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MARÍLIA DE DIRCEU, Tomás Antônio Gonzaga

MARÍLIA DEDIRCEU

TOMÁS ANTÔNIOGONZAGA

1 – RESUMO BIOGRÁFICO

Tomás Antônio Gonzaga nas-ceu em Portugal, 1744 e faleceu emMoçambique, 1810. Veio para o Brasilcom 7 anos de idade. Fez os primei-ros estudos com os jesuítas, na Bahia.Em Portugal, formou-se em Coimbrae escreveu o Tratado de Direito Natu-ral, tese com a qual se candidatou àcarreira universitária. Foi magistradoem Portugal, retomando ao Brasil com38 anos, na condição de ouvidor-geralde Vila Rica. Datam dessa época as

Liras de Marília de Dirceu (parte 1) inspiradas em Maria JoaquinaDorotéia de Seixas, noiva do poeta. Aos 40 anos de idade, Gonzagaapaixonou-se pela adolescente de 17, que imortalizaria como Marília,ao mesmo tempo que se desavém com Luís da Cunha Meneses, go-vernador da Capitania. É nomeado, em meados 1786, desembargadorda Relação da Bahia, mas resolve adiar a tomada de posse, decertomovido pelo desejo de não se afastar de Marília. A família da moçaopunha-se ao namoro. Quando o poeta já vencia a resistência da fa-mília, já passados dois anos, obtém licença para se casar, enquanto amudança do governo de Minas Gerais, agora nas mãos do Viscondede Barbacena, vem sobressaltar os ânimos com a perspectiva da der-rama. Foi preso (1789) e enviado para a ilha das Cobras, no Rio deJaneiro, como participante da Inconfidência Mineira. Os últimos

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dezessete anos de sua vida passou-os no degredo, em Moçambique,casado com a filha de um comerciante de escravos.

2. ARCADISMO - ORIGENS E CARACTERÍSTICAS

O Arcadismo foi um movimento literário inspirado em uma lendáriaregião, a Arcádia, da Grécia antiga. Essa região era dominada pelo deusPã (deus dos bosques e dos campos, dos rebanhos e dos pastores, moravaem grutas, vagava pelas montanhas e pelos vales e divertia-se caçando oudirigindo as danças das ninfas, celebrando o amor e o prazer. Era amanteda música e da poesia. Como o nome do deus significa tudo, passou a serconsiderado símbolo do universo e personificação da natureza). A Escolafoi uma sociedade literária típica da última fase do Classicismo, cujos mem-bros adotam nomes árcades, em homenagem à vida simples dos pasto-res. Os poetas, em comunhão com a natureza, vestiam-se de modo aimitá-los e reuniam-se em parques e jardins para gozar a vida natural.

2.1 - O Arcadismo quanto à forma:

• vocabulário simples• frases na ordem direta• ausência quase total de figuras de linguagem• manutenção de versos decassílabos, do soneto e de outras formas

clássicas• linguagem como expressão das idéias e dos sentimentos do artis-

ta do século XVIII

2.2 - O Arcadismo quanto ao conteúdo:

• pastoralismo• bucolismo• fugere urbem (fuga da cidade em busca da vida natural)• aurea mediocritas (a vida simples, mas rica em dignidade e reali-

zações espirituais)• elemento da cultura greco-latina (Mitologia, História, Literatura....)• convencionalismo amoroso• idealização amorosa• racionalismo• idéias iluministas• carpe diem (aproveitar o momentos presente)• lócus amoenus (o lugar ameno, tranqüilo, em paz com a vida)• ideal de vida burguesa

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3. CONTEXTO EUROPEU E BRASILEIRO

Na segunda metade do século XVIII, na Europa, acontece oflorescimento tardio de um novo Classicismo. Contra os excessos e orebuscamento barrocos, o Neoclassicismo, Setecentismo (a estéti-ca dos anos 1700) propunha o retorno aos ideais clássicos da harmo-nia, do equilíbrio e da simplicidade, por meio da imitação dos modelosgreco-latinos e renascentistas.

O Barroco representava a mentalidade absolutista e contra-refor-mista. A reação neoclássica representa a mentalidade burguesa, liberale anticlerical; reflete o mundo da 1ª Revolução Industrial e o racionalismoiluminista do Século das Luzes. Há uma contradição básica nessa uniãoda mentalidade liberal burguesa e dos ideais clássicos, por definição,aristocráticos e antiliberais. Isso explica, em parte, a evolução da novaescola, que gradativamente foi abandonando o racionalismo, a objetivi-dade e o equilíbrio, prenunciando o Romantismo.

