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7/30/2019 Meu Corpo Meu Oraculo
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CESBLU Centro de Educao Superior deBlumenau
ALUBRAT Associao Luso-Brasileira deTranspessoal
Regina de Campos Balieiro Devescovi
Meu Corpo Meu Orculo
Campinas, SP
2009
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CESBLU Centro de Educao Superior de Blumenau
ALUBRAT Associao Luso-Brasileira de Transpessoal
Regina de Campos Balieiro Devescovi
Meu Corpo Meu Orculo
Monografia apresentada no Curso de Ps-Graduao em
Psicologia Transpessoal Lato Sensu do CESBLU Centro
Educacional de Blumenau & ALUBRAT Associao Luso-Brasileira de Transpessoal como requisito para obteno
do ttulo de Especialista em Psicologia Transpessoal.
Orientadora: Profa. Arlete da Silva
Campinas, SP
2009
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Meu Corpo Meu Orculo
Regina de Campos Balieiro Devescovi
BANCA EXAMINADORA
....................................................................
Profa. Arlete da Silva
Orientadora
...................................................................
Prof(a).
...................................................................
Prof(a).
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho vida, minha me que partiu desta para outra vida h
menos de um ano, a meu pai que se foi h alguns anos e a todas as pessoas que
me amam e com as quais venho aprendendo a amar.
Dedico-o tambm Godelieve Denys-Struyf que, com sua simplicidade,
refinamento e criatividade, transformou o gesto estruturante e funcional em pura
poesia. Mme. Godelieve, que se foi enquanto eu ainda escrevia este texto e que
ir toc-lo e saud-lo em outras esferas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo s funcionrias da ALUBRAT inicialmente Ariana e, aps,
Flaviane e Sueli pela pacincia constante em lidar com os assuntos burocrticos.
Agradeo, calorosamente, aos colegas e monitoras do Curso de Ps-
Graduao da CESBLU/ALUBRAT. Levarei comigo recordaes bastante
prazerosas dos momentos em que compartilhamos nossas estrias e experincias.
Agradeo Profa. Arlete da Silva pela franca disponibilidade em me orientar
na elaborao desta monografia; pela leveza de suas argumentaes; e pela
pertinncia de suas observaes.
Agradeo Profa. Dra. Vera Saldanha, por ter me aceitado neste curso; por
acreditar em meu potencial; e por confiar em minha dedicao causa transpessoal.
Agradeo, tambm, a Profa. Rgine Hubeaut, exemplar divulgadora dos
aspectos psicocomportamentais do Mtodo GDS, pelo interesse manifestado por
este trabalho e pelos momentos inspirados e inspiradores proporcionados em curso
por ela dirigido em So Paulo, em julho de 2009.
Agradeo sinceramente a todos vocs pela oportunidade oferecida de
amadurecimento profissional e de elevao espiritual.
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Resumo
O presente trabalho busca organizar algumas idias a respeito do corpo talcomo poderia estar sendo entendido e vivenciado no mbito da Psicologia
Transpessoal. A questo norteadora da reflexo aqui apresentada a de que nossocorpo nosso prprio orculo. Para tanto, preciso decifr-lo; preciso escut-lo eentender a sua linguagem. O objetivo principal o de articular o Mtodo GDS dasCadeias Musculares e Articulares em seu enfoque de leitura, anlise e abordagemcorporal Abordagem Integrativa Transpessoal. Os objetivos especficos so: a)inaugurar uma reflexo e debate sobre a aliana entre esses dois mtodos; e b)suscitar indagaes que devero ser trabalhadas tanto em futuras investigaesquanto em propostas de procedimentos educacionais e teraputicos. A tentativa deselar essa aliana realizada aqui, por meio da coleta e organizao de umaliteratura capaz de fundamentar a noo de corpo transpessoal, bem como ospontos de contato entre o Mtodo GDS e a Abordagem Integrativa.
Palavras chave: Corpo, Imagem Corporal, Linguagem Corporal, ConscinciaCorporal, Educao do Movimento, Terapia Psicocorporal, Mtodo Cadesta GDS,Abordagem Integrativa Transpessoal, Psicologia Transpessoal.
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Existe apenas um templo no mundo: o corpo humano.
Nada mais sagrado do que esta forma sublime.
Inclinar-se diante de um homem reverenciar esta Revelao da Carne.
Toca-se o cu quando se toca o corpo humano.
Novalis
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Sumrio1. Introduo ------------------------------------------------------------------------------------------9
2. Corpo e Imagem Corporal -------------------------------------------------------------------13
2.1. O que o Corpo Humano -----------------------------------------------------------------13
2.2. Corpo e Imagem Corporal -----------------------------------------------------------------14
2.2.1. O ponto de vista de Nasio ---------------------------------------------------------14
2.2.2. O ponto de vista de Jung ----------------------------------------------------------20
2.2.3. A orientao transpessoal de Jean-Yves Leloup ----------------------------25
2.2.4. Nasio, Jung, Leloup: trs autores, trs abordagens que se tocam----32
3. A Psicologia Transpessoal ------------------------------------------------------------------34
4. A Abordagem GDS das Cadeias Musculares e Articulares Seus AspectosPsicocomportamentais -----------------------------------------------------------------------38
4.1. Sobre a autora e sobre os principais conceitos do Mtodo GDS --------------38
4.2. Sobre a Tipologia GDS e suas estruturas psicocorporais ------------------------43
4.3. Sobre as fontes de inspirao da autoraalgumas breves consideraes---50
5. A Abordagem Integrativa Transpessoal ------------------------------------------------535.1. Sobre a autora -------------------------------------------------------------------------------53
5.2. O Corpo Terico ----------------------------------------------------------------------------54
5.3. Os Recursos ---------------------------------------------------------------------------------58
5.4. A Pulso da Transcendncia ------------------------------------------------------------63
6. O Corpo Transpessoal-------------------------------------------------------------------------66
6.1. Introduo--------------------------------------------------------------------------------------66
6.2. Uma Definio--------------------------------------------------------------------------------66
6.3. Um dilogo entre GDS e AIT-------------------------------------------------------------73
6.4. Uma aliana entre GDS e AIT------------------------------------------------------------78
7. Concluso: Meu Corpo Meu Orculo-----------------------------------------------------85
8. Bibliografia-----------------------------------------------------------------------------------------90
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1. Introduo
Qualquer coisa experimentada fora do corpo no experimentada, a menos que a
incorporemos, porque o corpo significa do aqui e agora (Jung, apud Farah, 1995, pg.23)
Desde a metade dos anos 90, quando me iniciei no universo das terapias
psicocorporais, venho atuando como terapeuta e educadora do movimento,
buscando enfatizar os processos de conscincia corporal e gestual. Como
sociloga e ex-professora universitria, tenho uma experincia expressiva em
pesquisa e elaborao de textos analticos. At agora, contudo, no havia ainda
me debruado sobre a instigante temtica do corpo em suas implicaes
tericas e analticas. Em minha atuao, pratico e vivencio intensamente o corpo
em mim, em meus clientes e alunos. Chegou o momento de reflexo e
organizao dos processos vividos. Espero que este texto seja apenas o incio
de uma dinmica de produo e investigao no mbito da Psicologia e do
Corpo Transpessoais.
A pressuposio bsica destas reflexes a de que a transformao pelo
corpo um fato. Tenho a ntida convico de que o ponto de partida para a
criao de um ser humano integrado seu corpo fsico.
No uma afirmao bvia a de que um indivduo pode projetar apenas
aquilo que est dentro dele? E o que est dentro dele no apenas sua psique,
mas tambm seu corpo fsico. No uma afirmao bvia a de que nosso
gestual vem sempre carregado de psiquismo? De algum modo, tudo indica que o
corpo fsico mais do que a expresso da personalidade, mas de fato a
prpria personalidade.
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Para Reich, o corpo o prprio inconsciente; parte essencial da
existncia humana, no como mquina, mas como algo energeticamente
pulsante, algo vivo. Para Alexander Lowen, psicoterapeuta de formao
reichiana, a noo de identidade de uma pessoa provm, sobretudo da
sensao de contato que ela capaz de estabelecer com seu prprio corpo.
Para saber quem ele , o indivduo precisa ter conscincia daquilo quesente. Deve conhecer a expresso de seu rosto, a sua postura e a forma dese movimentar. Sem esta conscincia de sensao e atitudes corporais apessoa torna-se dividida: um esprito desencarnado e um corpo sem alma(Reich, apud Farah, 1995, pg. 90).
Para Jung, o surgimento do ego d-se, inicialmente, a partir de uma
percepo geral de nosso corpo e existncia, e a seguir, pelos registros de
nossa memria (Jung, 2003, pg. 7). Concebendo o ego como o cerne
indispensvel da conscincia, Jung enfatiza que a conscincia ,
primordialmente, resultado da percepo e orientao no mundo externo e queno tempo de nossos ancestrais essa mesma conscincia derivaria de um
relacionamento sensorial da pele com o mundo exterior (Jung, 2003, pg. 5).
Assim,
...uma abordagem muito mais satisfatria seria considerar o homem comoum todo, em vez de considerar suas vrias partes. O que preciso portermo dissociao fatal que existe entre o ser superior e inferior do
homem; devemos pelo contrrio unir o homem consciente com o homemprimitivo (Jung, apud Farah, 1995, pg. 30).
O objetivo principal deste estudo o de propor uma forma de
aprofundamento da relao entre corpo e psique por meio da tentativa de
conciliao de um mtodo bastante sofisticado de leitura, anlise, conhecimento
e organizao corporal (o Mtodo GDS das Cadeias Musculares e Articulares)
com a Psicologia Transpessoal em sua Abordagem Integrativa.
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Trata-se de pesquisar e organizar uma bibliografia que possibilite articular
dois enfoques passveis de serem utilizados tanto na educao quanto na
sade: o psicocorporal e o transpessoal. Para tanto, cabe convocar alguns
autores que considero basilares no ato de pensar e viver o corpo de uma forma
global. Sero apresentados, neste espao, os estudos de psiclogos e de uma
fisioterapeuta/terapeuta psicocorporal, com a inteno de compor uma trama
que: 1) ordene o dilogo proposto entre duas abordagens; 2) propicie a
construo de uma noo de corpo transpessoal; e 3) fundamente, para a
prxima etapa do trabalho, a elaborao de vivncias corporais coerentes com
os postulados da Abordagem Integrativa Transpessoal.
Procura-se, portanto, desenvolver algumas reflexes que possibilitem a
montagem de um arcabouo terico e procedimental sobre o corpo transpessoal.
Por ser um tema bastante extenso, no se cogita esgot-lo neste trabalho. A
inteno, aqui, a de inaugurar uma reflexo e debate sobre a questo proposta
a aliana entre duas abordagens e suscitar algumas indagaes que
devero ser trabalhadas em investigaes futuras.
