Post on 10-Mar-2020
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
MARIANA TEIXEIRA GUIMARÃES
Povo Gavião da Aldeia Nova e o PDPI: uma etnografia da relação entre povos indígenas e o "mercado de projetos"
BRASÍLIA-DF 2015
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MARIANA TEIXEIRA GUIMARÃES
Povo Gavião da Aldeia Nova e o PDPI: uma etnografia da relação entre povos indígenas e o "mercado de projetos"
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de mestra em Antropologia Social. Orientadora: Prof.ª Drª Soraya Resende Fleischer Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Marcela Stockler Coelho de Souza
Banca Examinadora: Prof.ª Dr.ª Marcela Stockler Coelho de Souza (DAN/UNB – Presidenta)
Prof.ª Dr.ª Mônica Celeida Rabelo Nogueira (CDS/UNB – Avaliadora)
Dr. Jaime Garcia Siqueira Júnior (FUNAI – Avaliador)
Prof. Dr. Stephen Grant Baines (DAN/UNB – Suplente)
BRASÍLIA-DF Agosto de 2015
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Para quatro João(s): meus dois Lucas, o
Imbiriba e o Gavião, irmão, afilhado, amigo e
interlocutor. Todos eles, a sua maneira, me
ensinaram e ensinam sobre a arte de
escrever, de olhar o outro e de compreender
o mundo.
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– Ajuda-me! Dá-me livros que não deixem em
sossego quem os leia. É preciso meter-lhes um
ouriço na cabeça, um ouriço que pique bem.
Diz-lhes, a essa gente da cidade que escreve
pra vós, que seria bom que escrevessem
também para o campo! Que nos cozinhem
qualquer coisa de bem forte para acordar as
aldeias (...).
(Máximo Gorki – A Mãe)
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Resumo
Essa dissertação é uma das histórias do Povo Gavião da Aldeia Nova, Terra Indígena Governador. É uma história da relação entre povos indígenas e projetos de desenvolvimento narrada através de uma experiência singular, de onde tenho por objetivo refletir sobre as dificuldades de implementação de projetos indígenas e/ou indigenistas. Leva-se em consideração que tais projetos são construídos sob uma teia de encontros e desencontros de sistemas culturais que não se encerram na dicotomia indígena/ocidental, mas se estendem entre as mais diversas formas de ser indígena. Para tanto, acompanhei o desenvolvimento do projeto “Me ejcytji him pex txy: o resgate da proteção territorial feita pelos anciãos do Povo Pyhcopcatiji (Gavião)”, financiado pelo Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI) e executado pela Associação Comunitária Indígena da Aldeia Nova (ACIAN), durante o ano de 2014.
Palavras chaves: Projetos – Povos Indígenas – Interculturalidade
Abstract
This work is one of the stories of the people Gavião from Aldeia Nova, Indigenous Land Governador. It is the story of the relationship between indigenous peoples and development projects, narrated through a singular experience, where I intended to think over the difficulties of implementing indigenous and / or indigenous projects. Considering that such projects are built on a web of agreements and disagreements of cultural systems that do not end in indigenous/western dichotomy, but extend itself between various ways of being indigenous. For this work I analyzed the development of the project "Me ejcytji him PEX TXY: The rescue of territorial protection made by the elders of the people Pyhcopcatiji (Gavião)" funded by the Indigenous Peoples Demonstration Project (PDPI) and executed by the Indigenous Community Association Aldeia Nova (ACIAN) during the year of 2014.
Key words: Project – Indigenous People – Interculturalidade
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Agradecimentos
Nessa dissertação, pensada e escrita em tantos lugares diferentes, de Brasília
a Belém, passando pelo Maranhão, em aeroportos e terminais rodoviários, e por fim,
aqui no Vale do Javari, muitas mãos e vozes se fazem presentes. Inicialmente,
agradeço aos familiares e amigas que, mesmo sem compreender esse processo,
contribuíram para que ele prosseguisse e ajudaram com que eu fizesse mais
questionamentos a minha pesquisa, para além de categorias analíticas e discussões
teóricas sob a qual ela se insere academicamente.
Acredito que não é possível pesquisar e escrever, tal como executar um
“projeto”, sem um complexo de pessoas, instituições e intencionalidades que se
encontram e desencontram. Escrever sobre a relação entre um povo indígena e uma
instituição de proposição e regulação de projetos me fez refletir sobre a relação entre
uma estudante de pós-graduação e as redes institucionais e pessoais que propõe e
regulam o processo de pesquisa e escrita. Agradeço imensamente a todos da Aldeia
Nova, que me receberam e compartilharam suas histórias, assim como me autorizaram
a utilizar da nossa experiência para construir esse trabalho.
Tal como o caso narrado neste trabalho, o desenvolvimento de uma pesquisa,
em especifico, de uma pesquisa de mestrado, suscita muitos encontros e desencontros
de percepções e temporalidades. Nesse contexto, é muito comum desacordos com os
trâmites burocráticos, que impõem uma celeridade externa a experiência etnográfica e
aos “imponderáveis da vida real” a reflexão e escrita. Isso ocasionou, muitas das vezes,
prorrogações e desistências da vida acadêmica.
Dito isso, agradeço imensamente a rede de apoio que me fez prosseguir e
ajustar minha temporalidade para que este trabalho fosse concluído. Primeiro e mais
importante, às amigas e aos amigos do nosso querido “pequeno reduto progressista”
Katacumba. Espaço de troca de ideias, de xícaras de café e compartilhamento de
fumaça. Espaço esse estendido ao compartilhamento de sala de aula, principalmente
nas duas versões da disciplina “Oficina de Escrita Etnográfica”, construídas sob o olhar
atento e generoso da professora Soraya Fleischer. Essas pessoas foram minhas
primeiras leitoras e revisoras de texto. E também foram as quais recebi as mais severas
críticas e as mais suaves sugestões.
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Da Katacumba, são muitos os nomes e muitos os momentos de aprendizado
compartilhado. Sou grata a todas aquelas pessoas que compartilharam comigo a vida
de subsolo do ICC norte e de sobre solo nas mesas (instigantes) da 408 e nas reuniões
de etnólogas angustiadas. Pessoas que quando estava prestes a desistir me
incentivaram a continuar, lendo meus textos, contribuindo com questões,
compartilhando uma cerveja, resolvendo questões burocráticas e até nas ligações mais
ameaçadoras sobre não desistir do mestrado. Muito obrigada a JuliaS e NataliaS, a Kris,
Raysa, Chico, Alê, Paloma, Mimi, Isa, Bel, Aninha, Talita, João, Raoni, Jana, Ranna,
Renata, Marcela, Dani, Rosa. Obrigado a turma de mestrado 2013 e 2014, com as quais
dividi disciplinas e experiências, e ao “chato mais querido” Bruner Nunes!
A minhas queridas professoras, e por um acaso torto, porém feliz, também
orientadoras, Soraya Fleischer e Marcela Coelho, me faltam palavras. Com elas, meu
processo de passagem pelo mestrado como aluna e orientanda foi mais doce. Grata
pela generosidade e comprometimento com a docência e por compreenderem a
relação entre docentes e discentes para além de um sistema de avaliação. Como já
disse uma vez, vocês me fazem crer que escolher a antropologia como lente para
enxergar o mundo foi a minha decisão mais acertada.
Agradeço ao meu primeiro orientador José Pimenta que, a seu modo, me
instigou a melhorar como aluna e orientada e que, quando já não podia me ajudar, me
deixou à vontade para escolher um novo caminho de orientação. Agradeço a Comissão
de Pós Graduação do Departamento de Antropologia pela disposição em resolver
minha situação burocrática para a conclusão do curso e a secretaria do departamento
por toda solicitude demonstrada. E também agradeço ao CNPQ pela provisão de bolsa
de pesquisa e auxílio de campo.
Por fim, agradeço ao meu querido César Donato pela disponibilidade,
paciência e rapidez na confecção dos mapas que fazem parte deste trabalho.
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Sumário
RESUMO .................................................................................................................. 5
ABSTRACT ................................................................................................................ 5
AGRADECIMENTOS ................................................................................................... 6
NOTA EXPLICATIVA ................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
1. O PROBLEMA .......................................................................................... 12
2. POVOS INDÍGENAS E O “MERCADO DE PROJETOS”, ALGUMAS PREMISSAS ................ 13
3. AS VOZES QUE CONSTROEM A ESCRITA ........................................................... 19
4. SER CONSULTORA, SER PESQUISADORA: O TRABALHO DE CAMPO E O LUGAR DE UMA
“ANTROPÓLOGA DA ALDEIA” ............................................................................. 22
I. CONHECENDO A TERRA INDÍGENA GOVERNADOR E O POVO PYHCOPCATIJI: UM OLHAR A PARTIR DA ALDEIA NOVA ......................................................................... 28
1. SER CONTATADA: PRIMEIRAS CONVERSAS COM A ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA INDÍGENA
DA ALDEIA NOVA ........................................................................................... 28
2. “BEM VINDA A SUA ALDEIA”! ...................................................................... 32
2.1 A CHEGADA NA ALDEIA NOVA ..................................................................... 33
2.2 A TERRA INDÍGENA GOVERNADOR E O POVO PYHCOPCATIJI ................................ 36
2.3. A TERRA INDÍGENA GOVERNADOR HOJE ........................................................ 40
3. A POLÍTICA FACCIONAL JÊ E O SURGIMENTO DA ALDEIA NOVA ................................ 46
II. “ISSO NÃO É PROJETO NÃO, É SÓ UNS PEIXINHOS”: PROJETO NA ALDEIA NOVA,PROJETO PARA O PDPI ................................................................................. 51
1. O LADO DE CÁ (ALDEIA NOVA): “PROJETINHO” E “PROJETO MESMO” .................... 51
1.1. A EXCLUSÃO DA COMPRA DO CARRO: ............................................................ 55
1.2. O PAGAMENTO DE FUNCIONÁRIOS INDÍGENAS: ................................................ 58
1.3. O USO DO RECURSO DESTINADO A ALIMENTAÇÃO ............................................. 60
2. O LADO DE LÁ (PDPI): FORMULÁRIOS, PLANO DE TRABALHO, EXECUÇÃO TÉCNICA-
ADMINISTRATIVA E OUTRAS BUROCRACIAS ............................................................ 63
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III. PROJETO PDPI NA ALDEIA NOVA ........................................................................ 70
1. O PROJETO “ME EJCYTJI HIM PEX TXY: O RESGATE DA PROTEÇÃO TERRITORIAL FEITA
PELOS ANCIÃOS DO POVO PYHCOPCATIJI (GAVIÃO)” ............................................... 70
1.1. O “TEXTO” CONSTRUÍDO ........................................................................... 71
1.2 O “CONTEXTO” DA REALIZAÇÃO DO PROJETO ................................................... 75
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 94
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Nota Explicativa
No decorrer deste trabalho, permiti-me ultrapassar as barreiras da
normatização técnica para trabalhos acadêmicos instruídas pela ABNT a fim de
estabelecer uma relação menos desigual com as falas das minhas interlocutoras, ainda
que infimamente. De forma que as citações diretas, tanto as retiradas da literatura
quanto as da oralidade daquelas pessoas com as quais eu dialoguei para a construção
deste trabalho, permanecem formatadas com a mesma numeração de fonte e
espaçamento que o restante do trabalho, apenas recuadas a esquerda para facilitar a
marcação da leitura no documento.
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Introdução
Essa dissertação é uma das histórias do Povo Gavião da Aldeia Nova, Terra
Indígena Governador. É uma história da relação entre povos indígenas e projetos de
desenvolvimento narrada por meio de uma experiência singular, a partir da qual tenho
por objetivo refletir sobre como ocorreu à implementação de projetos indígenas e/ou
indigenistas nesse contexto.
A experiência que sustenta essa dissertação decorre da minha convivência
com os Gavião, que se deu no âmbito do desenvolvimento do projeto “Me ejcytiji him
pex txy: O resgate da proteção territorial feita por anciãos do Povo Pyhcopcatiji
(Gavião)”, comumente chamado de Projeto PDPI. Tal projeto foi executado pela
Associação Comunitária Indígena da Aldeia Nova (doravante ACIAN) com
financiamento do Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (doravante PDPI) e
apoio da Fundação Nacional dos Índios (FUNAI).
Como antropóloga responsável por acompanhar o desenvolvimento do
Projeto PDPI, eu tive acesso a um viés muito particular da vida da Aldeia Nova, aquele
regido pelas “regras do projeto”.1Durante os meses de janeiro e novembro de 2014,
realizei oito visitas a essa aldeia, que está localizada em Amarante do Maranhão
(doravante Amarante), município que se encontra no oeste do estado do Maranhão.
Além disso, durante o referido período, mantive uma intensa comunicação virtual e
telefônica com as pessoas que lá residiam sem estar presente fisicamente na aldeia.
Nesse sentido, o olhar que eu faço sobre esse fenômeno decorre da minha experiência
enquanto antropóloga contratada pelo projeto.
Esta introdução, além de apresentar o tema de que trata esta dissertação,
tem o intuito de expor o contexto da pesquisa a partir do qual ela foi escrita. Para
tanto, discorrerei, nessa introdução, sobre quatro pontos: 1) apresentarei o problema
no qual a pesquisa se funda e se transforma; 2) explicarei como se deu minha inserção
em campo como pesquisadora e consultora; 3) exporei um panorama geral sobre
como a relação entre povos indígenas e o “mercado de projetos” tem sido
1Devido às implicações éticas que envolveriam a minha presença na Aldeia e acesso a certas
informações, antes de aceitar o trabalho, solicitei que, concomitante as atividades do projeto, eu pudesse realizar minha pesquisa de campo para conclusão do mestrado. Sobre essa dupla relação com a Aldeia Nova tratarei mais adiante.
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problematizada nos estudos antropológicos sobre o contato interétnico; e 4)
apresentarei, de modo sucinto, as pessoas com as quais os diálogos em campo
possibilitaram a escrita dessa dissertação.
1. O problema
No ano de 2014, a ACIAN foi contemplada com um financiamento do PDPI –
projeto implementado via Ministério do Meio Ambiente (MMA) através do Programa
Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PP-G7) – para executar um
projeto de proteção territorial na sua TI. Com este projeto a Aldeia Nova ganhou maior
visibilidade dentro da TI Governador, onde estão localizadas oito aldeias do povo
Gavião2, autodenominados Pyhcopcatiji ou Pukobyê3.
A Aldeia Nova foi criada depois de um desentendimento na aldeia Riachinho,
que, por sua vez, surgiu após uma cisão na aldeia Governador, a maior e mais
importante aldeia da TI. Processos de cisão e fusão são extremamente comuns para
esse povo como será demonstrado mais adiante. Durante os últimos sete anos, tempo
no qual a Aldeia Nova foi/está sendo construída, suas lideranças tentam se diferenciar
das outras, encampando o discurso de “proteção do território” e “desenvolvimento
sustentável”, linguagem muito bem vista no “mercado de projetos”.
A liderança central da Aldeia Nova é José Bandeira, também conhecido como
Cabelo Ruivo. Ele foi durante 15 anos cacique na aldeia Governador e foi o fundador da
aldeia Riachinho, onde permaneceu também como cacique, até uma nova cisão levá-lo
a criação da Aldeia Nova. Hoje, ele e as outras lideranças indígenas buscam
reconhecimento e prestígio para sua aldeia.
Diante deste cenário, explanado em linhas gerais, pretendo nesta dissertação,
refletir sobre o seguinte ponto: Como o formato de projeto foi decodificado e
executado pela ACIAM? Algumas outras questões, como as implicações que a
execução do Projeto PDPI trouxe para as relações entre as lideranças da Aldeia Nova e
seus interlocutores indígenas e não indígenas, bem como o inverso, apesar de
2 Nesta TI, também moram indígenas da etnia Guajajara que se dividem em quatro aldeias.
Estas aldeias não serão levadas em consideração neste trabalho por não estarem incluídas no Projeto PDPI.
3 Neste trabalho utilizarei o nome Gavião para me referir ao povo, uma vez que esse termo é
o mais evocado oralmente, na língua portuguesa, pelos indígenas da TI Governador.
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inicialmente fazerem parte do interesse desta dissertação não serão tratadas nessa
oportunidade, porém constituem como uma boa questão a ser discutida futuramente.
2. Povos Indígenas e o “mercado de projetos”, algumas premissas
Transformações sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais
ocorrem, desde sempre, nas mais diversas sociedades. No contexto indígena, após o
contato com o “mundo dos brancos”, estas transformações se tornaram mais
agressivas, ocasionando a dizimação de diversos povos. Essa agressividade está
diretamente relacionada ao avanço das fronteiras econômicas sobre as florestas.
Diante deste contexto, a fim de manter o controle sobre as terras e sobre os indígenas,
o Estado começou a estabelecer políticas de reserva de terras e de “civilização” dos
indígenas.
A relação dos Povos Indígenas com o Estado se construiu através de embates
e de “negociação” de ocupação de terra, como a vasta literatura antropológica e
historiográfica denúncia. A política de Estado para questões indígenas surge
principalmente pela necessidade do primeiro gerir o seu território, em vista da
expansão das fronteiras do capital (HALL, 1991). Essa política se refinou através dos
anos até a tão aclamada Constituição Federal de 1988, na qual se reconheceu os
direitos originários dos Povos Indígenas sobre o seu território cabendo ao Estado o
dever tutelar sobre estes.
A luta indígena se constituiu, historicamente, na luta pelo território.
Inicialmente em disputas intraétnicas, hoje elas se atualizam em disputas contra o
avanço do modelo neoliberal de desenvolvimento imposto pelo Estado. Tais demandas
buscam não apenas uma faixa extensa de terra, mas também de boas condições
ecológicas para que a comunidade indígena que ali residir tenha condições de se
reproduzir, física e culturalmente.
Com o avanço do capital sobre as terras indígenas, partindo desse modelo
desenvolvimentista e os crescentes problemas socioambientais decorrentes da
construção de rodovias, ferrovias, hidrelétricas, os indígenas foram forçados a se
organizar junto às instituições e movimentos sociais na luta pela defesa do meio
ambiente, necessário a sua sobrevivência. Azanha chama atenção para o fato de que:
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(...) o cupen (o não indígena) (...) é pensado e posto como
o limite do processo de expansão, (...). Não há relação
sistemática possível com o cupen: ou se foge dele ou se
tenta expulsá-lo, mas, por definição, não se convive com
ele (1984, p. 32, parênteses meus)
Assim, é plausível dizer que o movimento indígena tem como função
estabelecer limites e pontes na relação entre indígenas e o “mundo dos brancos”. Tal
movimento também contribuiu na apropriação daquilo que os não-indígenas
pudessem oferecer como o cobiçado “mercado dos projetos”, termo utilizado pelo
antropólogo Bruce Albert (2000)para se referir a inúmeras fontes de recursos
nacionais e internacionais para políticas de desenvolvimento local que sugiram na
virada dos anos 1980 para os anos 1990.
É possível também relacionar o surgimento da ACIAN dentro de um contexto
maior. Conforme observa Albert (2000),houve um crescimento vertiginoso de
associações indígenas no fim dos anos 1980, no contexto de globalização das questões
ambientais e descentralização da cooperação internacional para promover o
“desenvolvimento sustentável”. Além disso, na política interna, o órgão indigenista do
Estado passou por um esvaziamento político e retração na gestão das questões
indígenas, assumindo apenas questões referentes à reserva e demarcação de terras.
(ALBERT, 2000, p. 197).
Ainda segundo Albert (2000), as fontes de recursos externos sob a forma de
“projetos” foi um incentivo para a criação de associações indígenas que surgiram nos
meios urbanos e rurais, configurando-se em associações regionais ou locais,
representando um povo ou uma aldeia, registradas e legalizadas, ainda que sem
nenhuma infra-estrutura nos termos não-indígena de associação, porém
“desempenhando regularmente funções políticas de articulações internas e de
representação interétnica” (Albert, 2000, p. 197), reivindicando direitos e executando
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deveres do Estado, principalmente no que concernem as condições ambientais das
Terras Indígenas.4
É, portanto, a partir da intermediação que estas
associações garantem entre suas populações de
referência e o universo de parcerias disponíveis que serão
definidas as condições sociais e políticas de possibilidade
para a preservação ambiental e o desenvolvimento
sustentável das terras indígenas na Amazônia (Albert,
2000, p. 202)
Para Gersem José dos Santos Luciano, indígena e antropólogo, a ideia de
desenvolvimento imbricada no “mercado de projetos” está atualmente para os Povos
Indígenas tal como estava a “promessa civilizatória” dos missionários no início do
contato, ou seja, valorizada como um ideal de vida. Ele afirma que, “a noção de
desenvolvimento aparece como uma etapa superior da civilização, ou seja, uma
continuidade do processo civilizatório proporcionado pelos missionários e por outros
agentes da colonização recente” (LUCIANO, 2006).
Paolo Rossi, historiador e filosofo italiano, chama atenção para a relação entre
conhecimento e progresso, no qual o conhecimento é concebido como uma tentativa
de controle do meio ambiente e de mediação na relação entre homem e natureza e
entendido que o conhecimento, nos moldes da modernidade, serve para construir um
futuro próspero. O avanço do conhecimento incidiria no progresso da humanidade.
Essa convicção de progresso que segue a premissa de que “o saber não é apenas
contemplação da verdade, mas também potência, domínio sobre a natureza, tentativa
4 Para que essa relação interétnica, entre Povos Indígenas e Estado, mediada pelas
associações indígenas e pelo “mercado de projetos” seja profícua, Bruce Albert elenca quatro parâmetros que devem norteá-la: 1) mobilização, por parte dos Povos Indígenas, das redes de apoio e da mídia (nacional e internacional) para pressionar o Estado; 2) Eficiência política indígena para incentivar a elaboração de políticas públicas que invistam no conhecimento da biodiversidade e na gestão territorial; 3) Busca por uma autonomia econômica para e pelos Povos Indígenas; 4) Contornar formas de subordinação e de clientalização que podem surgir no gerenciamento de projetos em terras indígenas e administrar formas de diferenciação social e cultural que surgem durante o processo de transformação socioeconômica. (Albert, 2000, p. 202) Esses parâmetros servem para distanciar o tanto quanto possível o espectro dos aldeamentos missionários e postos indígenas gerenciados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), modelos de “desenvolvimento” dos indígenas por meio de escolarização e trabalhos manuais, cujo “o foco do processo estava voltado para tornar os índios úteis à economia local e regional” (LUCIANO, 2006, p. 98).
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de prolongar sua obra para submetê-la às necessidades e às aspirações do homem”
(ROSSI, 2000, p. 34), deixa claro uma percepção que o futuro, progressista, pode ser
cada vez mais perfeito, desenvolvido.
