceuuma vez por todas a importância central do significado de substância na filosofia: toda filosofia se qualifica com base na compreensãodo ente, isto é, da substância e reciprocamente.
Em geral, substância é a mesma coisa que ente, acentuando-seque se trata do ente primário e completo, ao qual necessariamentefazem referência todos os outros entes. Essa referência consiste nofato de que todos os outros entes são entes pela substância e nasubstância, e assim são correlativos à substância como seus acidentes. O conteúdo dessa correlação se exprime nas fórmulas: a substância é o ente cuja determinação é ser por si e em si; o acidente é oente cuja determinação é ser por outro e em outro, o qual é a substância. Essas determinações se dispõem no plano do ser do ente: seo ente, como tal, é por seu ser e em seu ser, segue que o ente que éprimária e completamente é o ente por si e em si, à diferença do enteque é secundária e incompletamente, o qual, por isso, é por outro eem outro; esse ente é o acidente. Substância significa, portanto, oente por si e em si, e sob esse aspecto designa a subsistência, a independência, a efetividade própria e autónoma, o ser sujeito ou
120 Sujeito-objeto
substrato ou supósito (hypokeímenon) , o singular que subsiste, oindivíduo (tà de tO, a pessoa. Esse significado, concernindo ao ser doente, declara sua realidade, e por isso é designado com o nome desubstância primeira.
Mas, como o ente é síntese de ser e de determinaçâo, a consideraçâo metafísica deve dirigir-se também ao conteúdo da substânciacomo determinaçâo essencial enquanto distinta do ser. Esclarecemse assim os constitutivos da essência: a forma (efdos ou morphé), amatéria (hyle próte, "matéria prima" ou ''primeira'~ e sua relaçâo(synolon), a individuaçâo e os acidentes, ou seja, todas as determinações que entram na definiçâo e na descriçâo de uma substância.Assim, segundo o relato do aparecer fenomenológico, isto é, segundoo dado da experiência, podem ser indicados vários tipos ou ordensde substância: material, material e espiritual, espiritual.
A distinçâo entre substância como ser em si e por si do ente, esubstância como determinaçâo essencial do ente é tâo decisiva quemarca profundamente todo o desenvolvimento histórico da problemática metafísica. A afirmação e a negação da substância se referem aos dois aspectos, ou confundindo-os, ou dando a prevalência aum sobre o outro, ou mantendo a síntese deles. Em geral, o pensamento moderno e contemporâneo privilegia o aspecto de determinação essencial, obscurecendo o aspecto de ser em si e por si ou reduzindo-o ao primeiro. Isso explica as dificuldades nas quais ele sedebate, as quais nascem concretamente do embaraço especulativodiante da pergunta: que é o ente?
---> Indivíduo; Pessoa.
Sujeito-objeto
A correlação metafísica (não é tomada em consideração agnosiológica) entre sujeito e objeto - entre subjetivadade e objetividade - esclarece antes de tudo o fato de que esses dois conceitosnão são originários, mas derivados (o mesmo vale para a gnosiologia),ou seja, colocam-se no plano do ente. O sujeito é a determinação doente em si ou, em geral, como em si e por si - referência aohypokeímenon, que em latim se torna subjectum, "sujeito", e à substância -; ou mais particularmente como ente que sente, que é
Sujeito-objeto 121
pensante e volente. Correlativamente, o objeto é a determinação doente como sensível, pensável, volível. Isso significa que, se ametafísica é ciência do ser enquanto tal e do ente no ser, ela nãopode ser reduzida a ciência do objeto e do sujeito ou da correlaçãodeles. Caso essa redução venha a ser feita, é imediatamente evidente que se introduz no horizonte transcendental do ser uma divisãoque é injustificada, apriorísta e em contraste com o caráter absolutodo ser.
Na realidade, o ser como sujeito ou como subjetividade não é oser como objeto ou como objetividade; deixando-o fora de si, ele odeixa fora do ser; o mesmo se diga do ser como objeto ou como objetividade em relação ao ser como sujeito ou como subjetividade. Poroutro lado, o ser como correlatividade entre sujeito e objeto ou supõeaquela divisão, e por isso incorre nas dificuldades há pouco expostas, ou, em definitivo, deve ser posto como aquela identidade atualde intelecção e de volição, de autoconsciência e de autoposse nasquais consistem a verdade e a bondade ontológicas e das quais osujeito, o objeto e a correlatividade deles são determinações que consistem na atualização da verdade e da bondade ontológicas. Isso seesclarece quando se considera que é essa problemática metafísicaque subjaz ao pensamento de Heidegger, quando ele acusa ametafísica de esquecimento do ser em favor do ente e, em particular, a metafísica moderna de ter limitado o ser à subjetividade:"Eu penso", "vontade de poder".