O Neoclassicismo, portanto, não foi um movimento simples ehomogêneo. Os primeiros autores apresentavam ainda característicasbarrocas abrandadas; o Arcadismo prendeu-se a rigorosas normasacadêmicas, repetindo fórmulas literárias que logo se esgotaram. OPré-Romantismo subverteu os ideais clássicos, tingindo-se de umasubjetividade e de um emocionalismo pessimista que exprimem, coe-rentemente, o individualismo burguês.

A burguesia assume a força econômica e passa lutar pelo poderpolítico, ainda nas mãos da monarquia. A burguesia cultua os ideaisdo Iluminismo em detrimento da arte cerimonial cortesã da monar-quia. O ideal do “bom selvagem” é cultuado em oposição ao homemcorrompido pela sociedade do Ancien Régime (o velho regime da no-breza monarquista). A França é o berço dessas novas idéias que ata-cam os poderes real e clerical e denuncia a corrupção dos costumes.Isto vai culminar com a Revolução Francesa (1789).

É dentro desse quadro que se desenvolve o Iluminismo euro-peu, marcado pelo racionalismo e pela defesa do Despotismo Es-clarecido: um governo forte que daria segurança ao capitalismo mer-cantil da burguesia. A ressonância disso tudo em nossa vida de coloni-zados está com o Marquês de Pombal, déspota iluminista, que mo-dernizou o ensino, expulsou os jesuítas e modernizou Portugal.

No Brasil, o Arcadismo está diretamente ligado à InconfidênciaMineira. O século XVIII registra importante mudança na vida brasilei-ra: o eixo político, social, cultural e econômico agora está em MinasGerais e Rio de Janeiro. Minas Gerais, em especial Vila Rica, chama a

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atenção pela mineração, Inconfidência, Tiradentes, os intelectuais doArcadismo e Aleijadinho. O Arcadismo brasileiro também se chama Es-cola Mineira , em virtude da ligação dos poetas com a geografia, a histó-ria e a política de Minas Gerais. A data inicial do nosso Arcadismo é o anode 1768 por conta da fundação da Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, ea publicação das Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa.

4. A OBRA

• MARÍLIA DE DIRCEU (1ª parte foi publicada em Lisboa em1792. Em 1799 sai a primeira edição da 2ª parte das Liras e novaedição da 1ª parte. da Em 1810 editava-se uma falsa 3ª parte dasLiras. Atualmente as editoras apresentam Liras das duas partes).

• Tratado de Direito Natural (Tese jurídica de 1768, dedicadaao marquês de Pombal. Com ela o autor candidata-se a uma cadeirade professor universitário).

• Cartas Chilenas (Em 1787, começam a circular em Vila Rica,escritas com o pseudônimo Critilo, mas a primeira edição entre nósaconteceu somente em 1940).

5. A MARÍLIA DO PASTOR DIRCEU, DO POETAE DO HOMEM BURGUÊS

Segundo o estudioso José AderaldoCastello, as Liras de Marília de Dirceu com-portam “uma leitura que marca nitidamentetrês fases no processo de revelação amoro-sa: 1ª) o conhecimento da musa, com o des-lumbramento que causa no poeta; 2ª) o amorcorrespondido e a preparação psicológicapara o relacionamento dos amantes, visan-do ao matrimônio, mas em função de umdado biográfico – a grande diferença de ida-

de entre ambos e de status – Gonzaga um magistrado, dado à vidaintelectual, ao estudo e à reflexão no meio das ambições e riquezasgeradas pela mineração; 3ª) finalmente, a separação dos amantes porforça do “ideal” de libertar a “pátria adotiva”, o que levaria o poeta àcondenação e ao desterro, frustrando-se o seu outro ideal pessoal ou devida íntima. Elaboradas as poesias em Ouro Preto, no convívio comMarília, e na prisão no Rio de Janeiro, é possível que Gonzaga já tives-se escrito algumas dessas liras (aqui sinônimo de odes) em Portugal, eas tivesse adaptado às circunstâncias do seu novo amor.”

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É nesse contexto que se situa a “Marília de Dirceu”, deGonzaga. A obra é dividida em duas partes (além de uma terceira, deautenticidade contestável e que teria sido publicada em Moçambique),que correspondem aos momentos em que foram escritas. Na primeira,em que predominam as características arcádicas, o pastor Dirceu faza corte à pastora Marília. O tema pastoril e bucólico mal disfarça oselementos biográficos dessa poesia. Por trás de Dirceu, está TomásAntônio Gonzaga, funcionário público, advogado, já quarentão, aman-do uma adolescente de 17 anos, inseguro, ansioso pela estabilidadede uma família e de um lar burguês. Marília é Maria Dorotéia idealiza-da, ora loira, ora morena, delicada, com freqüentes arrufos de ciúme.

