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João Barcellos
MAIRINQUE
Entre o Sertão e a Ferrovia
[Das palestras de João Barcellos, de 1991, 1992 e 2009,
em Mairinque, São Roque e Sorocaba.]
Edicon / TerraNova Comunic
2013
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B218m
Barcellos, João, 1954- Mairinque : entre o sertão e a ferrovia / João Barcellos. - São Paulo : EDICON, 2013. 32 p. : il. ; 21 cm
ISBN 978-85-
1. Sertões - História. 2. Brasil - Geografia histórica. I. Título.
13-2077. CDD: 508.81 CDU: 551.7(213.54)
01.04.13 04.04.13 043919
Índice
Apresentação Tereza de Oliveira
Mairinque
entre o sertão e a ferrovia
Tábua Cronológica Explicativa
do Séc. 16 ao Séc. 20
Anexo
Um Empreendedor Chamado Mayrink
Notas
Bibliografia
Apresentação
As palestras apresentadas pelo intelectual português João
Barcellos, em 1991 e 92, em Mairinque e São Roque, no âmbito das
suas atividades de diretor municipal de Imprensa e Cultura, no
município de Cotia, levantam questões geográficas e sociais e
históricas da colonização portuguesa entre o litoral vicentino e o
sertão a oeste do planalto piratiningo. Ele já visualizara na palestra
“koty: de costa a costa com a casa às costas” e na reedição do livro
“A Derrubada”, do poeta Baptista Cepellos, a falta de estudos sobre
o que ele diz ser “o sertão das cangueras”, embora escreva “terras
das cangueras” para melhor exprimir o assunto que aos povos
nativos tupis e guaranis diz respeito.
E, diz ele, “os nativos montam os seus santuários (cangueras) de
oração e veneração aos mortos em locais abertos e entre caudais
d´água (rios, riachos, córregos), o que parece uma característica
comum em todos os territórios americanos”, e “desta orientação de
vento e água é que os colonizadores aprendem o jeito de viver dos
nativos”.
Entretanto, assim como na floresta do Morro Grande, no sertam
d´Itapecerica, para onde deslocaram em 1703 a Aldeia Koty,
encontram-se cangueras, o avanço colonial dá conta que “a
canguera é também um ´farol´ na sinalização dos caminhos que
ligam os povos nativos em todos os corredores do Piabiyu, e mais
entre os morros até São Roque e às margens daquele velho
caminho guarani”. Isto significa, diante dos estudos de João
Barcellos, que as terras das cangureras foram conhecidas ainda no
Século 16 e, já então, muitas delas tomadas e transformadas em
sítios agrícolas para sustentação familiar e, logo, de sertanistas e
bandeirantes. Uma civilização que chega, cerca e toma e
transforma a civilização dominada. Foi assim na Ásia e na Europa,
teria que ser assim na América. É neste ambiente de
“assentamento colonial” que as terras das cangueras se
transformam em fogos e fazendas.
No caso específico de Mairinque, cujo nome vem de Mayrink, o
conselheiro que teve a coragem de abrir caminho para a ferrovia no
oeste paulista, aquele entroncamento das vias nativas era o ideal
para uma parada-estação entre o sertão e a Serra do Mar. A
utilização fundiária das cangueras passou então da fazenda para a
ferrovia num convívio econômico diretamente relacionado à
evolução social da Província de São Paulo.
Desta maneira, João Barcellos apresenta-nos “a história como ela
foi gerada no assentamento colonial português e mameluco” e nos
dá uma visão da “importância social e econômica que as terras das
cangueras tiveram na evolução colonizadora”.
OLIVEIRA, Tereza – artista plástica e professora.
Artigo para o jornal “Treze Listras” (Cotia/SP).
Embu, 1991.
MAIRINQUE
Entre o Sertão e a Ferrovia
O instante em que o jesuíta Manoel da Nóbrega decide
abandonar o projeto da Aldeia Maniçoba, que chega a funcionar de
1551 a 1552 no sertão das serranias além Wotucatu, ele está no
planalto de Piratininga, e o seu olhar encontra-se com o sertão
trilhado pelos guaranis e os tupis, entre outros povos, na direção do
sul. Mas é a malha de caminhos do Piabiyu que ele vislumbra e
quer adentrar pelo oeste bravio da região Piratininga, e então,
decide, neste momento de 1553, lançar uma aldeia-base no
planalto para dar logística à entrada sertaneja dos padres da sua
companhia. Levanta-se, então, a aldeia Sam Paolo dos Campu de
Piratinin, já agora como marco-zero da colonização luso-católica
para o sudeste e o centro-este, após o assentamento litorâneo em
Santos, São Vicente e Cananeia.
