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CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
MARXISMO, MOVIMENTOS SOCIAIS E FENOMENOLOGIA
Por Marco Antonio Perruso
Este ensaio volta-se para o potencial das experiências autônomas e
anticapitalistas das massas e grupos sociais subalternizados, entendidas
como o fator mais relevante para efetivar uma transformação revolucionária
nas sociedades atuais. Por isso, busca-se aqui, sem pretensão de
pioneirismo, uma apropriação crítica e de esquerda de várias reflexões
consideradas – em termos abrangentes – fenomenológicas. A diversidade
daquelas experiências desde baixo é ontológica e subjetivamente mais
importantes que fenômenos afeitos ao mundo das elites e dos intelectuais, aí
incluídas suas pretensas vanguardas.
COLETIVISMO X INDIVIDUALISMO METODOLÓGIGO
A maior parte do marxismo enquanto teoria social se estabeleceu
historicamente como um coletivismo mais ou menos rígido. Durante o século
XX esta corrente, subsídio para a maioria dos movimentos de transformação
do planeta, sofreu várias mudanças, algumas apontando para uma
sofisticação analítica e uma menor rigidez, na qual apostamos. Neste
sentido, exploramos matrizes de pensamento fenomenológicas, a fim de
contribuir para um efetivo protagonismo, no campo da teoria, das
experiências dos trabalhadores e demais setores explorados.
Assim, o marxismo ou materialismo dialético e histórico pode ser
pensado como um coletivismo baseado em relações sociais não tão rígidas,
quase como interações sociais. Não se trata de ignorar a força de fatores
materiais strictu sensu, mas de efetuar uma complementação analítica,
especialmente ao nível micro-sociológico e micro-histórico. Assim, com
Simmel p.ex., temos que as relações/interações sociais se baseiam também
no que uns sabem dos outros (das respectivas condutas), nas
representações ou imagens que uns fazem dos outros. Deste modo, o
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conhecimento entre indivíduos não se reveste sempre de universalidade mas
também de diferenciação.i
O trecho abaixo de W. Thomas, citado por Goffman, é contundente:
“É também sumamente importante que compreendamos que, na
verdade, na existência quotidiana não dirigimos nossas vidas, tomamos
nossas decisões ou alcançamos metas, nem de maneira estatística nem de
maneira científica. Vivemos de inferências.”ii
Nessa perspectiva, visualiza-se que o mundo social depende inclusive
das formulações subjetivas dos indivíduos elaboradas em interações
singulares (como nos diversos movimentos sociais, p.ex.), e não
exclusivamente de articulações ou estruturas estáveis de ordem coletiva cuja
apreensão pode ser universalmente objetiva (o mundo do trabalho em sua
acepção mais institucionalizada). A crescente sofisticação do marxismo no
estudo da cultura e da subjetividade, com Gramsci, Thompson e outros, se
alia, aqui, a percepções não marxistas fundamentais dessas esferas sociais
simbólicas, seja com Simmel, Habermas, Bourdieu, Geertz, Mead e outros.
Há de se ter um cuidado analítico: a vivência interacional social desde
baixo, intermediada simbolicamente, aponta para a riqueza e diversidade
cultural e valorativa, não para uma racionalidade transparente e calculista
como propugnado por certas correntes do pragmatismo estadunidense.
Nestas, a intersubjetividade, fruto de múltiplas interações coletivas
apreendidas fenomenologicamente, é reduzida a resultantes dinâmicas de
interações entre estratégias individuais, aproximando-se de um utilitarismo
ou contratualismo liberais. Que, por sua, vez constrói uma imagem
forçadamente universalista do mundo humano, visualização tão equivocada
quanto à realizada pelo determinismo econômico do marxismo ortodoxo.
Na verdade, um dos obstáculos iniciais para uma apreensão crítica e
progressista de certas formulações fenomenológicas é evitar o individualismo
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metodológico normalmente nelas presente, que costuma apontar para duas
conclusões: 1) a sociedade é sempre vivenciada subjetivamente; e 2) a
sociedade, em termos teóricos e analíticos, não é apreensível com a
precisão recorrente nas ciências exatas ou naturais e nem como totalidade.
Entendo que a primeira proposição é inegável, mas não definitiva. A vivência
subjetiva é interindividual, é coletiva. Assim temos os grupos sociais
subalternizados e seus movimentos sociais e culturais. A apreensão da
sociedade pode, ainda, sofrer um processo de objetivação, como diz
Bourdieu. Além disso, não considero que se deva chegar necessariamente à
segunda afirmação. Primeiro, porque a oposição epistemológica entre
ciências naturais/exatas (de um lado) e sociais/humanas (de outro),
correspondente aos princípios do verum e do certum nas reflexões originais
de Vico, é, no mínimo, problemática. É óbvio que os estatutos científicos são
diversos, mas não de uma maneira hierárquica como se imagina comumente.
Segundo: avalio que é positivo questionar os resultados dos projetos de
totalidade científica já lançados, inclusive o marxista ortodoxo. Mas acho que
a idéia de pensar em termos de totalidade, enquanto horizonte de reflexão,
não precisa ser abandonada, mas reformulada de modo muito mais
complexo.
Reformulação esta que pode comportar as obras de matiz
fenomenológico como as de Simmel, Goffman e outros, devido à capacidade
de estas construírem imagens da sociedade de modo incrivelmente
detalhado e capilarizado, portanto, mais complexo. É preciso, contudo,
criticar a visão simmeliana da sociologia como ciência composta
exclusivamente por conhecimentos “unilaterais”. A idéia de unilateralidade
provém da assertiva antes colocada: as interações são permeadas de
interpretações possíveis e imperfeitas. Mas este mundo fenomênico e
interindividual não compõe toda a sociedade. Partindo das interações face-a-
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face, a sociedade se alastra: tanto em termos de escala espacial (dimensão
coletiva) quanto processual (os encadeamentos mencionados por Elias e
outros). Neste sentido, as conseqüências não premeditadas da ação (Weber)
e os nexos não-pretendidos da ação (Habermas), p.ex., não devem ser
pensados como subsumidos à dimensão individual/interacional. Isto porque a
apreensão da sociedade além do mundo fenomênico pode sofrer um
processo de objetivação, já que o conhecimento interpretativo (apreensão
imperfeita, aparência construída) não extrapola os limites das interações
singulares onde se circunscreve.
MODERNIDADE
Uma apreensão sociológica que mantenha uma referencial central
marxista mas que seja capaz de conjugar elementos analíticos
fenomenológicos tem condições de melhor entender as questões da
modernidade,iii já que buscamos não só seus postulados materiais mais
“duros”, mas também a vivência subjetiva da modernidade por parte dos
setores explorados e dominados.
Acrescentemos a postulados essenciais da modernidade – capitalista
(Marx), industrial (Durkheim) e liberal (Stuart Mill) – alguns outros.
Novamente com Simmel temos que a modernidade oferece aos indivíduos,
com crescente rapidez, uma enorme quantidade de impressões e estímulos,
favorecendo uma pluralidade de aparências e interações, muitas individuais e
fugazes. Ao lado dessa faceta individualizadora e diferenciadora da
modernidade, podemos acrescentar a racionalidade detectada por Weber. O
ethos capitalista (ascético, work-a-holic e devotado à reprodução do capital),
que vai se afastando de sua origem religiosa, dissemina-se
homogeneamente pela nova classe burguesa ascendente porém na forma de
conversão individual íntima ao novo dever, como vocação. Além disso, esse
ethos comporta uma particular racionalidade, que exige do indivíduo
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proceder teleológica, pragmática e até criativamente em busca de
rentabilidade, deixando tão somente de seguir conteúdos valorativos
abstratos ditados pela tradição.iv Mas Weber também coloca algumas
nuances a essa interpretação da modernidade como locus privilegiado de
uma nova ação social e da interação entre indivíduos movidos por suas
vocações transparentes:
“A empresa dos dias atuais é um imenso cosmos, no qual o indivíduo
nasce, e que se apresenta a ele (...) como uma ordem de coisas inalterável,
na qual ele deve viver. Obriga o indivíduo, na medida em que ele é envolvido
no sistema de relações de mercado, a se conformar às regras de ação
capitalistas.”v
A isto se adicionem três fatores: a adequação entre vocação individual
fixa e divisão do trabalho (especialização), a conveniência do novo ethos
produzir trabalhadores disciplinados para o empresário e a tendência
uniformizadora/padronizadora do capitalismo advinda do ascetismo
originalmente religiosovi. O resultado é uma sociedade moderna parecendo
ficar menos interacional, pluralista e fundada na aparência do que Simmel
imaginaria, mas que permite uma complementação teórica com a leitura
marxista, mais estruturante e desvendadora dos laços de dominação e
massificação social.
Todavia Weber mesmo indica que a modernidade não se resume a
ascetismo. As “tentações” da riqueza que se acumula ensejam a percepção
de outra faceta do capitalismo, já preconizada nas reflexões de Simmel
sobre a moda e sua característica anti-utilitária: o luxo e o erotismo,
vinculados ao refinamento dos sentidos – hipótese lançada originalmente por
Sombart.vii Assim, ao lado do ascetismo – que denota simplicidade – temos a
sacralização do amor – que remete à sofisticação dos sentidos. Em relação à
conduta sexual a autoridade se desloca da religiosa para a laica. Algo
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parecido ocorreu com a conduta econômica na análise de Weber: no
catolicismo o lucro era proibido ou tolerável, passa à situação de sua busca
incessante e racional compor o cerne do puritanismo até sacralizar-se.
Acredito que em ambas as facetas da modernidade – mas por caminhos
diversos – o indivíduo passa a operar com mais independência em
detrimento de prescrições de ordem holística, o que, sem dúvida, volta a
realçar a pluralidade e a possibilidade de mudança, isto é, a vertente
fenomenológica das sociedades modernas.
A partir de Weber, também é possível identificar uma tendência ao
autocontrole na modernidade, compondo grande parte, se não a essência, da
ascese capitalista, originária de movimentos religiosos puritanos.viii Em
oposição, a sacralização do amor significou, de acordo com Sombart, a
vitória do princípio da ilegitimidade: a possibilidade de ferir normas é
constante. A diversidade de ações e interações humanas, que parece
crescer na modernidade, implica, muitas vezes, desobediência a princípios
ou mecanismos de coesão ou coerção social.
Mas quem desenvolve mais extensamente a relação entre infração de
normas e respectivo controle é Foucault. Este autor qualifica a sociedade
moderna como disciplinar.ix De maneira próxima à mundanização do lucro e
do amor, o direito penal deixa a esfera religiosa e se dedica à reparação ou,
mais importante, à prevenção do dano causado à sociedade. Nota ainda que
“o sistema de penalidades adotado pelas sociedades industriais em vias de
formação, em vias de desenvolvimento, foi inteiramente diferente do que
tinha sido projetado alguns anos antes”.x Aqui, as reflexões de Foucault
procedem quase fenomenologicamente, pois se ressalta simultaneamente a
passagem da questão da justiça para o controle estrito do indivíduo e de sua
ação (descartando-se parâmetros mais fortemente holistas-prescritivos) e as
conseqüências não-premeditadas dessas ações/interações. De qualquer
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forma, a modernidade seria o terreno por excelência dessa
indeterminação/diversidade social, embora as sociedades não modernas,
pela sua infindável variedade e heterogeneidade, também apontem para a
noção de pluralidade – do mesmo modo, como veremos, pode ocorrer em
nossos tempos atuais de globalização.
Com Foucault refletindo sobre as várias instituições penais e de
controle (prisões, hospícios, reformatórios, hospitais, escolas, fábricas)
podemos concluir por uma vitória sombartiana do princípio da ilegitimidade (e
da diversidade). Mas a sociedade disciplinar traz consigo ainda uma grande
vontade de prevenir e combater, panopticamente, o que entende por
anormalidade.xi Então, existe na modernidade também uma tendência
antidiversidade.
