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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação
TESE
O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação Ambiental: uma
contribuição para a melhoria da Saúde Pública
Denise Gamio Dias
Pelotas, abril/2011
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação
TESE
O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação ambiental: uma
contribuição para a melhoria da Saúde Pública
Denise Gamio Dias
Pelotas, abril/2011.
http://www.ufpel.tche.br/
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação
TESE
O Conceito Filosófico de Natureza como Fundamento da Educação ambiental: uma
contribuição para a melhoria da Saúde Pública
Denise Gamio Dias
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação, na Linha de Pesquisa Filosofia e História da Educação, pela Universidade Federal de Pelotas. Orientador: Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira Coorientador: Prof. Dr. Hans-Georg Flickinger
Pelotas, abril/2011.
http://www.ufpel.tche.br/
BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (Presidente / Orientador) ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Hans-Georg Flickinger (Universität Kassel, Alemanha / Coorientador) ______________________________ Prof. Dr. Rosalvo Shütz (UNIOESTE) _________________________________ Profa. Dra. Neiva Afonso Oliveira (UFPel) _____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Cullen (Universidad de Buenos Aires, Argentina)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Daiane Schramm – CRB-10/1881
D541c Dias, Denise Gamio O Conceito filosófico de natureza como fundamento
da Educação Ambiental: uma contribuição para a melhoria da saúde pública / Denise Gamio Dias ; Orientador : Avelino da Rosa Oliveira. – Pelotas, 2011.
122f.
Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas.
1. Natureza. 2. Sensibilidade. 3. Educação Ambiental. 4. Saúde. I. Oliveira, Avelino da Rosa, orient. II. Título.
CDD 370
Já há algum tempo percebi que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e que aquilo que depois fundamentei em princípios tão mal assegurados, só poderia ser muito duvidoso e incerto: de modo que me era necessário empreender seriamente, uma vez por todas, a tarefa de me desfazer de todas as opiniões que até então recebera em minha crença, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências (...) Agora que meu espírito está livre de todo cuidado, e que consegui um repouso seguro em solidão agradável, esforçar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir de modo geral todas as minhas antigas opiniões. (Descartes)
AGRADECIMENTOS
A Deus pai, presente em todos os instantes de minha vida; aos meus pais,
amigos e estimuladores de todas as jornadas; a minha família, que de mãos dadas
ao meu lado me ajudam a prosseguir; ao meu orientador Prof. Avelino da Rosa
Oliveira, que teve a sábia paciência para me ajudar mesmo nos momentos de
dúvida, muitas vezes abdicou de seus momentos de descanso para me orientar, a ti
Avelino muito obrigada; aos professores Gomercindo Ghiggi e Elomar Tambara pela
leitura, revisão e sugestão do trabalho; à Profa. Neiva Afonso Olivieira, pelas
discussões aprofundadas nas disciplinas que me ajudaram a melhor refletir; ao Prof.
Coorientador Hans-Georg Flickinger, pela atenção, orientação, sabedoria e estímulo;
aos professores da Linha de Pesquisa Filosofia e História da Educação, pela
construção e amadurecimento acadêmico; ao professor Carlos Cullen, pela acolhida
no doutorado sanduiche na Universidad de Buenos Aires; à profa. Conceição
Martins, pela atenção e carinho na Missão de Estudos no Instituto Politécnico de
Bragança – Portugal; ao professor Rosalvo Schutz pelo embasamento teórico e
incentivo nos primeiros passos da construção deste trabalho; aos colegas Dirlei
Pereira e Claudia Battestin, pelos estudos, discussões e crescimento acadêmico. A
todos que direta ou indiretamente ajudaram na construção deste trabalho.
Obrigrada.
RESUMO
A presente Tese de Doutoramento surgiu a partir de uma trajetória de trabalho em Saúde Pública na comunidade Cohab Tablada, em Pelotas-RS. Mostrou-se, a seguir, a necessidade de estudo e aprofundamento na área da Educação Ambiental – campo repleto de lacunas científicas e interpretações equivocadas - através da filosofia, a fim de embasar a Educação Ambiental enquanto campo do conhecimento, permitindo seu avanço e, por conseguinte, a melhoria da Saúde Pública nas comunidades através do vislumbramento do componente ambiental da saúde, manifestado, por excelência, através da prevenção em saúde. A metodologia de escolha foi pesquisa teórico-filosófica, a fim de embasar teoricamente o campo da educação ambiental que apresenta um reducionismo expressivo em suas ações em consonância com a concepção de natureza da modernidade. O trabalho direciona-se para o emergir de atitudes de sensibilização frente à natureza, a fim de que possa aflorar a natureza interior sempre presente no ser humano. Este despertar de sensibilidade aproxima os dois campos do conhecimento – saúde e educação ambiental, sendo a ponte por excelência – sensibilidade - que resgatará elementos perdidos/recalcados/esquecidos com a cisão homem/natureza ocorrido, mais expressivamente, na modernidade. Este trabalho pretende contribuir/susidiar com ações/vivências que garantam o componente ambiental da saúde nas comunidades, executando ações de educação ambiental que contribuam na prevenção e redução de riscos de doenças e de outros agravos, estabelecendo as condições que assegurem a universalidade das ações e dos serviços de saúde ambiental relacionados à Saúde Pública.
PALAVRAS-CHAVES: Natureza, Sensibilidade, Educação Ambiental, Saúde.
ABSTRAT
This thesis arose from a work experience in public health in the community Cohab Tablada, in Pelotas-RS. It has been proved, then, the need for further study and in the area of Environmental Education - a field full of scientific gaps and misconceptions - through philosophy, to provide a foundation for environmental education as a field of knowledge, and its advance, and therefore, the improvement of public health in communities across the glimpse of the environmental component of health, expressed par excellence in health prevention. The methodology used was theoretical and philosophical research, in order to explain theoretically that the field of environmental education has a significant reductionism in its actions in line with the conception of the nature of modernity. The work is directed to the emergence of attitudes of awareness towards nature, so that might reveal the inner nature always present in humans. This awakening of sensibility approaching the two fields of knowledge - health and environmental education, being a bridge par excellence - sensibility - which will recover lost / repressed / forgotten items about the split man / nature occurred, most dramatically, in modern times. This work aims at giving a bestowmwnt to actions / experiences that ensure the environmental component of health in communities, developing environmental education activities that contribute to the prevention and mitigation of diseases and other health problems, establishing conditions to ensure the universalness of the actions and of environmental health services related to Public Health.
Key-Words: Nature, sensibility, environment education, health.
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 - Início do trabalho com as famílias dos presidiários, década de 1960. ..........31
Fig. 2 - Distribuição de sopa para as famílias............................................................31
Fig. 3 - Preparo da sopa pelos pioneiros que iniciaram o trabalho no bairro. ...........32
Fig. 4 - Primeira instalação da Escola Lar de Jesus..................................................33
Fig. 5 - Segunda instalação da Escola Lar de Jesus.................................................33
Fig. 6 - Preparo da terra na horta da escola..............................................................34
Fig. 7 - Alunos em sala de aula. ................................................................................34
Fig. 8 - Alunos no refeitório da escola. ....................................................................355
Fig. 9 - Mutirão para construção do prédio atual. ......................................................35
Fig. 10 - Prédio atual. ................................................................................................36
Fig. 11 - Alunos trabalhando na horta da escola. ......................................................36
Fig. 12 - Horta da escola. ..........................................................................................37
Fig. 13 - Transporte que levava os mantimentos vendidos no centro da cidade.......37
Fig. 14 - Criação de porcos. ......................................................................................38
Fig. 15 - Trabalho na horta. .......................................................................................39
Fig. 16 - Destruição do telhado por vendaval. ...........................................................39
Fig. 17 - Descontração dos alunos no recreio. ..........................................................40
Fig. 18 - Representação esquemática da Cohab Tablada e indicação dos locais de
fonte de contaminação e residências positivas e negativas para
enteroparasitos.........................................................................................................126
SUMÁRIO
Introdução............... .................................................................................................12
Capítulo 1 Aproximação das Temáticas Saúde e Educação Ambiental Aliadas à Experiência na Comunidade .........................................................15
Capítulo 2 Re-aproximação Histórica dos Espaço/Tempo Vividos: entrevistas com moradores, compreendendo a relação indivíduo-saúde-meio ambiente .....................................................................................25
Capítulo 3 Situando a Educação Ambiental no Brasil e no Mundo .................46
Capítulo 4 Conceito de Natureza ao Longo da História da Filosofia - Direcionando Horizontes..............................................................62
4.1 Concepções de natureza em diferentes momentos históricos .....................68
4.1.1 Filosofia Antiga ................................................................................70
4.1.2 Filosofia Medieval ............................................................................75
4.1.3 Filosofia Renascentista ....................................................................76
4.1.4 Filosofia Moderna ............................................................................78
4.1.5 Da antiguidade à modernidade: refletindo esta trajetória.................89
4.1.6 Direcionando horizontes ..................................................................99
Conclusão... ...........................................................................................................111
Referências .......................................................................................................11616
12
INTRODUÇÃO
A saúde compreende, entre outros aspectos, o ambiente, que nos remete ao
conceito de saúde ambiental, entendido como um processo de transformação da
norma legal e do aparelho institucional em um contexto de democratização; esta
concepção foi trabalhada e pensada a partir da Reforma Sanitária, ampliando o
conceito de saúde que anteriormente limitava-se à ausência de doença. Esta nova
abordagem se dá em prol da promoção e da proteção à saúde dos cidadãos, cuja
expressão material concretiza-se na busca do direito universal à saúde e de um
ambiente ecologicamente equilibrado em consonância com os princípios e as
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Nacional de Meio Ambiente
(Sisnama), do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh)
e de outros afins. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007)
A problemática ambiental hodierna nunca esteve tão em pauta nas
discussões acadêmicas e na própria sociedade, por colocar em xeque, inclusive, a
sobrevivência da humanidade. Guimarães, 1995 e Reigota 1995, enfatizam que a
educação ambiental brasileira ainda transita sem objetivos e métodos de ação e
avaliação claramente definidos por muitos de seus praticantes. Assim, a falta de
arcabouço teórico-metodológico na educação ambiental leva a atividades
desarticuladas pedagogicamente e ineficazes ou insuficientes para a transformação
dos educandos via aquisição de novos hábitos, posturas e condutas frente ao caos
ambiental que vivemos (PEDRINI, 2002, p 92).