Uma região é continuamente assinalada nas falas dos nativos
tupi-guaranis: as cangueras. No início, os portugueses só entendem
que os nativos dão grande importância a essas terras além do pico
da Serra do Mar e para lá partem a todo o momento, ou pela trilha
de Cananéia ou a de Piaçaguera. Só quando alguns aventureiros
pagos pelos colonos vão a conhecer os caminhos e as terras é que
se descobre que canguera é cemitério e que as terras são boas
para cultivo por estarem entre rios e córregos, e algumas delas com
nascentes. Então, os portugueses percebem que o Brasil não é
uma ilha, mas um território vasto. Algo que os padres jesuítas não
ignoram, mas não falam. Os padres querem conhecer as trilhas do
Piabiyu que levam aos guaranis sulistas. Não por acaso, eles não
registram nas suas cartas-relatórios as informações logísticas
relativas aos caminhos e primeiras aldeias [v. Maniçoba]: a
informação é um segredo e é um poder.
Entre o instante de 1553 e o estabelecimento social e bélico dos
portugueses, definitivo em 1592, com o banqueiro, político,
minerador e preador Affonso Sardinha [o Velho] a assumir o posto
de Capitam de Gentes da Villa para domar nativos e conquistar o
Pico do Jaraguá, vários dos caminhos de ligação do Piabiyu são
tomados e começam a surgir fogos dispersos de agropecuária e,
logo, fazendas. São estes fogos e fazendas que dão sustentação
aos primeiros movimentos do ciclo bandeirístico, entre Ibitátá,
Carapocuyba, Koty, nas ramificações para o Cerro Ybiraçoiaba, de
um lado, e para a Serra de Wotucatu, por outro lado, na lenta, mas
decidida penetração para o sul e o centro-oeste.
além morros
um mar de cangueras
além morros
vastas e férteis terras
no eterno cântico das gentes nativas
novas gentes na velhas trilhas
além morros
um novo altar sobre as cangueras
além morros
um novo deus se diz em velhas terras
[João Barcellos, in “ritual de passagem”. Mairinque, 1991.]
Nesta caminhada serra acima e sertão adentro, surge uma nova
expressão entre os portugueses e os padres: bugre. A expressão
bugre define a pessoa não-cristã. Entretanto, passa a ser aplicada a
qualquer pessoa ignorante, assim como caipira define pessoa rural
e sem polimento social sob o olhar das pessoas urbanas, o que não
significa que estas sejam mais do que aquelas. E ela se aplica com
autenticidade à pessoa mameluca, filha de nativa com português –
pois, a gente mameluca desconhece o deus da cristandade e é
arredia ao mando colonial. É na gente mameluca que está a
primeira manifestação de brasilidade. Os primeiros fogos, ou
ranchos, abertos no sertão além da Serra do Mar são de gente
mameluca com gente nativa – gente rude que só se sente bem na
sua terra. Raros são os casais de portugueses que se aventuram
nas trilhas do sertão, preferem a relativa segurança das margens do
Jeribatyba e do Anhamby, ou mais dentro, do Koty e do Soroca[ba],
no que ao oeste diz respeito, e do Parayba, a norte.
Na maioria dos fogos e fazendas assentadas, o exercício colonial
ocupa e destrói culturas nativas e, em muitos casos, os santuários
do culto aos mortos dos povos nativos. Algumas fazendas
agropecuárias tomam tais santuários, ou canguera [do tupi-guarani,
q.s. ossário / ossos, ou cemitério] porque estão em terrenos
´beijados´ por rios e riachos, e principalmente os que cercam olhos
d´água [nascentes]. Na região da Koty, o sargento-mor Medella
constrói casa-grande e moinho e senzala na floresta de Morro
Grande em pleno sertam itapecericano, e mais para o sul, entre a
Koty e a Serra da Cahatyba [ou, cachoeira Boturantim, como dizem
os nativos da região],
[Mapa com a região das cangueras, de Cahatyba/Cativa e São Paulo]
os cresos Pero Vaz de Barros e Guilherme Pompeo de Almeida
[este, padre jesuíta, fazendeiro e banqueiro] aprisionam milhares de
nativos e transformam as suas aldeias e cangueras em unidades de
produção agropecuária e fruteira, com incidência maior na produção
de marmelada e vinho, para o abastecimento das minas do centro-
oeste da Capitania de S. Vicente que, no momento, tem Sant´Anna
de Parnaíba como centro financeiro e produtor e não a Villa de Sam
Paolo dos Campu de Piratinin.