A questo norteadora deste estudo a de que nosso corpo o nosso
prprio orculo; basta saber decifr-lo.
Para responder a esse enigma, com coerncia, evoquei alguns autores
buscando organizar as suas proposies.
No prximo captulo sero trazidos trs estudiosos e pensadores com
atuao no campo da psicoterapia: o psicanalista J-D. Nasio; Carl Gustav Jung;
e Jean-Yves Leloup. Trata-se de recolher de suas proposies o que parecem
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ser os pontos chave para o entendimento e experienciao da globalidade do
corpo.
No terceiro captulo sero apresentadas algumas consideraes sobre a
Psicologia Transpessoal, visto que esta a orientao bsica, ponto de partida e
de chegada deste trabalho.
No quarto captulo ser introduzido o Mtodo GDS das Cadeias
Musculares e Articulares, alinhavando o que parecem ser seus tpicos
principais. No quinto captulo ser feita uma incurso pela Abordagem
Integrativa Transpessoal, para a seguir, no sexto captulo, penetrarmos no
mago da questo.
Na Concluso, ser apresentada uma sntese do trajeto aqui percorrido
com nfase na dimenso oracular de nossos corpos.
2. Corpo e Imagem Corporal
O homem modela o mundo imagem global de seu corpo visvel.
Tudo construdo pelo corpo e a partir do equilbrio do corpo!
Nada destronou e talvez nunca venha a destronar a forma primitiva, graciosa e soberana do corpo
humano: o perfil de uma cabea coroando a massa de um busto prolongado por quatro membros.
Eis o arqutipo mais eterno, mas tambm o mais perfeito de todas as maravilhas que criamos e
diante das quais nos prostramos
(J. - D. Nasio, 2009, pg.83)
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2.1 O que o Corpo Humano?
Organismo vivo, reprodutor e perecvel? Estrutura que d sustentaoaos nossos atos, gestos e movimentos?
Nossa memria mais arcaica, segundo Jean-Yves Leloup logo no incio
de seu seminrio sobre o corpo e seus smbolos1? Depositrio dos contedos
inconscientes quando estes se tornam definidos, conforme sugere Jung em seus
comentrios durante os Seminrios sobre Assim falou Zaratrustra (Jung, apud
Farah, 1995, pg. 434)? Corpo sentido, corpo imaginrio e corpo significante tal
como postula J. - D. Nasio em suas interpretaes de Dolto e Lacan sobre as
imagens que temos de nossos corpos (Nasio, 2009)?
So esses os autores e essas as questes que orientam o captulo que se
inicia. O percurso pelo vasto territrio da temtica corporal ser aqui inaugurado
com o conceito de imagem corporal de Nasio. Em seguida, ser abordado o
corpo a partir da tica de Jung. E, por ltimo, sero revisitados os escritos de
Jean Yves Leloup, buscando esboar uma primeira aproximao ao tema que
aqui interessa: o corpo transpessoal.
2.2 Corpo e Imagem Corporal
2.2.1 O ponto de vista de Nasio
Buscando a apropriao do corpo que, de fato, interessa ao terapeuta de
orientao transpessoal, escolheu-se expor um ponto de vista que parece
1 Seminrio realizado na UNIPAZ, Braslia em 1996. Esse evento transformou-se em livro em 1998,sob o ttulo: O Corpo e seus Smbolos: uma antropologia essencial.
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iluminar o trabalho de quem se prope a desvendar (decifrar) o ser humano a
partir de sua relao com o seu agir corporal. Essa abordagem encontra-se no
trabalho de Nasio que ser apresentada a seguir.
Juan David Nasio, psiquiatra argentino nascido em 1942 e radicado na
Frana desde 1969, atua como psicanalista, educador e escritor desde o incio
dos anos 70. Preside os Seminrios Psicanalticos de Paris; instituio por ele
fundada em 1986.
Sua ltima obra, publicada em 2008 na Frana, elabora o conceito de
imagem corporal a partir de duas eminentes personalidades da psicanlise
contempornea: Franoise Dolto e Jacques Lacan, dois apaixonados pelo
enigma do corpo e suas imagens (Nasio, 2009, pg.11).
Esta seo ser iniciada com a definio de corpo, tal como exposta no
livro em revista.
O que um corpo?
O corpo um organismo vivo, reprodutor e perecvel. o corpo biolgico. O corpo uma fora que se dirige para os seres e as coisas que
proporcionam seu desenvolvimento, mas tambm uma fora opondo-se aos
seres e s coisas que entravam seu desenvolvimento. O corpo so aspulses de vida que nos ligam ao mundo, bem como as pulses de morteque nos separam de tudo que ameaa nossa integridade; os dois grupos depulses, de vida e de morte, trabalham a servio da vida. o corpo pulsionalque denominamos corpo real ou corpo sentido.
O corpo uma forma, uma silhueta, o prottipo universal de todos os objetoscriados pelo homem. Ns o denominamos de corpo imaginrio ou corpovisto.
O corpo, mais particularmente o rosto, o smbolo do inconsciente, suavitrine. Ns o denominamos corpo simblico ou corpo significante.
Seja organismo, fora, forma ou smbolo, o corpo continua sendo oindispensvel substrato de todo sentimento de si (Nasio, 2009, pg. 122).
Para Nasio, portanto, o corpo organismo, fora, forma e smbolo.
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O corpo biolgico (ou organismo) o corpo de carne, msculos, ossos e
nervos. a matria, o lugar onde se produz o acontecimento sensorial bruto,
independentemente da pessoa que vive o acontecimento(Nasio, 2009, pg. 7-8).
Todavia, o corpo que independe da pessoa que vive uma coisa inerte,
destituda de vida. Quando preenchido de vida, o sujeito detentor desse corpo
constri sempre, e inevitavelmente, a representao mental do acontecimento
vivido. essa representao psquica, consciente ou no, que o autor
denomina de imagem mental do corpo.
Toda sensao percebida imprime inevitavelmente sua imagem; todasensao real necessariamente duplicada por uma virtualidade, [porque] ocorpo no existe s no espao; existe tambm na cabea daquele que ocarrega (Nasio, 2009, pg.8).
Nesse sentido, a construo da imagem mental depende sempre de um
substrato sensorial a ativao dos circuitos neuronais de recepo e resposta
e da forma como cada um de ns assimila o impacto da experincia sensorial.
Pois para que um acontecimento se grave automaticamente em nosso
psiquismo, transformando-se em representao psquica ou imagem mental, so
necessrias trs condies: que esteja investido de emoo e sentido; que seja
impregnado da presena interiorizada do outro; e que tenha resultado de um
encadeamento de acontecimentos anlogos.
O conjunto diacrnico2 de representaes afetivamente investidas,impregnadas pela presena interiorizada do outro e repetindo-se em nossahistoria, constitui o conjunto das imagens mentais do corpo. precisamenteessa constelao de imagens que me d a sensao de existir num corpovivo e de ser eu (Nasio, 2009, pg. 10).
2 Diacrnico: relativo ao estudo ou compreenso de um fato ou de um conjunto de fatos em suaevoluo no tempo.
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De posse dessas constataes e feitas essas reflexes, deve-se
considerar, ento, que o corpo como fora, como forma e como smbolo ou em
outras palavras, o corpo sentido, o corpo visto e o corpo simblico , em todas
essas condies, uma representao psquica - uma imagem mental.
Nasio salienta que uma imagem sempre o duplo exato ou aproximado
de algo que lhe antecede ou, mais precisamente, de um original - cada um
pertencente a um espao diferente. Organiza sua definio em quatro categorias
gerais: a) o duplo refletido de um ser ou de uma coisa em uma superfcie polida;
b) o duplo nominativo que designa uma particularidade do corpo; c) o duplo
impresso na conscincia ou no inconsciente quando vivemos uma sensao
afetivamente importante para ns; e d) o duplo cintico de uma emoo, da qual
o indivduo no tem conscincia, mas que se impe num comportamento
espontneo (Nasio, 2009, pg.68-70).
Observam-se ento, quatro imagens ou quatro formas de viver nosso
corpo: vendo-o (imagem especular); nomeando-o (imagem nominativa);
sentindo-o (imagem do corpo real); sentindo-o e sendo superado por ele
(imagem-ao do corpo real).
O corpo visto o corpo imaginrio; aquele que vejo, principalmente noespelho. o corpo especular: a imagem instantnea do corpo percebido de um
relance e como um todo; a imagem do corpo visto com o olhar nico e singular
do espectador (Nasio, 2009, pg. 81). 3
O corpo nominativo o corpo simblico na acepo de que o smbolo
tem o poder no apenas de substituir a realidade, mas, sobretudo de modific-la,3 Note que o conceito de corpo especular, tal como salientado por Nasio em trabalho j citado, ocerne do conceito de imagem do corpo de Lacan.
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at mesmo de engendr-la. E ao alterar a realidade, o smbolo passa a ser
denominado significante(Nasio, 2009, pg.92). 4
Mas o que o corpo simblico ou significante? a singularidade
corporal que determina direta ou indiretamente o curso de nossa existncia; so
as particularidades fsicas (uma cicatriz no rosto, uma silhueta longilnea e
atraente; uma deficincia fsica, um nariz desproporcional, etc.) capazes de
condicionar toda a vida de um indivduo. E qual a imagem mental do corpo
simblico? No a imagem mental de uma sensao, nem a imagem visvel de
uma silhueta, mas o nome que designa a parte significante do corpo (Nasio,
2009, pg.98).
Assim, diferentemente do corpo imaginrio que sempre global, o corpo
significante sempre parcial, sempre fragmentrio.
O corpo sentido , segundo o autor, o corpo real. A imagem do corpo
sentido uma imagem mental inconsciente que pode ou permanecer
inconsciente, ou tornar-se consciente, ou ainda exteriorizar-se num agir
(imagem-ao)(Nasio, 2009, pg.99).
O corpo real ou corpo sentido a fora que anima um corpo. Assim, o realdo corpo a sua fora. Mas que fora? A fora que vai e o arrasta, a fora
de nascer, desenvolver-se ao mximo, reproduzir-se e superar as doenasou a elas sucumbir... o corpo sensorial (o corpo das sensaes internas eexternas); o corpo dos desejos (nosso corpo ergeno)...; o corpo dogozo (o corpo que despende sua energia) (Nasio, 2009, pg.76-77).
Mas como sentimos nosso corpo? Nasio responde que conscientemente
ou em movimento; sendo que ambas atualizam as nossas antigas (e
inconscientes) percepes.
4 Nasio (2009, pg.92) enfatiza que no conceito de eficcia simblica, de Levi Strauss, adotado porLacan, adota-se essa denominao quando a dimenso simblica transforma a realidade . Note-se,portanto, que, neste contexto, significantenada mais do que o elemento formal e abstrato capaz demodificar a realidade.