Além disso, a pluralidade de concepções da educação ambiental que
começa a despontar, sobretudo a partir de 2000 e que nesse momento ainda recebe
variadas adjetivações, revela que no momento histórico da instituição da Política
Nacional de Educação Ambiental (PNEA), havia uma clara indefinição de como se
desenharia um campo político-ideológico consolidando os diversos modelos
possíveis desse fazer educativo. Assim, da mesma forma que não estavam dadas as
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condições sociais nem acadêmicas, também não estavam dadas as condições
políticas para a institucionalização da PNEA no país (LAYRARGUES, 2003, p54).
Estas, talvez, sejam algumas das razões para a(o) não efetivação/vislumbramento
do componente ambiental da saúde nas comunidades, uma vez que o campo da
educação ambiental encontra-se ainda em construção/amadurecimento/formação.
Quando pensamos em saúde remetemo-nos à lei do Sistema Único de
Saúde (SUS); e, quando direcionamos nosso pensar à saúde ambiental, a ideia é
agir em favor de um ambiente saudável que promova a saúde e previna contra a
doença. A promoção da saúde é entendida como o processo de capacitação da
comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma
maior participação no controle desse processo (Carta de Ottawa, 1986). O cuidado
com a saúde incorpora as dimensões sociais, econômicas, políticas, ambientais e
culturais (Silva et aal, 2003, p 4), e nesta perspectiva as medidas de prevenção se
constituem como espaço de excelência da educação ambiental.
Nesse nebuloso enquadramento teórico, repleto de lacunas científicas e
interpretações equivocadas, componho minha tese: a falta de fundamentação teórica
do campo da educação ambiental impede a efetivação do componente ambiental da
saúde na comunidade. Proponho, como possibilidade de enfrentamento desta
problemática, um estudo filosófico do conceito de natureza, a fim de fundamentar a
educação ambiental, possibilitando o resgate de aspectos que foram
esquecidos/recalcados/negligenciados ao longo da história da filosofia; dessa forma,
permitiremos o avanço da educação ambiental enquanto campo do conhecimento e
impulsionaremos a melhoria da Saúde Pública nas comunidades através do
vislumbramento de medidas de prevenção de doenças – espaço, por excelência,
exercido pela educação ambiental. Para tanto, dividimos o trabalho em cinco
capítulos.
O primeiro capítulo aproxima as temáticas “saúde e educação ambiental”,
mostrando o embricamento e a inseparabilidade dos dois campos do conhecimento.
Além disso, traz a vivência da autora na comunidade Cohab Tablada através do
trabalho de investigação realizado no Mestrado em Parasitologia – trabalho este que
impulsionou a defesa desta tese.
14
O segundo capítulo aborda meu retorno à Cohab Tablada para realização
de entrevistas com moradores que fizeram parte da construção do bairro, a fim de
melhor compreender a relação/concepção de indivíduo- saúde-ambiente deste local,
sendo, a comunidade, também autora neste processo de pesquisa, auxiliando
na(o) direcionamento/encaminhamento/definição do método dessa investigação. Dar
voz aos moradores do bairro Cohab Tablada permitiu-me ir além dos dados visíveis
e objetificáveis através de análise quantitativa de pesquisa e acessar o inconsciente,
conforme a Teoria Psicanalítica de Freud, aspecto complementar e indispensável
para a compreensão dos fenômenos detectados e, principalmente, para a definição
do novo direcionamento metodológico a seguir.
O terceiro capítulo situa a temática da Educação Ambiental no Brasil e no
mundo, mostrando as concepções/correntes existentes, bem como as incoerências,
contradições e fragilidades deste campo do conhecimento. Esta fragilidade repercute
direta e negativamente na saúde pública, uma vez que não conseguimos vislumbrar
o componente ambiental da saúde que é manifestado, principalmente, através da
prevenção e/ou diminuição de agravos de doenças.
O quarto capítulo traz o conceito de natureza ao longo da história da
filosofia, direcionando horizontes para o enfrentamento da problemática da
educação ambiental que se encontra em um impasse teórico/conceitual, a fim de
contribuir, positivamente, com a saúde pública. A ênfase neste capítulo é dada aos
aspectos da natureza contemplados ao longo da tradição filosófica da natureza, mas
que foram deixados de lado/negligenciados pela concepção moderna de natureza.
Por fim, a conclusão faz o fechamento das temáticas discutidas ao longo do
trabalho e ratifica a tese de que a falta de fundamentação teórica da Educação
Ambiental não permite o vislumbramento do componente ambiental da saúde na
comunidade.
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Capítulo 1 Aproximação das Temáticas Saúde e Educação Ambiental Aliadas à Experiência na Comunidade
A Saúde Pública é a ciência e a arte de promover a saúde, prevenir doenças
e prolongar a vida do indivíduo na sociedade. A Saúde Ambiental, por sua vez, é a
parte da Saúde Pública que engloba o diagnóstico, a análise e a atenuação ou
resolução dos efeitos que o ambiente exerce sobre o bem-estar físico e mental do
homem, como parte integrante de uma comunidade. (SILVA, 2003)
A saúde deixou de ser considerada apenas “ausência de doença” e passou
a incorporar em seu conceito, entre outros aspectos, o ecossistêmico para a
avaliação e a criação de ambientes saudáveis. A partir de então, iniciou-se a
formação, entre os profissionais de saúde, de uma nova mentalidade, integrando
uma abordagem mais holística através da consciência ecológica,
apontando/direcionando para a promoção, a proteção e a recuperação da saúde da
população. (RELATORIO LALONDE, 1974)
Nesta mesma ótica de ampliação do conceito de saúde, as Conferências
Internacionais de Promoção da Saúde realizadas em 1986, 1988 e 1991,
respectivamente, em Ottawa, Adelaide e Sundsvall, representaram um significativo
avanço na consolidação das novas propostas, perspectivas, necessidades e
reivindicações que passaram a fazer parte da saúde. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2009)
Já no Brasil, o marco de mudanças paradigmáticas das práticas em saúde
foi, indiscutivelmente, o movimento pela Reforma Sanitária. A VIII Conferência
Nacional de Saúde, que ocorreu em 1986, subsidiou a Constituição de 1988, que
impulsionou as alterações da estrutura jurídico-institucional e ampliou o conceito de
saúde vigente, passando a ser considerado, entre outros aspectos, resultante das
condições de vida e do meio ambiente das populações. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2009)
16
Em 1983, foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) com o propósito de rever o conceito de saúde de forma
ampliada e de criar diretrizes com vistas a aplicar o novo conceito numa Agenda
Global com ações definidas. Em 1987, esta Comissão apresentou o relatório Nosso
Futuro Comum o qual se constituiu como base para a organização da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada
no Rio de Janeiro em 1992 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
Esta Conferência impulsionou o comprometimento dos países com uma
série de acordos firmados entre representações governamentais e não-
governamentais, dos quais se pode citar: a Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas, a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade
Biológica, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda
21, entre outros. Nesta mesma oportunidade, outros acordos e convenções
internacionais foram iniciados como a Convenção das Nações Unidas de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)
Percebemos que na Agenda 21, além do capítulo 6 que trata da Proteção e
Promoção das Condições da Saúde Humana, inúmeros outros capítulos abordam a
conexão existente entre saúde, meio ambiente e desenvolvimento. Esta Agenda,
considerada como instrumento orientador, propõe ações também para o setor
Saúde, em conjunto com outras medidas destinadas a promover o desenvolvimento
sustentável, a fim de garantir qualidade de vida e preservação dos ecossistemas às
gerações presentes e futuras. Esta inter-relação saúde-ambiente também pautou a
reunião dos Chefes de Estado do Continente Ibero-Americano, em 1993, e a Cúpula
das Américas, FGBVEM 1994, realizadas em Salvador e em Miami,
respectivamente. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)
No Brasil, o movimento para a elaboração da Política Nacional de Saúde
Ambiental (PNSA) começou em 1994 com o processo preparatório para a
Conferência Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano
Sustentável (Copasad). Neste ínterim, foi criada uma Comissão Intraministerial para
subsidiar o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) na elaboração do primeiro
documento oficial inter-relacionando às áreas de saúde e ambiente: o Plano Nacio-
nal de Saúde e Ambiente. Este processo contou com ampla participação de
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especialistas, gestores e representantes de usuários1, culminando com a produção
de dois textos pelo Ministério da Saúde, em 1995 e 1999, que são considerados os
principais referenciais para a elaboração da presente proposta. (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2009)
Em Washington, no ano de 1995, os Ministros da Saúde e do Meio Ambiente
do Brasil inseriram-se à Carta Pan-Americana sobre Saúde e Ambiente para o
Desenvolvimento Humano Sustentável. Este documento definiu os princípios
políticos e estratégicos comuns a serem adotados pelos países das Américas. A
continuidade deste processo ocorreu em 2002 em Ottawa, Canadá e em 2005 na
Cidade de Mar Del Plata, Argentina. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)
Na Cúpula Extraordinária das Américas em Monterrey, realizada no México
em 2004, foi divulgada a Declaração de Novo Leon, que cita, conforme Brasil, 2009:
“Cremos que assegurar a saúde ambiental das nossas populações constitui
um investimento para o bem-estar e a prosperidade de longo prazo.
