Post on 17-Mar-2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Linha de pesquisa: Cultura, Epistemologia e Educação em Ciências e Matemática
CONTEÚDOS METACIENTÍFICOS A PARTIR DOS DIÁRIOS DE CHARLES DARWIN
(1809-1882)
Brenda Costa de Oliveira Galvão
Orientador: Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins
NATAL, 2019
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BRENDA COSTA DE OLIVEIRA GALVÃO
CONTEÚDOS METACIENTÍFICOS A PARTIR DOS DIÁRIOS DE CHARLES DARWIN
(1809-1882)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Educação Matemática da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito à Defesa e posterior obtenção do título de
Mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática.
Orientador: Prof. Dr. André Ferrer P. Martins
NATAL, 2019
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede
Galvão, Brenda Costa de Oliveira.
Conteúdos metacientíficos a partir dos diários de Charles Darwin
(1809-1882) / Brenda Costa de Oliveira Galvão. - 2019.
164 f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Natal, RN, 2020.
Orientador: Prof. Dr. André Ferrer Pinto Martins.
1. Ensino de evolução - Dissertação. 2. Charles Darwin - Dissertação.
3. Natureza da ciência - Dissertação. I. Martins, André Ferrer Pinto. II.
Título.
RN/UF/BCZM CDU 372.85
Elaborado por Ana Cristina Cavalcanti Tinôco - CRB-15/262
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Brenda Costa de Oliveira Galvão
CONTEÚDOS METACIENTÍFICOS A PARTIR DOS DIÁRIOS DE CHARLES
DARWIN (1809-1882)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Educação Matemática da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito à Defesa e posterior obtenção do título de
Mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática.
Orientador: Prof. Dr. André Ferrer P. Martins
Aprovada em: 25/11/2019.
BANCA EXAMINADORA
Dr. ANDRE FERRER PINTO MARTINS, UFRN/Natal
Orientador
Dra. MARIA ELICE BRZEZINSKI PRESTES, USP/São Paulo
Examinadora Externa à Instituição
Dra. IVANISE CORTEZ DE SOUSA GUIMARAES, UFRN/Natal
Examinadora Externa ao Programa
Natal – 2019
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Nós somos um
Nós somos um universo
Antepassados do que virá
Rebentos do mar devoniano
Eternidades passam
Escrevendo o conto de todos nós
Uma nova abertura a cada dia
Para o maior espetáculo da Terra
Nightwish – The greatest show on Earth
(2015)
Há grandeza nessa visão da vida
Com seus diversos atributos, como algo
originalmente soprado em poucas formas ou em apenas uma;
E que,
enquanto este planeta gira
de acordo com a lei fixa da gravidade,
tenham iniciado a partir de uma origem muito simples
infinitas formas, mais belas e maravilhosas, tenham sido, e
estejam sendo,
evoluídas.
Charles Darwin – On the origin of the species
(1859)
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AGRADECIMENTOS
Aos estimados,
gostaria de iniciar esse texto agradecendo profundamente a cada um pela participação, das mais variadas
maneiras, na formação de quem eu sou e no desejo de quem eu quero ser. Gostaria de ter mais destreza na escrita
para expressar minha gratidão, em mais de um momento na vida. Na falta dela, tentarei me inspirar nas cartas de
Charles Darwin e suas habilidades em escrever. Eis minha tentativa: obrigada por serem amparo, inspiração e
afeto.
Agradeço ao meu orientador André Ferrer pela paciência, coerência e persistência em formar professores
de acordo com os princípios que lemos, aprendemos, discutimos e refletimos em aula, reuniões de grupo de estudos
e pesquisa. Obrigada pelas orientações esclarecedoras, pela honestidade com os conselhos e pela oportunidade de
estudar biologia por outra ótica, e me ajudar a melhorar naquilo que me orgulha e me move: ser professora.
Falando em grupo, agradeço ao grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Cultura (ECC) por fazerem parte
da minha trajetória. Em especial à Joana Menara, pelos desabafos e passeios pelo mundo da literatura. Essa é uma
parte da minha vida que espero não deixar mais de lado. Obrigada pelas indicações de autores, ideias e as relações
delas com o mundo. À Rilavia Almeida por me mostrar meu próprio trabalho, quando nem eu conseguia ver às
vezes. E mais importante: obrigada por fazer isso com tanta espontaneidade e alegria. À Fernanda Cavalcanti,
agradeço demais as indicações de leitura, por ter me apresentado às excelentes biografias e ter esclarecido minhas
dúvidas, mesmo quando eu mal conseguia formulá-las. Obrigada pelo seu exemplo: garra, graça e amor pela
biologia! Meninas, obrigada por todas as conversas, risadas e desabafos. Vocês me inspiraram e me fizeram
recordar quem eu sou e quem eu quero ser.
Aos amigos que nos resgatam das quedas da vida, fazem questão da nossa presença, enxergam o melhor em
nós, mesmo convivendo muitas vezes com o pior. Eu reitero que não sei como transbordar em palavras o que eu
sinto por vocês. Agradeço a oportunidade de ter conhecido Thiago Severo e ser apresentada, convidada e recebida
pelo Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM), onde além de me enriquecer intelectualmente, o fez em meio a
tantas doces amizades. Obrigada Thiago por ser o amparo quando eu mais precisei e menos quis. Obrigada pelo
resgate – às vezes literal – e por mostrar todos os dias que o mundo pode ser melhor quando temperado com
alegria, amigos e afeto (alguns memes e muito heavy metal), mesmo na academia. Obrigada Tatiana Lapitz pela
doçura e firmeza em demonstrar aquilo que sente: você não sabe o quanto eu te admiro por isso! Obrigada pela
amizade e por fazer questão dela. Obrigada por abrirem espaço na casa e vida de vocês para me receberem e me
terem por lá, fazendo umas piadas um tanto duvidosas. Mayara Larrys, eu não tenho como agradecer por tantos
momentos em que os sentimentos ruins só não me tomaram por sua causa. Obrigada pelas dúvidas tiradas quando
batia o desespero e pelas ajudas nas traduções mais malucas que fiz na vida. Obrigada pela amizade, pela
compreensão e pelo interesse em saber como vai minha vida.
Obrigada aos amigos do GRECOM, Pedro Silva, Brunno da Silva, Jeú Rodrigues, Yngrid Medeiros,
Thalita Martins, pelos momentos tão maravilhosos de discussões, desabafos, alegria, afeto. Obrigada pela amizade
e por construírem um ambiente de aprendizado tão aconchegante. Ainda na atmosfera complexa, obrigada Jair
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Moisés Souza, pela inspiração no empreendimento audacioso em entender quem foi Charles Darwin e então,
renovar meu amor e fascínio pela biologia.
Aos amigos por quem tenho tanto carinho, que pelo curso da vida eu acabo por me permitir distância. Aos
que ganhei ainda na escola e por quem eu tenho muito afeto e desejo de mais tempo juntos Thalita Duarte, Pablo
Ferreira e Mário Cavalcante, obrigada por fazerem valer a pena todos os preciosos momentos que temos quando
nos encontramos. Aos amigos do clube, que ganhei na graduação e que permanecem comigo, mesmo quando a vida
nos afasta (ou os mestrados, doutorados, trabalhos...). Em especial obrigada a Tianisa Prates e Marcos Brito por
inspirarem a ousadia de manter os afetos apesar das barreiras geográficas. Obrigada Shirley Macjane por
continuar sendo minha gêmea mais diferente! Obrigada por me ensinar tanto com a doçura e amizade de sempre. E
Elaine Rodrigues pela parceria, desabafos, filosofadas, leituras e disciplinas mais esquisitas que poderíamos ter
escolhido. Obrigada pelas broncas que eu precisava levar e por ter iluminado o caminho quando me faltava luz.
Amigos, eu quero ser vocês quando eu crescer. E mais importante, quero que vocês estejam lá na trajetória
do meu crescimento.
Não poderia deixar de agradecer a minha família, em especial aos meus pais por possibilitarem minha
formação, em todos os sentidos. Obrigada por serem fortalezas para nós, mesmo quando é difícil para vocês se
manterem erguidos. Vocês são meu maior orgulho e inspiração. Obrigada painho, por sempre me fazer perceber
que “é preciso criar meios”; mainha, obrigada por me fazer acreditar em mim e me tratar tão bem, quando eu acho
que não consigo e não mereço. Sergin obrigada pela inteligência, sagacidade que movem nossas conversas em casa.
Obrigada por limpar com tanto bom humor as neblinas eventualmente causadas. À fazenda, obrigada por tudo. Ao
meu – infinitamente paciente – namorado, Arthur Saraiva. Obrigada por ser apoio, quando me falta chão, pela sua
calma, quando eu me desespero, por acreditar em mim, quando eu insisto – com muitos argumentos – que não vale a
pena, ou que não consigo. Obrigada por me inspirar a querer abrir minhas asas e por me lembrar de não voar para
longe de quem eu sou. Eu amo você. Obrigada por seu meu wonderwall.
Agradeço ainda aqueles que mesmo em um primeiro contato tanto me ensinaram e foram mais do que
importantes na produção desse trabalho. Agradeço a professora Maria Elice Prestes, pelas importantes
observações tão cuidadosamente feitas. Obrigada pelo tempo dedicado a elas! Obrigada demais a Lorenna Savilla,
pela disponibilidade em me dar a melhor aula de geologia que tive na vida! Agradeço também às pessoas
importantíssimas da psicobiologia da UFRN pelo auxílio e oportunidade de beber da fonte da psicologia evolutiva
para entender meu próprio trabalho: obrigada professora Renata Ferreira e Jéssica Janine.
Gostaria de agradecer a professora Márcia Gorette pela competência em constantemente transformar
positivamente a pós-graduação. E então, por extensão a Pós-Graduação de Ensino de Ciências e Matemática por
todas as oportunidades de desenvolver meu pensamento. Meus últimos agradecimentos são endereçados a CAPES
pelo apoio financeiro o qual foi fundamental para me manter na Universidade e à UFRN, por ser minha casa desde
2010 e tão importante no meu desenvolvimento como pessoa.
Da sua, nem sempre comunicativa quantos aos sentimentos, mas que muito os estima,
Brenda.
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RESUMO
A literatura da área de educação científica manifesta a preocupação em abordar ciências para
além de um corpo de informações (conteúdos científicos), discutindo em sala de aula, também,
características relacionadas ao fazer científico. Isto é, como a ciência é produzida, validada e
comunicada, além de suas particularidades epistemológicas, ou seja, os saberes sobre ciência
(conteúdos metacientíficos). Em particular, o ensino da evolução biológica ainda é palco de
muitos entraves e controvérsias que envolvem professores e estudantes e se desdobram em
dificuldades na abordagem dessa temática. Algumas dessas dificuldades estão relacionadas à falta
de entendimento de conceitos da própria teoria, bem como a concepções poucos elaboradas do
processo histórico de sua produção, dentre outros aspectos. Assumindo que conhecer os
contextos de produção da teoria da evolução biológica contribui para desenvolver compreensões
mais informadas de natureza epistemológica, investigamos nesse trabalho os diários de campo de
Charles Robert Darwin (1809-1882) com o objetivo de identificar elementos que possam
contribuir para discussões de conteúdos metacientíficos nas aulas de evolução. Os diários foram
escritos durante a viagem do naturalista a bordo do HMS Beagle (1831-1836) e têm uma alta
frequência de relatos de observações e discussões geológicas. Esse material está disponível na
plataforma Darwin Online. A partir da leitura dos diários e da autobiografia de Darwin como
fontes primárias, e do auxílio de fontes secundárias, pudemos compor os cenários dos episódios
vividos pelo jovem naturalista enquanto anotava em seus cadernos. Foram identificados
elementos com potencial de promover discussões sobre conteúdos metacientíficos, em particular:
observações, relacionadas com a atividade do cientista em campo; observações informadas por
teorias, evidenciando um aspecto mais centrado no sujeito e como ele articula as suas ideias com
as da comunidade científica; produção coletiva da ciência, destacando o caráter coletivo da
produção científica e contextualizando Darwin temporal e geograficamente; elaboração de
hipóteses, relacionada ao exercício de refletir sobre suas ideias, as teorias de sua época e as
observações que fazia em campo; e formação do cientista, elemento mais amplo presente em
todos os diários, evidenciado pela formação que Darwin teve antes de embarcar no Beagle,
fundamental para seu desempenho como naturalista. Em nossa análise, buscamos o diálogo entre
esses elementos e as abordagens de Semelhança de Família e de Temas e Questões da natureza
das ciências, presentes na literatura da área de pesquisa em ensino de ciências. Dessa forma,
pretendemos contribuir duplamente para o ensino da evolução, tanto para uma compreensão de
aspectos da teoria em si, quanto para uma compreensão melhor informada sobre ciências e seu
desenvolvimento, tanto na educação básica – em particular no ensino médio – quanto na
formação de professores.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de evolução. Charles Darwin. Saberes sobre ciência. Natureza da
ciência.
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METASCIENTIFIC CONTENTS FROM CHARLES DARWIN’S NOTEBOOKS (1809-1882)
ABSTRACT
The literature in the area of science education manifests the concern to approach sciences beyond
a body of information (scientific contents), discussing in the classroom, also, characteristics
related to doing science. That is, how science is produced, validated and communicated, in
addition to its epistemological particularities, that is, the knowledge about science (metascientific
contents). In particular, the biological evolution educaton is still the scene of many obstacles and
controversies, which involve teachers and students and are related with difficulties in addressing
this issue. Some of these are related to the lack of understanding of concepts of the theory itself,
as well as to poorly elaborated conceptions of the historical process of its production, among
other aspects. Assuming that knowing about the contexts of production of the biological
evolution theory contributes to developing more informed understandings of the epistemological
nature, we investigate the field diaries of Charles Robert Darwin (1809-1882) in order to identify
elements that may contribute to discussions of metascientific contents in evolution classes. The
diaries were written during the voyage aboard the HMS Beagle (1831-1836) and have a high
frequency of reports of observations and geological discussions. This material is available on the
Darwin Online platform. From reading the diaries and Darwin's autobiography as primary
sources, and the help of secondary sources, we were able to compose the scenarios of the
episodes experienced by the young naturalist while writing in his notebooks. Elements with the
potential to promote discussions about metascientific contents were identified, in particular:
observations, related to scientific activities on field; observations informed by theory,
highlighting a more subject-centered aspect and how he articulates his ideas with those of the
scientific community; collective production of science, highlighting the collective character of
scientific production and contextualizing Darwin temporally and geographically; elaboration of
hypotheses, related to the exercise of reflecting on his ideas, the theories of his days and his
observations in the field; and scientist training, broader element present in all diaries evidenced
by the training Darwin had prior to embarking on the Beagle, which is fundamental to his
performance as a naturalist. In our analysis, we seek dialogue between these elements and the
Family Resemblance and Themes and Issues approaches of the nature of the sciences present in
the literature of science teaching research area. In this way, we intend to contribute doubly to the
teaching of evolution, both for an understanding of aspects of the theory itself, and for a better
informed understanding of science and its development, both in basic education - particularly in
high school - and in teachers training.
KEYWORDS: Teaching of evolution. Charles Darwin. Knowledge about science. Nature of
science.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura
1. Mapa de Ponsonby Sound por Darwin, em seu diário geológico p. 76
2. Esquema produzido pelos autores p. 134
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LISTA DE QUADROS
Quadro
1. Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário p. 67
2. Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário p. 72
3. Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário p. 77
4. Registros de Darwin no diário de Santiago, das páginas 89 a 92 p. 92
5. Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário p. 101
6. Questões elaboradas a partir da proposta de Irzik e Nola (2011; 2014) e Martins (2015) p. 138
7. Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015) e Irzik e Nola (2014) p. 142
8. Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015) p. 147
9. Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015) p. 152
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LISTA DE SIGLAS
NdC – Natureza da Ciência
NOS – Nature of Science
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
AAAS – American Association for Advancement of Science
NRC - National Research Council
HFC – História e Filosofia da Ciência
HFSC – História, Filosofia e Sociologia da Ciência
QSC – Questões Sociocientíficas
SSI – Socioscientific Issues
CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
VC – Visão Consensual
PPGECM – Programa de Pós-graduação em ensino de ciências e matemática
ECC – Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências e Cultura
DCSE – Dogma Central da Síntese Evolutiva
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 14
CAPÍTULO 1. ENSINAR SOBRE CIÊNCIAS NAS AULAS DE BIOLOGIA
EVOLUTIVA ........................................................................................................................... 19
1.1 ENSINAR CIÊNCIAS E SOBRE CIÊNCIAS .....................................................................................19
1.2 O SABER SOBRE CIÊNCIAS: O QUE ENSINAR ............................................................................28
1.3 SOBRE O ENSINO DE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA ...........................................................................32
CAPÍTULO 2. A BORDO DO HMS BEAGLE (1831-1836): A RELAÇÃO ENTRE OS
DIÁRIOS DE CAMPO DE CHARLES R. DARWIN (1809-1882) E O CONTEXTO DA
GEOLOGIA DO SÉCULO XIX ............................................................................................ 44
2.1 GEOLOGIA DO SÉCULO XIX: O QUE ESTAVA ESCRITO NAS ROCHAS? ............................................46
2.2 CHARLES DARWIN (1809–1882) .....................................................................................................50
2.3 DIÁRIOS ..........................................................................................................................................61
CAPÍTULO 3. O SABER SOBRE CIÊNCIAS A PARTIR DOS DIÁRIOS DE CAMPO
DE CHARLES DARWIN ..................................................................................................... 101
3.1 FAZENDO SENTIDO .......................................................................................................................102
3.2 DISCUTINDO SOBRE CIÊNCIAS NA SALA DE AULA À LUZ DAS ABORDAGENS DE SEMELHANÇA DE
FAMÍLIA E TEMAS E QUESTÕES ..........................................................................................................133
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 154
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 157
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APRESENTAÇÃO
Inspirada pela recém-formação na licenciatura em ciências biológicas, pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), me enchi de coragem e motivação para, uma vez
professora de ciências e biologia, compartilhar com meus futuros estudantes saberes na ânsia de
possibilitar que eles pudessem sentir minimamente o que eu sentia pela biologia.
Entretanto, minha euforia trocava constantemente de lugar com um sentimento de
inadequação, dado que além de perdida, me sentia completamente despreparada para lecionar.
Ambicionando preencher as lacunas que me faltavam, enfrentei meu primeiro processo de
seleção para ingressar no programa de pós-graduação em educação, da mesma instituição. Sem
sucesso, voltei às leituras e estudos no grupo de estudos da complexidade (GRECOM). Retornei
à UFRN como aluna de ciências biológicas na modalidade bacharelado na mesma instituição,
pretendendo preencher as lacunas que me faltavam. Durante o curso, tive a oportunidade de
cursar a disciplina que me trouxe curiosidade e interesse, “filosofia das ciências”, oferecida pelo
departamento de filosofia, para estudantes do curso e das ciências biológicas. Nossa leitura
naquele semestre foi “O que é ciência, afinal?” (1993) de Alan Chalmers. Essa ocasião despertou
ainda mais dúvidas sobre o que eu pensava ser “Ciência”.
Participei do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) sob
orientação do professor Thiago Severo. Investigamos como estudantes de licenciatura das
ciências biológicas da UFRN, que estavam em ambientes de pesquisa, compreendiam ciências.
Investigava quais concepções de ciências, cientistas, conhecimento científico e pesquisa
pensavam os estudantes. E assim, entender como eu estava concebendo esses conceitos.
Nesse momento de dúvidas e angústias, fui professora da rede básica particular de ensino
em Natal-RN, onde nasci e moro atualmente, assumindo turmas do ensino fundamental I, onde eu
encontrei mais do que motivação, mas encantamento em falar de e sobre ciências. Após curtos
dois anos de experiência com alunos do ensino fundamental, redescobri a euforia e curiosidade
em aprender. Os estudantes de então, a quem tenho tanto carinho, me influenciaram na
simplicidade caótica de suas dúvidas, maneiras de ser e pensar. Pude perceber então que eu
necessitava compreender mais adequadamente sobre o que eu ensinava. Ao ensinar ciências no 6º
ano, a pergunta “o que é ciência” reverberava na minha consciência.
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Em 2017, ingressei na pós-graduação em ensino de ciências da UFRN para estudar, sob
orientação do professor André Ferrer, sobre metaciências a partir da leitura dos diários de Charles
Darwin. Agora com a oportunidade de compartilhar dificuldades, saberes e discussões no grupo
Ensino de Ciências e Cultura (ECC).
As dúvidas sobre o que é a atividade científica, como o conhecimento científico é
produzido e a possibilidade de ampliar meu escopo de conhecimento de ciências e sobre ciências
e, com isso, poder minimizar as dificuldades enfrentadas em sala de aula motivou a investigação
na área de história, filosofia e sociologia da ciência, apostando no desenvolvimento de uma
compreensão melhor informada sobre ciências e conceitos científicos, tanto minha, como
professora de ciências e biologia, como dos meus futuros estudantes.
A preocupação sobre o ensinar as ciências para além de um corpo de informações é
compartilhada por muitos autores (LEDERMAN, 1992; CARVALHO, 2001; ALLCHIN, 2004;
LEDERMAN, 2006; BELL, 2008; IRZIK; NOLA, 2011; ALLCHIN, 2011; ALLCHIN, 2014;
MARTINS, 2015), que defendem abordar características relacionadas ao fazer das ciências na
educação científica. Isto é: abordar não apenas os conteúdos específicos (conteúdos científicos)
das ciências, mas promover discussões sobre ela (conteúdos metacientíficos): como opera, como
é construída, validada e comunicada e suas particularidades epistemológicas (MARTINS, 2015).
Essa preocupação é reforçada por documentos oficiais da educação científica em vários
lugares do mundo (ROZENTALSKI, 2018). Essas reformas educacionais enfatizam a
importância da alfabetização científica como principal objetivo do ensino de ciências, almejando
que os estudantes compreendam o conhecimento sobre ciências e reconheçam suas contribuições
para sociedade, conseguindo se posicionar criticamente e tomar decisões diante de questões
sociocientíficas e cotidianas (AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF
SCIENCE, 1989, BRASIL, 1998, 2002, 2004, 2018; EURODYCE, 2011).
Esses documentos em conjunto inspiraram pesquisadores da área da didática das ciências
discutirem a importância de abordar sobre ciências. Essas discussões ficaram conhecidas pela
expressão “Natureza da ciência” (NdC) ou, em inglês, “Nature of Science” (NOS)
(CARVALHO, 2001; MATTHEWS, 2012; IRZIK; NOLA, 2014; MARTINS, 2015). Evandro
Rozentalski (2018) explica como o deslocamento dessas discussões para salas de aula foi
impulsionado pela preocupação em ampliar a compreensão sobre ciências como empreendimento
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humano e seu complexo processo de construção de conhecimentos ao longo do tempo, que é
permeado por esferas político-econômico-sociais, isto é, distintas expressões da cultura humana.
A preocupação em abordar sobre ciências em sala de aula concentrou muitos dos esforços
dos pesquisadores em “o que ensinar”. Grupos de pesquisa na área se dedicaram a pesquisar
sobre as concepções equivocadas de professores e estudantes sobre as ciências. Mais tarde,
analisando documentos educacionais, McComas (1998) defendeu pontos consensuais sobre o que
ensinar sobre ciências. O trabalho de diversos pesquisadores culminou na busca do que seria uma
“visão consensual”, que se empenha em reunir aspectos da ciência a serem ensinados em sala de
aula (LEDERMAN, 2007). Entretanto, o termo é permeado por diversas controvérsias e entraves,
sendo discutido por diversos autores em sua defesa ou crítica. Em virtude desses debates,
escolhemos nessa investigação utilizar os termos “discussões metacientíficas” ou “sobre
ciências” para designar perspectivas que abordem o conhecimento científico de forma mais
ampla (ALTERS, 1997; ALLCHIN, 2011; MATTHEWS, 2012). Por esse motivo, na tentativa de
superar as limitações da visão consensual, apostamos nas propostas de Irzik e Nola (2011; 2014)
e de Martins (2015).
No ensino de biologia, particularmente evolutiva, o ensino da evolução biológica ainda é
palco de muitos entraves e controvérsias, envolvendo professores, estudantes, concepções poucos
elaboradas sobre atividade e conhecimento científico e cientistas. A teoria da evolução biológica
é um tema considerado controverso e as ideias que professores e estudantes têm sobre ela são
influenciadas por concepções inadequadas do pensamento científico (KAMPOURAKIS;
ZOGZA, 2007; KAMPOURAKIS; ZOGZA, 2008; EL-HANI, 2009; GONZÁLEZ GALLI, 2011;
OLIVEIRA; BIZZO, 2011; KAMPOURAKIS, 2011; KAMPOURAKIS et al., 2012; OLIVEIRA;
BIZZO, 2015).