Uma das aldeias tomadas aos nativos fica denominada, em
meados do Séc. 18, como Fazenda Canguera, e pertence ao
capitão José Joaquim Xavier de Lima Rato, mas que antes é
propriedade de Manuel da Costa Nunes, um preador temido pelos
nativos e conhecido como manduzinho.
No meados do Séc. 18 já não é o olhar jesuítico que comanda a
colonização pela orientação do Piabiyu, mas olhar pombalino que
quer e exige resultados na produção agropecuária e na extração de
pedras preciosas.
E assim é que ao tempo do capitão-general Luís Antônio de
Souza Botelho e Mourão [o 4º Morgado de Matheus], amigo do rei e
do conde d´Oeiras [leia-se Marquês de Pombal] se dá início ao
reaproveitamento fundiário das sesmarias que dos jesuítas foram, e
também daquelas que ficam improdutivas sob o mando de reinóis
da vida boa, e daqui se constrói uma Capitania de São Paulo forte e
ousada o suficiente para se transformar em polo de urbanização – a
saber: fogos e fazendas, sesmeiras ou não, são agora base
territorial de novas vilas e cidades, quer no oeste quer no centro-
oeste da capitania.
o silvo da maria-fumaça
rompe o ritmo dos gritos da terra
brava gente
do barão de mauá a Mayrink
a nação nova esquece a alma eloquente
dos povos da terra
já agora nem em sinais de fumaça
não há nem aliança
o mundo a vapor s´abraça
mauá e Mayrink
são grito da nova raça
estrada de ferro em moderna fumaça
[João Barcellos, in “ritual de passagem”. Sorocaba, 1991.]
O velho Piabiyu dos guaranis, que tantos sonhos realizou a
aventureiros portugueses e castelhanos, italianos e alemães, é
agora a planta naturalíssima em que assentam as novas vias da
comunicação portuguesa em solo tropical, seja pelas bandas da
Cahatyba e do Ybiraçoiaba, seja pelas bandas do Wotucatu a
adentrar o caminho dos Goyazes, enquanto lá ao sul continua a
dura batalha pela posse da ´rabeira´ da tal linha de Tordesilhas à
sombra da Colônia de Sacramento e sob a cristalina saudação do
Rio da Prata.
Tábua Cronológica
Século 16. As entradas exploratórias encontram trilhas e
encontram outras civilizações. As pessoas não-cristãs passam ser
chamadas de bugres. Por isso, as suas crenças e os seus cultos
aos mortos [cangueras] não têm significação diante da colonização
luso-católica.
1- Nativos informam sobre o Piabiyu e cangueras além da Serra
do Mar e fazem-se seguir pelos portugueses. Dá se início à
fase exploratória do chamado sertam dos guaranis.
2- Após a descoberta de ouro no morro Byturuna, Affonso
Sardinha [o Velho] desloca-se para o Cerro Ybiraçoiaba pelo
tronco principal do Piabiyu, entre Koty e as cangueras. A
descoberta de ferro e a instalação da primeira usina de
fundição de ferro nas Américas, no Cerro Ybiraçoiaba, faz das
terras das cangueras um ponto de passagem.
3- No final do Século 16, e logo após a conquista do Pico do
Jaraguá, onde o ´velho´ Sardinha instala nova fazenda e faz
mineração de ouro e prata, abre-se o caminho das cangueras
à perspectiva de novos pouso e fogos. Os santuários dos
mortos começam a ser profanados e destruídos, enquanto os
povos nativos são ´empurrados´ para a região das sorocas e
das serranias do Wotucatu. A conquista do oeste piratiningo
alarga a Capitania de S. Vicente, mesmo com a interdição
temporária do Piabiyu pelas autoridades lusas.
Século 17. A geração mameluca começa a se instalar nos
sertões, mas são os portugueses que percebem nas terras das
cangueras a possibilidade de novos ranchos.
1- A chegada do governador Francisco de Souza abre campo
para a instalação de fogos/ranchos e fazendas em todo o
oeste piratiningo, e ele mesmo despacha das minas de ferro
do Ybiraçoiaba.