Sentimo-nos estimulados pela nova parceria entre os Ministros da Saúde e
do Meio Ambiente das Américas e recomendamos que elaborem uma
agenda de cooperação para prevenir e minimizar os impactos negativos no
meio ambiente e na saúde humana” (DECLARAÇÃO DE NOVA LEON,
2004).
A Constituição Federal de 1988 é considerada a referência normativa no que
se refere à Saúde Ambiental no Brasil, conforme os seguintes artigos, citados por
Brasil, 2009:
Art. 23, incisos II, VI, VII e IX, estabelece a competência comum da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de cuidar da saúde,
proteger o meio ambiente, promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, além de
1 Termo comumente utilizado, no campo da saúde, para o indivíduo que faz uso do Sistema Único de Saúde (SUS).
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combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a
fauna e a flora;
Art. 196, define a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”;
Art. 200, incisos II e VIII, fixa, como atribuições do Sistema Único de Saúde
(SUS), entre outras, a execução de “ações de vigilância sanitária e
epidemiológica, as de saúde do trabalhador” e “de proteção do meio
ambiente”;
Art. 225, assegura que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, necessário à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
A Lei nº 8.080/90, que institui o Sistema Único de Saúde (SUS), destaca
como fatores determinantes e condicionantes da saúde, entre outros, “a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte,
o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”. Além disso, salienta que “os
níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do
País” (BRASIL, 1990, Art. 3.º). Aborda, também, ações que se destinam a garantir
às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, Art. 3.º, parágrafo único).
O campo de atuação do SUS definido no Art. 6º inclui ações relativas à
vigilância epidemiológica; a vigilância sanitária; a participação na formulação da
política e na execução de ações de saneamento básico; a colaboração na proteção
do meio ambiente, nele compreendido o trabalho; o controle e a fiscalização de
serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; a participação no
controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos, entre outros. (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2009)
Conforme Ministério da Saúde, 2009, este ministério, em 1997, formulou o
projeto VigiSUS com o objetivo de estruturar o Sistema Nacional de Vigilância em
19
Saúde Ambiental de acordo com as normas e diretrizes do SUS, estipulando o papel
da Vigilância em Saúde Ambiental no que se refere a fatores que possam acarretar
riscos à saúde humana. A estruturação desta Vigilância começa a institucionalizar-se
a partir do Decreto n.º 3.450, de 9 de maio de 2000, que assegura a sua implantação
em todo o território nacional.
Brasil, 2003, Art. 27, XX, c, dispõe a Lei n.º 10.683/03 sobre a organização
da Presidência da República e dos Ministérios, atribuindo como uma das
competências do Ministério da Saúde a “saúde ambiental e ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores
e índios”. (BRASIL, 2009)
Em 7 de março de 2005, a Instrução Normativa SVS/MS n.º 1 instaurou o
Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental (Sinvsa) e estabeleceu os
níveis de competência das três esferas de governo na área de vigilância em saúde
ambiental, o que vem sendo estruturado de forma gradativa no País. Tal
normatização define o ambiente de trabalho como objeto de vigilância, de forma
complementar à Instrução Normativa de Vigilância à Saúde do Trabalhador,
aprovada pela Portaria n.º 3.120, de 1.º de julho de 1998, que tem como objetivo
instrumentalizar os setores responsáveis pela vigilância, nas secretarias estaduais e
municipais, de forma a incorporarem, em suas práticas, mecanismos de análise e
intervenções sobre os processos e os ambientes de trabalho. (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2009)
A Portaria n.º 777, de 28 de abril de 2004, também atua na vigilância
ambiental, apontando os agravos relacionados à saúde do trabalhador como de
notificação compulsória em rede sentinela de serviços de saúde. (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2009)
Podemos ressaltar, também, a Lei n.º 8.142/90, que trata das políticas
nacionais de saneamento, educação ambiental, recursos hídricos, resíduos sólidos,
entre outros que se inserem à discussão da saúde ambiental. (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2009)
A educação ambiental reproduz a relação meramente objetificadora e
instrumental do homem com a natureza. Com isso, a educação ambiental não
apenas reproduz o reducionismo desta racionalidade utilitarista, mas impede que a
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educação ambiental assuma um papel importante na saúde pública. A educação
ambiental deve ser considerada meio por excelência/parte integrante da política de
saúde pública. A fundamentação da educação ambiental como elemento constitutivo
da política de saúde pública encontra-se no próprio conceito moderno de saúde que
vislumbra a inter/transdisciplinaridade para abarcar diferentes aspectos que
contemplam a saúde na sua integralidade, já que nem a prevenção nem o controle
social - participação do usuário – como diretrizes podem ser implementados sem
uma educação ambiental capaz de corrigir nosso olhar reducionista para com a
natureza externa e também interna.
Conforme Brasil, 2009, as competências abordadas aqui têm que se abrir às
possibilidades vindouras, firmar acordos e reavaliar a estrutura institucional para - a
partir da saúde ambiental - construir espaços que favoreçam a sinergia, a articulação
e a integração dessas áreas afins.
A saúde ambiental, portanto, conforme Brasil, 2009, integra a área da saúde
pública e as correspondentes intervenções/ações relacionadas à conexão saúde -
meio ambiente, no intuito de melhorar a qualidade de vida da população sob o ponto
de vista da sustentabilidade.
Nessa perspectiva, percebemos que o Ministério da Saúde vem
implementando um Sistema de Vigilância em Saúde Ambiental, em todo o País, para
aprimorar um modelo de atuação no âmbito do SUS, e vem constituindo
competências que objetivam a implementação de ações que entrelacem saúde
humana, degradação e contaminação ambiental. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
Reafirmo, porém, que a não efetivação/vislumbramento do componente ambiental da
saúde na comunidade ocorre pela fragilidade do campo da educação ambiental, ou
seja, pela falta de fundamentação teórica/conceitual.
Existem, ainda, outros órgãos do governo que fazem interface com a saúde
ambiental. A economia aborda o tema nos projetos de crescimento e há, ainda,
programas e projetos de diferentes Ministérios como o da Educação, das Cidades,
Ciência e Tecnologia, Trabalho e Emprego, da Agricultura, de Planejamento e
Gestão; das Relações Exteriores, do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Integração Nacional, dos
21
Transportes, da Defesa da Justiça e da Cultura que também encontram conexões
com a área da Saúde Ambiental. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009)
São várias as demandas de saúde que estão imbricadas com o meio
ambiente, sendo necessária intervenção dos gestores municipais e estaduais do
SUS, a partir do estabelecimento de parcerias do Governo Federal com órgãos e
instituições em suas respectivas áreas de competências. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2009)
A Vigilância em Saúde Ambiental, conforme o Conselho Nacional de Saúde,
2007:
“Consiste em um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a
detecção de mudanças nos fatores determinantes e condicionantes do meio
ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar
as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais
relacionados às doenças ou a outros agravos à saúde” (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2007),
A explanação da relação saúde-ambiente sob o marco da sustentabilidade
compreende, então, a instituição de uma política que expresse a multiplicidade de
forças interativas geradas em torno da promoção do bem-estar e da saúde humana.
No âmbito das políticas públicas, no atual arranjo das atribuições no Governo
Federal, este campo se relaciona diretamente com pelo menos cinco Ministérios:
Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e Emprego, Cidades e Educação. (CASTRO, 2006;
MALO, 2006)
De acordo com Silva et al, 2003, 73% dos municípios brasileiros não
possuem um instrumento regulador para os serviços de drenagem urbana; 72% do
volume de lixo coletado nos municípios com população de até 20000 habitantes têm
como destino final o lixão; apenas 29% dos 2,9 milhões de toneladas de resíduos
sólidos industriais classe 1 (inflamáveis, tóxicos, patogênicos, reativos ou corrosivos)
produzidos no Brasil, são tratados adequadamente, sendo o restante destinado a
lixões, sem tratamento, o que pode causar danos ecológicos e contaminação do
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solo. Todos estes fatores que contribuem para a falta de qualidade do ambiente
determinam as causas da morbidade2 e mortalidade3 da população.