Outra discussão refere-se à perspectiva de alguns autores que chamam atenção para a
importância que a evolução biológica tem na área da biologia, bem representada pela frase que
foi proferida pelo biólogo evolucionista Theodosius Dobzhansky, em uma palestra para
professores de biologia, sobre os conteúdos da biologia fazerem sentido apenas à luz da evolução
biológica (MORENO, 2013; GROTO, 2016). Concordamos com Karla Chediak (2008), quando
discute a pertinência da evolução ser central em discussões relacionadas à ideia de que a
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diversidade da vida na Terra possui uma origem comum e sofre alterações ao longo da sucessão
das gerações (CHEDIAK, 2008).
Nesse sentido, pensamos que discussões metacientíficas são pertinentes para possibilitar
compreensões mais informadas sobre a evolução biológica. Por isso, apostamos em investigar os
diários de Charles Robert Darwin (1809-1882) com o objetivo de identificar elementos que
possam contribuir para discussões de conteúdos metacientíficos1 nas aulas de evolução. .
Dessa forma, nossa hipótese era de que os diários de campo de Darwin possuíam esses elementos
e que a identificação deles poderia contribuir para pensar discussões sobre ciências em sala de
aula. Escolhemos os diários de campo escritos por Darwin durante a viagem do HMS Beagle
(1831-1836). Chancellor e van Wyhe (2008) sugerem que através da leitura desses diários é
possível observar o amadurecimento do jovem naturalista, a partir da natureza de suas anotações,
que vão se tornando mais reflexivas.
As anotações de Darwin são derivadas de suas observações, geralmente relacionadas com
discussões geológicas. Para compreender e situar os episódios históricos que ocorreram enquanto
Darwin realizava essas anotações em seus diários foi necessária à leitura de fontes secundárias,
iniciando por uma introdução de cada diário, escrita pelos historiadores da ciência da plataforma
Darwin Online. Essa contextualização possibilitou a identificação de elementos metacientíficos.
Essa dissertação encontra-se dividida em três capítulos, acrescidos de considerações
finais. No capítulo 1, iremos abordar as discussões metacientíficas nas aulas de biologia,
relacionando-as com os objetivos do ensino de ciências. Para isso, o capítulo foi dividido em três
seções. A primeira aborda a pertinência do ensino de conteúdos científicos e metacientíficos. A
segunda seção discute o que ensinar nas aulas de ciências. Para isso, abordamos, brevemente, o
histórico dos estudos da área de pesquisa conhecida como “Natureza da Ciência” (NdC),
destacando as propostas que consideramos pertinentes para a análise que fizemos dos diários de
Darwin. A terceira seção do capítulo discute aspectos particulares do ensino de biologia que
dizem respeito à evolução biológica. Destacamos, em particular, as principais dificuldades do
ensino de evolução em sala de aula.
1 Entendemos por conteúdos metacientíficos os aspectos sobre o conhecimento científico e seus processos de
produção, em seus diversos contextos, defendido sob diversas perspectivas ao longo do tempo, como será discutido
no capítulo 1.
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Iniciamos o capítulo 2 apresentando o percurso metodológico da nossa investigação,
destacando a importância do uso de fontes primárias e secundárias. Posteriormente, na seção 2.2,
tratamos das ideias que constituíam o cenário da geologia – ciência ainda nascente – no século
XIX e suas relações com o pensamento de Charles Darwin. Nessa seção, procuramos descrever,
brevemente, aspectos biográficos do jovem naturalista. Prosseguindo para a terceira seção do
capítulo, descreveremos os conteúdos dos diários que foram analisados para esse trabalho, a
saber: Cabo Verde, Rio, Buenos Aires, Santa Fé, Santiago e Sidney.
No capítulo seguinte, nos propusemos a discutir sobre ciências em sala de aula, a partir
dos elementos metacientíficos identificados durante a leitura dos diários. Assim, na primeira
seção, nos dedicamos a relacionar os conteúdos dos diários ao cenário da geologia que
abordamos no capítulo anterior, para ajudar a compor os episódios vividos por Darwin ao
escrever os diários analisados.
Ao final, apontamos possibilidades dessas discussões em sala de aula, sugerindo que
planejamentos possam ser desenhados para inserir conteúdos sobre ciências a partir dos
elementos metacientíficos que identificamos nos diários.
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CAPÍTULO 1. ENSINAR SOBRE CIÊNCIAS NAS AULAS DE BIOLOGIA
EVOLUTIVA
1.1 ENSINAR CIÊNCIAS E SOBRE CIÊNCIAS
A educação em ciências2 tem a alfabetização científica como um de seus compromissos
para a população, principalmente a partir de meados do século XX. Estudos iniciais
preocupavam-se com uma educação científica “menos metódica e mais reflexiva” (MOURA,
2008).
A literatura da área de didática das ciências, predominantemente internacional em seus
primórdios, utiliza a expressão scientific literacy relacionada a habilidades de leitura e escrita,
bem como à compreensão e educação científica, de forma ampla e aplicada (LAUGKSCH, 1999;
NORRIS, 2003).
A importação desse termo para o português trouxe consigo um problema semântico:
alfabetização ou letramento? (VITOR; SILVA, 2017). Entretanto, há certa predominância da
adoção do termo “alfabetização científica” como tradução de “scientific literacy”, apresentando
relação com a expectativa que se tem em relação ao público: estudantes de ciências (CUNHA,
2017).
Utilizaremos alfabetização científica para designar um dos objetivos mais destacados do
ensino de ciências, desde meados do século XX até os dias atuais, que aponta para a compreensão
mais ampla de ciências por parte dos estudantes, mesmo compreendendo que há discussões
acerca do uso dos constructos alfabetização e letramento científico.
Mesmo com nomes diversos, uma alfabetização científica da população em geral
continua a ser uma meta de todos aqueles preocupados com a educação em
ciências. A menos que seja feita de modo dogmática e/ou limitada a um
conhecimento do conteúdo da ciência – visto, erradamente, como um conjunto
2 Destacamos a nossa escolha em utilizar nesse trabalho o termo “ciências”, em letras minúsculas e no plural, para
designar a atividade científica em geral, que envolve diversas áreas do conhecimento e uma pluralidade
metodológica.
20
de fatos e afirmações sobre fenômenos – tal alfabetização não pode prescindir de
um saber sobre a ciência (MARTINS, 2015, p. 730).
Nesse sentido, professores de ciências, pesquisadores da área de didática das ciências e
das metaciências História, Filosofia e Sociologia da Ciência (HFSC) constituíram um campo de
estudos conhecido como Natureza da Ciência (NdC), preocupados com compreensões mais
amplas de ciências (ROZENTALSKI, 2018).
O campo da NdC – ou Nature of Science (NOS), em inglês – se preocupa com pesquisas
de caráter teórico e aplicado que priorizam, para além do ensino de conhecimentos científicos,
também os processos de produção e validação da ciência (MOURA, 2008; MARTINS, 2015;
IRZIK; NOLA, 2011; ADURIZ-BRAVO, 2005; ROZENTALSKI, 2018). Essa área se
solidificou no contexto de reestruturação de documentos norteadores de ensino de ciências da
educação básica mundial, em diferentes momentos históricos e locais no mundo.
McComas (2014) fornece um panorama histórico da área, resgatando uma das defesas
inaugurais de um entendimento de ciência mais amplo: o discurso do Duke de Argyll à
Associação Britânica para o Avanço da Ciência sobre a importância de o ensino de jovens
abranger tanto resultados quanto métodos, além de destacar a importância da história da ciência
(McCOMAS, 2014). McComas narra sobre essa defesa ter extrapolado as fronteiras da Inglaterra
e ter chegado aos Estados Unidos, um século depois, citando James Bryan Conant em sua
palestra na Universidade de Yale, sobre os estudantes de ciências compreenderem melhor o fazer
científico e depois a expansão de sua ideia, em 1951, para todos os cidadãos.
O autor discorre sobre como “o lançamento soviético do Sputnik em 1957 e a ameaça
percebida à superioridade norte-americana em ciência e tecnologia deram origem ao que foi
chamado de Era Dourada da Educação Científica” (McCOMAS, 2014, p. 1995). Diversos
projetos com o intuito de melhorar a educação de ciências e matemática e desenvolvimento
curricular foram financiados (McCOMAS, 2014).
Curiosamente, vários dos projetos de currículo de ciências financiados pelo
governo como uma resposta à ameaça soviética percebida foram expressamente
projetados com elementos de NOS, para que os estudantes tivessem a
oportunidade de entender como “fazer” a ciência no mundo real (McCOMAS,
2014, p. 1996).
21
Em seguida, várias organizações nos Estados Unidos, como o National Research Council
(NRC) e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) manifestaram interesse na
natureza da ciência (McCOMAS, 2014, p. 1996) financiando projetos como, por exemplo, nos
Estados Unidos, o Project 2061: Science for all Americans; o Project Physics Course da
Universidade de Harvard, conhecido como Projeto Harvard (MOURA, 2008).
Rosalind Driver (1996) argumenta sobre o aumento do interesse em ensinar NdC em sala
de aula e essa inserção ser um norte curricular em muitos países. Para elucidar sua defesa,
exemplifica os Estados Unidos com o interesse da AAAS sobre a temática e a Inglaterra com a
inclusão de “Meta de realização sobre a Natureza da Ciência” na versão original do “Currículo
nacional de Ciência” (DRIVER, 1996, p. 13). Ainda elenca as conferências internacionais de
1988, 1991 e 1995 em História e Filosofia da Ciência (HFC) no ensino e o aparecimento de
novas revistas acadêmicas especializadas na área, contribuindo com o aumento do interesse de
pesquisadores em NdC.
Em 2011, o documento Science Education in Europe: National Policies, Practices and
Research publicado pela Agência executiva de educação, audiovisual e cultura (Education,
Audiovisual and Culture Executive Agency – EACEA (Eurydice)) considera uma compreensão
básica da ciência como “uma habilidade necessária para todos os cidadãos”. Essa perspectiva está
relacionada ao objetivo de alfabetizar cientificamente os estudantes no ensino de ciências. O não
cumprimento desse objetivo – constatado pelo baixo desempenho de estudantes nas competências
básicas – estimulou o mesmo documento a estabelecer um referencial para que, em 2020, o
número de jovens de 15 anos com capacidades insuficientes em leitura, matemática e ciências
seja inferior a 15% (EURODYCE, 2011). “Melhorar a educação científica tem estado no topo da
agenda política de muitos países europeus desde o final dos anos 90. Nos últimos dez anos, em
particular, um grande número de programas e projetos foram criados para tratar dessa questão”
(EURODYCE, 2011, p. 27).
Nesse sentido, esses objetivos ainda são encontrados em currículos da educação científica
como os da Inglaterra (2013) e Austrália (2018). O primeiro, especificadamente, defende que
estudantes devem ser ensinados para que desenvolvam compreensão e experiência em primeira
mão sobre o desenvolvimento do pensamento científico, além de habilidades e estratégias
experimentais, análise e avaliação, vocabulário, unidades, símbolos e nomenclatura,
22
independente da disciplina: química, física ou biologia (EURODYCE, 2013). O segundo possui
como vertentes principais: “entendimento sobre ciência, ciência como um empreendimento
humano” e “habilidades de investigação científica”, dialogando também com a alfabetização
científica como objetivo.
O Brasil também foi cenário de reestruturação de documentos educacionais norteadores:
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) discutiram também os objetivos gerais da educação,
como o desenvolvimento da compreensão de cidadania, de posicionamentos críticos, da
percepção de ser parte integrante, dependente e transformadora do ambiente (BRASIL, 1998,
2002, 2004). O documento defende um ensino de ciências que supere a visão do conhecimento
científico como “um saber neutro, isento, e a verdade científica, tida como inquestionável"
(BRASIL, 1998, p. 19).
Esses documentos destacam a pertinência da educação científica para a compreensão de
Questões Sociocientíficas (QSC)3, argumentando que a convivência com produtos da ciência e da
tecnologia, apesar de trivial atualmente, não implica em conhecimento sobre os processos pelos
quais passaram sua produção e distribuição. Dessa forma, discutem a importância da superação
“de uma postura que apresente o ensino de ciencias como uma mera descrição de suas teorias e
experiências, sem refletir sobre seus aspectos éticos e culturais” (BRASIL, 1998, p. 22). É na
educação científica em que há espaço para “reconstruir a relação ser humano/natureza em outros
termos, contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência social e planetária” (BRASIL,
1998, p. 22). Nesse sentido, permitindo ao estudante o desenvolvimento de posicionamentos
críticos sobre “questões polêmicas como os desmatamentos, o acúmulo de poluentes e a
manipulação gênica” (BRASIL, 1998, p. 22).
É importante destacar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atualmente em fase
de implementação, que vem a ser o documento norteador da educação no Brasil. Sua proposta
estabelece as “aprendizagens essenciais” (BRASIL, 2018) a serem desenvolvidas por todos os
estudantes durante o ensino básico. Então, é intenção do documento orientar o desenho de
3 Compreendemos que “questões sociocientíficas” (QSC) ou ainda Socioscientific Issues (SSI) são um importante
espaço de discussão sobre relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) com diversos objetivos
educativos (CONRADO, 2017), configurando uma "linha da abordagem temática de educação escolar, com certas
características de inovação curricular que merecem ser estudadas e acompanhadas" (PÉREZ et al., 2015). Entretanto,
nos referimos a elas nesse trabalho como um dos pontos de entendimento que educação científica almeja desenvolver
em seus estudantes.
23
currículos, bem como conteúdos mínimos para serem abordados em sala de aula, no intuito de
desenvolver competências gerais assegurando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento
para todos os estudantes.
É destacado como uma das Competências Gerais da Educação Básica a capacidade de:
exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a
criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e
resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas (BRASIL, 2018, p. 9).
A BNCC propõe ainda como outra das Competências Gerais da Educação Básica
“valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social,
cultural e digital para entender e explicar a realidade [...]” (BRASIL, 2018, p. 9), enfatizando a
pertinência da construção histórica do conhecimento.
No ensino de ciências, essa competência remete às discussões não apenas dos conteúdos
de ciências, como também de conteúdos metacientíficos, possibilitando uma compreensão mais
ampla sobre o empreendimento científico. Na parte destinada à área de Ciências da Natureza, o
documento defende um ensino de ciências que:
por meio de um olhar articulado de diversos campos do saber, precisa assegurar
aos alunos do Ensino Fundamental o acesso à diversidade de conhecimentos
científicos produzidos ao longo da história, bem como a aproximação gradativa
aos principais processos, práticas e procedimentos da investigação científica
(BRASIL, 2018, p. 321).
Mais à frente, a Base ainda elenca Competências Específicas de Ciências da Natureza
para o Ensino Fundamental e, dentre elas: “compreender as Ciências da Natureza como
empreendimento humano, e o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico”
(BRASIL, 2018, p. 324).
Para o Ensino médio, a BNCC aponta, no texto introdutório, que “é importante destacar
que aprender Ciências da Natureza vai além do aprendizado de seus conteúdos conceituais”
(BRASIL, 2018, p. 547). Mais à frente complementa: “a contextualização social, histórica e
24
cultural da ciência e da tecnologia é fundamental para que elas sejam compreendidas como
empreendimentos humanos e sociais” (BRASIL, 2018, p. 547).
Continuando, o documento especifica que contextualizar historicamente não diz respeito à
simples menção de nomes de cientistas e datas de seus “feitos”, mas de:
[...] apresentar os conhecimentos científicos como construções socialmente
produzidas, com seus impasses e contradições, influenciando e sendo
influenciada por condições políticas, econômicas, tecnológicas, ambientais e
sociais de cada local, época e cultura.
[...]
Ainda com relação à contextualização histórica, propõe-se, por exemplo, a
comparação de distintas explicações científicas propostas em diferentes épocas e
culturas e o reconhecimento dos limites explicativos das ciências, criando
oportunidades para que os estudantes compreendam a dinâmica da construção do
conhecimento científico (BRASIL, 2018, p. 550).
A BNCC para o ensino médio especifica apenas três competências. Dentre elas, a
Competência 2 está relacionada com uma compreensão mais ampla de ciências quando propõe
que os estudantes desenvolvam uma de suas habilidades específicas: “analisar e utilizar
interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos,
realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e
fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis” (BRASIL, 2018, p. 557).
Há, ainda, uma relação com a compreensão de ciências para além de apenas conteúdos
científicos na competência 3, explicitada na habilidade 5:
Investigar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e
tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e
linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que
considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas
descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio
de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC)
(BRASIL, 2018, p. 559).
Mostrar as ciências como elaboração humana para uma compreensão do mundo é uma
meta para o ensino da área na escola básica e a falta de informação científico-tecnológica pode
comprometer a própria cidadania, deixada à mercê do mercado e da publicidade. Assim, a
25
literatura na área da didática das ciências discute sobre abordar em sala de aula os temas da
educação científica, bem como seus processos e características, aproximando da sociedade essa
forma de conhecer e entender o mundo (LEDERMAN, 1992, 1999; DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2002; GALLI, 2011; MARTINS, 2015; GROTO, 2016).
Norman Lederman e colaboradores (1992) revisaram as concepções de professores e
estudantes sobre ciências. Os autores narram os objetivos do ensino sobre ciências em diferentes
tempos históricos: inicialmente, as investigações eram limitadas a identificar as concepções dos
estudantes, concluindo posteriormente que os estudantes não possuíam concepções adequadas da
natureza da ciência ou do raciocínio científico (LEDERMAN, 1992).
O campo de estudos se concentrou, então, em desenvolver e avaliar a eficácia dos
currículos destinados a promover concepções mais adequadas da ciência. Como consequência, os
esforços de pesquisa voltaram sua atenção para os professores, avaliando que a falta de formação
de professores de ciências em História e Filosofia da Ciência influencia claramente o ensino da
ciência. Embora os docentes considerassem essas metaciências4 importantes, apresentavam
inadequações denunciando sua falta de formação nessas áreas (LEDERMAN, 1992).
Dessa forma, a literatura recomendou um tratamento mais formal de diferentes visões de
NdC e de Filosofia da Ciência dentro da formação de professores e enfatizou a importância da
reflexão sobre essas visões. Lederman e colaboradores (1992) chamam atenção para a relação
entre o conhecimento do professor sobre metaciências não resultar “necessariamente no
desempenho das abordagens de ensino relacionadas a melhores concepções de estudantes”
(LEDERMAN, 1992, p. 351).
Rosalind Driver e colaboradores (1996), em Young People's Images of Science, defendem
que, se a educação científica objetiva melhorar as compreensões de ciência do público, deve
desenvolver nele um entendimento sobre o empreendimento científico, seus objetivos e
finalidades e a natureza do conhecimento produzido:
Tal entendimento, argumenta-se, é necessário para que os estudantes
desenvolvam uma apreciação do poder e das limitações das alegações de
conhecimento científico, uma apreciação necessária para lidar apropriadamente
4 Áreas de investigação que têm como objeto de estudo as ciências, seus processos e suas particularidades
epistemológicas (MARTINS, 2005; MARTINS, 2015; ROZENTALSKI, 2018).
26
com os produtos da ciência e da tecnologia como cidadãos informados que
possam participar plenamente uma democracia moderna (DRIVER et al., 1996,
p. 13, tradução nossa).
Nessa direção, Driver e colaboradores (1996) investigam as concepções sobre ciências na
interpretação de fenômenos e eventos naturais. Essas ideias diferem do que é aceito pela
comunidade científica e que são compartilhadas amplamente por estudantes em sala de aula.
Atentam ainda para essas visões serem resistentes e persistirem mesmo quando os programas de
formação de professores são cuidadosamente construídos.
Marcelo Carvalho (2001) argumenta em favor de professores conhecerem temáticas sobre
ciências, abordadas pela história da ciência, filosofia da ciência e, mais recentemente, pela
sociologia da ciência. Rozentalski (2018) discute, em sua tese de doutorado, o desenvolvimento
histórico das distintas metaciências, bem como os estudos os quais se debruçam pesquisadores
dessa área de interseção, que uniu esses pesquisadores e professores de ciências conscientes da
necessidade de professores compreenderem sobre as ciências para possibilitar o entendimento dos
estudantes.
Prosseguindo com os esforços de pensar melhores maneiras de como discutir sobre
ciências em sala de aula, muitos autores investiram em pesquisar e identificar as concepções
inadequadas de professores e estudantes acerca das ciências. Nessa direção, Gil Pérez e
colaboradores (2001) defendem a importância da identificação e reflexão sobre visões pouco
informadas sobre ciências para o desenvolvimento de uma compreensão mais ampla da atividade
e conhecimento científico e cientistas. Elencam e discutem as “visões deformadas” de professores
sobre a atividade científica, reunindo os principais equívocos relacionados com: concepção
empírico-indutivista e ateórica; visão rígida, algorítmica, exata, infalível do conhecimento
científico; aproblemática e ahistórica, portanto fechada a um grupo específico de atores; visão
analítica, simplificadora da ciência, que serviria nesse sentido, apenas como instrumento;
compreensão acumulativa de crescimento linear; individualista e elitista da ciência e
descontextualizada, socialmente neutra da ciência (GIL-PEREZ et al., 2001).
Lederman (1992) chama atenção para a possibilidade de essa desinformação orientar as
práticas educativas de professores em sala de aula, mesmo questionando até que ponto essa
27
relação é tão direta e considerando uma interação entre diversas variáveis que se relacionam com
perspectivas adequadas sobre ciências (LEDERMAN, 1992).
Retomando um argumento de Richard Duschl (1985), McComas defende que sem as
discussões sobre ciências os estudantes “provavelmente continuarão a ver a ciência apenas em
sua forma final” (McCOMAS, 2014, p. 1996). O autor se refere à aprendizagem apenas das
conclusões da ciência, ou seja, do produto final do conhecimento científico sem a compreensão
de seus processos. Desse modo, indo na direção contrária de uma alfabetização científica. Para
McComas: a “ciência da forma final fornece uma visão tão superficial do empreendimento
científico que os alunos são incapazes de usar os métodos da ciência para si próprios ou para
avaliar o valor científico das ideias propostas por outros” (MCCOMAS, 2014, p. 1996).
Nesse sentido, diversos autores defendem, para além do ensino dos conteúdos das
ciências, discutir sobre ciências ou conteúdos metacientíficos5, como frequentemente iremos nos
referir nesse trabalho. Esses autores (LEDERMAN, 1992; MCCOMAS, 1998; CARVALHO,
2001; ALLCHIN, 2004; BELL; MOURA, 2008; IRZIK e NOLA; ALLCHIN, 2011;
MATTHEWS, 2012; MARTINS, 2015) estão preocupados em ensinar as ciências para além de
um corpo de informações prontas e imutáveis: conhecer e compreender sobre ciências,
possibilitando a compreensão das ciências como um empreendimento dinâmico .
É imperativo, então, que estudantes possam construir e desenvolver conhecimento a
respeito da natureza do pensamento científico, porém, o que costuma ser discutido em sala de
aula são apenas os produtos, modelos e teorias mais elaboradas, “conteúdos científicos”
(MARTINS, 2015) ou “conteúdos específicos” (CARVALHO, 2001).
Matthews (2012) demonstra sua preocupação em inserir aspectos relacionados a
discussões metacientíficas, viabilizando o desenvolvimento da alfabetização científica, para
possibilitar o desenvolvimento individual, social e cultural dos indivíduos, extrapolando as
paredes da sala de aula. Entendendo o conhecimento científico como empreendimento humano,
que interage com contextos históricos e aspectos cognitivos, sociais, políticos, éticos,
5 Nos referimos a conteúdos metacientíficos em acordo com Martins (2015) para designar uma visão mais ampla “de
como a ciência funciona, como o conhecimento científico é produzido, validado e comunicado, assim como a própria
natureza desse conhecimento, no que se refere às suas particularidades epistemológicas” (MARTINS, 2015, p. 704).
28
psicológicos, o autor ressalta que cada área citada, contribui para a construção das ciências,
através de diferentes abordagens (MATTHEWS, 2012).
Em direção ao objetivo central do ensino de ciências, que estamos defendendo durante
toda a seção – uma alfabetização científica – é necessário que estudantes desenvolvam a
capacidade de compreender, refletir e discutir a diversidade de modelos científicos de diferentes
áreas e o processo de produção do conhecimento científico, através da mediação dos professores.
Isto é, para ser alfabetizado cientificamente, é preciso compreender conteúdos científicos e
metacientíficos.
1.2 O SABER SOBRE CIÊNCIAS: O QUE ENSINAR
Com a preocupação em ensinar sobre ciências em sala de aula, os pesquisadores da área
dedicaram esforços para entender quais conteúdos deveriam ser abordados.
Nesse sentido, Lederman (1999) investigou as compreensões de professores da educação
básica e de seus estudantes sobre ciências. Nesse estudo, embora reconheça a não existência de
um consenso que diz respeito a todos os aspectos de natureza da ciência, defende que a partir de
estudos anteriores da área, podem ser estabelecidos os seguintes elementos: 1) O conhecimento
científico é tentativo; 2) é empiricamente baseado; 3) é subjetivo (informado pela teoria); 4)
envolve inferência, imaginação e criatividade humana; 5) envolve a combinação de observações e
inferências; 6) é socialmente e culturalmente embebido; e 7) há uma relação entre leis e teorias
científicas (LEDERMAN, 1999, p. 917).