Mas a questão foucaultiana que creio ser a mais instigante para
articular uma visão marxista e fenomenológica da modernidade seja a
seguinte: porquê o autocontrole “inventado” por grupos sociais
subalternizados – reformistas religiosos como os “criadores” do ethos
capitalista – é apropriado por setores dominantes na configuração panóptica?
Foucault menciona que tal mudança se refere à transformação de uma
comunidade espiritual (acrescento: tradicional, coletivista, holística) em uma
sociedade institucional (isto é: moderna, individualista, interacional). Acredito
que a resposta tenha a ver com o fato de a tendência antidiversidade
presente na modernidade – desvendada por Foucault, subestimada por
Simmel e percebida enviesadamente por Marx e os marxistas ortodoxos,
como veremos – se desdobrar em uma vontade racional de controle dos
indivíduos, de suas ações e, portanto, de suas interações. Essa vontade, de
iniciativa dos indivíduos que estão no poder (poder econômico e estatal), só
pode ser realizada mediante uma perspectiva panóptica – cujo “olhar de
cima” é incrivelmente semelhante ao das sociologias
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coletivistas/estruturalistas! O que não deixa de revelar a grande pertinência
desse tipo de sociologia ao pensar a modernidade em grande escala, a
dominação e a massificação social. Porém, como a sociedade moderna traz,
em grande parte, a substituição da comunhão holística pela ação teleológica,
o controle tem de “descer” até o indivíduo, de modo a disciplinar os
comportamentos humanos. Por isso Foucault fala de “pequenas instituições
situadas em um nível mais baixo” e “trama de poder político microscópico,
capilar”, já usando termos fenomenológicos.
A modernidade se estabelece com grande força no meio urbano. Face
às questões da diversidade, individualização e especialização (bem como
conseqüente interdependência) vistas anteriormente, a modernidade urbana,
ainda segundo Simmel,xii intensifica os estímulos psicológicos. Diante de
tantas e tão rápidas referências jogadas sobre o indivíduo urbano, este
assume uma atitude fria, blasé, já que não lhe é possível se envolver
profunda ou emocionalmente com a multiplicidade de pessoas que encontra
freqüentemente. E existe o risco de tal atitude de autopreservação,
significando indiferença, reserva ou mesmo antipatia com tudo ao redor,
nulificar o próprio indivíduo. Mas essa impessoalidade que se alastra –
inclusive via intercâmbio monetário – tem como contrapartida, uma
subjetividade altamente individual. É a partir dessa espécie de isolamento
propiciado pela autopreservação que se desenvolvem uma liberdade e uma
diferenciação maiores, bem como sociabilidades coerentes (associações
diversas, incluindo movimentos sociais). Sendo este controle referido, a meu
ver, diretamente à comunhão coletiva holística que perde terreno diante da
ação individual teleológica. Aqui, inclusive, de certa forma Simmel discrepa
do pessimismo weberiano e da denúncia foucaultiana, ao vincular controle
antes à tradição que à modernidade. Mas, no melhor estilo contraditório da
reflexão simmeliana, aqui também temos a individualização urbana
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produzindo, devido à especialização e interdependência, uma vitória do
“espírito objetivo” sobre o “subjetivo” (a exclusão do “progresso,
espiritualidade e valores” do domínio individual), isto é, o que entendo ser a
derrocada do holismo. Porém, como “o indivíduo se tornou um mero elo em
uma enorme organização de coisas e poderes”, concluo que a
predominância da ação na modernidade não inaugura uma primazia única da
interação e da aparência (direção na qual caminha uma parte da reflexão
simmeliana ou talvez seus seguidores pós-modernos), já que permanece a
necessidade de uma (complementar!) perspectiva coletiva ou estrutural, de
modo a evitarmos uma compreensão sociológica parcial.
Park e Wirth,xiii entre outros, mencionam também que a urbanização
mina paulatinamente as relações face-a-face – tão significativas para uma
sociologia interacional e fundada na aparência – em favor de relações
indiretas. Aqui acrescento mais uma questão para embasar uma
aproximação entre marxismo e fenomenologia: se a modernidade coloca o
indivíduo em um patamar superior de liberdade e diferenciação (até por
influência ideológica liberal), por outro lado o gigantismo populacional e a
estruturação das metrópoles impacta concretamente sua esfera de ação,
colocando uma série de mediações (distância, dinheiro, leis, etc.) que
problematizam as dimensões face-a-face.
Para resolver tal dilema, recorro a Benjamin,xiv que articula a questão
da modernidade, da cidade e das massas a partir de uma preocupação com
a subjetividade humana, com o exercício da liberdade e do prazer,
destacando diversos setores subalternizados ou que resistem a disciplinas
racionais e controles sociais – uma perspectiva desenvolvida antes por
Sombart e, depois, por Foucault. Benjamin observa na cidade moderna os
vícios, seus bares, a boemia, os catadores de trapos, os
agitadores/conspiradores profissionais: sua descrição da paisagem urbana e
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de seus tipos é repleta de diversidade, bem como de desigualdade, miséria e
drama humano. Benjamin identifica na boemia e em boa parte dos artistas da
Paris de Baudelaire uma resistência ou revolta contra a sociedade e a
incerteza social modernas que se estabeleciam. Na cidade que Park vê como
locus de uma modernidade inexorável, ascética e disciplinada, Benjamin nota
contradições, a exploração capitalista, a injustiça, a concorrência
desenfreada (que leva à exacerbação social, ao roubo e ao crime), enfim,
uma espécie de caos bem pouco racional.xv
Além disso, reflete sobre as já citadas mudanças nos meios de
comunicação. A literatura penetra na imprensa em difusão crescente, no
formato do folhetim. Como os jornais ainda eram relativamente caros na
França do séc. XIX, o público leitor se aglomerava nos cafés. Os jornais em
grande parte se financiavam através da publicidade, nova forma de
comunicação urbana e moderna, típico exemplo de relação que substitui as
interações face-a-face, como já notaram Park e Wirth. Estes, na trilha de
Simmel, vêem a publicidade como tentativa de sensibilizar o citadino,
normalmente indiferente diante de tantos estímulos, enquanto Benjamim
caracteriza esses reclames pagos como potencialmente corruptores da
imprensa. Toda essa mudança industrial da literatura resulta na ida do
escritor ao mercado, para vender sua singular força de trabalho. Temos
então a figura do flâneur, que vive nas ruas e passagens (bulevares) da
cidade, buscando matéria-prima para produzir sua arte e vendê-la ao
mercado. E igualmente surge um novo gênero literário, as physiologies,
descrições panorâmicas e superficiais das realidades citadinas. Vejamos três
interessantes passagens:
“Desde as raízes ele [esse novo gênero literário] era pequeno burguês.
(...) Essas fisiologias em nenhum momento transpuseram um horizonte dos
mais limitados. (...) O que importava era a inofensividade.”
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“Uma tal visão dos outros homens estava demasiado distante da
experiência real (...) todo homem, tanto o melhor quanto o mais miserável,
traz consigo um segredo que, caso fosse conhecido, torná-lo-ia odioso a
todos os demais. Para pôr tais concepções inquietantes de lado como
irrelevantes, as fisiologias eram exatamente adequadas. Elas colocavam,
caso nos seja permitida a expressão, viseiras e antolhos no ‘citadino
tapado’.”
“O que mais se queria, de fato, era dar uma imagem alegre e cordial
das pessoas entre si (...) Mas tal procedimento não podia levar muito longe.
As pessoas se conheciam entre si como devedores e credores, como
vendedores e clientes, como patrões e empregados (...)”xvi
A partir desses trechos é possível fazer uma leitura problematizadora
dos pressupostos de uma fenomenologia próxima ao liberalismo, isto é,
individualista e por demais baseada na aparência, quando aplicada à
modernidade: a visão extremamente superficial da cidade realizada pelas
fisiologias denotaria que as aparências (“viseiras e antolhos”) seriam
limitadas do ponto de vista do conhecimento mesmo no qual se baseiam as
interações. Benjamin, como marxista, trabalha com a dualidade
essência/aparência, privilegiando-se a essência (“experiência real”). Mas
com Bourdieu,xvii temos que a essência só é atingida via processo de
objetivação, que nasce das intersubjetividades, cuja dimensão é a
fenomenológica por excelência. De qualquer forma, o resultado é o “citadino
tapado”, alienado, cuja cultura subjetiva (holística) é derrotada pela objetiva,
para usar os termos de Simmel.
O romance policial substituiu as fisiologias no gosto popular europeu do
séc. XIX. Benjamin acredita que esse gênero literário tratava dos aspectos
realmente instigantes da vida urbana moderna, visualizando as massas
ameaçadoras, nas quais submerge o criminoso depois do crime: “Nas
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épocas de terror, quando cada um tem em si algo de um conspirador, cada
um também chega a ter a oportunidade de desempenhar o papel de detetive.
A ‘flânerie’ é o que lhe dá a melhor chance para isso.”.xviii Não deixo de
lembrar, nesse ínterim, do autocontrole de origem ascética em Weber,
exercido “de baixo para cima” e, depois, executado panopticamente –
segundo Foucault. Benjamin acrescenta outros elementos a esse processo: o
controle cada vez mais técnico da vida civil (numeração das casas,
identificação por assinatura e fotografia, iluminação pública). Acredito que
Benjamin, partindo de uma visão da modernidade urbana influenciada por
Simmel, nos traz questões que, via Foucault e Bourdieu, a meu ver apontam
de novo para alguns limites de uma perspectiva fenomenológica “pura”.
Primeiro: o indivíduo desaparecendo na multidão e sua perseguição cada vez
mais panóptica apontam para uma estruturação social acima do imaginado
pela ótica simmeliana, pois a multidão, como bem apontava Marx, remete a
uma escala sociológica de difícil acesso ao indivíduo, protagonista das
interações face-a-face. Segundo: o disfarce do criminoso é forte evidência de
uma precariedade da aparência como alicerce único das interações, visto
que o indivíduo, ao contrário do poder estruturado panopticamente, possui
parcos recursos para perceber todas as aparências em meio às massas. Não
é à toa que Benjamin pensa o indivíduo urbano como herói, por enfrentar
desafios, colocados pela modernidade, desproporcionais às suas forças.
Acredito que a saída possível para esse imbróglio teórico – evitar ver a
sociedade unilateralmente, seja via estruturas desumanizadas ou rígidas
(como no marxismo ortodoxo e em certos estruturalismos), seja via
interações superdimensionadoras do indivíduo (como no liberalismo, em
Simmel e em alguns pragmatismos) – consista em apostar em agentes
sociais coletivos, as massas, os setores sociais explorados e dominados, que
se articulam originariamente sempre por intermédio de movimentos sociais.
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
Por isso não avalio como inviáveis as propostas teóricas que buscam
conjugar interação e estrutura, como encontramos, p. ex. e de modos
diferenciados, em Bourdieu, Habermas e Giddens. Da mesma forma,
proponho compatibilizar, no que for possível, marxismo e fenomenologia.
GLOBALIZAÇÃO
Não é possível compreender as sociedades contemporâneas e suas
possibilidades de transformação radical – como as estamos tratando nesse
ensaio – sem passarmos pela recorrente discussão da “globalização”.
Nossas sociabilidades atuais estão deixando de ser modernas? Em que a
modernidade difere da globalização? Considero a globalização como um
conjunto – não necessariamente articulado – de fenômenos empíricos.
Considero ainda os termos “pós-moderno”, “pós-industrial” e “pós-fordismo”
como qualificativos aparentados à “globalização”,xix sendo estes quatro
termos genericamente pensados como referências das transformações que
atualmente se dão na sociedade moderna (capitalista, industrial, urbana,
racional, individualista, ocidental) e em outras nem tanto. Quais seriam então
os fenômenos envolvidos na globalização?