Frente ao exposto, percebemos que o marco normativo que entrelaça as
questões da saúde às condições ambientais já existe; porém a capacidade desigual
de gestão dos estados e municípios em atenderem as demandas na implementação
e/ou aprimoramento dos serviços prestados, somado à fragilidade do campo da
educação ambiental, conduz a uma precariedade de atendimento dos serviços
envolvidos com a saúde ambiental. Além disso, na prática profissional é possível
perceber que o componente ambiental da saúde não é observado/vislumbrado nas
comunidades da periferia da cidade de Pelotas, em virtude da fragilidade no campo
da Educação Ambiental cuja intervenção se faz necessária e urgente, a fim de que
possamos vislumbrar, na comunidade, uma saúde mais efetiva e integral no que se
refere ao seu componente ambiental, manifestado, entre outros aspectos, pela
prevenção em saúde.
Sou enfermeira egressa da Universidade Federal de Pelotas, iniciei minha
trajetória profissional na área hospitalar, trabalhando no Intensivismo adulto (UTI
Geral) e pediátrico (UTI Pediátrica). Chamava-me a atenção o grande número de
crianças que, em determinados períodos do ano, internavam por obstrução intestinal
por bolo de Ascaris lumbricoides4 ou, ainda, crianças com diarréia persistente, a
esclarecer, muitas vezes diagnosticada como giardíase5.
Julguei necessário aprofundar-me nestas questões e acabei deixando o
modelo tradicional de saúde, hospitalocêntrico, médico-centrado e curativo para
dedicar-me à Saúde Pública nas comunidades, à prevenção de doenças nas
Unidades Básicas de Saúde, pois acreditava que nesta outra “ponta” da assistência
eu poderia contribuir de forma mais efetiva com a comunidade na qual trabalhava,
minimizando as complicações que chegariam a nível hospitalar como Diabetes
2 Variável característica das comunidades de seres vivos, refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças (ou determinadas doenças) num dado intervalo de tempo em uma determinada população. A morbidade mostra o comportamento das doenças e dos agravos à saúde na população. 3 Variável característica das comunidades de seres vivos; refere-se ao conjunto dos indivíduos que morreram num dado intervalo do tempo. Representa o risco ou probabilidade que qualquer pessoa na população apresenta de poder vir a morrer ou de morrer em decorrência de uma determinada doença. 4 Ascaris lumbricóides é um parasita conhecido como “lombriga intestinal”. Este microorganismo infecta os seres humanos e mais frequentemente as crianças. Aloja-se normalmente no intestino delgado e às vezes dirige-se para outras partes do corpo. Seu comprimento pode variar de 15 a 25 cm. 5 Infecção do intestino delgado provocada pelo protozoário Giardia lamblia.
23
Mellitus descompensada, Hipertensão Arterial Sistêmica, Pré-natal de alto risco e,
meu foco principal naquele momento, as Parasitoses intestinais.
Iniciei o Mestrado em Parasitologia na UFPel onde realizei a “Prevalência
estacional de enteroparasitoses em uma população de zero a quatorze anos no
bairro Cohab Tablada6, Pelotas-RS”. O trabalho estatístico/epidemiológico
desenvolvido não expressou indicadores visíveis que levassem a apontar pistas para
a explicação do fenômeno detectado, além da presença de esgoto a “céu aberto” e
cães errantes que, por si só, segundo a literatura, não perpetuam a continuidade da
cadeia epidemiológica das parasitoses para os índices encontrados, apontando a
existência de outros fatores associados que não são detectáveis em variáveis
quantitativas de pesquisa. Acredito ser necessário buscar um outro caminho, talvez
complementar, para poder compreender/entender a realidade identificada, bem
como apontar caminhos para seu enfrentamento. Como hipótese, acredito que há
uma série de fatores inerentes à comunidade que devem ser
investigados/levantados que fazem parte da subjetividade dos seres humanos, da
história da comunidade e de sua relação com o meio ambiente, que não são
mensuráveis em variáveis quantitativas de pesquisa, que se encontram imersas no
encontro das temáticas “saúde” e “meio ambiente” e que podem ser acessadas
através do inconsciente, conforme a teoria psicanalítica de Freud, dando voz aos
moradores da comunidade.
Este trabalho apontou-me questões mais abrangentes, direcionando meu
olhar para as questões ambientais não só no bairro encontradas, mas no planeta,
mediante a crise ambiental em que vivemos. As ações em saúde estão imbricadas
com as ações no campo da educação ambiental, acredito que este(a)
estreitamento/proximidade dos dois campos do conhecimento possa apontar
caminhos para a explicação dos dados encontrados na comunidade, uma vez que o
não vislumbramento do componente ambiental da saúde na comunidade ocorre por
fragilidade da educação ambiental hodierna. O aprofundamento/a continuidade
deste trabalho é uma resposta/possibilidade de mudança real para o diagnóstico
detectado, já que este também é nosso compromisso enquanto pesquisador ético;
professor, formador de opinião, representante de uma Universidade Pública e ser 6 Bairro da cidade de Pelotas-RS com aproximadamente 10 mil habitantes. Situação sócio-econômica média e baixa, o trabalho foi desenvolvido na área mais carente do bairro. Ver Figura 18.
24
humano – além de coletarmos dados e constatarmos problemáticas temos o dever
de ajudar a comunidade estudada a buscar alternativas de solução ou de
enfrentamento para o resultado encontrado.
Este pensar vai ao encontro de Berner, 1996, quando diz que somos
interpelados e convocados, enquanto professores, a dar uma resposta ética às
tarefas às quais nos confronta o mundo moderno e, principalmente, na pesquisa.
Esta responsabilidade é em primeiro lugar uma responsabilidade humana e antes de
falar de qualquer responsabilidade do filósofo é preciso sustentar a responsabilidade
do homem. Acredito que esta responsabilidade possa ser concebida como um modo
de “resposta à comunidade?”.
Atualmente sou servidora técnica administrativa - Enfermeira - da Faculdade
de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas na qual atuo no ensino,
pesquisa e extensão nas disciplinas de Saúde Coletiva e Saúde Pública,
diretamente nas comunidades da periferia da cidade de Pelotas, onde desenvolvo
ações de educação em saúde com abordagem social, histórica, cultural e ambiental.
A presença do componente ambiental no conceito de saúde é legítima,
assim como o embricamento dos dois campos do conhecimento na política do
Sistema Único de Saúde (SUS). A vivência na comunidade nos aponta a
necessidade de compor o próximo passo de efetivação deste componente, a fim de
que se possa vislumbrar a saúde de forma integral, uma vez que as medidas de
prevenção, realizadas na saúde pública, encontram também seu espaço, na
Educação Ambiental, contribuindo, diretamente, na melhoria da saúde e da
qualidade de vida da população. Acredito que uma das causas da dificuldade de
implementação de ações em educação ambiental se faz presente pelo impasse,
inclusive conceitual, sendo necessária sua fundamentação para consolidá-la
enquanto campo do conhecimento, permitindo seu real avanço para além do
impasse em que se encontra, a fim de que se possa vislumbrar este componente da
saúde na comunidade de forma efetiva.
25
Capítulo 2 Re-aproximação Histórica dos Espaço/Tempo Vividos: entrevistas com moradores, compreendendo a relação indivíduo-saúde-meio ambiente
Na tentativa de ir além das estatísticas e adentrar na subjetividade das
pessoas que residem na Cohab Tablada, Pelotas-RS, retornei à comunidade para
buscar alguns indicativos que apontassem uma nova trajetória, dando continuidade
à investigação que até então, para mim, não estava devidamente cumprida, pelo
menos, não a parte do retorno efetivo à população investigada. Este retorno ajudou-
me, junto com a comunidade, no direcionamento e definição da nova metodologia a
ser implementada.
Para tanto, busquei em Minayo & Sanches (1993), a questão de que não há
contradição entre pesquisa quantitativa e qualitativa. Ambas abordam aspectos
singulares. A primeira atua em níveis de realidade, inferindo dados, indicadores,
fatores de risco e tendências observáveis. A segunda, por sua vez, trabalha com
valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões. Afirmam que um
método não exclui o outro, apresentam objetivos diferentes, podendo haver
complementaridade entre eles. Foi justamente este aspecto de complementaridade
que busquei para ajudar-me a melhor compreender a problemática antes identificada
e direcionar os passos seguintes.
Para compreender o processo de investigação concretizado e buscar
caminhos que apontem para um enfrentamento da problemática identificada, realizei,
inicialmente, entrevistas com moradores que fizeram parte da construção do bairro
Cohab Tablada, para reconhecer a subjetividade das relações dos seres humanos
que ali vivem, e reconstruir, historicamente, a relação dos indivíduos com a saúde e
o meio ambiente.
