Post on 05-Aug-2015
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Mahatma do Himavat
Desde que a existência dos Mestres foi anunciada ao Mundo, na alvorada do
movimento teosófico moderno, algumas vozes mesmo dentro do pequeno
universo de teosofistas têm mostrado o seu cepticismo. Afinal acreditar em
homens que adquiriram poderes especiais e transmitem conhecimentos ocultos
a uns quantos eleitos é para alguns sinónimo de credulidade atroz.
Num post anterior sobre “A Ética de Helena Blavatsky”, coloquei alguns links
para a discussão entre K. Paul Johnson por um lado e David Pratt e Daniel
Caldwell por outro. O primeiro acha que os Mahatmas M e KH são uma
criação de Helena Blavatsky com base em figuras contemporâneas com quem
se cruzou, no que foi contestado por Pratt e Caldwell, que alegam que Johnson
trata suposições como factos.
Contudo a ideia de traduzir mais este post do blog “Theosophy Watch” de
Odin Townley nasce exactamente de uma discussão na comunidade
Theosophy.net intitulada “Where are the Masters?” . Após meses de
mensagens explícita ou implicitamente deturpadoras do trabalho de Helena
Blavatsky tentei focar alguns pontos importantes numa altura em que
curiosamente em simultâneo Townley colocava o post “Mahatma do
Himavat”.
= texto do “Theosophy Watch” pode ser decomposto em duas partes. A
primeira metade é uma história onde o protagonista é Asanga, um monge
nascido no actual Paquistão, ligado à fundação da escola Budista Yogacara. A
segunda parte é o relato de Damodar Mavalankar à procura do seu mestre.
Damodar foi um elemento importante durante o tempo em que HPB esteve na
Índia. Em 1885, com 28 anos de idade partiu para o Tibete e nunca mais se
soube dele.
Seguimos então para a tradução.
“Asanga desistiu. Doze longos anos de meditação e de práticas espirituais e
ainda continuava sem uma visão do futuro Buda Maitreya.
Ele ansiava ligar-se a Maitreya para receber ensinamentos de forma directa,
algo que poderia acelerar o seu progresso no caminho do Bodhisattva.
“Cada novo Bodhisattva, ou Grande Adepto Iniciado é chamado de 'libertador
da humanidade'", explica Helena Blavatsky em “A Voz do Silêncio” [nota 27
da p.84 da edição em português, da Pensamento e 120 (p.34) da tradução feita
por Carlos Cardoso Aveline, a que se pode aceder através do link anterior].
“Agora inclina a cabeça e escuta bem, ó Bodhisattva – diz a Compaixão: Pode
haver bem-aventurança quando deve sofrer tudo o que vive? Quererás salvar-
te ouvindo todo o mundo chorar?”, escreveu ela [p.90, op.cit. e p.38 da
tradução de Aveline]
Asanga
Depois dos primeiros três anos de práticas espirituais sem sucessos, Asanga
deixou a sua gruta solitária, desmotivado. Mas quando ele viu um pequeno
pássaro dando bicadas num buraco numa rocha para lá construir um ninho, ele
sentiu-se envergonhado com a sua falta de persistência. Voltou então à sua
gruta.
Três anos depois, Asanga desistia outra vez. Ao descer as montanhas, ele
conheceu um homem que esfregava uma coluna de ferro com um pano para
fazer agulhas. Quando o homem lhe mostrou algumas agulhas que tinha
conseguido fazer dessa maneira, Asanga baixou a cabeça e voltou para as
montanhas.
Himalaias
Himalaias (video)
A descoberta da compaixão
Depois de outros três anos de esforços inúteis, Asanga abandonou novamente
o seu retiro. Mas quando ele viu um homem abrindo um canal através de uma
rocha usando uma enxada, ele voltou para onde estava por mais três anos.
Terminado esse tempo, Asanga estava mesmo farto. Ia deixar a montanha de
vez. Quando se dirigia para uma cidade, ele encontrou uma cadela
contorcendo-se com dores pois ela estava coberta de úlceras repletas de
vermes. Uma grande compaixão brotou de dentro dele.
Mas agora Asanga tinha um dilema: se ele removesse as larvas à mão, ele
matá-las-ia, mas se ele não o fizesse, a cadela morreria.