- Enorme incremento das tecnologias, em especial as da informação
(internet, fax, satélites, tv a cabo, arquivos digitais, etc), criando novos meios
de comunicação, bem como conseqüente maior importância da informação
como fonte de valor;xx
- Em decorrência, compactação do tempo e do espaço, compressão
do mundo, suprimindo-se as distâncias de comunicação entre os diversos
locais do globo, estabelecendo uma simultaneidade de interconexões;xxi
- Também (mas não só) por conta disso, complexificação das
interconexões e interdependências entre os fenômenos e atores sociais e
entre a dimensão local e a global, por vezes assumindo-se como
configurações disfuncionais, esgarçadas (como na noção de “desencaixe”
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em Giddens), incoerentes, ou fragmentadasxxii – esta última remete ao pós-
modernismo que veremos mais adiante;
- Aumento da mobilidade do capital (face ao incremento tecnológico
das comunicações) e expansão/intensificação do capitalismo, especialmente
do financeiro, criando uma verdadeira economia virtual, que gira pelo mundo
quase instantaneamente, por vezes erodindo as economias reais;xxiii
- Desenvolvimento da produção flexível (seguindo a demanda, o
“gosto” do consumidor, em detrimento da produção estandardizada em
massa do padrão taylorista-fordista), retorno do trabalho artesanal e força
crescente das pequenas empresas (vide certos discursos políticos a favor
das microempresas e do cooperativismo), chegando a ponto de o trabalho
não ser mais necessariamente realizado no mesmo espaço físico – tendo em
vista, novamente, as novas tecnologias de informação;xxiv
- Fim da centralidade do trabalho, que seria cada vez menos
necessário em termos quantitativos, como evidenciado pelo desemprego
estrutural, estando a exploração capitalista perdendo espaço para a exclusão
social;xxv
- Descentralização geral do exercício do trabalho, do lazer, das
instituições, etcxxvi, que remete a discrepantes tendências individualistas,
localistas e comunais que veremos adiante;
- Declínio do estatismo e avanço da esfera privada sobre a pública
(privatizações, terceirização, ideologia neoliberal, etc),xxvii que se relacionam
ao predomínio do capital financeiro e ao individualismo que veremos adiante,
bem como à derrocada do chamado “socialismo real”;
- Atenuação da centralidade de identidades e articulações de classe
(movimento sindical incluído), até face à emergência do trabalho flexível e da
descentralização (também informalização, no caso brasileiro), em favor de
diversas outras possibilidades de identidades/articulações, baseadas
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
principalmente em cultura, mas também em etnia, sexo, localidade, estilo de
vida, estética, etc (que em parte remetem aos novos e novíssimos
movimentos sociais, bem como às ONGs), as quais passam a ser uma opção
individual, às vezes segmentada ou temporária, mais que um pertencimento
coletivo normalmente prévio, integral e estável;xxviii
- Profusão de informações e imagens de todo o globo, lançadas pela
mídia/indústria cultural ou trocadas por indivíduos e grupos sociais através
dos novos meios de comunicação, normalmente relacionadas às acima
indicadas novas (e também outras velhas ou desconhecidas)
identidades/articulações étnicas, culturais, etc, como que promovendo um
mosaico de subjetividades e, além disso, referida a um aumento da
reflexividade e da consciência do mundo como um todo, embora tal processo
não esteja isento de problemas ou desafios;xxix
- Concomitante valorização da diferença, da diversidade e das
particularidades (às vezes numa perspectiva fragmentadora ou de
incomunicabilidade, em outras num sentido de recuperação ou reconstrução
de identidades)xxx, comumente associadas ao “outro” antropológico, em
oposição aos valores/práticas ocidentais, bem como às
identidades/articulações locais, ao pós-modernismo e mesmo ao discurso
“politicamente correto”;
- Desenvolvimento de sensações de incerteza, instabilidade,
insegurança ou risco, em função das múltiplas alternativas disponíveis de
identidades, informações, imagens e diferenças humanas;xxxi
- Renascimento de “comunidades” – no sentido do romantismo
alemão (Herder) – e emergência de manifestações/práticas culturais “em
busca de raízes”, que aparentemente resistem ou não aceitam a
globalização, parcial ou totalmente, estando referidas a particularismos e
movimentos localistas e coletivistas – tradicionais (os já remotos quakers,
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p.ex.) ou não (gangues urbanas, etc) – que possivelmente se opõem ao
individualismo (veremos este mais abaixo), embora possam ter articulações
globais (religiões fundamentalistas transnacionais, movimento hip hop,
contracultura ...)xxxii, mas normalmente a partir de parâmetros intersubjetivos
(relações face-a-face em Giddens ou mundos da vida habermasianos) ou
holistas;
- Enfraquecimento da esfera pública, do interesse e participação na
política institucional (cada vez mais burocratizada e distante das pessoas) ou
nos “velhos” movimentos sociais (sindicatos), bem como crise de legitimação
das respectivas autoridades (muitas vezes tratadas de modo irreverente), em
favor de outras identidades/articulações sociais (novas/novíssimas e
velhas/comunais, às vezes informais, muitas locais ou globais), além de crise
de ideologias que dominaram a cidadania no séc. XX (social-democracia,
etc)xxxiii, o que se relaciona, obviamente, ao já citado declínio da centralidade
das identidades/articulações de classe;
- Vinculado ao fenômeno acima indicado, temos o questionamento da
democracia liberal representativa como culminância do progresso da
racionalidade humana;xxxiv
- Incremento das exigências de transparência e moralização das
esferas pública e privada, centradas por vezes sob uma ótica de
consumidorxxxv (como seria o caso do movimento pela responsabilidade
social das empresas – em sentido diferente temos os orçamentos
participativos), que certamente está vinculada à crise de legitimidade de
instituições públicas e também privadas;
- Crescimento do individualismo, da competitividade e da esfera
privada da vida e diminuição de certas solidariedadesxxxvi, propiciados
inclusive pelas novas tecnologias da informação (internet, etc), e que podem
significar um declínio das relações face-a-face ou um enfraquecimento dos
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mundos da vida, bem como resultar em uma postura agressiva de
desconhecimento/desprezo pelo “outro” ou em políticas de supressão de
direitos, além de serem associados ao alastramento da depressão e outros
sintomas psicossociais;
- Enfraquecimento do Estado-Nação (que pode chegar à
desterritorialização) diante de sociabilidades e lealdades locais e globais –
que rompem a fusão entre Estado e sociedade nacionais – e das já vistas:
profusão de imagens/informações, fluxos/redes de comunicação e do capital
financeiro – todos efetivados a partir dos novos meios de informação;xxxvii
- Emergência de tribalismos, nacionalismos e regionalismos
(subnacionais – p. ex. Catalunha – e supranacionais – Mercosul), muitos
vinculados a novos e velhos particularismos comunais e culturais, outros
questionadores dos postulados teóricos e das realidades históricas dos
Estados-Nação;xxxviii
- Por conseguinte, desenvolvimento de um cenário mundial não mais
dominado pela política internacional-estatal, onde atuam atores sociais
globais além dos Estados-Nação (cuja ação está cada vez mais limitada):
multinacionais, fóruns internacionais, nacionalismos, religiões transnacionais,
ONGs, acordos multilaterais, FMI, bancos de fomento, Fórum Social Mundial,
Via Campesina, grupos terroristas globais como a Al-Qaeda, comunidades
virtuais, crime organizado, alianças regionais, etc;xxxix
- Tais atores sociais globais enfrentam questões que se colocam
globalmente: crises ecológicas, epidemias que são ou podem ser globais
como a AIDS (a doença da vaca louca agora ameaça a pecuária norte-
americana, favorecendo a de outros países), disputas e questões étnicas,
culturais ou políticas que levantam a problemática de direitos humanos
universais (crimes de guerra na Bósnia, o caso da nigeriana condenada ao
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
apedrejamento por uma corte islâmica, os talibãs presos em Guantánamo
pelos EUA), etc;xl
- Declínio do machismo/patriarcalismo e da centralidade da família
nuclear em favor de uma pluralidade de novos arranjos individuaisxli, que se
relaciona à valorização da diferença antes mencionada;
- Surgimento de uma “sociedade centrada no lar”, tornada possível
pelas novas tecnologias (da informação, computação, etc), mas que pode
assumir formas inclusive fundamentalistasxlii – e que remete simultaneamente
aos já citados: individualismo, trabalho flexível, descentralização,
localismo/comunalismo e profusão de imagens/identidades globais
disponibilizadas para indivíduos e grupos sociais;
- Insustentabilidade do produtivismo (ideologia consensual entre
conservadores, liberais e marxistas ortodoxos) diante de possíveis
desequilíbrios ecológicos de grande porte (visto como uma ameaça global),
tendo como contrapartida surgimento de propostas de “desenvolvimento
sustentado” e ideologias pós-materialistasxliii – o que remete também ao fim
da centralidade do trabalho, bem como à “busca de raízes” (consumo
crescente de produtos naturais e “ecologicamente corretos” como os
amazônicos cupuaçu e açaí, movimentos em favor de um estilo de vida
menos agitado, etc);
- Fim das grandes narrativas das trajetórias das sociedades humanas
como lineares/progressivas e desconstrução da racionalidade ocidental (que
teria “desencantado” o mundo),xliv típicos postulados pós-modernistas, que se
relacionam ao questionamento do primado da democracia burguesa e à
valorização do “outro”, anteriormente citados.
Em relação a certos intelectuais fomentadores do debate em torno da
globalização, identifico dois grupos: o primeiro composto por Beck,
Robertson e Albrow e o segundo, por Kumar e Castells. Acredito que as
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
análises realizadas e as propostas colocadas pelos autores do primeiro
grupo apontam mais linearmente para pensar a sociedade da globalização
em termos de fluxo, enquanto os do segundo grupo, ainda que também
assim procedam, o fazem interpondo certas problemáticas e identificando
outras tendências societárias, especialmente Castells, que propõe a
expressão “sociedade em rede”xlv.
Preliminarmente, consideremos que a globalização traz fluxos de
sociabilidades (baseados temporal e espacialmente nos fluxos de
informação, tecnologia, financeiros, etc), exigindo que a teoria social não
pense mais a sociedade “como um container” – algo fechado, estático,
sistêmico e dotado de contornos nacionais, estatais, institucionais,
burocráticos. Denuncia-se, assim, seu “nacionalismo metodológico”, que está
a ser superado, por exemplo, através de pesquisas de temas cosmopolitas e
culturais. Estas sociologias nacionais, por serem excludentes, muitas vezes
operam com raciocínios do tipo “um-ou-outro” em vez do mais
contemporâneo “um-e-outro”. A territorialidade das sociedades identificadas
– pelas sociologias da modernidade – com o Estado-Nação está se
desmanchando, surgindo indivíduos pluri-localizados.xlvi A globalização
parece, então, substituir a modernidade.
É visível que os fluxos de sociabilidade globais remetem a noções
como: movimento, abertura, interação. Sociedade como fluxo, concluo. Beck
aponta, inclusive, que a globalização põe em movimento até mesmo as
instituições.xlvii É este um dos sentidos do seu “um-e-outro”, pois “um” pode
fluir para o “outro”, não havendo mais fronteiras (nacionais, etc) excludentes
entre ambos, fronteiras estas que impõem o “um-ou-outro”. Uma síntese
normativa desta visão de sociedade como fluxo é encontrada em Albrow: “A
textura aberta dos povos, dos lugares, do tempo e da agência é a verdadeira
experiência primordial.”xlviii.
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
A fim de problematizarmos a visão da sociedade como fluxo, temos
inicialmente Kumar notando que a importância da informação na sociedade
global se ajusta à “tradição liberal, progressista, do pensamento ocidental”.xlix
Constata-se aqui uma ponte entre modernidade e globalização, não havendo
apenas rupturas entre ambas. Seguirei nesta senda mais adiante. Além
disso, Kumar nota que a “pós-modernidade” e o “pós-industrialismo”,
aparentados à globalização, dizem muito da “condição da população erudita
ocidental”l, a qual identifico como intelectuais, setores médios e elites (no
meu entender, não apenas do Ocidente, mas de quase todo o planeta).