~ Bondade; Verdade.
T
Teísmo
Por teísmo se entende aquela metafísica que se realiza na afirmação do Absoluto e que realiza ulteriormente essa afirmação pondo o ente relativo, finito, deveniente, em relação de criação com oAbsoluto: essa realização é única. Por isso o teísmo é idêntico aomonoteísmo - termo esse de uso prevalentemente religioso, o qualsublinha a unicidade absoluta do Absoluto. Essa unicidade se fundametafisicamente no princípio de não-contradição, em virtude do quala Totalidade absoluta do ser é exaustiva, sendo a plenitude subsistente da atualidade total do ser. Como tal, ela é a máxima negaçãoda negação e, portanto, a máxima unidade, a qual coincide com amáxima unicidade.
-+ Absoluto; Deísmo.
Teologia
É um termo propriamente filosófico (Platão, Aristóteles), oqual define a metafísica em sua afirmação do princípio ou fundamento absoluto de todo o real. Esse Absoluto é chamado "Deus"porque realiza plenamente em si o divino, ou seja, a máximaindividuação daquilo que é perfeição, excelência, imutabilidade eeternidade. A metafísica é teologia, isto é, discurso sobre Deus,porque, realizando-se como afirmação do Absoluto, é ao mesmotempo aIrrmação dessa máxima realização. O Deus da metafísicaé a divindade subsistente e exaustiva, o quê, uma vez que o divino
Teologia catafática 123
é o ser por excelência, equivale a dizer que é o Ser subsistente eexaustivo.
---> Ontoteologia.
Teologia apofática
A metafísica como teologia, ao afirmar o princípio ou o fundamento absoluto, que é Deus, realiza a passagem da totalidade do serque aparece e é imediata e fenomenologicamente atestável para aTotalidade absoluta do ser, a qual ultrapassa e transcende a atestação imediata e fenomenológica. Essa ultrapassagem se efetua, portanto, mediante a negação das limitações ou negatividades que sãoinerentes à totalidade do ser que aparece, que é o mundo ou a totalidade dos entes. Teologia apofática é, pois, teologia negativa: Deus nãoé aquilo que o mundo é, e é conhecido mediante essa negação. Masessa negação é complexa. Mesmo quando, na via da negação, se chegaa afirmar que Deus é puro nada ou o puro nada, trata-se sempre deuma afirmação relativa ao mundo ou ao ente finito: o puro nada deDeus é o nada daquilo que o mundo é. Com isso se sublinham suaextrema distinção do mundo e sua suprema transcendência. Mas esseresultado é obtido dizendo-se ao mesmo tempo: relativamente ao entefinito, mundano, Deus é e não é; Deus nem é, nem não é; Deus é sendoe não sendo. A teologia apofática é, pois, um procedimento extremamente dialético no desdobramento do ser e do não-ser.
---> Analogia.
Teologia catafática
À diferença da apofática, a teologia catafática é positiva, afirmativa. É positiva no sentido de que sublinha o significado eminente ou sumo daquilo que podemos afirmar de Deus como princípio oufundamento absoluto. Ela se afirma sobre o resultado da negação,isto é, sobre o resultado ao qual chega a dialética da teologiaapofática. Então deve-se dizer que Deus é aquilo que o mundo ou oente finito é (aspecto afirmativo); mas se deve dizer que ele não o édo modo pelo qual o mundo ou o ente finito é (aspecto negativo).
124 Tese
Segue-se que se deve dizer que Deus é de modo eminente aquilo queo mundo ou o ente finito é. No "de modo eminente" está contida apositividade do mundo ou do ente finito, mas no sentido de que essapositividade é depurada das limitações e negatividades do finito eelevada à sua máxima expansão, ao seu infinito e absoluto potenciamento. Também a teologia catafática é, pois, um procedimentoextremamente dia lético; mas nela, diferentemente da teologiaapofática, o aspecto de ser predomina sobre o de não-ser. Se a teologia apofática insiste no não-ser de Deus, a catafática impele essenão-ser a superser, isto é, à plenitude total do ser, e a consideracomo positividade infinita, sem esquecer que ela é uma positividademediada pela negação, antes, que ela consiste na absoluta negaçãode toda negação. Como se vê, o procedimento dialético mediador é omesmo nessas duas teologias.