O ambiente físico revela sua própria memória através das vozes da
comunidade, manifestando sua importância como fator constitutivo à compreensão
do diagnóstico detectado, bem como da crise ambiental hodierna. Este diálogo com
26
os moradores do bairro é capaz de reativar o sentido humano que escapa às
restrições do olhar objetificador das ciências cartesianas; o diálogo exige o ouvido
como seu órgão por excelência, isto é, seu sentido principal abrindo, assim, um novo
espaço para a compreensão não apenas dos fatos objetivos, mas também do
próprio homem que está envolvido na criação destes fatos (FLICKINGER, 1994).
Acredito que o vínculo estabelecido com a comunidade permitiu-me maior
acesso aos moradores do bairro. Ao retornar à Unidade Básica de Saúde fui bem
acolhida pelos profissionais os quais me indicaram as pessoas que fizeram parte da
história de construção do bairro. Conversei com vários moradores que me
permitiram construir um perfil sócioambiental do bairro desde sua fundação, a fim de
melhor compreender o diagnóstico detectado e buscar alternativas de
enfrentamento. Ao redigir este capítulo fiz uso de linguagem coloquial, a fim de
procurar transcrever mais fidedignamente as falas dos entrevistados.
Conversei inicialmente com a senhora Hilda7. Contou-me que quando foi
morar na comunidade havia recebido do prefeito da época um lote de terra, porém
os demais moradores, que eram poucos, em sua maioria eram posseiros. Na época,
em torno de 1940, havia apenas o presídio municipal, em instalação bem inferior à
atual, e uma grande quantidade de “mato”. Não havia luz elétrica nem água nas
casas, havia uma “bica” a mais ou menos 500 m de sua casa onde os moradores
buscavam água para beber, lavarem suas roupas e banhar-se. A escola era em
casa, o pastor ensinava ensino religioso, não havia coleta de lixo e, aos poucos, um
grande lixão foi se formando no bairro, na frente das casas (sofás, coisas velhas) e
mesmo no próprio pátio; as pessoas dormiam até tarde, não se preocupavam com o
lixo, “com nada”.
A convivência cotidiana com muitas dificuldades vividas pela população,
levou um grupo de luteranos das congregações de Pelotas, na década de 60, a dar
início a um trabalho articulado de assistência social quando foi criada o Serviço de
Assistência Redenção (SARE) com sede à Rua Voluntários da Pátria 1641. Neste
local, o SARE criou uma creche, voltada para o atendimento de crianças carentes de
zero a seis anos e um ambulatório com atendimento médico e odontológico em
articulação com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas.
7 Moradora há 40 anos no bairro, 12 filhos, viúva há 18 anos, do lar, 77 anos.
27
A reivindicação da comunidade permanecia e, no final da década de 70,
abriu nova frente para suas ações assistenciais, desta vez na Vila Santos Dumont,
localizada na Cohab Tablada, privilegiando a área de atenção à saúde. A instalação
da Unidade de Atenção Básica se constituiu em atividade pioneira em Pelotas e a
segunda iniciativa em atenção básica no Estado do Rio Grande do Sul no sentido de
descentralizar a ação cuidadora em atenção básica, orientada pela concepção de
integridade da atenção, conforme preconiza a Conferência Internacional sobre
cuidados primários de saúde, realizada em Alma-Ata (URSS), em 19788.
Na Carta de Ottawa para a Promoção da Saúde, marco na história da Saúde
Pública, são referenciados como requisitos fundamentais para a saúde: a paz, a
educação, a habitação, o poder aquisitivo, um ecossistema saudável, a conservação
dos recursos naturais e a equidade. Vê-se a promoção da saúde como um processo
de educação permanente de todos os envolvidos para atuar na melhoria da sua
qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle deste processo.
Em 7 de junho de 1980 foi criada a Associação Beneficente Luterana de
Pelotas (ABELUPE), associação civil de caráter beneficente, sem fins lucrativos, que
absorveu as atividades desenvolvidas pelo SARE na Rua Voluntários da Pátria e na
Vila Santos Dumont. Foi realizado um diagnóstico que identificou grau elevado de
carências da comunidade atendida, fazendo com que a ABELUPE instalasse, em
1986, uma nova creche na Vila Santos Dumont voltada para acolher crianças de
zero a seis anos, que se encontravam em situação de risco. Ao longo disso, o Posto
de saúde e a creche vêm tendo uma ação articulada e complementar, considerando
o conceito de atenção integral à saúde. Os diagnósticos de situação de risco social
feitos pelo posto orientam a definição de famílias a serem atendidas pela creche.
Uma vez inseridas nesse programa sócioeducativo, as crianças e suas famílias são
alvo de uma série de ações protetoras e promotoras da saúde.
8 A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde concentrou ações para que os cuidados primários de saúde fossem desenvolvidos e aplicados em todo o mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, num espírito de cooperação técnica e em consonância com a nova ordem econômica internacional. A OMS e o UNICEF, assim como outras organizações internacionais, entidades multilaterais e bilaterais, organizações governamentais, agências financeiras, todos os que trabalham no campo da saúde e toda a comunidade mundial apoiam um compromisso nacional e internacional para com os cuidados primários de saúde, canalizando maior volume de apoio técnico e financeiro para esse fim, particularmente nos países em desenvolvimento.
28
Em 1989 a ABELUPE, em razão das necessidades da população, passou a
concentrar todas as suas ações na Vila Santos Dumont. Neste local, já são 36 anos
de atuação na área da atenção primária à saúde e 19 anos de manutenção da
creche, ambas de forma ininterrupta.
Para a manutenção de suas atividades, a ABELUPE tem contado com a
ajuda de um grupo de trinta associados que fazem contribuições mensais em
dinheiro, em gêneros, em roupas e, através de trabalho voluntário, promove eventos
beneficentes.
Quando pergunto à senhora Hilda sobre a relação das pessoas da
comunidade com o meio em que vivem - o meio ambiente - ela me relata novamente
a despreocupação a cerca das questões ambientais, a grande quantidade de lixo e
desleixo da comunidade por um grande período. Em 2003, houve por iniciativa da
Unidade Básica de Saúde com parceria entre UFPel, UCPel e Escola de
Comunicação Social (ECOS) o lançamento do Projeto “Comunidade em Ação” que
tinha como objetivo a limpeza do bairro e a conscientização da comunidade; houve
um mutirão do exército que retirou vários caminhões de lixo na frente das casas e
dentro dos pátios; isto ocorreu por duas ou três vezes em períodos diferentes e
através deste projeto houve uma melhora na questão do lixo em 70% no bairro.
Hoje, o mesmo projeto desenvolve-se em Cerrito Alegre com a implantação de uma
horta comunitária a qual não foi possível ser implantada no bairro por não haver área
disponível na época.
A Declaração de Alma-Ata para os Cuidados Primários em Saúde, de 1978,
realçou esse novo pensamento de caracterização do processo saúde-doença,
incorporando as dimensões sociais, políticas, culturais, ambientais e econômicas
como componentes indispensáveis às ações e aos serviços de saúde. Nesse
sentido, as ações ambientais são necessárias para vislumbrar-se o componente
ambiental da saúde na comunidade.
No dia seguinte conversei com dois moradores: a senhora Regina9 e o
senhor Emílio10, que corroboram com dona Hilda ao fazerem referência, no início da
construção do bairro, à existência de poucas casas, à inexistência de infra-estrutura
(água, luz, esgoto, asfalto, coleta de lixo) e ressaltam que a Associação de Bairro 9 Moradora do bairro há 25 anos e funcionária da Unidade Básica de Saúde há 13. 10 Morador há 41 anos no bairro, comerciante
29
esteve sempre atuante. Contaram-me a história da implantação da Unidade Básica
de Saúde no bairro, braço forte da comunidade com inúmeras ações; fizeram
referência ao presídio municipal e à violência no bairro; que os primeiros moradores
foram abrindo as ruas “a facão” no meio do “mato”. Havia uma “bica” na qual
buscavam água e a maioria das casas era de “lata de óleo”. O senhor Emílio
participou da Associação de moradores do bairro, foi sempre atuante nos
movimentos de reivindicações, porém hoje está afastado. Comentou sobre o Projeto
Comunidade em Ação, porém não percebeu diferença em relação à limpeza do
bairro após o término do projeto, uma vez que não houve continuidade. No que se
refere à relação das pessoas com o meio ambiente relatou que a comunidade não
se preocupa com o meio ambiente, é “tudo muito sujo”, “tem muito lixo”.
Conheci na tarde seguinte a senhora Maria11, alfabetizadora de adultos;
contou-me que inicia suas atividades com uma palestra sobre assuntos gerais de
interesse da comunidade e depois ministra aula na perspectiva de Paulo Freire e do
método Abelhinha. Na última experiência de 15 alunos, 9 aprenderam a ler e a
escrever. O trabalho é voluntário e realizado na UBS do bairro. Em relação às
condições de vida da comunidade conta como eram precárias na fundação do
bairro. Não havia banheiro nas casas, apenas uma patente ou um buraco onde
ficavam as excretas. Lembra que a UBS ajudava muito com cursos de higiene,
manicure, crochê, pintura, culinária, doces e bordados, estimulando a comunidade a
ter renda própria. Considera a UBS o “braço forte” do bairro desde sua fundação. Em
relação ao ambiente, dona Maria faz alusão ao Projeto Comunidade em Ação no
qual considera que houve melhoria significativa na limpeza do bairro, porém ainda
há desleixo, as pessoas colocam lixo na frente das casas após o caminhão de lixo
passar.