Entendimento correlato tem Castells: as sociabilidades como fluxo são mais
afeitas aos setores dominantes das sociedades contemporâneas.li Por
conseguinte, exige-se da análise sobre as teorias da globalização um certo
cuidado em ver nas sociedades contemporâneas não apenas suas partes ou
esferas que são conformadas ou vivenciadas principalmente por essa
população erudita (da qual fazemos parte, obviamente). Passaremos
novamente por esse ponto.
Uma série limitação para a identificação da globalização puramente
como fluxo é o fato de a mobilidade do trabalho ser muito menor que a do
capital, conforme reconhecido por Beck.lii Por isso mesmo o trabalho flexível
não alterou todas as profissões nem substituiu, antes se associou ao
fordismo. Indo mais além: os fluxos de informação não chegaram a
transformar radicalmente a sociedade moderna nem seus princípios
capitalistas.liii Essas discrepâncias entre capital e trabalho relativizam um
pouco o “social” não mais identificado com o nacional-estatal em Beck, uma
vez que, apesar dos fluxos de sociabilidade e comunicação, os indivíduos
(pelo menos os trabalhadores) não podem assumir qualquer identidade ou
alternativa de vida disponível, se não estão tão “móveis” assim.
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
A não ser que, conforme a sugestão de Kumar sobre a “população
erudita ocidental”, Beck, Robertson e Albrow estejam confundindo a
mobilidade e disponibilidade identitária de intelectuais, setores médios e
elites – que em parte vivem em um mundo cosmopolita, globalizado, pós-
moderno, puramente reflexivo, etc – com a situação da maior parte da
população do mundo, que não é exatamente a mesma. Principalmente face
às enormes concentrações/desigualdades de riqueza e poder, apontadas
pelo próprio Beck ao citar Wallerstein.liv Acrescentemos a isso outro “porém”
também fornecido por Beck: o fato de que Estados-Nacionais e poderes
hegemônicos como os EUAlv (ainda mais em tempos de Bush) ou o
Ocidentelvi “autorizam silenciosamente” o desenrolar da globalização. Já
Robertson nega a existência de forças hegemônicas na globalização, ao
falar, por exemplo, de um “sistema internacional fluido”lvii, o que, sem dúvida,
facilita a construção da imagem de uma sociedade dotada de mais
mobilidade.
Na mesma direção das reflexões de Kumar, Castells afirma que a
reflexividade crescente da globalização não se distribui igualmente pelos
indivíduos e grupos sociais, não sendo vivida plenamente pelos setores não-
dominantes,lviii justamente devido às grandes discrepâncias de poder e
riqueza, evidência maior da permanência do referencial marxista para
entender o mundo.
Voltando à conjugação de globalização e sociedade como fluxo (aberta,
dinâmica, móvel, interacional) em Beck, Robertson e Albrow, deve ser
registrado que ela pressupõe, por oposição, a identificação da modernidade
com uma concepção de sociedade estática, fechada, sistêmicalix, totalizante,
pré-determinada,lx objetivada. O problema, aqui, consiste simplesmente em
que a imagem da modernidade inadvertidamente construída por esses três
teóricos da globalização é simplesmente inaceitável para pensadores como
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
Simmel (já visto anteriormente) Geertz e outros. Simmel, inclusive, é citado
por Robertson: “(...) suas preocupações com as formas de vida em geral
levaram-no à produção de idéias que são relevantes, em termos teóricos,
para o conceito de globalização.”lxi Só que Simmel em grande parte de sua
obra fala justamente da modernidade (do urbano, etc). E a partir de Simmel
entendo ser a modernidade também multifacética, heterogênea,
indeterminada, subjetiva, ambígua, fluida e dotada de interconexões
complexas, por mais que se queira imputar exclusividade ou marca
diferenciadora para a globalização em torno destes qualificativos.
No mesmo diapasão, Albrow afirma: “The analytic concept of the global
can never be as precise as that of capital.”lxii Certamente o capital pode ser
analisado mais objetivamente que a globalização, mas o mesmo não ocorre
com a modernidade! Albrow indica, ainda, que modernidade aponta para
finitude e globalização para transcendência.lxiii Mas desde quando a crença
moderna no progresso linear remete à finitude? Inspirando-nos em Kumar, é
possível indagar se o trajeto da finitude para a transcendência proposto por
Albrow remete à idéia de progresso na modernidade, recaindo este autor no
próprio equívoco por ele denunciado: pensar em termos da teoria moderna
ao imputar à globalização o fim superior de um caminho (a transcendência).
A globalização não pode ser um passo atrás? A renovação do liberalismo
dos últimos tempos não pode fazer parte de uma trajetória histórica e
contingente (portanto, alterável) da modernidade, quiçá mesmo um
retrocesso, em vez de ser culminância revolucionária rumo a uma nova era
(global)?lxiv
Seguindo indicação já antecipada de Kumar (que vincula a informação
na sociedade global à tradição liberal), relembro que uma das mais fortes
premissas da modernidade é o individualismo, bem como o liberalismo. De
antemão, estes dois “ismos” remetem à idéia de fluxo e, secundariamente, à
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
de rede. Neste ínterim, o mais interessante é verificar a desconcertante
convergência entre essas duas premissas modernas (individualismo e
liberalismo) e a visão linear ou unidirecional da globalização em termos de
fluxos de sociabilidade – adotada na maior parte das vezes por Beck,
Robertson e Albrow.
Assim, temos a enfática defesa do individualismo metodológico e do
cidadão global em Albrow como mais pertinentes à globalização, enquanto a
modernidade e sua teoria social seriam sistêmicas e coletivistas.lxv Diante de
tal assertiva, o que diria Simmel, teórico social da modernidade, cuja
sociologia é individualista e interacional? Será que, realmente, o “social” na
globalização seria majoritariamente o “individual”, como pretende Albrow?
Como compreender o “retorno das comunidades” ou a emergência de
fundamentalismos apenas com este enfoque? Acredito que isto tudo não
combina com a diversidade inerente aos processos contemporâneos.
Não acredito ser coerente supor a globalização como reforçadora de
premissas básicas da modernidade – individualismo/liberalismo – ao mesmo
tempo em que se fazem grandes e interessantes esforços teóricos no sentido
de elaborar diferenças qualitativas entre modernidade e globalização, como é
o caso de Beck, Robertson e Albrow. Não identifiquei nas reflexões desses
três instigantes autores respostas explícitas ou específicas a este dilema:
como uma nova era rompe com a anterior mantendo dela uma de suas
maiores idéias-força. Negar a força do individualismo na globalização é
impensável, mas o mesmo deve ser dito em relação à modernidade e suas
teorias sociais (além de Simmel, temos as tradições weberiana, pragmática,
etc). Talvez seja necessário atenuar as diferenças entre modernidade e
globalização. Também não suponho que seja recomendável incluir no debate
sobre a globalização, mesmo sem querer, acertos de conta entre correntes
acadêmicas e intelectuais (individualismo x coletivismo metodológico).
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
Inclusive porque, no caso de Albrow e, em menor grau, Robertson, isto
significa entrar em choque com individualistas metodológicos (muitos dos
quais seus predecessores!), pelo menos sobre os significados da
modernidade.
Lembro, ainda, que o par individualismo/liberalismo constitui-se no
cerne de uma das grandes narrativas humanas, a ocidental. Só que a
globalização, a pós-modernidade e o pós-industrialismo trazem consigo
fortíssimos questionamentos a essas narrativas, quando não o seu fim.
Voltando ao debate sobre globalização e sociedade como fluxo e
buscando visualizar o mundo contemporâneo de modo mais profundamente
multifacético, talvez seja mais produtivo analiticamente pensar não apenas
em termos de novos fluxos de sociabilidades, mas também em articulações –
não necessariamente – estáveis e holistas como a identidade em Castells.lxvi
Aceitando-se ambas as tendências como legitimamente globais, conformam-
se as sociedades não apenas em torno da idéia de fluxo, mas também de
rede, possivelmente segundo não só a proposta teórica de Castells, mas
também a de Eliaslxvii. Nesta última há a tentativa de equilíbrio entre
indivíduos e coletividades, entre interações e estruturas, entre subjetividades
e objetividades. Do mesmo modo como buscamos equilibrar marxismo e
fenomenologia.
Por conceberem a globalização mais enfaticamente como fluxo, Beck,
Robertson e Albrow tendem a não dar tanta importância ao ressurgimento
dos nacionalismos, às novas comunidades e aos novos fundamentalismos
como tendências díspares da contemporaneidade. Além disso, se inclinam a
ver nestes movimentos antes suas articulações através de redes globais de
comunicação que o compartilhamento de valores alternativos, anteriores,
esquecidos e recriados – considerados por isso mesmo pura “invenção de
tradição” ou estratégias anacrônicas. lxviii
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
Da mesma maneira, os três autores acima citados, em graus diferentes,
apostam numa cidadania global e no diálogo intercultural. Contudo, tais
cidadãos globais aparentam ser mais homogêneos que os movimentos
comunais formadores de identidades de resistência percebidos por Castells.
Por outro lado, a favor de Beck, Robertson e Albrow, deve-se dizer que as
versões fundamentalistas destas comunidades são ainda mais infensas ao
esforço de compreensão do “outro”, o que é também descrito por Castells.lxix
Outro debate fundamental da globalização é o que envolve os nexos
entre local e global. Albrow afirma que não se pode mais fazer simples
oposição e mesmo diferenciação entre local e globallxx, pois o global cada
vez mais se localiza – isto é, se implementa levando em conta parâmetros
locais – e o local cada vez mais se articula globalmente (via tecnologias da
informação), configurando o fenômeno da glocalização (proposto por
Robertson), que pode ser, inclusive, uma estratégia.lxxi
A discussão da glocalização em Robertson aponta explicitamente que o
local não mais se realiza “internamente”, de modo “fechado”, pois está como
que amalgamado ao global.lxxii Só que tal conclusão pressupõe novamente
de forma não suficientemente problematizadora a globalização como
sociedade de fluxo, “aberta”, sem maiores obstáculos ou presença de outras
tendências societárias. Novamente, fica penoso, por exemplo, pensar “o
retorno das comunidades” ou o “outro” apenas sob este prisma, por mais
promissor e adequado que ele seja para perceber a fluida diversidade
contemporânea e suas possíveis interconexões globais. Não creio ser
possível imaginar que estratégias de glocalização vão dirimir todo e qualquer
conflito entre local e global, a não ser para liberais ou capitalistas
incorrigivelmente otimistas. Ainda mais considerando as tendências
societárias baseadas na identidade como uma força autônoma da
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
globalização, inúmeras vezes voltadas para o local, não há porque pensar
que este perdeu toda a razão de ser.
A crítica de Robertson ao raciocínio dual em torno do local/global nos
leva à discussão da própria manutenção da pertinência de outras dualidades
clássicas da teoria social (individualismo x coletivismo, p.ex.). Também
lembro do justo alerta de Albrow no sentido de não procurar entender o novo
com conceitos velhos.lxxiii Todavia, a meu ver, só em uma visão linear ou
unidirecional da globalização é possível aceitar que tais dualidades estejam
totalmente superadas ou sejam inúteis – como não comungo desta visão ...
Por conseguinte, vejo em Robertsonlxxiv uma confusão na qual ele
imagina que, hoje em dia, um grupo social não possa mais desenvolver
“internamente” algum tipo de coletivismo holista (tribalismo, nacionalismo).
Caso tal processo se dê, foi porque alguém do grupo tomou conhecimento de
uma leitura “nativista” ocidental. Então cabe a indagação: depois que Herder
codificou os cânones do romantismo, ninguém mais no planeta pode repeti-lo
independentemente? Novamente parece que a condição cosmopolita e pós-
moderna dos intelectuaislxxv é estendida, inadvertidamente, para outros
grupos sociais de modo forçoso, como se não fosse possível o “um-e-outro”.