2- A região das terras das cangueras passa a ser um
entroncamento na comunicação terrestre na via principal do
Piabiyu. A terra é boa para cultivo e não falta água para
irrigação. Com os nativos em fuga nas sorocas e no
Wotucatu, os portugueses, assim como a gente mameluca,
arrancham a colonização em definitivo.
Século 18. A expulsão dos jesuítas e o reordenamento fundiário
pombalino, feito com mão de ferro pelo Morgado de Matheus,
primeiro capitão-general da Capitania paulista, faz nascer novas
vilas a partir da quebra das velhas sesmarias e fazendas.
1- Surgem várias fazendas nas terras das cangueras e uma
delas leva mesmo o nome de Fazenda Canguera, que passa
por vários proprietários, que são agropecuários e preadores, e
um deles tornou-se famoso pela crueldade, tanto que o seu
nome [Manuel da Costa Nunes] era sinônimo de manduzinho,
i.e., diabinho. Depois de ter sido capataz, torna-se dono da
fazenda.
2- No entroncamento das cangueras já existe um certo
assentamento de fogos por famílias que tentam a sorte na
área hortifrutigranjeira e na área pecuária e têm, inclusive,
produção comprada por intermediários da Capital paulista, a
exemplo de outras paragens no sertão. As carroças de bois
sulcam e perpetuam as trilhas do Piabiyu, de um lado, para a
região das sorocas, do outro, para a Koty e Ibitátá. É o interior
sertanejo a abastecer a Capitania.
Século 19.
Parte Primeira
O Tropeirismo
[pintura de Rugendas]
A atividade do Ciclo Tropeiro aumenta a produção agropecuária e
frutífera nas cangueras; e, logo, a modernização industrial nas vias
de comunicação altera os planos social e econômico da região.
1- Desde o Rio Grande e Viamão, tropeiros reinventam as vias
de abastecimento para Sorocaba, as minas do centro-oeste e
a própria Capital, com descida para Santos.
2- Todas as regiões agropecuárias e frutigranjeiras a oeste da
Capitania ganham importância. A economia organizada é um
bem para todas as gentes, apesar do ouro e dos diamantes.
Fértil historicamente, o Século 19 faz a região das cangueras
viver momentos escaldantes: primeiro, a Lei Áurea, que acaba
[oficiosamente] com a escravatura; segundo, a Independência do
Brasil no discurso de Diogo Feijó nas cortes de Lisboetas [25 de
Abril de 1822] e, logo, a 7 de Setembro, na declaração imperial do
corte político e administrativo com Portugal.
E, enquanto isso, o tropeirismo definha e acaba quando das
minas não se extrai mais o ouro e os diamantes no nível industrial
necessário à sua manutenção.
Mas, o Brasil imperial tem um empreendedor que, apesar de
boicotado até pelo imperador, ousa mostrar que a Nação pode ser
econômica e industrialmente sustentável com parques têxteis,
navegação nos principais rios e uma linha férrea a ligar portos e
centros de produção. É o barão de Mauá.
Parte Segunda
Caminho De Ferro
& Sertão
[a estrada de ferro sulca o sertão]
A estrada de ferro é uma modernidade industrial que rasga as
terras da América do Norte e da Europa levando progresso e
conforto. A primeira a ser instalada foi a da linha Stokton-Darlington,
na Inglaterra, com 60 km de trilhos, inaugurada em 27 de Setembro
de 1825.
Com empresários e políticos brasileiros em viagens cada vez
mais constantes pelo mundo, e particularmente, França e Inglaterra,
a novidade da maria fumaça não tarda em ser discutida.
Ainda em 1839, brasileiros levam um esboço de projeto ao
engenheiro Robert Stephenson: a construção de uma estrada de
ferro na Serra do Mar, uma vez que o porto de Santos está isolado
do planalto paulista e das áreas produtivas. Robert é filho de
George Stephenson, que inventou a primeira locomotiva a vapor e
construiu a linha Manchester-Liverpool. Mas, o projeto fica aprenas
no papel, como tantos outros...
Entre os empreendedores do Brasil está Irineu Evangelista de
Souza, barão de Mauá, e da sua ousadia nasce o projeto e a
realização da estrada de ferro na linha Porto de Mauá a Fragoso, no
Rio de Janeiro, com 14,4 Km logo ampliado para 15,19 Km.