A segunda parte (e a terceira, se autêntica) foi escrita na prisão.Entende-se, portanto, por que as características pré-românticas se fa-zem sentir, aqui, mais agudamente. O sentimento de injustiça, da so-lidão, da saudade de Marília, o temor do futuro e a perspectiva damorte rompem constantemente o equilíbrio clássico.

Em “Marília de Dirceu” , há a refinada simplicidadeneoclássica: uma dicção aparentemente direta e espontânea, cheia deimagens graciosas e de alegorias mitológicas; um ritmo agradável,suavizado pelos versos curtos, pela alternância de decassílabos ehexassílabos, pelo uso do refrão e dos versos brancos. Os chavões doArcadismo estão sempre presentes: o bucolismo, o pastoralismo, o“locus amoenus” (“lugar aprazível”, cenário bucólico idealizado), a“aurea mediocritas” (mediania de ouro, o ideal do equilíbrio), o “carpediem” (“gozar o dia”, o momento presente). Mas, o artificialismo desseaparato retórico é contrabalançado pelos reflexos autobiográficos epelos elementos da paisagem e da realidade mineira.

“Marília de Dirceu” é um dos livros mais lidos na história daLiteratura Brasileira. Os dois pastores da Arcádia mineira tornaram-seo primeiro par amoroso do imaginário brasileiro. E isso não se deveapenas ao mito criado pelo Romantismo, mas também, e sobretudo,às qualidades superiores da poesia de Gonzaga em relação aos ou-tros árcades. Veja que curiosidade:

“Olha, Marília, as flautas dos pastoresQue bem que soam, como estão cadentes!Olha o Tejo a sorrir-te! Olha, não sentesOs Zéfiros brincar por entre as flores?”

É a primeira estrofe de um famoso poema de Bocage, poeta doArcadismo português, que lembra o nosso melhor árcade. Bocage re-mete o leitor para a ninfa, a verdadeira pastora Marília; já Gonzaga

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liga Marília a Dorotéia de Seixas, sua noiva. Gonzaga nunca se ca-sou com Maria Dorotéia, mas esse namoro tornou-se o primeiro mitoamoroso de nossa literatura e inspirou uma de nossas mais belasobras líricas.

5.1 – MARÍLIA DE DIRCEU: DUAS PARTES

A primeira parte contém confidências amorosas, descrições daamada, planos e sonhos de felicidade conjugal. A contenção e o equi-líbrio neoclássicos, com a utilização de todos os lugares-comuns doArcadismo: um pastor, uma pastora, o campo, a serenidade da paisa-gem principal. São os poemas escritos na época anterior à prisão deGonzaga. Nela predominam as composições convencionais: o pastorDirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas.Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confis-são amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado poruma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer eque merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura,rodeado de filhos e bem cuidado por sua mulher. “Ele sobrepõe a con-fidência ao fingimento das comparações, alusões metáforas e mitos,graças à simplicidade da linguagem, ao seu tom quase coloquial decomunicação direta com a musa inspiradora, esclarecendo-lhe o quepudesse restar obscuro, como o convite epicurista.” O poeta mostra-se, sem truques e rodeios, epicurista e burguês, e, sobretudo, um ho-mem que se comporta superiormente social. Isto é tão claro que otítulo da obra reflete a posição orgulhosa desse burguês e a visão queo mesmo tem da mulher: Marília ocupa posição de objeto possuído eDirceu, de objeto possuidor.

A segunda parte: agrupam-se os poemas escritos no cárcere,revelando o sofrimento físico e moral do poeta, lembranças da amada,além de reflexões sobre o destino, sobre o fracasso da Inconfidência eTiradentes, a justiça e a glória. Escrita na prisão da ilha das Cobras.Os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Nestasegunda parte, encontramos a melhor poesia de Gonzaga. As conven-ções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico.O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo ro-mântico. Gonzaga reflete sobre a adversidade e a esperança com ver-sos imortais: “Eu tenho um coração maior que o mundo,/ tu, formosaMarília, bem o sabes: / um coração, e basta, / onde tu mesma cabes.”Versos parafraseados por Carlos Drummond de Andrade em dois mo-mentos: “Poema de Sete Faces” e “Mundo Grande”.

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Há dois momentos que distanciam Gonzaga do convencionalismoÁrcade: quando o poeta é verossímil em relação à natureza de MinasGerais, principalmente, em relação à geografia da extração mineral, equando manifesta o lirismo como expressão pessoal (autobiográfico). Estavertente subjetiva é mais visível na 2ª parte das Liras (solidão do cárceree frustração amorosa),mesmo assim o poeta é sóbrio, equilibrado,apolíneo. Mas já antecipando pontos da subjetividade do Romantismo.