Ele foi até à cidade e trocou o que tinha por uma faca dourada e voltou para
perto da cadela. Cortando carne da sua própria coxa, Asanga tinha assim
comida para dar às larvas e preparou-se para retirar as larvas da cadela com a
sua boca.
Ao se inclinar para a frente para iniciar o processo, a cadela desapareceu e o
Senhor Maitreya apareceu de repente. Lágrimas brotaram dos olhos de
Asanga enquanto Maitreya explicava : “O pássaro, os dois homens e a cadela,
eram Eu, Maitreya, o teu guru”.
Maitreya explicou que era o carma de Asanga e a sua falta de clarividência
que o tinham impedido de ver o seu guru durante todos aqueles anos. Estes
obstáculos foram completamente varridos pelo poder da sua compaixão pela
cadela em sofrimento.
Para provar isto mesmo, Maitreya instruiu Asanga para transportá-lo às costas
enquanto atravessava a cidade. Apesar dele perguntar às pessoas o que é que
estava nas suas costas, toda a gente respondia: “nada”. Um mulher idosa,
porém, devido aos seus esforços para purificar o seu próprio carma viu a
cadela. Asanga por fim percebeu o poder ilimitado da compaixão para a
transformação.
“O Carma é uma tendência do universo no sentido de restaurar o equilíbrio; e
opera incessantemente, sem desvios e sem erros“, escreveu William Judge
(Aforismos sobre o carma):
“A aparente interrupção na restauração do equilíbrio se deve ao ajustamento
necessário da perturbação em algum outro ponto, lugar, ou foco, que é visível
apenas ao Iogue, ao Sábio, ou ao perfeito Observador. Portanto, não
há interrupção, mas apenas um ocultamento do campo de visão.“
Maitreya então levou Asanga para o seu paraíso Tushita e iniciou um processo
intensivo de ensino, fornecendo textos a Asanga para fundar a escola budista
de Yogacara no séc. IV da nossa era.
“O reconhecimento por parte de um guru virá quando estiveres preparado”,
explica Judge (Letters That Have Helped Me, vol. II).
“É apenas natural que um estudante espere pelo reconhecimento por parte de
um Mestre, mas este desejo deve ser posto de lado, devendo cada um trabalhar
naquilo que tem de ser feito. Ao mesmo tempo sabe-se que o efeito segue-se à
causa, portanto aquilo que nos é devido, chegará na altura certa”.
A aventura de Damodar
Damodar
Tal como Asanga, o pioneiro da Teosofia, Damodar K. Mavalankar também
desejava ver o seu guru e fê-lo com sucesso, apesar disso quase ter custado a
sua vida, conforme ele próprio contou:
“Eu nunca parei para pensar no facto de que aquilo que eu iria realizar seria
considerado como um acto irreflectido de um lunático. Nunca tinha proferido
ou entendido uma única palavra de Bengali, Urdu ou Nepalês, nem das
línguas do Butão ou do Tibete. Eu não tinha permissão, nenhum “passe”…e
porém eu estava decidido a penetrar no interior de um estado independente
onde, se acontecesse alguma coisa, os funcionários Anglo-Indianos não iriam
– mesmo que pudessem – proteger-me, pois eu teria atravessado a fronteira
sem a sua autorização."
Nicholas Roerich, "From Beyond"
Ligado ao guru
"Mas eu nunca sequer pensei nisso nem por um instante, pois estava apenas
inclinado para uma ideia fascinante – encontrar e ver o meu guru. Sem soprar
uma palavra sobre as minhas intenções a ninguém, uma manhã, mais
concretamente, a 5 de Outubro, eu parti em busca do Mahatma. Eu tinha um
guarda-chuva, os apetrechos de um peregrino solitário, e ainda algumas rupias
na minha bolsa. Vestia um traje amarelo e um barrete. Sempre que estava
cansado da estrada, adquiria por uma pequena quantia um pónei para montar.”
“Na mesma tarde eu atingi as margens do rio Rangit [NT: Um rio turbulento
que nasce nos Himalaias], que marca a fronteira entre os territórios britânico e
do Siquim.
Eu tentei atravessá-lo através da ponte área suspensa construída com canas,
mas esta balançava de um lado para outro de tal forma, que eu, que nunca em
vida tinha conhecido tamanha dificuldade, não me conseguia manter de pé. Eu
atravessei o rio através do ferry-boat, não sem grande perigo e dificuldade."