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Em suma, temos uma imagem consciente de nossas sensaes presentes,uma outra, motora, que assume a fora de um comportamento involuntrio,e uma terceira, na origem das duas primeiras, protoimagem inconsciente denossas sensaes passadas (Nasio, 2009, pg.79).
Dentre as imagens ou formas de viver o corpo real, vale ressaltar a
imagem motora por ser a que mais coloca o corpo em ao.
A imagem-ao no representada no papel, nem refletida no espelho,nem inscrita na cabea. Ela intervm nos movimentos corporais de umsujeito que no percebe que seu comportamento pe em cena um vividoemocional antigo do qual ele no tem lembrana (Nasio, 2009, pg.66).
A imagem-ao a imagem dos corpos em movimento. So posturas,
mmicas ou gestos espontneos; imagens vivenciadas ao invs de refletidas;
signos no verbais. Realizam-se concretamente em gestos corporais
involuntrios, passveis de serem interpretados pelo psicanalista como
reveladores de contedos do inconsciente.
Essas mensagens emitidas por um corpo modelado pelas emoes
(Nasio, 2009, pg.71), puras manifestaes corporais, no s fornecem a chave
como nos conduzem pelas intrincados caminhos de acesso ao inconsciente.
O corpo a via rgia que leva ao inconsciente!(Nasio, 2009, pg.71).
esse o corpo que aqui nos interessa. E essa uma das principais idias
veiculadas por Nasio em sua obra. Na verdade, o corpo que nos interessa o
corpo tal como o vivemos, tal como o interpretamos e, para resumir, tal como o
fantasiamos(Nasio, 2009, pg.75).
Com efeito, a imagem que temos de nosso corpo compe o nosso
repertrio lingstico; a linguagem que utilizamos para nos comunicar com o
mundo. Todavia, uma linguagem que, segundo o autor, deve ser decifrada
pelo psicanalista para que o sujeito a compreenda.
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Mas como situar a imagem do corpo na clnica? Segundo Nasio, atravs,
sobretudo, do desenho do corpo e dos significados a depositados; atravs dos
comportamentos, gestos e movimentos; e atravs das palavras e associaes
feitas pelo analisando. O que se espera que esses contedos sejam
entendidos pelo psicanalista, o qual reconhecer a marca do corpo nas
diferentes produes do inconsciente (Nasio, 2009, pg. 119).
Para entender esses contedos psquicos, para entrar em ressonncia
com o paciente e encontrar as palavras certas, necessrias e acessveis (as
palavras que iro consol-lo de seu sofrimento e resultar em aes auto-
reveladoras e auto-esclarecedoras para o paciente), Nasio preconiza mergulhos
eminentemente intuitivos no inconsciente do analisando. Se o psicanalista
conseguir perceber dentro de si mesmo o movimento interior do outro, ento as
palavras que ter a dizer sairo espontaneamente(Nasio, 2009, pg.48).
De fato, ao reconhecer a imagem mental que o paciente tem de seu
prprio corpo, o psicanalista capacita-se a decifrar e a falar a linguagem da
imagem inconsciente do corpo de seu paciente. E esse corpo imagtico pode
bem assumir o aspecto de um ser bizarro ou caricatural, atravessado e marcado
pelos bloqueios e tenses que o habitam.
Dessa forma, marcado pela viso desse corpo imaginrio, e eletrizado pelaintensidade de minha sensao, decido transmitir ao paciente o que sinto eque lhe concerne, uma vez que minha sensao no outra coisa senoseu prprio inconsciente vibrando em mim. (...). Eu interpreto no momentoque estimo mais oportuno, e usando palavras simples, tocantes, mas,sobretudo, palavras que o conduziro a voltar-se sobre si mesmo. Assim, opsicanalista fala com convico, a lngua da imagem inconsciente do corpode seu analisando (Nasio, 2009, pg. 43-45).
2.2.2 O ponto de vista de Jung
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O eu, isto , a sensao inefvel de sermos ns mesmos, no nada maisque a fuso ntima de nossas duas imagens do corpo: a imagem mental denossas sensaes fsicas e a imagem visvel de nosso corpo no espelho....considero a imagem do corpo a prpria substncia de nosso eu (Nasio,2009, pg. 12).
Vale iniciar esta seo com uma frase de Nasio, pois esta no parece ser
muito diferente da compreenso de Jung a respeito do tema.
Nas famosas Conferncias de Tavistock 5, Jung, no incio de seu
primeiro seminrio, apresenta, com nitidez, o que entende ser o conceito de ego.
[Ego] um dado complexo formado primeiramente por uma percepo
geral de nosso corpo e existncia e, a seguir, pelos registros de nossa memria
(Jung, 1985, pg. 7).
A percepo geral de nosso corpo a sua representao mental em
nossa mente; a imagem mental de nosso corpo, formada pelos registros de
fatos objetivos fornecidos pelos canais sensoriais e cinestsicos e permeada
pelos significados afetivos e cognitivos que atribumos aos mesmos.
Assim, o corpo fsico, tal como percebido pelo indivduo, o
instrumento pelo qual essa pessoa pode estabelecer contato, seja consigo
prpria, com seu ambiente ou com os demais indivduos ao seu redor (Farah,
1995, pg. 84).
Neste ponto, cabe afirmar que a concepo de ego para Jung, est muito
prxima de sua concepo de imagem mental do corpo (ou nas palavras de
Nasio, do corpo visto e do corpo sentido). Para Jung, o ego o complexo mais
prximo e valorizado que conhecemos. sempre o centro de nossas atenes
5 As Conferncias de Tavistock foram uma srie de palestras proferidas por Jung em Londres, em1935. Constituem uma espcie de introduo, didaticamente organizada, do pensamento de Jung.Em sua edio brasileira, aparece sob o ttulo Fundamentos de Psicologia Analtica.
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e de nossos desejos, sendo o cerne indispensvel da conscincia(Jung, 1985,
pg. 7). Porm, como elemento central da conscincia, o ego derivado do
inconsciente e principalmente do arqutipo, do self6
O processo de desenvolvimento do ego, ou, em outras palavras:
...a gradual ampliao da conscincia de um indivduo a respeito de suaprpria imagem corporal [ou imagem mental do corpo], acaba por seentrelaar intimamente com o processo de desenvolvimento e ampliao dasua conscincia enquanto individualidade (Farah, 1995, pg. 92).
Sabe-se que para Jung, o auge desse movimento a individuao: o
tornar-se um consigo mesmo, e ao mesmo tempo com a humanidade toda, em
que tambm nos inclumos(Jung, apud Farah, 1995, pg. 94).
Sabe-se tambm, que as reflexes de Jung nunca se centraram na
abordagem corporal propriamente dita, e sim no funcionamento da psique como
um todo. Farah, todavia, observa que o aspecto do corpo na histria da
Psicologia no se restringe s idias de Reich e de seus seguidores. A autora
enfatiza que em Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda, de McNeely
(terapeuta de abordagem junguiana), h um esclarecedor apanhado histrico
sobre aqueles que considera como pioneiros da somatoterapia(McNeely, apud
Farah, 1995, pg.386).
Segundo McNeely, os pioneiros da somatoterapia so: Freud, Sandor
Ferenczi, Alfred Adler, Groddeck, Reich e Jung. Comeo por esses seis
6 Nas ltimas dcadas, a psicologia analtica tem a tendncia de encarar o eu no somente a partirdele mesmo e da conscincia, mas a partir do inconsciente e, principalmente do arqutipo, do self.
Nessa perspectiva, o eu consciente seria a primeira manifestao do esprito inconsciente do self,agora parcialmente consciente de si mesmo, isto , conhecendo-se a si mesmo(Jung, 1985, nota dep de pgina, pg.7). Note que essa idia contraria a de Freud, que concebia exatamente o contrrio:o inconsciente sendo um resultado da conscincia.
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terapeutas porque sua principal preocupao com relao ao corpo foi a
distribuio da energia(McNeely, apud Farah, 1995, pg.386).
Nota-se, nos escritos de Jung, uma atitude cautelosa e, muitas vezes
parcimoniosa, a respeito do desenvolvimento e aprofundamento dos dinamismos
psicofsicos. Todavia, vrias so as passagens, em sua obra, em que faz
referncias a processos corporais, mencionando-os como componentes
intrinsecamente interligados aos dinamismos psquicos. Rosa Maria Farah
pontua, em seu livro, que o no aprofundamento da relao corpo-mente deve-
se, em grande parte, a dificuldade, encontrada por Jung, em defender idias
muito defasadas com a forma de pensar da poca. A seguir, a autora apresenta
trechos da edio das Conferncias de Tavistock em que Jung assinala,
implcita ou explicitamente, a importncia dos aspectos corporais nos processos
psquicos (Farah, 1995, pg. 385-440).
A ateno sistematizao elaborada pela autora possibilitou chegar s
concluses expostas a seguir.
1. Antes de qualquer tema em particular, Jung parecia interessar-se,
sobretudo, pelo princpio da inseparabilidade entre o corpo e a psique,
chegando a comentar, em uma de suas conferncias, que atualmentesentia-se totalmente incapaz de afirmar se o corpo ou a psique que
prevalece (Jung, 1985 pg. 30).
2. Em segundo lugar, destaca-se a sua ateno com relao aos
processos psicossomticos; questo essa presente em vrias
passagens das Conferncias de Tavistock. Farah apresenta, em seu
livro, um trecho de sua palestra durante os Seminrios sobre Assim
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falou Zarathustraque parece ser bastante ilustrativo de sua posio a
respeito da questo corporal e de sua relao com os contedos da
psique.Nossos contedos inconscientes so potencialidades que podem vir a ser,mas que no so porque no tem definio. Somente quando se tornamdefinidas elas podem aparecer. Nada definido no inconsciente; enquantoalgo estiver no inconsciente, nada pode ser dito sobre ele. Definioaparece quando a matria aparece. Enquanto o pensamento de algum noatingir um corpo, ele no definido. (...) At mesmo certas doenas docorpo podem trazer o carter da idia; talvez representem a idia de algumacoisa que simplesmente nopode ser engolida (Farah, 1995, pg.434).
3. Outro aspecto relacionado com o anterior o de que Jung parece
nunca ter estabelecido relaes causais entre os eventos psicofsicos.
Ao invs disso menciona-os como simultneos ou sincrnicos. Esse
entendimento importante porque, em Jung, no se trata de descobrir
a origem de uma doena em causas psquicas, mas de observar a
doena como uma fala do corpo. E se o corpo fala, o psicoterapeuta
deve entender sua linguagem; saber ouvi-lo em geral, por meio dos
sonhos para ento captar sua mensagem.