Inaugurada em 30 de Abril de 1854 com administração da Imperial
Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de
Petropolis, eis o fruto do empreendedorismo do Barão de Mauá.
[Mauá e a sua maria-fumaça. Certificado da Companhia.]
E, em 1859, finalmente, o Barão de Mauá convence o imperador
Pedro da necessidade de uma estrada de ferro a ligar São Paulo ao
Porto de Santos, e o próprio barão projeta e coordena os estudos
para a área entre Jundiaí e o alto da Serra do Mar. Abre-se ao
tráfego ferroviário, em 16 de Fevereiro de 1867, a São Paulo
Railway. E, logo, em 1870, surge a Estrada de Ferro Ytuana, fruto
de uma concessão a ligar Itu e Jundiaí, para, em 1877, chegar
também a Piracicaba. O progresso é tal que alinha prolonga-se até
São Pedro e depois até Botucatu, para embarcar a produção
ribeirinha na foz do Rio Tietê e no Salto de Avanhandava.
Ligam-se os sertões pelo movimento metálico da maria fumaça. E
a economia do Brasil imperial trilha os objetivos do capitalismo
liberal.
A região das cangueras não pode ficar a ver a passar a maria
fumaça sem embarcar no projeto de um Brasil de e para todos. De
importância extrema na ligação mercantil e agropecuária, enquanto
entroncamento, dos sertões no oeste paulista, a região das
cangueras é ponto de passagem logo assinalado pelos
empreendedores e engenheiros da ferrovia.
E é. Pelo que em 1892 as companhias Ytuana e Sorocabana
unem-se, técnica e administrativamente, e o trecho da linha Itu-
Mairinque é assentado com bitola ampliada para 1 metro, i.e., um
ramal para Jundiaí e outro para Mairinque.
O presidente da estrada de ferro é o conselheiro Francisco de Paula
Mayrink, cujo olhar geossocial e mercantil perspectivou o
entroncamento da região das cangueras como eixo para o
progresso harmonioso da maria fumaça paulista.
Parte Terceira
E assim nasce Mairinque...
A região do entroncamento das cangueras fica muito próxima à
vila de São Roque, fundada no Século 17. É um local de muita
produção marmeleira e aqui está a Fazenda Canguera...
A velha Fazenda Canguera tem como último proprietário o
fazendeiro Antônio da Silva Eugênio Bey, e em seu território o que
existe é já um vilarejo de agricultores e tropeiros. Logo recebe,
também, operários ligados à expansão da estrada de ferro, e a
população residente chama a vila de manduzinho, para não
esquecer aquele diabinho que fora capataz e dono da fazenda.
Obviamente, a expansão ferroviária atrai mais famílias e mais
comércio para as suas margens e dá mais vida às vilas existentes.
A do manduzinho é uma delas. Com uma perspectiva de progresso,
a companhia ferroviária dirigida pelo conselheiro Mayrink adquire na
região das cangueras 264 alqueires e amplia o vilarejo.
A expansão da dinâmica do movimento da maria fumaça tem a
direção da Serra do Mar e do litoral, e, em 1890, a vila é assinalada
ainda como estação Canguera. Alguns a querem como
Manduzinho, mas a maioria da população residente opta, em 1892,
por dar o nome de Mayrink à estação e à vila. Uma justa
homenagem a quem logrou dar alcance social e econômico a um
vilarejo parado no tempo tropeiro.
Século 20.
Distrito de Paz Em 24 de Setembro de 1908, pela Lei Estadual
nº 1131, é criado o Distrito de Paz de Mairinque, no Município e
Comarca de São Roque.
Estrada de Ferro
Alterações Operacionais Em 1930, a oficina da Estrada de
Ferro Sorocabana é transferida para Sorocaba. Com a mudança,
Mairinque tem uma queda no desenvolvimento e quase desaparece
do mapa paulista.
Em 1940, paulatinamente, a Estrada de Ferro passa a instalar e
ampliar as suas repartições, tais como depósito de locomotivas com
oficina de manutenção, almoxarifado, Sede do Serviço Florestal,
Sede dos serviços de eletrificação, armazém de abastecimento e,
principalmente, Sede dos ferroviários. Cooperando para o
reerguimento de Mairinque, a Companhia Brasileira de Alumínio,
implanta aqui a indústria de alumínio, desenvolvendo grandemente
a região do Rodovalho.
Emancipação
Emancipação 1 É tentada pela primeira vez, em 1953, a
emancipação política do Distrito, mas fracassa, porque ainda não
existem condições objetivas.