Entretanto, a noção de desenvolvimento imbricou sempre um problema aos
indígenas, na medida em que, ao absolutizar o progresso, não se questionou quais
seriam os sujeitos beneficiados. Gersem Luciano ressalta as contradições no plano
discursivo e da práxis no campo interétnico do “mercado de projetos”:
(...) se por um lado, há uma ressonância entre os
discursos inovadores dos projetos orientados pelos
princípios de sustentabilidade cultural e ambiental, por
outro, há um descompasso conceitual e operativo nos
processos de implementação das iniciativas, que impõe
limites aos propósitos e estratégias definidos pelos
projetos – como de autonomia, autogestão e participação
indígena (LUCIANO, 2006)
Gersem Luciano demonstra os descompassos conceituais e metodológicos,
assim como expõe a diferença de horizontes socioculturais entre indígenas e
planejadores de programas e projetos, resultam em um desencontro de racionalidades
sobre a gestão dos projetos em terras indígenas, visto que5,
(...) na metodologia atual dos projetos de
desenvolvimento sustentável ou etnodesenvolvimento,
critérios como a participação indígena, a cogestão e a
sustentabilidade cultural, ecológica e econômica são
consideradas nos contextos de relações interétnica.
(LUCIANO, 2006)
5Concordo com Gerson Luciano quando esse defende a necessidade de se dar atenção para as
“configurações sócio culturais próprias” dos Povos Indígenas, a fim de que os critérios elencados acima não se conformem como referências a experiências específicas de sociedades não indígenas. Neste sentido, da busca por reflexões sobre as dificuldades encontradas na implementação de projetos em Terras indígenas, é importante notar as iniciativas de se discutir tal questão no âmbito acadêmico.
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Sobre a relação entre Povos Indígenas e agentes da sociedade nacional,
mediada através da crescente noção de desenvolvimento e/ou etnodesenvolvimento
na relação entre Povos Indígenas e o “mercado de projetos”, Maria Helena Ortolan
Matos (2007)demonstra que os atores envolvidos sempre questionam as múltiplas
razões para a diferenciação entre o que foi desejado, planejado e executado:
Os envolvidos nos projetos procuram entender as razões
desses desencontros entre o desejado, o planejado e o
executado, cogitam-se razões de várias naturezas, desde
técnicas, como a falta de capacitação e de habilidades dos
agentes indígenas para a execução das ações, até outras
de caráter mais pessoal, entre as quais a falta de
compromisso dos indígenas designados para as ações.
(MATOS, 2007)
Há, no entanto, questões bem mais complexas e menos
aparentes a serem consideradas, sobretudo se
entendemos que as definições e as elaborações de
projeto constituem encontros e desencontros de sistemas
culturais distintos. (MATOS, 2007)
Para a autora, as questões que depreendem da implementação de projetos
em contextos indígenas dizem respeito à interculturalidade que se estabelece no
processo. Maria Helena Matos se apropria do conceito de “fusão de
horizontes”(OLIVEIRA L. C., 1998) para defender a necessidade de se superar os
discursos hegemônicos dentro de uma comunidade interétnica de comunicação e
argumentação6 para estabelecer uma interseção entre as diferenças de horizontes que
se impõem na metodologia de elaboração de projetos. O foco dado pela antropóloga
em sua análise diz respeito à preconcepção de coletividade indígena que carregam
consigo os projetos. Fato que está diretamente relacionado com a “participação
6 Reflexão sobre a teoria do filósofo alemão Karl-Otto Apel, em que tanto uma comunidade
de comunicação e de argumentação é constituída por “elementos de um grupo cultural qualquer, quanto por elementos de um determinado segmento profissional (científico, técnico ou administrativo), de uma mesma sociedade desde que estejam inseridos num mesmo “jogo de linguagens” ou em um mesmo subsistema cultural” (Cardoso de Oliveira, 2000, p. 215), neste caso, com o perfil interétnico, que abrange a relação entre indígenas e não indígenas.
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indígena”, critério valorizado na aprovação de projetos pelas instituições
fomentadoras. Para ela,
(...) a participação de comunidades indígenas na fase de
elaboração de projetos, apesar de extremamente
importante, não garante por si só a realização do diálogo
efetivamente intercultural, no sentido do
estabelecimento de uma “fusão de horizontes” sem riscos
de distorções na comunicação. Dessa maneira, o grande
desafio de projetos implementados em terras indígenas,
sobretudo os que envolvem relações tripartites entre o
governo brasileiro, cooperações internacionais e povos
indígenas (por exemplo, aqueles executados com o apoio
do PPTAL/FUNAI e do PDPI/MMA), é efetuar diálogos
realmente interculturais que superem os limites de
comunicação entre universos de significados distintos.
(MATOS, 2007, p. 23)
Renata Curcio Valente(2007), antropóloga que pesquisou políticas públicas de
cooperação internacional para projetos de desenvolvimento, reforça que o princípio
de “participação” – juntamente com o de “sustentabilidade” e “integração” – tem sido
um dos elementos bases para a proposição de projetos de “desenvolvimento
sustentável” fomentados pela cooperação internacional alemã no Brasil. Segundo essa
pesquisadora, a preocupação com a participação das comunidades surgiu imbricada
com os resultados e obtenção dos objetivos de um projeto, porém atualmente tem
sido considerada em todas as etapas, desde a elaboração até a avaliação final.
Levando em consideração a análise da pesquisadora sobre “desenvolvimento
local integrado”, acredito que o “mercado de projetos” também traz consigo a noção
de auto-gestão, que supõe a preservação de recursos naturais e a sua utilização por
formas de trabalho que busquem a emancipação das comunidades, além da
participação. Assim, os projetos serviriam como um processo de empoderamento dos
povos indígenas que em uma atuação coletiva se tornariam responsáveis pelos
processos de desenvolvimento em seus territórios.
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Outra questão que é bastante presente nos projetos realizados em contexto
indígena diz respeito às atividades econômicas, especificamente sobre a produção de
excedentes para comercialização ou mesmo o surgimento de um produto indígena na
economia regional. Cássio Inglez de Souza (SOUZA C. I.)atenta para os problemas
enfrentados por projetos focados em atividades econômicas. Em geral as comunidades
que requerem esse tipo de projeto ressaltam dificuldades na segurança alimentar, na
necessidade de adquirir produtos no mercado local e na falta de assistência técnica
para desenvolverem a produção e/ou beneficiamento de produtos, bem como a
comercialização dos mesmos.
Para o antropólogo, esses projetos devem ser analisados levando em conta
pontos considerados críticos como: a sustentabilidade das atividades após o término
do financiamento do projeto; controlar os riscos de super produtividade, que possam
sobrepor o ritmo de trabalho nas comunidades; evitar estratégias que desgastem a
organização social da comunidade.
Tais pontos, assim como outros, poderão passar por uma melhor reflexão a
partir de estudos temáticos que registrem os contextos nos quais os projetos se
desenvolvem. É bastante ampla a discussão, na antropologia, sobre a proposição e
execução de projetos em terras indígenas.
3. As vozes que constroem a escrita
No trabalho de campo, escutar é uma das tarefas que depreende o maior
esforço, em que ouvir não é apenas o ato de compreender sons pela capacidade da
audição, mas também de inferir das reflexões individuais uma proposta coletiva, uma
“pedagogia de ouvir”(BARON, 2004), que será formalizada na escrita. A escrita, por sua
vez, é muito mais que a impressão gráfica de símbolos em um papel, é um monumento
ao tempo, disposição e memória das pessoas que afetuosamente nos dedicam suas
percepções do mundo.
Para que a escrita deste trabalho fosse possível, precisei escutar muitas vozes,
que reverberavam as mais diversas experiências e pontos de vista sobre a TI
Governador, a Aldeia Nova, os projetos e a intrínseca relação entre os Povos Indígenas
e o “mundo dos brancos”. Aqui vos apresento algumas destas vozes que me
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acompanharam durante a pesquisa e mais ainda durante a escrita.Ainda que o escopo
desta dissertação não tenha sido suficiente para apresentar todas essas vozes,
silenciando umas em detrimento de outras, elas estão presentes em todas as reflexões
que possibilitaram a existência desse texto.
Dona Marlene,64 anos, foi quem me recebeu em sua casa durante todas as
minhas visitas à Aldeia Nova. Ela é a esposa do fundador da aldeia, Cabelo Ruivo. Em
nossas conversas na cozinha, durante o preparo do jantar, Dona Marlene me informou
quem eram as pessoas que moravam na aldeia, como eu deveria me portar diante
deles, de que forma eu deveria chegar para conversar e como eu deveria recebê-los
quando viessem me visitar.
José Bandeira, conhecido como Cabelo Ruivo (pois quando era criança seu
cabelo parecia fogo), é fundador da Aldeia Nova. Considerado um Pa’hé, exercer a
função de chefia. Entre os Gavião, existem dois tipos de Pa’hé: 1) Ko Yom Pa’hé, que é
um chefe que manda no pátio, ou seja, nas atividades cotidianas da aldeia, como a
organização dos trabalhos, dos locais de moradia e das festas; 2) Kupêm Yom Pa’hé,
chefe que manda fora da aldeia, que os representa no mundo dos brancos. Cabelo
Ruivo seria o primeiro, chamado também como “gerente da aldeia”.
João Bandeira, 30 anos, filho de Cabelo Ruivo. Ele é presidente da ACIAN e
pastor da congregação da igreja neopentecostal Nova Aliança na aldeia. Segundo me
relataram, João Bandeira residiu muitos anos na cidade onde constituiu família, apenas
retornando a Aldeia Nova há pouco mais de dois anos para assumir a ACIAN. Percebi
que ele é respeitado pelo conhecimento que tem sobre a vida no “mundo dos
brancos”, pela sua capacidade de leitura e pela escrita, e conhecimento de
informática. Apesar de muitos na aldeia terem inserção na cidade e terem, inclusive,
residido no meio urbano, João se alinha a família de lideranças da Aldeia Nova.
Dorli Bandeira, 43 anos, filha mais velha de Cabelo Ruivo, casada com o
Cacique da aldeia. Dorli é agente de saúde da TI Governador, trabalha diariamente na
cidade e em visitações a outras aldeias da TI. Durante o Projeto PDPI exerceu a função
de “pesquisadora indígena”. Ela é formada em Serviço Social e Pedagogia por uma
universidade de ensino a distância. Antes de estar na aldeia, Dorli morou alguns anos
21
na cidade com a sua família, mas retornou a TI Governador quando seu pai fundou a
Aldeia Nova.
Marcos Sansão,46 anos, irmão de Marlene, vice presidente da ACIAN. Marcos
assumiu o papel de representante da Aldeia Nova em reuniões externas nas quais o
Cacique não poderia comparecer. Marcos morava em um “puxadinho” nos fundos da
casa da irmã, recentemente se mudou para aldeia Governador onde se uniu
matrimonialmente. Suas visitas pela Aldeia Nova eram esporádicas, mas sempre que
possível ele me procurava para um dedo de prosa.
Kátia Bandeira, 35 anos, terceira de cinco filhos de Cabelo Ruivo e Marlene.
Agente de saúde como Dorli e “pesquisadora indígena” no Projeto PDPI. Assumiu esse
cargo após o impedimento de Ricardo Guará – seu marido e irmão do Cacique – ocupá-
lo, já que esse era tesoureiro da ACIAN e isso implicaria em um empecilho burocrático
do projeto. Kátia, depois de João, foi uma das minhas principais interlocutoras e com a
qual estabeleci uma sólida relação em campo. Sua casa era sempre um ponto de
visitação. Com ela e Ricardo, aprendi muito sobre a história da família Bandeira
Gavião, sobre a construção da Aldeia Nova e sobre as regras para o convívio social na
aldeia. Além disso, foi sua casa um local onde podia espairecer de dias cansativos,
brincando com Krainon, a filha mais nova do casal, e assistir jogos de futebol com o
Riquelme, o primogênito.
Durante o trabalho de campo, também tive conversas mais pontuais com
outras pessoas da aldeia que, a sua maneira, contribuíram para minha compreensão
do “mundo da Aldeia Nova”. Yá Gavião, filho mais novo de Cabelo Ruivo, foi sempre
disponível a me levar a cidade quando era necessário e com quem eu compartilhava
conhecimentos básicos de fotografia e filmagem. No decorrer do Projeto PDPI, ele se
encarregou de registrar todas as atividades. Leila Bandeira, filha mais nova de Cabelo
Ruivo, foi alguém com quem compartilhei a casa e muitas conversas de fim de tarde.
Lucas Ferraz (irmão classificatório de Cabelo Ruivo) e Lucila Gavião, casal que tem
acompanhado Cabelo Ruivo na sua trajetória desde quando era participante da aldeia
Governador, estabelecemos trocas interessantes que esclareceram alguns
acontecimentos.
Por fim, uma voz externa a Aldeia Nova que me acompanhou durante todo o
trabalho de campo, construção do problema de pesquisa e com presença constante na
22
escrita, foi Maria Helena Barata, antropóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi. Por
sua intermediação, cheguei a TI Governador e através da sua etnografia, fruto de sua
pesquisa nos anos 1980, pude conhecer o povo Gavião e reconhecê-los a cada
atividade de campo realizada.
Apesar de, no corpo do texto, haver muitas falas masculinas, as vozes que
constroem essa escrita e que me ajustaram em campo, foram, essencialmente
femininas. Desta forma, utilizo o universal feminino para demarcar minha relação com
o campo, que por falta de tempo/sensibilidade não pôde ser explorada nesta
dissertação.
4. Ser consultora, ser pesquisadora: o trabalho de campo e o lugar de uma
“antropóloga da aldeia”
Antes de dar início ao corpo etnográfico desta dissertação, considero que é
fundamental apresentar algumas reflexões sobre o meu trabalho de campo. Nesse
tópico, minha intenção é fazer uma reflexão sobre relações de dupla interação em
campo a partir da experiência compartilhada por antropólogas e antropólogos durante
a escrita de suas pesquisas, a fim de refletir sobre a minha própria experiência.
Não é raro que, ao menos na antropologia, se encontrem pesquisadoras que,
além de desenvolverem suas pesquisas com determinadas interlocutoras e em
diferentes locais, também mantenham relações profissionais não acadêmicas com os
mesmos.
Minha pesquisa se deu através de uma dupla relação com as minhas
interlocutoras, durante meu trabalho de campo, no qual, além de aluna de mestrado
interessada em escrever uma dissertação, também era funcionária da ACIAN
responsável por contribuir no planejamento e coordenação do Projeto PDPI.
Andreas Kowalski, antropólogo alemão, esteve entre os Canela no final dos
anos 1990 realizando sua pesquisa de doutorado e também atuando como
cooperador7 no programa de ajuda da Lateinamerika Zentrum e V. Bonn (LAZ). Ele
relata que, inicialmente, dissociava seu trabalho de cooperador do seu trabalho
enquanto pesquisador. Sua pesquisa, a qual ele denominava “pesquisa de campo nas
7 O termo é “traduzido” pelo antropólogo como: “voluntário no trabalho de desenvolvimento”
ou “coordenador de projeto” (KOWALSKI, 2008)
23
horas de lazer” (KOWALSKI, 2008, p. 32), só era realizada quando todas as demandas
diárias das atividades do projeto acabavam. À época, o projeto que estava ocorrendo
era implantação de uma estação odontológica na aldeia e a pesquisa de Kowalski
versava sobre a questão dos indígenas que moravam na cidade e suas relações com a
aldeia.
Após perceber que os Canela não queriam falar sobre o que ele estava
interessado, pois segundo os mesmos, tudo já havia sido dito a outros antropólogos,
ele resolveu transformar seu trabalho em uma “observação participante”.
Aproveitando seu papel de cooperador para desvelar os aspectos do contato
intercultural entre índios e não índios. Tal decisão ampliou os horizontes da sua
pesquisa, que passou abranger outras instituições e pessoas que mantinham relações
com os Canela. Ele narra que,
(...) nos diálogos realizados sobre ideias e práticas da
cooperação para o desenvolvimento, tive (teve) a
oportunidade de fazer descobertas do pensamento e da
ação específicos da cultura Canela no contexto de ‘ajuda
aos índios’ (que se tornou seu tema de pesquisa)
(KOWALSKI, 2008, p. 37, parênteses meus)
Gilberto Azanha expõe, entre outros, em sua dissertação de
mestrado(AZANHA, 1984), sobre o lugar que ocupamos quando chegamos à aldeia. A
vasta literatura antropológica nos diz que em qualquer local de pesquisa há um lugar
no qual a pesquisadora é colocada. O autor relata que quando esteve entre os Canela
foi prontamente adotado e feito parente.Ele chegou lá como pesquisador e foi
considerado seguidor de outros antropólogos que por lá passaram. Esse, segundo ele,
era um lugar definido e facilmente assimilado pelos seus interlocutores. Porém,
quando esteve entre os Krahô, anos depois, como coordenador de projeto de
desenvolvimento comunitário (executado pela FUNAI) e também como pesquisador,
ganhou a alcunha de pa’hi (chefe). Uma caracterização dispensada pelo pesquisador,
mas cheia de expectativa para os indígenas.
24
Outro caso que ajuda a refletir sobre o lugar da pesquisadora em campo e
como esse lugar é um elemento essencial de construção da pesquisa é o da
antropóloga Ludmila Moreira Lima durante sua pesquisa de doutorado (LIMA, 2000).
Sua experiência de pesquisa se deu no mesmo local onde trabalhava como consultora
e as suas interlocutoras eram seus pares, consultoras antropólogas e de outras
formações. O ponto que mais me chamou atenção no seu relato é a constatação que a
relação de pesquisa com outras antropólogas provocou-lhe desconforto e insegurança.
A autora explica que não era seu intuito debater questões teóricas e metodológicas
com suas interlocutoras, mas que
(...) as perguntas e curiosidades eram tantas que cheguei
(chegou) até a pensar que havia ali a pretensão de uma
inversão de papéis, onde eu (ela) me (se) tornava uma
nativa e minha (sua) pesquisa um objeto de estudo.
(LIMA, 2000, p. 69, parênteses meus)
Diante dos casos exemplificados acima, pode-se perceber que o lugar da
pesquisadora em campo depende de certas variáveis: 1) quem você é em campo? 2)
quem são os seus interlocutores? e 3) qual a sua pesquisa? No contexto de dupla
entrada em campo, estas variáveis se complexificam com ambiguidade de
interesses/necessidades do “estar em campo”.
Diferente de Kowalski, minha pesquisa, desde o início, envolvia a relação
daqueles indígenas com o “mundo dos projetos” e era exatamente sobre isso que eu e
elas queríamos conversar. Acredito que isso me oportunizou escutar, das minhas
interlocutoras, informações e opiniões acerca de assuntos diretamente ligados a minha
pesquisa. Quando tentava conversar sobre outros assuntos, que também me
interessavam, não obtinha sucesso, elas só queriam falar comigo sobre “projetos”. O
que dificultou o acesso a outras informações de cunho histórico do povo Gavião,
informações estas que de fato já haviam sido ditas a outras antropólogas, como os
Canela diziam a Kowalski.
Outra diferença entre minha experiência de campo e a de Kowalski foi o fato
de eu nunca ter dissociado meu tempo de consultora do meu tempo de pesquisadora.
25
Pelo menos não enquanto eu estava na Aldeia Nova, meu local de trabalho. Sempre
tive a absoluta certeza que todo meu trabalho de campo seria guiado por meu
pertencimento a um lugar de prestígio. Toda a boa receptividade, disposição para
conversas e acesso a informações que eu tive na Aldeia Nova foram decorrentes de eu
estar lá enquanto “antropóloga deles”. Assim, não via motivos para demarcar minha
dupla função na aldeia.
Ressalto que, enquanto na minha percepção, não havia dissociação entre
minhas funções na aldeia, para as minhas interlocutoras essa diferença era bem clara.
Eu pude perceber tal assertiva através dos primeiros diálogos com as lideranças
indígenas da Aldeia Nova. A diferença foi demarcada e conformada na minha primeira
conversa com João, presidente da ACIAN, quando nos conhecemos em Brasília-DF e
com o Cacique da aldeia, Ubirajara (mas conhecido como Bira), quando fui visitá-lo em
Imperatriz-MA.
Nos dois encontros, comentei sobre minha condição de acadêmica e pedi
autorização para realizar a pesquisa do mestrado ao mesmo tempo em que eu estaria
trabalhando com eles no projeto. Diante deste pedido, tanto João, em Brasília, quanto
Bira, me fizeram uma série de perguntas sobre o meu comprometimento com a causa
indígena e com o projeto que iríamos desenvolver. Segundo ele, o tempo “não tava
bom pra índio” e nem para quem os ajudava. Após escutar minha trajetória acadêmica
e profissional, sua resposta ao meu pedido foi: “você nos ajuda, nós ajudamos
você”.Expressão esta que continuou sendo repetida no campo quando eu solicitava
autorização para gravar entrevistas e/ou fazer fotos e vídeos para minha pesquisa.
Se para as lideranças indígenas minha dupla função estava explicita, bem
como qual seria o meu desempenho no projeto e fora dele, o mesmo não se estendeu
a toda a Aldeia Nova. O fato da frequência de atividades do projeto estar diretamente
relacionada com a minha presença na aldeia fez com que minha função na aldeia
ganhasse maior importância do que realmente era. Como Azanha assinalou em sua
dissertação, essa função gerava bastante expectativa entre os indígenas, no meu caso,
principalmente, no que se referia à compra de alimentos.
É importante destacar que, devido o processo de reestudo pelo qual passa a
TI Governador a fim de rever os limites da demarcação da terra e por este ser um
26
assunto delicado e ainda, a categoria “antropóloga” ser reconhecida como “aquela que
vem ver o tamanho da terra”, no início do projeto fui apresentada pelas lideranças
como “técnica que tá aqui para nos ajudar”. Inclusive fui instruída por eles a não
comentar que eu era antropóloga, nem mesmo com os outros indígenas.
Como o decorrer das minhas visitas a Aldeia Nova, comecei a ser chamada de
antropóloga. E assim como Azanha, também percebi que este é um lugar definido e
facilmente assimilado entre os indígenas. Principalmente pelos mais velhos que me
relacionavam diretamente a Maria Helena Barata, antropóloga que esteve entre eles
nos anos 1980 e que por ventura havia me indicado para trabalhar no projeto.
Assim, com o tempo comecei a assumir o lugar de “antropóloga da aldeia”,
que não apenas tinha seus deveres de “técnica que ajuda no projeto”, mas que
também poderia ser acionada para as mais diversas demandas, geralmente as que
envolviam a construção de novos projetos, reuniões com a FUNAI, com a prefeitura
municipal, problemas com banco, documentações e até com os registros de energia
elétrica. Eu era uma tradutora burocrática que poderia contribuir em diversas frentes
de relações externas.