Para concluir este item, gostaria de ressaltar o tom transpessoal, digamos
assim, da abordagem teraputica de Jung. Ao discorrer sobre o agir teraputico,
ele mostra a relevncia do mtodo de cura da medicina antiga, onde se
transportava uma doena pessoal a um nvel mais alto e impessoal, atingindo-se
assim um efeito curativo.
O mito ou a lenda emerge do material arquetpico que est constelado peladoena, e o efeito psicolgico consiste em conectar o paciente com osentido geral de sua situao. Se a situao subjacente doena forexpressa de maneira adequada, o paciente estar curado. Caso no seencontre essa expresso ideal, ele novamente arremessado ao seuprprio mal, isolao de estar doente; ficar s sem nenhuma ligao como mundo. Mas se o doente percebe que o problema no apenas seu, massim um mal geral, at mesmo o sofrimento de um Deus, a entoreencontrar seu lugar entre os homens e a companhia dos deuses, e s desaber isso, o alvio j surge (Jung, 1985, pg.96).
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2.2.3 A orientao transpessoal de Jean Yves-Leloup
Convido-os a escutar, no minhas palavras, um discurso ou uma teoria.Convido-os a escutar nosso corpo (Leloup, 1998, pg.15).
assim que Jean Yves inicia seu seminrio realizado em Braslia em
1996, sob os auspcios da UNIPAZ7. E essa a idia central de Leloup: escutar
nosso corpo para melhor conhec-lo, para melhor respeit-lo, para melhor
penetrar no invisvel e mergulhar no desconhecido.
O interesse central de Jean Yves no repousa precisamente sobre a
imagem mental que cada um de ns tem a respeito de nossos prprios corpos,
mas se remete s estrias que esses corpos podem nos contar.
O corpo tem memrias; nossa memria mais arcaica. Se estivermos
abertos para ouvir, ele nos contar estrias de ns mesmos. Em cada uma
delas h um sentido a descobrir (Leloup, 1998, pg.15).
O sentido recolhido dessas estrias memorveis refere-se, obviamente, a
imagem mental que cada um de ns tem de seu prprio corpo ou o que Leloup
denomina de corpo de memrias. Mas o que importa aqui mais do que o
acesso aos contedos do inconsciente; isso acompanhado do refinamento de
uma escuta que busca a ressignificao e atualizao permanente de estrias
que orientam o nosso caminhar.
Em Nasio psicanalista emrito, seguidor de Freud e discpulo de Lacan
, o terapeuta prontifica-se a decifrar o corpo de seu paciente, esclarec-lo a
respeito de suas tenses e entraves, para ento aliviar o seu sofrimento. Em
7 Evento que se transformou em livro sob o ttulo: O Corpo e seus Smbolos: uma AntropologiaEssencial.
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Jung, o terapeuta trata de se aprofundar na dimenso arquetpica do ser
humano a qual ir resgat-lo de uma condio patolgica, torn-lo mais
consciente de seus processos psquicos e servir como um fio condutor de seus
pensamentos e aes. Jean- Yves Leloup, por sua vez filsofo, educador e
terapeuta, estudioso exemplar da psique humana convida-nos a escutar nosso
corpo. Ao sugerir a ampla escuta de ns mesmos, pontua a importncia da
descoberta de nossos corpos para que nos tornemos, ns mesmos, os principais
orculos de nossas vidas. Como afirma Leloup: o homem o seu prprio livro
de estudo. Basta ir virando as pginas, at encontrar o Autor (Leloup, 1998,
pg.11).
Quais so as escutas do corpo humano?
Leloup refere-se a trs escutas: fsica, psicolgica e espiritual. O processo
de escuta inicia-se, segundo o autor, pela montagem de uma anamnese que, em
seu entender, tem uma importncia crucial em sua abordagem do ser humano.
Anamnese o conjunto de informaes colhidas pelo mdico, psiclogo ou
terapeuta a respeito do desenrolar da doena. Mas tambm significa, em sua
raiz grega, recordao, lembrana. Assim, dotada desses dois sentidos (o
reconhecimento dos sintomas e o despontar da recordao), a anamnese
essencial a arte e a prtica de lembrar-se do Ser, atravs de memrias do
corpo fsico e das marcas psicolgicas deixadas neste corpo fsico (Leloup,
1998, pg.16).
por isso que a orientao de nosso trabalho, mesmo se falamos de coisas
bem concretas ou mesmo triviais, permanece dirigida para a lembrana do
Ser, que algumas vezes bloqueada pelas memrias do corpo e do
psiquismo (Leloup, 1998, pg.16).
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Trata-se aqui do Ser Transpessoal: o campo que perpassa e, ao mesmo
tempo, transcende o ente fsico e psicolgico que somos.
Na escuta fsica reaviva-se a memria do que aconteceu em nosso
corpo, dos ps cabea, buscando encontrar nosso ponto fraco, o lugar de
nosso corpo aonde vem se alojar, regularmente a doena e o sofrimento
(Leloup, 1998, pg.16).
Na escuta psicolgica observam-se o medo e/ou atrao que vivemos em
algumas partes de nosso corpo e em quais condies psicolgicas se
manifestaram certas doenas ou certos sofrimentos (Leloup, 1998, pg.16).
Na escuta espiritual, ao reconhecer que o Esprito est sempre presente
em ns, busca-se acolher determinadas doenas, crises ou manifestaes no
diagnosticveis cientificamente como manifestaes do Esprito que quer trilhar
um caminho, que quer crescer, que quer desenvolver-se em membros que lhe
resistem (Leloup, 1998, pg.16).
Assim, esta abordagem dirige-se ao homem em sua inteireza. E o terapeutaque acompanha este corpo que somos, no apenas um mdico, no somente um psiclogo, no somente um sacerdote. Mas deve manterunidas, ao mesmo tempo, a competncia e a escuta destas trspersonalidades. Da mesma maneira ocorria entre os Terapeutas deAlexandria, que cuidavam do corpo, do psiquismo e tambm do serespiritual. Trata-se, pois, de escutar cada uma das partes do nosso corpo,do ponto de vista fsico, psicolgico e espiritual (Leloup, 1998, pg. 17).
Segundo Leloup, o corpo registra, em suas diferentes partes, as diversas
etapas de desenvolvimento da conscincia, desde a vida intra-uterina pr-
pessoal at a abertura ao transpessoal 8. Passo a relacionar e comentar
sinteticamente cada uma dessas etapas, notando, antes de tudo, que a
8 De agora em diante, quando se tratar de referncias de pgina do livro de Jean-Yves Leloup, OCorpo e seus Smbolos, 1998, no sero mais inseridas notas de rodap. Cabe apenas mencionarque os trechos entre aspas encontram-se entre as pginas 18 e 26 do referido livro.
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esquematizao do autor sobre as etapas evolutivas do indivduo baseou-se na
teoria freudiana das etapas do desenvolvimento.
Leloup denomina nosso primeiro local de memria a vida intra-uterina
como conscincia matricial ou matriz.
Ao nascer, o corpo do beb entra em contato com um outro corpo,
buscando a unio e harmonia que ele acabou de perder. Surge o que
poderamos chamar de conscincia oral, o momento em que a conscincia
est concentrada em torno da boca.
Ao desvencilhar-se do corpo da me e descobrir seu prprio corpo, a
criana ingressa na fase da conscincia anal. o momento em que ela chupa
seu dedo, seu p, em que brinca com suas fezes. Na verdade, estamos aqui na
fase motora tpica desta idade a fase motora-anal.
conscincia anal segue-se a conscincia genital a descoberta da
sexualidade.
Note-se, fazendo um parntesis, que em cada fase do desenvolvimento
humano, podem ter ocorrido conflitos/tenses que, transformados em memrias,
se inscrevem em nosso corpo e impedem que a vida, neste local, se manifeste
de um modo simples e feliz.
Ao atingirmos a fase inicial da idade adulta, surge a conscincia
familiar..., fase na qual correspondemos imagem que nossos pais tm de ns
imagem que eles tm e que esperam de ns.
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A etapa seguinte a da conscincia social que, para Freud, o pice: a
capacidade de ter boa relao sexual com outrem e a capacidade de, por seu
trabalho, estar integrado sociedade.
Contudo, segundo Leloup, a escada tem mais trs degraus: o da
conscincia autnoma, o da conscincia do self e o da conscincia teoantrpica.
A conscincia autnoma a de quem alcanou a percepo de que a
adaptao social no precisamente um sinal de sade porque estar bem
adaptado a uma sociedade doente no estar em boa sade. Esta fase,
portanto, a de atingimento de um estado de liberdade com relao s regras e
condutas sociais.
Poder-se-ia dizer que a conscincia social o reino do eu, do ego bemadaptado e que, acima dela, o reino do ego autnomo. No domnio do idesto os inconscientes matricial, oral, anal, genital. O inconsciente familiar(e, freqentemente, o inconsciente social) o reino do superego. O ego
deve libertar-se do domnio do id e do superego. Esta a psicologiaclssica que conhecemos.
Mas alguns no se contentam com a afirmao do Eu autnomo pois
percebem que esse ainda no o objetivo ltimo de suas vidas. Descobrem,
ento, a conscincia do self, a conscincia da Verdade, da Vida, que anima a
sua pequena vida e a sua pequena verdade.
Leloup menciona, por ltimo, outro estado de conscincia, que ele
denomina de conscincia teoantrpica...: um estado de conscincia que est
alm do desejo e alm do medo.
...Ns somos todas estas etapas. E em alguma parte de ns existe esteestado de no-medo e de no-cobia (entendendo-se por cobia o desejocom interesse), como haver sempre a pulso sexual, o medo da doena, omedo da decomposio. Em ns, todas essas memrias esto semprepresentes.
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Seguindo adiante na argumentao de Leloup, cabe agora localizar cada
uma dessas memrias nas diferentes partes do corpo, buscando a ressonncia,
a sincronicidade entre o nosso corpo fsico e o nosso corpo de memrias. Pode-
se ento observ-lo e coloc-lo sobre os degraus da escada.
Isso posto, pode-se descobrir que partes do corpo nos so prazerosas,
estimadas e familiares; outras, nos so desconhecidas, doloridas, desprezadas.
Pode-se tambm notar que as partes familiares foram as pores estimadas; as
partes no amadas e amedrontadoras, as maltratadas e violentadas.
Colocando cada uma dessas partes em ressonncia com cada uma das
fases evolutivas da conscincia observa-se que os ps nos remetem ao perodo
da conscincia matricial; os joelhos, conscincia oral; o sacro e genitais
conscincia anal e genital; o ventre, conscincia familiar; o corao
conscincia social; os ombros conscincia autnoma; e o pescoo
passagem do pessoal ao transpessoal, do rgido ao flexvel.