-Analogia.
Terceiro excluído (princípio do)
Este princípio é a explicitação da incontraditoriedade do ser. Afórmula absoluta é: entre ser e não-ser não há termo médio que sejaterceiro entre ser e não-ser; entre eles domina a máxima não-identidade, a absoluta contradição. Observe-se que o "entre eles" não écorreto e deve ser excluído porque ser e não-ser não são realmentedois diversos, isto é, dois entes, mas são realmente sempre e emabsoluto não idênticos: o não-ser não é e, justamente porque não é, éo maximamente não-idêntico ao ser. O mesmo vale no plano do ente:nenhum ente admite que entre sua afirmação e sua negação, isto é,entre o ente e o mesmo ente como não-ente intervenha um termomédio; é dominante a oposição absoluta.
Tese
É um dos elementos da oposição e, como tal, diz relação ao termo extremo da oposição, que se chama antítese. A relação opositivaé aquilo em que consiste a dialética.
- Antítese; Dialética; Oposição.
Transcendência
Totalidade
125
o todo é o significado que entra na definição da metafísica entendida como ciência ou abertura do todo ou da totalidade. E, emsentido absoluto, essa totalidade é constituída pelo ser como tal,porque o ser deixa fora de si só o nada. "Em sentido absoluto" significa que o ser não só é desligado de toda ligação diferente de si e,portanto, que é absoluto, incondicionado, mas também que ele é aligação absoluta fundamental - o princípio - que reúne e unificatodas as coisas, determinando seu pertencer ao ser. A realidade detodas as coisas consiste em sua pertinência à unidade inclusiva doser, isto é, no fato de que ela habita na totalidade do ser e excluiopositivamente o não-ser. O ser como totalidade e como unidade éaquilo pelo que todas as coisas são idênticas e diversas: por pertencer ao todo, toda coisa é idêntica, em seu ser, ao todo e a todas asoutras coisas, e, em seu simples pertencer, é diversa do todo e detodas as outras coisas. Enquanto ligação fundamental, o todo determina a ordem ou o ordenamento que é o cosmo como conjunto completo e acabado, que não deixa nada fora de sua completude e de seuacabamento, e que constitui a realidade de todas as coisas porqueas estabelece em sua ordem, de modo que em cada coisa coincidem oser e o ser ela ordenada.
Disso segue que o todo do ser, que reúne, unifica e envolve todasas coisas se distingue do todo entendido como soma de todas as coisas ou como resultado da adição delas. No primeiro significado, otodo determina o todo em seu segundo significado, iluminando assim a verdade do axioma segundo o qual o todo é anterior metafisicamente às partes, isto é, às coisas que o habitam. Essa anterioridade determinante do todo dá origem e estabelece a hierarquia dascoisas e dos entes.
--> Fundamento; Oposição; Sistema.
Transcendência
Transcendência se define em oposição correlativa a imanência:se tudo é imanente ao ser como tal, o ser como tal é transcendente atudo. A transcendência indica a qualidade daquilo que transcende.
126 Transcendental
o transcender como ato realça o significado da transcendência comoulterioridade e ultrapassamento, superioridade e superação, comoexcedência, como irredutibilidade e como incomensurabilidade daquilo que transcende em relação àquilo que é transcendido. Mas aomesmo tempo e inversamente, porque não se trata de exterioridadee de estraneidade, o transcendente é imanente ao transcendido, e otranscendido é imanente ao transcendente. Dizer então que o sertranscende tudo significa dizer que ele é imanente em tudo e quetudo é imanente nele, isto é, que tudo, todo ente é ente pelo ser ecomo procedente do ser, mas o ser não se esgota, não se reduz e nãose resolve no ente nem na totalidade dos entes. Compreender o enteé compreendê-lo em seu pertencer ao ser: esse pertencer é seutranscendimento.