Assim, a partir principalmente das recomendações de documentos norteadores da
educação científica, a tentativa de abordar “princípios” – no inglês “tenets” – sobre ciências,
defendida principalmente por Lederman (1999) e McComas (1998), caminhou para o que se
tentou estabelecer como um consenso (ao menos em relação àquilo que deve ser ensinado, e não
em nível filosófico), adotado em forma de listas sobre o que ensinar:
Essencialmente, a chamada “visão consensual” (VC) estabelece um conjunto de
aspectos, de caráter geral, a respeito dos quais haveria um consenso amplo no
que diz respeito ao que se espera que esteja presente no currículo escolar de
ciências. Como um referente para a instrução, a VC busca um consenso
29
pragmático em torno de determinados aspectos que seria válido para se pensar a
inserção da temática NdC nas escolas, portanto. (MARTINS, 2015, p.706).
Ainda que pese a grande contribuição de Lederman6, McComas e colaboradores nos
estudos relacionados à NdC, essa “visão consensual” (VC) foi bastante criticada no que diz
respeito às suas limitações. Essas críticas foram revisadas por Evandro Rozentalski (2018). O
autor analisa que os principais problemas com a VC se relacionam com a construção de uma
imagem única para ciência, além do distanciamento das metaciências, o que consequentemente
constrói uma imagem de NdC como “autossuficiente” (ROZENTALSKI, 2018).
Parte das críticas se debruçam no problema do termo “natureza” (da ciência), que pode ser
interpretado como “essência”. Além de conferir um sentido único para todas as ciências,
configura-a como atemporal, fixa, necessária e suficiente (ALLCHIN, 2011; MATTHEWS,
2012; IRZIK; NOLA, 2014).
Martins (2015), atentando para o fato da expressão “natureza da ciência” ser comum na
literatura, podendo ser considerada um “slogan”, chama atenção para outras terminologias
escolhidas para designar os estudos da área, tais como “saber sobre a ciência” (“knowledge about
science”), “como a ciência funciona” (“how science works”), “epistemologia da ciência”
(“epistemology of science”) ou mesmo “ideias sobre a ciência” (“ideas-about-science”)
(MARTINS, 2015). Irzik e Nola (2011) ainda chamam atenção para a expressão “natureza da
ciência” possibilitar a ideia de que a ciência não tem história e que sua natureza é imutável
(IRZIK; NOLA, 2011).
Há críticas que se referem à justificativa da VC ser estabelecida por consensos. Nesse
sentido, Alters (1997) investigou entre os filósofos da ciência dedicados aos estudos dos
“Princípios da ciência” (tenets), em que medida havia um consenso em relação a um critério de
demarcação desses princípios. O autor evidencia haver um dissenso entre as visões dos
pesquisadores e recomenda que os princípios devem ser reconsiderados. Assim, não havendo
6 Reconhecemos os vários aspectos positivos da pesquisa de Lederman, cujo trabalho consagrou o campo de
investigações da “natureza da ciência” (NdC ou NOS, em inglês) Foi capaz de atingir documentos curriculares
norteadores nos Estados Unidos e incentivou o desenvolvimento de questionários e protocolos para investigar
questões empíricas sobre NdC. Entendemos que seus setes aspectos da ciência levam em consideração limitações
da formação de professores e tempo de sala de aula, e que ele associa a discussão desses aspectos a práticas de
ensino por investigação.
30
consenso estabelecido, assumir a perspectiva da VC contribuiria para distorcer a imagem de
ciência, ocultando as controvérsias, que são próprias da comunicação científica na produção de
seus conhecimentos (VAZQUEZ-ALONSO et al., 2008).
Outras críticas dizem respeito à forma com que a VC é abordada, através de “afirmações
curtas, diretas e de caráter geral sobre a ciência” (MARTINS, 2015, p. 707), abordando cada
“princípio” de maneira generalizada, “abrangendo de maneira não problemática aspectos
epistemológicos, sociológicos, históricos, psicológicos, éticos, etc.” (ROZENTALSKI, 2018, p.
131). E há, ainda, críticas ao conteúdo dos enunciados, que não exercem bem sua função
delimitadora do que é próprio da ciência, já que são características não restritas às ciências
(ROZENTALSKI, 2018).
Dessa forma, diversos são os autores que se aventuraram na elaboração de abordagens
para discutir sobre ciências em sala de aula, em diversos níveis de ensino, sob diferentes
perspectivas alternativas à VC (ALLCHIN, 2011; IRZIK; NOLA, 2011; MATTHEWS, 2012;
ERDURAN; DAGHER, 2014; IRZIK; NOLA, 2014; MARTINS, 2015; DAGHER; ERDURAN,
2016).
Nesse sentido, escolhemos para as análises deste trabalho as abordagens de “semelhança
de família”, proposta por Irzik e Nola (2011, 2014), e de “temas e questões”, proposta por
Martins (2015). Essa escolha foi motivada por ambas possuírem um sentido filosófico que
dialoga com uma concepção de ciência “mais aberta, plural e heterogênea” (MARTINS, 2015),
respeitando as diferenças entre as distintas disciplinas científicas e evidenciando o envolvimento
histórico, social e cultural na produção do conhecimento científico (IRZIK; NOLA, 2011; 2014;
MARTINS, 2015).
Irzik e Nola (2011) criticam a visão consensual, que tenta descrever um conjunto estático
de características ou aspectos da ciência, não permitindo que seja compreendida em sala de aula
de forma ampla. Propõem, então, a “semelhança de família”. A ideia básica dessa abordagem é o
compartilhamento de semelhanças por membros de uma família em alguns aspectos e não em
outros. “O problema aqui é dizer de que maneira a rede de características pode formar uma
família com base em semelhanças” (IRZIK; NOLA, 2011, p. 594).
31
Utilizando a ideia de “modelo politético”, Irzik e Nola (2011) desenvolvem sua concepção
de semelhança de família, em relação às distintas disciplinas científicas, onde há várias
possibilidades de conjuntos de características, que derivam de um conjunto maior:
Existe um conjunto de características que a ciência compartilha, porém essas não
são suficientes para demarcar ciência de outros esforços humanos. São as outras
características que acompanham a observação e a inferência que dão uma
importante contribuição às características de formação da família que
caracterizam as disciplinas científicas (IRZIK; NOLA, 2011, p. 595).
Na caracterização estrutural da proposta, fica claro o não desejo de “impor limites e deixar
a investigação caso-a-caso” (IRZIK; NOLA, 2011, p. 595). A partir dessa abordagem é possível
investigar semelhanças e diferenças entre as ciências, bem como realizar uma investigação mais
pontual, de uma característica especifica, já que a semelhança de família agrupa as diferentes
características em: 1. Atividades; 2. Objetos e valores; 3. Métodos e regras metodológicas e 4.
Produtos (IRZIK; NOLA, 2011).
Posteriormente, os mesmos autores expandem a ideia de semelhança de família (2014)
acrescentando aspectos sociais, históricos e éticos à discussão. Separam – didaticamente para fins
de análise, já que na atividade científica ambos os sistemas interagem – a ciência em dois
sistemas: o cognitivo epistêmico, que compreende pensamento e prática; e o sistema social-
institucional.
O primeiro (cognitivo-epistêmico) é constituído das 4 categorias discutidos em seu artigo
de 2011. A novidade está no sistema social-institucional que, segundo eles, não é exaustivo,
entretanto “capta uma importante parte da ciência como prática social” (IRZIK; NOLA, 2014,
p.1009). Suas categorias são: 1. Atividades profissionais; 2. Ethos científico; 3. Certificação
social e disseminação do conhecimento científico e 4. Valores sociais da ciência (IRZIK; NOLA,
2014).
A atenção que os autores deram ao sistema social-institucional é um ponto de semelhança
mais forte com o trabalho de Martins (2015). Esse autor também compreende uma abordagem
mais ampla sobre ciências, evidenciando o envolvimento histórico, social e cultural na produção
do conhecimento científico (MARTINS, 2015). Propõe ser um ponto inicial de partida para
pensar essas discussões em termos didáticos, funcionando como uma perspectiva para abordar
32
conteúdos metacientíficos a partir de temas e questões. Os temas são divididos em dois grandes
eixos principais, inter-relacionados: o histórico e sociológico e o epistemológico.
“A divisão é, até certo ponto, artificial, se entendermos que os aspectos propriamente
epistêmicos e que caracterizam a ‘natureza’ do conhecimento produzido provêm de uma
construção que é coletiva (intersubjetiva), histórica e social” (MARTINS, 2015, p. 718). O
primeiro diz respeito às interações entre sujeito, comunidade científica, sociedade e
conhecimento científico historicamente produzido. O último, diz respeito aos temas relacionados
à origem e às características do conhecimento científico (MARTINS, 2015).
Complementando a proposta, propõe questões que contribuem para discutir os temas de
forma aprofundada ou específica, enfatizando o caráter investigativo “que imaginamos que seu
tratamento deve adotar” (MARTINS, 2015, p. 720).
As propostas acima elucidadas – de semelhança de família e a de temas e questões – para
discutir sobre ciências possuem pontos de interseção: ambas possuem um sentido filosófico mais
amplo, possibilitando o reconhecimento de diferenças e semelhanças entre disciplinas científicas
distintas, além de destacarem um envolvimento histórico, social e cultural na produção do
conhecimento científico.
Dessa forma, escolhemos ambas as abordagens por dialogarem com uma perspectiva de
ciências mais alargada, que reconheça a pertinência de se conhecer conteúdos científicos e
metacientíficos, de alguma maneira contribuindo para o desenvolvimento de visões mais bem
informadas sobre o conhecimento científico, isto é, para uma alfabetização científica.
1.3 SOBRE O ENSINO DE EVOLUÇÃO BIOLÓGICA
As ideias de Charles Darwin constituem um cenário de controvérsias, embates e
polêmicas, desde o lançamento de sua obra. A origem das espécies foi lançado em 1859 e rompeu
com certas ideias estabelecidas até o século XIX, principalmente a noção de que as espécies
permaneciam imutáveis desde sua criação. Nesse sentido, Paulo Abrantes (2016) relaciona esse
rompimento com aspectos de pensamentos mecanicistas e materialistas de séculos passados,
principalmente os séculos XVII e XVIII, se referindo aos estudos sobre a origem da vida.
33
Abrantes (2016) discute sobre o pensamento mecanicista estar relacionado com uma
imagem de ciência que enxergava a ordem natural imutável, produto da criação divina. Isto é, a
matéria era passiva e sua toda sua atividade estava relacionada a Deus. Assim, a história natural
(que veio a ser chamada futuramente de biologia) estava a serviço da teologia natural: o
naturalista estudava a obra divina. Já o pensamento materialista interpretava a matéria como
ativa, compreendendo a natureza como autossuficiente. Ou seja: sem a necessidade de
intervenções externas (divinas) para produzir os fenômenos (ABRANTES, 2016).
Essas compreensões deram base para interpretar as questões sobre a origem da vida em
termos de geração espontânea: a matéria inorgânica (não viva), dotada de poderes ativos, poderia
gerar matéria orgânica (viva). Dessa forma, essa ideia de “substâncias ativas da matéria”
dominou o pensamento do século XVIII por meio de diversas denominações: fogo, substância
solar, flogístico, luz ou eletricidade (IBIDEM).
Retornando a Darwin, em sua obra Origem se preocupou com as espécies e não em
relação à origem da vida em geral. Entretanto, durante sua formação nas universidades de
Edimburgo e Cambridge – como abordaremos em uma breve biografia no próximo capítulo
(seção 2.2) – presenciou debates sobre teorias concorrentes na área nascente da geologia.
Presenciou também discussão de teses que retomavam ideias do século XVIII de Jean-Baptiste de
Lamarck e de seu avô Erasmus Darwin, tratando sobre a origem da vida, bem como a
transmutação das espécies através da matéria ativa, por meio de geração espontânea (relacionado
a aspectos da concepção materialista, como discutido acima).
No entanto, em uma carta de 1866 ao zoólogo alemão Julius Victor Carus, Darwin
declara: “Quanto a mim, não posso acreditar em geração espontânea, e embora eu espere que, em
algum momento futuro, o princípio da vida seja tornado inteligível, atualmente me parece além
dos limites da ciência” (DARWIN, 1866, [sem página]).
Para Darwin, a imagem de que a natureza se modifica pela seleção natural envolve a
guerra entre os indivíduos, isto é, a luta pela sobrevivência para que ocorram mudanças de
espécies. Assim, a transmutação ocorre por causas mecânicas. Além disso, a imagem de uma
cadeia linear é substituída por a de uma árvore, na articulação da noção de ancestralidade comum.
Dessa forma, Darwin rompia com imagens clássicas que remetiam ao pensamento materialista do
séc. XVIII (ABRANTES, 2016).
34
Cabe comentar aqui (que para Abrantes) que a explicação de Darwin sobre a origem das
espécies envolve o mecanismo de seleção natural, portanto, considerada mecanicista. Porém, por
ser diferente dos mecanicistas do século XVII, é considerada por alguns autores como
“neomecanicista”. A sua teoria foi alargada e passou a comportar conhecimentos oriundos da
genética apenas no século XX (IBIDEM). Esse novo corpo de conhecimentos sobre a evolução
biológica é chamado de teoria sintética da evolução7 (ou neodarwinismo).
Darwin enfrentou críticas não só de uma sociedade profundamente ligada às ideias de
cunho cristão. Ao romper também com algumas das ideias da comunidade científica, físicos e
astrônomos que já tinham estimado a idade do Sol, por exemplo, se pronunciaram contra sua
teoria, argumentando que as evidências que Darwin reunira necessitavam de um tempo maior do
que suas existências para modificar as espécies.
Como discutiremos mais adiante no capítulo 2, as bases das ideias do naturalista estavam
de acordo com o entendimento geológico da época. No século XIX, a geologia era uma área em
desenvolvimento e em profundo debate sobre as transformações da crosta terrestre e forneceu
argumentos para mostrar que a história do planeta Terra era mais remota do que se acreditava. Os
cálculos geológicos se fundamentavam na estimativa da “duração da deposição de sedimentos
numa dada região; mediam a altura das camadas sedimentares; e chegavam as estimativas da
idade da Terra” (PRESTES, 2006, p. 64). Dessa forma, Darwin tomou como base esses cálculos
para estimar a formação do vale Clwwyd, no norte de Gales, em 300 milhões de anos.
Entretanto, essa estimativa gerou controvérsias entre os físicos. Tendo como base a
premissa de que a vida na Terra depende da temperatura do planeta, portanto do calor do Sol, os
físicos tinham argumentos que se opunham à proposta de Darwin. Entendia-se na época, que o
Sol não poderia emanar tanta energia por um período tão longo de tempo, de acordo com o que
necessitaria a seleção natural. Concordando com essa diminuição de irradiação de energia do Sol,
estavam disponíveis na época duas hipóteses: na primeira, o Sol geraria calor e luz pela “queima”
de sua própria matéria. A segunda entendia que o Sol emitia calor e luz à medida que esfriava
(PRESTES, 2006).
7 A biologia evolutiva atual apresenta uma Síntese Evolutiva Extendida, que propõe alguns outros mecanismos para
evolução das espécies, reunindo informações mais recentes da biologia molecular (LALAND et al., 2015).
Entretanto, esse tema específico não será tratado por nós.
35
Em 1854, William Thomson (1824-1907) - o Lord Kelvin - investigou a duração
necessária para a produção de matéria combustível solar, para continuar emitindo luz e calor.
Seus cálculos estimaram a idade do Sol em 8 mil anos. Admitindo a proposta de Hermann
Helmholtz, Kelvin estimou que a emissão de luz e calor pelo Sol poderia ainda estender-se por 20
milhões de anos. Dado incompatível com a proposta de Darwin.
Devido ao mérito e prestígio de Kelvin, seus cálculos foram bastante impactantes nas
interpretações geológicas e, portanto, uma importante restrição à seleção natural darwiniana. O
próprio Darwin reconheceu que a crítica de Kelvin era um dos problemas mais graves.
Entretanto, em 1872 – ano da sexta edição do Origem – “lembrando do desvio considerável dos
limites que o próprio Kelvin admitia (entre 20 milhões e 500 milhões de anos), tomou-o como
prova de quanto esses dados eram imprecisos e não definitivos” (PRESTES, 2006, p. 67) e, na
sexta edição do Origem (DARWIN, 2009) Darwin dedicou o capítulo 6 inteiro para elencar e se
pronunciar quanto a essas críticas. Porém, apenas no século XX a física compreendeu que o Sol
possui fontes capazes de manter seu calor por um tempo muito mais longo: “dados recentes
indicam que o sol emite sua luz e calor há 4,6 bilhões de anos. E deverá continuar a fazê-lo pelos
próximos 6 bilhões” (PRESTES, 2006, p. 67).
A publicação das ideias de Darwin em A origem das espécies foi e continua sendo palco
de controvérsias, pela sua tese reunir um amplo conjunto de evidências bem contundentes da
ancestralidade comum das espécies e por fornecer um mecanismo inteligível pelo qual esse
processo ocorre. É importante ressaltar que após o alargamento de sua teoria no neodarwinismo
(síntese evolutiva moderna) as críticas continuaram a ocorrer, principalmente relacionadas ao
dogmatismo religioso, eliminando a separação entre o humano e as outras espécies.
Um dos principais ataques – atuais – à evolução (incorporando tanto as ideias
propostas por Darwin quanto as ideias do neodarwinismo) se relaciona com o
fundamentalismo religioso que defende a complexidade e diversidade da vida ter sido criada por
forças externas (divinas). Esses ataques estão em desacordo com o modo de pensar científico e os
processos de produção do conhecimento sobre o mundo natural (MEYER; EL-HANI, 2013).
Outro ponto que não é incomum, atualmente, de ser encontrado na literatura da biologia
evolutiva e em livros didáticos de biologia, é a ideia de que a evolução biológica seria uma
36
espécie de “coluna vertebral” em que toda a biologia se apoiaria, destacando sua importância para
as ciências biológicas.
Entretanto, existem problemas com essa ideia. Moreno (2013) discute sua origem. Ele
explica que a ideia surgiu com a célebre frase de Theodosius Dobzhansky, um dos “arquitetos”
da síntese evolutiva: “nada em biologia faz sentido senão à luz da evolução”, proferida em um
congresso de professores de biologia e que foi publicada em uma revista especializada de ensino
dessa ciência, posteriormente (MORENO, 2013).
Moreno se refere à frase como “Dogma Central da Síntese Evolutiva” (DCSE) e analisa
os pontos centrais do artigo de Dobzhansky, explicando como ele utilizou a frase em parte para
cimentar o papel onipotente da evolução (que entendia como um ato de Deus) e questiona a
validade e a pertinência do DCSE para argumentar por que deveríamos abandoná-lo (MORENO,
2013).
Moreno (2013) discute que a frase é frequentemente utilizada em dois contextos: 1) status
da evolução na biologia; e 2) em debates culturais entre evolução e religião. Dessa forma, sua
primeira crítica ao DCSE se relaciona com seu caráter reducionista: no campo biológico, acaba
menosprezando as áreas que não estão diretamente ligadas à evolução. Discute como a aceitação
e uso da frase sem problematizá-la, nem conhecer seus contextos de criação, é dogmática. Um
segundo nível de crítica diz respeito às implicações para a filosofia da biologia (Dobzhansky
defende a ideia de evolução ligada ao criacionismo) e no campo da didática da biologia – já que
utilizou a frase num congresso para professores (MORENO, 2013).
Moreno cita as palavras de Dobzhansky para elucidar a relação que é feita da evolução
com a criação:
A diversidade orgânica chega a ser, entretanto, razoável e compreensível se o
Criador tiver criado o mundo vivente não por capricho, mas através da evolução
proporcionada pela seleção natural. É errado sustentar que a criação e a evolução
são alternativas mutuamente excludentes. Eu sou um criacionista e um
evolucionista. A evolução é um método de criação de Deus ou da natureza. A
criação não é um evento que ocorreu no ano 4004 a.C. é um processo que
começou há aproximadamente 10 milhões de anos e ainda está em marcha
(DOBZHANSKY, 1973, p. 127).
37
Moreno discute o DCSE em relação à proposta de Ernst Mayr sobre existirem duas
biologias: funcional (mais experimental, ocupando-se das causas próximas) e a evolutiva
(ocupando-se de causas remotas). A intenção de Mayr era evidenciar que a biologia é um todo
unificado (MORENO, 2013, p. 979), mas a história da biologia nos ensina como se dão as
relações desses campos, e que existem outras formas de fazer biologia. Mayr refere-se à frase de
Dobzhansky como certa, mas somente para a biologia não funcional (histórica). Ou seja: nada na
biologia evolutiva tem sentido senão à luz da evolução (MORENO, 2013).
Considerando a classificação de Mayr, entendendo a biologia evolutiva como causa
remota, Moreno discute sobre as tentativas de justificar a frase de Dobzhansky no sentido de dar
importância para a narrativa histórica da biologia. Dessa forma, chama atenção para as
implicações dessa discussão para o ensino de biologia: a importância da perspectiva histórica
desse ensino, para superar uma imagem estereotipada de ciência e do método científico único
(MORENO, 2013).
Atrevo-me a dizer que seu caráter histórico é talvez o traço mais distinto da
biologia em relação com as outras ciências da natureza [...] Sem outros ramos da
biologia, a evolução seria incompreensível. Dessa forma, defendo que não há
uma pedra angular da biologia (MORENO, 2013, p. 980).
Moreno chama a atenção para não perdermos de vista que um dos maiores impactos do A
origem das espécies de Darwin foi a retirada do ser humano de sua posição diferente e superior
aos outros animais. Nesse contexto, Moreno propõe8 explicitamente abolir o uso do DCSE
(MORENO, 2013, p. 991).
Dentro da área da biologia evolutiva há também interpretações equivocadas de conceitos
da teoria da evolução. Al-Shawaf e colaboradores (2018) identificaram treze das concepções
equivocadas mais persistentes sobre a seleção natural: 1) é aleatória, um processo guiado pelo
acaso; 2) é principalmente sobre sobrevivência; 3) se refere ao agente que ativamente “seleciona”
8 Concordamos parcialmente com a análise feita por Moreno quanto ao que foi proferido por Dobzhansky:
destacamos que referir-se à frase como DCSE é uma análise de Moreno. Retomamos que a palestra foi realizada para
professores e carrega, em nossa interpretação, um apelo à importância do tema para a área. Entretanto, concordamos
com a crítica de Moreno à consideração da evolução com uma espinha dorsal de toda a biologia, pois ainda é
considerável o número de professores de ciências e biologia que compreendem a teoria da evolução por seleção
natural como o paradigma unificador da biologia e de todas as ciências da vida.
38
os melhores organismos para a próxima geração; 4) é teleológica, trabalhando em direção a um
objetivo ou propósito final; 5) favorece a sobrevivência das espécies; 6) constrói os mecanismos
biológicos perfeitamente projetados; 7) evolução implica em determinismo genético; 8)
adaptações devem estar presentes ao nascimento (ou emergem muito cedo na vida); 9) os
produtos de mecanismos evoluídos são fixos e imutáveis; 10) princípios da seleção natural podem
ser utilizados para contornar o nível psicológico de análise e prever o comportamento
diretamente; 11) é o único condutor de mudança evolutiva; 12) as hipóteses evolucionárias são
principalmente post-hoc storytelling - também conhecidas como histórias “just-so”; 13) a seleção
natural parou para nossa espécie, então humanos não evoluem mais.
Os autores não discutem, mas citam ainda três concepções a mais: a ideia de que a
evolução é algo bom porque é natural; a intuição de que a seleção natural sempre guia para a
mudança, e a ideia de que a proposta de Darwin é “apenas uma teoria”.
Nesse sentido, a teoria da evolução tem sido considerada por diversos autores como eixo
importante para a área, orientando estudos nos diversos campos tanto de ensino quanto de
pesquisa da Biologia. A literatura tem estudado as especificidades de suas abordagens,
identificando dificuldades, desafios e possibilidades (OLIVEIRA; BIZZO, 2011, 2015).
Quando levados para o contexto do ensino de biologia, os debates e entraves sobre a
evolução biológica têm como consequências problemas em sua compreensão: tanto de seus
conceitos (conteúdo científico) quanto sobre seus processos de produção (conteúdo
metacientífico).
Entre as dificuldades mais elencadas pela literatura estão: a falta de compreensão sobre
conceitos da teoria; uma precária compreensão sobre processo do desenvolvimento científico;
lacunas na formação de professores; influência de visões de religiões fundamentalistas e
indisponibilidade de materiais adequados para abordagem do tema (GROTO, 2016; BIZZO; EL-
HANI, 2009; KAMPOURAKIS; ZOGZA, 2007, 2008; KAMPOURAKIS et al., 2012;
KAMPOURAKIS, 2011; GONZÁLEZ GALLI, 2011; OLIVEIRA; BIZZO, 2011, 2015).
Como explicado anteriormente, certos problemas relacionados à compreensão da
evolução estão relacionados à fundamentação religiosa; a um não entendimento sobre as ciências
e seus processos de produção; a uma não compreensão dos conceitos da teoria evolutiva e a uma
precariedade de materiais com abordagens adequadas.