Qual o papel do terapeuta, segundo Leloup? O papel do terapeuta,
atravs da anamnese fsica, psquica e espiritual, o de permitir a livre
circulao da energia e da vida neste corpo. o de olhar, tocar, ouvir,
compreender esse corpo. E quando se toca algum nunca se toca apenas umcorpo, pois nele se encontra toda a memria da existncia de algum.
Quando voc toca um corpo, lembre-se de que voc toca um Sopro, queesse Sopro o sopro de uma pessoa com seus entraves e dificuldades etambm o grande Sopro do universo. Assim , quando voc toca um corpo,lembre-se de que voc toca um Templo. 9
9 Segundo Leloup, essa uma frase que retorna sempre, tanto entre os Terapeutas de Alexandriaquanto na psicologia inicitica de Graf Durckheim (Leloup, 1998, pg. 26).
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Ao olhar, tocar e ouvir o corpo dessa forma, Leloup, em sua abordagem10,
pode nos conduzir a uma escuta mais apurada e refinada de nosso corpo. Pois
se se parte do pressuposto de que as memrias de todas as fases evolutivas da
conscincia esto sempre presentes, o reconhecimento da conscincia do self e
de conscincias superiores pode oportunizar dilogos absolutamente
reveladores com nossos prprios corpos. E, nesse sentido, o papel do terapeuta
mais do que o de interpretar o corpo de memrias a sua frente, mas o de
permitir enxergar que dentro desse corpo habita uma Inteligncia pronta a ser
mobilizada a qualquer momento. Basta apenas reconhec-la, interrog-la e
escut-la. Ela certamente ir responder; ir jorrar do interior de nosso silencio.
Procure a resposta l onde voc colocou a pergunta.
Fiquemos ento com o nosso corpo em uma boa postura, os ps bemfirmados na terra, as ndegas relaxadas, a coluna vertebral to ereta quantopossvel, o queixo um pouco para dentro para liberar a nuca, as mostocando-se sobre os joelhos. Sintamos o contato de uma mo com a outra,
os maxilares descontrados, a testa o mais relaxada possvel. Sintamos todoo nosso corpo como um templo. E neste templo, acolhamos o Sopro.Procuremos degust-lo e sabore-lo. E deixemos agir em ns a fora dainspirao e da expirao para que todo o nosso corpo seja lavado, curado.Deixemos vir a luz e que ela se inscreva nas partes mais dolorosas donosso ser. Sintamos que somos um corpo de matria, de lama e tambmum corpo de cristal, um corpo de diamante. Simplesmente respiremos napresena do Ser que ... (Leloup, 1998, pg.132).
2.2.4. Nasio, Jung, Leloup: trs autores, trs abordagens que
se tocam
Finalizando esse captulo, gostaria de fazer algumas observaes a
respeito de cada um dos autores aqui estudados Nasio, Jung e Leloup
pontuando, em cada um deles, quais os aspectos passveis de serem recrutados
como fontes de inspirao para uma abordagem transpessoal do corpo.
10 Abordagem inspirada nas pesquisas das cincias contemporneas e no aporte espiritual dasgrandes tradies ( Leloup, 1998, pg. 132).
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Percebo que a forma pela qual Nasio capta a linguagem corporal de seus
pacientes pode ser bastante profcua. Tomando como referncia, o mtodo de
Dolto11
, ele pratica, na clnica, o olhar e entendimento de quem mergulha no
inconsciente do outro, por meio: a) da observao das manifestaes e
expresses da imagem inconsciente do corpo de seu paciente (utilizando,
particularmente, os recursos de desenho do corpo, observao da fala e
gestual); b) da visualizao desse corpo inconsciente; c) da sensao, sentida
pelo analista, daquele corpo imagtico; d) do vibrar ao ritmo das tenses que
animam aquele corpo; e e) da transmisso, ao paciente, daquilo que ele
(terapeuta) sente. Esse mergulho predominantemente intuitivo no inconsciente
do outro demanda, obviamente, sensibilidade, perspiccia, disponibilidade e,
sobretudo, o desenvolvimento dessa habilidade. Mas no parece prematuro
reconhecer que esse mtodo pode servir como um parmetro para a atuao
teraputica (Nasio, 2009, pg.43-45).
Em Jung, interessa, sobretudo, seu olhar arquetpico sobre as situaes e
processos psicossomticos. Nesse sentido, os eventos nunca so nicos, mas
vm sempre carregados de uma significao mtica, a qual pode ser
invariavelmente acionada em prol da ao teraputica.
Leloup, por fim, defende a capacidade que todos ns temos de nos
auscultarmos, alm de introduzir, com seu brilhantismo de sempre, a abordagem
transpessoal de nosso corpo de memrias.
Posto isso, passo a desenvolver, no prximo captulo, algumas reflexes
e consideraes sobre a orientao transpessoal.
11 Franoise Dolto (1908-1988), mdica e psicanalista, pertenceu ao crculo de Jacques Lacan e criouo conceito de imagem inconsciente do corpo com o qual Nasio trabalha (juntamente com o de Lacan)em seu livro j citado.
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3. A Psicologia Transpessoal
Sem o transcendente e o transpessoal, ficamos doentes, violentos,
niilistas, ou ento vazios de esperana e apticos.
(Abraham Maslow, apud Fadiman; Frager, 1986, pg.272)
A Psicologia Transpessoal um estudo emprico e cientfico dos diferentesnveis de conscincia e suas relaes com a nossa percepo da realidade,crenas, valores e aes... o estudo e prtica psicolgica dasexperincias transpessoais na sade, educao, organizaes,instituies...(ALUBRAT, 2009, pg.2). 12
12 Cf. tambm, SALDANHA, Vera. Psicologia Transpessoal. Abordagem Integrativa UmConhecimento Emergente em Psicologia da Conscincia. Iju: Ed. Uniju, 2008. Este captulo baseou-
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A Psicologia Transpessoal tem suas razes mais recentes na corrente
humanista e despontou nos anos 60 como uma nova vertente da Psicologia.
Oficializada por Abraham Maslow em 1968 juntamente com Victor Frankl,
Stanislav Grof, Antony Sutich e James Fadiman , passou a ser chamada de a
4 grande fora, emancipando-se, por assim dizer, da psicologia humanista ou 3
grande fora.
A primeira grande fora foi o behaviorismo; a segunda foi o movimento
psicanaltico; e a terceira foi a corrente humanista.
A vertente humanista surgiu nos Estados Unidos e na Europa na dcada
de 50 com a inteno de se opor corrente behaviorista e s analogias feitas na
poca, em vrias reas cientficas, entre o ser humano e a mquina. Inspirou-se,
sobretudo, no pensamento fenomenolgico e existencial.
Entre os anos 50 e 70, a cincia cognitiva evoluiu, colocando margem deseu objeto de estudo os fatores afetivos e emocionais. Os humanistas
reagiram a essa opo metodolgica pela excluso da emoo, pois aconsideravam como algo inerente e fundamental ao ser humano. Naverdade, a viso do homem no humanismo a de um ser criativo, comcapacidade de auto-reflexo, de tomar decises, de fazer escolhas e deseguir valores em um nvel fenomenolgico e existencial (ALUBRAT, 2009,pg.5).
O diferencial da Transpessoal com relao s outras linhas da corrente
humanista o de que a primeira amplia sua concepo de ser humano,
percebendo-o tambm como um ser csmico e espiritual. Essa orientao
apresenta carter transdisciplinar e considerada a Psicologia da Conscincia,
pois se dedica ao estudo da conscincia, propondo trabalhos em diferentes
estados de conscincia.
se no livro de Saldanha e nas apostilas de 2007-2009 do Curso de Ps Graduao em PsicologiaTranspessoal da ALUBRAT.
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Com efeito, a Psicologia Transpessoal engloba os aspectos do
desenvolvimento psquico, j abordados nos primrdios da psicologia, com
Freud, e amplia-os inaugurando uma nova corrente: a da psicologia evolutiva.A psicologia evolutiva aponta a experincia transpessoal como uma fasemais adiantada da evoluo humana, posterior s fases instintiva,emocional e mental. O homem intelectual no seria a ltima etapa evolutivada humanidade. Alm do intelecto existe um ou vrios outros nveisevolutivos (ALUBRAT, 2009, pg. 2).
Restabelece-se assim a possibilidade, to cara tradio filosfica
oriental, de se viver a unidade fundamental Homem-Cosmo.
Desde sua origem at sua viso mais recente, as definies da PsicologiaTranspessoal observam os postulados de Maslow e sua posio de que aCincia deve agregar valores. Estes mantm estreitas correlaes com aeducao, princpios ticos e necessidade de se favorecer uma Psicologiaque contemple no s as deficincias, mas tambm aspectos saudveisque podem ser estimulados e desenvolvidos na natureza humana, e queso fundamentais para a continuidade de nossa espcie e do prprioplaneta (Saldanha, 2008, pg.46).
A orientao transpessoal, contudo, no se encontra apenas no campo
disciplinar da psicologia. Pode desenvolver-se tambm em vrias outras reas
do conhecimento, quando essas incluem o estudo e/ou a prtica das
experincias transpessoais. A ttulo de exemplo, pode-se citar as seguintes
reas, mencionadas por Saldanha: psiquiatria, antropologia, sociologia, ecologia,
psicologia (Saldanha, 2008, pg. 42-43).
A experincia transpessoal, por sua vez,
pode definir-se como aquela em que o senso de identidade ou do euultrapassa (trans+passar=ir alm) o individual e o pessoal a fim de abarcaraspectos da humanidade, da vida, da psique e do cosmo (Walsh; Vaughan,apud Saldanha, pg.42).
Neste ponto, importante salientar que a transpessoalidade no dizrespeito apenas s experincias msticas, estados de xtase e de conscincia
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unitiva. Diz respeito tambm aos contedos que atravessam, perpassam a
dimenso pessoal. No se trata, portanto de excluir ou invalidar o pessoal mas
enquadr-lo dentro de um contexto mais amplo, o qual reconhece a importncia
de ambas as experincias: pessoais e transpessoais (Walsh; Vaughan, apud
Saldanha, pg.42).
No tocante prtica e reas de aplicao de orientao transpessoal,
Pierre Weil nos fornece uma definio sucinta e didtica.
Por educao transpessoal compreendemos o conjunto dos mtodos quepermitem descobrir ou revelar o transpessoal dentro do ser humano. Porpsicoterapia transpessoal, entendemos o conjunto de mtodos detratamento das neuroses pelo despertar do transpessoal, e de tratamentodas psicoses pela exteriorizao do transpessoal semipotencializado. Porterapia transpessoal designamos o conjunto de mtodos derestabelecimento da sade pela progressiva reduo da iluso da existnciade um eu separado do mundo (Weil, apud Saldanha, pg.42-43).