Em relação à experiência vivida pela antropóloga Moreira Lima, pode-se
depreender que a relação com nossas interlocutoras ditam nossos passos em campo.
Nos estudos antropológicos que envolvem pessoas marginalizadas socialmente, essa
relação pesquisadora-interlocutora se dá, em grande medida, de forma hierarquizada.
Na sua experiência o fato de suas interlocutoras compartilharem do mesmo lugar
social, lhe colocou em uma situação de desconforto. Em artigo recente, a antropóloga,
em uma reflexão acumulada sobre sua experiência de pesquisa, chama atenção para o
fato de que:
Nas interações sociais, assim como na pesquisa de
campo, surgem tentativas de gerar uma impressão
desejada de si próprio e de interpretar com precisão o
comportamento e as atitudes dos outros. (LIMA, 2013:7)
Durante meu trabalho de campo, na posição de “antropóloga da aldeia”, lugar
que conformou o meu “eu pesquisadora” e o meu “eu consultora”, assumi um lugar de
prestígio entre minhas interlocutoras, onde se mostrou de extremo conforto para
27
obtenção de informações e acesso a rodas de reuniões internas, essencialmente as
que tratavam sobre projetos, atuais e futuros. A impressão desejada que eu gostaria
de causar, já existia, a priori, na categoria de “antropóloga da aldeia”. No entanto, é
necessário demarcar que, em geral, é com as lideranças indígenas que a antropologia
trava suas interlocuções. Assim, os dados construídos em campo, durante a pesquisa,
são dados socialmente construídos por um viés específico, daqueles quem detém o
poder político na Aldeia Nova.
28
I. Conhecendo a Terra Indígena Governador e o povo Pyhcopcatiji: um olhar a partir da Aldeia Nova
Nesse capítulo, apresento a Terra Indígena (TI) Governador a partir da minha
relação com os moradores da Aldeia Nova, uma das oito aldeias do povo Pyhcopcatiji,
também conhecidos como Gavião8, nesta TI. A intenção desse capítulo é ambientar a
leitora sobre a condição na qual desenvolvi meu trabalho de campo e, ao mesmo
tempo, possibilitar a construção de uma imagem do povo Pyhcopcatiji. Com isso,
busco trazer os espaços/tempos/contextos nos quais transcorreu minha pesquisa.
1. Ser contatada: primeiras conversas com a Associação Comunitária
Indígena da Aldeia Nova
“Olá, esperamos vc urgente...”. Essa foi a primeira frase que me pôs em
contato com João Gavião e, por conseguinte, com a Aldeia Nova. Era 17 de junho de
2013 e João administrava a página da aldeia na rede social virtual Facebook e acabara
de me adicionar. Eu havia sido indicada para trabalhar com a Associação Comunitária
Indígena da Aldeia Nova (ACIAN) em um projeto. João, na época, era o presidente da
ACIAN. A indicação partiu da antropóloga Maria Helena Barata, que havia trabalhado
na TI Governador nos anos 1980 e tinha total confiança das lideranças mais antigas.
Fazia alguns anos que eu conhecia Maria Helena, paraense como eu,
antropóloga, aposentada, que tem como atividade recente um sebo virtual,o qual
vende livros, de antropologia principalmente. Foi através do seu sebo que nos
conhecemos. Estreitados os laços, ela leu minha monografia de graduação que versava
sobre o Povo Akrãtikatêjê (GUIMARÃES, 2011), também povo Gavião, tais quais os
indígenas da TI Governador. Dessa forma, quando foi convidada a retornar a TI pelo
povo da Aldeia Nova, mas impossibilitada de realizar longas viagens (além de todos os
percalços que um trabalho desses poderia lhe proporcionar pelo avançar da idade),
Maria Helena me repassou a proposta.
8 Na literatura especializada existem várias formas de denominar o povo Gavião, como por exemplo:
Pukobyê, Pyhcop Catiji, Pyhhcoppcatiji. Neste trabalho irei utilizar Pyhcopcatiji, pois foi essa forma de escrita que os indígenas da Aldeia Nova me ensinaram, ainda que reconhecessem todas as outras formas como válidas. Algumas vezes poderei utilizar o termo Gavião, pois na oralidade (na língua portuguesa), daqueles com os quais eu convivi durante a pesquisa, é muito comum a utilização desse termo para autodenominação.
29
O tempo da burocracia corria, a ACIAN precisava de uma antropóloga com
certa urgência, de modo que Maria Helena me pôs em contato com João Gavião,
através do Facebook, para que eu pudesse conhecer a proposta do trabalho. A
primeira conversa que tive com João foi extremamente curta e demandava uma
resposta rápida.
Eu questionei João sobre a natureza do projeto e, principalmente, do meu
papel nele, mas eu só consegui respostas vagas. Eu ainda relatei sobre minha condição
de estudante de mestrado (principalmente em relação ao tempo disponível), e de
neófita no mundo dos projetos da política indigenista. Apesar disso, recebi a seguinte
resposta: “nós confiamos na indicação”.
A urgência da primeira frase da nossa conversa e a confiança da última me fez
aceitar o trabalho sem ao menos ter lido o projeto. Contanto, fiz a ressalva de que, se
no futuro não fosse possível dar continuidade, eles poderiam facilmente me substituir
por outra pessoa. Naquele momento, eram importantes o meu nome e a minha
formação para que o projeto fosse submetido a um edital.9
Após eu ter aceitado “ajudá-los” no projeto, procurei saber mais sobre quais
as implicações, os riscos e as questões envolvidos naquele contexto no qual eu estava
adentrando. Além de algumas conversas com João Gavião, procurei também Maria
Helena Barata, autora de algumas obras sobre o povo indígena (1981; 1999), além de
amigos antropólogos que estavam mais familiarizados com o “mundo dos projetos” da
política indigenista.
Consegui a informação de que a TI Governador estava localizada no estado do
Maranhão, especificamente no município de Amarante. Uma amiga, etnóloga que
trabalhou naquela região, me explicou que o caminho para chegar até a TI era por
Imperatriz, a segunda maior cidade do Maranhão. Essa Eu tinha conhecimento dessa
cidade, localizada a 235 km de Marabá-PA, 10cujo percurso de viagem durava entre 4 e
5 horas.
Diante dessa informação e com o conhecimento comum sobre a questão
agrária na Amazônia, comecei a ter uma ideia da situação dos indígenas com os quais
iria trabalhar. Em termos de conflitos territoriais, a questão indígena naquela região
9Sobre o projeto e o edital, esses serão detalhados no capítulo III.
10 Cidade onde morei durante o meu período de graduação.
30
assemelhava-se à situação dos indígenas na região que eu já havia estudado (sul e
sudeste do Pará). Tal fato me fez pensar o quadro caótico da situação fundiária na
Amazônia que compreende Terras Indígenas em intensa relação com grandes
latifúndios, assentados da reforma agrária, posseiros, grileiros e madeireiros.
Dando continuidade as minhas pesquisas na internet para encontrar dados
bibliográficos e outras informações sobre a TI Governador, a Aldeia Nova, e sobre a
Associação com a qual eu trabalharia, percebi que não obteria muito sucesso. A Aldeia
Nova, como o nome sugere, era uma das mais novas aldeias da TI, o que tornava mais
difícil adquirir informações específicas sobre essa comunidade. Desse modo, procurei
mais informações junto ao João, mas não obtive retorno.
Se o período entre o nosso primeiro contato e o meu encaminhamento de
documentos e currículo para participar do projeto foi de três dias, João demorou três
meses para que entrassem novamente em contato comigo. Eu estava sendo
contatada, não o contrário. O tempo era o do outro.
Diante dessa ausência de contato por um período de três meses, imaginei que
algo poderia ter complicado a aprovação do projeto, porém, no dia 9 de outubro de
2013, recebi uma mensagem: “Oi o projeto foi aprovado! vou encaminhar uma cópia
urgente. Até mais…”.
Apenas nesse momento foi que eu descobri os detalhes do projeto. Era uma
proposta que havia sido submetida ao Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas
(PDPI), uma política fruto de cooperação internacional, gestada pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA). Esse edital atendia a demanda de criação de um Plano de
Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) em Terras Indígenas.11
Um dos requisitos do PDPI é que o projeto fosse construído pelos indígenas
ou alguma instituição com a qual o povo indígena tivesse vínculo. No caso em questão,
a ACIAN submeteu o projeto “Me ejcytji him pex txy: O resgate da proteção territorial
feita pelos anciãos do Povo Pyhcopcatiji (Gavião)”, doravante Projeto PDPI. Ao saber
da aprovação do projeto, João entrou em contato para que pudéssemos dar
andamento à nova etapa do projeto: o ajuste financeiro e o planejamento de
11
Sobre PDPI e PGTA, esse será melhor explicado no capítulo 3.
31
atividades juntamente com técnicos do PDPI no MMA. Esta nova etapa ocorreu em
Brasília, nas dependências do MMA, no início de Novembro.
Foi nesse momento de discussão, com fatos, em Brasília, que pude conversar
pessoalmente com João Gavião. No tempo de convívio que tivemos durante uma
semana, conversamos sobre a Aldeia Nova. Ele me contou que se tratava de uma
aldeia pequena, com uma população de mais ou menos cem pessoas, que faziam sete
anos que havia sido criada e que há um ano ele era presidente da Associação. Segundo
ele, esse era o primeiro projeto que a ACIAN iria executar.
João contou-me, também, sobre Amarante do Maranhão, parte urbana do
município que ficava a oito quilômetros da Aldeia Nova. Afirmou João que a cidade era
pequena, mas que era guarnecida com todos os serviços básicos, tais como: hospital,
escolas públicas, bancos, cartório, agência dos correios e um comércio diversificado.
Além disso, a proximidade da TI com Amarante faz com que haja uma movimentação
intensa entre aldeia e cidade. Essa relação, nos últimos anos, havia sofrido um forte
abalo, por conta da retirada ilegal de madeira da reserva indígena por
madeireiros/fazendeiros da região.
O fato que tencionou a relação entre os indígenas da TI Governador e os
moradores da cidade ocorreu no final de 2012. Um grupo de indígenas apreendeu
veículos e outros equipamentos de madeireiros ilegais que estavam retirando madeira
da TI. Em retaliação a essa apreensão, um grupo de fazendeiros/madeireiros fechou a
estrada que dá acesso entre a TI e a cidade, proibindo que os indígenas tivessem
acesso aos serviços básicos de saúde e que comprassem alimentos. Além disso,
intensificaram-se constantes ameaças de morte a algumas lideranças que eram
contrárias a venda de madeira.
Diante deste cenário, João me orientou a não conversar muito com o “pessoal
da cidade” enquanto eu estivesse por lá e, principalmente, que eu não comentasse
sobre minha profissão de antropóloga, muitos menos que eu era “amiga dos índios”.
Posteriormente, pude perceber que essa tensão tinha certa sazonalidade, se
acentuando em alguns momentos e praticamente inexistente em outros, a depender
do fluxo de entrada de madeireiros ilegais na TI.
Durante nossa conversa, não falamos muito sobre os aspectos mais gerais da
TI Governador. Entretanto, ele me adiantou que existiam alguns conflitos entre as
32
aldeias e que, portanto, eu não deveria ficar falando do projeto para “qualquer um”,
sendo indígena ou não, sendo da Aldeia Nova ou de outra aldeia. Eu tentei aprofundar
essa conversa a fim de descobrir melhor esses conflitos, porém ele não queria me
contar muito sobre a TI, pois a intenção maior dele era saber quem era a pessoa que
ele estava levando para a sua aldeia. Eu precisava ser conhecida, afinal ele queria
entender “como uma mulher jovem não tem medo de ir pro mato”.
Nesse momento, eu achei que deveria demonstrar vontade, habilidades e
capacidades para atuar no projeto. Para tanto, disse que eu já havia estado em outras
aldeias e já trabalhara com a temática em diversos aspectos. A cada povo indígena que
eu citava João me parecia demonstrar estar mais confiante de que eu não iria desistir
no meio do caminho. Ele me questionou sobre a aceitação da minha família em
participar do projeto e de ter que viajar em alguns momentos. Expliquei que a minha
família apoiava o que eu fazia e esclareci sua dúvida sobre o fato de eu não ter filhos e
marido. Naquele momento, eu era a “nativa” de um mundo que ele buscava entender.
No final da conversa, ele me disse que estava confiante no projeto e pediu
que os apoiassem na construção de mais outros. Eu estava aprovada para trabalhar
com eles. Assim, aceitei formalmente o trabalho e nos despedimos. No outro dia, ele
voltaria para a aldeia e eu ficaria aguardando a primeira oportunidade de conhecer a TI
Governador, o que só veio acontecer em janeiro de 2014.
2. “Bem vinda a sua aldeia”!
Marian
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14
33
2.1 A chegada na Aldeia Nova
Como a minha relação com os envolvidos no projeto não era apenas uma
relação de trabalho mas, também, acadêmica, antes mesmo de sair o financiamento
do projeto PDPI e de começarem as atividades do mesmo, programei-me para
conhecer a Terra Indígena Governador. Eu havia explicado minha condição de
pesquisadora ao João e marcamos a primeira visita para o início de janeiro de 2014,
logo que houvesse passado as festividades de fim de ano.
O trajeto para chegar até a TI é razoavelmente simples, apenas necessitando
apanhar um ônibus ou uma van na rodoviária de Marabá-PA até Imperatriz-MA. Há
pelo menos três empresas de ônibus que fazem esse trajeto em dois horários diários.
Também possível pegar condução de van de hora em hora, das seis da manhã até às
seis da tarde. Dependendo do transporte e do horário, a viagem dura entre quatro e
sete horas. Para chegar à cidade de Amarante do Maranhão, há ônibus de hora em
hora saindo da rodoviária de Imperatriz, a partir das seis da manhã até às seis da tarde.
Uma única empresa faz esse trajeto e a viagem dura, em geral, entre duas horas e
meia e três horas e meia.
Chegando a Amarante, restam apenas mais 8 km para a Aldeia Nova. Na
minha primeira viagem e na maioria das outras, alguém da aldeia me buscou de carro
na “agência”, local no qual chegam e saem os ônibus para Imperatriz12.
Minha primeira visita a TI foi no dia 11 de janeiro de 2014, depois de passar
três dias na cidade de Imperatriz. Durante esses dias eu conheci Ubirajara (Bira), o
cacique da Aldeia Nova que estava em um hotel da cidade recuperando-se de uma
cirurgia; Dorli, uma das importantes lideranças da aldeia, esposa de Bira e irmã do
João; além de representantes da FUNAI, aos quais eu fui devidamente apresentada
como antropóloga da Aldeia Nova.
Percebi que esses dias na cidade serviram para que eu obtivesse o
consentimento do Cacique para que depois eu pudesse ir para a aldeia. Tal como o
João em Brasília, Bira me fez uma série de perguntas sobre o meu comprometimento
com a causa indígena, com o projeto que iríamos desenvolver e me deu algumas
12
Esse foi o meu primeiro trajeto de viagem, os posteriores incluíam uma viagem de avião de Brasília até Marabá. Apesar de existir voos diários de Brasília para Imperatriz, normalmente essa opção é bem mais cara.
34
instruções de segurança, como não andar sozinha na cidade e não falar sobre o meu
trabalho. Segundo ele, o tempo “não tava bom pra índio” e nem para quem os
ajudava. Comentei sobre minha condição de acadêmica e pedi autorização para
realizar a pesquisa do mestrado ao mesmo tempo em que eu estaria trabalhando com
eles no projeto, ao que ele respondeu: “você nos ajuda, nós ajudamos você”.
João voltou para a aldeia alguns dias antes para, segundo ele, preparar a
minha chegada. Fiquei em Imperatriz aguardando a autorização para seguir à
Amarante. Quando cheguei à cidade de Amarante, liguei para João, que foi me buscar
no local que havíamos combinado. Ele ainda tinha algumas coisas para resolver pela
cidade e depois seguimos para a aldeia.
Quando chegamos à aldeia, João parou o carro na frente da casa dos seus
pais, José Bandeira (Cabelo Ruivo) e Marlene. A casa feita de alvenaria era a maior
edificação residencial da aldeia, com quatro quartos, sala e cozinha. Aquela seria a
minha casa dali por diante. Suas irmãs, Kátia e Dorli, estavam na porta e me receberam
com demonstrações de afetividade.
Kátia me deu um forte abraço e disse-me: “Bem vinda à sua aldeia”,
expressão repetida por todos que me viam pela primeira vez. Adentrei a casa, e fui
apresentada aos demais presentes e levada ao meu quarto. Eles insistiram que eu
deveria dormir e descansar da viagem, pois eu teria muito que fazer mais tarde.
Segundo eles, muitas pessoas iriam visitar a casa para saber quem eu era e conversar
comigo.
No início da noite, depois de comer e ter me deitado – como os meus
anfitriões sugeriram – sentamos atrás da casa. Algumas pessoas vieram me conhecer,
principalmente as mulheres. Conheci algumas histórias e um pouco sobre a vida dos
moradores e da aldeia.
Boa parte da renda dos indígenas da Aldeia Nova advém de benefícios do
governo federal (Bolsa Família, aposentadoria, auxílio doença, entre outros). Onze
pessoas têm relações de emprego, registrados pelas carteiras de trabalho, tais como
agente de saúde, auxiliar de enfermagem, motorista, brigadista e professor.
Eventualmente outras rendas apareceram com a execução de projetos.13
13
Sobre esse ponto, discorrerei no terceiro capítulo.
35
A aldeia, como característico dos grupos Timbira (AZANHA, 1984; BARATA,
1993; LADEIRA, 2006), organizava-se em formato circular, partindo do pátio (local
público onde acontece a cena política da aldeia) para as bordas do círculo, onde são
construídas as casas. Atualmente, a maioria das casas na aldeia é feita de taipa
(construção de pau e barro). Havia, naquele momento, a previsão da construção de
vinte e cinco casas de alvenaria pelo programa “Minha casa, minha vida”, programa
habitacional do governo federal, a ser realizada durante o ano de 2014. Foi-me
relatado que, desde 2010, existiam vinte e cinco banheiros construídos e todas as
casas possuiam água encanada.
Muitos relatavam que se ressentiam de um posto de saúde e de uma
estrutura melhor para a escola de educação infantil que funciona em um barracão
improvisado. A escola começou a ser construída em setembro desse ano, porém o
posto vai continuar sendo uma demanda da aldeia.
O desenho abaixo representa a Aldeia Nova, com a rua circular, as casas, os
banheiros por trás das casas e as árvores no pátio da aldeia. Além do campo de
futebol, lugar de muito prestígio entre os rapazes mais novos. O desenho abaixo foi
feito como uma planta baixa da organização de Aldeia Nova, que foi feito gentilmente
por Yá, um dos filhos de Cabelo Ruivo.
Figura 1 - Crêntohw (Aldeia Nova)
36
Diariamente, pude perceber que várias pessoas se deslocavam da aldeia para
Amarante para fins diversos, alguns no carro coletivo cedido pela FUNAI,a fim de
fiscalização do território e apoio logístico, e outros (poucos) em motocicletas próprias.
Quando o carro não está na aldeia ou não se tem combustível para moto, algumas
pessoas fazem esse caminho andando pela estrada. No caminho entre Amarante e a
aldeia é perceptível quando chegamos perto da TI, a floresta em pé se impõe a
paisagem dos pastos e o calor abafado dá lugar a um leve frescor. Apesar de ser uma
área devastada por madeireiros ilegais, ainda pode-se perceber a diferença na
paisagem entre a TI e as fazendas, nas proximidades.
2.2 A Terra Indígena Governador e o Povo Pyhcopcatiji
A TI Governador tem aproximadamente 42 mil hectares de terra e foi
reservada ao povo Pyhcopcatiji através de portaria expedida pela FUNAI em 1976. Há
alguns anos, essa TI está passando por reestudo dos limites, pois a área delimitada em
1976 não condiz com a área a qual os Pyhcopcatiji ocupavam historicamente, ficando
reservada a eles uma área bem menor do que outras TI do estado do Maranhão. Por
conta desse reestudo, todo o material produzido pela FUNAI sobre esta TI encontra-se
indisponível para pesquisa.
Nos mapas abaixo, pode-se perceber 1) a localização da TI Governador e2) o
tamanho diminuto da TI Governador em relação às outras terras indígenas nas
proximidades:
37
Mapa 1: Terras Indígenas do Maranhão. Elaborado por César
Teixeira Donato de Araújo (Eng.º Florestal)
38
Mapa 2: Terra Indígena Governador. Elaborado por César Teixeira
Donato de Araújo (Eng.º Florestal)
39
Como consta no mapa 2, atualmente existem oito aldeias do povo
Pyhcopcatiji na TI (Aldeia Nova, Rubiácea, Governador, Riachinho, Monte Alegre, Água
Viva, Canto Bom e Nova Marajá) e quatro do povo Guajajara (Borge, Faveira, Barriguda
e Nova Jurema). Cabelo Ruivo me contou que, no passado, houve uma epidemia de
gripe que dizimou boa parte da aldeia Riachinho, onde ele havia nascido, de modo que
os mais velhos faleceram. Apesar disso, restaram muitas crianças e jovens, que foram
levados para a aldeia Governador (A maior aldeia da TI na época). Passados os anos,
outras aldeias foram chegando a Governador por motivos diversos, todos relacionados
a problemas advindos do contato interétnico com o “mundo dos brancos”.
Seguindo essas diretrizes, Maria Helena Barata (BARATA, 1993; BARATA M. H.,
1999)nos dá um excelente retrato da situação de contato interétnico a que foram
submetidos os Pyhcopcatiji no Maranhão. Assim, me aproprio dessas etnografias, para
em diálogo com o meu trabalho de campo, traçar uma história da TI Governador.
Kátia Gavião, irmã de João, em uma de nossas primeiras conversas, no cair da
noite, em frente à sua casa, me contou o que os antigos falavam sobre a origem do seu
povo. Segundo eles, houve uma luta entre a lua e o sol; saindo o sol como vencedor,
duas cabaças foram escolhidas e a partir delas, juntamente com a água, foi formada a
mulher. Logo após, houve a multiplicação dos povos. Também lhes contam os antigos,
que havia uma grande aldeia, onde os primeiros Gavião moraram. Há rumores que
essa aldeia ainda existe, mas está perdida pela mata. Os antigos moradores foram se
afastando de lá a partir do contato com os “brancos”. Sobre o contato, Kátia me
contou das epidemias que dizimaram uma parte da população indígena e outras
situações que ela considerava como problemáticas para o seu povo como a incidência
de alcoolismo nas aldeias e a escassez de alimentos.