O significado completo e definitivo da transcendência se realizano aspecto no qual a metafísica se realiza na afirmação de que atotalidade do ser que aparece (a totalidade dos entes, o mundo) pertence à (está em relação de criação com a) 'Ibtalidade absoluta doser, ao Ser absoluto. Segue-se que o conceito de transcendência equivale ao conceito de -+ diferença ontológica e metafísica, e deve serdesenvolvido em conexão essencial e simultânea com ele. Isso mostra, ainda, que a transcendência em seus dois aspectos (o de transcendente e o de transcendimento) corresponde íntima e respectivamente ao -+ fundamento e à fundação.
-+ Imanência.
Transcendental
Em sentido metafísico, transcendental deve ser consideradocomo equivalente de ontológico. Ele qualifica essencialmente o sercomo tal e todas as explicitações que o acompanham: transcendentalé o ser, mas o são também termos como ente, coisa, alguma coisa,unidade, verdade, bondade, beleza. Seu significado se constitui emoposição a categorial: enquanto as categorias se estabelecem dentrode certas dimensões ou setores ou regiões do ser, ele transcende todas elas, ultrapassando-as. Ao mesmo tempo esse ultrapassamentoé inultrapassável, seja porque além do ser há somente o nada, sejaporque todas as coisas se manifestam e estão no ser. Assim a
Transcendental 127
transcendentalidade do ser coincide com sua intranscendibilidade:o ser é o transcendental intranscendível.
A afirmação segundo a qual transcendental equivale metafisicamente a ontológico põe em relevo o fato de que, com base na interioridade recíproca e na identidade entre ser e pensamento comotais, a transcendentalidade intranscendível do ser é igualmente atranscendentalidade intranscendível do pensamento. Isso permiteligar o significado metafísico de transcendental ao de gnosiológico,em particular ao kantiano. E isso não só na direção de um completamento seu, mas sobretudo na direção de sua superação, a qual oreconhece como metafisicamente verdadeiro em sua exigência maisgenuína. Como mostrou a conspícua contribuição da especulaçãoidealista, o transcendental kantiano se sustenta só sobre o fundamento da comum eco-extensiva intranscendibilidade do pensamento e do ser, isto é, sobre o fundamento do autêntico e legitimo "usotranscendental" das categorias e, em geral, do pensamento em relação à "coisa em si", ou seja, ao ser.
---> Categoria.
u
Unicidade
Único se diz do que é um só, não dois ou mais. Este significadoé matemático, numérico, quantitativo. Dele deve ser distinguidoessencialmente o significado metafísico de único, que coincide com ode unidade como explicitação transcendental do ser, a qual consistena negação da negação, que é o não-ser; e que coincide com o significado de uno como explicitação ântica do ente, a qual consiste nanegação da negação, que é o não-ente. Essa distinção essencial édecisiva tanto em relação aos conceitos de monismo e de monoteísmo,quanto em relação à consistência e à positividade de todo ente. Aconsideração da unidade e da unicidade de Deus é metafísica, nãonumérica (a mesma observação vale para a "Trindade" de Deus).Correspondentemente a consideração da unidade do ente ou do entecomo uno é válida seja quando o ente é um só, numericamente único, seja quando ele é uma multiplicidade de entes, cada um dos quaisé uno e uma unidade numérica.
-> Teísmo; Unidade.
Unidade
o ser se explicita de maneira transcendental como unidade ouuno: o ser é unidade. Ora unidade é in-divisão, e indivisão significanegação da negação, da qual resulta a pura afirmação. O ser comounidade é negação da negação. E uma vez que a negação do sercomo tal é o não-ser, a negação é negação do não-ser, isto é, oposição
Unidade 129
contraditória do ser ao não-ser. Segue daí que a unidade do ser significa a oposição contraditória do ser ao não-ser e a afirmação de sicomo tal oposição. Desenvolvendo essa afirmação, o ser mostra suapositividade absoluta, a pura afirmação. E essa positividade absoluta aprofunda a indivisão como indivisibilidade: o ser não é sópositividade, mas também positividade que se impõe de maneira talque não pode não pôr-se: é impossível que o ser não seja, isto é, éimpossível que o ser admita a divisão, a oposição, a negação. Essaimpossibilidade - que exclui a possibilidade do não-ser - comporta a ausência absoluta de oposição dentro do ser e intensifica a unidade como identidade: o ser não é senão ser. No plano do ente, essaunidade se traduz determinando-se como unidade do ente à medidaque ele é: o ente é tal pelo ser e, ao mesmo tempo, é necessariamenteuno pelo ser.