O debate teórico sobre globalização, sociedade como fluxo, sociedade
em rede nos leva também à questão da inexorabilidade da globalização.
Quando Beck afirma a inutilidade de ser contra a globalizaçãolxxvi ou quando
Albrow diz que a globalização não pode ser evitada,lxxvii entendo que acabam
raciocinando em termos de “um-ou-outro”. Só há uma globalização possível,
objetiva e totalizante? Robertson avalia que não, ao identificar até
possibilidades de reglobalização e desglobalização, exemplificando inclusive
com a manutenção da força do protecionismo no mundo.lxxviii Posição
bastante clara a respeito tem Castells,lxxix para quem os rumos e significados
da globalização vão ser dados e alterados pelas diversas tendências
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
existentes nas sociedades atuais (fluxos de sociabilidade, blocos de poder,
movimentos comunais articulando identidades de resistência, entre outros),
além de fatores econômicos, culturais, históricos, etc, até porque não
entende a sociedade contemporânea sendo orientada unicamente no sentido
de fluxos. Em Castells a sociedade da globalização não pode ser irresistível,
posição com a qual concordo plenamente.
Por fim, outro móvel polêmico da globalização é a dualidade
homogeneidade/heterogeneidade. Autores como Harvey, Wood e Giddens
tendem a não perceber aprofundadamente as ambigüidades da globalização,
centrando-se em homogeneidades. Tal procedimento é um equívoco, pois,
para ver os indivíduos e grupos sociais desta forma convergente é
necessário ignorar as diferenças humanas presentes em todo o globo,
deixando-se de lado a dimensão fenomenológica das experiências e
manifestações sociais e culturais, a emergência do “outros”, dos “de baixo”,
etc.lxxx Neste sentido, Albrow reitera, com muita propriedade, a exigência de
se pesquisar fenomenologicamente a globalização.lxxxi
Kumarlxxxii também discorda parcialmente de Harvey: reconhece a
continuidade das relações e princípios capitalistas da modernidade na
globalização, como já vimos. Porém, algumas características pós-modernas
das sociedades contemporâneas não são imaginárias, podem significar
realmente um novo patamar histórico e societário: a produção se flexibilizou
em boa parte e se “glocalizou” em função não só de estratégias vindas “de
cima” (sanduíches do McDonald na Índia não contêm carne bovina), mas
também em função da multiplicidade de manifestações, experiências e
pressões dos “de baixo”, que, aliás, se assumem por vezes como militância
“antiglobalização” (Fórum Social Mundial) ou até anticapitalista (recuperação
do anarquismo).
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
É verdade que boa parte da heterogeneidade percebida na
globalização é apropriável pelo capitalismo mas, ao contrário do que supõem
Harvey e Wood,lxxxiii tal constatação empírica não invalida a emergência, por
vezes localista, do “outro”, dos “de baixo”, etc. Desnecessário lembrar que os
movimentos socialistas e trabalhistas europeus e suas estruturas sindicais de
grande porte, nada localistas e pouco heterogêneos, já que baseados em
grandes identidades coletivas/classistas, foram assimilados há tempos pelo
capitalismo avançado.
Por outro lado, a crítica de Robertson, fundada nas estratégias de
glocalização,lxxxiv às visões tipo “McWorld”, ainda que seja pertinente à
heterogeneidade real do mundo, esquece que os centros de
produção/transmissão em massa dessa diversidade cultural em grande parte
permanecem concentrados em poucas mãos, normalmente ocidentais: CNN,
MTV, Hollywood, etc.lxxxv
Assim, concluo que apenas quando riqueza, poder e capital cultural e
“cívico” se desconcentrarem fortemente a globalização poderá ser
diferenciada radicalmente da modernidade no que tange à dualidade
homogeneidade x heterogeneidade. De alguma forma, o prenúncio marxista
de uma sociedade sem classes é uma condição fundamental para a
transformação da modernidade, seja rumo à globalização ou a uma retomada
do internacionalismo proletário em bases mais populares que intelectuais,
como veremos. Por fim, sendo a globalização uma radicalização da
modernidade, inclusive no sentido do aumento da
diversidade/heterogeneidade das massas populares que crescentemente
manifestam-se no cenário global por meio de experiências sociais e culturais
próprias, mais do que nunca um avanço do pensamento de esquerda
levando em conta os aspectos fenomenológicos do mundo se faz necessário.
MOVIMENTOS SOCIAIS E EXPERIÊNCIA POPULAR
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
A perspectiva de que a diversidade de articulações – autônomas –
desde baixo dos trabalhadores e demais setores dominados das sociedades
capitalistas é o fator central da luta de classes pode ser exemplificada com o
caso brasileiro a partir dos anos 70 do século XX. A reoxigenação do
sindicalismo e dos movimentos urbanos e rurais em geral foi de tal modo
expressiva que significou uma nova qualificação para a participação política.
O “novo sindicalismo” e os “novos movimentos sociais” que então surgiam
foram a maior força popular de construção da democracia brasileira. Paralelo
a isso, a teoria social feita no Brasil dá uma grande virada fenomenológica,
atenuando o enfoque mais estrutural sobre a realidade e voltando-se para o
detalhamento de múltiplas experiências populares específicas de vivência
(da) e resistência à exploração/dominação capitalistas. Engendra-se, assim,
um edifício analítico mais complexo e verossímil.
Nos meios de esquerda do Brasil e do mundo, essa virada
fenomenológica significou o enfraquecimento da busca de uma única e
“verdadeira” teoria revolucionária, normalmente realizada por intelectuais e
pretensas vanguardas partidárias, sem que se levasse em conta as reais
experiências de luta popular nos movimentos sociais. A respeito, temos o
diagnóstico feito ainda em 1966 por Prado Jr.:
“A teoria da revolução brasileira, elaborada originariamente em época
na qual pouco ou nada se conhecia acerca de nossa realidade, quando nos
faltava experiência política e o nível de consciência revolucionária das
massas trabalhadoras era extremamente baixo, particularmente no campo,
cujo papel em países como o Brasil tinha de ser e ainda é de primordial
importância, essa teoria se transmitiu assim com todas suas grandes falhas e
sem nenhuma revisão radical que se fazia tão necessária.”lxxxvi
As formulações pecebistas sobre a sociedade brasileira eram
obviamente tributárias da visão oficial da Terceira Internacional. E o
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
marxismo predominante no Brasil até os anos 70 sempre foi o filtrado pelo
PCB. Assim, o marxismo pecebista não diferiu essencialmente do marxismo
ortodoxo, propagado pelo stalinismo. Por isso contam-se nos dedos os
trabalhos teóricos com a chancela oficial do PCB que podem ser
considerados originais e tenham abordado com propriedade as
especificidades da história e da sociedade brasileira. A maioria dos principais
autores marxistas de nosso país esteve à parte da tradição pecebista, como
é o caso de Prado Jr., praticamente um dissidente partidário. Ou como Mario
Pedrosa e Lívio Xavier, pioneiros trotskystas brasileiros, capazes de elaborar
no ano de 1930 o Esboço de uma Análise da Situação Econômica e Social
do Brasil, onde, diferentemente do PCB, já apontavam especificidades
escravistas e latifundiárias no “feudalismo” brasileiro, entendiam que a
burguesia brasileira estava cedo submetida ao capitalismo internacional e
identificavam tendências antiliberais e estatistas em nossas classes
dominantes.lxxxvii Para não falarmos, por fim, de obras clássicas não-
marxistas, fundamentais para embasarmos uma compreensão e uma política
revolucionárias sobre o Brasil, como a weberiana Raízes do Brasil, do
progressista Sergio Buarque de Holanda, e a antropológica Casagrande e
Senzala, do reacionário Gilberto Freyre.
Assim, alguns dos mais combativos movimentos populares, anteriores
ao “novo sindicalismo” e aos “novos movimentos sociais”, contaram com a
decisiva participação da militância pecebista entre 1922 e 1964 mas se
realizaram além ou à margem das orientações políticas de seus dirigentes e,
por vezes, em sentido contrário à estratégia majoritariamente reformista que
o PCB, com poucas exceções, seguiu. Apesar de nos anos 50 os pecebistas
estarem a reboque de políticas populistas (com todas suas implicações
imobilistas, cupulistas, corporativas, estatistas e burocratizantes), a famosa
Greve dos 300 mil de 53, em São Paulo, foi um exemplo de movimento
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
sindical/social – em maior ou menor grau – classista, independente,
autônomo, de base e mobilizador.lxxxviii
Já nos anos 70, a sociedade brasileira era palco de um boom de
movimentos sociais. Toda essa diversidade de movimentos populares mudou
a face do Brasil. Talvez pela primeira vez na história brasileira a classe
trabalhadora era massivamente protagonista no cenário social e político. E
isto se devia às características trazidas pelas mais combativas expressões
do novo sindicalismo e dos novos movimentos sociais: classista,
independente, autônomo, de base, mobilizador, e, por diversas vezes,
pluralista, espontâneo, anti-institucionalizante, comunitarista, libertário,
anticapitalista e socialista.
Uma característica fundamental da formação dos novos movimentos
sindicais e sociais era que não existia uma hegemonia ideológica e partidária
clara entre seus dirigentes e participantes. O PCB fora substituído no
coração e na alma das vanguardas da classe trabalhadora e dos setores
subalternizados do país por agrupamentos que iriam, um pouco depois,
construir o PT: militantes vinculados à Igreja Católica e às CEBs, várias
dissidências marxistas oriundas do PCB ou do trotskysmo e ativistas
provenientes do sindicalismo oficial (como Lula), bem como das oposições
sindicais ao peleguismo.
Tal ausência de hegemonia ideológica e partidária, no meu entender,
trouxe uma vantagem extraordinária para o novo sindicalismo e os novos
movimentos sociais, quando comparados aos do período pré-64. Minha
sugestão é a seguinte: os novos movimentos sindicais e sociais se
construíram sem uma teoria e uma estratégia únicas que os pré-
determinasse, o que permitiu que se desenvolvessem mais intensamente,
através de uma práxis mais criativa e menos limitada por referências teóricas
marxistas cristalizadas, não tão abertas às novas contribuições das
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
“experiências” (no sentido thompsoniano) legítimas do proletariado e demais
setores populares. Em outras palavras: o viés fenomenológico da realidade
dos subalternizados manifestou-se com maior força, libertando-se do jugo do
campo intelectual (de esquerda) que sempre se apropriava precipitadamente
de tais experiências em nome de uma teoria geral, abstrata, cartesiana e
sem fundamentação empírica consistente: o marxismo ortodoxo.lxxxix
Longe de querer criticar a teoria marxista em si (que, a meu ver, se
mantém como base maior para qualquer projeto socialista), estou querendo
ressaltar que a luta revolucionária, em qualquer sociedade, não tem seu
principal impulso no fato de existirem elites intelectuais que adotam o
marxismo em termos teóricos ou doutrinários. O principal impulso da
esquerda na luta de classes reside nas experiências de auto-organização e
mobilização antiburguesa dos setores explorados e oprimidos pelo
capitalismo. Tais experiências podem ou não contar com a presença de
grupos intelectualizados marxistas. Se contar, tanto melhor. Mas a presença
de tais grupos, a presença do marxismo nos movimentos populares não é
garantia de uma orientação política correta. E mais: os intelectuais difusores
do marxismo no interior dos movimentos sindicais e sociais não devem
assumir uma postura de superioridade, porque o marxismo em particular e o
pensamento de esquerda em geral só cumprem um papel revolucionário e
socialista se integrados ou incorporados às autênticas experiências de luta
dos setores “de baixo” da sociedade. Porque são estas experiências que dão
conta das especificidades locais, regionais e nacionais de um país, antes da
teoria marxista poder desenvolver uma interpretação particular da área em
questão. São as experiências que dão “vida” – substancialidade histórica e
consistência social – à teoria marxista, transformando-a em práxis.