Maria Helena Barata, no seu livro fruto de sua dissertação de mestrado
(1993), problematiza, entre outras coisas, o encontro entre os Pyhcopcatiji e o “mundo
dos brancos” através da explicação do processo de “desenvolvimento” do Sul do
Maranhão. Essa região foi marcada, inicialmente, por uma frente de expansão pastoril
e agrícola vindas, respectivamente, da Bahia e Pernambuco e do Pará, que se iniciou
nos anos 1850. Posteriormente, por volta de 1950, por uma frente pioneira
agropecuarista (sulista), a área voltou a ser ocupada, atraída pela possibilidade de
40
rápido escoamento de produção pela então propagada construção da rodovia Belém-
Brasília.
Nesse momento, além do fluxo migratório, o cerceamento de terras pelos
grandes fazendeiros também foi intenso, diminuindo gradativamente a área de
circulação dos indígenas habitantes daquela região. Vários problemas decorreram
desse contato, como assassinatos de indígenas, epidemias de diversas ordens levando
à morte, principalmente, idosos e crianças além de atentados às aldeias por parte de
grandes fazendeiros. O caso mais famoso e contado (ainda hoje) é a ação de Otavão,
fazendeiro sulista que pôs fogo na antiga aldeia Rubiácea.
Tais fatos já foram relatados pelos diferentes trabalhos de Maria Helena
Barata. Quando essa chegou a TI Governador, em 1980, várias aldeias se encontravam
concentradas na aldeia Governador devido a esse intenso e violento processo de
contato interétnico. Naquele momento, já havia sido expedida pela FUNAI uma
portaria que instituía a Reserva Indígena Governador (posteriormente denominada TI
Governador). Porém o processo de desintrução – retirada de não indígenas da área –
ainda ocorria lentamente.
Os indígenas aceitaram essa demarcação, principalmente pela forte pressão
que sofriam por parte dos grandes fazendeiros. Na época, aceitar a demarcação, ainda
que de uma pequena área, era uma questão de sobrevivência. Porém, hoje, se
ressentem de estarem confinados em uma reserva pequena.
2.3. A Terra Indígena Governador hoje
Com a demarcação da TI, segundo o Cabelo Ruivo, houve certa estabilidade
no conflito com os fazendeiros. Entretanto, as aldeias antigas que se refugiaram na
aldeia Governador começaram a fazer o processo inverso, recuperando a antigas
moradas. Essas reorganizações internas às terras indígenas decorreram,
principalmente,dos atritos internos inerentes de disputas entre facções políticas
dentro da TI. Esse processo de cisão e fusão é caso comum na literatura sobre os
grupos indígenas falantes do tronco linguístico Jê (AZANHA, 1984; BARATA, 1993;
COELHO DE SOUZA, 2002), de tal forma que hoje a TI Governador conta com oito
aldeias Gavião.
41
Abaixo, trago um quadro produzido por Maria Helena Barata (1993, p. 51),a partir de dados de outros pesquisadores que estudaram
sobre o povo Pyhcopcatiji, atualizado em 2006 pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) 14, reatualizado por mim. Esse quadro mostra a
população do Pyhcopcatiji durante o processo mais intenso de colonização, nos anos de 1960 e seu restabelecimento populacional após o
processo de demarcação da TI Governador, nos anos 1980.
Quadro 1 – Dados populacionais do Povo Pyhcopcatiji entre 1929 e 2014
14
O CTI é uma organização não governamental fundada em 1979 por antropólogos e indigenistas, tem como principais linhas de trabalho o monitoramento ambiental de Terras Indígenas e no fortalecimento de projetos políticos indígenas. Em 2006, construiu parte dos estudos de impacto socioambiental da UHE do Estreito nas TI Kraolândia, Apinajé, Krikati e Governador.
42
O acesso dos indígenas (das aldeias mais recentes) a serviços básicos
continuam precários, tais como a água, a energia elétrica, além do acesso a cidade e
até mesmo a outras aldeias. Isso acontece porque a fundação de novas aldeias não
necessariamente é seguida por uma estruturação por parte da FUNAI, pois demora
alguns anos até que a aldeia se consolide e a FUNAI a reconheça. Soma-se a isso a
expansão da ocupação do território, que já é considerado pequeno pelos Pyhcopcatiji.
Outro problema relatado pelos indígenas é a continuação de investidas de
caçadores ilegais e a atuação de madeireiros que adentram a Terra Indígena para a
retirada de madeira, ações que colaboram para a diminuição da biodiversidade
necessária para a reprodução dos animais que servem como base de proteína na
alimentação dos moradores da Terra Indígena. Tais atos também dificultam a
reprodução étnica dos Pyhcopcatiji, posto que muitas áreas desmatadas levam
consigo, por exemplo, palmeiras utilizadas na fabricação de artefatos/artesanatos,
árvores utilizadas em rituais, como a barriguda, essencial no ritual da corrida de tora,
que marca o fim de um luto entre os indígenas.
A Amazônia, hoje, como antes, sofre intenso processo de ocupação territorial
através de projetos desenvolvimentistas do Estado e de ações do capital privado. O
cenário é composto por rodovias, ferrovias, barragens de rios, madeireiros ilegais,
grandes latifúndios, conflitos agrários, etc. (VELHO, 1972; RIBEIRO D. , 1996 [1970]).
A relação dos Povos Indígenas com o Estado tem sido conformada
historicamente como de embate e de negociação de ocupação de terra. A política de
Estado para questões indígenas surge principalmente pela necessidade do primeiro
gerir o seu território, em vista da expansão das fronteiras do capital, e ela se refina
com passar dos anos, até chegar a tão aclamada constituição de 1988, onde se
reconhece os direitos originários dos Povos Indígenas sobre o seu território.
Na cena descrita por Maria Helena Barata (1993), quando do contato entre os
Pyhcopcatiji e as frentes de expansão e pioneira, pode-se perceber claramente a
situação de contradição entre essas duas sociedades, no qual, conforme Cardoso de
Oliveira (1996 [1972]) já havia assinalado, há os dominantes, neste caso – os
fazendeiros sulistas – e os dominados – os indígenas. Esse processo se desenrola
contemporaneamente com novos (velhos) atores do segmento regional, como os
madeireiros, que por diversas vezes já ameaçaram de morte o cacique da Aldeia Nova,
43
que também faz a vigilância dos limites com o projeto “Guardiões do Território” 15,
financiado pela FUNAI.
A TI Governador, bem como diversas Terras Indígenas pelo Brasil, sofre
intensa pressão sobre o seu território. Dorli me contou que os principais problemas
são: 1) desmatamento ilegal da vegetação nativa; 2) caça, pesca e coleta ilegais; 3)
tráfico de fauna e flora; 4) atuação de grandes projetos, como a Usina Hidrelétrica de
Estreito16; 5)plantação de eucaliptos nas fazendas do entorno (atuação da empresa de
fabricação de papel Suzano); 6) rodovias estaduais e municipais; 7) atividades de
agricultura e pecuária de não índios, no entorno, causando danos aos mananciais; 8)
extração ilegal de areia e piçarra; 9) colocação ilegal de lixo, esgoto e animais mortos
dentro da TI, oriundos da cidade de Amarante e de povoados vizinhos.
O clima de tensão na TI Governador, por conta do reestudo dos limites, é
grande. Muitas vezes, quando íamos à cidade, era comum que, quando eu me
encontrava sozinha, pessoas me perguntassem se eu estava “ajudando os índios com o
negócio do tamanho da terra”. Certa vez, um funcionário da FUNAI foi participar de
uma reunião sobre a elaboração de um projeto. Quando ele retornou à cidade de
Amarante, já no cair da noite, escutamos tiros na entrada da aldeia. O cacique juntou
um grupo armado e seguiu para estrada a fim de saber se o funcionário tinha sido o
alvo. Era, entretanto, uma perseguição policial a um grupo de ladrões de motos.
Independentemente de ter sido um alarme falso, o alerta na Aldeia Nova é constante.
Outro fato,a ser destacado, nessa relação belicosa entre a cidade de
Amarante e os indígenas, são as propagandas eleitorais dos candidatos a deputados
estaduais e federais que estávam ocorrendo naquele período (setembro de 2014).
Carros de sons espalhados pela cidade de Amarante propagavam a seguinte frase:
“Quem é contra o aumento da Terra Indígena Governador pode votar em...” ou “Se
eleito, prometo ir contra o aumento da terra para os indígenas”. Outro causo que se
expressou na época de eleições me foi contado por Dorli. Certo dia, ela estava na
cidade com a camiseta do Projeto PDPI, quando um homem lhe abordou e com
15
Esse projeto prevê a circulação dos indígenas em zonas consideradas críticas dentro da TI, como áreas de desmatamento por parte de madeireiros e de caça ilegal.
16A UHE de Estreito é um megaempreendimento construído no rio Tocantins, na abrangência
dos munícipios de Aguiarnopólis (TO), Palmeiras do Tocantins (TO) e Estreito (MA). A TI Governador está no raio de 300km da UHE e é considerada área de impacto desta, no que concerne à pressão territorial devido ao inchaço populacional proveniente de grandes projetos desenvolvimentistas. (CTI, 2006)
44
bastante espanto lhe disse: “e agora vocês já tem até partido?”. Entendemos que, por
haver estampada a sigla “PDPI”, o homem referido supôs que se tratava das iniciais de
um “Partido Democrático do Povo Indígena”.
A desconfiança é uma constante em relação ao “pessoal lá da cidade”. Em
minhas últimas passagens pela TI Governador, quando pude estar em contato com
lideranças de outras aldeias que se encontravam reunidas em oficinas na Aldeia Nova,
escutei o mesmo discurso e as mesmas denúncias de invasão do território indígena e
da retirada ilegal de madeira. Nesse contexto, o discurso de proteção do território se
torna uma retórica importante entre as lideranças.
Os anciãos da TI, em uma oficina realizada em fevereiro de 2014, trataram
sobre a questão da territorialidade do povo Pyhcopcatiji, sobre o tempo de
antigamente e o tempo atual, sempre correlacionando os tempos através da questão
da demarcação da terra. Os relatos feitos por doze anciãos (com todas as aldeias
representadas) foram na língua materna, dessa forma, sentada em um canto, eu
recebia a tradução simultânea de Kátia e Dorli. Tomo aqui, a liberdade de relatar o que
escutei em uma construção narrativa17 que ajude a entender melhor a constituição da
TI Governador:
João Gavião iniciou a oficina relembrando a todos o motivo de estarem ali
reunidos. A oficina tinha como objetivo promover o “resgate da proteção territorial”
através da fala dos anciãos para os mais jovens. Assim, os anciãos falariam sobre a TI, a
vigilância do território, a cultura e a sustentabilidade. Feita a apresentação de todos os
anciãos presentes, começaram as falas, um por um, dos anciãos falaram sobre os
diversos temas citados acima, onde se ressaltaram os trechos abaixo:
A terra é a nossa mãe, não podemos deixar que o branco
nos roube, pois é da nossa terra que tiramos o nosso
sustento. Nossa terra é Amazônia legal e Cerrado, temos
direito a ela inteira. Antigamente, nós circulávamos por
aqui tudo. Gavião caçava, pescava e buscava frutas
nativas. Andávamos por onde nossos antepassados
17
A tradução feita por Dorli e Kátia seguia a ordem lógica da língua nativa, que em português perde um pouco do sentido, por isso opto por reconstruir as falas de forma ficcional na cronologia porém real enquanto conteúdo.
45
tinham ensinado. Andando pelo nosso território, fazíamos
a vigilância.
Hoje nosso território tem demarcação, não podemos
andar por onde queremos a FUNAI delimitou a terra, mas
deixou muita coisa de fora. Temos que lutar para
recuperar nossas terras lá no Batalha, no rio Santana, no
rio Pindaré, na Baicoteira, no povoado grotão e no
povoado de Campo Formoso.
A Terra Indígena Gavião era tudo isso e hoje tá
desmatada pra ter capim para os bois dos fazendeiros.
Vivemos aqui, ameaçados por madeireiros que também
querem uma parte do que é nosso. Tem também as
grandes empresas, como a Suzano18, que planta
eucalipto, como a CESTE19 que tem as linhas de
transmissão de energia em nossas terras. Nossa mãe
mata continua sendo explorada pelo branco, desde o
nosso tempo até agora o tempo de vocês que são novos.
Nós não temos mais energia, mas vocês, nova geração do
povo Gavião, têm que lutar para manter a nossa história.
A luta pela terra é importante para manter nossa cultura,
nossa tradição, nossa língua, nossa sobrevivência como
Gavião. O nosso território, pequeno do jeito que tá, não
nos garante sobreviver. Para podermos desenvolver
nossos rituais precisamos de nossa terra e nossos
recursos naturais. Nossa terra só tem igarapés pequenos,
e tem o branco que entra pra tirar o que ainda restou dos
animais. A ação dos madeireiros é devastadora, derrubam
até o que não tem serventia pra eles. Nossas palmeiras
que usamos para artesanato, nossas árvores de rituais. Os
18
Empresa brasileira de papel e celulose. 19
Concessionária de energia elétrica do nordeste.
46
invasores cercaram nossos lugares sagrados, nossos
lugares tradicionais, pra criar gado.
A terra é nossa, mas não podemos andar nela. Por isso
temos que lutar. Sabemos que vai ser uma luta de Davi
contra Golias, mas nós Gavião vamos estar fortes. Vamos
resistir! Vocês conhecem algum povo que faz a sua casa
ao redor de um círculo, com caminhos que mais parecem
raio de sol em dia de intenso verão? Esse povo existe,
somos nós, Pyhcopcatiji, Povo Gavião. Resistimos a mais
de 500 anos e vamos continuar.
Nesse discurso proferido pelos anciãos das diversas aldeias da TI Governador
foi perceptível que se sobressaiu à questão dos limites da TI e a necessidade de os
indígenas terem mais gestão sobre o seu território. Ficando claro que eles consideram
como seu território não somente o que está demarcado pela FUNAI, mas também o
que ficou de fora da demarcação oficial e que hoje é ocupado por fazendeiros e
pequenos agricultores. Eu vejo que esse discurso permeia quase todas as conversas
individuais que tive com as lideranças indígenas, principalmente quando eles queriam
acionar diferenças entre as aldeias.
3. A política faccional Jê e o surgimento da Aldeia Nova
Curt Nimuendajú é considerado o primeiro etnólogo a conhecer e a escrever
sobre os povos Timbira. Nos seus primeiros escritos ele já ressaltava as características
comuns que compartilhavam aqueles povos indígenas que habitavam partes dos
estados do Maranhão, Goiás e Tocantins. Antes de Nimuendajú, o major Francisco de
Paula Ribeiro (1841; 1870)já apontava para a expansão dos povos Timbira e suas
características pouco diversificadas. Ambos os autores ressaltavam, também, as cisões
e alianças que ocorriam internamente dentre os povos Timbira, características estas
que se observa até os dias atuais.
Os Timbira são povos falantes de línguas incompreensíveis pertencentes a
família Jê, ramos setentrional. Esses povos se encontram nos estados do Pará,
Tocantins e Maranhão, na Amazônia e no Cerrado. São eles hoje: os Apinajé, Canela
47
Apanyekrá, Canela Ramkokamekrá, Pyhcopcatiji, Krikati, Krahô, Parkatêjê, Akrãtikatêjê,
Kiykatêjê.20
Entre os escritos mais específicos sobre os povos Timbira, a dissertação “A
forma Timbira: estrutura e resistência”, defendida em 1984, pelo antropólogo Gilberto
Azanha, é uma das mais claras e sucintas sobre o que foi/é chamado de “forma
Timbira”, ou seja, a resistência do povo Timbira em continuar a reproduzir suas
práticas políticas, sociais e rituais, mesmo com uma dada proximidade de uma forma
de vida não aldeada que se impôs no período após o contato com o Estado e
populações regionais. Sua pesquisa se deu a partir de sua experiência como
coordenador de projeto de desenvolvimento comunitário entre os Krahô e como
pesquisador entre os Canela.
Azanha toma a conceituação de Bateson sobre schismogenesis, para explicar
o processo de segmentação das aldeias Timbira, enquadrando-a como um processo
schismogenético de tipo simétrico, que supõe a diferenciação entre os grupos sem
alterar a forma original. Desta forma,
“a consequência desse processo é que ele coloca os
grupos assim diferenciados frente a frente como “iguais”,
estabelecendo uma rivalidade entre eles na medida em
que cada um interpreta a “forma comum” a sua maneira”
(AZANHA, 1984, p. 13)
O sufixo (- catêjê) demarca a ocupação territorial de determinado grupo.
Azanha aponta que:
“(...), a forma (- catêjê) especifica um subgrupo dentro de
um domínio inclusivo e os grupos assim designados são
grupos que resultaram de um processo de cisão ou fusão
recente – são “grupos locais” em sentido estrito “” (1984,
p. 11).
20
Até os meados dos anos 2000, apenas eram conhecidos os Parkatêjê, residentes da TI Mãe Maria. Processos de cisão de aldeia fez com que grupos distintos retomassem publicamente seus etnônimos, deixados de lado no processo de aglutinação desses povos decorrentes do avanço do Estado sobre seus antigos territórios.
48
Isto é bem visível entre os Gavião do Pará, onde cada cisão que ocorre produz
um novo grupo que se autodenomina com o sufixo (-catêjê) no nome. Por exemplo,
até 2009 havia duas aldeias que se denominavam de Parkatêjê e Kiykatêjê.Após um
processo de cisão na primeira, uma nova surgiu com a denominação Akrãtikatêjê e
novas cisões continuam ocorrendo, originando novas aldeias que valorizam uma
identidade étnica mais exclusiva, utilizando do sufixo (-catêjê) para demarcar sua
territorialidade (GUIMARÃES, 2011; SOUZA, 2014).
Entre os Gavião do Maranhão, essa diferenciação de ocupação territorial não
é tão visibilizada pelo sufixo (- catêjê), os processos de cisão produzem novas aldeias
onde os indígenas ainda se chamam Gavião ou Pyhcopcatiji (-catêjê), se diferenciando
pelo nome dado a aldeia, como turma da Aldeia Nova, turma da Governador, turma da
Rubiácea, e assim por diante. No entanto é sabido que ali residem vários grupos que se
denominam pelo sufixo (-catêjê), porém, me explica Cabelo Ruivo que “a mistura já foi
tão grande que nem dá pra a gente dividir”. A diferenciação de ocupação territorial na
TI Governador é mais visível quando observamos o fenômeno da política faccional,
muito bem observado por Maria Helena Barata (1993).
“É sabido que os grupos Jê, em geral, e os Timbira, em
particular, caracterizam-se, entre outras coisas, pela
formação de unidades políticas menos inclusivas do que o
próprio grupo tribal ou a aldeia, são as chamadas facções.
[...] Pelo que se pôde perceber através da literatura
Timbira, essas facções são, no mais das vezes,
extremamente fluídas e de difícil detecção, tornando-se
mais aparentes quase que exclusivamente nas situações
em que o conflito torna-se manifesto, e, assumindo-se
por oposição, particularmente, no que diz respeito à
disputa pela chefia, chegando muitas vezes a provocar
cisões na aldeia” (BARATA, 1993, p. 106)
Barata explica que nas aldeias Timbira, os segmentos residenciais são de
extrema importância na vida política local, pois um líder que queira ascender à
condição de chefia necessitada do apoio desses segmentos, em parte ou por inteiro, o
49
seu ou outros que podem compartilhar dos seus interesses, de forma que as facções
dependam dos segmentos regionais, mas estes não as limitam. Contudo, entre os
Gavião do Maranhão, Barata identificou particularidades que a fez identificar na TI
Governador as facções políticas como dependentes do “Setor Residencial” que
guardam em seu interior os segmentos residenciais. Isto, devido à aglutinação de
quatro aldeias Gavião (Governador, Rúbeas (atualmente Rubiácea), Riachinho e São
Félix) em um mesmo espaço/aldeia e o fato de “os homens Pukobyê (Gavião), logo
após seu casamento, passa a pertencer simultaneamente a dois grupos domésticos: ao
seu grupo de nascimento e ao da sua esposa, ficando assim dividido entre duas
lealdades em caso de confronto político” (BARATA, 1993).
Com a reunião de quatro aldeias na Governador, configurando quatro setores
residenciais, apolítica faccional se tornou visível nos setores residenciais que
representavam a autonomia das aldeias que foram um dia. As disputas por liderança
se acirravam entre os setores, principalmente entre aqueles que representavam as
aldeias Riachinho e Governador.Ambas alternavam as chefias, mas a cisão não ocorria.
Barata (BARATA, 1993, p. 122)chama atenção para o fato de que à época, a pressão
externa (fazendeiros e posseiros instalados na área reservada aos indígenas) precisava
ser combatida com uma coesão interna. Assim as cisões na aldeia Governador só
ocorreram quando a terra foi demarcada e ouve a desintrução dos não indígenas; de
forma que houve condições para o crescimento de autonomia política e territorial dos
setores residenciais que aos poucos se desligaram da aldeia mãe. O povo de Riachinho
retornou ao seu antigo território sob a liderança de Cabelo Ruivo.
É importante notar que “apesar das acusações mútuas que se seguem (ou dão
origem) ao processo de cisão, a trama do parentesco mantém por muito tempo unido
o novo grupo à aldeia mãe” (AZANHA, 1984, p. 12). Desta forma, ainda que as aldeias
Riachinho e, posteriormente, Rubiácea houvessem cindido com a aldeia Governador, a
relação com esta se manteve, principalmente por conta dos inúmeros casamentos
realizados entre os setores residenciais.
Na Aldeia Nova nota-se, ao menos discursivamente, a necessidade de se
diferenciar da aldeia Riachinho, de onde ela veio imediatamente, porém se busca
manter uma boa relação com a aldeia Governador, de onde nos anos 1980 saiu a
aldeia Riachinho. Recentemente, um membro da Aldeia Nova (Vice-presidente da
50
ACIAN, cunhado de Cabelo Ruivo) arrumou casamento na Governador, fato muito
exaltado na Aldeia Nova.
A Aldeia Nova é, como dito acima, fruto de uma cisão na aldeia Riachinho,
devido a disputas pela liderança de um segmento residencial, Cabelo Ruivo deixou
Riachinho que ficou sob a chefia de seu sobrinho Joel. A disputa entre as lideranças
pela chefia se sobressaiu durante o desenvolvimento de um Projeto PDPI, pois havia
discordâncias sobre a utilização de um caminhão que fora comprado para a aldeia com
recursos do projeto.
As facções se sobressaem quando se intensifica a competição pelo domínio
político da aldeia, que em tempos de “mercado de projetos” significa, muitas das
vezes, o domínio sobre a estrutura proporcionada por este, além da capacidade de
articulação com agentes não indígenas, como ONGs e com a FUNAI. O antropólogo
Rafael Estevão Fernandes (2013, p. 27)chama atenção de que “o faccionalismo é um
fato que não põe em xeque a unidade do grupo por oferecer também uma saída para
o conflito: a divisão da aldeia”.