No meu entender, a Psicologia Transpessoal trata do estudo da
conscincia em suas mltiplas dimenses: resgata a dimenso energtica e
considera os vrios nveis da realidade na experincia humana. A abordagem
educacional, teraputica e organizacional de orientao transpessoal recolhe o
conflito do mundo cotidiano e eleva-o a outros nveis da realidade. Uma vez
recolhido e trabalhado, esse conflito devolvido, transmutado, para a nossa
atualidade terrena e espao-temporal.
A propsito, vale notar aqui, que o corpo um dos pontos de interesse na
Psicologia Transpessoal na medida em que esta preconiza o existir e se
expressar no aqui e agora. O autor que teve o mrito de introduzir a ao
corporal no espao teraputico foi Jacob Levy Moreno. Moreno (1892-1974) foi
o criador da psicoterapia de grupo, do psicodrama e do sociodrama e um dos
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precursores da Psicologia Transpessoal especialmente com relao prxis
(Saldanha, 2008, pg. 58-60).
Para ele, a essncia do psiquismo transmite-se pelo corpo: um gesto, umtoque, um encontro e no s a linguagem verbal. Introduziu tambm opresentificar, a dimenso do aqui e agora no espao teraputico. Arealidade experienciada no como se, denominada de realidadecomplementar, era to importante e verdadeira como a realidade vivenciadano fato original (Saldanha, 2008, pg.60).
O tema da aplicao dos mtodos pedaggicos e teraputicos de
orientao transpessoal, remete novamente a questo que aqui interessa: a
abordagem corporal em sua dimenso psicocomportamental tema do prximocaptulo e em sua dimenso transpessoal tema a ser tratado no captulo 6.
4. O Mtodo GDS das Cadeias
Musculares e Articulares Aspectos Psicocomportamentais13
O corpo um meio de comunicao extraordinrio, que devemos conhecer e estruturar.
Para tanto, importante olhar as mensagens gestuais e posturais do corpo,
de modo a decifr-las e comunicar-se com ele de forma verbal ou no-verbal.
(Godelieve Denys-Struyf, 1995)
4.1. Sobre a autora e sobre os principais conceitos do Mtodo GDS
13 Este captulo baseia-se, principalmente nos seguintes textos: 1) DENYS-STRUYF, Godelieve.Cadeias Musculares e Articulares. O Mtodo GDS. Summus Editorial, SP, 1995; 2) CAMPIGNION,
Philippe. Aspectos Biomecnicos Cadeias Musculares e Articulares Mtodo GDS. SummusEditorial, SP, 2003; 3) Fascculos montados, entre 1995 e 2000, pelo Centro Brasileiro de CadeiasMusculares e Tcnicas GDS, So Paulo, sob a direo de Ivaldo Bertazzo e Lcia Campello Hahn,com base no ICT-GDS de Bruxelas, Blgica; e Anotaes de Aulas.
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O Mtodo GDS das Cadeias Musculares e Articulares foi concebido e
formulado nos anos 1960-1970 pela fisioterapeuta e osteopata, Godelieve
Denys-Struyf.
Filha de pais belgas nasceu, em 1931, no antigo Congo Belga (atual
Brazzaville) e l viveu at os 16 anos em uma fazenda de cacau. Vale notar que
esse perodo, decisivo na organizao da maneira de pensar o ser humano, foi
vivido no seio de uma etnia e de uma cultura completamente diversas daquelas
de sua origem familiar (Bertazzo; Hahn in Struyf, 1995, pg.9).
Chegando Blgica, seguiu inicialmente uma formao artstica, na
Escola de Belas Artes de Bruxelas, especializando-se na forma humana.
O talento natural de retratista, somado aos anos em que refinou sua tcnicade observao do modelo, imprimiria uma caracterstica fundamental emsua futura abordagem teraputica e docente: aprender a ver. Em todos osestgios de seus cursos, Godelieve ensinar a seus alunos como
diferenciar na figura humana os inmeros aspectos que a personalizamcomo indivduo de uma espcie. Alm das caractersticas raciais e culturais,a autora ir considerar os modos de funcionamento e gesto de cadaestrutura humana que a tornam um exemplar nico (Bertazzo; Hahn inStruyf, 1995, pg.9).
A busca e reconhecimento da singularidade de cada indivduo daquilo
que o diferencia e o torna nico, apesar dos elementos estruturais e funcionais
comuns a todo ser humano : foi esse o interesse que a acompanhou durante
toda a sua formao acadmica, em fisioterapia e osteopatia, e aps.
Como terapeuta e buscadora incansvel, Mme. Godelieve tem perseguido
uma trajetria de intensa experimentao, questionamento e reflexo a respeito
do corpo humano em seu aspecto postural, gestual e psicomotor. Seu trabalho
sempre foi enriquecido por um sentido de observao apurada como retratista;
por um interesse em se alicerar nos conhecimentos milenares do oriente
(particularmente a vertente chinesa); e pela afirmao de laos com aqueles
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profissionais (de filsofos e socilogos a terapeutas) com os quais sentia ter um
ponto em comum: o da abordagem global do ser humano.
O mtodo das cadeias GDS nos ensina a ler o que o corpo diz e a
identificar o terreno de predisposies. (Struyf, apud Campignion, 2003, pg.16).
um mtodo de leitura psicocomportamental a partir das formas do
corpo. No se trata, contudo de apenas produzir retratos. Trata-se, sobretudo,
de oferecer ferramentas para se escapar de um determinismo (gentico e/ou
resultante de fatores educacionais) que possa conduzir a um encadeamento ou
aprisionamento do indivduo em uma tipologia motora e morfocomportamental.
A tipologia proposta por Struyf baseia-se nas pulses
psicocomportamentais expressas no corpo pela ativao de certos msculos e
pelas tenses de determinadas cadeias musculares e articulares.
Os tipos propostos so absolutamente neutros, no existindo melhoresou menos bons. Tambm no pretendem ser definitivos. Ao contrrio,revelam instantneos na vida de uma pessoa. Servem para que oindivduo entre em contato com suas predisposies, seus pontos fortes efracos tanto no terreno mecnico quanto orgnico e comportamental. Aoanalisar um paciente, o terapeuta trabalha por comparao e aproximaoaos modelos propostos por Struyf em seu mtodo. Nenhum ser humanoidentifica-se inteiramente com qualquer desses tipos. Na verdade, cada umde ns um composto dos cinco tipos propostos pelo Mtodo GDS ascinco estruturas morfocomportamentais , porm em quantidade equalidade variveis para cada um (Bertazzo; Hahn in Struyf, 1995, pg.11).
Para alm da leitura morfocomportamental, a abordagem GDS traz a
noo de Terreno; conceito essencial neste mtodo.
Com efeito, o procedimento GDS busca apreender um conjunto de
informaes referentes constituio inata ou basal e aquilo que resultou dos
contedos adquiridos no decorrer da existncia do indivduo, quer tenha sido
esse percurso bem ou mal vivido. A combinao da tipologia de base com a
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tipologia adquirida ir circunscrever um terreno de potencialidades, tendncias
e predisposies.
Atravs de uma anamnese psico-morfolgica e mecnica da situao
adquirida manifesta no corpo no momento da anlise , GDS procura chegar o
mais perto possvel do terreno original a captura da constituio basal do
indivduo e dos contedos adquiridos , para ento considerar as estratgias de
tratamento possveis. O que se busca o resgate e respeito sua tipologia
original; o equilbrio de seus vrios segmentos; a unidade e organizao deles
ao redor de um centro; o desbloqueio das tenses que obstruem a livre
passagem dos circuitos mecnicos e fisiolgicos; a harmonizao do sistema
locomotor e da estrutura corporal.
Mas a harmonizao pretendida associa-se, alm de tudo, ao
conhecimento de um em si; de um terreno a ser progressivamente decifrado.
Na verdade, Struyf prope um mtodo que conduz o indivduo a assumir um
compromisso consigo prprio: a responsabilidade sobre seu prprio corpo; a
responsabilidade sobre a recordao de si a partir de uma conscincia corporal;
a responsabilidade sobre o reconhecimento de um terreno de tendncias e
predisposies.
Descoberta a constituio de base e o terreno original, bem como seus
pontos fortes e fracos, cabe-nos reconhecer que no estamos reduzidos a nos
submeter a tudo aquilo que a natureza depositou em ns. Existe um trabalho a
ser feito conosco.
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Aqui, a noo de terreno emerge sob a forma de um Projeto;um vir-a-
ser do qual somos os agentes; de um projeto a ser elaborado e realizado para
que no nos aprisionemos nas cadeias e tramas de nossos corpos.
As cadeias ou conjuntos musculares e articulares so:
...tanto estruturantes, dando forma ao nosso corpo, quanto instrumentos denossa mobilidade e de nossas metamorfoses. Garantem, ao mesmo tempo,a unidade e a coeso do indivduo e a adaptabilidade de nossas estruturass necessidades da vida, s possveis reviravoltas do destino, s mudanase aos perodos de passagem no trajeto de nossa existncia. Quando sedegradam, se desequilibram ou se tornam excessivas, elas ficamenrijecidas e criam tipologias muito marcadas, que impem restries elimitaes ao corpo. Tornam-se, ento, nossas prises, cadeias de
forados, que diminuem nossa qualidade de vida. Prejudicam as funesfsicas e psquicas e desencadeiam alarmes, sob a forma de sintomasdiversos e dores (Struyf, apud Campignion, 2003, pg.14).
Cada uma das estruturas psicocorporais apresentadas por Struyf um
resultado da ao predominante de uma cadeia e tambm um componente
daquele terreno de tendncias e predisposies. Todas esto presentes em
cada um de ns. s vezes, uma ou outra passa a predominar. Contudo, cada um
de ns manifesta essas estruturas em um arranjo singular. Est ao nosso
alcance reconhec-las e integr-las conscientemente a nossa vida. Igualmente,
cabe a cada um de ns nos responsabilizarmos ou no por nossa realizao
como individualidade, diferenciando-nos do outro a partir da tomada de
conscincia daquilo que nos assemelha e de tudo o que nos singulariza.
O Projeto o potencial que importa desabrochar. E o que importa
restaurar uma expresso corporal que seja uma livre expresso de si prprio.
Aquela que, a partir do interior, utiliza os conjuntos musculares (as cadeias
musculares e articulares) sem aprisionar o ser.
O papel do terapeuta o de entender a linguagem corporal daquele
indivduo a sua frente (fazendo a leitura da postura, gestos e formas do corpo);
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delimitar um tipo de terreno psicomotor com seus pontos fortes e fracos; sugerir
uma abordagem teraputica apropriada ao terreno; e desenvolver uma
estratgia de preveno. A posio do terapeuta a de observador, curador e,
antes de tudo, educador.