Essa constatação refere-se, simultaneamente, a dois fatores teórico-
políticos: primeiro, à complexidade das sociedades contemporâneas, que
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
demandam explicações setoriais em constante atualização, ainda que
vinculadas a uma teoria geral; segundo, à insuficiência e ao caráter
incompleto do corpo da teoria marxista dos dias de hoje, ainda incapaz de
compreender várias facetas das sociedades modernas (para não falar das
não-modernas).
No campo dos partidos de esquerda verifica-se fenômeno correlato,
sendo protagonista o marxismo, tratado de forma doutrinária e dogmática,
não favorecendo o desenvolvimento continuado de pesquisas e estudos
sobre a luta de classes, o socialismo e a revolução. Equivocadamente, boa
parte da militância e da intelectualidade de esquerda defende o primado de
uma teoria marxista – em detrimento das experiências populares de
organização antiburguesa (cerceando a práxis através da teoria) –
inspirando-se na famosa fórmula leninista presente no Que Fazer?: “a
consciência revolucionária provém de fora do movimento operário”.xc Sob o
escudo dessa assertiva leninista, grande parte dos intelectuais (falo em
termos de posição social) assegurou historicamente uma hegemonia social
sobre os setores populares no interior das organizações revolucionárias e
socialistas do século XX. Hegemonia essa de características elitistas e de
conseqüências contra-revolucionárias.
Não se trata apenas de denunciar o peso por vezes excessivamente
grande de intelectuais em organizações de esquerda com dificuldades em se
enraizar no proletariado, nem muito menos se pretende defender algum tipo
de obreirismo contemporâneo – até porque elites operárias podem cometer o
mesmo tipo de equívoco intelectual e político. Não se imagina que a fórmula
mágica consista em extirpar os intelectuais dos partidos de esquerda, que,
compostos então exclusivamente por operários vá, automaticamente, adotar
a linha política “correta” e fazer a revolução socialista – uma verdadeira
piada. Defendo sim é que o império da teoria marxista cristalizada que os
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
intelectuais têm exercido nas organizações de esquerda em geral deve ser
atenuado significativamente, sob pena de os setores proletários e populares
que compõem o cerne destas mesmas organizações não terem sucesso no
processo histórico de criar e implementar uma práxis revolucionária e
socialista, através da qual o capitalismo será superado em favor de uma
sociedade nova, socialista.
Como já adiantado anteriormente, esse império da teoria, da forma
como se estabeleceu historicamente no século XX, pré-determina de modo
equivocado o estabelecimento de uma práxis marxista/materialista, tolhendo
a criatividade e a radicalidade das experiências de luta dos setores populares
(perspectiva fenomenológica). Os intelectuais e militantes adeptos do
marxismo ortodoxo em geral assim procedem inadvertidamente, sem
compreender a verdadeira natureza do desenvolvimento de uma práxis
revolucionária e socialista, que, por sua própria definição, não pode ser
profetizada teleologicamente por algum oráculo do marxismo, mas sim criada
e recriada historicamente pelos verdadeiros protagonistas da luta de classe,
os setores operários, populares e subalternizados da sociedade capitalista.
Parafraseando a velha tirada de Marx, “a libertação dos trabalhadores será
obra dos próprios trabalhadores”.
Em termos sociológicos, políticos e ideológicos essa maior
independência dos movimentos populares em relação a monopólios
partidários reveste-se de outra implicação. Não só os intelectuais tiveram
suas posições elitistas atenuadas em favor de um maior protagonismo do
proletariado na luta de classes, mas também os partidos tiveram – no campo
da esquerda – sua posição enfraquecida em favor dos movimentos sindicais
e sociais. Não é à toa que temos hoje um Fórum Social Mundial (formado por
diversos movimentos populares, grupos políticos, partidos, ONGs e militantes
em geral) e não uma Quinta Internacional de partidos homogêneos. Isto se
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
dá não por inexistir uma consciência ou uma maturidade da necessidade da
revolução (como pensaria alguém que raciocinasse nos termos
intelectualistas, teoricistas e partidocratas aqui criticados), mas porque o
processo de conscientização e organização massiva em favor de uma nova
sociedade se dá por excelência nos movimentos sindicais e sociais.
Seguindo esta premissa, a formação de um partido de esquerda se dá,
preferencialmente, durante um processo de reorganização dos movimentos
populares. Mas mesmo depois de criado o partido revolucionário e socialista,
a referência dos movimentos populares se manteria permanentemente para
a militância, porque os movimentos, mais até do que os partidos, são o
espaço da experiência e do “mundo da vida” de lutas cotidianas dos setores
explorados e oprimidos. A realidade em sua acepção fenomenológica será
sempre a fonte alimentadora para a constante formação e renovação da
teoria revolucionária: a diversidade é a própria condição da unidade. Os
partidos, mesmo os antiburgueses, participam ao menos parcialmente da
institucionalidade liberal-democrática, enquanto que tal inserção nos
“sistemas” dominantes da sociedade capitalista é muito menos efetiva em
relação aos movimentos.xci
Acredito que uma política revolucionária e socialista se faria, portanto, a
partir de dois fatores que se relacionam dialeticamente. Um, principal: as
experiências dos setores populares realizadas em seus “mundos da vida”
através dos movimentos sociais, numa perspectiva alternativa ao capitalismo.
Outro, secundário: a condensação de tais experiências num plano totalizante
e teórico, efetivado em um ou mais partidos de esquerda, onde exercem
papel vital não apenas setores populares, mas também intelectuais.
Pensando deste modo, temos que o erro histórico mais comum dos
partidos comunistas e de seus intelectuais do século XX foi condensar
precipitadamente uma totalidade (a partir da presunção de que a teoria
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
marxista estava pronta e acabada), adotando, conseqüentemente, uma linha
política que não se alimentava amplamente das diversas fontes de
experiências dos setores populares através de seus movimentos sociais. O
resultado geral desse processo foi a incapacidade de ganhar as amplas
massas para o socialismo através dos movimentos sociais, devido ao
vanguardismo dos intelectuais e militantes partidários. Tal fenômeno se
manifesta concretamente de várias formas: por não se colocar um papel mais
generoso para os movimentos, estes se restringem ao reivindicacionismo;
valoriza-se apenas o movimento sindical em detrimento de outros
movimentos, inviabilizando a construção do socialismo, pois este não se
resume à esfera do trabalho; cai-se no cupulismo e no parlamentarismo, que
são práticas reformistas e institucionalizantes, independentemente das
intenções dos dirigentes partidários.
Por isso, tendo em vista o momento histórico de confusão em que a
esquerda vive hoje, bem como a necessidade de reconstruir uma política
revolucionária e socialista para o séc. XXI, defendo um recuo relativo nos
papéis da teoria, do partido e dos intelectuais como têm sido exercidos há
tempos, em favor de uma maior prioridade militante nos movimentos
sindicais e sociais, de modo que o proletariado possa exercer sua
criatividade e radicalidade mais amplamente. Está claro que não proponho
uma passividade para nós, intelectuais. Pelo contrário, temos antes que lutar
ainda mais ao lado dos trabalhadores, integrando-nos em seus movimentos.
E não apenas nos resumindo em assumir uma posição superior nos partidos,
teorizando sobre o que deve ser feito (esta sim uma postura contemplativa e
contra-revolucionária). Não advogo, ainda, que os movimentos em si sejam
socialistas. Sei muito bem que podem ser liberais e capitalistas. Mas
justamente a visão que objetivamente abandona a prioridade nos
movimentos em favor dos partidos é que favorece o economicismo. Priorizar
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
os movimentos significa disputá-los com muito mais vigor contra as forças da
ordem e da cooptação, buscando colocá-los num caminho revolucionário. Só
uma nova vitalidade dos movimentos permitirá a construção de partidos de
esquerda realmente novos.
Ainda sobre a força excessiva dos intelectuais nas organizações de
esquerda em detrimento das experiências de luta realmente populares, seria
produtivo revermos como “classes sociais” e “movimentos sociais” também
não deixam de ser construções intelectuais, que interagem de modo
diversificado com as práticas dos grupos sociais que protagonizam essas
mesmas articulações de classes e movimentos sociais.
Aprendemos com Thompson a perspectiva de uma “‘história de baixo
para cima’ com a incorporação de movimentos e formas de expressão
populares como parte ativa do processo histórico”.xcii Esta história desde
baixo, popular, passa a ser referenciada não mais preferencialmente a
organizações centralizadas como os partidos comunistas. Pelo contrário,
Thompson enfatiza a alteridade de múltiplas formas organizativas, tradições
culturais e costumes sociais, identidades e experiências através das quais os
trabalhadores se constituem ativamente enquanto classe.xciii
Temos também o uso da “noção de experiência como chave para
superar a contradição entre determinação e agência humana no interior da
historiografia marxista”, buscando um equilíbrio entre ação humana e
condicionamentos e evitando-se separar, de modo estanque, o “objetivo” do
“subjetivo”. De modo correlato, há um forte questionamento do par infra-
estrutura/superestrutura.xciv Acredito que é possível identificar em Thompson
uma posição epistemológica mais próxima de um empirismo ou historicismo
do que de um teoricismo (“se há choque entre a pesquisa empírica e o
modelo, é este último que há de ser reformado – e não restaurado”).xcv E este
empirismo/historicismo nada mais é também que um tipo de abordagem
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
fenomenológica, só que explicitamente no interior do marxismo. Em
Thompson há a compreensão de que as classes sociais e sua consciência
não são resultado evolutivo, imanente ou pré-determinado de
estruturas/processos objetivos/externos, mas sim construções históricas
subjetivas/auto-reflexivas. Assim, a classe se faz a si própria – obviamente
não de modo idealista, mas enfrentando situações concretas. O proletariado
não advém unicamente da industrialização, pelo contrário, sua formação
(“fazer-se”) é realizada no decorrer das lutas de classes (através de suas
lutas, mobilizações, etc), que, por sua vez, também conformam o
capitalismo.xcvi Thompson realinha o proletariado às tradições culturais e de
luta dos setores sociais dominados de processos históricos anteriores ao
capitalismo. Por conseguinte, está proposta uma análise menos economicista
e menos reducionista das classes sociais, capaz de pensar a cultura e a
política não só como relativamente autônomas, mas também como
constituintes ativas dos fatos econômicos: “sem produção não há história”,
mas “sem cultura não há produção”.xcvii
Nas elaborações thompsonianas é visível, ainda, uma postura não-
dogmática em relação ao marxismo e uma firme oposição ao marxismo
ortodoxo dominante, razão pela qual este autor sempre estabeleceu
constante diálogo com outras correntes de pensamento e outras disciplinas
humanas,xcviii postura com a qual concordo plenamente. Também em
Thompson temos a valorização da idéia de dissidência intelectual,xcix
estratégica em tempos de globalização, neoliberalismo e pensamento único,
quando é tão difícil remar contra a corrente, como bem fizeram Rosa
Luxemburgo, Caio Prado Jr.e outros.
Muitos modelos abstratos e esquemas teóricos relativos às classes são
combatidos por Thompson por normalmente padronizarem e formalizarem
excessivamente as trajetórias históricas das mesmas. Neste ínterim, temos a
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
discussão em torno das classes que “ainda” não cumpriram seu papel pré-
determinado (por serem imaturas, incompletas, etc). Em oposição a tais
concepções, aparece claramente a influência do marxismo mais empírico,
singularista e antiesquemático de Thompson: “A explicação geral da
ausência de revolução em uma nação imprensada entre o prematuro, o
tardio, o just-in-time, o fora de hora e lugar, um país sem burguesia e
proletariado ‘verdadeiros’, pode, desta há muito, ser questionada.”c
Sobre esses modelos classistas, são relevantes os comentários de
Moore Jr, que nota, tanto quanto Thompson, o forte objetivismo neles
presentes:
“Tanto o modelo marxista como o modelo liberal de desenvolvimento
característico das classes trabalhadoras me parecem enganosos porque são
por demais esquemáticos e não apreendem as variáveis mais importantes.