Essa determinação da unidade do ser no ente abre a correlatividade entre unidade e alteridade, a qual brota da determinação eacrescenta à indivisão em si do ente a divisão em relação a todos osoutros entes: o ente é indiviso em si enquanto é, e é dividido dequalquer outro ente porque é determinado. Daqui nasce a noção doalguma coisa (o aliquid latino, cujo significado se faz consistir noaliud quid - "alguma outra coisa"), que é sinônimo de outro, dealteridade, e que dá origem à multiplicidade. Ora, a determinaçãocomporta a negação, portanto, a divisão e a oposição. Mas essa negação não é contraditória, ou seja, não tira a unidade do ser comonegação da negação, justamente porque se põe no plano da determinação. Isso significa que a determinação, dentro da unidade do ser,comporta uma relativa oposição ou negação: a determinação não é oser enquanto tal; ao mesmo tempo, uma determinação não é e exclui toda outra determinação.
Que essa oposição seja só relativa se esclarece com a remissãoao problema do outro (do diferente) do ser - o problema do um e dosmuitos. O outro (o diferente) do ser não é puro não-ser, mas é ser emcerta medida, isto é, determinadamente. Com efeito, dizer que adeterminação não é o ser como tal equivale a dizer que ela é um serdeterminado. E dizer que uma determinação, um ente, não é outradeterminação, outro ente, equivale a dizer que uma determinação,um ente, é outro, diverso de toda outra determinação ou de todooutro ente.
130 Univocidade
A importância da explicitação transcendental do ser como unidade se destaca pelo fato de que ela torna contraditória a posição damultiplicidade ou da pluralidade absoluta, ou seja, a absoluta divisão e divisibilidade do ser, que são a absoluta negação. Isso significaque ela torna contraditória a posição do materialismo enquanto posição da multiplicidade ou da pluralidade absoluta. Mas essa importância é percebida também pelo fato de que, enquanto estabelece o valor transcendental da afirmação do ser e do ente enquantoente, ela estabelece em medida igualo valor determinado, relativo,da negação. Note-se, enfim, que é necessário distinguir acuradamentea unidade e o um em sentido metafísico, como até aqui foi exposto,da unidade e do um em sentido matemático, quantitativo, numeral.
-+ Diferença; Oposição.
Univocidade
-+ Analogia.
v
Valor
Do valor ocupa-se diretamente a antropologia e especialmentea ética. A metafísica se interessa pelo valor por causa do estabelecimento de sua realidade ou de seu ser. Valor (do latim, valeo: "estoubem", "estou passando bem", corresponde ao grego áxios: válido,merecedor, estimável) diz relação a uma apreciação, a uma avaliação. Essa relação suscita duas indagações: sobre a faculdade ou acapacidade de avaliação, e sobre a validade daquilo que é avaliado.Sobre essas duas indagações se fixa a fllosofla dos valores como antropologia ou como ética. Considerando-se especialmente a validade, ela distingue "o" valor, isto é, o valor de validade incondicionadae universal, e "os" valores, dos quais oferece uma classllicação e emrelação aos quais faz uma distinção: o valor de uma coisa e a coisaque tem valor. Mas, uma vez que o plano no qual se desenvolve suareflexão é o antropológico ou ético, a preocupação que a domina, deum lado, é a da percepção e da realização dos valores; do outro, a deconseguir determinar a realidade deles, ou seja, a realidade da validade incondicionada deles, seja considerada como objeto da percepção, seja vista em sua distinção da realização da vontade.
Esse problema, enfrentado nessa óptica, permanece não resolvidoenquanto não se abre para a compreensão metafísica, a qual mostraa pertinência íntima do valor enquanto tal ao ser. Então o plano noqual deve desenvolver-se a indagação é o mesmo plano sobre o qual sedesenvolve a explicitação transcendental do ser como verdade, isto é,como intelecção, e como bondade, ou seja, como volição. Nesse horizonte, o valor é a mesma coisa que a validade do ser, isto é, a sua neces-
132 Verdade
sidade e a sua permanência. Conseqüentemente, a determinação dosvalores e da disposição subjetiva para percebê-los e realizá-los - ordem dos valores e graus do agir - se desdobra no plano do ente: oente que pensa e quer e o ente que é pensável e volível.
~ Bondade.