39
Nesse contexto, Groto (2016) analisou o debate evolução versus design inteligente sob a
perspectiva de Ludwik Fleck com objetivo de contribuir para o ensino da evolução biológica. A
autora discute sobre os três principais objetivos do ensino de evolução a partir da literatura da
área: crença, aceitação e compreensão.
A autora discute que crença – como objetivo – está associada à substituição de uma crença
“equivocada” pela crença “correta” (conhecimento científico). Então, considera infrutíferas as
discussões sobre crença e aceitação como objetivos do ensino de evolução, já que muitas vezes
são utilizados pelos estudantes como sinônimos e associados a contextos religiosos. Dessa forma,
defende a “compreensão” como um objetivo adequado por ser sensível a pluralidade cultural,
possibilitando a mudança de crença, “uma vez que a rejeição à evolução biológica também está
relacionada a má compreensão de seus conceitos e processos” (GROTO, 2016, p. 31).
Consideramos a discussão compreensão, crença e aceitação pertinente.
Entretanto, não concordamos que a mudança de crença deve ser meta final do
ensino da evolução biológica, mesmo porque estudos da área de didática das
ciências apontam que é pouco provável que isso aconteça. Por outro lado,
compreendemos que a mudança de crença pode ser desejada por alguns
professores, afinal, não nos parece muito motivador ensinar algo que os alunos
descartam a priori como crível (GROTO, 2016, p. 29-30, grifo da autora).
As razões para ensinar evolução biológica estão relacionadas com a alfabetização
científica, com a formação de cidadãos que possam se posicionar em questões sociocientíficas.
Um bom entendimento da evolução contribui para a formação de cientistas; contribui para
entender as relações entre ciências e cultura e seus contextos de produção; para tomadas de
decisões e posicionamentos frente a questões sociocientíficas e, portanto, relacionadas a reflexões
éticas sobre o papel que o homem exerce no mundo. Além disso, as razões também se relacionam
com a compreensão da saúde humana: uso mais responsável dos antibióticos; compreensão
relação do nosso corpo com a existência de doenças (GROTO, 2016).
Para essa mesma autora, os fatores que interferem na compreensão e aceitação da
evolução biológica estão divididos em: cognitivos, crenças religiosas e pedagógicos. Os fatores
cognitivos se relacionam a três tendências do pensar que podem influenciar na aprendizagem da
evolução biológica: essencialismo, que interpreta as espécies como fixas e imutáveis, não
admitindo formas intermediárias entre elas, assumindo uma homogeneidade entre indivíduos de
40
uma mesma espécie, ou seja, não havendo espaço para variabilidade (ainda que existam pseudo-
variações, sua essência é imutável). Essa tendência entende que a evolução se dá ao nível do
indivíduo, tendo as espécies uma forma ideal, perfeita. Portanto, na evolução progridem em
direção à perfeição. Outra tendência do pensar que influencia a interpretação sobre a evolução
biológica é a teleologia: os fenômenos são associados pelos seus propósitos finais. E a última
tendência apresentada pela autora é a intencionalidade: os fenômenos naturais estariam
associados a um agente intencional (GROTO, 2016).
Os fatores de crenças religiosas estão ligados a crenças mais fundamentalistas, em que a
fé é a base para a compreensão dos fenômenos biológicos. E os fatores pedagógicos se
relacionam a: omissão do conteúdo de evolução biológica; falta de tempo, também relacionada
com a insegurança de abordar conteúdos que conflitam com crenças religiosas; deficiências na
formação inicial de professores; linguagem inadequada em sala de aula. Outros problemas
relacionados com essa dimensão pedagógica, para a autora, se relacionam com a pouca
disponibilidade de materiais adequados que possibilitem compreensões mais amplas (GROTO,
2016).
Em análises de livros didáticos, a literatura demonstra como os conteúdos de biologia
seguem certa ordem, justificada como “do mais simples ao mais complexo”, por exemplo, em
relação aos seres vivos são abordados dos unicelulares até os multicelulares. Essa tradição na
abordagem de conteúdos pode dar certa impressão de ordem na apresentação da biologia,
influenciando concepções pouco informadas sobre os conteúdos da área e seus processos de
produção (ROMA; MOTOKANE, 2009; ZAMBERLAN; SILVA, 2012).
Além disso, essa tradição dificulta a criação de materiais didáticos adequados, já que cada
conteúdo privilegia uma abordagem distinta. Por exemplo, em conteúdos relacionados à genética
e saúde humana há abordagens mais biotecnológicas, para compreender suas relações com os
Reinos Monera, Protista e Fungi (ROMA; MOTOKANE, 2009).
A ideia da teoria da evolução biológica como paradigma regulador e unificador da
biologia é outra preocupação investigada em livros didáticos por alguns autores (ZAMBERLAN;
SILVA, 2012; DALAPICOLLA et al., 2015). Zamberlan e Silva (2012) analisam como o
conteúdo de competição e vírus se relacionam à evolução biológica.
41
Podemos perceber a relação do conceito de competição com a ideia de evolução
(por meio da referência à extinção das espécies). No entanto, julgamos que a
relação aparece de forma implícita e não é desenvolvida (ZAMBERLAN;
SILVA, 2012, p. 197).
A análise desses autores demonstra que a vinculação da evolução biológica como
princípio organizador da biologia não aparece de forma explícita ou, quando aparece, não é
aprofundada. Eles discutem a maneira como o conteúdo da evolução é abordado está relacionada
ao surgimento de ideias distorcidas em relação a ele (ZAMBERLAN; SILVA, 2012).
Almeida e Falcão (2011) analisam outro assunto relacionado à evolução biológica, que é
frequentemente tratado em livros didáticos: a dicotomia Lamarck e Darwin. Os autores abordam
a visão distorcida e superficial que associa a ideia de Lamarck a uma hipótese sem comprovação
experimental, enquanto associa a teoria Darwin à teoria comprovada.
Outra característica da evolução biológica em livros didáticos é que, embora seja
defendida como eixo norteador, ou paradigma organizador, aparece apenas como mais um
conteúdo programático, geralmente ao final dos livros (ALMEIDA; FALCÃO, 2010;
ZAMBERLAN; SILVA, 2012).
Aleixandre (2007) acrescenta ainda alguns problemas encontrados na abordagem
evolutiva em livros texto: falta de preocupação com concepções alternativas dos estudantes; falta
de atividades que os desafiem; e pouca discussão sobre as ideias chave da evolução. A autora
discute que os livros texto não são bons recursos para o ensino (ALEIXANDRE, 2007).
Na tentativa de minimizar os problemas relacionados às abordagens da evolução biológica
no ensino de biologia, discutidos até aqui, alguns autores sugerem abordagens da HFC como um
caminho (MARTINS, 1998; ALTERS; NELSON, 2002; MARTINS, 2005; ZAMBERLAN;
SILVA, 2012).
Martins (1998) argumenta em defesa da História da ciência como um dispositivo didático
com potencial de tornar mais interessante e facilitar a aprendizagem da ciência: potencial de
mostrar através de episódios históricos o processo gradativo e lento de construção do
conhecimento, seus métodos, limitações. Essa abordagem pode facilitar o aprendizado do próprio
conteúdo científico, além de contribuir para a compreensão de outras forças envolvidas nesse
processo de construção: sociais, políticas, filosóficas ou religiosas. Dessa forma, a abordagem
42
histórica da ciência pode contribuir para a formação de um espírito crítico, desmitificando o
conhecimento científico (MARTINS, 1998, 2005). Entretanto, adverte:
[...] o estudo da história da ciência deve evitar que se adote uma visão ingênua
(ou arrogante da ciência) como sendo "a verdade" ou "aquilo que foi provado",
alguma coisa de eterno e imutável, construída por gênios que nunca cometem
erros e eventualmente alguns imbecis que fazem tudo errado (MARTINS,
1998, p. 18).
Dessa forma, é possível desenhar estratégias didáticas que priorizem discussões sobre as
ciências em sala de aula, através das metaciências. Para que seja possível o desenvolvimento de
um entendimento de ciências e de seus processos mais próximo da realidade, é importante que os
estudantes possam desenvolver a capacidade de compreender, refletir e discutir a diversidade de
modelos científicos de diferentes áreas, através da mediação dos professores.
Compreendendo, portanto, a importância da evolução biológica no ensino de biologia, e
em direção à possibilidade de desenvolver compreensões mais amplas e ricas sobre ciências,
pontualmente nesse trabalho, apostamos na identificação de elementos metacientíficos nas
transcrições de alguns dos diários de campo de Charles Robert Darwin (1809-1882), durante a
viagem do HMS Beagle (1831-1836), de modo a contribuir para discussões no ensino de e sobre
evolução biológica.
Denominamos elementos metacientíficos – com o objetivo de abreviar e facilitar a leitura
– aqueles trechos identificados nos diários que, em princípio, permitiriam discutir, trabalhar,
problematizar conteúdos de natureza metacientífica. Essa identificação ocorreu, portanto, ao
longo da leitura, sem definição a priori. Depois de identificados, relacionamos esses elementos,
em nossa análise, com as propostas de discussões sobre ciências em sala de aula de Irzik e Nola
(2011; 2014) e Martins (2015), no capítulo 3.
Então, no próximo capítulo abordaremos episódios vividos por Darwin que puderam ser
compreendidos a partir das anotações em seus diários de campo, em conjunto com leituras
complementares indicadas por historiadores, incluindo sua autobiografia e seus artigos
publicados que, por sua vez, serviram para compreender os contextos desses episódios. Tais
episódios tiveram como cenário uma área em formação e profundo debate no século XIX: a
geologia. Por esse motivo, iniciaremos o capítulo com uma discussão mais ampla a esse respeito.
43
Posteriormente, descreveremos os episódios históricos vividos pelo jovem naturalista, à medida
que escrevia em seus diários.
44
CAPÍTULO 2. A BORDO DO HMS BEAGLE (1831-1836): A RELAÇÃO ENTRE OS
DIÁRIOS DE CAMPO DE CHARLES R. DARWIN (1809-1882) E O CONTEXTO DA
GEOLOGIA DO SÉCULO XIX
Esse capítulo apresenta a contextualização da geologia como ciência emergente, diante de
debates sobre a formação da crosta terrestre. Discutiremos inicialmente sobre esses embates na
seção “Geologia Do Século XIX: O Que Estava Escrito Nas Rochas?”, a fim de compreender
parte do contexto em que Charles R. Darwin estava imerso ao iniciar suas investigações, antes de
partir para a expedição a bordo do HMS Beagle.
Metodologicamente, abordaremos alguns diários de campo de Darwin com a intenção de
contextualizar suas interpretações e as consequências delas nos debates da geologia do século
XIX. São eles: Cabo Verde, Rio, Buenos Aires, Santiago, Santa Fé e Sidney (Originalmente:
Cape de Verds, Rio, Buenos Ayres, Santiago, St. Fe e Sydney, respectivamente).
Escolhemos os diários de campo do Beagle, principalmente, visando compreender o
desenvolvimento do pensamento de Darwin ainda jovem. Porém, razões adicionais motivaram a
leitura desses diários, especificamente. Dentre elas: 1) os diários contêm as anotações do que ele
estava observando em excursão, o que se relaciona com a nossa hipótese inicial de que deveria
conter elementos que possibilitassem discussões em sala de aula, sobre processos envolvidos na
produção da ciência; 2) relacionado com o motivo anterior, Chancellor e van Wyhe (2008)
discutem sobre a possibilidade de observar o amadurecimento das reflexões de Darwin através
das leituras desses diários; 3) cada um dos diários do Beagle (transcritos, organizados e
disponíveis na plataforma Darwin Online9) possui uma introdução organizada pelos historiados,
na tentativa de contextualizar os acontecimentos relatados nos diários. Para nós, essas
introduções foram de extrema importância para orientar a busca de fontes secundárias, para
compor melhor os episódios em relação aos seus contextos.
Dessa forma, além da leitura das transcrições dos documentos originais, a obra Origem
das espécies, cartas e publicações de Darwin (fontes primárias) – também disponibilizados no
Darwin Online – recorremos à leitura de fontes secundárias, seguindo as recomendações da
9 http://darwin-online.org.uk/
45
historiografia contemporânea (KRAGH, 1989; MARTINS, 2001; ALLCHIN, 2004, MARTINS,
2005; FORATO, 2011).
As fontes secundárias são as sínteses elaboradas por Gordon Chancellor e John van Wyhe
(2008) antes de cada diário analisado e suas indicações de outras referências, que completam a
interpretação do que foi escrito por Charles Darwin (1809-1882) e que serão apontadas no
decorrer do texto. Destacamos que as análises desse trabalho priorizaram as páginas dos diários10
transcritos, mesmo considerando que há páginas avulsas, algumas disponíveis na plataforma,
outras desconhecidas.
Para mencionar cada diário, foi utilizado o sistema de referência de Chancellor e van
Wyhe (2008) com os nomes literais rotulados por Darwin nas capas de seus diários, que se
referiam aos locais em que estava. Esse mesmo sistema foi utilizado pelos organizadores do
Correspondence11
(que organizaram suas cartas). Para tematizar cada diário, os historiadores
utilizaram frases escritas pelo próprio Darwin.
Ao mencionar as páginas, também foi utilizado o sistema de organização de Chancellor e
van Wyhe (2008), indicando o lado da folha que foi utilizada por Darwin. Os historiadores
notaram que o naturalista utilizava a sequência de páginas a partir da capa e, em seguida,
utilizava a sequência dos versos das folhas já escritas. Dessa forma, as sequências das
transcrições se referem às páginas 1a, 2a, 3a a partir da capa12
e, depois, 1b, 2b, 3b para a
sequência a partir da contracapa.
Os diários de campo parecem ter sido usados apenas no mar para reflexões muito
ocasionais, ou listas de equipamentos, que Darwin anotou, presumivelmente, em preparação para
ir à praia. Enquanto no Beagle, Darwin geralmente escrevia diretamente em seu diário Beagle
(Keynes, 2001) notas científicas ou, menos regularmente, cartas. Assim, iremos utilizar algumas
dessas leituras complementares indicadas por Gordon Chancellor e John van Wyhe em sua
publicação oficial no Darwin Online.
10 Muitos dos registros utilizados para compor análises dos estudos secundários são páginas avulsas. Apesar de
disponíveis na plataforma Darwin Online, não foram incorporadas por Chancellor e van Wyhe (2008) nas
transcrições dos diários, portanto, não serão analisadas aqui como partes do diário. 11
https://www.darwinproject.ac.uk/ 12
Chancellor e van Wyhe (2008) consideraram como capa da frente a que possuía um porta lápis criado por Darwin.
46
A análise privilegiou os episódios que ocorreram durante o momento da viagem em que
Darwin escreveu os respectivos diários. Para entendê-los, utilizamos materiais complementares
indicados por Chancellor e van Wyhe (2008), para identificar possíveis elementos que
possibilitassem discussões sobre a natureza do conhecimento científico. Dentre essas obras,
utilizamos a Autobiografia (BARLOW, 1945); Journal of researches, mais tarde conhecida como
Voyage of the Beagle (DARWIN, 1839); os Princípios de Geologia (LYELL, 1830); A sketch of
the deposits containing extinct Mammalia in the neighbourhood of the Plata (1837), um dos
primeiros artigos escritos por Darwin sobre geologia e o Origem das espécies (DARWIN, 1859).
Os conteúdos descritos como componentes dos diários serão os que interpretamos que têm
um ou mais elementos metacientíficos associados com potencial para discussão no ensino de
ciências. Isto é, deixamos de fora da análise alguns conteúdos dos diários. Esses conteúdos serão
sinalizados ao longo do texto.
Seguiremos a descrição dos diários tanto na ordem da leitura a partir da primeira página,
quanto o trajeto pelo qual navegou o Beagle, tomando os locais visitados como fio condutor,
inspirados na organização escolhida pelo Darwin Online.
2.1 GEOLOGIA DO SÉCULO XIX: O QUE ESTAVA ESCRITO NAS ROCHAS?
No século XIX, a geologia debatia profundamente sobre fundamentos importantes para a
investigação da história da Terra. Para Paul N. Pearson (1996), ela se tornou uma disciplina
distinta em conjunto com avanços nos estudos da química. Entretanto, precisamos entender uma
das questões iniciais do século anterior, para compreender o cenário de forma mais ampla.
A discussão principal referia-se à natureza do basalto13
. Alguns pesquisadores defendiam
que essa rocha havia se formado a partir da sedimentação de elementos oriundos de uma “sopa
química”, isto é, uma mistura de elementos químicos vindas do oceano universal, na formação
inicial da Terra. Outros estudiosos já defendiam que a origem do basalto era resultado de
solidificação em profundidade, ou seja: abaixo da crosta da Terra. Para compreender melhor
13 Atualmente compreendida pela petrologia como uma rocha ígnea vulcânica, em grande abundância na crosta
terrestre.
47
esses pontos de vista conflitantes, é necessário entender o cenário de debates entre netunismo vs.
plutonismo, que ocorreu no século anterior – sec. XVIII.
O netunismo atribuía a origem das rochas à ação das águas. Ficou conhecido como
Wernerianismo, por ser liderado por Abraham Gottlob Werner (1749–1817), geólogo e
mineralogista alemão. Ele defendia que a Terra foi inicialmente coberta pelo oceano (universal),
de onde sedimentos se depositaram no chão irregular e formaram rochas cristalinas, como o
granito. Defendia ainda que o oceano foi sucedido por rochas estratificadas, na medida em que
diminuía. Ainda sobre o pensamento dos netunianos, interpretavam a lava dos vulcões como
produto da queima de depósitos de carvão subterrâneo (BOLACHA, 2008).
Em oposição a esse pensamento, o cientista escocês James Hutton (1726–1797)
interpretava a Terra como um corpo dinâmico em função de calor. Liderou o movimento
conhecido por “plutonismo”, que defendia a formação da Terra ter origem ígnea, isto é, através
da solidificação em profundidade: o calor subterrâneo expande em alguns locais a parte externa
da crosta, elevando os sedimentos marinhos compactados e esse processo levaria à formação de
novos continentes. Defendia a relação direta entre eventos sob a superfície da crosta, como os
riachos desgastando os continentes e carreando os seus resíduos, depositando-os no mar, com
eventos sobre a crosta. Assim, no debate sobre a natureza do granito: Hutton defendia que sua
natureza era ígnea intrusiva e não um sedimento primitivo como os netunistas defendiam
(PEARSON, 1996; BOLACHA, 2008).
Como evidência para sua teoria do calor subterrâneo ser força motriz para formação de
rochas, utilizou os exemplos de soleiras e diques intrusivos de rochas ígneas. Hutton visualizou
grandes inconformidades angulares separando sequencias sedimentares como evidencia de ciclos
passados de erosão, sedimentação e elevação. Publicou um ensaio em 178814
intitulado Teoria
da Terra, posteriormente expandida para uma obra de dois volumes em 1795. John Playfair,
professor de filosofia natural, defendeu Hutton contra os contra-ataques dos netunistas e o
publicou de forma mais compreensível em seu livro Illustrations of the Huttonian theory of Earth
(1802), tornando-o o relato contemporâneo mais claro da teoria plutonista (HUTTON, 1785).
14 Disponível em: http://pages.uwc.edu/keith.montgomery/Hutton/Hutton.htm.
48
Pearson (1996) apresenta Richard Kirwan (1733-1812), químico irlandês, para compor o
cenário de debates. Kirwan opõe-se aos argumentos de James Hutton, a partir de análises
químicas, defendendo que os cristais em granitos pareciam pressionar-se mutualmente. Assim,
não poderiam ter se cristalizado mutuamente (em profundidade). O debate continua até o século
seguinte, quando Charles Daubeny (1795–1867), químico inglês, defende o granito como
“esqueleto do planeta”, formado em era primitiva em condições distintas do presente
(PEARSON, 1996).
James A. Secord (1991) discutiu sobre o embate entre Huttonianos vs. Wernerianos para
contextualizar os debates na geologia do século seguinte (Sec. XIX) que fizeram parte da
formação de Charles Darwin enquanto aluno universitário.
Robert Jameson (1774–1854), mineralogista, escocês, professor na Universidade de
Edimburgo. Priorizava seus estudos na classificação geológica relativamente estática focada em
ordenar o estrato, que teria se precipitado do oceano universal, ou seja, era um defensor do
Wernerianismo. Se opondo às interpretações de Jameson, Thomas Charles Hope (1766–1844),
químico, também escocês e professor em Edimburgo, priorizava em suas investigações “o papel
do calor na economia terrestre”, portanto, Huttoniano (Secord, 1991). Secord (1991) ainda chama
atenção para o interesse de Hope por explicações causais:
Como outros huttonianos, Hope apresentou a ciência como uma investigação
sobre processos causais. "O químico" anunciou na abertura do curso: "não se
contenta em averiguar as mudanças de corpos, mas também tenta explicar as
razões dessas mudanças e os resultados delas decorrentes". Para Hope, a
geologia não avançou ao ordenar estratos ou coletar minerais, mas sim ao
compreender os processos (SECORD, 1991, p. 141, tradução nossa).
Pearson (1996) argumenta: “o contínuo debate sobre o granito envolve tons de opinião, e
estava intimamente relacionado à contenciosa pergunta se a história da Terra era ‘progressiva’ ou
‘estável’” (PEARSON, 1996, p. 51).
Essa discussão sobre os processos que deram origem à formação geológica atual da Terra
ficou conhecida como o debate catastrofistas vs. uniformitaristas (SECORD, 1991; PEARSON,
1996; CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). De um lado, os catastrofistas liderados pelos
naturalistas Georges Cuvier (1762–1832) e Alcides D' Orbigny (1802–1857), defendiam que as
transformações da crosta terrestre – de um passado geológico até a era atual – aconteceram ao
49
longo de uma série de catástrofes (WOOL, 2001). Essa corrente se constituía no pensamento
paradigmático da época (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
David Wool (2001), interessado pela influência do geólogo Charles Lyell (1797–1875) no
desenvolvimento do pensamento de Charles Darwin, discute em seu artigo sobre as proposições
de Lyell, que liderava o movimento conhecido por uniformitarismo, uma visão mais contínua
(progressiva) sobre os acontecimentos que modificaram a geologia do planeta, defendendo que os
eventos que ocorreram num passado geológico, para modificar a crosta terrestre, eram os mesmos
atuais.
Suas ideias são desenvolvidas na obra Princípios de geologia, publicada originalmente em
três volumes (1830-1833), e posteriormente publicado em volume único (1853). No primeiro
volume, Lyell defendia as causas geológicas agora em operação na superfície da Terra: as
mudanças que ocorreram para mudar a superfície da Terra em um passado geológico são as
mesmas que ocorrem no presente e que necessitavam de muito tempo para ocorrer. No segundo
volume, o geólogo examinou as teorias de transmutação, especialmente as de Jean Baptiste
Lamarck (1744-1829), a fim de rejeitá-las como insustentáveis (CHANCELLOR; VAN WYHE,
2008) e se posicionou contra a noção de que as espécies gradualmente se convertem em outras
(LYELL, 1853).
Charles Lyell teoriza sobre as mudanças na crosta terrestre, contribuindo para a concepção
de que os ambientes da Terra se formaram por uma evolução contínua atuando por longos
períodos de tempo. Inspirado também pela geologia de Lyell, Charles Darwin elaborou uma
teoria da evolução que possibilitou uma interpretação geral para o fenômeno da diversidade da
vida.
Wool (2001) contextualiza a importância de Lyell para ressaltar a importância do geólogo
na introdução do conceito tempo na investigação geológica. A maneira de interpretar e tratar a
geologia de Charles Lyell irá influenciar profundamente as interpretações de Darwin. Sobre isso,
iremos tratar mais à frente, nas análises dos diários.
Secord (1991) defende como o campo da geologia na época, entendida como “ciência
nascente”, era realmente uma disciplina que precisava ser aprendida. Darwin precisava aprender
sobre as práticas "standard" sobre seu assunto: ser um observador competente; a linguagem de
cientista especialista e as habilidades para observar e interpretar um novo país (SECORD, 1991).
50
Essa seção teve o objetivo de compor o cenário das sobre as discussões geológicas do
século XIX o qual Darwin foi formado e se inseria, quando entrou a bordo do HMS Beagle, para
a viagem em volta do mundo. Na próxima seção iremos abordar sobre os conteúdos de alguns
dos diários de campo que o jovem naturalista escreveu durante a viagem, com dupla intenção:
contextualizar suas interpretações e as consequências delas nos debates da geologia do século
XIX e expor os elementos metacientíficos a serem discutidos posteriormente, no capítulo 3.
2.2 CHARLES DARWIN (1809–1882)
Nessa seção, pretendemos abordar uma brevíssima biografia de Charles Darwin,
contextualizando e relacionando sua vida ao seu desenvolvimento como cientista. Para isso,
utilizaremos os autores Janet Browne (2011a), Ernest Mayr (2006), a autobiografia do próprio
Darwin (BARLOW, 1958) e os trabalhos de Jair de Sousa e James Secord, para ressaltar a
pertinência de sua formação no seu pensamento científico.