Sobre o processo de cisão ocorrido entre Aldeia Nova e Riachinho há várias
versões, mas ambas culminam com a disputa pelo uso do caminhão. Esta parece ter
sido a questão que decretou a saída de Cabelo Ruivo e sua família para uma nova
aldeia na qual prevaleceu o seu segmento residencial. Com a criação da aldeia, as
lideranças que lá emergiram se organizaram em uma associação e iniciaram a busca
por projetos e manter boas relações com a FUNAI, apresentando-se como boas
lideranças através da retórica da “proteção do território”, denunciando indígenas que
facilitavam a entrada de madeireiros na TI. Essa se configura como a principal
estratégia para alcançar “status” e prestígio frente às outras aldeias desde idos dos
anos 1980 (BARATA, 1993).
51
II. “Isso não é projeto não, é só uns peixinhos”: Projeto na Aldeia Nova, projeto para o PDPI
1. O lado de cá (Aldeia Nova): “projetinho” e “projeto mesmo”
Projeto, via de regra, é o planejamento de algo que se pretende realizar. Um
projeto pode possuir vários elementos, a depender de quem o elabora, de sua
finalidade e de qual tipo de avaliação ele será submetido. Partindo deste
entendimento, qualquer atividade previamente planejada é um projeto em execução.
Ainda que diferentes áreas do conhecimento produzam, utilizem e definam “projeto”
das mais variadas formas, ele é sempre concebido como algo a ser desenvolvido
dentro de parâmetros previamente estabelecidos.
Quando eu estive pela primeira vez na Aldeia Nova, logo nas primeiras
conversas, em que a palavra “projeto” era um termo muito evocado – principalmente
para explicar a minha presença na aldeia – percebi que haviam vários fatores
considerados pelos indígenas para caracterizar uma atividade com a alcunha “projeto”,
que não necessariamente o fato dele ser, intrinsecamente, um projeto, algo planejado
para ser desenvolvido, segundo parâmetros prévios. Alguns exemplos são: a
quantidade de recursos, a procedência destes, quem os gesta, o que pode ser
adquirido com ele, entre outros.
Em uma conversa com Cabelo Ruivo, enquanto andávamos pela aldeia,
perguntei sobre a criação de peixe que eu havia visto no fundo da sua casa. Ele me
disse: “ah! Isso aí a gente que ta tomando conta, mas é da aldeia toda. Aí dois fizeram
o curso pra cuidar, mas perderam o gosto e eu to cuidando”. Eu perguntei então se tal
atividade era fruto de algum projeto, ao que ele me respondeu: “não, isso não é
projeto não, é só uns peixinhos. A Embrapa21 que veio aqui, conversou com a gente,
reunimos, aí tirou esses dois pra fazer o curso, aí vem técnico aqui ver e conversar”.
Algumas horas depois descobri que se tratava, nos meus termos, de um projeto que a
Embrapa havia desenvolvido com as aldeias daquela TI. As aldeias podiam escolher
entre criação de peixe ou de aves, a Embrapa forneceria os insumos e a capacitação
técnica e os indígenas, a força de trabalho.
21
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
52
Diante deste caso, continuei questionando sobre possíveis projetos
desenvolvidos na aldeia. Observei que logo na entrada da aldeia havia uma estrada
secundária delimitada por duas fileiras de pé de caju. Cabelo Ruivo também me disse
que aquilo não era de nenhum projeto, ele mesmo havia plantado todos aqueles pés,
informação está confirmada por todos os outros indígenas com quem conversei sobre
o assunto. Posteriormente, também, constatei que se tratava de mais um projeto
desenvolvido pela EMBRAPA,em parceria com a aldeia.
A criação de peixes e a plantação de caju tinham em comum algumas
características: ambos foram previamente planejados por especialistas, desenvolvidos
em parceria com os indígenas, viabilizados através de um recurso externo a aldeia e
geridas por outrem que não seus moradores, além de terem produções consideradas
modestas. Se a primeira característica já poderia insinuar que tais atividades
consistiam em um projeto, as duas últimas eram evocadas para caracterizá-las, no
máximo, como um “projetinho”.
A primeira vez que escutei o termo “projetinho” foi em uma conversa com
Marcos (vice-presidente da ACIAN), que me falava de seu conhecimento sobre o
desenvolvimento de projetos:
“Eu sou vice-presidente na Associação, mas a minha
função na aldeia é como uma pessoa que vai lá fora
participar de algumas reuniões. Vou pra congresso,
conferências né? encontros com outros parentes nossos.
Assim, o cacique não pode ficar muito longe, aí eu que
vou representando”. Nesse momento, percebi que eu já
havia conhecido Marcos, em Brasília, durante a Semana
de Mobilização Nacional Indígena de 2013, ele estava
como um dos representantes do povo Gavião do
Maranhão. Ele continua, “aí eu viajo muito e não
acompanho muito as atividades aqui da aldeia, mas da
minha época mais moço, quando a gente tava lá na
Governador, ali sim tinha projeto, muito dinheiro mesmo
naquele tempo, agora só tem esses projetinhos né? Que
53
vem pra a gente fazer alguma coisa, mas é pouco, a gente
tem que fazer mais coisa, trabalhar mais né? No
desenvolvimento né?”
Em diversos momentos, tanto nas conversas mais formais quanto nas
informais, o “tempo da Governador”, época na qual todos estavam reunidos em uma
única aldeia, também conhecido como “tempo da Vale” 22, era sempre lembrado como
o tempo de “projeto mesmo”, onde a circulação de dinheiro na aldeia era intensa. Esse
tempo, como na fala do Marcos, é comumente chamado para criar um contraste com
aquelas atividades que os indígenas da Aldeia Nova consideram “projetinhos”. Como é
possível observar, com mais clareza, em uma fala de João (presidente da ACIAN):
“Eles (os mais velhos) sempre falam desse tempo que
tinha a Vale aqui. Era projeto grande mesmo! Chegava
era mala de dinheiro e o chefe do posto saía distribuindo
aí.” – E você já participou de algum projeto grande como
esse que os mais velhos dizem? “Não, só uns
“projetinhos” mesmo que eu vi, mas não participei
muito”. – Quais projetos você lembra? “Ah, só uns
pequenos mesmo, que o pessoal lá da Governador
chamava. Aí tinha oficina, a gente participava. (...) O pai
(Cabelo Ruivo) tava ativo na época que tinha a Vale, ele
não considera assim que o PDPI é um projeto mesmo
sabe? Eu também tenho um pouco esse pensamento, a
gente tem que mexer com a Vale, nós ainda tem que
arrumar um jeito de mexer com a Vale, mas não é por
agora. Primeiro a gente tem que fazer esse certinho. Mas
o pai fez um PDPI lá no Riachinho, projeto bom, comprou
um caminhão e tudo”
22
Referência à empresa Vale do Rio Doce, que por muitos anos injetou dinheiro na TI Governador como medida compensatória pela construção da Estrada de Ferro Carajás nas proximidades.
54
Mesmo sem citar nenhum projeto que ele considerava como “projetinho”,
João deixa claro que existe uma diferença entre “projetinho” e “projeto mesmo”.
Neste caso, a diferença é demarcada pelo volume de recursos financeiros que circulam
na aldeia. Para além do fato do projeto ter muito dinheiro, o lugar onde ele circula é
importante. João considerou um projeto na Governador que era chamado de
“projetinho”, ainda que tenha sido o último grande projeto desenvolvido na TI.
Tratava-se da construção do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da TI (PGTA), que
agora, no Projeto PDPI, a Aldeia Nova estava revisando. Era considerado “projetinho”
pela Aldeia Nova porque não era ali que circulava o dinheiro e porque eles não
participavam na gestão do projeto, apenas de atividades pontuais, como cursos de
formação, oficinas de etnomapeamento, entre outras. Utilizar o termo “projetinho”
(ainda que o Projeto agora desenvolvido na Aldeia Nova seja menor financeiramente
do que o anterior, desenvolvido na Governador) é também uma forma de marcar a
tensão existente entre as aldeias e a disputa por reconhecimento político dentro da TI.
Bom, e o que seria então um “projetinho”? E um “projeto mesmo”? De
acordo com as falas dos indígenas, principalmente das lideranças, para quem o
assunto “projeto” era mais relevante, “projetinho” pode ser caracterizado como um
projeto que não faz circular recursos financeiros importantes na aldeia, não é
pleiteado, a priori, pelos indígenas, e que não concretiza grandiosidades (de produção,
de reuniões ou força de trabalho). Além de ser utilizado como termo depreciativo para
referenciar projetos desenvolvidos em outras aldeias. “Projeto mesmo”, por outro
lado, é caracterizado como algum acordo/parceria, que movimenta um grande volume
de dinheiro e produz atividades grandiosas, que podem ser desde oficinas a festas
rituais. E, principalmente, como uma iniciativa em que um grande volume de dinheiro
seja gerido pelos indígenas e possibilite a compra de automóveis e de carne (proteína).
Quando falávamos sobre o projeto que iríamos desenvolver, o PDPI, nenhuma
liderança o considerava como um “projeto mesmo”, mas tampouco o qualificavam
como um “projetinho”. Ele era simplesmente um projeto. O dinheiro não era muito,
mas também não era pouco, circulava na aldeia através do pagamento de funcionários
indígenas, era gestado pela associação da aldeia, não podia ser utilizado para comprar
veículos (o que gerou um imenso quiproquó na fase de acerto do projeto), mas podia
custear a alimentação para várias atividades. O projeto PDPI era o meio termo. Algo
55
possível de realizar para a neófita no “mercado de projetos”, ACIAN. E havia uma
grande preocupação em fazê-lo bem, para que futuramente eles pudessem executar
um “projeto mesmo”.
Assim, projeto na Aldeia Nova, e arrisco dizer que em muitas outras
realidades indígenas, precisa essencialmente de três coisas: dinheiro na aldeia, carro e
comida. Para exemplificar essa afirmação aparentemente redutora sobre o que é
“projeto” na Aldeia Nova, recorro a três momentos marcantes de minhas visitas a
aldeia:
1.1. A exclusão da compra do carro:
Durante uma reunião em Brasília, no Ministério do Meio Ambiente (MMA),
em que o objetivo era fazer os ajustes nos Projetos PDPI aprovados, um dos técnicos
responsáveis por acompanhar o desenvolvimento do Projeto pela ACIAN, comentou
com João sobre “o carro”: “João, não sei se você já tá sabendo, mas vamos ter que
cortar o carro”. João não respondeu nada. Continuou o técnico: “Só para ir
adiantando, mas amanhã a gente conversa melhor”. João questionou o motivo. O
técnico falou que era uma das condicionantes para aprovação do projeto. João
argumentou que “o carro” era de suma importância para o projeto e que ele estava ali
para defender todos os itens do orçamento. O técnico reforçou que era melhor terem
essa conversa na reunião individual já marcada para o outro dia.
João e eu fomos almoçar; ele se mostrava bastante preocupado com a notícia
que acabara de receber. Durante o almoço, ele me alertou sobre a necessidade de
defendermos os itens pautados no projeto. Eu, neófita nesse “mundo dos projetos”,
pelo menos enquanto participante ativa, ainda não estava entendendo a situação. Ele
insistia na frase: “a comunidade defende todos os itens”, e em dizer o quanto eles
trabalharam na construção daquele projeto, para agora perderem algum item.
Nesse mesmo dia, no início da noite, encontrei-me novamente com João, pois
tínhamos marcado de jantar e falar mais sobre o projeto. Conversamos um pouco
sobre a aldeia, ele me descreveu as casas, o barracão onde ocorriam as reuniões da
comunidade, a escola das crianças. Comentou sobre a importância do projeto para
proteção do território, e a necessidade extrema do “carro”, que não era um carro e
sim um caminhão4/4; afinal “como vamos fiscalizar as terras a pé?” ele falava.
56
No dia seguinte, cheguei às duas da tarde; a reunião havia sido marcada para
meia hora depois. Um dos técnicos me recebeu e direcionou a uma sala na qual eu
poderia aguardar. Fiquei relendo o projeto e pensando na preocupação de João com o
caminhão. A reunião começou às três horas, e o primeiro informe foi de que o projeto
fora aprovado pela comissão do PDPI, com condicionantes. Três itens do projeto
tinham sido ceifados: o caminhão, a mini gráfica e a rádio comunitária. Segundo os
técnicos do MMA, os cortes feitos pela comissão foram pensados em função da
viabilidade de execução e também da questão orçamentária.
Diante dos cortes, João se mostrou agitado, três itens do projeto já era
demais! Segundo ele, a comunidade poderia até aceitar o corte de dois, mas de três
não, e o terceiro certamente era o caminhão. Segundo os técnicos, não havia
necessidade da mini gráfica, pois a impressão do material durante a execução do
Projeto PDPI poderia ser feita por meio de serviço de terceiros, evitando o risco de que
quando o projeto encerrasse não houvesse manutenção da gráfica. Em relação à rádio
comunitária, foi dito que o processo burocrático de instalação desta seria longo, o que
não seria viável para um projeto de doze meses. Mas o imbróglio maior era o
caminhão.
O técnico perguntou para João sobre um caminhão comprado pelo PDPI há
cerca de seis anos para a Terra Indígena Governador. João se mostrou muito agitado e
respondeu que se tratava de outro projeto e de outra associação, que eles queriam
tudo certo e que não podiam ser comparados com “os outros”. Com o decorrer da
conversa pude entender melhor a situação. Em anos passados, outra aldeia teve um
projeto aprovado pelo PDPI, e tal projeto previa a compra de um caminhão. O veículo
foi comprado com a condicionante de que alguns indígenas tirassem a Carteira
Nacional de Habilitação para dirigi-lo, coisa que nunca ocorreu; além de o caminhão
estar hoje parado na aldeia e sem manutenção, houve “denúncias” de que ele serviria
para usos escusos.
Diante de tais informações, João argumentou que não podia tomar uma
decisão sozinho, pois precisava da anuência das lideranças de sua aldeia. Os técnicos
tentavam explicar que não era uma questão de escolha, pois eles estavam obedecendo
à deliberação de uma comissão que era soberana. João continuava agitado na cadeira,
perguntei se ele queria parar a reunião para conversarmos a sós. Assim, os técnicos
57
saíram da sala. Eu argumentei com João o que eu entendia por uma “aprovação com
condicionantes”, ele me compreendeu e disse: “Assim eu fico de mãos atadas, eu não
posso decidir isso”. Sugeri que ele ligasse para as lideranças de sua aldeia para
conversar sobre a situação.
João era o presidente da associação, mas não era o cacique, não podia tomar
decisões sozinho. Assim, ele telefonou para a aldeia e conversou durante quase uma
hora na sua língua materna, de forma que não compreendi a conversa. Mas, pelas
expressões que João fazia, a situação era tensa. Em dado momento, João passou o
telefone para um dos técnicos, que explicou o mesmo que já havia relato na reunião:
que a aprovação do projeto tinha condicionantes e que eles tinham que seguir a
determinação da comissão. Após um tempo retomamos a reunião, João disse que
entendia a parte dos técnicos, mas que ele não tinha autoridade para fazer os ajustes.
Os técnicos, já impacientes com a situação, chamaram o gerente do
departamento responsável pelo PDPI no MMA para conversar conosco. O tom da
conversa era o mesmo, não se podia passar por cima da decisão de uma comissão, na
qual participavam indígenas também, como eles fizeram questão de frisar. Depois de
muitos rodeios da mesma conversa, João decidiu parar a reunião e esperar uma
decisão da aldeia. Segundo ele, as lideranças estavam prestes a vir para Brasília
reivindicar a manutenção do caminhão no orçamento.
Na manhã seguinte, devido a uma forte chuva, a reunião iniciou-se quase às
onze da manhã, horário em que todos conseguiram chegar ao MMA. A conversa foi
exatamente a mesma do dia anterior. João dizia não poder decidir nada e os técnicos
argumentaram que se ele, responsável legal pelo projeto, se recusava a dar
continuidade ao fechamento do orçamento, eles não podiam fazer nada. Assim, a
reunião foi encerrada sem nenhum posicionamento.
No outro dia, no início da tarde, João me ligou dizendo que estava no MMA,
pois iria voltar pra aldeia no dia seguinte e tentaria resolver mais uma vez o impasse.
Infelizmente não pude comparecer a este encontro. Pedi que ele me passasse as
novidades por e-mail. Três dias depois de ele ter voltado para aldeia, me enviou uma
mensagem por uma rede social, dizendo que nada tinha sido resolvido na última
reunião, mas que ele estava aguardando uma resposta da Gerência do PDPI. A
resposta oficial foi que, como já dito antes, o projeto só seria executado se todas as
58
condicionantes fossem aceitas; e que todas as atividades que necessitassem de
transporte seriam cobertas no orçamento por meio de fretes e combustível. Não
coube outra opção aos indígenas da Aldeia Nova a não ser aceitar o que lhes fora
imposto.
A exclusão do caminhão do Projeto PDPI foi motivo de muitas conversas
durante o planejamento das atividades na aldeia e de muitos tensionamentos com a
FUNAI local (Coordenação Regional de Imperatriz-MA). Com o tempo, pude
compreender melhor o motivo de toda tensão que rodeava esta questão. Primeiro, a
aldeia que recebera, anos atrás, um caminhão pelo PDPI, tinha como cacique e
presidente da associação, na época, Cabelo Ruivo. Segundo, o uso do caminhão era
feito, segundo relatos, exclusivamente por ele, pois não havia outra pessoa com
habilitação para dirigir aquele tipo de automóvel. Isto gerou problemas internos à
aldeia, que culminaram no abandono da aldeia por parte do Cabelo Ruivo e sua família
e na criação da Aldeia Nova. Terceiro, o caminhão permaneceu na aldeia Riachinho,
com a qual a Aldeia Nova mantém intensa disputa política. Por fim, a FUNAI local
disponibilizou um carro para a Aldeia Nova durante toda a execução do Projeto PDPI,
além de contribuir com combustível, mas ainda assim o assunto “projeto para ter um
carro nosso” era constante na aldeia. Desta forma, o caminhão, além de necessário
por seu valor de uso, seria também uma demonstração de força política por parte de
Cabelo Ruivo.
1.2. O pagamento de funcionários indígenas:
Outra questão bastante tensionada no desenvolver do Projeto PDPI – e nas
conversas sobre futuros projetos que poderiam ser pleiteados pela Aldeia Nova – foi a
relação de indígenas que deveriam receber por seu trabalho, no projeto. No Projeto
PDPI haviam algumas funções remuneradas e outras contabilizadas como
contrapartida. Na equipe permanente do Projeto havia três indígenas: o coordenador
geral e duas pesquisadoras indígenas. Além destes, havia outros que se encaixavam
em atividades remuneradas: palestras, serviço de cozinha, reflorestamento e condução
de veículos. A escolha das pessoas que ocupariam essas funções, permanentes ou
esporádicas, foi feita em uma reunião, posta em listas e reavaliada no decorrer do
Projeto.
59
No projeto original, encaminhado para o PDPI, constavam, nas funções
permanentes, duas pessoas da Aldeia Nova e uma da aldeia Governador. Porém,
durante o processo de contratação, após uma liderança da Aldeia Nova ter tido
problemas com a renovação de seu contrato como Agente de Saúde, o mesmo foi
absorvido pelo Projeto PDPI, que passou a contar apenas com “funcionários” da Aldeia
Nova. Tal fato foi explicado com o seguinte argumento: “nós estamos tudo aqui, é mais
fácil pra gente trabalhar e se resolver por aqui mesmo. Se for de outra aldeia, às vezes
não vai ter tempo de se encontrar né?”.
Após ter sido efetuado o primeiro pagamento de serviços prestados, a ACIAN
foi informada pela gerência do PDPI, em Brasília, que aqueles indígenas que
respondessem legalmente pelo Projeto PDPI, no caso, presidente e tesoureiro da
ACIAN, não poderiam receber pelo projeto, uma vez que os mesmos assinavam as
ordens de pagamento. Assim, um rearranjo foi feito para que estes (presidente e
tesoureiro) continuassem exercendo sua função ainda que outros - membros da
mesma família - recebessem formalmente por isso. Outro rearranjo feito no decorrer
do Projeto, para pagamento de trabalhos realizados por indígenas, foi em relação a
duas atividades de contrapartida, fotógrafo e cinegrafista, que registravam todas as
atividades, ambos pertencentes, também, do segmento residencial do Cabelo Ruivo.
Os serviços de cozinha e de reflorestamento abarcavam um número maior de
diárias, que possibilitaria a contratação de um número maior de pessoas, porém as
diárias foram concentradas em pessoas próximas a família de Cabelo Ruivo, mantendo
a renda do Projeto concentrada em um grupo de lideranças e seus principais aliados,
como é comum em algumas sociedades. Desta forma, o projeto também contribuiu
para a manutenção da ordem política da Aldeia Nova. Lembrando que
“a fonte de prestígio de um homem Pukobyê (Gavião)
que deseja ascender à chefia do grupo e/ou nela manter-
se vem sendo redefinida, sendo determinada agora pelas
suas condições de deter os recursos e valores colocados à
disposição pelos “civilizados” e, seguindo a tradição do
grupo, de sua capacidade de colocá-los à disposição
60
igualitariamente dos membros de sua sociedade “
(BARATA, 1993, p. 136).
Tal assertiva me recorda de uma conversa com o Cacique Ubirajara, que dizia
estar “aliviado” com o projeto, uma vez que agora teria comida para dar àqueles que
viessem a sua porta e dinheiro para manter a dispensa para o consumo da sua família.
Pois ele não poderia negar nada a nenhum dos moradores da aldeia, podendo ser visto
por estes como um mau líder. O cacique e sua esposa recebiam proventos pelo projeto
através dos serviços de frete e de “pesquisadora indígena”, respectivamente.
1.3. O uso do recurso destinado à alimentação
Minha convivência entre os Gavião da Aldeia Nova, por vezes, me fazia crer
que a aquisição de proteína (carne de gado, de aves, de peixes e de suínos) era o
principal motivo para a busca por projetos. Principalmente pela situação de escassez
de caça e pesca na TI. A verba destinada à alimentação estimada no cronograma de
desembolso do Projeto PDPI, além de servir para os desígnios das atividades previstas,
serviu também como demonstração de generosidade, alimentando as prestações de
dons por parte da família-chefe da aldeia aos demais moradores e também a outras
aldeias. Em alguns momentos, serviu até como pagamento por serviços prestados para
o Projeto PDPI, como o serviço de cozinheira, quando os valores que poderiam ser
gastos com este serviço haviam se esgotado. Esta assertiva se baseia nas seguintes
observações de campo:
Alimentação das oficinas: conforme o estabelecido no plano de
atividades do Projeto PDPI, cada atividade previa em seu orçamento um
montante para a alimentação, que devia servir aos participantes das oficinas.