(...) De acordo com a experiência marxista, os trabalhadores geralmente
partem de uma situação de inércia, capazes no máximo de atos ocasionais
de revolta instintiva. Através da experiência da industrialização, que os reúne
em imensas fábricas e lhes impõe um destino comum, eles adquirem uma
consciência de classe Revolucionária. Esta forma de consciência os leva à
percepção de seu papel crucial em todo o processo histórico, tal como
percebeu e delineou Marx, e à disposição de agir sobre essa percepção no
momento histórico crucial. Embora na variante de Lênin a percepção não
viesse por si mas fosse trazida de fora por intelectuais que se tornariam
revolucionários profissionais, a experiência da vida na fábrica sob o
capitalismo era um pré-requisito necessário para as massas passarem por
essa ‘prise de conscience’ com a ajuda dos intelectuais.”ci
No meu entender, justamente neste ponto comum dos raciocínios
modelares marxista e liberal-pragmático configura-se uma não valoração
analítica das tradições e da cultura popular dos “de baixo”, enfim, dos
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
aspectos mais fenomenológicos da luta revolucionária, que serão resgatadas
por Thompson.
Avançando nessa linha, acrescento uma passagem de Bourdieu sobre
o peso das teorias (elaborada por intelectuais) nas articulações de classe:
“(...) as classes sociais são apenas classes lógicas, determinadas, em
teoria e, se se pode dizer assim, no papel, pela delimitação de um conjunto –
relativamente – homogêneo de agentes que ocupam posição idêntica no
espaço social; elas não podem se tornar classes mobilizadas e atuantes, no
sentido da tradição marxista, a não ser por meio de um trabalho
propriamente político de construção, de fabricação – no sentido que E. P.
Thompson fala em ‘The Making of the English Working Class’ – cujo êxito
pode ser favorecido, mas não determinado, pela pertinência à mesma classe
sócio-lógica.”cii
Uma melhor compreensão da força das teorias nesses processos
sociais e históricos pode ser obtida, entendo, subordinando-a à questão dos
intelectuais, isto é, pensando as condições da produção de teorias. Voltemos
a Thompson e aos intelectuais:
“A classe operária é tomada como tendo uma existência real (...) uma
quantidade de homens que se encontra numa certa proporção com os meios
de produção. Uma vez isso assumido, torna-se possível deduzir a
consciência de classe que (...) deveria ter (mas raramente tem), se estivesse
adequadamente consciente de sua própria posição e interesses reais. Há
uma superestrutura cultural, por onde esse reconhecimento desponta sob
formas ineficazes (...) de modo que é mais fácil passar para alguma teoria
substitutiva: o partido, a seita ou o teórico que desvenda a consciência de
classe, não como ela é, mas como deveria ser.”ciii
No sentido acima, podemos considerar que, se na verdade as classes
são autoformadas um tanto subjetivamente, então não dependem – para sua
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
compreensão – de modelos abstratos, objetivistas e estruturais de análise,
pretensamente científicos, formulados pelos intelectuais (muitos dos quais de
outras classes), através dos quais estes mesmos intelectuais exercem um
certo poder sobre os membros das classes em questão, normalmente em
organizações partidárias,civ como já denunciamos anteriormente neste
ensaio.
Perrot traz lúcida descrição dessa força histórica dos modelos
abstratos, que carrega consigo a pré-determinação de movimentos sociais
por uma análise de classes prévia, objetivista:
“A história do Primeiro de Maio de 1890 (...) é, sob vários aspectos,
exemplar. Resultante de um ato político deliberado, essa manifestação ilustra
o lado voluntário da construção de uma classe – a classe operária -, à qual
os socialistas tentam dar uma unidade política e cultural (...) Em sua
iniciativa, o Primeiro de Maio é incontestavelmente criação de cima, e em
particular da corrente mais organizada em termos políticos, a corrente
marxista (...) Daí as reservas, os conflitos que cercam seu nascimento, as
resistências oferecidas, por exemplo, pelos (...) anarquistas, não só por
questões de rivalidade, mas também por oposição ao próprio princípio de tal
procedimento, visto como forma de manipulação de massas.”cv
A hegemonia dos marxistas no movimento operário fez com que a
formação e conscientização de classe impulsionadas por essa corrente
teórica e política apresentassem, por vezes (mas nem sempre) em
detrimento das influências libertárias dos anarquistas, algumas
características que, tempos depois, Thompson qualificaria como “ortodoxas”:
homogeneidade (devido ao forte apelo unitarista dos socialistas)cvi e
institucionalismo (face à interlocução privilegiada com o Estado e os poderes
públicos)cvii. Como sabemos, em oposição, Thompson valorizará a
diversidade e até mesmo a espontaneidade existentes nas experiências,
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
tradições e organizações desenvolvidas pelos trabalhadores no decorrer da
luta de classes.
Essa virada fenomenológica de dimensão quase planetária ocorreu
tanto nos movimentos sociais (cada vez mais multifacetados) e na sociedade
civil (crescente profusão de ativismos étnicos, de gênero, opção sexual,
ecológicos, culturais alternativos, etc., desde maio de 1968), quanto no
pensamento de esquerda e nas ciências sociais acadêmicas. Assim temos
que os nexos mais particularistas e singularistas do marxismo thompsoniano
em torno dos movimentos e manifestações populares confluem em sentido
próximo, por exemplo, ao empirismo da “descrição densa” de Geertz na
antropologiacviii e às preocupações constantes dos estudos correlatos na
linha da “Escola de Chicago” (antropologia urbana), de matriz teórica
totalmente diversa, senão oposta. A par da oposição entre
diacronia/sincronia, já que estamos falando de historiadores marxistas e
sociólogos de origem pragmatista, o que temos de comum aqui é uma
tendência pró-fenomenologia das análises sobre movimentos sociais.
Ressalto, contudo, que, independentemente das reais mudanças por
que passam as sociedades modernas (rumo à globalização ou ao que for) e
das correspondentes mudanças colocadas para os movimentos sociais
atuais se comparados aos dos séculos anteriores, o que estamos discutindo
aqui são perspectivas de análise em si. Isto é, mesmo que a
contemporaneidade vá além da modernidade (algo ainda a se comprovar),
não podemos considerar os movimentos do passado como intrinsecamente
economicistas, homogêneos, homogêneos, etc. Estas características dos
movimentos operários de parte dos séc. XIX e XX foram fruto de realidades
sociais diversas, mas também de concepções e escolhas dos seus membros,
inclusive dos intelectuais participantes (sejam marxistas, social-democratas,
liberais, etc), como bem denuncia Thompson (e também Claus Offe).cix As
CONCURSO de ENSAYO “PENSAR a CONTRACORRIENTE” 2004 22
características exemplificadas acima, na verdade, não eram as únicas dos
movimentos sociais passados. O “novo” não é totalmente inovador, nem o
“velho”, simplesmente superado.
Justamente na confluência entre o “velho” e o “novo” é possível
valorizar as experiências dos trabalhadores, pois assim não se faz tabula
rasa de suas tradições de luta em favor de pretensas teorias revolucionárias
já acabadas, construídas por intelectuais sem que sejam realmente criadas e
incorporadas pelas grandes massas dos quatro cantos do planeta. Talvez as
vertentes românticas do marxismocx sejam a resposta mais generosa já
inventada para o desafio de uma transformação social que seja
revolucionária, socialista e democrática, no sentido de estar nas mãos dos
principais atores sociais, os explorados e oprimidos.
Com a aproximação crescente entre marxismo e fenomenologia, cada
vez mais podemos afirmar: um outro mundo é possível!
i SIMMEL, Georg – Sociologia. Estudios sobre Las Formas de Socialización, Buenos Aires, Esparsa Calpe, 1939, p. 331/335. ii GOFFMAN, Erving – A Representação do Eu na Vida Cotidiana, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 13. iii A respeito: VILLAS BÔAS, Glaucia – Ascese e Prazer: Weber vs. Sombart in Lua Nova, nº 52, São Paulo, 2001, especialmente p. 175. iv WEBER, Max – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, São Paulo, Pioneira, 1997, p. 31/37, 44/51, 112/114 e 128/130. v Idem, p. 34. vi Ibidem, p. 117, 127 e 121, respectivamente. vii VILLAS BÔAS, Op.Cit.. viii WEBER, Op.Cit., p.180/181. ix FOUCAULT, Michel – A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, Nau, 1996, p.79/125. x Idem, p. 83 (mencionando o fato de a prisão não ter sido prevista por um teórico penal como Beccaria). xi Ibidem, p. 88: “Ele [o saber panóptico] se ordena em torno da norma, em termos do que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer.” Cada uma dessas instituições de controle seria “um aparelho de normalização dos indivíduos” (p. 114). xii SIMMEL, Georg – A Metrópole e a Vida Mental in VELHO, Otávio Guilherme (org.) – O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro, Zahar, 1967, p. 13/22 e 25/28. xiii Veja-se a respeito: PARK, Robert Ezra – A Cidade: Sugestões para a Investigação do Comportamento Humano no Meio Urbano, e WIRTH, Louis – O Urbanismo como Modo de Vida, ambos em VELHO, Otávio Guilherme (org.) – O Fenômeno Urbano, Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
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xiv BENJAMIN, Walter – A Paris do Segundo Império em Baudelaire in KOTHE, Flávio R. (org.) – Walter Benjamin: Sociologia, São Paulo, Ática, 1985, p. 45/110. xv Idem, especialmente p. 55. xvi Ibidem, respectivamente p. 65, 67 e 68. xvii BOURDIEU, Pierre & PASSERON, J. C. - Le Métier de Sociologue, Mouton/Bordas, 1968. xviii BENJAMIN, Op.Cit., p. 69/70. xix Sigo livremente indicações a respeito de KUMAR, Krishan – Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: Novas Teorias sobre o Mundo Contemporâneo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, p. 14/16; e ROBERTSON, Roland – Globalização: Teoria Social e Cultura Global, Petrópolis, Vozes, 2000, p. 72. xx ALBROW, Martin – The Global Age, Stanford, Stanford University Press, 1997, p. 78; CASTELLS, Manuel – O Poder da Identidade Vol. II, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000, p. 17 e 28; BECK, Ulrich – O Que é Globalização: Equívocos do Globalismo, Respostas à Globalização, São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 41 e 185/186; KUMAR, Op.Cit., p. 15. xxi KUMAR, Op.Cit., p. 164; BECK, Op.Cit., p. 67; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111. xxii KUMAR, Op.Cit., p. 164 e 195; BECK, Op.Cit., p. 73 (citando Rosenau) e 103/107 (citando Appadurai); CASTELLS, Op.Cit., p. 27; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23, 192/193 e 197; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111 e 163. xxiii CASTELLS, Op.Cit., p. 17; KUMAR, Op.Cit., p. 178; BECK, Op.Cit., p. 42. xxiv KUMAR, Op.Cit., p. 162, 173 e 181; BECK, Op.Cit., p. 43; CASTELLS, Op.Cit., p. 17; ROBERTSON, Op.Cit., p. 70. xxv BECK, Op.Cit., p. 112 e 173. xxvi KUMAR, Op.Cit., p. 167; BECK, Op.Cit., p. 97; CASTELLS, Op.Cit., p. 319. xxvii CASTELLS, Op.Cit., p. 17. xxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 26, 79 e 302; KUMAR, Op.Cit., p. 162, 170 e 196; BECK, Op.Cit., p. 74, 103/107 (citando Appadurai) e 185/186; ROBERTSON, Op.Cit., p. 47/49 e 55; ALBROW, Op.Cit., p. 165, 169/170 e 173/174. xxix KUMAR, Op.Cit., p. 171 e 194; BECK, Op.Cit., p. 44, 92/93 e 99; CASTELLS, Op.Cit., p. 17 e 26; ROBERTSON, Op.Cit., p. 23, 47/49 e 55; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111. xxx KUMAR, Op.Cit., p. 193 e 195/196; BECK, Op.Cit., p. 44; ROBERTSON, Op.Cit., p. 47/49, 55 e 192/193; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111, 163 e 171. xxxi BECK, Op.Cit., p. 175/176; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89. xxxii CASTELLS, Op.Cit., p. 18, 68, 79 e 81/83; BECK, Op.Cit., p. 103/107 (citando Bauman); ROBERTSON, Op.Cit., p. 252/254; ALBROW, Op.Cit., p. 169/171. xxxiii KUMAR, Op.Cit., p. 169, 179/181, 188, 194 e 196; BECK, Op.Cit., p. 131; CASTELLS, Op.Cit., p. 86 (“crise estrutural da identidade legitimadora”); ALBROW, Op.Cit., p. 173/174. xxxiv KUMAR, Op.Cit., p. 189/191. xxxv KUMAR, Op.Cit., p. 179/180; CASTELLS, Op.Cit., p. 298/299. xxxvi KUMAR, Op.Cit., p. 168/170 e 179/180; CASTELLS, Op.Cit., p. 341/343 (citando o exemplo do movimento antiprevidência nos EUA que, em nome de valores (neo)liberais, acabam por estigmatizar pobres, negros, imigrantes, etc). xxxvii BECK, Op.Cit., p. 41/42, 48, 92/93, 193/194 e 199 (“novo medievalismo”); KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 170; CASTELLS, Op.Cit., p. 68 (“Estado de geometria variável”) e 287/289; ALBROW, Op.Cit., p. 106 e 169/170. xxxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 44, 49 e 60; KUMAR, Op.Cit., p. 188; BECK, Op.Cit., p. 126. xxxix BECK, Op.Cit., p. 70/71 (citando Rosenau), 82 e 97; CASTELLS, Op.Cit., p. 303/304 e 311/314; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89; ALBROW, Op.Cit., p. 173/174. xl BECK, Op.Cit., p. 74 e 136.