Nossa intenção será a de apresentar minimamente nosso personagem central, para que o
estudo dos diários possa fazer mais sentido. Assim, organizamos a vida de Darwin em quatro
grandes fases: 1) “Primeiros anos”: aborda sua infância, adolescência e o contato próximo com
sua família; 2) “A viagem a bordo do Beagle”, em que fomos muito breves, já que nossa análise
posterior está focada nos diários escritos durante esse período; 3) “Análise de dados”: a fase
(imediatamente pós-viagem) de revisões e análises de seu material produzido durante a viagem; e
4) “1859 e além”, em que abordaremos a fase de sua vida adulta a partir da publicação de A
Origem das espécies, em 1859.
PRIMEIROS ANOS: de “Bobby” aventureiro de Shrewsbury ao médico frustrado de Edimburgo
1809: Nasce Charles Robert Darwin no dia 12 de fevereiro, segundo filho varão
e quinto dos seis filhos de Robert Waring Darwin, um médico de Shrewsbury, e
Susannah, filha de Josiah Wedgwood I, ceramista-mor de Staffordshire.
1817: Darwin frequenta a escola do Reverendo George Case durante a
primavera. Em 15 de julho, perde sua mãe, falecida aos 52 anos.
1818: Darwin ingressa na Shrewsbury School como aluno interno.
1822: Começa a ajudar seu irmão mais velho, Erasmus, em trabalhos de
química.
Primeira carta de Darwin, aos 12 anos (BURKHARDT, 2009, p. 32-33).
51
Nas palavras de Janet Browne (2011a), Darwin foi
[...] um homem conhecido por seus contemporâneos como trabalhador metódico
e quieto, dedicado à família, difícil de arrancar de sua casa no campo, avesso à
ostentação, completamente convencional em seu comportamento, modesto e
despretensioso quanto a seus resultados (BROWNE, 2011a, p. 19).
Essa personalidade descrita não parece compatível com a genialidade que outros parecem
supor fazer parte de seu caráter. Dessa forma, Browne conta em seu livro “viajando” (2011a) a
biografia detalhada, ampla e contextualizada sobre a vida de Darwin até a viagem do Beagle.
Nessa narrativa, ela defende os efeitos complexos dos contextos histórico-temporais sobre os
indivíduos: “figuras como ele eram o produto de um complexo entrelaçamento de personalidade e
oportunidades com os movimentos de sua época” (BROWNE, 2011a, p. 22).
Darwin nasceu em 1809, em uma cidade comercial do interior da Inglaterra: Shrewsbury
(Capital do condado de Shropshire). Filho de Susanna e Robert Waring Darwin, com seus 4
irmãos mais velhos e mais dois ainda por vir. Seus pais “representavam tudo o que se conhece
sobre a emergente sociedade empreendedora da Inglaterra no início da era industrial” (BROWNE,
2011, p. 34). Dessa forma, o pequeno “Bobby” (apelido dado à Darwin quando pequeno) “cresceu
numa atmosfera imbuída dos princípios da adaptação financeira a circunstâncias, investimentos,
retornos e lucros” (BROWNE, 2011a, p. 36).
Sua mãe – Susanna – vinha de uma família bem-sucedida em empreendimentos, em
Staffordshire, e seu pai – Dr. Darwin – era um dos três médicos que atuavam na região. O Dr.
Darwin possuía tendências liberais, contrárias ao conservadorismo e avesso a fortunas baseadas
em hereditariedade. Mesmo tais inclinações não o impediam de relacionar-se profissionalmente
com os aristocratas conservadores locais e os proprietários de terras religiosos (BROWNE,
2011a). Não o impediu de se preocupar com certa estabilidade financeira de seus filhos mais à
frente.
Mas estamos nos adiantando. Nos primeiros anos de vida do jovem Charles Darwin, sua
irmã mais velha Caroline cuidou dele e de sua irmã mais nova, Catherine. E aos 8 anos de idade,
Darwin foi enviado para ser educado pelo reverendo George Case (pastor unitarista de
Shrewsbury), que não era um fanático religioso. A atmosfera feliz de sua infância o
52
“proporcionou uma imagem duradoura daquilo que a vida familiar deveria ser” (BROWNE, 2011a,
p. 43).
Já bem novo estudava história natural amplamente, de forma envolvente (BROWNE,
2011a). Demonstrava interesse para a causalidade dos fenômenos, como discute Sousa (2017)
sobre o episódio da proposição de sua primeira “teoria” sobre a diversidade das cores dos
narcisos: era preciso apenas regar os narcisos com líquidos de cores diferentes para garantir a
diversidade de cores (SOUSA, 2017).
Sua infância foi praticamente toda estável, tirando certos eventos como a morte de sua
mãe em 1817, aos 52 anos. Browne (2011a) narra como a figura materna na vida de Darwin foi
ocupada pelas suas três irmãs mais velhas, principalmente Caroline, quem “garantiu a educação
contínua de Darwin e que ele conhecesse a Bíblia; quem o levava à igreja” (BROWNE, 2011a, p.
??).
Aos 9 anos de idade, Darwin foi enviado para estudar em um internato próximo a sua
casa: Shrewsbury School, que servia a geração jovem da aristocracia local. “A escola separou
brutalmente Darwin do ambiente familiar acolhedor, no momento em que ele mais necessitava
desse apoio” (BROWNE, 2011a, p. 55). Era esperado dos alunos egressos que fossem admitidos
nas universidades de Oxford ou Cambridge, e, aos que não fossem para a universidade, que
tivessem “bagagem suficiente para viver uma vida culta nas propriedades da família” (IDEM, p.
55).
Entretanto, o padrão alto da escola não condizia com suas instalações internas
“lamentavelmente inadequadas”; alunos de classe alta indisciplinados; sistema rigoroso para
tentar contê-los, como surras disciplinares constantes. Darwin odiava a escola e em sua
autobiografia comentou: “Quando saí da escola, não estava acima bem abaixo da média para
minha idade e acredito que era considerado por todos os mestres e por meu pai um menino bem
comum, um tanto abaixo do padrão intelectual” (BARLOW, 1958, p. 27-28).
Erasmus Darwin, seu irmão mais velho com interesses em comum, foi uma figura
importante para o jovem Charles nesse momento. Montaram uma espécie de laboratório químico
e se dedicavam à análise química de minerais e cristalografia, assunto popular e acessível para
jovens da década de 1820 devido às “mudanças teóricas e práticas ocasionadas pela revolução
química no final do século XVIII”:
53
A importância dessas primeiras experiências de química pode ser facilmente
ignorada quando se considera toda a amplitude da poderosa trajetória intelectual
de Darwin. Todavia, nesse momento, ele estava estabelecendo as bases para uma
vida inteira dedicada à ciência experimental (BROWNE, 2011a, p. 64-65).
Sousa (2017) aborda a influência de seu avô – o primeiro Erasmus Darwin – conhecido
pela “poesia, ciência e libertinagem de uma língua afiada” (SOUSA, 2017, p. 62), motivo de
vergonha para sua família “por suas opiniões incômodas para a sociedade religiosa e ortodoxa da
época, era cruel, agudo, lacerante e possuía uma profunda repulsa em relação a deuses que se
intrometiam em sua vida e na vida dos outros" (IBIDEM, p. 63). Autor da obra Zoonomia, que
dentre outros temas abordava a “transmutação das espécies”. Apesar de Erasmus, a família
Darwin ganhou outra fama com “Robert Waring” – o pai de Charles Darwin.
A educação de Darwin teve forte fundamentação religiosa, baseada na Teologia Natural.
Foi enviado, aos 16 anos, pelo pai para cursar Medicina em Edimburgo, onde a atmosfera parecia
mais “livre” por não ser dominada pela religião, como a Inglaterra (IBIDEM). No início de
outubro de 1825, Charles e Erasmus Darwin chegaram à universidade de Edimburgo,
comprometidos com o plano de se tornarem médicos.
Meu pai, que de longe fazia o melhor julgamento de caráter que já vi, declarou
que eu iria me tornar um médico bem-sucedido – ou seja, alguém com muitos
pacientes. Ele dizia que a principal chave do sucesso era uma confiança
cativante; mas não faço ideia do que ele viu em mim que o convenceu de que eu
poderia desenvolver tal confiança (BARLOW, 1958, p. 47-48).
Erasmus completou seu curso de medicina e em 1826 retornou a sua cidade natal,
deixando Charles Darwin em Edimburgo pelos próximos dois anos. Browne (2011a) informa que
a universidade de Edimburgo tinha problemas diretamente relacionados à organização, com
alunos estando livres para escolher os assuntos que lhes interessassem, respeitando os cursos
específicos que configuravam requisito para receberem o diploma (BROWNE, 2011a). Esses
“problemas de organização”, no entanto, permitiram que Darwin conseguisse – mais tarde –
cursar disciplinas de seu interesse o que, como veremos, foi de fundamental importância para sua
formação como cientista.
54
Entretanto, optou em um primeiro momento, por seguir o caminho conservador trilhado
por seu pai e seu avô e matriculou-se em áreas tradicionais de “anatomia, cirurgia, prática médica
e suas disciplinas complementares, além de química ministrada por Thomas Charles Hope, e,
durante o segundo ano, história natural, por Robert Jameson” (BROWNE, 2011a, p. 94).
Entretanto, os procedimentos envolvidos com as práticas médicas eram “sinistramente
repugnantes” (IBIDEM, p. 99), até que seu limite fora atingido ao presenciar duas cirurgias no
hospital de Edimburgo, sendo uma delas de uma criança. Com os pacientes ainda conscientes de
suas dores, em uma época anterior as anestesias, Darwin escreveu ter ficado atormentado,
“assinalando o momento decisivo na relação de Darwin com a medicina” (IBIDEM, p. 103).
Além das aulas de fisiologia, Sousa (2017) defende que “sua desistência refletia seu
desejo de não querer estar ali, de não querer a medicina imposta pelo Dr. Robert Darwin”
(SOUSA, 2017, p. 70). Nesse sentido, James Secord (1991) afirma que o desejo de liberdade
metodológica e intelectual de Darwin também se devia às imposições de seu pai.
O curso de medicina de Darwin – em Edimburgo – foi o mais abrangente nas ilhas
britânicas: palestras ocorriam cinco dias por semana, por cinco meses, com duzentos alunos por
ano, contendo as disciplinas: meteorologia, hidrografia, mineralogia, geologia, botânica e
zoologia (SECORD, 1991). Secord (1991) apresenta as influências da formação de Darwin para o
desenvolvimento de seu pensamento. Para isso, discute a tutoria de Darwin, que passa de Robert
Jameson, professor de mineralogia, com quem Darwin aprendeu, por exemplo o que eram
fósseis:
No contexto de seu próprio trabalho, Jameson tinha um grande interesse em
questões causais. Durante a década de 1820, seus escritos nessa área começaram
a defender uma postura cada vez mais naturalista, refletindo sua consciência das
pesquisas mais recentes na Alemanha e na França. Ele escreveu extensivamente
sobre o dilúvio e em 1826 rejeitou qualquer papel para um dilúvio baseado na
Bíblia, uma reversão de suas primeiras visões. Em um artigo anônimo ele até
defende as transmutações Lamarckianas como mais prováveis meios para a
origem de novas espécies (SECORD, 1991, p.136, tradução nossa).
Secord (1991) discute ainda, a relação próxima de Darwin com Thomas Hope
(mencionado acima), com quem Darwin e seu irmão Erasmus cursaram química e geologia. Hope
defendia as doutrinas huttonianas do papel do calor na economia terrestre, isto é, nas mudanças
geológicas do planeta. Para Secord (1991), essa discussão pode ainda ser levada para entender o
55
que desse cenário de disputa de ideias extrapolou para o pensamento de Darwin cientista, por
causa de sua aproximação com o professor Hope e sua atitude de tentar entender os processos de
uma forma mais ampla: seus porquês e produtos, ou seja, o cenário completo.
Por outro lado, Darwin não se entretinha nas aulas de Jameson e escreveu em sua
autobiografia: “O único efeito que produziram em mim foi a determinação de que nunca mais,
enquanto eu viver, lerei um livro sobre geologia ou de modo algum estudarei essa ciência”
(BARLOW, 1958, p. 52).
Como bem observou Browne (2011a), a relação de Darwin com os dois professores acima
discutidos “não seria mais que uma nota marginal na história, não fosse pelo modo como a
diferença entre os dois professores influenciou as primeiras impressões de Darwin em relação à
geologia como ciência” (BROWNE, 2011a, p. 113).
Secord (1991) elenca várias questões relacionadas à necessidade de entender o campo da
geologia na época, entendida como “ciência nascente”: era realmente uma disciplina que
precisava ser aprendida, e suas práticas metodológicas eram bastante diversas. Ao ser treinado,
Darwin se tornou um observador competente, aprendeu a linguagem de cientista especialista e as
habilidades para observar e interpretar um novo país. Dessa forma, Darwin fornece uma janela
ideal para ver o mundo da geologia do início do século XIX (SECORD, 1991).
Outro fato importante relacionado à universidade de Edimburgo foi a participação de
Darwin na Plinian Society, uma associação estudantil com participantes entusiasmados pela
história natural, que saíam juntos em expedições de coleta ao longo do ano. A figura que se
destaca era Robert Grant (1793-1874), que se formou em medicina em Edimburgo em 1814.
Darwin o conheceu quando ele ainda tinha 33 anos e tinha deixado o cargo de secretário da
Plinian Society para assumir outro cargo na Wernerian Natural History Society. Grant se
interessava pelos estudos de Lamarck e do avô de Darwin – o primeiro Erasmus – sobre o
transmutacionismo das espécies (BROWNE, 2011a).
Grant apresentou Darwin à zoologia marinha. Realizaram juntos pequenas excursões de
coleta e posteriores dissecações de seres marinhos. As ideias sobre a mudança dos organismos
marinhos interessavam muito a Grant naquele momento. Foi ele quem cunhou o termo da família
“porífera”. “A maior parte da pesquisa subsequente de Grant investigou a relação entre animais e
56
plantas dentro de uma visão geral a fim de determinar que os pólipos eram na verdade
intermediários genuínos: animais-plantas ou ‘zoófitos’” (IBIDEM, p. 127).
Darwin se envolveu com o programa de pesquisa de Grant, que lhe deu espécimes de
zoófitos para investigação. Browne conta como Darwin perdeu a admiração por Grant
possivelmente por um episódio que chamou de “inveja dos homens da ciência”. O que ocorreu
foi que Darwin observou o movimento de óvulos de Flustra que cresciam na alga e foi informar o
professor Grant, que leu os resultados se apropriando das observações de Darwin, e teria lido-os
em sua próxima reunião da Plinian Society (IBIDEM, p. 133). Entretanto, apesar desse episódio,
a interação com Grant, suas ideias e pesquisa pôs Darwin a par das ideias evolucionistas de seu
tempo.
Assim, o ano para Darwin não havia terminado bem. “Não havia nada que ele gostasse na
medicina ou nos homens que a perseguiam” (BROWNE, 2011a, p. 136). Além do “pavor de
sangue” que tinha de presenciar em aulas de cirurgia em um tempo em que ainda não havia
anestesia (SOUSA, 2017). Darwin abandonaria a medicina e voltaria para casa.
O jovem Charles foi – novamente sob imposição de seu pai – para Cambridge para seguir
carreira eclesiástica, onde poderia se dedicar aos estudos da história natural (SOUSA, 2017). No
Christ College, em Cambridge, suas bases teóricas eram as do arquidiácono William Paley (1743
– 1805), que argumentava que “a adaptação perfeita dos seres vivos a seus ambientes era a mais
contundente prova da existência de Deus” (SOUSA, 2017, p. 74).
Em Cambridge, conheceu John Stevens Henslow, que lecionava botânica, e Adam
Sedgwick, professor de geologia (já mencionados anteriormente), o filósofo William Whewell e
Leonard Jenys, naturalistas que “o trouxeram para a história natural” (SOUSA, 2017, p. 75).
Sousa (2017) destaca a importância da geologia de campo de Adam Sedgwick na formação de
Darwin, concordando com James Secord (1991) sobre a expedição de North Wales, antes da
viagem do Beagle.
A VIAGEM DO BEAGLE: batismo da experiência
Sempre senti que devo à viagem o primeiro treinamento ou educação real da
minha mente. Fui levado a atender de perto vários ramos da história natural e,
57
portanto, meus poderes de observação foram aprimorados, embora já estivessem
bastante desenvolvidos.
Autobiografia (BARLOW, 1958, p. 77).
Logo depois de seu último ano em Cambridge, Darwin recebe uma carta de Henslow que
o recomenda como naturalista a bordo do HMS Beagle, ao lado do Comandante Fitzroy para
fazer um levantamento geológico na América do Sul. Notícia que desagradou pai de Darwin, que
só foi convencido a deixar o jovem rapaz seguir viagem após conhecer a “opinião favorável de
um homem sério”: o tio de Darwin – a quem o jovem naturalista pediu apoio (SOUSA, 2017).
A viagem do Beagle tinha como agenda a inspeção das costas da Patagônia, Terra do
Fogo, Chile e Peru, e fornecer informações para elaborar novos mapas e deveria durar três anos.
Entretanto, a viagem que se iniciou em dezembro de 1831, só acabou em outubro de 1836
(MAYR, 2006).
Um aspecto importante a ser destacado sobre a viagem do Beagle foi a administração da
literatura que Darwin havia levado consigo a bordo: “Nenhum trabalho foi mais crucial para as
novas ideias do que os dois primeiros volumes do Principles of Geology de Charles Lyell (1832)”
(IBDEM, p. 4). Foi a partir dessa leitura que ele conheceu os argumentos de Lyell contrários à
transmutação de Lamarck, por exemplo.
Como anunciado anteriormente, como nossa análise privilegiará esse momento da vida de
Darwin, não nos estenderemos aqui sobre a viagem do Beagle.
ANÁLISE DE DADOS: o projeto que durou quase 20 anos
Após sua chegada em 1836 à Inglaterra, suas coleções foram enviadas a diversos
especialistas para serem descritas no relatório oficial da expedição. “Demoraria mais um ano e
meio, todavia, para que Darwin concebesse o mecanismo da evolução, ou seja, o princípio da
seleção natural” [...] que aconteceu em “1838, quando leu o Essay on the Principle of Populations
de Thomas Malthus” (MAYR, 2006, p. 5).
“Em janeiro de 1839, Darwin casou-se com sua prima Emma Wedgwood, em dezembro
nasceu seu filho William Erasmus Darwin, o primeiro de seus dez filhos, dois dos quais
morreram na primeira infância” (BURKHARDT, 2009, p. 27).
58
Após, demoraria quase 20 anos para a publicação de sua obra magna em 1859. Entretanto,
até lá escreveu alguns manuscritos preliminares (IBDEM). Sua primeira publicação foi “O diário
de pesquisas”, seguido de três volumes sobre a geologia da viagem, em um dos quais ele explicou
a formação de corais baseado nas ideias de Charles Lyell (IBIDEM, 2009).
Desde meados de 1840 até o início dos anos 1850, Darwin se dedicou à taxonomia das
cracas vivas e fossilizadas (cirrípedes). Durante toda a década de 50 do mesmo século ele
realizou experimentos na preparação de seu “grande livro das espécies”:
Sobre a variação e cruzamento de pombos e outros animais, e sobre as
modalidades de transporte natural que poderiam explicar a distribuição
geográfica dos organismos, depois da origem evolutiva de cada forma em uma
única região [...] Darwin fez uma vasta série de experimentos engenhosos,
amiúde bastante simples e, por vezes, quase obsessivamente detalhados
(BURKHARDT, 2009, p. 21).
Em setembro de 1855, Darwin recebeu um artigo intitulado “Sobre a lei que regulou a
introdução de novas espécies” (1855), de Alfred Russel Wallace. Esse trabalho demonstrava que
Wallace estava estudando a distribuição geográfica dos animais e plantas da Malásia e chegou à
conclusão de que as espécies tinham surgido coincidentemente no tempo e no espaço, com
alguma espécie preexistente e estreitamente aliada. Lyell e Hooker propuseram a publicação em
conjunto dos trabalhos de Darwin e Wallace, que foi lido na Sociedade Lineísta em 1º de julho de
1858 (IDEM, pp. 28-29).
A partir desse fato, Darwin trabalhou na condensação do seu grande manuscrito para
publicar em 1859 o A Origem das espécies.
1859 E ALÉM: inquietude intelectual de um Charles Darwin famoso
Darwin nunca mergulhou na quietude intelectual, e os anos menos francamente
dramáticos de sua velhice são tão repletos de descobertas e tão cativantes quanto
sua Aventura juvenil no Beagle.
Stephen Jay Gould,(GOULD, 2009, p. 13).
59
Darwin ficou conhecido pela revolução intelectual que ultrapassou os limites da biologia,
e causou a subversão de algumas das crenças mais fundamentais até então. Estabeleceu o
conceito de que todas as formas de vida descendem de um ancestral comum e excluiu, então, a
crença da criação individual das espécies. “Por extensão, ele introduziu a ideia de que os
humanos não são produtos especiais da criação, mas evoluíram sugundo os mesmo princípios que
atuam no mundo vivente” (MAYR, 2006, p. 1). Mesmo que o termo “evolução” tenha sido
utilizado por ele apenas uma vez na sexta edição do Origem (DARWIN, 2009).
Entretanto, “de modo algum, a obra A origem das espécies pode ser vista como um triunfo
individual” (BROWNE, 2011a, p. 23). Sobre isso, Stephen Jay Gould, no prefácio de “Cartas
seletas” afirma:
O simples intelecto nunca é suficiente para produzir uma revolução científica.
Darwin também possuía os traços de caráter necessários que fazem que uma
pessoa persista e acredite em si mesma – e teve ainda a sorte de dispor de
fortuna pessoal, de amigos poderosos e de uma posição elevada, em uma
sociedade estratificada que oferecia vantagens especiais aos afortunados
(BURKHARDT, 2009, p. 19).
Relembrando as condições de saúde Darwin e relacionando toda a fama e controvérsias
ligadas ao seu nome, Mayr provoca: “Como pôde um único homem realizer tanto durante sua
vida, considerando as restrições impostas pela sua doença?” (MAYR, 2006, p. 8). Browne
(2011a) afirma que a ampla rede de apoio de Darwin consistia em ter origem em uma “família
rica, socialmente segura e bem relacionada. Seu pai era um médico de posses e seus avós – em
ambos os lados da família – foram célebres por contribuições à Ciência, à filosofia e à
tecnologia” (BROWNE, 2011a, p.23). Ao conjunto de vantagens que ele obteve durante sua
vida, a autora adiciona a educação nas melhores instituições e o círculo social que teve acesso por
isso (IBIDEM).
Dessa forma, respondendo a sua própria provocação, Mayr afirma que os feitos
intelectuais de Darwin só foram possíveis devido ao seu isolamento em um local tranquilo, onde
vivia graças à herança de sua família. E que mesmo assim, mantinha contato com o mundo
científico através de correspondências, visitas a Londres e seu grupo de fiéis amigos, entre os
quais estavam: Lyell, Hooker, e T.H. Huxley (MAYR, 2006, p. 8).
Charles Darwin cresceu em um cenário de uma Inglaterra do início do século XIX que
passava por muitas transformações. As “consequências deixadas pelo iluminismo e a nova classe
60
média, surgida com a 1ª Revolução Industrial, provocavam a reflexão de valores e questionavam
o lugar, político e espiritual, ocupado pelo clero” (SOUSA, 2017, p. 59).
Nos trinta anos finais de sua vida, se dedicou a outros aspectos da evolução que não
conseguiu abordar em Origem, como a variação genética, seleção sexual, comportamento animal,
adaptação, crescimento e fisiologia das plantas e o papel das minhocas no solo, nas respectivas
publicações: The variation os Animals and Plants under domestication (1868); The descent of
man and selection in relation to sex (1871); The expression of the emotions in man and animals
(1872); Insectivorous Plants (1875); The effects of cross-and self-fertilization in the vegetables
kingdom (1876), The different forms of flowers on plants of the same species (1877); The power
os movement in plants (1880) e The formation of vegetables mold, through the action of worms,
with observations on their habits (1881) (MAYR, 2006, p. 7-8).
Darwin morreu em 19 de abril de 1882, aos 73 anos, em sua casa Down House. “Suas
últimas palavras foram dirigidas a sua família, falando a Emma: ‘Lembre-se de quão boa esposa
você foi’. Em seu atestado de óbito, a causa da morte ‘syncope de angina pectoris’, a cessação
gradual do coração” (citação). Ele esperava ser enterrado na Igreja de St Mary em Downe, mas “a
ciência o reivindicou, como sempre fizera” (BROWNE, 2011b, p. 668). No dia seguinte a sua
morte, “Galton foi falar com William Spottiswoode, o presidente da Royal Society, para solicitar
que Darwin fosse sepultado na Abadia de Westminster” (IBIDEM), perto de John Herschel e
Isaac Newton. Mesmo cientes dos últimos desejos de Darwin, e com receio de que estivessem
procurando a fama que ele tanto evitara em vida, seus familiares aceitaram e seu funeral
aconteceu na Abadia de Westminster no dia 26 de abril de 1882 (IBIDEM).