Verdade
Ser e verdade são a mesma coisa, e a metafísica, enquanto ciência do ser como tal, é ciência da verdade como tal. Ora, a verdadeexplicita o ser de maneira transcendental, manifestando que implicaíntima e essencialmente o espírito como intelecção e consciência. Nessamanifestação se vê que o ser, como totalidade intranscendível e comoatualidade absoluta, compreende em si o espírito como intelecção econsciência, e o compreende no modo de sua atualidade absoluta. Aintelecção significa a atualidade da inteligência e do inteligível, atualidade na qual eles se identificam. Se, pois, a intelecção é interior aoser, deve-se dizer que sua atualidade é a mesma atualidade do ser, eque o ser é a atualidade da inteligência e do inteligível. Então o sercomo intelecção é atualmente inteligente e atualmente inteligível: aatualização da inteligibilidade do ser é a inteligência, e a atualidadeda inteligência é a intelecção. Essa intelecção mostra o ser comoautoconsciência, em que a unidade da palavra "autoconsciência" denota a atualidade da intelecção como identidade do inteligível (auto)e da inteligência do ser (consciência). O ser como verdade é, pois, o sercomo intelecção, como autoconsciência e, equivalentemente, como espírito nessa sua forma.
Observando que essa explicitação se dá no plano do ser comototalidade inultrapassável, chega-se à afirmação: todo ser é verdade e, em perfeita conversibilidade, toda verdade é ser. A verdadecomo ser estabelece a estrutura ontológica da verdade. Dela se desdobra a verdade do ente como ser determinado: o ente é verdadeirona medida de seu ser.
Mas, sobre o fundo da estrutura ontológica da verdade como ser,a verdade do ente, enquanto verdade determinada, aparece distintaem verdade lógica ou em exercício, e em verdade ôntica, ou seja, emverdade de um ente cuja determinação é a inteligência (o sujeito
Verdade 133
pensante, conhecente), e em verdade de um ente cuja determinação éa inteligibilidade (objeto pensável, cognoscível). A verdade lógica é ainteligência enquanto o ente se manifesta nela: é a verdade na ordemdo conhecimento. A verdade ôntica é a inteligibilidade do ente, ouseja, a afinidade e a intimidade do ente com a inteligência, seu conteúdo e sua medida. Nessa distinção está presente um aspecto depotencialidade: a inteligência nem sempre é intelecção em ato; ointeligivel nem sempre é atualmente termo da inteligência. Mas naintelecção, quando a inteligência é atualizada pela inteligibilidade,e a inteligibilidade é atualizada pela inteligência, realiza-se umaperfeita identificação entre verdade lógica e verdade ôntica, isto é,verifica-se a situação na qual a verdade determinada mostra seucaráter ontológico: essa verdade determinada é atualização da verdade transcendental e é possibilitada por ela.
Desenvolvendo-se a estrutura da verdade do ser como intelecção,resulta o caráter de necessidade da verdade: sendo identidade atualentre inteligência e inteligível, o ser é ser que sabe, e é saber que é,portanto, autoconsciência e auto-afirmação da necessidade de ser eda impossibilidade de não ser, sobre o fundamento da oposição contraditória ao não-ser. Disso segue que, no plano transcendental, lógica e metafísica se identificam, e que o termo ontologia exprimerigorosamente essa identificação. Do mesmo modo emerge o significado metafísico da racionalidade do ser ou do ser como racionalidade.Precisamente enquanto o ser é a atualidade da intelecção, é racionalidade total, autoconsciência completa, presença de si a si mesmo, ser junto de si, espírito. O ser é razão como fundamento e, aomesmo tempo, é saber que é fundamento, isto é, fundação; razão desi e razão pela qual o ente é e é racional.
Enfim, vem à luz o significado metafísico daquilo que pertenceao âmbito da intelecção e do ser como seu correlativo essencial. Ainteligência é o ser em sua manifestação: a manifestatividade, aluminosidade, a presencialidade, a fenomenalidade, a aparição, opensamento, a consciência. O ser é o manifesto, o luminoso, o presente, o fenômeno, o aparente, o conteúdo do pensamento e da consciência. Por outro lado, a partir do ser como verdade, ilumina-setambém o significado metafísico do erro, da falsidade e da irracionalidade: à verdade opõem-se o erro, a falsidade e a irracionalidadecomo ao ser se opõe o não-ser.