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xli CASTELLS, Op.Cit., p. 18 e 42/43; KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 178; ALBROW, Op.Cit., p. 165. xlii KUMAR, Op.Cit., p. 165; BECK, Op.Cit., p. 136; CASTELLS, Op.Cit., p. 79 e 339 (mencionando movimentos tipo “eduque seu filho em casa” dos cristãos fundamentalistas dos EUA); ROBERTSON, Op.Cit., p. 252/254. xliii KUMAR, Op.Cit., p. 162 e 178; BECK, Op.Cit., p. 42 e 74; ROBERTSON, Op.Cit., p. 89. xliv ROBERTSON, Op.Cit., p. 194; KUMAR, Op.Cit., p. 189/191; ALBROW, Op.Cit., p. 106. xlv Como em CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede, São Paulo, Paz e Terra, 1999. xlvi BECK, Op.Cit., p. 48/57, 122 e 137/139 (“nacionalismo metodológico” e a metáfora do container são felizes sugestões deste criativo autor); ROBERTSON, Op.Cit., p. 35 (citando Albrow), 82/89 e 190/193; ALBROW, Op.Cit., p. 110/111 e 172. xlvii BECK, Op.Cit., p. 179. xlviii ALBROW, Martin – Nacionalidade e Identidade na Era Global in BARROSO, João Rodrigues (org.) – Globalização e Identidade Nacional, São Paulo, Atlas, 1999, p. 36. xlix KUMAR, Op.Cit., p. 15. l Idem, p. 16. li CASTELLS, Op.Cit., p. 17. lii BECK, Op.Cit., p. 123. liii KUMAR, Op.Cit., p. 164 e 176/177. Concordo com Kumar neste ponto, por isso não creio que a dialética entre ricos e pobres esteja acabando, como afirma Bauman, citado por BECK, Op.Cit., p. 109/110. Relacionado a isso, especulo se a outra racionalidade proposta por Beck (“um-e-outro”) não deveria ser aplicada ao individualismo e à competitividade capitalistas, que muitas vezes são excludentes, seguindo quase sempre uma lógica de “um-ou-outro” (vencedor x vencido). Talvez o “um-e-outro” de Beck seja pertinente ao ressurgimento do cooperativismo e à emergência da chamada “economia solidária”. liv BECK, Op.Cit., p. 68/69. lv Idem, p. 75. lvi Segundo Giddens, citado por ROBERTSON, Op.Cit., p. 195. lvii ROBERTSON, Op.Cit., p. 82/89. lviii CASTELLS, Op.Cit., p. 27. lix BECK, Op.Cit., p. 187/190. lx ALBROW – The Global Age, p. 80. lxi ROBERTSON, Op.Cit., p. 45. lxii ALBROW, The Global Age, p. 90/91. lxiii Idem. lxiv KUMAR, Op.Cit., p. 162. lxv ALBROW, The Global Age, p. 110/111, 164 e 171/174. lxvi CASTELLS, Op.Cit., p. 17/18, 26, 68, 79 e 81/83. lxvii ELIAS, Norbert – A Sociedade dos Indivíduos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994. lxviii CASTELLS, Op.Cit., p. 44/45 e 60/68. lxix Idem, p. 26/43. lxx ALBROW, The Global Age, p. 110/111. lxxi ROBERTSON, Op.Cit., p. 80/81 e 248/254. lxxii Idem, p. 248/254. Posição inversa é a de Habermas: ROBERTSON, Op.Cit., p. 260. lxxiii ALBROW, The Global Age, p. 79. lxxiv ROBERTSON, Op.Cit., p. 264, citando Appiah. lxxv KUMAR, Op.Cit., p. 16. lxxvi BECK, Op.Cit., p. 195/196.
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lxxvii ALBROW, The Global Age, p. 106, embora fale também que a desglobalização seja possível: p. 107. lxxviii ROBERTSON, Op.Cit., p. 25 e 276. lxxix CASTELLS, Op.Cit., p. 19/26. lxxx BECK, Op.Cit., p. 89/91; ROBERTSON, Op.Cit., p. 85/86 e 199/200. lxxxi ALBROW, The Global Age, p. 79. lxxxii KUMAR, Op.Cit., p. 188. lxxxiii Idem, p. 197/203. lxxxiv ROBERTSON, Op.Cit., p. 258/9. A visão de Robertson é matizada, pois observa também homogeneizações na globalização: p. 267. lxxxv BECK, Op.Cit., p. 44, fornece ótimo exemplo de estratégia de glocalização: o recente sucesso de certas músicas árabes no mundo, mais especificamente, do cantor magrebe Khaled, cujos CDs são editados pela francesa Virgin Musique e produzidos em estúdios ingleses e norte-americanos. Mas note: o conteúdo é pop árabe, já a estrutura técnica do produto ainda é “ocidental”, o que mostra as limitações da glocalização. lxxxvi PRADO JR., Caio - A Revolução Brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1987 (a 1ª edição é de 1966), p. 30. lxxxvii Veja-se a respeito KAREPOVS, Dainis, MARQUES NETO, José Castilho & LÖWY, Michael - Trotsky e o Brasil em MORAES, João Quartim de (org.), História do Marxismo no Brasil Vol. II Os Influxos Teóricos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 1998, pp. 236-238. lxxxviii Inspiro-me aqui na interpretação proposta por Antonio Carlos Mazzeo em Sinfonia Inacabada – A Política dos Comunistas no Brasil, São Paulo, Boitempo, 1999, especialmente pp. 75-81. lxxxix Nossa menção crítica ao marxismo ortodoxo remete, obviamente, à necessidade da constante investigação de outros marxismos: Rosa Luxemburgo (fonte de boa parte das idéias deste ensaio), Oposição Operária, auto-gestão, conselhismo, etc. xc LÊNIN - Obras Escolhidas Vol. 1, São Paulo, Alfa-Ômega, 1986, p. 101. xci Faço referência aqui a J. Habermas: Teoria de La Acción Comunicativa, Madrid, Cátedra, 1999. xcii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 2002, p. 30 (introdução de Alexandre Fortes, Antonio Luigi Negro e Paulo Fontes, intitulada Peculiaridades de E. P. Thompson). xciii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 42/43, 50 (introdução de Fortes, Negro e Fontes) e 66 (introdução de Sergio Silva, intitulada Thompson, Marx, os Marxistas e os Outros); THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 9/10; THOMPSON, E. P. – Costumes em Comum – Estudos sobre a Cultura Popular Tradicional, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 13/22, 90, 145 e 149. xciv THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 42/43 (introdução de Fortes, Negro e Fontes), 66/67 (introdução de Silva), 207/208 e 252/260; THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 9/10 e 253/260. Thompson propõe substituir o par infra/superestrutura pela dupla ser/consciência: “(...) podemos afirmar que ‘o ser social determina a consciência social’ (uma assertiva que ainda pede exame e qualificação escrupulosos)” – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 253. Tal proposição, reconhece o próprio Thompson (nota à p. 267) segue as elaborações mais detalhadas de Raymond Williams, em Marxismo e Literatura, Rio de Janeiro, Zahar, 1979 (especialmente p. 82/102). xcv THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 46/47 (introdução de Fortes, Negro e Fontes). xcvi THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 61/66 (introdução de Silva) e 229; THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária
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Inglesa, p. 9/10. Apesar das origens intelectuais diferentes, Claus Offe desenvolve posição semelhante (Problemas Estruturais do Estado Capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p. 88): “Esta visão é diretamente oposta àquela versão marxista da consciência de classe que sustenta haver um desenvolvimento espontâneo e quase automático, promovido pelo que às vezes é chamado de ‘instinto de classe’, em direção aos ‘verdadeiros’ interesses da classe operária como um todo. Essa visão não é apoiada nem pelos argumentos teóricos nem pela experiência contemporânea.”. xcvii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas, Ed. da UNICAMP, 2002, p. 204, 207/208, 211 e 252/260 (os trechos contendo aspas estão às p. 258/259). xcviii THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 31, nota às p. 56/57 (introdução de Fortes, Negro e Fontes), p. 61 e 69 (introdução de Silva), 208 e 228. Para evidenciar esse diálogo, vale a pena citar um trecho significativo, sobre a questão da determinação e do par infra/superestrutura: “Os antropólogos e os sociólogos demonstraram amplamente a imbricação inextricável das relações econômicas e das relações não econômicas na maior parte das sociedades e a maneira pela qual interferem as gratificações econômicas e culturais. Nessas démarches da análise histórica ou sociológica (ou política), é essencial manter presente no espírito o fato de os fenômenos sociais e culturais não estarem ‘a reboque’, seguindo os fenômenos econômicos à distância: eles estão, em seu surgimento, presos na mesma rede de relações.” (p. 208). xcix THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, nota à p. 56 (introdução de Fortes, Negro e Fontes); THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 13. c THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, p. 49/50 (introdução de Fortes, Negro e Fontes). ci BARRINGTON – Injustiça - As Bases Sociais da Obediência e da Revolta, São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 641/642. cii BOURDIEU, Pierre – Razões Práticas – Sobre a Teoria da Ação, São Paulo, Papirus, 1997, p. 29. ciii THOMPSON, E. P. – A Formação da Classe Operária Inglesa, p. 10. civ Conforme, ainda, Sergio Silva, exposta à p. 66/68 de sua introdução (THOMPSON, E. P. – As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos). cv PERROT, Michelle – Os Excluídos da História, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 127/128. cvi Idem, p. 130. cvii Ibidem. cviii GEERTZ, Clifford – A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, LTC, 1989. cix OFFE, Op.Cit.. cx LÖWY, Michael e SAYRE, Robert – Revolta e Melancolia – O Romantismo na Contramão da Modernidade, Petrópolis, Vozes, 1997