61
2.3 DIÁRIOS
É nossa intenção analisar os episódios em que encontramos elementos metacientíficos
para discutir sobre ciências, por isso não iremos nos alongar em todo o conteúdo dos diários
nesse trabalho.
DIÁRIO CABO VERDE: pleasures in prospect
A leitura do diário de Cabo Verde (Cape de Verds no Darwin Online) apresenta
primeiramente o acúmulo de anotações referentes às mais diversas observações, de um naturalista
recém-formado e em amadurecimento no início da viagem. Com o auxílio do texto introdutório
dos historiadores da plataforma Darwin Online, podemos compreender com mais acurácia os
pontos pelos quais o naturalista passou a bordo do navio, enquanto escrevia em seus diários.
As transcrições do diário de Cabo Verde registram a metade do primeiro ano de viagem
de Darwin a bordo do HMS Beagle. Portanto, o início das experiências do jovem naturalista
ainda aprendiz para mais tarde, se tornar um geólogo reconhecido pelos especialistas de seu
tempo. Durante esse período, outro diário foi utilizado (o diário do Rio) indicando uma
característica metodológica de Darwin: a sobreposição entre eles. Iniciou sua escrita em 18 de
janeiro de 1832 e tem a última entrada em 10 de junho de 1832, passando pelo seu aniversário,
em fevereiro (quando fez 23 anos).
O diário Cabo Verde é o primeiro que Charles Darwin utilizou para suas anotações de
campo, que têm caráter cumulativo, parecendo indicar suas intenções de não perder nenhum
detalhe do que estava observando. Essas anotações são, por vezes, “soltas” e de difícil
compreensão, representando diagramas, cálculos, seções geológicas, medidas de ângulos,
temperaturas, leituras barométricas, coordenadas geográficas, esboços.
Como exemplo disso, logo na primeira página do diário (inside front cover) podemos
observar anotações que os autores das transcrições se referem como ilegíveis, mas explicam ser
sobre os cálculos da altura da árvore Baobá. Na sequência, é possível observar diagramas com
anotações matemáticas.
62
Na sequência das anotações podemos observar descrições de cores bem específicas,
como, por exemplo, na página 2a há a seguinte anotação: “topos de espinhos vermelho escarlate e
outras partes telha vermelha” (tradução nossa). O sistema de cores adotado foi o de Abraham
Gottlob Werner, geólogo alemão que criou um dicionário de cores, Patrick Syme's Werner's
Nomeclature of Colors de 1814, para descrever os matizes encontrados em rochas e minerais.
O primeiro local visitado pelo HMS Beagle foi o Arquipélago de Cabo Verde (Cape
Verd), na República do Cabo Verde, no oceano atlântico Norte. O diário de Cabo Verde, assim
chamado por causa da ilha vulcânica, aborda as primeiras percepções da relação entre fauna e
flora com as suas vizinhas do continente africano.
Nora Barlow, neta de Darwin, relembrou suas palavras (1958): “O primeiro local que
examinei, chamado St Jago [Sao Tiago] no arquipélago de Cabo Verde […]” (BARLOW, 1958,
p. 77, tradução nossa).
Chegando à ilha depois de vinte e um dias ao mar, o HMS Beagle ancorou e, nesse
tempo, Darwin imergiu na leitura de Principles of geology de Charles Lyell, que lhe foi dado de
presente pelo capitão Fitzroy. Os impactos dessa leitura se relacionam com a formação do jovem
naturalista, imerso em discussões na área nascente da geologia do século XIX. Esses aspectos
serão discutidos mais à frente.
A página 8a é um exemplo do que se trata o diário como um todo. Há dois tipos de
anotações: notas geológicas e biológicas. As primeiras remetem à presença de um bloco de
breccia moderna. Com ajuda das notas de rodapé escritas pelos historiadores Chancellor e Wyhe,
podemos compreender que breccia é uma rocha composta que consiste em fragmentos angulares
cimentados juntos por alguma matriz.
Em fevereiro de 1832, o HMS Beagle chegou a St Paul's Rocks, hoje conhecido como
Arquipélago de São Pedro e São Paulo, no Brasil. O importante a ser destacado dessa visita foi a
observação de Darwin sobre as rochas, o fazendo inferir que sua origem não seria vulcânica. Ele
pôde comparar uma rocha gnáissica vista no arquipélago a uma que mais tarde foi encontrada na
Bahia e observar uma camada de guano (acúmulo de fezes de aves e morcegos, que pode ser
utilizado com fertilizante) revestindo a rocha do arquipélago. Essa observação geológica é
destacada como importante por Chancellor e van Wyhe (2008) e é abordada posteriormente por
Darwin (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
63
Seguindo viagem, o Beagle chegou à ilha de Fernando de Noronha, no Brasil, ainda em
fevereiro de 1832. Darwin percebeu a formação da ilha que parecia estar em torno de rocha
vulcânica. Anotando sobre espécimes encontrados, por exemplo, formigueiros e líquens no ponto
mais alto da ilha. Geologicamente, anotou sobre a falta de atividade vulcânica no lado Atlântico
da América do Sul: "sem influência vulcânica no leste dos Andes!" (DARWIN, p. 53b, tradução
nossa).
Há uma passagem que se destaca durante sua estadia em Fernando de Noronha, quando o
Beagle estava se deslocando mais para o sul, que inspira o título da introdução desse diário
‘pleasures and prospect’, feita pelos Chancellor e Wyhe (2008): “25 [Fevereiro 1832] Solidão a
bordo enervando o conforto do calor: difícil de olhar para frente prazeres em perspectiva: não
desejo de noite fria, mar calmo, céu calmo, não azul” (DARWIN, 1832, p.46b, tradução nossa).
A expedição chegou à Bahia, no Brasil, em março de 1832, ficando ancorado pelos
próximos 19 dias em Salvador, onde Darwin pode “finalmente experienciar as belezas naturais
dos trópicos [...] tendo seu primeiro encontro apropriado com o novo mundo” (CHANCELLOR;
VAN WYHE, tradução nossa). Teve também a oportunidade de conhecer as rochas metamórficas
e ígneas (PEARSON, 1996).
Chegaram à ilhota de Abrolhos, mais ao sul da Bahia, em 4 de abril de 1832. Há muitas
anotações que registram as medições de temperaturas e profundidade durante o diário. Chancellor
e van Wyhe (2008) chamam atenção para a importância duradoura dessas anotações para Darwin.
Em uma carta de 1/11/1839 que ele escreveu para Humboldt (Correspondence vol. 2, p.239),
descreveu as profundidades e temperaturas do mar de Abrolhos na página 13a do diário. Ele
expandiu suas anotações sobre isso no diário Rio (em South América, pp.142-4). Essas anotações
seriam evidências para sua defesa de afundamentos e elevações no oceano.
Chegando ao Rio de Janeiro, o HMS Beagle permaneceu até junho de 1832. Chancellor e
van Wyhe (2008) chamam atenção para os muitos traços no diário que dão alusão à euforia de
Darwin na hora de escrever e que foram desenvolvidas em páginas clássicas do diário do Beagle.
Muitos desses traços também foram publicados no seu “journal of researches” (1839) ou
publicados em suas cartas quando ele escreveu para casa (transcritas no Correspondence vol. 1).
Para ilustrar, em sua carta para seu primo de segundo grau, William Darwin Fox, em maio de
1832, ele tenta expressar seu entusiasmo por geologia, ao compará-la com o prazer de apostar:
64
É como o prazer de apostar, especular no primeiro momento o que as rochas
podem ser; muitas vezes eu mentalmente aposto três para um terciário contra
primitivo, mas os últimos até agora ganharam todas as apostas
(DARWIN, 1832).
Mesmo que a essência de suas anotações seja geológica, como exemplo da última página
(76b) preenchida no diário Cabo Verde, referências como sumários de coleção zoológica e
botânica do Rio, de Barlow, Keynes, Porter, Smith, Steinheimer e outros, no Darwin Online,
indicam que nesse momento ele começou a coletar novas espécies de animais e plantas, além de
amostras de rochas (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Para explorar mais sobre suas notas biológicas, destacamos aqui as anotações de Darwin
fruto do que ele podia observar na paisagem, enquanto estava embarcado: a existência de “coral
da ordem Alcyonacea” (anotado como Lobularia, que hoje é o termo para uma planta), a 45 pés
de altura. E a presença também de “fistularia jorrando fios brancos pelo ânus”, correspondente a
um equinodermo da ordem Apodida, referenciado em seu “zoology notes”, atualmente referida
como ordem Holothuria15
. Completando a página, escreve ainda a presença de “Cavolina chifres
longos”, fazendo referência a um molusco nudibrânquio aeolidáceo16
(p.8a), presente também em
zoology notes (1834).
Trazemos muitos exemplos das anotações sobre a biologia percebida por ele para
exemplificar o escopo de conhecimento que o naturalista possuía antes mesmo de embarcar no
HMS Beagle, quando anota sobre a presença de um tipo de pássaro, conhecido como
“Kingfisher” (hoje classificado como membro da família Alcedinidae, ordem Coraciiformes)
comendo lagarto (p.10a).
Em suas anotações é possível compreender que sob ação de estresse as conchas liberam
um tipo de substância, que ele se refere como “milk cream” e caranguejos correm e saltam (p.
10a). Darwin anotava ainda que “leite de cabra foi obtido e posteriormente examinado,
verificando-se que havia pequenos 'animalcule' com cerca de 0.0001 de diâmetro”. Essa nota, em
15 Dado do banco de dados WoRms (http://www.marinespecies.org/).
16 Mudanças na classificação de Cuthona foliata (Forbes; Goodsir, 1839, https://www.asturnatura.com/).
65
particular, mostra o quanto Darwin conhecia sobre as teorias de sua época, citando os
“animalcule”, como eram conhecidos os seres microscópicos.
Chegando ao Rio de Janeiro, suas anotações são feitas também no diário Rio,
direcionando maior atenção para a famosa excursão que fizera à plantação de café, onde pôde
observar na prática a escravidão, o que não será discutido em profundidade nesse trabalho.
Ao final da leitura do diário, uma anotação em particular chama a atenção de Chancellor e
Wyhe (2008): eles destacam que pode estar relacionada as suas futuras especulações sobre
espécies: “escala na natureza entre aranhas mantidas por hymenop[tera] na ausência de Carab[id
besouros] apoiados pelas formigas. — pode ter sido menos de insetos e lagartas” (p.84b). Como
evidência dessa desconfiança, trazem a discussão que Darwin retoma no seu “Journal of
researches” (1839): “As numerosos Arachnidae e os vorazes Hymenoptera [no Brasil] suprem o
lugar desses besouros carnívoros?” (DARWIN, 1839, p. 39), indicando que parecia já observar
sobre a interação da fauna no sentido de afetar de alguma forma a conformação das espécies.
Darwin enviou cartas durante toda sua viagem, e John Stevens Henslow, recebendo uma
delas escrita no Rio em 18/05/1832, leu fragmentos dessa, junto a extratos de outras cartas de
Darwin, para a Sociedade filosófica de Cambridge, em novembro de 1835. Eles foram impressos
como folhetos datados de 1 de dezembro de 1835 e interpretados como a primeira publicação
científica de Darwin, colocando seu nome nas discussões em círculos científicos na Inglaterra
(CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Darwin foi informado sobre a existência do panfleto através de uma carta de sua irmã
Catherine, em junho de 1836. Mesmo ficando espantado com a notícia, “pois teria preferido ter a
chance de checar os fragmentos com precisão” (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008), o que
expressou na carta foi que considerava isso de pouca importância: “depois de ler esta carta, subi
as montanhas de Ascensão com um passo saltitante e fiz as rochas vulcânicas ressoarem sob o
meu martelo geológico!” (CORRESPONDENCE, p.82, tradução nossa).
As ideias sintetizadas dos conteúdos do diário de Cabo Verde, bem como os trechos em
que analisamos ter elementos para discutir sobre as ciências a partir deles, estão organizadas no
quadro 1.
66
Quadro 1 Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário
Conteúdo Original Tradução
Primeiras anotações
da viagem
Leitura dos
princípios de
geologia de Lyell.
Observação de
Darwin sobre o
arquipélago de São
Pedro e São Paulo
não serem de
origem vulcânica
Descrição de
aspectos zoológicos
e coleta de
espécimes de
animais e plantas e
amostras de rochas.
.
Tops of prickles scarlet red & other parts
tile red
---
St Paul’s Lava shore — outer rock curious
weather — Mistake for dung Vitreous
feldspar crystal remains [outside]?
Phonolitic [Fernand] Noronha (p.50a).
---
on bed of boulders Fernando No
volcanic influence East of Andes
Connexion of Trachyte1 with
basalt2 interstratif ∴ of dyke &
phonolite3 on each side
Dyke [travers] phonolite (p. 53b).
-
topos de espinhos
vermelho escarlate e
outras partes telha
vermelha (p. 2a). Costa de Lava de São
Paulo (arquipélago) -
clima curioso nas rochas
externas - Errar por
esterco os restos de cristal
de feldspar [fora]?
Fonolítico [Fernand]
Noronha (p.50a).
no leito de pedregulhos
Fernando Sem influência
vulcânica a leste dos
Andes Conexão do
traquito com basalto
interstrato ∴ do dique e
fonólito em cada lado
Dique [atravessa] fonólito
Discussão
Em sua publicação “Ilhas vulcânicas” discute a interpretação sobre
afundamento e elevação de minerais para formação de rochas e a discussão de
não haver ilhas vulcânicas no lado atlântico da América do Sul.
Fonte: criada pelos autores
67
DIÁRIO RIO: Cinnamon and port wine
O diário Rio (Rio no Darwin Online) aborda de abril até o segundo semestre de 1832, em
sobreposição com o diário Cabo Verde, principalmente, a primeira expedição de Darwin dentro
do continente sul americano. O aspecto de central importância no diário Rio é conter as primeiras
observações que fizeram Darwin, tão prematuramente na viagem, interpretar o que estava
observando e consequentemente desenvolver seu primeiro trabalho formal na geologia, sobre o
leste da América do Sul.
O diário contém também informações das suas primeiras escavações de fósseis de
mamíferos, dos quais muitos eram espécies novas para a ciência. Há, então, considerações sobre
as relações entre os fósseis e as espécies vivas, que mais tarde se tornaram uma das principais
evidências que embasaram seu pensamento acerca da evolução das espécies (CHANCELLOR;
VAN WYHE, 2008).
Esses fósseis foram enviados para a Inglaterra. Chegaram a Cambridge, foram descritos
por Richard Owen em Fossil Mammalia (1838-1840) e mostrados à reunião da "British
Association" em 1833. Darwin foi informado disso por intermédio de Henslow, em março de
1834 (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
O HMS Beagle chegou ao Rio de Janeiro em abril e permaneceu até junho de 1832. As
anotações do diário Rio dão uma atenção maior para a excursão que foi feita para as terras de
Patrick Lennon (senhor de fazenda de café e escravos) em que Darwin observou de perto a
realidade da escravidão, registrando algumas notas a esse respeito. Entretanto, esse aspecto não
será discutido nesse trabalho (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
A escrita de Darwin no diário do Beagle17
se tornou um clássico de escrita de viagens,
depois de publicado como Journal of researches, já mencionado anteriormente nesse trabalho.
Suas anotações – cuidadosamente detalhadas – eram sobre, por exemplo, a temperatura:
“começou em 104º F (40ºC) na sombra, as 15h” (p.2b).
17 Darwin escrevia em seus diários de campo enquanto estava em suas expedições e, quando estava embarcado, ou
hospedado, desenvolvia suas ideias a partir das anotações das observações em seu diário do Beagle (KEYNES,
2001).
68
Há páginas de descrições da floresta indicando puro deleite, como é o exemplo da página
9b, em que ele cita: "wonderful, beatiful flowering parasites". Expressa também os sentimentos
da pessoa por trás do naturalista na aventura de sua vida, que podem ser observados através do
registro: “senti-me muito doente durante o dia, pensei que tivesse caído de um cavalo: horrores
de estar doente no estrangeiro" (p. 13b, tradução nossa). Por sorte, no dia seguinte, registrado na
página seguinte, anotou sobre “canela e vinho do porto” (p. 14b, tradução nossa) o terem curado.
Darwin voltou ao Rio pela rota de Praia Grande em 23 de abril. Suas observações sobre
esse momento são mais suaves e informam que ele ficou a bordo do Beagle e aproveitou o
momento para descansar, como podemos observar no trecho a seguir: “24 [abril de 1832] Quarta-
feira terça-feira – Permaneci a bordo. Eu tive um dia de descanso tão agradável” (p. 38b).
Por volta de junho de 1832, Darwin voltou a escrever no diário Cabo Verde por 6
semanas, até o diário Rio voltar a ser usado em meados de junho. Considerando os dois diários
juntos, notamos o quanto Darwin se tornou fascinado por rochas metamórficas "primitivas" ao
redor do Rio.
Ele anotou, em ambos os diários, “Cabo Verde" (p.77b) e "Rio" (p.41b) sobre os
"enormes blocos" de gneisse da Tijuca apanhados dentro de outro tipo de
gnaisse, mas ambos os tipos laminados na mesma direção e cortados por um
dique de granito, o qual é descrito em "Volcanic Islands” e "south america". De
forma incomum para Darwin, ele se esquivou de tentar uma explicação para esse
relacionamento de campo complexo (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008,
tradução nossa).
O Beagle deixou o Rio por Montevidéu em 5 de julho (p.47b) e, em suas anotações,
Darwin conta sobre ter enjoado na viagem, que teve a companhia de um clima ruim como o
terrível vendaval/tempestade de 15 de julho (p.49). Fez também um rascunho de uma auréola
incomum em volta da Lua, na p. 48b. Registrou uma "grampus whale" (gênero de baleias, mas
nome comum para orca), botos e peixe voador e em dias mais calmos ele escreveu muitas cartas
(agora famosas) para sua família, para antigos amigos de faculdade e para Henslow.
A viagem prosseguiu do Rio de Janeiro para Montevidéu, 5-26 de julho e de Montevidéu
até Bahia Blanca, 19 de agosto até 6 de setembro, Bahia Blanca de volta a Montevidéu e Buenos
Ayres, 19 outubro até 2 de dezembro e finalmente de Montevidéu até Tierra del fuego, de 26 de
69
novembro até 16 de dezembro (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Durante esse último
trajeto, Darwin pôde ler o segundo volume da obra Principles of geology (1832) de Charles Lyell.
O Beagle cruzou o Rio Plata até Buenos Aires em 1 de agosto, mas não ancorou por causa
de uma quarentena de cólera, então, Darwin passou mais tempo observando, coletando e
'geologizando' em Montevidéu. Como exemplo disso, na p. 62b ele menciona "capincha" (isto é,
Hydrochoerus hydrochaeris ou capivara), detalhando seu tamanho e mencionando a classificação
de Linneus. Anota também sobre uma planária (platelminto) e ainda faz anotações de natureza
geológica sobre a entrada do riacho ser constituída de argila arenosa azul escura muito
estratificada.
O Beagle chegou a Bahia Blanca na Patagônia (atualmente Argentina) por volta de 6 de
setembro, ficando até 17 de outubro. Nesse período, Darwin desenterrou fósseis com suas
próprias mãos. Posteriormente, o material foi enviado para Inglaterra, para pesquisa e eventual
publicação em Fossil mammalia. Nas págs. 63b-64b ele registrou a seção do penhasco e na
próxima página fez uma importante entrada, que nos remete à ação e consequências da vida em
ambientes estuarinos:
No conglomerado de seixos e conchas, dentes e ossos da coxa. Indo para
noroeste – há um leito horizontal de terra, contendo muito menos conchas,
'mas/menos' tatu - Isso é horizontal, mas amplia-se gradualmente
consequentemente eu penso que o conglomerado com conchas quebradas foi
depositado pela ação das marés de terra calmamente (p. 64b, tradução nossa).
Essa reflexão é importante, pois remete à possibilidade de Darwin estar considerando
naquele momento se o conglomerado contendo conchas e ossos tinham sido formados em
ambiente estuarino e não uma relíquia de alguma catástrofe. Isto é, pensando em situações que
talvez a teoria vigente – Lyelliana – não explicasse satisfatoriamente. Darwin escreveu em seu
diário (teórico) geológico18
a impossibilidade de observar (o conglomerado) sem imediatamente
implicar que essa massa de terra seria depositada desastrosamente ao longo do continente:
“Alguns geólogos têm se surpreendido com a extinção dos animais terrestres, não ocorreu, sem
18 Diário utilizado como leitura complementar nesse trabalho, não entrando no escopo analisado.
70
destruição dos habitantes do mar, isso parece ser o caso em questão (CHANCELLOR; VAN
WYHE, 2008, tradução nossa).
Alcides D'Orbigny (1802-1857), outro explorador da América do Sul, identificou também
espécies de moluscos, como craca e duas espécies de corais, ainda presentes na mesma costa.
Corroborando esses achados, Richard Owen (1804- 1892) descreveu e nomeou todos os fósseis
mamíferos da viagem na obra Fossil mammalia e não deixou dúvidas que a maior parte das
espécies foram extintas, como o Meggatherium cuvieri (preguiça gigante), à qual Darwin se
refere na página 81b. As considerações sobre os fósseis e a importância que tiveram para a
interpretação de Darwin serão discutidas na seção “fazendo sentido”.
O Beagle chegou a Buenos Aires, onde o diário Buenos Aires foi utilizado por uma
semana. Chancellor e Wyhe (2008) discorrem sobre a importância da percepção de Darwin sobre
a importância dos fósseis (JUDD, 1909, p. 353). Judd defendia (1909) que a evidência fóssil
culminou diretamente na produção de sua teoria sobre as espécies:
Que a passagem no livro de bolso de Darwin para 1837 só pode se referir a um
despertar do interesse de Darwin no assunto - provavelmente resultante da visão
dos ossos quando eles estavam sendo desempacotados - eu acho que não pode
haver a menor dúvida; e podemos, portanto, fixar com confiança, em novembro
de 1832, a data em que Darwin deu início àquela longa série de observações e
raciocínios que culminaram na preparação da Origem das Espécies (JUDD,
1909, p. 353, tradução nossa).
As últimas entradas no diário Rio, ou seja, as páginas 19a-20a, se referem à Terra do Fogo
e terminam no final de 1832. A última entrada datada é para 20 de dezembro, antes que a escrita
passe para o diário Buenos Aires. É importante destacar que muitas das páginas nunca foram
encontradas, então, o diário foi analisado e transcrito pelo que ainda resta fisicamente e suas
relações com outras fontes, como cartas, autobiografia e sua obra A origem das espécies.
As ideias sintetizadas dos conteúdos, trechos, elementos e possíveis discussão a partir do
diário Rio, estão organizadas no quadro 2.
71
Quadro 2: Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário.
Conteúdo Original Tradução
Observações
detalhadas:
animais,
geologia,
pessoas
Leitura dos
“Princípios de
geologia” de
Charles Lyell
Leitura
complementar
"in the conglom: teeth thigh
bone Proceeding to the NW. -
of earth, containing much fewer
shells, but armadillo – this is
horizontal but widens as
gradually. Hence” (p. 63b).
Impossibility to observe the
conglomerate without
immediately implying that this
mass of land would be
deposited disastrously along
the continent
Extinction of land animals and
absence of destruction of the
inhabitants of the sea
“No conglomerado de seixos e conchas,
dentes e ossos da coxa. Indo para
noroeste - há um leito horizontal de terra,
contendo muito menos conchas, menos
tatu - isso é horizontal, mas amplia-se
gradualmente consequentemente” (p.
63b).
Impossibilidade em observar o
conglomerado sem imediatamente
implicar que essa massa de terra seria
depositada desastrosamente ao longo do
continente.
Extinção dos animais terrestres e
ausência de destruição dos habitantes do
mar.
Discussão
Um dos primeiros artigos de Darwin, 1837: A sketch of the deposits
containing extinct Mammalia in the neighbourhood of the Plata
Aceitação da teoria gradualística de Lyell para extinção dos animais
Universalidade da lei: tanto Europa quanto América do sul
Fonte: organizada pelos autores.
72
DIÁRIO BUENOS AIRES: Always think of home
O diário Buenos Aires (Buenos Ayres no Darwin Online) é dividido em três momentos, na
interpretação de Gordon Chancellor e John van Wyhe (2008): o primeiro diz respeito à
exploração de Buenos Ayres, que ocorreu na primeira semana de novembro de 1832
(preenchendo o 'gap' do diário do Rio).
O segundo momento está localizado no meio do diário e relaciona-se com as últimas
páginas do diário do Rio, no meio de janeiro de 1833, com a exploração da Tierra del Fuego.
Depois disso, o diário de Buenos Ayres foi utilizado até fevereiro, quando o diário de Falkland
(Ilhas Malvinas) começou a ser usado.
As últimas páginas dessa seção intermediária configuram o terceiro momento cronológico
das anotações de Darwin no diário de Buenos Ayres e correspondem à Port Desire (Puerto
Deseado) na Patagônia. Muito embora não existam datações claras nas notas do naturalista, os
historiadores defendem ser muito claro que foram feitas em dezembro de 1833, coincidindo com
a época em que o Beagle chegou por lá: 23 de dezembro de 1833.