Quanto s tcnicas a serem mobilizadas, Struyf afirma que devem ser
quantas forem necessrias e adequadas s singularidades psicocorporais e
locomotoras do indivduo que est sendo tratado: ajustamentos steo-articulares
e modelagens; harmonizao das tenses musculares; manobras que associem
contraes isomtricas e alongamentos; posturas 14, gestos e movimentos;
dilogos verbais e no verbais.
Outro ponto dos mais importantes do Mtodo GDS o desenvolvimento e
ampliao da conscincia psicocorporal do indivduo que est sendo tratado.
Pois um de seus objetivos o de oferecer a cada um a possibilidade de assumir
o trabalho teraputico e preventivo sobre si prprio. O que se busca, em ltima
instncia, o despertar da memria de si e o tomar para si a responsabilidade e
direo de sua prpria vida e destino.
4.2. Sobre a Tipologia GDS e suas Estruturas Psicocorporais
A partir da observao de milhares de casos, Godelieve Denys-Struyf
comps as diferentes atitudes e encadeamentos musculares que as sustentam.
Ela apresenta e descreve seis tipos ou estruturas que possibilitam ao corpo
exprimir-se por meio de arranjos e tenses biomecnicas governados por cada
uma das cadeias musculares e articulares.
14 Centro Brasileiro de Cadeias Musculares e Tcnicas GDS; Fascculo organizado por IvaldoBertazzo e Lcia C. Hahn com base no ICT- GDS de Bruxelas, Blgica.
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A denominao de cada cadeia est associada a sua localizao no
tronco. Nomeia, tambm, cada uma das estruturas psicocorporais, as quais so
entendidas como atitudes posturais que refletem diferentes pulses
comportamentais.
Essa tipologia ser brevemente descrita, em consonncia com as duas
figuras apresentadas logo adiante.
i. Na atitude em propulso para frente a atividade muscular posterior que
mantm o corpo em equilbrio. So os grupos musculares principalmente
posteriores e medianos que conduzem a uma atitude governada pela cadeia
PM (posterior mediana) e que impulsionam (ou desequilibram) o corpo
frente. Ao faz-lo est respondendo a certas pulses comportamentais e
certas escolhas.
As escolhas da estrutura PM dirigem-se mais facilmente para o agir ou, nolimite, para a simples agitao mental e fsica. Comportar-se em PM , porexemplo, preferir projetar-se no futuro, prever, antecipar. Para tanto, oindivduo necessita saber e dominar certos conhecimentos referentes aomundo exterior. Trata-se de uma estrutura de ideao e de ao 15.
ii. Na atitude inclinada para trs a atividade de grupos musculares anteriores
que garante o equilbrio. A cadeia que governa esse padro gestual a
cadeia AM (anterior mediana), composta pelos msculos anteriores e
medianos do tronco. Quando se acomoda nessa postura, o corpo parece
querer recuar, apoiar-se contra uma parede, ou se sentar.
Comportar-se em AM escolher preferencialmente uma pulso que busca oapoio atrs. Apoiar-se em baixo e atrs pode significar, por exemplo, que,para avanar, essa tipologia parte das coisas adquiridas do passado, da suaherana cultural e familiar. uma construo feita em cima da solidezdaquilo que j se possui. Trata-se tambm de uma estrutura inclinada paraas esferas afetivas e sensoriais.
15 Centro Brasileiro de Cadeias Musculares e Tcnicas GDS; Fascculo organizado por IvaldoBertazzo e Lcia C. Hahn com base no ICT- GDS de Bruxelas, Blgica. A partir de agora, at o finaldeste captulo, quando a frase em forma de citao vier sem referncia bibliogrfica porque foiretirada desse fascculo que, a propsito, foi a base para a construo deste item.
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iii. As trs atitudes do centro da figura so tensionadas muscularmente pela
impulsividade e sensibilidade, bem como pelo estado de receptividade.Nessas formas de se equilibrar em p, no h desequilbrio nem para frente
nem para trs. PA-AP est no centro e se organiza sagitalmente: ou em um
formato simtrico ondulado e ondulante ou verticalmente retilneo.
Neste caso, as cadeias anterior (AM) e posterior (PM) ficam praticamente
em repouso e o tronco fica assim liberado. Aqui, os grupos que seguem um
trajeto postero-anterior (PA) e antero-posterior (AP) ficam mais ativos. Esses
grupos localizam-se mais internamente, tm uma ao mais sutil do que os
das cadeias PM e AM e intervm na postura ereta do corpo e na respirao.
As duas cadeias, quando isoladas tm dinamismos opostos: impulso para
cima em PA; impulso para baixo em AP. Todavia, quando AP est
associada a PA, conserva uma potencialidade enorme de impulso para
cima.
Fsica e psiquicamente as duas estruturas reunidas so feitas para o salto,para a impulso. AP a mola; reagrupa o corpo, que relaxa e desce paramelhor saltar. As duas estruturas PA e AP so orientadas por motivaes eescolhas que buscam ultrapassar-se, ir procura do ideal, do absoluto, daespiritualidade.
Acima foram descritos os trs dinamismos fundamentais as trs formas
de equilbrio do corpo em p, examinado no plano sagital. Essas resultam em
quatro padres posturais, presentes invariavelmente em todos ns, porm em
graus diferentes. Mme. Godelieve afirma que a sade do sistema psicomotor
est associada, independente do padro constitucional de cada um,
capacidade de transitar, com fluidez, de uma atitude a outra.
A seguir, sero apresentadas mais duas formas de expresso, as quais
so mais visivelmente perceptveis se examinadas no plano frontal. Essas duas
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formas de equilbrio vm sempre associadas s estruturas fundamentais acima
descritas e refletem o modo relacional ou de comunicao com o meio ambiente.
Na primeira figura aqui apresentada, esses dois padres comportamentais esto
expostos na poro inferior da pgina.
iv. A atitude arqueada e literalmente desdobrada est associada a um padro
comportamental particularmente extrovertido. Aqui, o corpo apresenta uma
larga base de sustentao. Os grupos musculares recrutados por essa forma
postural agem principalmente na altura dos quadris e dos ombros. So
msculos abdutores e rotadores externos, cuja localizao posterior e
lateral nos quadris e nos ombros. da que vem a denominao PL
(posterior-lateral).
v. A atitude de recolhimento est associada a um padro comportamental
particularmente introvertido. Aqui, a base de sustentao estreita e o corpoparece enrolado em torno de si prprio. Nesta expresso corporal, os
msculos tambm esto ativos nos quadris e nos ombros. Todavia, so ao
contrrio, msculos adutores e rotadores internos localizados anterior e
lateralmente na altura dos quadris e ombros. Essa cadeia denomina-se, em
sua abreviao, AL (anterior-lateral).
Se o nosso PL extrovertido corre o risco de disperso, as opes do AL vo
no sentido da reduo dos centros de interesse, do aprofundamento e da
especializao.
Um ponto de suma importncia neste mtodo o de que de todas as
cadeias, quem garante o movimento as transies de uma condio
comportamental a outra, as passagens de um dinamismo psicocorporal a outro
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Fonte: CAMPIGNION, Phillippe. Aspectos Biomecnicos: Cadeias Musculares e Articulares Mtodo GDS. So Paulo:Summus Editora, 2003, pg.32. Ilustraes de Godelieve Denys-Struyf.
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Fonte: DENYS-STRUYF, Godelieve. Cadeias Musculares e Articulares: o Mtodo GDS. SoPaulo, Summus Editora, 1995, pg.22. Ilustraes de Godelieve Denys-Struyf.
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4.3. Sobre as fontes de inspirao da autora algumas breves
consideraes
Espero que essa apresentao, bastante sumria, do mtodo GDS e dostipos descritos por Struyf, tenha sido suficiente para expor o quo rica e
envolvente sua formulao. Mas cabe perguntar, no final deste captulo, onde
a autora foi buscar a inspirao para a organizao de sua tipologia?
As atitudes posturais, que servem de base a nossa compreenso do
terreno das tendncias e predisposies, foram definidas quando, nos anos 60,
Mme. Godelieve trabalhava em um servio de reumatologia, especializado em
patologias vertebrais. A, passou a desenhar o retrato detalhado (frente, costas
e perfis) dos pacientes. Tendo observado e retratado milhares de indivduos,
iniciou um trabalho estatstico que buscava agrupar os pacientes que
apresentassem a mesma postura com o fim de estabelecer ligaes entre tal tipo
de postura e as algias. A seguir, passou a definir os principais conjuntos
musculares organizadores de cada uma dessas atitudes, terminando por
encontrar seis cadeias de tenses musculares. Vale notar, que essa iniciativa
deu seqncia a uma experincia anterior de quinze anos no campo da
antropometria, e como retratista de anlise morfolgica e psicolgica das formas
(Campignion, 2003, pg.18).
Paralelamente a isso, seus interesses em estabelecer elos mais precisos
entre as pulses psicocomportamentais e a postura, conduziram-na a estudar a
obra de filsofos e cientistas sociais, dentre os quais dois se destacaram em sua
trajetria de pesquisa: Claude Lvi-Strauss e Georges Dmezil. O antroplogo
Lvi-Strauss e o fillogo Georges Dmezil ambos grandes estudiosos da
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mitologia foram suas principais referncias ao longo dos processos de
verificao e de refinamento de sua tipologia.
Na verdade, o desenvolvimento e aprofundamento dos seis tipos de
pulso psicocomportamental provm da teoria de Dmezil sobre a estrutura
trifuncional das sociedades indo-europias. Segundo essa teoria, a
humanidade organiza-se em torno de trs funes bsicas: nutriz, guerreira e
sagrada.
A funo nutriz (ou de fecundidade) privilegia a estabilidade e o
enraizamento; confere importncia segurana e construo de uma famlia; e
persegue o bem estar, as tradies e as aquisies. A funo guerreira projeta
o homem ao, ao trabalho; privilegia a conquista de espaos nas diversas
reas da vida; e busca o saber e saber fazer. A funo sagrada (ou mgica)
est associada a toda a simbologia que engloba, unifica e reconstri o mundo,
dando-lhe uma noo de ideal. Sua motivao subjacente a busca da
essncia do ser, a espiritualidade (Dmezil, apud Valentin, 2009, pg.98-102).
Segundo Struyf, cada um dos dinamismos psicocomportamentais por ela
formulados representa uma dessas funes ou mitos fundadores. Assim,
partindo da noo, de que o mito fundador aquele que se encontrainvariavelmente em toda a histria humana, Mme. Godelieve baseou-se nele
para colher da trs arqutipos; trs expresses, trs ideogramas e trs palavras;
trs estruturas, trs linguagens e trs denominaes: AM, PM e PA-AP.
Posto isso, passo a tecer algumas consideraes sobre os aspectos
chave da Abordagem Integrativa Transpessoal para, a seguir, colocar as duasorientaes face a face.