A liderança católica na comunidade, senhor João Carlos12, contou-me que
quando veio morar no bairro havia grande quantidade de campo, precárias
condições, o ônibus não entrava na “vila”. Faz alusão à importância da UBS para o
bairro com vários projetos, grupo de mulheres, de idosos, cursos para a
comunidade e a presença da creche que favorece as mães que trabalham “fora de
casa”. Também faz referência ao Projeto Comunidade em Ação que promoveu 11 61 anos, estudou até a 5ª série, alfabetizadora de adultos na UBS, moradora há 34 anos no bairro. 12 25 anos morador do bairro, comerciante, liderança católica na comunidade.
30
plantio de várias árvores, reposição de lâmpadas queimadas, organização das ruas,
retirada do lixo, incentivo ao fechamento de valetões na frente de casas etc.
Considera que houve uma conscientização em relação ao lixo após o projeto, mas
ainda é preciso mais. Faz alusão ao trabalho social da igreja católica que doa
alimentos a 14 famílias carentes do bairro, mensalmente; faz distribuição de roupas,
de cobertores, auxilia pessoas doentes e encaminha enterros.
Percebe-se que a intersetorialidade das ações de saúde, um dos princípios
fundamentais do SUS, reforça a promoção à saúde e reflete concepções que
compreendem um conjunto de ações que incidem sobre determinantes e
condicionantes da saúde; inclui-se, neste contexto, o componente ambiental,
fundamental para que se vislumbre a saúde em sua totalidade.
Ao conversar com a professora Vera13, a mesma fez referência aos
primeiros moradores do bairro que eram familiares dos presidiários, em sua maioria
oriundos de outras cidades, cujas famílias vinham acompanhá-los. Era uma região
de muito mato, havia corujas e “casas feitas de folhas”; por este motivo, inicialmente,
o bairro ficou conhecido como Vila das Corujas, depois foi dividido pela rua do
presídio, a Cristóvão José dos Santos, em Vila Santos Dumont e Vila Municipal que
permanece até hoje, sendo as duas subdivisões enquadradas como Cohab Tablada.
Em relação à questão ambiental a professora cita o Projeto Comunidade em
Ação que promoveu plantio de árvores na Avenida Guadalajara, uma das principais
do bairro, e criação de ciclovia; porém, no geral, o bairro permanece bastante
desleixado com valetas a céu aberto, lixo na frente das casas, e a não colaboração
dos moradores. Na escola em que trabalha desenvolve há 5 anos o Projeto Lixo
Reciclável, com maior adesão das crianças.
Na semana seguinte conversei com a senhora Diosma14, que desde 1961
trabalha no bairro. Conta-me que no início de sua trajetória havia somente o presídio
e atrás dele alguns barracos. Pelotas, naquela época, era muito pacata e os
presidiários vinham de outras localidades juntamente com suas famílias que ali se
instalaram. As famílias eram muito pobres, analfabetos, não trabalhavam, não
tinham perspectivas, mas eram pessoas dignas, queriam trabalhar e não sabiam
como. O bairro constituía-se basicamente de mata nativa, considerado como se 13 Moradora há 46 anos no bairro, professora há 26 anos na comunidade. 14 Fundadora da Escola Lar de Jesus. Trabalha há 57 anos na comunidade.
31
fosse “pra fora”, interior, tinha bastante coruja, cobras e animais peçonhentos. É
professora e, junto com dois voluntários, fez um trabalho assistencialista nos
domicílios com distribuição de alimentos e de roupas. (Fig. 1)
Fig. 1 - Início do trabalho com as famílias dos presidiários, década de 1960.
Fig. 2 - Distribuição de sopa para as famílias.
32
O centro espírita Lar de Jesus foi fundado em 15/10/1961 com distribuição
de sopa, visitação às famílias dos presidiários, incentivando as famílias a buscar
alternativas para melhorarem suas condições de vida.
Fig. 3 - Preparo da sopa pelos pioneiros que iniciaram o trabalho no bairro.
As crianças não tinham acesso à escola, por este motivo dona Diosma teve
a iniciativa de construir uma escola que em 07/03/1963 começou a funcionar com
professores voluntários no centro espírita Lar de Jesus.
33
Fig. 4 - Primeira instalação da Escola Lar de Jesus.
O espaço ficou pequeno e foi solicitado ao prefeito da época um terreno
maior, onde é hoje a escola Lar de Jesus. As telhas foram conseguidas no quartel e
a madeira na Faculdade de Odontologia, já que o material utilizado na Faculdade
vinha em caixas de madeira.
Fig. 5 - Segunda instalação da Escola Lar de Jesus.
34
Fig. 6 - Preparo da terra na horta da escola.
Fig. 7 - Alunos em sala de aula.
35
Fig. 8 - Alunos no refeitório da escola.
Fig. 9 - Mutirão para construção do prédio atual.
36
Fig. 10 - Prédio atual.
O transporte urbano atendia até o Corredor das Tropas, hoje Avenida São
Francisco de Paula. Após a morte de um dos voluntários, dona Diosma continuou
com seus filhos, sendo um deles, hoje, diretor da Escola Lar de Jesus. Organizou-se
uma horta junto à escola e havia um transporte que levava verduras para venda em
feira no centro da cidade, com renda revertida para a própria escola.
Fig. 11 - Alunos trabalhando na horta da escola.
37
Fig. 12 - Horta da escola.
Fig. 13 - Transporte que levava os mantimentos vendidos no centro da cidade.
Havia criação de galinhas, vacas e porcos na escola, que serviam inclusive
para a subsistência de grande parte da comunidade. A empresa HP começou a
empregar pessoas, as mulheres dos apenados começaram a trabalhar como
domésticas, babás, e a melhorar de vida. Em 1968 o prédio atual foi construído com
auxílio de um grande mutirão da comunidade.
38
Fig. 14 - Criação de porcos.
Dona Diosma faz referência à UBS que na década de 80 contribuiu muito
com o seu trabalho, principalmente com o apoio da Universidade Federal de Pelotas
no que se refere às ações de saúde para a comunidade. As escolas do bairro,
Nossa Senhora das Dores e, depois, Leivas Leite, também vieram somar ações.
Considera a vila privilegiada com várias ações sociais. Em relação à questão
ambiental dona Diosma, revela que sempre houve preocupação e mesmo na horta
havia conscientização dos alunos, porém, no geral, avalia o bairro com pouca
conscientização e ação preservadora/regeneradora.
39
Fig. 15 - Trabalho na horta.
Contou-me que a mata nativa foi extinta inicialmente pelos moradores e que
houve plantação de eucaliptos por particulares, posteriormente. Um período depois
houve novamente cortes de árvores para a construção da Cohab pelo governo do
estado.
Fig. 16 - Destruição do telhado por vendaval.
40
Fig. 17 - Descontração dos alunos no recreio.
O “valetão” da Rua Guadalajara, ainda hoje existente, era terreno da
aeronáutica; vários posseiros instalaram-se no local. Após várias disputas judiciais a
prefeitura do município comprou e cedeu para os invasores. O Corredor das Tropas
era assim chamado, porque o gado percorria este caminho para os abatedouros15, já
que havia curso d’água para os animais beberem no transcurso.
Realizei uma auditoria com a bióloga Ana Beatriz16 para melhor entender o
ambiente descrito pelos moradores. Olhando as fotos falou-me da possibilidade de
desmatamento inicial, plantação de eucaliptos e novo desmatamento, indo ao
encontro da fala de dona Diosma.
Após expor as características do bairro comentamos a identificação do
mesmo como “Vila das corujas” nome que causa desconforto à maioria dos
moradores. Pensei inicialmente que esta terminologia relacionava-se à vegetação
predominante, possível local para a presença deste animal. Porém, a bióloga
expondo-me a cadeia alimentar da coruja, falou acerca da grande presença de
roedores no bairro, em especial de ratos, devido aos inúmeros lixões na localidade.
Esta explicação reportou-me à visão negativa e até por que não dizer “pejorativa”
15 Existiam três abatedouros na época: no Anglo, no Areal e onde hoje localiza-se o colégio Cassiano do Nascimento na Avenida D. Joaquim. 16 Bióloga da Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas.
41
que os moradores têm em relação a esta terminologia - vila das corujas - uma vez
que faz referência a um bairro sujo, com pouco apreço.