Iniciando, como de costume, pelas páginas convencionadas como “a” partindo do “início
do diário”, os historiadores chamam atenção para a característica de Darwin de anotar vários
aides mémoire (tudo o que serve para ajudar a memória), como lembretes, associações evocativas
para si mesmo. A exemplo disso, logo na primeira página escreve: ‘Museum open every 2nd
Sunday' (p. 1a). Nessa mesma página e na seguinte há longas listas de nomes, anotações sobre
dentista, endereços e coisas para comprar e consertar.
Há no diário entradas de diversas naturezas, como – as mais frequentes – observações
geológicas e zoológicas: ‘Montevidéu é construído no granito ou gneiss? ' (9b); “estrume de
capivara cheira muito doce” 16b. Outras notas como as da página 2b, nos contam algumas
informações dadas a Darwin sobre a ocorrência de crocodilos e pequenas tartarugas aquáticas
durante a viagem e sua relação com superstições: “Em Cobija [...] em San Antonio de Arico,
distante 30 léguas de Buenos Aires: a água tem poder de transformar pequenos ossos em
grandes” (p.11b). Há notas sobre seu cronograma pela cidade; as ruas de Buenos Ayres e até
sobre os gaúchos, que podem ser encontradas na página 5b.
73
Para evidenciar a natureza diversa de suas anotações, recorremos à página 88a, quando
escreve sobre sua limpa visão de um guanaco (camelídeo nativo da América do Sul), por causa
da ausência de árvores ou animais que pudessem impedir sua visão. Ainda detalha o cenário, que
continha pedaços de rocha primitiva espalhados. E completa com mais observações da paisagem:
“rio! cavalo! muitas variedades de fragmentos de pórfiro e cristais: falésias altas, vales quase
terminados. vista sublime boa coloração das rochas” (p.88a). Chancellor e van Wyhe (2008)
informam que em suas “notas de Zoologia”, Darwin escreve sobre o animal o qual atirou e
descreveu, utilizando seu lenço como uma régua improvisada para medir várias partes da
anatomia do animal.
Há muitas referências aos ossos, quando menciona sobre “uma escápula fóssil na
verdadeira Tosca19
" na página 15b do diário. Ainda sobre ossos e como consegui-los, Darwin
anota: “Sr. Flint, um comerciante americano, tem um dente” (p.13a) indicando onde esses dentes
podem ser encontrados ou comprados, obviamente refletindo o grande interesse de Darwin em
fósseis desde suas descobertas em Punta Alta algumas semanas antes. Durante a viagem, Darwin
provavelmente conheceu o mercador inglês Edward Lumb, que é mencionado nas páginas 5a e
7b, que desempenhou um papel importante na exploração dos mamíferos fósseis, nesta excursão
(CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Há anotação melancólica para 1 de novembro na p. 4b, em que relata a calmaria dos dias:
"Dias muito calmos e deliciosos; a quietude parece encurtar a distância. Sempre penso em casa”.
Sobre essa nota, escreveu em seu diário do Beagle: “Esta entrada tornou-se um dia calmo e
agradável. Eu não sei a razão, por que tais dias sempre levam a mente a pensar na Inglaterra e em
casa” (KEYNES, 2001, p. 113).
Sobre Tierra del Fuego, as anotações se iniciam na página 14a. Logo após, na página 17a,
existem três páginas sobre a geologia. Darwin preencheu várias páginas com anotações sobre
geologia e descrições da paisagem, para depois anotar sobre aparição dos nativos. Sobre isso,
escreve: "nus de cabelos compridos" (tradução nossa, p. 20a) e na próxima página "nu inocente
mais miserável muito molhado" (tradução nossa, p.21a).
19 Tosca = depósito de carbonato de cálcio que ocorre no loesse dos pampas. Sendo loesse um tipo de solo fértil
formado a partir da ação dos ventos, que possibilita o acúmulo de grãos finos e muito pequenos. Um sedimento fértil
de coloração amarelada.
74
No diário do Rio não há referência ao primeiro encontro de Darwin com os nativos da
Terra do Fogo – fueguinos – descrito em seu diário Beagle em 18 de dezembro. Chancellor e
Wyhe associam isso ao fato da perda de algumas páginas do diário. Mas é possível acessar suas
anotações pela sua declaração no diário Beagle, "foi sem exceção o espetáculo mais curioso e
interessante que já vi" (KEYNES, 2001, p. 122). Chancellor e van Wyhe (2008) abordam sobre a
possibilidade de Darwin ter se impressionado com a percepção de que seus próprios ancestrais
viveram de um modo muito semelhante aqueles poucos mil anos antes (CHANCELLOR; VAN
WYHE, 2008). Essa reflexão dos historiadores relaciona-se – ainda com caráter precursor,
embrionário, com as suas ideias em formação, de que as espécies mudam. Como há poucas
entradas sobre os povos fueguinos no diário, não iremos analisar o episódio nesse trabalho.
Entretanto, Chancellor e Wyhe chamam atenção para uma entrada importante no diário
geológico de Darwin de janeiro-fevereiro de 1833 que, além de mostrar o quanto a zoologia de
Darwin se misturou com sua geologia, também demonstra que apenas um ano depois de deixar a
Inglaterra ele estava percebendo como os animais nem sempre são encontrados em lugares onde
parecem ter sido originalmente criados. Na entrada, Darwin escreveu: “É muito notável que J.
Button diga que não há raposas ou guanacos na ilha de Hoste, o que em todos os aspectos parece
igualmente bem adaptado para eles [como a Ilha Navarin]. Eu encontrei no entanto um rato!”
(Darwin, C. R. Geological diary: Tierra del Fuego).
Darwin não se distanciou de suas anotações sobre geologia. Sobre isso, Chancellor e
Wyhe (2008) escrevem ser bem impressionante que Darwin quase não tenha se desviado de suas
observações geológicas para registrar anotações sobre os nativos:
Claramente, ele estava bastante intrigado com as relações de campo bastante
complexas das rochas metamórficas (ardósias, pedras verdes etc.) e estava
particularmente preocupado em desembaraçar o fundamento original da
clivagem sobreposta, como havia sido ensinado por Henslow e por Sedgwick em
rochas do norte do país de Gales (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Para compreender o seu pensamento biológico, os historiadores do Darwin Online
chamam atenção para a improbabilidade de Darwin ver sentido nas rochas que estava vendo e ser
capaz de distinguir a camada original da clivagem sobreposta mais tarde, se não tivesse estado no
País de Gales com o professor Sedgwick. Aprofundaremos isso na seção seguinte.
75
Um dos aspectos que podem ser observados a partir dos diários está relacionado com
algumas das dificuldades relatadas em suas anotações. Essas dificuldades da viagem se
relacionavam com as condições da própria viagem, dos locais em que passavam, da sua condição
de saúde, de sua saudade de casa.
Algumas dificuldades durante a viagem são mencionadas por Darwin, como sua
contribuição para salvar um dos barcos do navio de ser arrastado por uma onda induzida por
icebergs. Felizmente, FitzRoy, em seu diário de viagem (FITZROY, 1839), deixou um relato
desse incidente (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Seguindo com as dificuldades, as
anotações da noite de 31 de janeiro mostram um Darwin não muito contente: "Miserável lugar
adormecido pedras grandes putrefação mar mato e relógio médio. Nem tudo prazer” (p. 59a).
Há páginas do que hoje seria chamado de geologia estrutural, seguindo o grande interesse
de Sedgwick. Há, na página 37a, um mapa da entrada do Ponsonby Sound (Figura 1) que podem
indicar uma das tentativas de Darwin em entender o “quadro geral”.
Figura 1 - Mapa de Ponsonby Sound por Darwin, em seu diário geológico (DAR 32.98a)
Na página 64a, Darwin anota: “Todo o país mais desolado e quieto: nunca visto por
nenhum europeu; focas: (grande acumulo de pedregulhos das geleiras)” (p. 64a). Essa anotação
se relaciona com a importância da experiência que ele teve em ver pela primeira vez grandes
rochas.
Nas ultimas páginas de seu diário de campo, por volta de 29 de dezembro, reflete sobre a
mudança dos ambientes ao longo do tempo, escrevendo: “Calcário branco, no lado sul 8 milhas
acima: areias cobertas por um leito fino de arenito duro e ferruginoso o sobre as variedades
semicristalizadas de pórfiro: penhasco muito sujeito a ação diluviana, excessivamente solitário.
Passeio delicioso refletindo quantos anos tem sido. Quantos serão” (p.87a).
76
As ideias sintetizadas dos conteúdos do diário de Buenos Aires, os trechos em que
analisamos ter elementos para discutir sobre as ciências a partir deles, os elementos e as
possibilidades de discussão a partir deles estão organizadas no quadro 3.
Quadro 3: Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário.
Conteúdo Original Tradução
Exploração de
Buenos Aires (1ª
semana de
novembro de
1832 - momento
do 'gap' do diário
do Rio.
mountains come down to water's
edge with exception of chain of
(slate?) islands at base height of
trees curiously regular reaching
nearly to the patches of snow
(p.27a).
appears to be slate: on S side 2
miles from do evidently comes to
water edge. with dykes traversing
it — (this order of course depends
on the run of channell) vegetation
& form bespeaks slate at
bifurcation true (10) (roofing) very
fissile & coloured in bands // to
cleavage. — some of the planes
tortuous others
(p. 69a).
as montanhas descem até a borda da
água, com exceção da cadeia de ilhas
(de ardósia?) na altura da base das
árvores curiosamente regulares,
atingindo quase as manchas de neve
(p.27a).
parece ser ardósia: no lado S 2
milhas de evidentemente vem a beira
da água. com diques que o
atravessam - (esta ordem depende,
obviamente, da passagem do canal)
vegetação e forma indicam a ardósia
na bifurcação verdade (10)
(cobertura) muito físsil e colorida em
faixas // para clivagem. - alguns dos
planos (mais?) tortuosos (do que?)
outros.
Discussões Discussão sobre a camada original da clivagem sobreposta
A partir da teoria glacial de Louis Agassiz, reinterpretou as montanhas de
Snowdonia que ele havia examinado com Sedgwick em 1831 (Darwin 1842). Fonte: organizada pelos autores.
77
DIÁRIO SANTA FÉ: Filled with astonishment
O diário (St. Fe no Darwin Online) leva esse nome por causa da cidade Santa Fé, na
Argentina. Durante esse momento da viagem, Darwin se comprometera com uma visão Lyelliana
da história geológica da América do Sul: ao cruzar os Andes, viu evidências das oscilações
verticais, em grandes proporções: “milhares de metros durante vastos períodos de tempo”
(Chancellor e Wyhe, 2008, tradução nossa).
Dois grandes momentos20
são interpretados por Chancellor e van Wyhe (2008), a partir da
leitura desse diário: a primeira parte cobre a viagem de Darwin de 1833 de Buenos Aires até
Santa Fé e Paraná. A segunda parte se refere ao grande circuito de Darwin em 1835 através dos
Passes Portillo e Uspallata dos Andes, que ele rotulou prosaicamente de "Cordilheira do Chile"
(CHANCELLOR e WYHE, 2008). Nossa análise privilegiará episódios que aconteceram durante
a primeira parte do diário.
O diário Santa Fé é fisicamente um dos mais longos diários, contendo maior frequência de
anotações de diagramas, estando todos localizados na parte de 1835 (segunda parte),
aproximando a natureza desses conteúdos com as anotações que Darwin escrevia em seus outros
diários que utilizava em campo, anotando, desenhando suas observações empíricas.
As primeiras notas constituem um conjunto de seis páginas de nomes, endereços,
memorandos, listas de compras e diversos pedaços de informações, que parecem ser a preparação
para as pequenas expedições menores. Momento em que tinha que providenciar mantimentos.
A primeira nota datada foi escrita em Buenos Aires, nos dias 27 e 28 de setembro de
1833, no que compreende o primeiro momento do diário e trata de suas impressões sobre o
ambiente, notando que as “viscachas”21
corriam pobremente como ratos e eram mais numerosos
do que mais ao Sul. Anota também sobre a geologia do país: mais ausente “com exceção da
superfície aparentemente de tosca densa e pálida”. Anota ainda sobre a geologia do país ser
“geralmente plana” (p. 9a).
20 Chancellor e van Wyhe (2008) elencam quais os diários foram usados no tempo de pausa do Santa Fé, baseados
em passagens com datas. Um dos diários utilizados durante essas sobreposições, destacamos que o diário Santiago,
que será privilegiado também em nossa análise.
21 Pequenos roedores sul-americanos dos gêneros Lagostomus e Lagidium.
78
Nas primeiras páginas do diário destacamos o conteúdo sobre o “Grand Seco”: a grande
seca de 1827-30, causa da morte de muitos bovinos nos Pampas e uma explosão no número de
ratos (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Para os historiadores, Darwin teria se atentado para
esse fenômeno natural se referindo a ele em Natural selection22
: o manuscrito original que
Darwin escreveu e utilizou para revisitar e reorganizar suas ideias sobre a origem comum dos
seres vivos (STAUFFER, 1975, p. 181).
Na leitura do diário, adiantamos que as descobertas de fósseis são de grande importância
para nossa análise. Elas se iniciam na página 7a, entre suas anotações sobre a paisagem,
constituição geológica e comportamento de roedores locais. Darwin observou, também, o fóssil
de um Megatério23
encontrado, que mais tarde foi publicado oficialmente em artigo científico.
Nas páginas 10a e 11a, Darwin escreve sobre esses achados fósseis, e descreve sua estadia
desconfortável, se referindo a dormir “bastante mal” (p. 10a) e, na página seguinte, tece
comentários sobre o grande número de ossos de cavalo e boi (p. 11a), além de descrever aspectos
geológicos da paisagem:
em vários lugares, vi Tosca pálido e vermelho, com um pouco de barro: Rios
Luxan & Areco Domingo, 29 de setembro de 1833 - Cerca de 7 léguas ao norte
de R Arrecife: bem em Tosca avermelhada, com algum campo de barro nu,
como estrada, cardos não tendo surgido: Biscatchas arrastam os ossos de pano e
caules de cardo para os seus buracos. Na noite vi pela primeira vez o Paraná à
distância. Ilhas Woody: em St. Nicholas grande cidade difícil Muitos dos riachos
em toda jornada pavimentada com ossos de cavalos e bois (p. 11a, tradução
nossa).
Durante a leitura dos diários, é possível observar também a opinião de Darwin sobre os
habitantes nativos e possível perigo que eles ofereciam, se relacionando com a expressão de seus
julgamentos pessoais, que ocorrem também nos diários Rio, sobre a escravidão e bem
explicitamente no diário Sidney, sobre a má organização de Bathurst. Entretanto, mesmo
22 “On the origin of species” (1859) foi a única síntese do manuscrito que Darwin intencionou completar e publicar,
como apresentação formal da sua perspectiva da evolução. Entretanto, existe uma publicação que contém seu
manuscrito original, contendo citações e exemplos que fundamentam seu argumento. A produção desse manuscrito
foi interrompida, quando Darwin recebeu a carta de Alfred Russel Wallace (1823–1913). Darwin mudou seus planos
iniciais de publicação e seu artigo junto ao de Wallace foi apresentado na "Linnean Society of London". Após esse
episódio, Darwin organizou as ideias que aparecem em sua obra de 1859 “Origem” (STAUFFER, 1975). 23
O gênero megatherium, em português conhecido como “preguiça gigante” extinta que habitava as Américas Sul e
Norte, Plioceno até o Pleistoceno, há aproximadamente 20 mil anos.
79
aparentemente consciente de possíveis perigos, não negligenciava suas observações geológicas e
as anotações provenientes dela:
cascata bonita de cerca de 20 pés de abundância de água: Arroyo Seco de mesma
geologia que o Arroyo Saladillo24
, vi o fenômeno de córrego corer rapidamente
com banco de água salobra com cardos de Acanthus25
: Eu não gosto muito dos
Habitantes; cidadãos trapaceiros26
: As vistas do rio; 3 ou 4 milhas em frente
muito diferente de qualquer coisa que eu já vi, formas de ilhas não como lagos
Barrancas mais pitorescas: (p. 15a, grifos nossos).
Outro exemplo que reúne sua opinião sobre habitantes e aspectos sobre a geologia do
local na sequência de anotações que estão presentes nas páginas seguintes 16a e 17a, onde
Darwin registra seu achado de fósseis de toxodonte e mastodonte27
:
Terça-feira 1 de outubro: [1833] Nosso lugar de dormir eu acho que teve pessoas
muito más: iniciado pela luz da lua & chegou na costa de Carcaraňa ao nascer do
sol: falésias compostas de pálido, da Tosca com muitas estalactites de pedra
Tosca: acima da camada com pequenas Concreções Tosca marcados com
manganês, e acima de terra arenito muito macia: no primeiro havia um grande
dente podre e na camada grande dente de corte: Procurou cavalos frescos e
começou para a vista do Paraná cenário muito bonito lago: encontrou dois
grandes depósitos dispersos (16a).
de imensos ossos de Mastodonte. (Nota dos autores: 1 Um tipo de elefante
extinto.) V Specimens. muito podre em falésias perpendiculares, ouvido de
muitos outros ossos: quando se considera que estes são apenas trechos de uma
planície imensa, quão numerosos estes animais devem ter sido: no Paraná
barranca: argila amarelada pálida de fundo com curiosos numerosos cilindros
ferruginosos acima da grande cama (50 pés em [inteiro]) de terra avermelhada,
estalactite e nódulos de rocha Tosca (p.17a).
Richard Owen, em Fossil Mammalia (OWEN, 1840, p. 17-18), identificou um desses
fósseis encontrados como de um Toxodon28
(Toxodon platensis)29
. Ele encaixou com precisão na
24 Afluentes localizados em Santa Fé, na Argentina.
25 Gênero da família de plantas angiospermas Acanthaceae.
26 A tradução de livre de “rogues civis”, termo utilizado na trascrição do diário de Darwin.
27 Um tipo extinto de elefante.
28 Atualmente há em exposição no Museu de História Natural de Londres um esqueleto completo de Toxodon
platensis, cujo original está no Museu de La Plata. Esse museu provavelmente fora visitado por Darwin, entretanto, o
esqueleto de toxodonte só foi escavado no final do século (CHANCELLOR; WYHE, 2008). 29
O toxodonte habitou a Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Brasil do final do Plioceno até época relativamente
recente. Toxodon significa "dente de flecha" e platensis provavelmente relacionado a Plata, da Argentina. Seus
80
cavidade apropriada de um crânio quase perfeito que Darwin comprou cerca de seis semanas
depois, a 300 km de distância, no Uruguai. Logo Darwin encontrou os dentes fossilizados de
Mastodonte (CHANCELLOR; WYHE, 2008).
Em vários trechos do diário, Darwin comenta sobre estar mal de saúde, como é possível
ser lido na página 19a, escrita em 2 de outubro, em que anotou estar “mal à noite” e durante o dia
estar “febril e muito fraco” (p. 19a).
Em outubro de 1833, Darwin chegou a Santa Fé e anotou sobre ter sido possível ser
alojado em um quarto e se fazer confortável, apesar de no dia seguinte anotar sobre seu mal-estar.
Nessa página, ele ainda anota suas impressões sobre Santa Fé: “Santa Fé mantida em muito boa
ordem, grande, desgrenhada, toda casa, com Jardim” (p.22a, tradução nossa).
Mais à frente, na página 25a, em 6 de outubro, escreve estar “muito melhor”, embora
ainda doente:
Domingo 6 de outubro de 1833 Muito melhor. cavalgou até o final do penhasco;
grande cama de argila amarelada pálida mais abaixo; este resto em estratos
horizontais ou variadamente curvados de barro ou areia butimosa, depositados
por fluxos, em [alguns] [casos] os [filmes] vegetais são visíveis. V Espécime em
outros não: o leito de argila contém poucas conchas em camadas irregulares,
principalmente de dois tipos. V Espécime. contém também bastante gesso:
Acima disso, há uma grande camada de calcário mais ou menos puro (p. 25a).
Nesse mesmo dia, ele encontrou uma pedra calcária repleta de moluscos fósseis,
braquiópodes30
, ossos de peixes e assim por diante. Essas anotações podem ser vistas nas páginas
26-28a, que se constituem continuações da página 25a. Em 7 de outubro, ele gravou
cuidadosamente, p. 29a, o comportamento de algumas aranhas, uma das quais forneceu o
seguinte espetáculo de balé quando ele viu o que mais tarde foi publicado em seu Journal of
researches (1839):
[…] aqui, em comparação com a Inglaterra, aumentou muito; talvez mais do que
com qualquer outra divisão dos animais articulados. A variedade de espécies
entre os saltigrade, ou aranhas saltadoras, parece quase infinita. O gênero, ou
melhor, a família de Epeira, é aqui caracterizado por muitas formas singulares
[…] (DARWIN, 1839, p.41).
fósseis já foram encontrados em associação com pontas de flechas, o que indica que sua extinção pode estar
relacionada à caça movida pelos primeiros indígenas da América do Sul. 30
Filo do reino animalia, composto por animais invertebrados.
81
Na página seguinte, Darwin tentava acompanhar todos os mamíferos fósseis que ele
encontrava:
claramente dois tipos de Megatherium para encontrar em Carcarana e Arroyo del
Animal cotemperaneous com Mastodon: caso dos últimos dois ou três
centímetros de espessura: O calcário em Punta Gorda (me disseram) está perto
da beira da água: Conchas são encontradas em R. Hernandrias , e por Brooks um
vale é conhecido por percorrer todo o país: país a oeste de Santa Fe todos
baixos: In Entre (p. 30a).
A essa altura, Darwin decidira voltar para Buenos Aires, mas foi atrasado por ventos
contrários e navegadores mais “temerosos” e escreve sobre isso na página 32a. Mais adiante, ele
escreveu sobre sua impossibilidade de escavar o estrato que era “inquestionavelmente...acima do
calcário 'mas em compensação ele' encontrou dente de cavalo” (p. 34ª):
Com exceção de um grande pedaço de omoplata: —Inquestionavelmente esta
cama está acima do calcário: Em um lugar encontrado dente de cavalo em
vermelho compacto Tosca e bem enterrado, sendo um cavalo, única causa de
dúvida de posição real, após longo exame, cheguei à conclusão de que o Tosca
pode ter foi lavado (p. 34a).
Nas páginas 45a-46a, Darwin volta a registrar sobre o que lhe disseram sobre a grande
seca de 1827-1830, quando se tornou difícil usar o rio por causa do mal cheiro:
centenas de milhares de cadáveres mortos em bancos (barrancas abaixo)
flutuando na água: não poderia passar muitos dos córregos pelo cheiro - diria
que alguma grande inundação matou todos, especialmente como depois disso
todos os rios foram inundados depósito correspondente muito (p. 46a).
Darwin teve que desembarcar em Rio Las Conchas [Reconquista] e fazer um desvio para
Quilmas. Registra: “estou em péssima situação” (p. 52a), se referindo à dificuldade de transporte
de suas coleções. Na página 55a, escreve sobre as dificuldades de embarcar suas coleções, mas
finalmente conseguindo. Posteriormente, ele volta a bordo do Beagle, porém pela impossibilidade
de partida, passa a residir em terra, enquanto suas coleções partem para Montevidéu
(CHANCELLOR e VAN WYHE, 2008).
Nas páginas que seguem (60a), há notas sobre lugares na costa do Pacífico, como
Coquimbo e Concepción. Esses foram os locais que sentiram os terremos que ocorreram semanas
depois dessas anotações (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Então, Darwin escreve: “O
grande terremoto de 1751 destruiu Conceição?” (p. 60a, tradução nossa). Mais à frente, na página
82
p. 65a, Darwin escreveu sobre o tsunami: “foi a grande onda que destruiu Conceição
repentinamente?” (p.65a, tradução nossa).
Em seguida, os primeiros diagramas pequenos estão a partir da página 71a, mas os de
seções geológicas mais sérios começam nas páginas 75a-78. Uma lista de espécimes começa a
aparecer, na p.79a.
Há uma entrada curiosa escrita em 20 de março, que começa na p. 83a: "vale muito
curioso mais alto". Isso é seguido por um diagrama e uma descrição de uma enorme massa de
‘Alluvium enormous angular fragments’ que separam dois vales da aproximação do Valle del
Yeso. Ocorrem também – em menor frequência – observações zoológicas no diário: “no alto das
montanhas há pouca vegetação, sem pássaros e insetos” (p. 88a). Ele notou a "neve vermelha"31
que aparecia nas pegadas das mulas e soube que, enquanto o inverno começava aacabar, a menos
que houvesse o trovão, era improvável que houvesse neve, p. 94a.
Nas páginas 103a-104a, Darwin fez a anotação sobre a importante descoberta em alguns
xistos calcários negros de ostras fossilíferas Gryphaea, um caracol, Terebratula braquiópode e
“um pedaço de amonite tão grosso quanto o meu braço”. Esses fósseis foram mais tarde datados
por Alcide d'Orbigny a partir da era Neocomiana (início do Cretáceo): essa era agora é datada de
cerca de 120 milhões de anos (CHANCELLOR; WYHE, 2008).