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5. A Abordagem IntegrativaTranspessoal
5.1. Sobre a Autora
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A Abordagem Integrativa Transpessoal foi criada e sistematizada por
Vera Saldanha, psicloga brasileira e uma das mais importantes referncias
atuais no campo da Psicologia Transpessoal. A sistematizao de seus
principais conceitos foi feita em sua tese de doutorado (Saldanha, 2006), aps
ter trilhado um caminho de extensa e profunda aplicao dos postulados da
Psicologia Transpessoal nas reas da sade, educao e pesquisa.
A autora vem percorrendo o caminho da orientao transpessoal desde
1978, quando participou do IV Congresso de Psicologia Transpessoal. A, teve a
oportunidade de conhecer Pierre Weil e Stanislav Grof (influentes pensadores,
pesquisadores, educadores e terapeutas no campo da psicologia humanista e
transpessoal), tendo estabelecido, a partir de ento, uma profunda amizade e
uma parceria intelectual bastante profcua com Pierre Weil. Hoje, a frente da
Associao Luso-Brasileira de Transpessoal, ela coordena o Curso de Ps-
Graduao Lato Sensu em Psicologia Transpessoal, pesquisando e ensinando a
Abordagem Integrativa, com base na Didtica Transpessoal por ela
sistematizada.
5.2. O Corpo Terico
Ao sistematizar os conceitos essenciais, a autora organizou-os em dois
aspectos bsicos: o estrutural e o dinmico. O aspecto dinmico integra-se em
dois eixos: o eixo experiencial e o eixo evolutivo. A seguir, sero abordados
sumariamente cada um desses dois aspectos.
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O aspecto estrutural uma sistematizao do Corpo Terico da
Psicologia Transpessoal. Organiza-se em torno de cinco conceitos: conceito de
unidade, conceito de vida, conceito de ego, estados de conscincia e cartografia
da conscincia.
(1) Conceito de Unidade.
O pressuposto bsico da Transpessoal o conceito de unidade: a unidade
fundamental do Ser ou a no fragmentao.
(2) Conceito de Vida.
O entendimento de seu significado relaciona-se a uma dimenso atemporal.
Tudo vida, energia, formas diversas de existncia, algo que no definimos
exatamente quando comeou ou quando terminar. Vida um pulsar
contnuo no qual nascer, morrer e renascer faz parte de um processo
(ALUBRAT, Mdulo 1, 2009, pg.12).
(3) Conceito de Ego.
Tal como na psicanlise, o ego necessrio para operacionalizar a vida
cotidiana, sendo responsvel pelo princpio secundrio, ou princpio da
realidade. No entanto, tambm um construto mental, ilusrio, que separa o
espao em duas partes: o eu e o outro. Para a Transpessoal, a percepo do
ego no representa a totalidade das experincias humanas; em algumas
delas, essa instncia psquica precisa se dissolver circunstancialmente, a fim
de que o indivduo se torne um com o tudo o que existe, sentindo seu ser
essencial, sua natureza de sabedoria e luz (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,
pg.13).
(4) Estados de Conscincia.
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Os estados de conscincia so o caminhar atravs das vrias dimenses da
conscincia. Na prtica clnica e educacional a forma pela qual se processa
o trabalho de orientao transpessoal e, em geral, o que diferencia esta das
outras abordagens.
(5) Cartografia da Conscincia.
A cartografia da conscincia indica e nomeia os diversos estados j
vivenciados. Em geral,
os autores [de orientao transpessoal] apontam trs nveis ou dimenses
da conscincia: um primeiro nvel refere-se a contedos autobiogrficos desde o nascimento at o momento atual da existncia do indivduo ; umsegundo diz respeito a contedos que abrangem as experincias intra-uterinas, inclusive o nascimento; e um terceiro, que antecede o nvel intra-uterino e vai alm da existncia biolgica (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,pg.19).
Os elementos do Corpo Terico em uma compreenso dinmica so os
eixos experiencial e evolutivo.
De acordo com o modelo de Saldanha, o eixo experiencial simboliza aintegrao da Razo, Emoo, Intuio e Sensao (REIS). representado por
uma linha horizontal sobre outra linha vertical, as quais se cruzam ao meio.
Para que possamos compreend-lo preciso que nos remetamos ao
modelo junguiano de tipologia.
Segundo Jung, o tipo psicolgico do individuo determina sua maneira de serelacionar com o mundo interior e exterior, as pessoas e as coisas; o queocorre por meio de uma atitude de extroverso ou introverso, relacionadas funes do pensamento, sentimento, sensao e intuio. A atituderefere-se ao movimento predominante da libido, ou seja, da energiapsquica, na qual a extroverso indica a conscincia do individuo voltadapara os objetos ou mundo externo, e a introverso, uma orientao para omundo interior da psique. As funes psquicas so os recursos atravs dosquais a conscincia obtm orientao para a experincia e compem, nototal, oito tipos de carter, com distintos graus entre essas combinaes deatitudes e funes psquicas, segundo Jung (ALUBRAT, Mdulo 1, 2009,pg.19).
Jung preconiza a existncia de quatro funes psicolgicas basais:
pensamento, sentimento, sensao e intuio. Saldanha revisita essa
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proposio, formula um arranjo que melhor se adqua a construo de seu
referencial terico e cria o termo R.E.I.S.; ou seja, as iniciais das palavras razo,
emoo, intuio e sensao, que neste contexto, parecem ser mais estados ou
nimos psicolgicos do que as funes psquicas de Jung.
A razo engloba as duas funes psquicas de Jung: pensamento e
sentimento. Ambos indicam a inclinao ao julgamento: ou de idias e de
conceitos (componentes da funo pensamento), ou de atribuio de valor (o
gostar ou no gostar tpico da funo pensamento). A razo busca compreender
e organizar o mundo atravs da reflexo.
A emoo, segundo Jung, o afeto: representa um ou mais complexos
ativados e percebida como um acontecimento, pelo qual somos
simplesmente possudos. Jung considerava a emoo no necessariamente
patolgica, mas indesejvel. No entanto, observa que no h nenhuma
mudana, das trevas para a luz, ou da inrcia para o movimento, sem a emoo
(ALUBRAT, Mdulo 1, 2009, pg.24). Na abordagem integrativa transpessoal, a
emoo considerada uma componente chave do eixo experiencial por ser o
elemento desencadeador da ao e por trazer a energia necessria ao processo
de desenvolvimento psquico.
A intuio uma percepo clara, direta, autntica e espontnea sem a
intercesso do raciocnio. Na orientao transpessoal, a intuio concebida
como tendo sua origem no supraconsciente.
A sensao a funo dos sentidos (dos cinco rgos dos sentidos).
Para Jung, a sensao tal como a intuio uma funo irracional e de
percepo, no apresentando em si, nenhuma reflexo ou julgamento. A
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orientao transpessoal resgata essa funo, trazendo tona o interesse pelo
corpo em ao e pela conscincia do corpo em sua globalidade.
Na Abordagem Integrativa, as funes psquicas, percebidas e definidas por
Jung, expressam-se, sobretudo como experincias ou processos psicolgicos,
ou at estados de nimo. Deixam de ser componentes de uma tipologia
psicolgica e comportamental16, para se tornarem ingredientes da experincia e
desenvolvimento humanos.
Enfim, sobre a relao do eixo experiencial com o REIS, a autora afirma o
seguinte:
... a experienciao ou eixo experiencial promove a congruncia entre arazo, emoo, intuio e sensao, a qual leva a uma ampliao dapercepo da realidade e manifestao natural do eixo evolutivo ou nvelsuperior da conscincia, do qual emergem os valores positivos,construtivos, inerentes ao ser humano. a dimenso saudvel,transpessoal, aquela que vai atravs do pessoal, no relacional e mais alm(Saldanha, 2006, pg.135).
O favorecimento ao eixo experiencial o primeiro passo para emergiremaspectos mais profundos e integr-los conscincia de viglia, o qualpermite uma expresso mais saudvel da psique em uma preparao paraas fases seguintes (Saldanha, 2006, pg.138).
Tendo feito uma breve descrio do corpo terico da Abordagem
Integrativa Transpessoal, interessa salientar que os parmetros aqui focalizados
tm uma estreita relao com sua aplicao prtica. Na verdade, o que se
16 Noto e relembro, contudo, que a formulao tipolgica de Jung considera como absolutamenterelevante para o processo de individuao, a integrao das quatro funes psquicas (sensao,pensamento, sentimento e intuio) associadas extroverso ou introverso.
Eixo experiencialREIS
Eixo Evolutivo
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pretende que o mtodo teraputico e educacional privilegie o aspecto vivencial
(tanto na clnica quanto na educao e organizaes), por meio da ativao do
REIS e da atualizao constante de um referencial terico embasado nas
noes de unidade, vida, ego, estados de conscincia e cartografia da
conscincia.
5.3. Recursos
A partir da formulao do corpo terico, Saldanha elaborou uma
classificao dos recursos transpessoais a serem aplicados no mbito da sade,
educao e organizaes. Esses recursos ou forma de interveno da
Abordagem Integrativa foram classificados em cinco grandes nveis:
Interveno verbal
Imaginao ativa
Reorganizao simblica
Dinmica interativa
Recursos auxiliares ou adjuntos
o Interveno verbal - todo tipo de verbalizao que facilite o estabelecimento da
relao entre educador-educando/terapeuta-paciente.
Busca-se aqui, o encontro tlico; a comunicao de co-inconsciente a co-
inconsciente, ampliando a percepo para alm dos cinco sentidos, favorecendo a
tele (Moreno, apud Saldanha, 2008, pg. 212, 213). Busca-se o deixar fluir a
espontaneidade e propicia-se a presena do eixo experiencial, por meio da
mobilizao das quatro funes psicolgicas. A ativao do eixo experiencial ir
facilitar, por sua vez, a manifestao do eixo evolutivo.
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o Imaginao ativa (ou ativada) - so exerccios que vm da Psicologia Junguiana.
Trata-se do desenvolvimento de imagens e cenrios mentais, aparentemente
aleatrios, que possibilitam vivenciar experincias e, assim, colori-las com os
contedos do inconsciente (Saldanha, 2008, pg.214).
o Reorganizao simblica envolve a imaginao, mas vai alm. Essas
dinmicas facilitam a organizao de determinados contedos, numa
seqncia lgica e adequada, seja no aspecto psquico, temporal ou
espacial (Saldanha, 2008, pg.220).
No meu entender, a reorganizao simblica atua no sentido de
clarificar contedos manifestos durante a dinmica (o que emerge, por exemplo,
como uma metfora na imaginao ativa, pode vir a ser mais bem compreendido
na reorganizao simblica). Utilizam-se, aqui, tcnicas que envolvem as
prticas de visualizao (como na imaginao ativa) e outras tais como as
dram