Assim, em uma oficina que deveria durar três dias e da qual participassem 80
pessoas, a alimentação deveria servir 240 vezes cada refeição (café da manhã,
almoço e jantar). Quem já trabalhou em área Indígena ou já teve a
oportunidade de acompanhar algumas atividades neste contexto, pode
imaginar que esse não foi, nem de perto, o número de refeições servidas
durante tal oficina. A comida preparada para as oficinas devia alimentar toda
a aldeia e todos os indígenas que ali chegassem, independente de este estar
61
ou não participando daquela atividade. Assim, em uma oficina com 80
participantes, se alimentavam aproximadamente 200 pessoas. A comida era
preparada na casa do Cacique ou de Cabelo Ruivo, onde, após todos
comerem, várias pessoas se aproximavam com suas panelas para levarem
comida para suas casas. Isso se repetia durante a semana com menos
frequência, pois não eram todos os dias que havia fartura de carne e arroz,
apenas nos “dias do Projeto”. O Cacique me explicou, um dia, que sua posição
nem sempre lhe gerava “lucro”, pois tudo o que tinha ele devia repartir,
nunca podendo negar comida a alguém da aldeia, pois ele não podia ser visto
como um egoísta. Assim, “não tinha rancho que desse conta” para sustentar
tanta gente. Porém, segundo ele, o Projeto PDPI “aliviava o seu lado”, pois lhe
fornecia uma fonte de recursos que não onerava seus parcos recursos
financeiros.
Realização de oficina na aldeia Rubiácea: durante o planejamento das
atividades, havíamos marcado uma oficina sobre o uso de GPS para
determinada data, que ocorreria na Aldeia Nova, pois lá já havia a estrutura
da cozinha para fazer as refeições. Quando cheguei à aldeia, já no dia da
oficina, fui informada de que esta ocorreria na aldeia Rubiácea. Enquanto
muitos se dirigiam para o local, fiquei na Aldeia Nova ajudando o João com
alguns documentos, quando percebi que a alimentação estava sendo
preparada em uma quantidade muito maior do que nas outras oficinas e
sendo acondicionada em marmitas prontas para viagem. João me explicou
que lá na Rubiácea não havia estrutura para cozinhar, por isso estavam
fazendo a comida na própria aldeia e depois levariam para distribuir. Quando
indaguei o motivo da mudança de local, ele me respondeu: “lá tão fazendo
festa, corrida de tora, e eu prometi que ia dar a comida, porque eles vivem
pedindo pra eu comprar comida, acham que o projeto é pra comprar comida,
e aí eu aproveitei as duas coisas”. Antes de iniciarmos a primeira atividade do
projeto, várias associações indígenas da TI Governador encaminharam para a
ACIAN ofícios com o pedido de aquisição de alimentos, alguns até com listas
de compra. A justificativa da maioria era a realização de alguma festa.
62
Comida como pagamento de serviço: na penúltima oficina do Projeto
PDPI, que ocorreu em outubro, já não havia recursos disponíveis para
contratar cozinheiras. Assim, Dorli assumiu o encargo e contou com duas
ajudantes. No final da oficina, Dorli me chamou à parte e perguntou se
poderia fazer um rancho para suas ajudantes, pois não tinha como pagá-las
com dinheiro. Eu era vista como aquela que sabe o que pode e não pode fazer
com as “coisas do Projeto”, por isso a pergunta foi direcionada a mim. Havia
sobrado muitos alimentos, conversamos por um instante com outros
membros do Projeto e decidimos que o “pagamento” deveria ser feito. Essa
decisão, obviamente, já havia sido tomada. Mas eles sempre me deixam ter
alguma palavra nas decisões referentes a “gastos”, principalmente quando há
divergência entre eles.
Esses três itens – carro, comida e renda– compõem um cenário maior que
deve ser observado para compreender o universo dos projetos. No entanto, neste
cenário, há aspectos que não são facilmente redutíveis a “carro, comida e renda”,
compreendidos utilitariamente, pois são aspectos das relações sociais. Por exemplo: as
relações entre as aldeias que se reforçam ou distanciam também por meio de projetos,
a relação entre as lideranças indígenas e a FUNAI local que também, por vezes, é
pautada por meio do desenvolvimento de projetos. Além da relação desses indígenas
com os centros urbanos e a circulação de suas lideranças nos espaços políticos da TI.
Temas interessantes a serem tratados, mas que por força do tempo e dos meus limites
de pesquisa e escrita não serão desenvolvidos como deveriam nesta dissertação.
63
2. O lado de lá (PDPI): formulários, plano de trabalho, execução técnica-
administrativa e outras burocracias23
O Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI) foi criado para contribuir
com a gestão ambiental e territorial das Terras Indígenas brasileiras. A demarcação de
Terras Indígenas no Brasil cresceu exponencialmente com a ação do Projeto Integrado
de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL). O PPTAL é
uma linha de financiamento de projetos do Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), fruto de negociações entre o Governo brasileiro e
países do G-7.
O PDPI surgiu a partir da demanda do movimento indígena por uma linha de
financiamento de projetos que atendesse às especificidades dos povos indígenas da
Amazônia brasileira. Anteriormente ao PDPI, o PPG-7 já apoiava projetos de gestão
ambiental propostos por populações tradicionais – entre as quais os povos indígenas:o
Projeto Demonstrativo (PD/A). Porém, devido à imensa pluralidade de atores
englobados pela categoria “populações tradicionais” e às especificidades e diversidade
da realidade indígena, o movimento indígena, por meio da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), pleiteou junto ao Governo
Federal e à cooperação internacional, a construção de uma linha de projetos indígenas.
O PDPI foi gerido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA),por meio do
Departamento de Extrativismo (DEX) da Secretária de Extrativismo e Desenvolvimento
Rural Sustentável (SEDR) e contou com aporte financeiro da cooperação internacional
alemã.
O PDPI tinha duas linhas de atuação, uma de fortalecimento institucional, na
qual são privilegiadas ações voltadas para a articulação e “capacitação técnica” das
organizações indígenas; e outra de projetos – esta é a linha que interessa a este
trabalho. O componente Projetos, por sua vez, é dividido em três áreas temáticas:
valorização cultural, atividades econômicas sustentáveis e proteção das Terras
Indígenas. Um projeto deve obedecer a quatro critérios para ser considerado bom pelo
PDPI: ser inovador, demonstrativo, participativo e sustentável. (PDPI, sem data, sem
numeração)
23
A intenção neste ponto é mostrar o PDPI como ele se mostra a partir de seus documentos técnicos e administrativos.
64
Assim, para o PDPI, um bom projeto deve trazer novos modelos de gestão
para solucionar problemas recorrentes, ser replicável em outras realidades
(salvaguardando os ajustes necessários), contar prioritariamente com a participação
indígena, insistindo na participação da comunidade como um todo e não apenas de
um grupo de lideranças, e atentar para as necessidades das gerações futuras sobre o
uso dos recursos naturais, além de desenvolver atividades que possam ter
continuidade sem depender, majoritariamente, do acesso a novos recursos externos.
Para acessar recursos através do PDPI, as organizações indígenas e não
indígenas24 devem submeter seus projetos formatados em um formulário específico, e
esses projetos concorrerão em um processo de seleção. Nesta ocasião, os projetos
serão analisados por uma equipe técnica, retornados aos seus proponentes para
ajustes, analisados novamente por pareceristas e, em última estância, julgados25 pela
Comissão Executiva (CE) do PDPI. A CE é composta por quatro membros indígenas,
indicados pela COIAB e quatro membros do Governo Federal.
O PDPI disponibiliza aos interessados uma cartilha explicativa26, onde constam
todas as informações acima e o “passo a passo” para a construção de um projeto. Para
o PDPI, a construção de um projeto começa com o levantamento de problemas e
potencialidades feito pela comunidade que será beneficiada. A isso se segue: a
definição de prioridades e dos resultados que se espera obter com o projeto; o
planejamento das atividades para que esses resultados sejam alcançados; e, por fim, a
construção de um plano de trabalho que inclua as etapas do projeto, as
responsabilidades para cada atividade, e o planejamento espacial, temporal e
financeiro para concretização do mesmo. Todas as etapas do plano de trabalho estão
contempladas em uma ferramenta chamada de Cartaz do PDPI, disponibilizado na
cartilha explicativa:
24
Estas só podem concorrer se convidadas oficialmente por alguma comunidade indígena. 25
A CE julga os “projetos grandes”, àqueles que solicitam um valor maior que R$100.000,00 até R$400.000,00. No caso dos “projetos pequenos” (até R$100.000,00) a avaliação final é feita por uma equipe composta por membros da Unidade de Gerenciamento do PDPI (UG), COIAB e PDA. 26
Disponibilizada no site: http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/povos-ind%C3%ADgenas/modalidades-apoiadas (Último acesso em 11 de junho de 2015)
65
Figura 2: Cartaz PDPI
A este cartaz se juntam outras informações, compondo assim o
formulário/projeto: apresentação da instituição proponente do projeto, contexto da
realidade na qual vivem os beneficiários do projeto, sua história e organização sócio-
política, explicitação dos problemas enfrentados por estas pessoas no âmbito
territorial/ambiental e descrição das atividades previstas.
Após o projeto ser aprovado pelo PDPI, seguem-se algumas etapas mais
burocráticas. As instituições contempladas são informadas oficialmente e chamadas
para participarem da “Oficina de Capacitação Inicial do PDPI”. Aqui, todos os projetos
passam por possíveis ajustes apontados na avaliação da CE e seus representantes por
um momento de esclarecimento sobre as regras administrativas e financeiras que
deverão ser obedecidas durante a execução dos mesmos.
Esta Oficina ocorreu, para a última chamada do PDPI (2013), na sede do
MMA. Foi nesta ocasião que se desenrolou o drama da exclusão do caminhão relatada
anteriormente. Durante os esclarecimentos técnicos sobre a gestão dos projetos,
todos os representantes assistiram à explanação de dois técnicos do PDPI,
responsáveis pelo setor financeiro. Neste momento, foram-lhes apresentadas as
normas para o uso dos recursos financeiros, tais como: procedimentos de licitação, de
compras, de contratação, de serviços técnicos e consultorias especializadas, além dos
66
modelos para prestação de contas que deveriam ser feitas bimestral e
semestralmente.
Após esse momento coletivo, cada representante foi chamado a conversar
individualmente sobre o seu projeto, para acerto dos ajustes orçamentários e
estabelecimento dos cronogramas de atividades previstas no projeto e de desembolso
dos recursos por parte do PDPI. A regra essencial posta foi a seguinte: o projeto recebe
uma parcela do recurso, efetua o seu gasto parcialmente ou na sua totalidade, presta
conta das atividades financeiras por meio de notas fiscais e comprovantes de
pagamento, é avaliado pelos assessores financeiros e, caso não haja falhas, é
habilitado a receber a próxima parcela.
Após esses esclarecimentos e ajustes no plano de trabalho, a próxima etapa
foi o preenchimento do “Marco Zero”, instrumento utilizado para monitoria e
avaliação dos projetos. Neste são preenchidas informações sobre a situação sob a qual
o projeto será implementado, como por exemplo: o perfil das pessoas que irão
acompanhar permanentemente o projeto,a infra-estrutura com que a executora do
projeto poderá contar para a realização do mesmo, o modo como será feita a gestão
administrativa e financeira, quais estratégias serão aplicadas para garantir uma efetiva
participação da comunidade beneficiária, e a descrição pormenorizada de objetivos e
impactos previstos.
A última etapa é a assinatura do contrato entre a instituição proponente do
projeto e o PDPI, para fins de abertura de uma conta bancária especifica gerenciada
pelo Banco do Brasil. A relação entre a instituição proponente e a instituição bancária
é intermediada por técnicos do PDPI. Os técnicos ficam à disposição das organizações
executoras dos projetos durante toda sua vigência para responderem a dúvidas
técnicas e receberem relatórios; em alguns casos, podem realizar visitas in loco para
avaliação do desenvolvimento das atividades. No caso do Projeto PDPI na TI
Governador não houve visitação.
Esta é a sequência tecnoburocrática de construção e implementação de um
projeto segundo as diretrizes do PDPI. Agora chamo atenção para o processo de
análise e avaliação dos projetos na etapa que culmina na aprovação (ou não) dos
mesmos. Assim como todas as informações contidas neste tópico, recorro a
documentos técnicos elaborados pelo próprio PDPI, neste caso o “Manual do
67
Parecerista”, doravante Manual, presente na publicação “Guia de Formação em
Gestão de Projetos Indígenas27.”
O Manual é um guia para que os pareceristas do Grupo de Análise de Projetos
(GAP), formado por consultores eventuais, possam observar os “objetivos, critérios e
exigências” do componente Projetos do PDPI. A criação deste foi estimulada pela
discrepância entre os pareceres recebidos pela UG do PDPI, que ora apresentavam
análises brandas, com o intuito de não prejudicar as pretensões indígenas, ora se
saíam com análises rígidas e engessadas pelos termos do formulário/projeto (PDPI,
2008).
A avaliação dos projetos, segundo o Manual, deve observar alguns critérios:
enquadramento do texto em alguma área temática agraciada pelo PDPI, o
envolvimento da comunidade que será beneficiada, a viabilidade de execução do
projeto dentro do seu contexto étnico, respeito às legislações vigentes, capacidade de
administração da instituição proponente, planejamento de continuidade das
atividades após o fim do financiamento e planejamento orçamentário realista.
Todos esses critérios fazem parte do escopo de itens que podem adjetivar
projetos como bons ou ruins. Eles seguem a lógica segundo a qual,
(...) Um projeto social é um empreendimento
planejado que consiste num conjunto de atividades
inter-relacionadas e coordenadas para alcançar
objetivos específicos, dentro dos limites de um
orçamento e de um período de tempo dado.
(COHEN & FRANCO, 1999, p. 85)
Além dos critérios acima, o Manual explicita que o principal objetivo do PDPI
e, portanto, o principal critério de avaliação dos projetos, é a capacidade de agregação
de práticas “sustentáveis”:
É importante que as propostas se encaixem no conceito
de desenvolvimento sustentável – ou
27
Organizado pelo antropólogo Fábio Vaz Ribeiro de Almeida, no ano de 2008, fruto da implementação do Curso de Formação de Gestores e Indígenas de Projetos ofertado pelo PDPI. O Manual do parecerista também pode ser encontrado no site do MMA.
68
etnodesenvolvimento –, ou seja, elas devem ser
culturalmente adequadas, socialmente justas,
economicamente rentáveis e ambientalmente
sustentáveis. Sustentabilidade em seus diversos aspectos
é uma “meta-chave” para qualquer proposta de projeto
PDPI. (2008, p. 235)
Assim, o PDPI assume a retórica da “participação e desenvolvimento
sustentável” que surgiu no panorama mundial após a Conferência Estocolmo + 10,
realizada em 1982, assim chamada em referência à Conferência sobre Meio Ambiente
Humano da ONU,executada dez anos antes, em Estocolmo. Em 1986, quatro anos após
a conferência, foi apresentado o Relatório Brundtland, onde foi definido que
“Desenvolvimento sustentável é aquele que permite satisfazer as necessidades das
gerações atuais sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações satisfazerem
as suas”. (SALVIANI, 2008) .
Em um artigo intitulado “Os desafios da interculturalidade: povos indígenas e
subprojetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira” (LITTLE, 2010),
Paul Litlle trata exatamente de projetos demonstrativos aprovados pelo PD/A, um
programa gerido pelo MMA e financiado pela cooperação internacional. Programa que
futuramente sofreria uma ramificação, gerando o PDPI.
Neste artigo, Litlle analisa dezesseis projetos indígenas na Amazônia e na
Mata Atlântica. Seu argumento era de que a forma como de análise da execução
desses projetos não levava em consideração as especificidades étnicas, muito menos a
dinâmica intercultural que cercava esses projetos. E ainda, que o modelo de “projeto”
operava em uma lógica burocrática que não dialogava com a lógica indígena. Segundo
ele, os indígenas tinham que operar uma tradução do projeto, visto que muitas
atividades já eram realizadas em alguma lógica diferente da lógica dos projetos, como
a defesa do território. Assim, eles tinham que formular suas estratégias de “proteção
territorial” no formato do projeto (objetivos, cronogramas, prestação de contas,
relatórios, etc.).
A análise dos projetos PD/A, Little considerou que muitas das propostas
aprovadas não obtiveram o que eles consideravam sucesso por conta de dificuldades
69
de implementação do que estava escrito, ou seja, do “texto” no “contexto” e pela
visível assimetria que se dava nas relações interétnica no âmbito burocrático de
implementação dos projetos. Little explica que em 2001 o PDPI foi criado para
supostamente dar conta de uma especificidade indígena que o PD/A não era capaz de
absorver. Porém, segundo ele, era necessária uma análise aprofundada da relação
entre PDPI e as realidades indígenas.
A construção e implementação de projetos por parte do PDPI se concentram
no “texto”, na formalização escrita do projeto, como chama atenção Cássio Noronha
Inglez de Sousa (2007), antropólogo e ex-assessor técnico do PDPI. O autor também
ressalta que “existe uma distância real entre o que está no papel e o que de fato
ocorre” e que “uma comparação entre ‘textos’ e ‘contextos’” seria de grande valia,
inclusive para a auto avaliação da prática do PDPI” (INGLEZ DE SOUZA, 2007, p. 39). No
próximo capítulo, tenho como missão elucidar a relação entre “texto” e “contexto” no
caso do Projeto PDPI executado pela ACIAN.
70
III. Projeto PDPI na Aldeia Nova
1. O projeto “Me ejcytji him pex txy: O resgate da proteção territorial feita pelos
anciãos do Povo Pyhcopcatiji (Gavião)”
Como o nome indica, este Projeto PDPI se propõe a trabalhar na área
temática “proteção das terras indígenas”. Enquadra-se, pelo valor solicitado, no
escopo de grandes projetos, com o prazo de 12 meses para a execução orçamentária28.
O objetivo central do projeto defendido pelas lideranças indígenas da Aldeia Nova era:
(...) defender nosso território, parar com esse negócio de
madeireiro tá entrando aqui (...) valorizar nossos anciãos
(...) a gente que ir lá nas outras aldeias, trazer os
velhinhos aqui pra eles ensinarem os jovens como era no
tempo antigo, do que eles sabem sobre o nosso território
(...) mostrar o que a gente pode fazer. (Entrevistas
realizadas em janeiro, fevereiro e maio de 2014)
O texto oficial do projeto apresentava esses objetivos seguindo a retórica do
“desenvolvimento sustentável” e da “participação indígena” conforme as diretrizes do
PDPI, como se pode observar no conteúdo do formulário/projeto apresentado pela
ACIAN ao PDPI. Neste capítulo apresentarei alguns elementos que compõe o Projeto
PDPI da Aldeia Nova, o contexto da sua construção na Aldeia Nova, as etapas de
execução do projeto e as principais dificuldades encontradas nesse caminho,
principalmente as de interlocução entre indígenas e não indígenas no âmbito
burocrático do desenvolvimento do projeto.
Ressalvo que a relação estabelecida neste contexto entre os técnicos do PDPI
e a Aldeia Nova se deu no processo de execução do projeto, por meio de duas reuniões
presenciais em Brasília, telefonemas, troca de e-mails e documentos oficiais. Em todas
essas ocasiões, os técnicos do PDPI tiveram contato apenas com o presidente da
ACIAN, João Bandeira. Além de que, a gerência dos técnicos, em relação ao projeto, se
28
O prazo máximo para execução de grandes projetos é de 36 meses, porém, o PDPI estaria encerrando suas atividades no ano de 2014, assim todos os projetos foram avisados de que deveriam propor apenas 12 meses de atividades.
71
restringia a questões burocráticas administrativas e financeiras, eles não interferiram
em questões relacionadas à metodologia e implementação das demais atividades, que
ficariam a cargo da equipe permanente do projeto descrita no formulário, composta,
além coordenação geral, por duas pesquisadoras indígenas, uma antropóloga, uma
analista ambiental e um cartógrafo.
1.1. O “texto” construído
Minha relação com o Projeto PDPI se deu apenas no âmbito pós-aprovação.
Desta forma, não participei das reuniões de construção do mesmo. As informações
desse processo me foram reveladas por lideranças indígenas da Aldeia Nova e técnicos
da FUNAI local (Coordenação Regional de Imperatriz-MA) que acompanharam o
processo.
A chamada pública para apresentação de projetos ao PDPI, versão na qual a
ACIAN saiu contemplada, foi lançado em abril de 2013 e tinha por objetivo
“disponibilizar recursos para o apoio financeiro a projetos de elaboração de Planos de
Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) em Terras Indígenas localizadas na Amazônia
Legal, na linha temática “Proteção das Terras Indígenas”” (PDPI, 2013) 29·. Após o
lançamento do edital, os técnicos da FUNAI local entraram em contato com a ACIAN,
segundo João, por aquela ser a única associação na TI Governador que estava
regularizada e habilitada a concorrer ao financiamento do PDPI.
A FUNAI local se responsabilizou por contribuir no processo de construção do
projeto entre os indígenas da TI Governador. Desta forma, deslocou técnicos
especializados para dois dias de reuniões na Aldeia Nova com a presença de
representantes das demais aldeias da TI. Segundo os técnicos, o exíguo tempo para
encaminhar o projeto não favoreceu uma discussão mais aprofundada das atividades
que seriam proposta. Cabendo a eles apenas dar forma as demandas das lideranças
indígenas. Segundo João, as lideranças conversaram bastante sobre o projeto, se
reuniram várias vezes para debater os tópicos exigidos no formulário e pensar nas
atividades.
29
Disponível em: http://xa.yimg.com/kq/groups/24050672/1184054051/name /CHAMADA+DE+PGTAs+-+PDPI+30.04.13.pdf. (Último acesso em 27 de junho de 2015)
72
O projeto/formulário era composto de perguntas direcionadas a conhecer a
realidade dos “beneficiários” do projeto, ou seja, dos indígenas da TI Governador, e da
“proponente” ACIAN. Inicia com dados gerais e questões referentes à experiência da
associação, que apesar de neófita no “mercado de projetos”, explicita sobre sua
experiência na mobilização indígena, principalmente nas questões referentes a
políticas públicas de saúde indígena, visto terem as duas agentes de saúde da TI
Governador. Segundo o Formulário de Análise e Parecer de Projetos (FAPP) 30 a
experiência e demonstração de capacidade técnica e administrativa para a execução
do projeto conformam um de dez itens a ser avaliado e pontuado pelos pareceristas.