Percebi, ao reconstruir a história da comunidade Cohab Tablada, que a
construção do resgate histórico da memória da comunidade perpassa pelo processo
dialético, na medida em que desconstrói ou fragmenta a história da comunidade,
possibilitando sua reconstrução com significados próprios que, na síntese, permite
explicar/compreender os fenômenos e/ou apontar direcionamentos metodológicos. É
uma possibilidade que ultrapassa o racional, trazendo elementos que ampliam nossa
sensibilidade e despertam para outras abordagens em pesquisa, permitindo que a
comunidade participe também no processo de investigação. Esta análise só foi
permitida pela idéia de complementar o procedimento empírico-analítico com uma
investigação histórico-interpretativa, junto à população. Como um mosaico,
reconstruiu-se um quadro da região, composto tanto pelos dados recebidos através
da pesquisa quantitativa realizada quanto pelas informações obtidas ao longo da
reapropriação da história da região por parte dos primeiros moradores e
representantes das diferentes correntes sociais atuantes na comunidade. Foi só a
partir deste procedimento dialogante que resultou a formulação do método de
investigação a ser realizado. Abriu-se, assim, uma ampla visão das condições locais
que seria, a partir daí, a base para qualquer planejamento posterior (FLICKINGER,
2000). Direciono meu pensar para Flickinger (2000), quando percebo que mesmo a
mais perfeita descrição objetiva do ambiente com inferência estatística de inúmeros
fatores, tomada por si só não nos oferece sentido autêntico. É somente através da
interpretação dos dados levantados que se constitui seu possível sentido, a saber,
dando-se espaço nele para o próprio intérprete. Os dados objetivos com os quais aí
se descreve a construção do ambiente apresentam-se, na verdade, como um
diálogo interpretativo do pesquisador que, ao se abrir sem preconceito científico ao
outro, provoca ou convoca a abertura deste para si mesmo, permitindo a atribuição
de sentido.
Percebo, ainda, que a reconstrução da memória da comunidade só se
legitimou a partir desta abertura. O que condiciona, portanto, a pesquisa empírico-
objetiva é a determinação primordial do próprio objeto da investigação.
42
Determinação esta que se dá através de uma objetificação da realidade, no sentido
de fazer-se dela objeto de investigação submetido às exigências metodológicas de
pesquisa.
Este pensar vai ao encontro de Flickinger (2000), quando diz:
Percebe-se, deste modo, que à objetividade da pesquisa precede a
objetificação, isto é, o ato de assemelhar a realidade às determinações de
um possível objeto de pesquisa. Desde a Crítica da Razão Pura, de I. Kant,
até a Teoria do Sistema ou da auto-organização resultado do debate sobre
as condições de como a biologia poderia tornar-se uma ciência
experimental, encontramos este traço comum. Ao falarmos da objetividade
da investigação científica deveríamos falar, também, de sua condição
primordial, por mim denominada de ato de objetificação. Este, é claro, não
pode seguir as regras do procedimento científico, já que os precede,
abrindo, assim, um amplo leque de motivos e expectativas subjetivas que
encontram, pelo ato de objetificação, sua porta de entrada, sem minar a
ilusão de objetividade do procedimento posterior. Vemo-nos forçados a
admitir aí interferência constitutiva do homem-sujeito na investigação. Fato
este que coloca em xeque a pretensão de exclusividade da abordagem
causal-explicativa, tal como domina a maioria das ciências modernas. É
inquestionável o grande sucesso da metodologia experimental-explicativa
que vem caracterizando o desenvolvimento da cientificidade, ao longo dos
últimos séculos. Mesmo as ciências sociais – Sociologia Empírica,
Historiografia, Positivismo jurídico etc, - adotam, sucessivamente, esse
caminho. É igualmente inegável, porém, que nas áreas humanas e sociais –
das quais o planejamento faz parte – seja necessário levar em consideração
a participação e interferência dos sujeitos no próprio processo de
investigação, pois estes fazem parte da realidade pesquisada.
Contra a suposta soberania do sujeito conhecedor, capaz de determinar as
condições de seu acesso à realidade, a “Hermenêutica Filosófica” contrapõe ao ideal
da explicação causal da experiência, uma abordagem compreensiva que obriga o
homem a reconhecer o seu ser inserido, desde sempre, num mundo por ele não
completamente instrumentalizável. Em outras palavras, o compreender recusa
43
qualquer postura subjetiva de domínio e, em consequência, de instrumentalização
do mundo objetivo (FLICKINGER, 2000). Gadamer apresenta-nos um argumento
incontestável para esta afirmação, lembrando que toda compreensão se efetua na
linguagem e na história, por nós de modo algum objetiváveis. É que, sendo
pressupostas ambas à nossa experiência, delas fazemos parte e as encontramos
sempre como horizontes dentro dos quais nos tentamos situar, buscando um
possível sentido às nossas experiências. Nem a linguagem, nem a história admitem
uma objetificação plena, carregando em si um amplo leque de sentidos inesgotáveis,
dos quais bem pouco nossa interpretação consegue identificar. Por isso, o
compreender pressupõe a disposição do sujeito de integrar-se nesses dois
horizontes, renunciando a todas as certezas últimas. “Não é de admirar, por isso,
que o diálogo, o encontro com o outro e com a própria história, marquem nesse
processo as aberturas que subjazem, como condições indispensáveis a toda e
qualquer compreensão hermenêutica”. (FLICKINGER, 2000)
Neste sentido, a complementaridade da reconstrução da memória da
comunidade à pesquisa realizada vem lembrar, na verdade, a necessidade de um
ato de auto-reflexão que leve em conta as experiências muitas vezes divergentes,
vivenciadas pelos atores que fizeram parte da construção do espaço histórico hoje
chamado Cohab Tablada. É, antes de tudo, a disposição de arriscar a perda das
supostas autocertezas, permitir-se não ter o controle absoluto, e buscar
direcionamentos junto com a comunidade, protagonista e pesquisadora também
nesse processo, direcionando nosso olhar às possibilidades vindouras.
Durante esta trajetória na comunidade pude juntar o ouvido ao vivido,
compondo um quadro detalhado do bairro que me permitiu perceber, ao questionar a
população acerca da questão ambiental, um reducionismo expressivo, uma vez que
“o meio ambiente”, na grande maioria das falas, limitava-se a um único objeto: o
“lixo”. Isto pode ocorrer por inúmeros motivos, sejam eles culturais da própria
comunidade ou sociais. Percebi, também, como consequência, pouca evidência do
componente ambiental da saúde no bairro, uma vez que não há preocupação efetiva
com o ambiente e, por sua vez, com a educação ambiental.
Sabemos que o meio ambiente não pode ser reduzido a preocupações com
a ecologia – uma área das ciências biológicas – ou com a natureza. Os seres
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humanos nem sabem mais o que é “natureza”, pois o meio ambiente já está tão
completamente penetrado e reordenado pela vida sociocultural humana, que nada
mais pode ser chamado com certeza de apenas natural ou social. A natureza se
transforma em áreas de ação nas quais precisamos tomar decisões políticas,
práticas e éticas (BECK, U; GIDDENS, A; LASH, S, 1997)
Pensando o reducionismo evidenciado pela memória da comunidade,
reportei-me ao reducionismo também verificado nas ações existentes na Educação
Ambiental, cuja abordagem é compartimentada, limita-se a ações fragmentadas e
desconectadas, não há um fio condutor crítico com base teórica e continuidade das
ações educacionais. Consequentemente, este componente do conceito de saúde
fica fragilizado e não conseguimos vislumbrá-lo nas comunidades de periferia onde
desenvolvemos nossas ações em saúde, repercutindo negativamente na saúde
como um todo.
Neste sentido, ao analisar os trabalhos que abordam a educação ambiental,
observa-se um grande número de autores que discutem os aspectos técnicos e
comportamentais da questão do lixo em detrimento de seus aspectos políticos
centrais à temática. As dispersas e isoladas iniciativas de criação de cooperativas de
catadores de lixo, por exemplo, ainda não alcançaram uma articulação ampla e
coesa o suficiente para transformar essa atividade em política pública. Nesse
sentido, para Layrargues, 2003, há necessidade de se discutir o significado político-
ideológico da reciclagem.
Direcionemos, então, nosso olhar à reciclagem. Apesar da complexidade do
tema, muitos programas de educação ambiental na escola são implementados de
modo reducionista, já que, em função da reciclagem, desenvolvem apenas a Coleta
Seletiva de Lixo, em detrimento de uma reflexão crítica e abrangente a respeito dos
valores culturais da sociedade de consumo, do industrialismo, do modo de produção
capitalista e dos aspectos políticos e econômicos da questão do lixo. Em função
disso, pouco esforço tem sido dedicado à análise do significado ideológico da
reciclagem, em particular da lata de alumínio – material que mais se destaca na
reciclagem – e suas implicações para a educação ambiental reducionista, mais
preocupada com a promoção de uma mudança comportamental sobre a técnica da
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disposição dos valores culturais que sustentam o estilo de produção e consumo da
sociedade moderna.