Emancipação 2 Com o apoio de toda a população, é criado o
Município de Mairinque, através da Lei nº 5285, de 18 de Fevereiro
de 1959, tendo a população mairiquense [ou mairinquiana]
Arganauto Ortolani como primeiro Prefeito.
A Contribuição Japonesa
Na Descoberta Do Eldorado Verde
As primeiras décadas do Século 20 trazem para o Brasil milhares
de estrangeiros, mais portugueses e italianos, alemães e russos,
mas é a gente japonesa que chega e percebe o eldorado verde. E
percebe um dado hidro-geográfico que os colonos portugueses e
espanhóis deixam de [a]notar nos Séculos 16 e 17: os povos
nativos montam as suas cangueras e as suas aldeias de referência
– como as Koty, q.s. ponto de encontro – em locais que sinalizam
as suas idas e vindas pelo Piabiyu. São rios e riachos, olhos
d´água, e uma advertência: nunca ficar longe dos mananciais.
A leitura que a gente japonesa faz da estrutura hidro-geográfica,
que sinaliza a vivência dos povos nativos, leva-a a perceber a
existência do aquífero guarani, a maior reserva d´água doce da
Terra.
A fundação da Cooperativa Agrícola Cotia [CAC] deve-se a essa
leitura das potencialidades hidro-geográficas, e então, a CAC
expande-se no oeste piratiningo, e daqui para o centro-oeste e para
o sul, como havia acontecido com os bandeirantes e os tropeiros.
Uma das regiões para assentamento de cooperados é a região das
cangueras a partir da Vila Mayrink e a aproveitar já as facilidades
logísticas de escoamento de produção pela estrada de ferro.
A integração da gente japonesa na região de Mairinque é lenta,
mas percebida social e economicamente pelos habitantes, que logo
se rendem à criatividade e ao engenho nipônico de viver.
Dados
Políticos & Administrativos
[Atualizados em 2013]
Localização O município está situado no interior do Estado
paulista, a 70 Km do marco-zero da capital, à qual se liga pela
Rodovia Raposo Tavares e também pela Rodovia Castelo Branco,
ambas oriundas da malha do Piabyu [ou Peabiru] por onde se
iniciou a colonização feita pelos portugueses no eixo da ´linha´ do
Tratado de Tordesilhas.
Fundação 27 de Outubro de 1890. Inicialmente chamada "Vila
Mayrink", como parte de São Roque, torna-se município com o
nome de "Mairinque" em homenagem ao diretor da ferrovia
Francisco de Paula Mayrink.
Nas margens da Estrada de Ferro Sorocabana, e ponto do principal
entroncamento do ferroviário do Estado paulista, Mairinque alia uma
natural vivência rural com o movimento ferroviário de cargas.
A estação ferroviária é a primeira arquitetura de concreto armado do
Brasil, estrutura idealizada pelo arquiteto francês Victor Dubugras, e
agora, desativada, abriga o museu da Estrada de Ferro
Sorocabana.
Território Mairinque possui uma área de 209,757 km², sendo
18 km² de áreas urbanas, com uma topografia de ligeiras
ondulações, o que origina um clima temperado e seco, coma
temperatura de 18ºC em média.
Demografia 43.223 Habitantes [IBGE / 2007-2010], com 21.685
mulheres e 21.538 homens para 12.978 domicílios, com a seguinte
distribuição territorial: 34.690 na área urbana e 8.533 na área rural.
[A maria-fumaça e a cidade de Mairinque]
Economia Desde a instalação do parque industrial, a cidade e
todo o município experimentam um extraordinário progresso, que se
irrada por todos os setores das atividades pública, privada e social,
da agropecuária à indústria passando pelo setor de serviços
especializados e artesanais.
Com a expansão de seu parque industrial, altera-se a fisionomia
da cidade e da sua rotina, ocasionando um rápido crescimento
urbano.
ANEXO
Um Empreendedor Chamado
MAYRINK
Entre as manobras políticas para deixar o Brasil como colônia e
não despertar nele uma Nação continental, dois notáveis
empreendedores se destacam: o Barão de Mauá e o Conselheiro
Mayrink. Arredios à pasmaceira imperial e à hipocrisia imperial dos
republicanos, ambos despertam Brasil e, cada um no seu tempo,
realizam obras de grandeza social e industrial.