ÍNDICE DOS NOMES
Agostinho, santo, 95Anselmo, santo, 104Aristóteles, 26, 36, 43, 51, 72, 89, 94, 100,
122Berkeley, G., 63Boaventura, são, 70Boécio, 107Cusa, N. de, 45Descartes, R., 24, 58, 62, 95Gaunilão, 96Gioberti, v., 97Górgias, 92Hegel, G. F. w., 21, 22, 44, 53, 57, 62, 72,
74, 88, 91, 95, 96, 100, 103, 111, 113,116, 121
Heidegger, M., 25, 48, 54, 61, 62, 88, 91,97
Heráclito, 45, 101Hume, D., 33Husserl, E., 21Kant, E., 15,21,23,33,39,57,58,62,63,
96,97,99Leibniz, G. w., 95Mach, E., 63Malebranche, N. de, 91, 92Nietzsche, F., 91, 92Parmênides, 43, 57,87,88,92, 101Platáo, 17,45,53,69, 72,87,99, 104, 122Sartre, J.-P., 54Spinoza, B., 24Tomás de Aquino, santo, 27, 45, 52, 58,70,
72,100,107,116Vattimo, G., 92WoUT, H. W., 95
ÍNDICE
Prefácio.............................................. 5Palavras condutoras 8
Absoluto............................................. 10Ação 12Acidente 13Afirmação - Negação; Positivo 14Alguma coisa - Diferença; Unidade .. 14Alteração - Devir 15Alteridade - Diferença __ 15Análise·síntese 15Analogia 16Antinomia 19Antitese 19Ao infinito (impossibilidade
de progressâo e de regressão) 19Aparência 20Aporia 21A priori - a posteriori 22Arché - Fundamento 23Asseidade 23Ateísmo 24Ato 25Ausência 27
Belo 28Bondade 29
Categoria 31Causa 32Causação - Causa; Eficiência 33Certeza - Evidência 33Coisa 33Composição 34Condição - Causa 34Consciência - Evidência; Verdade .. 34Contingência 34Contradição - Elenchos; Oposição... 35Contradição (princípio de não) ......... 35
Contrariedade - Oposição 36Cosmológico 36Criação 37
Deísmo 39Determinação 39Deus................................................... 40Devir 42Dialética 44Diferença 46Diferença ontológica 48Distinção - Diferença 48Diversidade - Diferença 48Divisão............................................... 48Dualismo 49
Efeito 50Eficiência 50Elemento 51Elenchos 51Emanação 51Eminência - Analogia; Teologia cata-
fãtica 53Em si.................................................. 53Em si e por si 53Ente - Palavras condutoras 54Entidade 54Equivocidade - Analogia 55Erro.................................................... 55Especulativo 56Espírito - Bondade; Verdade 57Essência - Determinação; QUididade. 57Essencialismo - Forma 57Evidência 57Existência 58Experiência 59
Facticidade 61Falsidade - Erro; Verdade 61
PAUUJS GrMJCa, 2000V0 Raposo Tav4ru, km 18,5
05S76-200São Paulo, SP
Este léxico de metafísica quer ser um instrumento de estudo, isto é,de exercício do pensamento e da reflexão, na convicção de que ametafísica, por sua constituição, tem a tarefa de estabelecer o significado originário, precisamente metafísico, de algumas palavras fundamentais e de articulá-las em unidade, em função da determinação da essência da verdade.Como "léxico", constitui uma reunião de palavras, como dicionário,na qual o autor procura estabelecer o significado delas. Mas, tratando-se de léxico "de metafísica", a pesquisa em si mesma já é metafísicaem sua disposição, em seu método e em sua forma; em outros termos, a preocupação segundo a qual foram elaborados os verbetes é ade fixar, da maneira mais rigorosa possível, a problemática metafísicade seu conteúdo.De tudo isso decorre vantagem metodológica - e didática - preciosa: a de mostrar, através da elaboração dos diversos verbetes, a unidade, a coerência e a co-pertinência dos significados contidos neles.No estudo de cada palavra, prestando atenção nas remitências, oleitor reconhecerá que este léxico é sistema, tratado articulado demetafisica, isto é, encontrar-se-á diante de "tratado de metafisicapor palavras" claro em sua exposição e fundamental para a aquisição das chaves do saber filosófico.
ISBN 85-349-1623-3