“Toda aquela tarde eu viajei a pé, penetrando cada vez mais no interior do
território do Siquim, através de um trilho estreito. Ao longo dele, eu não via
nada senão matas impenetráveis e florestas de ambos os lados, entrecortadas
em longos intervalos por cabanas que pertenciam aos povos das montanhas.”
Leopardos, gatos selvagens e salteadores!
“Ao anoitecer eu comecei a procurar por um lugar para descansar. Eu tinha
encontrado, durante a tarde, um leopardo e um gato selvagem, e espanta-me
agora pensar em como na altura não senti medo nem pensei em fugir. Nessa
altura, alguma influência secreta me apoiou.
Medo ou angústia nunca entraram na minha mente.
Talvez no meu coração não houvesse espaço para outro sentimento que não
fosse um intenso anseio em encontrar o meu guru.”
“Quando estava a escurecer, eu avistei uma cabana solitária a poucos metros
da berma da estrada. Dirigi-me para lá na esperança de encontrar alojamento.
A áspera porta estava fechada. A cabana estava desocupada no momento. Eu
inspecionei a porta de todos os lados e encontrei uma abertura do lado
ocidental. Era de facto uma abertura pequena, mas suficiente para eu
conseguir entrar. Tinha um pequeno obturador e um parafuso de madeira. Por
uma estranha coincidência de circunstâncias, o montanhês tinha-se esquecido
de atarraxá-lo do quando trancou a porta!"
“Claro que, depois do que aconteceu posteriormente agora eu, aos olhos da fé,
vejo a mão protectora do meu guru em todos os lugares ao meu redor. Depois
de entrar lá dentro vi que o quarto comunicava, através de uma pequena porta,
com outro aposento, os dois ocupando todo o espaço desta habitação silvestre.
Eu deitei-me concentrando todos os pensamentos, como habitualmente, no
meu guru e rapidamente caí num sono profundo. Antes de ir descansar, eu
tinha fechado bem a porta do outro quarto e a única janela."
Olhando fixamente para a escuridão
“Seriam entre as dez e as onze horas, ou talvez um pouco mais tarde, quando
eu acordei e ouvi sons de passos no quarto adjacente. Eu conseguia distinguir
claramente duas ou três pessoas falando juntas num dialecto que para mim era
apenas algaraviada.
Mas, eu não me consigo recordar do momento sem um arrepio. A qualquer
momento eles poderiam ter entrado no outro quarto e assassinarem-me para
roubarem o meu dinheiro. Caso eles me confundissem com um ladrão, destino
idêntico me aguardaria. Estes e outros pensamentos semelhantes
aglomeravam-se na minha cabeça durante um período inconcebivelmente
curto.“
“Mas o meu coração não palpitava amedrontado, nem eu, fosse por um
momento, pensava nessa possibilidade trágica! Eu não sei que influência
secreta me segurava, mas nada me conseguia afastar ou amedrontar. Eu estava
perfeitamente calmo. Embora ficasse acordado olhando a escuridão por mais
de duas horas, e ainda rondasse pelo quarto suave e lentamente, sem fazer
qualquer barulho, para ver se conseguiria escapar de volta para a floresta (caso
isso fosse necessário), do mesmo modo como tinha entrado na cabana, nunca
o medo, repito, ou qualquer outro sentimento do género alguma vez entrou no
meu coração."
Protegido
"Descansei para me recompor. Depois de um bom sono, imperturbado por
qualquer sonho, eu acordei e percebi que estava prestes a amanhecer. Então
muito rapidamente calcei as minhas botas, e cautelosamente sai da cabana
através da mesma janela. Eu podia ouvir o ressonar dos proprietários da
cabana no quarto ao lado.
Mas eu não perdi tempo e meti-me no caminho para a cidade de Siquim e
mantive-me nele com um zelo inabalável. Desde as profundezas do meu
coração eu agradeci ao meu reverenciado guru pela protecção que ele me
concedeu durante a noite.