Contra a suposta soberania do sujeito conhecedor, capaz de determinar as
condições de seu acesso à realidade, a “Hermenêutica Filosófica” contrapõe ao ideal
da explicação causal da experiência, uma abordagem compreensiva que obriga o
homem a reconhecer o seu ser inserido, desde sempre, num mundo por ele não
completamente instrumentalizável. Em outras palavras, o compreender recusa
qualquer postura subjetiva de domínio e, em consequência, de instrumentalização
do mundo objetivo (FLICKINGER, 2000). Gadamer apresenta-nos um argumento
incontestável para esta afirmação, lembrando que toda compreensão se efetua na
linguagem e na história, por nós de modo algum objetiváveis. É que, sendo
pressupostas ambas à nossa experiência, delas fazemos parte e as encontramos
sempre como horizontes dentro dos quais nos tentamos situar, buscando um
possível sentido às nossas experiências. Nem a linguagem, nem a história admitem
uma objetificação plena, carregando em si um amplo leque de sentidos inesgotáveis,
dos quais bem pouco nossa interpretação consegue identificar. Por isso, o
compreender pressupõe a disposição do sujeito de integrar-se nesses dois
horizontes, renunciando a todas as certezas últimas. “Não é de admirar, por isso,
que o diálogo, o encontro com o outro e com a própria história, marquem nesse
processo as aberturas que subjazem, como condições indispensáveis a toda e
qualquer compreensão hermenêutica”. (FLICKINGER, 2000)
Nesta mesma ótica, como será exposto no próximo capítulo, a educação
ambiental, como um todo, se apresenta de forma
compartimentada/fragmentada/reducionista e, portanto, fragilizada.
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Capítulo 3 Situando a Educação Ambiental no Brasil e no Mundo
O modo como se realizam a educação e as diferentes compreensões da
relação sociedade-natureza, requalificadas com a publicização das questões postas
pelos estudos do meio ambiente, não nos permite, ao nos referirmos à educação
ambiental, apresentá-la de forma única e monolítica. Esta deve ser vista como uma
miríade complexa, constituída por sujeitos ecológicos com visões paradigmáticas de
natureza e de sociedade diferentes, numa rede de interesses e interpretações em
permanente conflito e diálogo. (CARVALHO, 2003)
Primeiramente gostaria de expor alguns termos ou adjetivações atuais que
estão presentes e complementam o termo “Educação Ambiental”: educação
ambiental conservacionista (Guimarães, 2004), socioambiental, crítica (Guimarães,
2004; Carvalho, 2004), emancipatória (Lima, 2003), transformadora (Loureiro, 2004),
popular (Carvalho, 2001), alternativa (Carvalho, 2001), política, comunitária, radical
(Meira Cartea, 2005), formal, não formal, para o desenvolvimento sustentável (Meira
Cartea, 2006), alfabetização ecológica, pedagógica, educação ambiental no
processo de gestão ambiental (Quintas, 2002) entre outras. Neste mosaico de
denominações é possível perceber identidades, diversidades, convergências e,
ainda, contradições (SORRENTINO (2002), SAUVÉ (2002), GAUDIANO (2001 e
2002)).
O conceito de Educação Ambiental já é adjetivado. Trata-se da qualidade
ambiental aplicada à educação. Por que tantos adjetivos? O que significa o fato de
haver tantas denominações quando se fala em Educação Ambiental? O que isto
transparece no que se refere à produção teórico-conceitual nesta área? A
diversidade de nomenclaturas retrata um momento da Educação Ambiental que
aponta para a necessidade de se re-significar os sentidos identitários e
fundamentais dos diferentes posicionamentos político-pedagógicos, não significando
uma evolução no aspecto metodológico no campo do conhecimento ou outro
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desenvolvimento qualquer. Acredito que a educação ambiental clama por um
aprofundamento teórico que sustente suas bases, permitindo um avanço, na práxis,
significativo e contínuo perene, que repercutirá diretamente na melhoria da saúde
como um todo, uma vez que se vislumbrará na comunidade o seu componente
ambiental.
A educação ambiental “geral”, ela própria, não apresenta uma conceituação
clara, e permite inclusive, divergências e contradições.
No Congresso de Belgrado (1975), a Educação Ambiental foi definida como
um processo que visa:
“(...) formar uma população mundial consciente e preocupada com o
ambiente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população que
tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as
motivações e o sentido de participação e engajamento que lhe permita
trabalhar individualmente e coletivamente para resolver os problemas atuais
e impedir que se repitam (...)”
No Capítulo 36 da Agenda 21, a Educação Ambiental é definida como o
processo que busca:
“(...) desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o
meio ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma
população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e
compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de
soluções para os problemas existentes e para a prevenção de outros (...)”
Segundo Reigota, 2002, p.61, a educação ambiental é:
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“uma educação política que deve enfrentar na América Latina o desafio de
mudar as idéias de modelo de desenvolvimento econômico, baseado na
acumulação econômica, no autoritarismo político, no saque aos recursos
naturais, no desprezo às culturas de grupos minoritários e aos direitos
fundamentais do homem”.
Para Gaudiano, 1998, é importante notar que educação ambiental é um
conceito em construção, apresenta diferentes visões, o termo é usado com
significados distintos e, muitas vezes, contraditórios.
Pedrini, 2002, 13-14, acrescenta, ainda, que os educadores ambientais
ainda estão se apropriando de conceitos e métodos de disciplinas já estabelecidas.
Talvez por isso os educadores ambientais não estejam bem definidos e haja tantos
“educadores ambientais de ocasião”.
Independente das adjetivações e conceituações aplicadas à educação
ambiental, no Brasil, basicamente poderíamos dividi-la em dois grupos.
Um convencional, centrado no indivíduo, comportamentalista, com
abordagens tecnicistas que se preocupam com os efeitos aparentes dos problemas
ambientais e desprezam suas causas mais profundas e históricas.
Para Lima, 2003, as análises cujas interpretações privilegiam os efeitos dos
impactos ambientais em razão de suas raízes primeiras, realizam um reducionismo
ao abordar os problemas que não podem ser transcendidos pela simples
erradicação dos sintomas aparentes. Ou seja, a eliminação dos sintomas sem a
supressão de suas causas formadoras traz uma ilusão de mudança, mas não
transforma a realidade do problema que nos atinge.
Percebemos uma visão unilateral da questão ambiental que fragmenta a
realidade ao explicar o todo através das partes. Constata-se, desta forma, uma
sequência de explicações que separam: a explicação técnica da política; a visão
ecológica da social; a abordagem individualista da coletiva; a percepção dos efeitos
das causas e a esfera do consumo da esfera da produção, todas, expressões
reducionistas que não respondem à complexidade do problema. (LIMA, 1999)
Loureiro, 2009, refere-se a esta questão:
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Nesse tipo de pragmatismo exterioriza-se a realidade e coloca-se a solução
exclusivamente no domínio tecnológico e na vontade de querer fazer e
resolver, reduzindo a complexidade e a radicalidade paradigmática
introduzida pelo ambientalismo (...) essa abordagem é reducionista,
teoricamente inconsistente e politicamente inconseqüente. (Loureiro,
2009:43-44)
Como afirmam Adorno e Horkheimer, 1975, o modo tradicional de se ver a
teoria e de construí-la sob princípios de escolas filosóficas, como o positivismo e o
pragamatismo, a enfatiza apenas em seu significado isolado. Essa representação
fragmentária abstrai a teoria em sua função na ciência e em seu significado para a
existência humana. Induz alguns educadores a enxergá-la como algo que não ajuda
a resolver os problemas postos e a separar aquele que pensa daquele que faz,
reproduzindo a divisão hierarquizada e desigual do modo de produção capitalista.
Esta abordagem conservadora da educação ambiental direciona-se ao
exposto por Morin (1982), quando refere que “a ética do gênero humano está no
desenvolvimento conjunto da consciência individual para além da individualidade, da
participação comunitária e de sentimento de pertencimento a uma espécie, num todo
indivisível entre indivíduo/sociedade/espécie”.
A outra abordagem da educação ambiental que se contrapõe à primeira é a
educação ambiental emancipatória, podendo incluir-se outras denominações como
sinônimos ou concepções similares: crítica, popular ou transformadora. Esta
segunda abordagem surge a partir de uma matriz histórico-crítica que vê a educação
como elemento de transformação social, em que as atividades humanas
relacionadas ao fazer educativo provocam metamorfoses individuais e coletivas,
locais e globais, bem como econômicas e culturais. (LOUREIRO, 2004:90)
Autores do pensamento complexo contrapõe-se à visão convencional e
reducionista, no intuito de compreender as diversas relações necessárias ao abordar
os estudos ambientais, a partir de uma perspectiva sistêmica na qual é possível
reconhecer componentes, inter-relações e particularidades.
Neste mesmo sentido, Leff, 2003, p 20, manifesta-se contrário às análises
reducionistas, fragmentadas, simplificadas, baseadas em linearidade e binarismos,
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propondo intervenções educativas condizentes com o pensamento complexo. Em
um processo educativo pontuado por princípios de incerteza, de democracia e de
justiça, poderia-se buscar a construção de conhecimentos numa perspectiva de
compreensão sistêmica, rizomática da realidade e da construção do conhecimento.
Para Loureiro, 2004, a educação ambiental transformadora busca redefinir a
relação entre os homens e os demais seres do planeta; tem na participação e no
exercício cidadão princípios para a definição da democracia e de relações mais
adequadas com a vida planetária, enfocando o educar para transformar no sentido
de romper com as práticas contrárias ao bem estar público, em prol da equidade e
da solidariedade.
Ao encontro deste pensar Dentz, 2006, coloca que a ação em educação
ambiental não pode se desvincular de uma reflexão ampliada em torno das origens
que, ao longo da história, possibilitaram a prod