Conselheiro do Império brasileiro, Francisco de Paula Mayrink
nasceu [8.12.1839] e morreu [01.1.1907] no Rio de Janeiro.
Banqueiro e empresário, ele era irmão do Visconde de Mayrink.
Na juventude, após uma briga de rua com um camarada caixeiro
(ele trabalhava numa loja na Rua Matacavalos, no Rio), foi enviado
pelo para a Escola Militar de Porto Alegre, mas abandonou as
´armas´ e foi estudar na Escola Politécnica do Rio de janeiro,
estudos que também abandonou para se integrar como amanuense
no Banco Comercial do Rio de Janeiro, que tinha o próprio pai como
um dos fundadores. Com uma disciplina e autocrítica que o
profissionalizou, galgou a hierarquia e foi eleito, em 1876, diretor da
instituição.
Foi nessa época que Francisco de Paula Mayrink conheceu os
problemas administrativos, técnicos e financeiros da Estrada de
Ferro Sorocabana.
A diretoria da sorocabana estava nas mãos de Luís Mateus
Maylasky, que logo foi demitido sob a acusação de má
administração da companhia ferroviária. O estudo geo-agrário feito
por Mayrink apontava a necessidade de a companhia acompanhar
os ´trilhos´ da expansão cafeeira paulista e buscar um
entroncamento natural no sertão do velho Piabiyu para as
manobras de distribuição. Um dos entroncamentos era perto de São
Roque, na região das cangueras, onde ainda existia a Fazenda
Canguera, embora que precariamente e já com feição para ser mais
um vilarejo no sertão.
O povo da região das cangueras, ao transformar a velha fazenda
no Vilarejo Canguera optou, com justiça, em dar o nome Mayrink à
nova vila.
A expansão da estrada de ferro no oeste paulista deu a Mayrink
uma projeção política enorme e o seu nome passou a ser referência
no cenário nacional.
O maior creso brasileiro da sua época, os seus negócios tangiam
setores como imigração, iluminação e gás, imprensa, fotografia,
transportes, lavoura, higiene, divertimentos públicos, teatro, bancos,
companhias de estrada de ferro, carris urbanos, navegação,
indústrias, estaleiros, docas, usinas e fábricas. Mayrink foi vice-
presidente do Clube de Engenharia, fundador da Sociedade
Brasileira de Geografia, cônsul-honorário do Chile no Brasil, e
fundador da coleção do Museu Paulista.
NOTAS
ANHAMBY – Rio Tietê.
BOTURANTIM – Do tupi-guarani botu-ra-ti, q.s. Grande Espuma Branca, ou, Cascata Branca, de onde o
aportuguesamento Votorantim.
CAHATYBA – Também chamada Serra de São Lourenço. Uma parada serrana chamada Votoran, pelos
nativos, hoje, municipalidade de Votorantim. [A Primeira Garimpada... Luiz Martins, perito em
montanística, a representar Brás Cubas, faz ´entrada´ de 300 léguas pelo sertam carijó, i.e., pelo Piabiyu
guarani, e retorna à Villa de Santos onde, na Câmara local, a 25 de Janeiro de 1562, apresenta “ouro que
pesava três quartos de dobra e seis grãos”, garimpado na Cahatyba na banda das sorocas. // do livro Do
Fabuloso Araçoiaba Ao Brasil Industrial, de João Barcellos.]
CANGUERA – Santuário dos Mortos.
CARAPOCUYBA – ou Carapicuiba.
CRESO – Pessoa abastada.
BUGRE – Denominação luso-católica dos colonos portugueses no Brasil para designar pessoa não-cristã.
FOGOS – Habitações familiares com 5 ou 7 pessoas arranchadas no sertão e nas serras.
GERIBATYBA – Rio Pinheiros.
GOYAZ – Trilha de Goyaz. A trilha que ligava o oeste piratiningo ao centro-oeste passando por Wotucatu.
IBITÁTÁ – ou Butantã. Foi a primeira fazenda de Affonso Sardinha [o Velho], que se estendia até
Carapocuyba, aldeia e portinho que também lhe pertencia.
KOTY – Do guarani, q.s., ponto de encontro. A aldeia, que ficava perto de Carapocuyba, até ser mudada
para as bandas do sertão de Itapecerica, em 1703, ficou conhecida por Acutia, Cuty, e, finalmente, Cotia.