Todos os itens são contemplados a partir das questões do formulário, que seguem.
“Contexto e justificativa” é o segundo item do FAPP. No formulário
correspondem às questões sobre a realidade local, iniciando com um brevíssimo
histórico da TI Governador e seu povo, desde seus antepassados até o momento do
contato com o “mundo dos brancos” em pouco menos de uma página31. Passando por
aspectos da organização social dos Gavião à relação destes indígenas com a cidade e
com outros projetos, por fim é pedido que se fale sobre os principais problemas
identificados na área na qual o projeto irá atuar.
Dito sobre a realidade local e seus principais problemas, o texto identifica qual
desses problemas se pretende resolver com o projeto: “a invasão do território pelo
branco que habita o entorno da TI” (ACIAN, 2013). O problema precisa ser
contextualizado, identificada a sua origem e dimensão. A partir daí é necessário listar
quais atividades serão realizadas para “resolver este problema”. O Projeto PDPI
construído na TI Governador traz em seu escopo seis atividades (entre aspas o texto tal
como no formulário):
1) “Resgatar a proteção territorial a partir do ensinamento dos anciãos do
povo Gavião”: nesta atividade consta a realização de oficinas com os anciãos
da TI Governador, momentos nos quais os antigos palestrariam aos jovens
indígenas sobre a constituição do seu território.
2) “Formação de pesquisadores indígenas, agentes ambientais e diretoria da
ACIAN”: a intenção desta proposta explicitada nas sub atividades está em
30
Compõe o Manual do Parecerista, citado no capítulo anterior. 31
O formulário não limita a quantidade de páginas.
73
contribuir na qualificação técnica administrativa para os indígenas que atuam
na diretoria da associação e precisam se relacionar de forma mais burocrática
com o “mundo dos brancos”, iniciar uma formação continuada em questões
relativas a legislação indigenista e ambiental para jovens indígenas.
3) “Reflorestar os limites da TI Governador e áreas degradas no interior da TI”:
além de atividades de reflorestamento, esta supõe a criação de um viveiro,
expedições pelo território para coleta de sementes, a fim de se montar um
“banco de sementes” de espécies escassas, e qualificação técnica para
indígenas realizarem a manutenção do viveiro.
4) “Realizar atividades de etnomapeamento e zoneamento da TI Governador”:
nesta ocasião deveriam ser realizadas “oficinas participativas” com os
indígenas para levantamento de informações sobre o território, seguindo de
expedições para coletar pontos de GPS, a fim de elaborar mapas temáticos
sobre o território.
5) “Realizar ações educativas dentro da TI Governador e no seu entorno”:
essas ações envolviam a construção de uma rádio comunitária e criação de
um site para a divulgação do projeto e de notícias envolvendo a TI.
6) “Construir publicações em áudio e vídeo dos resultados do projeto”: para
esta atividade foi previsto a construção de uma mini gráfica e formação de
indígenas para a operação técnica da mesma.
Outro aspecto que é apontado como item de avaliação do FAPP é “Clareza e
factibilidade do Plano de Trabalho (objetivos, metodologia e atividades)”. Este item é
apreciado através do Cartaz PDPI, presente no capítulo anterior, que formaliza o plano
de trabalho de todas as atividades. Este ponto sofreu alterações na fase de “acerto do
projeto”, devido a cortes realizados que condicionaram a aprovação do projeto.
O Plano de Trabalho foi uma pactuação de atividades, onde elas ocorreriam,
durante qual período, por quem seriam organizadas e a que público se destinaria. De
acordo com Cartaz PDPI da ACIAN, o público alvo do projeto eram os estudantes das
escolas indígenas, guardiões do território32 e membros da diretoria das associações
indígenas. As atividades seriam realizadas em mais duas aldeias além da Aldeia Nova,
32
Projeto em parceria com a FUNAI que consiste no monitoramento do território para inibir a entrada de invasores e identificar atividades madeireiras ilegais na TI.
74
na Governador e na Rubiácea, contemplando as principais lideranças indígenas que se
encontram nessas aldeias. Excluindo atividades na Riachinho, uma das quatro maiores
aldeias da TI por conta da tensão existente entre essa e a Aldeia Nova.
Após o detalhamento das atividades vem a construção do quadro
orçamentário, que deverá detalhar, para cada subatividade, os produtos e/ou serviços
necessários, suas quantidades e valores. O preenchimento do orçamento ficou sob a
responsabilidade dos técnicos da FUNAI após os indígenas opinaram sobre quais
materiais e serviços deveriam ser considerados. Neste momento são também
estimados quais “elementos de despesa” serão conferidos como “contrapartida” 33 da
comunidade.
Essencialmente, a “contrapartida” se dá através de mão de obra, no texto do
projeto ela se daria através da cessão de motorista, cinegrafista e fotógrafo, além de
outros serviços que depreendem maior esforço físico (atividades de reflorestamento e
construções). Também são considerados como “contrapartida”, itens de infraestrutura
presentes na TI, como caixas de som, mesas, cadeiras, entre outros. E, em uma
proporção bem menor, a coleta de frutas e a produção de farinha para ajudar na
alimentação das atividades.
O final do formulário/projeto traz duas premissas básicas do PDPI e do
“mercado de projetos” em geral, a “participação indígena” e a “sustentabilidade” do
projeto. De forma bastante sucinta, os indígenas se comprometem a seguir uma
“metodologia participativa”, seguindo um “diálogo intercultural” e os “princípios da
sustentabilidade”. Afirmam que a gestão do projeto será feita de forma “transparente
e democrática”, com prestação de contas bimestrais a comunidade e espaço para
“resolução de conflitos” com direito “a voz e voto” para todos.
Em relação ao critério, defendido pelo PDPI, de continuidade das atividades
após o término do financiamento, a solução descrita no formulário/projeto é a
produção, em médio prazo, de excedentes de mudas no viveiro que será construído
pelo projeto. Com estes recursos seria possível realizar a manutenção dos
equipamentos adquiridos pelo projeto. Além do uso da mini gráfica para comercializar
publicações e da geração de renda através de propagandas publicitárias na rádio
33
Segundo as regras do PDPI a “contrapartida” da comunidade deve somar no mínimo 20% do valor total do projeto.
75
comunitária. Não há, no projeto, uma proposta clara sobre como essas “rendas” serão
obtidas e, posteriormente, gestadas para o uso da comunidade.
Como foi dito anteriormente, após a aprovação, o projeto passa por um
processo de “acerto”, onde atividades e orçamento se adéquam as solicitações da CE
do PDPI através dos técnicos designados para acompanhar os projetos. Além da
exclusão do carro, como descrita anteriormente, outros itens foram ceifados da versão
original do formulário/projeto: a mini gráfica e a rádio comunitária. Segundo os
técnicos, durante a reunião realizada em Brasília, essas duas atividades não seriam
“sustentáveis” e se extinguiriam após o término do projeto devido à falta de
manutenção. Os técnicos também alertaram a necessidade de conhecimento técnico
para operar os equipamentos e o processo de licença para abertura de uma rádio
comunitária que não seria contemplado no prazo determinado para execução do
projeto. Não houve objeção por parte da ACIAN, que no momento ainda tentava
manter a compra do carro.
Alguns elementos de “contrapartida” foram revestidos em itens de despesa
pelo PDPI, aproveitando a “sobra” dos cortes efetuados. Na versão final do projeto,
além da equipe permanente, seria contratado um motorista indígena e efetuado o
pagamento de diárias para aqueles que trabalhassem nas atividades de
reflorestamento e na preparação de alimentos para as atividades.
1.2 O “contexto” da realização do projeto
Após o período de acerto do projeto com os técnicos do PDPI, ainda faltaria o
início da remessa dos recursos, para que então as atividades do projeto pudessem ter
início. Porém, aqui considero que o início de execução do plano de trabalho se deu
com as primeiras reuniões de planejamento realizadas durante a minha primeira
viagem a TI Governador, em Janeiro de 2014.
Primeiramente, houve uma reunião entre ACIAN e FUNAI local, em
Imperatriz-MA, onde foi definida a contrapartida da FUNAI no desenvolvimento do
projeto: gasolina, carro e técnicos para oficinas pré-determinadas. Além disso, João
pediu para que eu me inteirasse sobre as atividades do projeto com o técnico da
FUNAI que os ajudou no processo de construção/escrita do mesmo. O técnico me
76
repassou algumas informações sobre as pessoas que deveriam ser contratadas e sobre
quais atividades a FUNAI seria responsável.
Quando chegamos a Aldeia Nova, pude conhecer melhor os membros da
associação e me familiarizar, juntamente com eles, com o formulário digital do PDPI –
ferramenta disponibilizada pelos técnicos– na qual os limites orçamentários para cada
atividade estavam dispostos- bem como o modelo para a prestação de contas.
Em uma manhã de domingo, no dia seguinte à minha chegada a aldeia, houve
uma reunião no barracão que servia como sede da Igreja e que mais tarde serviria para
as atividades do projeto. A reunião me foi anunciada como uma reunião de
planejamento para escutar os moradores da Aldeia Nova, a fim de definir os inícios das
atividades e a ordem de prioridade das mesmas. Estavam presentes membros da
ACIAN e demais moradores da Aldeia Nova. No entanto, os objetivos daquela reunião
foram a minha apresentação formal como “a técnica que vai ajudar no projeto” e
também uma “prestação de contas” de João para com a comunidade em relação às
alterações feitas no projeto original e um indicativo de início das atividades, que
dependia do primeiro repasse de dinheiro.
Na semana que se seguiu, as atividades do projeto se limitaram à abertura de
conta no banco e à espera para o depósito da primeira parcela dos recursos. Esta fase
teve alguns desencontros de ordem burocrática. Na cidade de Amarante há uma
agência do Banco do Brasil, porém, apesar da facilidade logística, visto a proximidade
entre cidade e aldeia, João e outras lideranças foram enfáticos ao dizer que aquela não
poderia ser a agência que receberia os recursos do projeto. Há uma relação de
desconfiança entre os indígenas e Amarante, que se acirrou nos últimos anos devido a
episódios de tensão entre madeireiros e indígenas. Eles temiam que os valores
movimentados pelo projeto fossem divulgados.
É importante ressaltar que o “medo” sob a divulgação dos valores que seriam
recebidos pela ACIAN se estendia a outros indígenas, de outras aldeias e até mesmo da
Aldeia Nova, com exceção àqueles que estariam diretamente envolvidos na execução
das atividades. João me explicou que “muitos daqui não sabem direito sobre o que é
dinheiro, aí pode pensar que é muito dinheiro. Não sabe que não pode gastar com
qualquer coisa, vão ficar cobrando”.
77
Foi decidido que a conta para o projeto seria aberta na cidade de Imperatriz, o
que demandou uma viagem de alguns membros da ACIAN para a referida cidade.
Porém, na agência central, não havia qualquer funcionário que soubesse a respeito do
tipo de conta que deveria ser aberta. De forma que foram necessárias três viagens a
Imperatriz para que os ruídos de informações entre PDPI, ACIAN e o Banco fossem
sanados e a conta finalmente aberta.
Com o quiproquó do banco resolvido, criou-se uma grande expectativa na
aldeia para os inícios das atividades. Reunimo-nos para tratar das atividades e definir a
lista de pessoas e serviços que deveriam ser contratos prioritariamente. Porém, com o
passar dos dias, o entusiasmo com o projeto foi arrefecendo diante da demora no
repasse do recurso, por parte do PDPI. Apenas um mês depois o recurso foi
disponibilizado na conta da ACIAN.
Com a disponibilização do recurso, iniciamos novamente as conversas sobre
as atividades que seriam desenvolvidas. Durante as conversas, que envolviam apenas
aqueles diretamente ligados ao projeto e, por vezes, o Cacique e o “gerente” da aldeia,
era perceptível que João, dentre todos, era o mais ciente sobre as atividades previstas
no projeto. Os demais apenas falavam sobre a importância de “proteger o território” e
“valorizar o conhecimento dos velhos”, que retoricamente é o cerne do projeto. O
detalhamento das atividades era de desconhecimento geral. A questão do carro
continuava sendo um assunto debatido e era comum escutar falas, tais: “como que vai
começar atividades sem o carro?”, “temos que pressionar a FUNAI pra ter carro direto
aqui pra gente, porque tem projeto né?”.
Depois de algumas reuniões, foi decidido que a primeira atividade a ser
realizada seria a “Oficina com os Anciãos para Proteção do Território”. As lideranças
consideraram importante que a primeira ação do projeto valorizasse os mais antigos.
Essa decisão se mostrou estratégica no sentido de reunir a maior presença possível de
aldeias da TI, uma vez que os anciãos se encontram em todas as aldeias e trariam
consigo suas famílias. Sem dúvida, este foi a atividade do projeto com a maior
participação de aldeias.
Antes da atividade citada acima, foi necessário a aquisição de equipamentos e
materiais de consumo (alimentação e insumos de escritório). Este foi o primeiro
“exercício” de utilização das ferramentas/documentos para o gerenciamento
78
administrativo e financeiro do projeto. Neste momento ficou evidente que minha
função, no projeto, seria a de realizar processos de licitação, efetuar compras,
preparar a prestação de contas. A contratação de uma contadora, como previsto no
edital, não ocorreu, pois eles não confiavam em ninguém “da cidade” que pudesse
realizar este trabalho.
O clima de desconfiança geral, também impossibilitou a realização de
compras na cidade de Amarante. Todas as compras foram realizadas em Imperatriz:
computador, televisão, data show, material de escritório e diversos outros.
Demandando uma intensa logística de deslocamento e “jogo de cintura” para
convencer os comerciantes a receberem o pagamento em cheque (única forma
possível de pagamento pelo projeto34).
Após os primeiros dias de compras e as dificuldades encontradas, devido às
etapas do processo de compra e a falta de conhecimento sobre o trânsito e comércio
local (Imperatriz), foi decidido que as compras restantes (essencialmente alimentação
e gasolina) seriam efetuadas em Amarante. Com o tempo pude perceber que as idas a
Imperatriz tinham outros motivos que não a desconfiança com os comerciantes de
Amarante. Era também uma ótima oportunidade para que as lideranças mantivessem
contato com a FUNAI local, onde frequentávamos todos os dias durante estarmos na
cidade.
Posteriormente, iniciou-se a mobilização para a realização da primeira
atividade do projeto, que envolveria anciãos do povo Gavião, os Guardiões do
Território e demais interessados sob a responsabilidade da ACIAN. No planejamento
oficial, tal atividade deveria ocorrer em três momentos, contemplando três aldeias,
com a duração de três dias. No decorrer do projeto, a atividade ocorreu apenas uma
vez, na Aldeia Nova, com duração de um dia, sendo os outros dois dias utilizados para
o deslocamento dos participantes de/para suas aldeias. Os Guardiões do Território
estavam em atividade, investigando uma possível passagem de madeireiros dentro da
TI, durante aqueles dias e apenas alguns participaram em algum momento.
34
Também era possível descontar os cheque e utilizar o dinheiro, porém esse recurso só era utilizado para pagamentos de diárias, uma vez que era perigoso circular pela cidade com um grande volume de dinheiro.
79
Em uma avaliação que se baseia na correspondência estrita entre proposta e
execução, seria possível dizer que a atividade não obteve sucesso: a execução da
mesma não foi realizada como havia sido descrita no projeto. No entanto, se
considerarmos as intenções da atividade, é fácil compreender a avaliação positiva feita
pelos envolvidos na organização, durante a conversa no cair da noite, logo após Cabelo
Ruivo ter retornado da última “viagem” para deixar os convidados em suas respectivas
aldeias.
Kátia destacou que era motivo de muita alegria o fato de muitos indígenas de
outras aldeias terem ido à Aldeia Nova e participado das atividades, de reverem
parentes e de se reunirem em torno de um fogareiro onde assaram peixe
e,principalmente, pela participação expressiva dos anciãos. Para ela, a oficina serviu
como um “intercâmbio entre os mais velhos que quase não saem mais das suas aldeias
a não ser que alguém vá de carro buscar e também é bom pros mais novos daqui
verem um velho cantando, falando da nossa terra, é importante isso”.
O antropólogo Anthony Seeger (1980) chama atenção para o “status social”
dos velhos indígenas Jê, comumente estimados em suas aldeias. Quando um indígena
atinge a classe de idade que os identifica como velhos, em geral, homens e mulheres
com netos, estes ganham status de maior prestigio do que aqueles indígenas que estão
na classe de idade inferior, os mais jovens. Esse respeito se dá “sob a forma de
deferência em relação aos seus desejos e um tipo de comportamento distante ou de
“vergonha”” (Seeger, 1980:63)
João ressaltou o empenho dos jovens Yá e Lucena em fazer o registro áudio
visual do encontro. Após a “oficina”, que consistiu em palestras feitas pelos mais
velhos sobre a história do território Gavião, que hoje se reduz a TI oficialmente
demarcada, Yá e Lucena fizeram gravações individuais com os anciãos presentes.
Nessas gravações, foi pedido que os indígenas relatassem a sua história de vida. O
intuito era, posteriormente, fazer a tradução e legenda dos mesmos, para que fossem
disponibilizados no blog da Aldeia Nova35.
Apesar da avaliação positiva, João também destacou uma “falha”: o acúmulo
de tarefas sob a sua responsabilidade, explicando para os demais que todos os
35
http://aldeianovamaranhao.blogspot.com.br/ (Criado no âmbito do Projeto PDPI). Até o final deste trabalho os vídeos não foram finalizados.
80
membros da associação deveriam ajudá-lo. A sobrecarga de tarefas sob a
responsabilidade de João durou durante algum tempo. Certa noite, em uma conversa
com Kátia e Ricardo, sobre as atividades que ocorreram durante o dia na Aldeia Nova,
ambos se mostraram mais contentes com a organização das oficinas. Segundo eles as
tarefas foram divididas e não ficaram apenas esperando por João, para que alguma
decisão fosse tomada.
Em momentos anteriores, eu havia percebido que ambos (Kátia e Ricardo) se
excluíam das atividades, ao mesmo tempo em que se sentiam excluídos, algo que eu
não compreendia, até atentar para a organização política da Aldeia Nova. Kátia e
Ricardo são as lideranças mais importantes após o Cacique, Dorli e Cabelo Ruivo.
Quando todos estão ausentes, eles são os responsáveis pela aldeia. Porém, durante as
atividades do projeto, que era executado pela ACIAN, inicialmente houve uma
suspensão da organização política vigente, sendo esta substituída por uma organização
advinda da estrutura da associação e consequentemente, da coordenação do projeto.
Com o passar dos meses e desenvolver do projeto, as atividades foram ganhando mais
corpo e atenção dos indígenas da Aldeia Nova e das outras aldeias, fazendo com que a
organização política tradicional retomasse sua proeminência. Há uma passagem deste
diálogo que contribui com esse argumento:
Eu: Hoje eu achei que vocês se envolveram bastante nas
atividades. Vocês gostaram?
Ricardo: Agora não fica mais tudo em cima do João,
dividimos as tarefas, não ficamos esperando ele chegar
para começarmos as atividades, cada um ficou
responsável por alguma parte do trabalho.
Kátia: Primeiro a gente entendeu que ele que devia fazer
as coisas, como presidente e coordenador do projeto,
mas depois vimos que todo mundo tinha que participar,
eu fiquei responsável por ajuntar o povo, o Ricardo por
cuidar das blusas e bonés, a Dorli dessa vez ficou ocupada
de preparar a alimentação.
Eu: E como vocês chegaram a essa divisão?
81
Ricardo: Fomos fazendo o que fazíamos já, antes do
projeto. Quando chega gente aqui, nós que recebemos.
Eu e a Kátia, e ela é também Cacique, as mulheres
colocaram ela como Cacique pra cuidar dos assuntos das
mulheres.
(Diário de campo – Setembro/2014)
Outra questão transversal na execução do Plano de Trabalho é a participação
e interesse do “público alvo”. Nas atividades consideradas de “formação” – oficinas
sobre o manuseio de GPS, legislação ambiental e indigenista, produção textual,
informática básica e noções de contabilidade (as três últimas relacionadas ao processo
de “capacitação técnica” dos membros das associações da TI) – foi possível observar a
relação entre demanda real e demanda aparente pelas atividades.
Por demanda real, tomo aquelas atividades nas quais se exprime o interesse
de participação por boa parte do público alvo do projeto. Por demanda aparente, julgo
aquelas atividades criadas para satisfazer retóricas outras que não àquelas da
comunidade beneficiária do projeto. Em contextos de projetos de desenvolvimento em
assentamentos rurais, a demanda aparente é considerada aquela construída a partir
das concepções políticas, sociais, econômicas e culturais dos atores envolvidos no
processo, e deve ser desvelada por uma pesquisa-intervenção através de uma reflexão
crítica suscitada por um “agente de desenvolvimento” (Guimarães, 2012). No contexto
indígena, compreendo que a demanda aparente compõe o jogo de retóricas na relação
entre indígenas e não indígenas, não precisando ser desvelada, posto que ela exprime-
se tacitamente no decorrer do projeto sem maiores constrangimentos.
A oficina de GPS foi a mais concorrida, o conhecimento técnico para manuseio
do aparelho chamou atenção, principalmente dos homens que trabalhavam como
Guardiões do Território e “Contra Fogo” 36, e ainda daqueles que pretendiam pleitear
esse emprego no futuro. Ambas atividades requisitavam andanças pela TI e
identificação de pontos de invasão por não indígenas, áreas desmatadas, incidência de
caça não autorizada e focos de incêndio.
36
Projeto de prevenção a incêndios, coordenado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
82
Durante a palestra sobre legislação ambiental e indigenista, um grande
público se reuniu, apesar da interatividade ter sido mínima. Todos estavam atentos e
não houve esvaziamento da oficina, como ocorre comumente em determinadas
atividades. Ao questionar algumas pessoas sobre o que tinham achado da oficina,
muitas respostas exaltavam o fato de que era bom para o projeto que o técnico da
FUNAI (palestrante) visse que todos estavam envolvidos. Esta atividade foi, segundo os
membros da ACIAN, uma proposição da FUNAI no momento de construção do projeto,
como muitas outras. Porém, segundo me foi relatado:
Essa atividade não é novidade, já teve uma assim, o
pessoal gostou. É bom que outras pessoas podem ver
também, quem não tava aqui da outra vez, vê agora. Mas
isso é coisa da FUNAI, que tem que saber defender
nossos direitos, a gente tem só que pressionar a FUNAI,
mas eles que vão mexer com isso.
Enquanto o conhecimento técnico para o uso do GPS foi visivelmente mais
valorizado pelos participantes da oficina, devido à possibilidade do uso prático daquele
conhecimento, as palestras sobre legislação se configuraram como uma formalidade
na relação entre FUNAI e indígenas. Uma vez que as questões relativas à defesa dos
direitos ficam ao encargo das lideranças indígenas e suas redes de apoio (ONGs) e da
relação estabelecida com outros órgãos, como FUNAI e Ministério Público Federal
(MPF).