Nicholas Roerich - "He Who Hastens"
O que impediu os proprietários da cabana de entrar no segundo quarto? O que
é que me manteve num espírito calmo e sereno, como se eu estivesse num
quarto da minha própria casa? O que é que me fez dormir tão profundamente
sob tais circunstâncias, com enormes e escuras florestas a me rodearem,
abundantes em bestas selvagens e com um grupo de cortadores de gargantas –
como se diz que são os naturais de Siquim – no quarto ao lado com uma porta
tosca e insegura entre eles e eu?....
O encontro
Era, penso eu, entre as oito e as nove da manhã e eu seguia a estrada para a
cidade de Siquim, de onde, me foi garantido pelas pessoas que eu encontrava
na estrada, eu poderia atravessar para o Tibete muito facilmente com o meu
traje de peregrino, quando eu subitamente vi um cavaleiro solitário a galopar
para mim vindo da direcção oposta. Pela sua alta estatura e pela perícia com
que ele controlava o animal, eu pensei que ele era algum funcionário militar
do Rajá de Siquim.
Mahatma M.
Agora, pensei eu, fui apanhado! Ele vai me perguntar pela minha autorização
e qual o assunto que eu tenho a tratar no território independente do Siquim, e,
provavelmente, me prender – e me mandar de volta, senão pior. Mas,
enquanto ele se aproximava, puxava as rédeas do cavalo. Eu olhei para ele e
reconheci-o de imediato…Eu estava na augusta presença dele, do mesmo
Mahatma, o meu reverenciado guru a quem eu tinha visto antes no seu corpo
astral, na varanda da sede da Sociedade Teosófica!…
No mesmo instante eu me prostrei no chão aos seus pés. Ergui-me por sua
ordem e, olhando calmamente para a sua cara, eu perdi completamente noção
das coisas na contemplação de uma imagem que eu conhecia tão bem…Não
sabia o que dizer: alegria e reverência prendiam a minha língua.
Mahatma do Himavat
A majestade do seu rosto, que me pareciam a personificação de poder e do
pensamento, mantinham-me arrebatado em admiração. Eu estava por fim cara
a cara com o Mahatma do Himavat [NT: Himavat é outro nome para os
Himalaias e uma figura da mitologia hindu] e ele não era um mito, nenhuma
“criação da imaginação de um médium”, como sugeriam alguns cépticos.
Não se tratava de nenhum sonho nocturno, era por volta das nove, dez horas
da manhã. Brilhava o Sol, que silenciosamente testemunhava a cena do alto.
Eu vejo-O perante mim em carne e osso e ele fala-me com um tom de
bondade e gentileza. O que mais posso querer? O meu excesso de
contentamento fez-me emudecer.
Alguns momentos depois eu fui levado a articular algumas palavras,
encorajado pelo seu discurso e tom gentil. A sua aparência não é tão formosa
como a do Mahatma Koot Hoomi, mas eu nunca tinha visto um semblante tão
belo, e uma figura tão alta e imponente.
Como no seu retrato, ele tem uma barba preta curta, e longos cabelos pretos
pendendo até ao peito. Apenas a sua roupa era diferente. Em vez de manto
solto branco, ele usava um manto amarelo, forrado com pele, e, na sua
cabeça…um boné Tibetano de feltro amarelo.
Tive uma longa conversa com ele. Ele disse-me para não ir mais longe, pois
eu iria me arrepender. Ele falou que eu deveria esperar pacientemente se eu
quisesse ser um chela aceite e que muitos foram aqueles que se ofereceram
como candidatos, mas que muito poucos foram considerados dignos. Nenhum
foi rejeitado, mas todos eles tentaram e maioria falhou rotundamente…Eu
perguntei ao bendito Mahatma se eu poderia contar o que tinha visto e ouvido
a outros. Ele respondeu afirmativamente, e que além isso eu faria bem em
escrever para você e em descrever tudo”.
Himalaias
Este vídeo foi retirado da BBC. Todas as músicas foram compostas por
Rachel Scott-gravado em Townie Productions Weymouth.
Himalaias (BBC)
"Todos os homens sonham, mas não da mesma forma. Os que sonham de
noite, nos recessos poeirentos das suas mentes, acordam de manhã para verem
que tudo, afinal, não passava de vaidade. Mas os que sonham acordados, esses
são homens perigosos, pois realizam os seus sonhos de olhos abertos,
tornando-os possíveis. "
T.E. Lawrence