MANDÚ – Pessoa que trajava esteiras de catolé, baeta e folhas de árvores de iô-iô mandu. É uma
manifestação de caretas/carrancas para horrorizar outras pessoas e tem origem nas tradições Bantu
incorporadas pelos negros africanos de N´Gola na cultura brasileira. Nos séculos 17 e 18 a denominação
mandú foi aplicada para designar gente má, e assim, mandú passou a significar diabo e diabinho
[manduzinho].
MAMELUCO – Filhos gerados entre nativas e portugueses. Do núcleo da gente mameluca nasceu a
Raça Brasileira.
MANIÇOBA – Primeira aldeia montada pelos jesuítas acima da Serra do Mar e a oeste do planalto de
Piratininga. Não existem referências geográficas precisas sobre a aldeia e as Cartas Jesuíticas só a
mencionam no sertão a oeste pelos caminhos guaranis.
MAUÁ [Barão de] – ou Irineu Evangelista de Souza. Industrial, banqueiro e político brasileiro que marcou,
como empreendedor, o Século 19. Apesar os ciúmes imperiais, recebeu o título de barão [1854] e de
visconde [1874].
PIABIYU – ou Peabiru. Do guarani m´byano, q.s. caminho feito a pé. O tronco principal, no Brasil, tinha
início perto do Rio Grande e atravessava o sudeste até Piratininga [Sam Paolo dos Campu de], e parte
desse tronco foi chamado, depois, Estrada do Sul e, hoje, Rodovia Raposo Tavares. Entretanto, além da
parte litorânea [Cananéia], existiam vários ramais cujo conhecimento levou os portugueses do oeste para
o centro-oeste.
PIAÇAGUERA – Do tupi-guarani, q.s. porto velho (ou abandonado) a designar a região de Cubatão. Aqui
foi mandado construir, assim se pensa, o Porto das Naus, pelo Bacharel de Cananéia.
PREADOR – Caçador de povos nativos. A preação constituiu na colonização portuguesa um importante
negócio.
SACRAMENTO [Colônia de] – Vila fortificada, do Século 17, fundada pelo reinol português Manoel Lobo,
no Uruguai, para defender os interesses da Coroa lusa.
SESMARIA – Terras doadas, em nome d´El-Rey de Portugal, por tempo determinado, a pessoas que
teriam de cultivá-las e pagar o dízimo [ou jugada] da produção ao Reino.
SOROCA[BA] – Rio das Sorocas, depois conhecido como Sorocaba, assim como a região que atravessa.
SOROCA – região de terra cortada, ou rasgada.
TORDESILHAS [tratado de] – Cidade galega [Espanha] onde, em 1594, o rei português João II mandou
assinar um tratado de divisão do mundo descoberto, e a descobrir, com os assessores da rainha
castelhana Isabel. O tratado teve o apoio do papado católico.
WOTUCATU – ou Serra de Botucatu. Do tupi, q.s. ar bom.
INSTITUIÇÕES CONSULTADAS Arquivo do Estado de São Paulo. Prefeitura do Município de
Mairinque. Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Arquivo da Torre do Tombo / Lisboa-Portugal.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas / IBGE.
BIBLIOGRAFIA
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AÇO [2008], BRASIL - 500 ANOS [2000], PARDINHO [2013], CARAPOCUYBA [2010-2013], GENTE DA
TERRA [2008], DO FABULOSO ARAÇOIABA AO BRASIL INDUSTRIAL [2011], PIABIYU [2006] e
MORGADO DE MATHEUS [1992], entre outros livros.
– A REGIÃO DAS CANGUERAS NO DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO &
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CALDEIRA, Jorge – MAUÁ / EMPRESÁRIO DO IMPÉRIO. Ediç Companhia das Letras. Rio de Janeiro,
1995.
LEME, Pedro Taques de Almeida Pais – NOBILIARQUIA PAULISTANA HISTÓRICA e GENEALÓGICA
[iniciada em 1742] // HISTÓRIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE [1772] // INFORMAÇÕES SOBRE AS
MINAS DE SÃO PAULO [1772] // INFORMAÇÕES SOBRE O ESTADO DAS ALDEIAS DE ÍNDIOS DA
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LESSA, Francisco de Paula Mayrink – VIDA E OBRA DO CONSELHEIRO MAYRINK [completada por
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MOYA, Salvador de – ANUÁRIO GENEALÓGICO LATINO. Vol.1, Ediç Instituto Genealógico Brasileiro,
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JOÃO BARCELLOS jb.escritor@uol.com.br