As atividades de “capacitação técnica” para os membros da diretoria da
ACIAN e demais associações, de acordo com o argumento acima, deveriam ter
despertado o interesse dos participantes. Os conhecimentos compartilhados nestas
oficinas seriam de aplicação prática por parte dos membros da associação que, em
teoria, devem lidar com procedimentos administrativos como redigir ofícios,
responder e-mails, compreender editais, escrever projetos, realizar prestação de
contas, entre outros. No entanto, durante as oficinas, foi notável o desanimo geral.
Acredito que, como argumentei acima, em relação às atividades do projeto e
da organização social da Aldeia Nova, há uma tendência a suspensão da organização
local frente à elevação da função da associação nos moldes prescritos pelo “mundo
83
dos brancos”, para determinada finalidade. No caso em questão, ser uma associação é
poder pleitear projetos e não necessariamente ser uma instituição administrativa.
Assim as funções que competem à associação, de acordo com o seu estatuto, são
realizadas de acordo com as funções determinadas dentro da organização social da
Aldeia Nova.
Se compararmos a estrutura da diretoria da ACIAN e a estrutura da
organização política na Aldeia Nova, pode-se perceber que, em alguns casos, elas se
confundem, em outros não. Assim, nem todos os membros da diretoria da ACIAN tem
status de liderança indígena e, portanto, não realizam as atividades administrativas
que a relação entre indígenas e Estado, por vezes, exige. E estes, pouco se
interessaram para o conhecimento prático, necessários para as atividades
administrativas, conforme previa a oficina de “capacitação” da diretoria da ACIAN.
Há também uma diferença entre as perspectivas/expectativas das lideranças
para a execução do projeto. Enquanto João se ocupava com os procedimentos
administrativos e financeiros do projeto - para ele, o projeto deveria responder as
expectativas técnicas do PDPI, pois assim ganhariam a confiança necessária para
acessarem outros recursos - Cabelo Ruivo se preocupava com a movimentação que o
projeto ocasionaria na aldeia e as relações que poderiam se estabelecer através dele.
Após a realização das primeiras atividades previstas e com boa parte do
orçamento da primeira remessa executado, o próximo passo era a primeira prestação
de contas. A liberação da segunda parcela dos recursos do projeto dependia da
aprovação dos gastos realizados. Essa tarefa foi considerada a mais complicada pelos
membros da ACIAN e também a que ocasionou maior desencontro entre os indígenas,
estes e os técnicos do PDPI.
Além das informações sobre a realização da prestação de contas do projeto,
repassadas em Brasília, João recebeu uma cópia do “Manual de Operações – Execução
Técnica e Financeira dos Projetos PDPI”. Este deveria ser o guia para que a ACIAN
pudesse realizar os procedimentos de compras e de prestação de contas. Em 30
páginas, o manual apresenta as diretrizes fiscais que devem ser seguidas pelas
organizações executoras. São detalhados, e exemplificados em imagens, os
procedimentos de licitação, os termos de referência para contratação de serviço de
terceiros, planilhas de prestação de contas, entre outros.
84
Como dito anteriormente, não houve a contração de uma pessoa para o
acompanhamento de todo o processo de execução orçamentária do projeto, e não há,
no atual quadro da diretoria da ACIAN, alguém que seja considerado capaz de fazê-lo.
Assim, foi deliberado que houvesse a contratação de um contador, sob a condição de
que o mesmo não fosse da cidade de Amarante. Este contador ficou responsável por
acompanhar apenas as etapas de prestação de contas referente às três parcelas que
seriam disponibilizadas pelo PDPI, e por realizar um treinamento com o tesoureiro e
presidente da ACIAN para o manuseio das planilhas de prestação de contas e
organização das notas fiscais, recibos e cheques.
Durante a estadia do contador na aldeia, que durou quatro dias, ele organizou
os documentos, estabeleceu uma rotina administrativa para o armazenamento de
notas fiscais e demais comprovantes de gastos do projeto e confeccionou a primeira
prestação de contas, com as devidas planilhas e relatório exigidos. Todas as suas
atividades deveriam, segundo o acordo da sua contratação, ser acompanhadas pelo
tesoureiro e presidente, pois a partir daí sua contribuição no projeto só seria possível
de forma virtual e se configuraria em um trabalho de revisão dos relatórios e planilhas.
O tesoureiro não demonstrou estar interessado em observar o trabalho do
contador e quase sempre precisava se ausentar da aldeia por algum motivo qualquer;
apenas o presidente esteve presente e atento aos procedimentos. De forma que toda
a responsabilidade sobre a prestação de contas do projeto era de João, o
presidente,que era cobrado por sua posição dentro da ACIAN e da aldeia. Explico: com
o decorrer do projeto, João acabou assumindo a posição daquele que se relaciona com
o “mundo dos brancos”, o Kupêm Yom Pa’hé, categoria assumida até então por
Ubirajara, o Cacique, que foi o primeiro presidente da ACIAN.
Em uma conversa com Ubirajara ele me relatou que,
Agora quem faz isso tudo é o João. Eu depois que torei37
meu dedo fiquei um pouco sem valia pra resolver esses
problemas com a FUNAI e outras coisas, como o projeto.
Falei pra ele: - Agora tu tem que cuidar disso, do dinheiro
direito e não é pra ficar falando nada pra ninguém. Faz o
37
Referência a cirurgia de amputação do dedão do pé após complicações da diabetes.
85
projeto direito e presta conta de tudo. Tá tudo na tua
mão
Em outros momentos, Ubirajara e outros membros da aldeia me perguntavam
sobre os gastos em tom de cobrança, como:
“Agora que tu chegou, fala com o João, ele precisa dá um
jeito de comprar carne pra nós”
“Como é que tá esse negócio do projeto? O que é mesmo
que o João pode comprar? Ele fica dizendo que só
quando tu tá aqui que tem ir acompanhar ele pra
comprar as coisas, mas tem coisas que a gente ta
querendo”
Com o afastamento de Ubirajara da arena política da aldeia devido problemas
médicos e uma longa estadia na cidade, João emergiu como aquele responsável por se
relacionar com a FUNAI e demais agentes do mundo não indígena, tendo o Projeto
PDPI como garantia para prover a aldeia de suas necessidades. Lembrando que a
atitude que se espera de uma boa liderança entre os Gavião é a capacidade de pôr à
disposição dos seus, de forma justa, aqueles recursos adquiridos com os “civilizados”.
Isto inviabiliza a participação dos demais no processo de prestação de contas
que recaí sob a responsabilidade apenas do Presidente da ACIAN, o qual, pressionado
pelas demandas diversas, recorre à minha presença na aldeia para mediar possíveis
desconfianças sobre o uso do dinheiro e “cobrar” determinadas ação dos demais
indígenas contratados pelo projeto.
Por exemplo, o recurso destinado ao motorista, de acordo com o cronograma
do projeto, deveria ser pago em forma de diárias. As demais funções (pesquisadora
indígena e coordenador), porém, eram pagas em volumes maiores de dinheiro, de
forma que o motorista também desejava receber seus proventos da mesma forma.
Diante desta situação, João decidiu realizar os pagamentos de forma igualitária, de
acordo com as parcelas recebidas pelo projeto. Assim todos receberiam, no mesmo
dia, a proporção devida ao montante de dinheiro reservado à função exercida. Porém,
após receber todo o montante referido a sua função, o motorista exigia diárias para os
86
dias trabalhados, causando constrangimentos na sua relação com o presidente da
ACIAN e com o projeto, que precisou contratar o serviço de frete para algumas
atividades na qual o motorista se recusou a trabalhar.
O serviço de frete, por sua vez, foi prestado pelo Cacique, que possuía um
carro. É provável que o constrangimento causado pelo motorista fosse necessário para
justificar os serviços de frete prestados pelo Cacique, mas não tenho informações
suficientes para afirmar tal causalidade entre os fatos. Para realizar a contratação do
frete, era necessário que o prestador do serviço emitisse uma nota fiscal para a ACIAN
para fins de prestação de contas. Para a emissão de nota fiscal é necessário pagar um
valor proporcional ao recebido pelo serviço para o município onde o mesmo foi
realizado, chamado Imposto Sobre Serviço (ISS). Este valor deveria ser retirado do
montante recebido pelo frete, porém João foi diversas vezes cobrado a pagar este
valor por fora. Era necessário a minha intervenção para explicar aos envolvidos que
não era do escopo orçamentário do projeto o pagamento de imposto. O Serviço de
frete foi, como o do motorista, pago integralmente e antecipadamente à realização do
serviço, o que causou os mesmos constrangimentos de continuidade da prestação do
serviço.
A situação de emissão de nota fiscal pelo serviço de frete se repetiu para a
emissão de nota por parte das pesquisadoras indígenas. Este impasse ocasionou o
atraso do envio da primeira e consequentemente da segunda prestação de contas,
acarretando cobranças por parte dos técnicos do PDPI, responsáveis por avaliar as
prestações e liberar o pagamento das parcelas. Com intuito de não atrasar o projeto, a
segunda parcela dos recursos foi liberada sem a avaliação da primeira prestação.
Porém, diversos problemas surgiram para liberação da terceira e última parcela.
Até o término deste trabalho a terceira parcela não havia sido repassada para
a ACIAN. Segundo os técnicos do PDPI, algumas comprovações de gastos não
constavam nos relatórios de prestação de contas. Em conversa, via e-mail, foi
repassada uma lista de documentos que faltavam para que os gastos fossem
comprovados. Essa lista incluía cartões de embarque, notas fiscais de alguns
equipamentos e relatório fiscal do uso de combustível. João me informou que reuniu
todos os documentos solicitados e encaminhou para o responsável. Em retorno, o
mesmo respondeu que “não compreendia a dificuldade de se elaborar um documento
87
simples e organizar os itens faltantes”. João me relatou que não compreendia o que
estava sendo exigido, uma vez que já havia encaminhado tudo o que lhe foi solicitado.
Analisando a troca de e-mails e os arquivos encaminhados por João, acredito
que falta de entendimento entre as partes se deva a diferença de compreensão entre
protocolos de envio de documentos. João encaminhou, em diferentes momentos,
fotos dos documentos, alguns com certa dificuldade para visualização, mas com todas
as informações legíveis. Porém os documentos não estavam datados, as fotos não
possuíam legendas que as identificassem.
João considerou que havia satisfeito o PDPI com os documentos
comprobatórios exigidos. Porém foi informado, via ofício, que não havia mais tempo
hábil para o recebimento da terceira parcela devido às “pendências financeiras” e
ainda que o contrato com o PDPI fosse improrrogável, de forma que todos os projetos
deveriam realizar suas atividades no prazo de 12 meses. João, consternado com o
ofício, lembrou-me que, segundo as regras do PDPI, os projetos grandes poderiam ser
realizados em até 36 meses. No entanto, tive que lhe relembrar que o projeto
aprovado previa o prazo de 12 meses,conforme exigido no edital, devido à finalização
do PDPI, sendo estes os últimos projetos financiados.
Como a terceira parcela não foi liberada, não houve continuação das
atividades. O Plano de Trabalho foi executado parcialmente, porém o pagamento de
todos os envolvidos foi realizado. Tal fato foi considerado um alívio por João. Ele me
disse que
Fizemos tudo direito. Não entendo o que o pessoal do
PDPI tá me cobrando. Aqui tá todo mundo consciente que
fizemos tudo direito, prestamos contas de tudo. Não sei o
que tá acontecendo. Vamos ter que recorrer. Mas não sei
como vão resolver. Só sei que tá todo mundo tranquilo
com o meu trabalho. Fizemos as atividades. Só faltou
mesmo os mapas né? Reflorestamento fizemos uma
parte, mas era bom que a gente continuasse. Vamos ver o
que vai acontecer agora.” (Conversa realizada por
mensagens em maio de 2015)
88
A atividade dos mapas, à qual se refere João, diz respeito à revisão do PGTA
realizado pelo CTI anos antes. Essa era a atividade considerada central pelos técnicos
do PDPI, por ser o alvo da chamada para o financiamento de projetos. A revisão do
PGTA consistia em revisar os mapas temáticos38, construído pelo CTI, e fazer a
pactuação entre as aldeias para a prioridade de atividades e projetos no âmbito da
gestão territorial e ambiental da TI Governador. A oficina de mapeamento já havia sido
realizada com a presença de um cartógrafo.Para a conclusão da atividade era
necessário que os indígenas, munidos de GPS, localizassem os pontos necessários para
a construção dos mapas.
A localização dos pontos deveria levar em consideração áreas estratégicas
para ações de proteção, reflorestamento e vigilância, como as nascentes de rios que
estavam desmatadas, regiões utilizadas por caçadores não indígenas e madeireiros,
além das áreas onde estavam localizadas recursos naturais utilizados pelos indígenas.
Após a localização dos pontos (contrapartida dos indígenas) e a confecção dos mapas
(financiados pelo PDPI), haveria uma oficina para que os mapas fossem debatidos e
estratégias de proteção territorial e gestão ambiental fossem elaboradas. Porém a
etapa de localização dos pontos não foi realizada, inviabilizado todo o resto.
Estas atividades, de etnomapeamento e possíveis ações estratégicas, estariam
incluídas no debate sobre gestão territorial e ambiental no qual o projeto, ao menos
em seu texto, se apoiava. No entanto, durante minha convivência com os moradores
da Aldeia Nova, o debate ambiental estava circunscrito à questão da invasão do
território por madeireiros e caçadores. A retórica do “desenvolvimento sustentável”
era evocada em conjunto com a de “proteção do território” a partir de soluções
“práticas”, como nas falas de Marcos e de Cabelo Ruivo:
Penso que defender o território destes invasores consiste em uma ação de
“desenvolvimento sustentável” para estes indígenas, tal como as atividades de
reflorestamento. No entanto, este debate não foi central durante o planejamento das
atividades e nem na execução. A princípio, o projeto contaria com a contratação de
uma analista ambiental (um nome foi indicado pela ICIAN) para acompanhamento de
todas as atividades,mas esta contratação não foi efetuada. Há ao menos dois motivos
38
Presentes na publicação “Plano de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas Timbira” do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), 2012.
89
para não ter havido, durante todo o projeto, o acompanhamento de uma analista
ambiental: 1) Quando houve a reunião em Brasília para o “acerto” do projeto, os
técnicos do PDPI sugeriram a João que a analista ambiental e o cartógrafo não fossem
contratados pelos 12 meses, mas sim como consultores eventuais e 2) a analista
ambiental indicada pela ACIAN não pode aceitar o trabalho. Acredito que a ausência
desta profissional e o foco na execução técnica e financeira do projeto fez com que o
debate sobre o meio ambiente, ao menos publicamente, em termos de atividades
específicas do projeto, não fosse o centro das atenções, ainda que se tratasse de um
projeto de “desenvolvimento sustentável”. Ou ainda, que esta discussão seja dada em
um âmbito não acessado pela execução do projeto.
Diante de todo o exposto neste capitulo, posso afirmar que os critérios
indígenas de priorização para a realização de atividades dizem respeito aos critérios de
caracterização de projeto por parte das lideranças indígenas e da contribuição dessas
atividades para as relações políticas na TI Governador. As atividades mais valorizadas
envolviam principalmente: 1) recursos financeiros para os seus executores; 2)
oportunidade de “capacitação técnica” utilizável e 3) Relações de dádiva das lideranças
indígenas da Aldeia Nova para os indígenas de outras aldeias.
90
Considerações Finais
O início da construção deste trabalho tinha haver com uma proposta de
análise sobre a incidência do Projeto PDPI na organização política local da TI
Governador. Porém, com o decorrer da pesquisa e da escrita, a dissertação se
desenrolou como uma etnografia, muito mais descritiva do que analítica, confesso, da
relação entre Povos Indígenas e “mercado de projetos”, na experiência singular da
Aldeia Nova com o PDPI, com o intuito de contribuir para a reflexão acerca dos
encontros e desencontros dado na relação interétnica entre Povos Indígenas e o
Estado.
É importante ressaltar que a pesquisa se deu em um circuito restrito da TI
Governador, a Aldeia Nova, que é praticamente constituída pela família extensa do
Cabelo Ruivo. Esta relação de campo restringiu meu acesso a outras aldeias e
lideranças, uma vez que a minha movimentação dentro da TI era regulamentada pela
Aldeia Nova. Acatei esta restrição por questões éticas sob a relação construída com
meus anfitriões.
Desta forma, esta dissertação se constituiu enquanto uma etnografia das
divergências e incompreensões que pautaram a relação entre Aldeia Nova e PDPI. Ela
trouxe, em seu escopo a descrição dos mal entendidos dessa relação e da dinâmica de
produção e reprodução de conhecimento sobre projetos por parte das lideranças
indígenas da Aldeia Nova.É importante ressaltar que a escrita desta dissertação segue
a cronologia dos acontecimentos do trabalho de campo, assim, demonstrei a vocês os
fatos, de acordo com a ordem temporal na qual os pude perceber.
No primeiro capítulo, tentei matizar um pouco mais sobre o contexto da
minha inserção em campo que, devido a minha condição de consultora e também de
“antropóloga da aldeia”, trouxe consigo um hiperfoco; assim como construir uma
imagem possível sobre a Aldeia Nova, a TI Governador e o povo Pyhcopcatiji, partindo
do viés específico que me foi proporcionado pelos moradores da Aldeia Nova.
No segundo capítulo, propuz-me a fazer uma análise comparativa entre as
compreensões que são dadas, nas práticas, textos e falas dos diferentes atores
envolvidos, sobre as dinâmicas em volta da execução do projeto. A intenção é mostrar
o PDPI, seus princípios, normas e procedimentos, tal como formal e expressamente
91
definidos em seus documentos oficiais. Desta forma, houve uma assimetria na
abordagem dos dois atores sociais em questão nesta dissertação: os Gavião e o PDPI,
onde a perspectiva indígena foi privilegiada, a partir do trabalho de campo realizado,
enquanto o PDPI foi retratado apenas por seus documentos oficiais.
Por fim, no terceiro capítulo, tentei constituir um conhecimento sobre como
essas dinâmicas, em torno do projeto, teve uma vida social que extrapolava a vida da
Aldeia Nova, na medida em que ela estava relacionada, também, a ações em conjunto
com as outras aldeias da TI. Neste capítulo tive a intenção de trazer a tona o “texto” e
“contexto” do Projeto PDPI.
Nesse sentido, tive por objetivo apresentar a relação entre Aldeia Nova e
PDPI, levando em consideração que projetos são construídos, via de regra, sob uma
teia de encontros e desencontros de sistemas culturais que não se encerram na
dicotomia indígena/não indígena, mas que se estendem entre as mais diversas formas
de ser indígena.
Antônio Carlos de Souza Lima ressalta que,
“No início dos anos 1950, pós Convenção 107 da ONU, a
qual versava sobre a “Proteção de populações indígenas e
tribais”, “esboçou-se para uns e sedimentou-se para
outros a ideia de que as terras ocupadas pelos indígenas
deveriam assegurar-lhes uma transformação social
autogerida e paulatina, em harmonia com o seu modo de
relacionamento com a natureza e na direção que
julgassem oportuna” (Souza Lima, 2010:30).
Analisando a proposição de projetos para os contextos indígenas, como
fizeram as pesquisadoras e pesquisadores citados na introdução, a promoção de uma
“transformação social autogerida” para/pôr os Povos Indígenas parece depender da
capacidade destes em executar projetos. Considero que isto se deve ao fato destacado
por Betty Mindlin Lafer (1981):
“os projetos indígenas inserem-se numa tradição utópica,
que é importante para imaginar novas formas de
92
organização do trabalho, relações de produção
igualitárias e democráticas, pluralismo na expressão de
valores, reivindicações e aspirações (...) (Lafer, 1981:33)
“No caso das organizações indígenas (associações,
programas econômicos, etc.), temos um excesso de
expectativas. Os índios são repositórios ou fetiche dos
anseios de diferentes grupos políticos. Acabam por servir
de símbolo de transformações grandes demais que se
deseja tentar para a sociedade como um todo, isso
quando talvez a mera sobrevivência já seja uma meta
razoável. Há o excesso de análise política de que sou
culpada aqui, e que é, como aponta Scott Robinson, uma
forma de etnocentrismo: acabamos por resolver pelos
índios o que devem ser, qual a melhor estratégia de ação,
ao lado de que valores devem alinhar-se e
desrespeitamos, como ao longo de quatro séculos, suas
formas de ver e sua capacidade de decidir por si”. (Lafer,
1981:35)
Mesmo o PDPI trazendo, em sua essência, o protagonismo indígena na
escrita, que é considerada como o processo legítimo de construção do projeto,
prevalece na sua composição, um formato não indígena de processar o mundo. Desta
forma, para que o Projeto PDPI tome forma de ação na TI Governador ele precisou ser
deslocado (e até mesmo desfigurado) do seu texto para acontecer dentro da
perspectiva considerada mais adequada para os indígenas responsáveis pela sua
execução.
Durante a execução do Projeto PDPI na Aldeia Nova, como descrito neste
trabalho, foi possível perceber, em diversos momentos, a inconsistência da relação
entre a construção de um Plano de Trabalho idealizado e a aplicação prática deste na
realidade indígena. Há pelo menos três grandes problemas que devem ser
considerados:
93
1) Um bom projeto para o PDPI leva em consideração a “participação da
comunidade”, não levando em consideração a lógica de chefia/liderança
indígena;
2) Os critérios de “desenvolvimento sustentável” dizem que os indígenas
precisam preservar sua TI para garantir as necessidades futuras de seus
descendentes. Porém, não leva em conta o que as gerações
presentes/futuras realmente pensam que são suas necessidades e quais
recursos naturais lhe interessam;
3) É considerado que, para o sucesso da execução do projeto, este precisa
ser “sustentável” e promover a autonomia dos Povos Indígenas, com a
finalidade de que estes não necessitem tanto de “ajudas” externas. No
entanto, não observa a importância das relações de troca que são
estabelecidas entre esses Povos e o Estado por meio dos projetos.
Não pretendo, aqui, desconsiderar a importância e o avanço que o PDPI trouxe,
no âmbito do “mercado de projetos”, para os Povos Indígenas, mas assinalar que
projetos em Terras Indígenas precisam atentar para a pluralidade contextual da sua
inserção e tornar mais factível o processo de conquista destes projetos por parte dos
Povos Indígenas. Tomando conquista enquanto guerra, como tenciona Souza Lima
(1995), onde conquistar é “o trabalho de decodificação adequada de signos, produção
de sentidos e teatralização”.
94
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