Seguem-se muitas páginas descrevendo suas expedições nos Andes, em que Darwin
registra observações sobre animais e geologia dos locais. Essas anotações foram mais tarde
expandidas por Darwin em sua publicação “América do Sul” e são discutidas mais
detalhadamente por Chancellor e van Wyhe (2008). Entretanto, esses episódios não farão parte de
nossa análise, por esse motivo não iremos incluí-los na descrição do diário Santa Fé.
31 Fenômeno causado por algas Chlamydomonas nivalis, que contém um pigmento avermelhado (Keynes, zoology,
p. 286).
83
Conteúdo Original Tradução
Dois momentos (2
expedições)
Mudança na
natureza das
anotações (desenhos
/esboços de suas
observações
empíricas)
Grande Seca (1827-
30)
Notas de zoologia
Fósseis de
toxodonte,
mastodonte, bois e
cavalos.
[...]Many of the brooks in whole
journey paved with bones of horses
& oxes (p.11a).
[…] cliffs composed of pale, da
Tosca with very many Tosca rock
stalactites: above it layer with small
Tosca concretions marked with
manganese, & above it earthy very
soft sandstone: in the former there
was a large rotten tooth & in the
layer large cutting tooth: Procured
fresh horses & started for the
Parana view quite pretty lake
scenery: found two large straggling
deposits (16a).
of immense bones of Mastodon V
Specimens. very rotten in
perpendicular cliffs, heard of many
other bones: when it is considered
that these are only sections of an
immense plain, how very numerous
these animals must have been […]
(p.17a).
clearly two sorts of
Megatherium to found at
Carcarana & Arroyo del Animal
cotemperaneous with Mastodon:
case of latter two or three inches
thick: The Limestone at Punta
Gorda (I am told) de-is near waters
edge: Shells are found at R.
Hernandrias, & by Brooks a valley is
known to run across the country:
country west of Santa Fe all low: In
Entre(", p. 30a.)
Excepting one large piece of
shoulder blade: — Unquestionably
this bed is above the Limestone: In
one place found tooth of horse in red
compact Tosca & well buried, it
being a Horse, only cause of doubt
of real position, after long
examination, I came to conclusion
that that the Tosca might have been
washed down.
to San Pedro. Barandero — hundred
[...] Muitos dos riachos em toda
jornada pavimentada com ossos
de cavalos e bois (p.11a).
[…] iniciado pela luz da lua &
chegou na costa de Carcaraňa
ao nascer do sol: falésias
compostas de pálido, da Tosca
com muitas estalactites de
pedra Tosca: acima da camada
com pequenas Concreções
Tosca marcados com
manganês, e acima de terra
arenito muito macia: no
primeiro havia um grande
dente podre e na camada
grande dente de corte:
Procurou cavalos frescos e
começou para a vista do
Paraná cenário muito bonito
lago: encontrou dois grandes
depósitos dispersos (16a).
de imensos ossos de
Mastodonte. V Specimens.
muito podre em falésias
perpendiculares, ouvido de
muitos outros ossos: quando se
considera que estes são apenas
trechos de uma planície
imensa, quão numerosos estes
animais devem ter sido […]
(p.17a).
claramente dois tipos de
Megatherium para encontrar
em Carcarana e Arroyo del
Animal cotemperaneous com
Mastodon: caso dos últimos
dois ou três centímetros de
espessura: O calcário em
Punta Gorda (me disseram)
está perto da beira da água: Conchas são encontradas em R.
Hernandrias , e por Brooks um
vale é conhecido por percorrer
todo o país: país a oeste de
Santa Fe todos baixos: In Entre
84
of thousands carcases dead on banks
(fall down barrancas) float in water:
could not pass many of the streams
for smell — it would be said some
great flood had killed all, especially
as after it all rivers were very much
flooded corresponding deposit //
Carranchas muy picaros,1 steal eggs
// Almost Becalmed sailed on till 2
AM. Passed San Pedro at early night
(p. 46a).
(p. 30a.)
Com exceção de um grande
pedaço de omoplata: —
Inquestionavelmente esta cama
está acima do calcário: Em um
lugar encontrado dente de
cavalo em vermelho compacto
Tosca e bem enterrado, sendo
um cavalo, única causa de
dúvida de posição real, após
longo exame, cheguei à
conclusão de que o Tosca pode
ter foi lavado.
centenas de milhares de
cadáveres mortos em bancos
(barrancas abaixo) flutuando na
água: não poderia passar muitos
dos córregos pelo cheiro - diria
que alguma grande inundação
matou todos, especialmente
como depois disso todos os rios
foram inundados depósito
correspondente muito (p. 46a).
Discussão
Grande seca no Origem das espécies: morte de um grande número de
bovinos nos Pampas e uma explosão no número de ratos. Ouvir isso causou
uma grande impressão em Darwin, que se referiu a ele em seu manuscrito
“Natural selection”, p. 181;
Discussão sobre o "achado intrigante" do fóssil de cavalo: Acreditava-se na
época que não havia cavalos nas Américas antes que os europeus os
trouxessem no século XVI. "Poderia ter sido levado, mas a inclinação do
afloramento impedia a certeza".
85
DIÁRIO SANTIAGO: State this with clearness
Iniciamos a descrição do diário Santiago (Santiago no Darwin Online), priorizando os
conteúdos principais para dar sentido ao que estava acontecendo com Darwin na medida em que
ele escrevia suas anotações. Porém, destacamos – principalmente – aqueles que se relacionam
com o que estamos chamando de elementos metacientíficos e que discutiremos no capítulo 3.
No entanto, é importante, para investigações historiográficas, destacar que esse diário
possui páginas sem data, porém, que foram numeradas por Darwin. Chancellor e van Wyhe
(2008) chamam atenção para as anotações seguirem uma numeração escrita pelo próprio Darwin
a partir da página 90. Entretanto, “como atribuímos números a todas as páginas do diário em
nossa transcrição, usamos nossos números, em vez dos números de Darwin” (CHANCELLOR e
van WYHE, 2008). Dessa forma, iremos utilizar a paginação adotada pelos historiadores do
Darwin Online.
O Diário Santiago tem o nome da cidade de Santiago (Saint James ou St Jago32
), a capital
do Chile. É provavelmente o mais estudado de todos os diários de campo da viagem do Beagle
(CHANCELLOR e van WYHE, 2008). É o quinto diário de campo mais longo, porém, possui a
menor densidade de diagramas em proporção ao texto de qualquer um deles, indicando o caráter
transicional do pensamento de Darwin.
O percurso feito por Darwin durante suas expedições no Chile, que pode ser entendido a
partir da leitura desse diário, é de Santiago para Rancagua e San Fernando, em seguida,
descendo o vale até Navidad, na costa, e de lá de volta para Valparaíso.
Toda a expedição deu a Darwin uma excelente visão geológica das cordilheiras externas
dos Andes. As anotações sobre essa expedição foram feitas em ambos os diários: Santa Fé e
Santiago, exemplificando a sobreposição entre eles.
O diário Santiago abre na página 1 com uma sequência de anotações, começando com
“Biscatchas fazendo barulho” (p.1, tradução nossa). Darwin descreveu o comportamento deste
animal semelhante a um coelho (Lagostomus trichodactylus) com grande cuidado em seu
32 Há uma discussão na introdução do diário, em que Chancellor e van Wyhe (2008) chamam atenção para "St. Jago"
ter sido usado por Darwin em suas anotações para designar dois lugares distintos: um na ilha de Cabo Verde e o
outro local na América do Sul. Por esse motivo, aqui utilizaremos “Santiago”.
86
“Journal of researches” (DARWIN, 1839, p. 143). Há o nome de Juan Ignacio Molina em
conexão com o comportamento da Carrancha (uma ave de rapina, Polyborus brasiliensis).
As notas campo iniciam propriamente na página seguinte, em 2 de setembro de 1834, com
Darwin indo para Padaguel:
2 [setembro 1834] Cavalgaram para além de Padaguel para ver calcário: que
fazia parte da planície: consistia em uma camada de areia sobreposta - com
linhas de água e peças semi-cristalinas exatamente como rocha Tosca; outras
partes brancas friáveis, algo assim em fendas de rocha: uma forma
indiscutivelmente formada debaixo de água, não admira nenhuma concha Mem:
B. Ayres: a planície tem estado sujeita a ação aluvial considerável: este Calcário
provavelmente passa na terra arenosa aglutinada (pp.2-3, grifos do autor).
Sobre isso, na versão publicada, Darwin descreveu um "tufo calcário" sobre arenito
sobrejacente com “linhas de água” (isto é, estratificação cruzada, causada por ação atual), todas
as quais ele tinha certeza serem de origem marinha (CHANCELLOR e WYHE, 2008).
Em 6 de setembro, Darwin continuou em Rancagua e registrou um seu diário aspectos da
paisagem observada:
A planície de Santiago se contrai e sobe um pouco em direção à Angostura, onde
um rio veloz declara a declividade que atravessa uma cadeia baixa com galhos
dos Andes, o vale se expande e sobe até formar uma grande planície com água
fluindo para o sul: sem horizonte para o sul. - mas alguns (p. 4).
Em continuação as suas descrições da paisagem, na página seguinte há a continuação da
anotação, porém mais reflexiva sobre o que estava vendo:
ilhas. - um rio flui para o oeste também. no meio de planície duas ilhas que
mergulham a E. pequeno ∠. É provável que parte da cadeia externa tenha
existido na planície. Eu creio que a faixa oblíqua ao sul de Aculeo são
pedaços de linhas N e S. Na cabeça de Angostasa, massa de terra e seixos
cobertos por grande cama de areia branca fina e pedra-pomes aparentemente
depósito de água: Todo o rocha porfírica e alguns Breccias. […] (pp. 5-6, grifo
nosso).
Na página 9, Darwin anota sobre a planície cortada pelo rio e sua composição. Sobre essa
observação, ele reflete sobre a formação dessas rochas:
87
há uma margem decidida da planície plana, através da qual o rio cortou. Isso é
composto de seixos, às vezes dispostos em planos, em uma marga branca, que
reveste e lava as pedras de maneira branca. outros lugares quase inteiramente de
cal cristalizam (12) em estrelas. Isso me dá a ideia de que foi formado debaixo
d'água. (O Lime & Marl é muito abundante para ser posteriormente infiltrado),
(Não é fácil dar uma idéia do poder degradante) (p.9, tradução e grifos nossos).
Nos dias seguintes, o grupo de Darwin apareceu no vale de Cachapol para visitar os
“banhos quentes” (fontes termais) de Cauquenes. Darwin ficou imensamente impressionado com
o poder erosivo das torrentes que no verão podiam mover "fragmentos do tamanho de casas de
campo" (p. 10). Por causa da chuva forte, Darwin ficou nos “banhos” por cinco dias, até 13 de
setembro (CHANCELLOR; van WYHE, 2008).
Os banhos eram apenas "cabanas miseráveis" e era "necessário levar tudo" para
experimentá-los, mas havia uma "visão bonita" (p. 8). Hoje eles são considerados um dos mais
belos resorts de águas termais do Chile (CHANCELLOR; van WYHE, 2008). Sobre essas fontes,
Darwin observou que eram mais quentes no verão. Darwin observou, mais tarde, que os “estratos
podem ser vistos gradualmente se tornando mais inclinados até serem verticais” (p. 14).
No dia 9, Darwin subiu o vale onde pôde ver pela primeira vez as "Cordilheiras reais" (p.
19), e subiu "uma montanha muito alta" com pelo menos 6.000 pés (2.000m) de altura. Ele notou
um bloco de granito "a várias centenas de metros acima do leito do rio", que ele considerava
"colocado no lugar atual pelo antigo mar”:
Na estrada notei o bloco de granito várias centenas de metros acima do leito
do rio em depressão onde as causas presentes não poderiam tê-los colocado.
No entanto, penso que é provável que o granito [existe] no vale do Yeso, &
colocado no lugar atual pelo antigo mar. [...] (p. 20, grifos nossos).
Na p. 32 Darwin anotou que as fontes termais haviam parado em 1822 por um ano
(quando houve um grande terremoto), mas estavam gradualmente retornando e ficando mais
quentes novamente, embora nem “tanta água ou tão quente - conhecido por penas vindas de uma
ave - a mesma prova para o verão e inverno” (p. 32).
No dia 13, alcançaram Rio Claro após ter “escapado da prisão sem comida” (p. 33) para
no dia seguinte cavalgarem para San Fernando através de uma planície e Darwin registrar que a
paisagem era interessante: "parece perfeitamente horizontal com poucas ilhas; para se ter uma
88
ideia de sua extensão, a distante cordilheira mostrava apenas sua parte nevada, como sobre o mar.
– Cenário muito interessante" (p. 35).
Darwin fez aqui a extraordinária especulação: “imagino como a Terra do Fogo apareceria
se fosse elevada" (p.35). Na página seguinte, ele lembrou que Quito, no Equador, a 3.000m, se
parecia com isso, então a “elevação diminui para o sul?” (p. 36).
identidade entre aqui e sul de C. 3 Montes: Valparaíso para Mendoza 3 a 50
cadeia de colinas. Este país não é tão baixo quanto Quito: elevação diminui
para o sul? Seixos de granito semelhante colorido carne - feldspato em
pequenas quantidades e mica negra também aqui e Cauquenes um sienito branco
abundantes planícies de S. Fernando (p. 36, tradução e grifos nossos).
Depois da expedição, há algumas páginas difíceis de datar até hoje (p. 68-72), o que pode
representar o início da teorização de Darwin, talvez o resultado de estar doente e não conseguir
observar e colecionar. As anotações de Zoologia escritas nessa época mostram que Darwin não
estava totalmente incapacitado, e ele ainda estava claramente intrigado ao ouvir as evidências da
mudança do nível do mar: “Dizem que o mar, há 70 anos, alcançou um pé da casa do Dr Stiles?”
(p. 71).
Estas são as últimas entradas no diário de Santiago, que provavelmente datam de 1834. O
diário foi posto de lado, enquanto Darwin foi para o sul, e não foi usado novamente até fevereiro
de 1835, na página 73.
Entretanto, Darwin usou o diário de Santiago como um diário de campo no caminho de
volta para o norte de Chile, por volta de 10 de fevereiro de 1835. Esta parte do diário de Santiago
cobre o tempo em Valdivia em 20 de fevereiro quando Darwin presenciou um terremoto, e este
pode ser o motivo pelo qual, uma semana depois, ele começou a registrar no diário suas
especulações teóricas sobre a instabilidade da crosta.
Darwin chegou perto de Valdivia, no distrito de Lake, no Chile, em 8 de fevereiro, mas
parece não ter chegado até o dia 11. A primeira entrada no diário, na página 73, é dia 10 de
fevereiro de 1835. Ele registra o pôr do sol às 18h45 e o nascer do sol às 5h15 (p. 73).
Na página 75 começa uma longa lista de vulcões andinos. Na página seguinte, tem um
pedaço de papel vegetal colado a ele, no qual é traçado um mapa dos rios que desciam para uma
seção da costa de cerca de 25 km de comprimento, com Valdivia no topo (p. 77). Outras
89
atividades de Darwin descritas nas páginas a seguir, nos dez dias até a saída de Valdivia, são
abordadas também no diário de Beagle.
O Beagle passou uma semana no Mocha e Darwin escreveu posteriormente em América
do Sul que ele nunca ancorou, mas que os oficiais coletaram alguns fósseis para ele (DARWIN,
1846, p. 124). Enquanto a bordo do navio, sentiu um estranho "empurrão" do mar: partiu uma
âncora ao meio e deve ter sido causado por um tremor secundário (KEYNES, 2001).
O terremoto de 20 de fevereiro durou cerca de dois minutos com o choque principal que
destruiu grande parte de Concepción, levando apenas seis segundos, e houve várias semanas de
réplicas. Houve três tsunamis em Talcahuano, cada um maior que o anterior, começando cerca de
meia hora após o terremoto. A ilha de Santa Maria foi erguida em média cerca de 3m, mas parece
ter diminuído um pouco no final do ano (CHANCELLOR; van WYHE, 2008).
Darwin chegou à ilha de Mocha (Isla Mocha) em 24 de fevereiro a caminho de
Concepción, "tendo navegado 22d" de Valdivia. Esta é a última entrada datada no diário, como
na próxima página (p. 88), escrita antes de chegar a Concepción.
O capitão FitzRoy resolveu ir para o norte, pois agora estavam perigosamente sem
âncoras, e chegaram a Concepción no dia 4 de março, onde Darwin viu a terrível destruição de
duas semanas antes: "o espetáculo mais terrível e interessante que já vi" (KEYNES, 2001, p.296).
O Beagle partiu para Valparaíso em 7 de março, chegando no dia 11. Darwin foi ficar na
casa de seu amigo Corfield. O navio, com novas âncoras, voltou para Valdivia e na mesma
semana Darwin atravessou a Cordilheira dos Andes. Em nova expedição em terra, desta vez para
o norte para Coquimbo, Darwin experimentou outro terremoto, em 20 de maio (CHANCELLOR;
van WYHE, 2008).
Como diário de campo, o diário de Santiago foi substituído por outros diários, dentre eles
o Santa Fé. Conforme registrado no diário de Santa Fé, Darwin fez seus preparativos para os
Andes enquanto permanecia por alguns dias em meados de março com Caldcleugh em Santiago
(CHANCELLOR; van WYHE, 2008).
A partir da página 88, até a página 92 – no diário Santiago – uma enorme gama de
questões geológicas é tratada e quase todas se relacionam umas com as outras de maneira
complexa. O tema unificador é a mobilidade crustal vertical: relacionado com os efeitos dos
90
terremotos e do mar sobre o transporte de cascalhos e pedregulhos erráticos. Nessa seção, há um
único diagrama, mostrando os efeitos da elevação na costa de Chile.
É importante ressaltar que o grande transporte de cascalho na Patagônia não é
acompanhado de falhas - como também em Chiloe. - Em contradição com o
argumento de De la Beches, P 1601 - Também não há sinais de súbito
desastre nos locais em que existem canais. - Houve uma falha no Port Desire
S. Barranca. Eles viajaram de cada lado de Cordilheira (Ondas de Terremotos
(p.88, tradução e grifos nossos).
Darwin observou que os grossos cascalhos da Patagônia e de Chiloé não estão claramente
associados a falhas nem a “quaisquer sinais de desastres repentinos”. Ao final da página, ele cita
“ondas de terremotos” e nas páginas seguintes registra as notas desenvolvendo seu pensamento.
Dessa forma, optamos por organizar essas citações no quadro 4.
Registros de Darwin no diário de Santiago, das páginas 89 a 92
Geralmente poco à poco, pergunte em Valparaíso. & Concepción —Parece-me que os dois
tipos de turbulência são tão distintos, que os efeitos na água (e, portanto, falhas) não
podem ser julgados a partir de análogos de um para o outro. —Não há muitos blocos no
Chile? Mesmo muitos dos fatos em de la Beche podem ser considerados praias (p. 89, tradução
e grifos nossos).
Todas as conclusões são importantes em relação aos blocos erráticos - que eles subiram
no fundo do mar para a existência de cadeias de montanhas como os Andes. - misturados
com cascalho - que viajaram em direções opostas à cordilheira das Cordilheiras; que isso
ocorreu durante a terra firme. bastante graduais apenas pequenos passos. - Que não há
evidências particulares de falhas. = Natureza e análogos de Boulder em verdadeiros estratos
terciários de Navedad (p. 90, tradução e grifos nossos).
Que eles viajaram assim em dois períodos muito diferentes na Patagônia. - No alto de S.
Cruz, onde os blocos de lava desaparecem, acho que foram enterrados. e que a última época
das [presens33
] do mar levou o bloco primitivo para aquela localidade. - De qualquer
maneira, as alterações obsessivas do tipo desses blocos comprovam que não estão
progredindo em uma direção da causa atual. - O movimento vertical descrito por
Playfair, assistido por terremotos, desce a superfície lisa e inclinada (p. 91, tradução e
grifos nossos).
Penso que a sublevação da terra, assistida por terremotos, é o índice da explicação. -V.
De la Beche Na Europa, as linhas N&S podem ser explicadas por canais. - a
acumulação na base da escarpa. - as linhas de mesma altura são todas apresentações
33 Chancellor e van Wyhe (2008) destacam entre colchetes termos literais da escrita de Darwin. Nesse caso, não há
tradução literal, entretanto, associamos ao termo “presença”, por causa do contexto da frase e do som da palavra dita
em voz alta.
91
do mesmo fato: depositos marinhos graduais de transporte: - No caso de estar atrás
das montanhas. - Podemos imaginar que a ação das marés do surf ocasionalmente
tenha o mesmo efeito de resgatar da linha principal de depressão que os remoinhos
deveriam ter acontecido no N & S Debacle (p. 92). Quadro 4 - Traduções de citações do diário de Santiago contruído pelos autores
Mais adiante, as páginas 95 a 97 do diário Santiago contém os registros sobre corais, nos
quais Darwin esboça os fundamentos de sua teoria dos recifes de coral, que discutiremos na seção
“fazendo sentido” (capítulo 3).
O Sr. Caldcleugh viu Guanaco perto da cordilheira Cordoviana. Novamente,
acho que M: cama Hermoso coeva com Pampas diff. mineral: constituição
devido à proximidade de S. Ventana? Como no Pacífico, uma cama Corall se
formava como terra afundada. abundaria com os gêneros que vivem perto
da superfície. (misturado com os de águas profundas) e o que seria mais fácil
dizer ao Lamelliform Corall formando Coralls. — (p.95, tradução e grifos
nossos).
Eu deveria conceber que no Pacífico o desgaste dos recifes deve formar
estratos mistos. tipos quebrados e conchas perfeitas em águas profundas (&
Milleporae34
). - Partes dos recifes permaneceriam em meio a esses depósitos
e preenchidas com matéria calcária infiltrada. - Essa aparência corresponde a
qualquer uma das grandes formações calcárias da Europa. - Existe uma grande
proporção desses Coralls que vivem apenas perto (p. 96, tradução e grifos
nossos).
superfície. - Se sim, podemos supor que a terra está afundando: acredito que
muito conglomerado na outra terra é um índice do fundo se aproximando
da superfície. Nesse caso, o arenito vermelho da época da Inglaterra apontará o
seguinte: montanha de calcário35
da época da depressão. - Essas numerosas
alternâncias dessas duas grandes classes de rochas apontam um movimento
oposto e repetido correspondente da superfície daquela parte do globo (p.
97, grifos nossos).
Nas páginas seguintes, segue-se uma discussão mista sobre conglomerados e sedimentos
relacionados à geologia continental, que, mais tarde, Darwin utilizou para propor sua teoria sobre
corais e sobre a formação de atois, que iremos discutir na seção “fazendo sentido”, no capítulo 3.
34 Millepora é um género de coral da família Milleporidae da ordem Anthoathecatae.
35 A montanha de calcário a que Darwin se refere é a constituição das “Peninnes hills” formadas de calcário
carbonífero, uma cadeia de montanhas no centro-norte da Inglaterra.
92
Amplifique a importância de provar a extensão e a recência: de perturbações e
maneiras em toda a América. - Explicando a perturbação geralmente continental.
tão importante na compreensão de vales, escarpas de dilúvio e sucessivas
linhas de formações, c. —Mostrando que eles não são meros efeitos locais,
como muitos autores supõem. — (p. 108, tradução e grifos nossos).
A conjectura de granitos brasileiros sendo aquecidos no fundo do oceano é
uma conjectura muito importante. — circunstâncias mudando determinam.
qual deve ser um declive e qual um penhasco. — oposto pela planície de S.
Cruz. e a igualdade de altura em planícies diferentes. — Uma perturbação
mais repentina e maior provavelmente determinaria essa mudança de
circunstâncias e, portanto, concordaria com todos os fatos. Declare isso com
clareza. — Os terraços sucessivos não indicam um aumento gradual, ao mesmo
tempo؟ (p. 109).
Conteúdo Original Tradução
Caracterização
geológica de Santiago
Terremotos e
consequências na
paisagem
Corais e relação
com mudanças na crosta terrestre
[…] It appears to me that the two sorts of
upheaval are so distinct, that the effects on
water (& hence debacles) cannot be
judged from analogs of one to the other.
— Not many [blocks] in Chili? […] (p.89)
---
Every conclusion is of consequence with
respect to Erratic Blocks —That they have
moved beneath the sea subsequently to
existence of chain of mountains like the Andes. (p.90) […].
Amplify on importance of proving extent
& recency: of upheavals & manner over
whole America. — Explaining generally
Continental upheaval. so important in
understanding valleys, diluvium
escarpments & successive lines of
formations &c. — Showing that they
are not mere Local effects, as so many
authors suppose. — (p. 108).
The conjecture of Brazilian Granites
being heated in deep ocean, is a Very
important conjecture. — circumstances
changing determine. which shall be a
[...]Parece-me que os dois tipos de
perturbação são tão distintos, que os
efeitos sobre a água (e, portanto, os
desastres) não podem ser julgados a
partir de análogos de um para o outro. -
Não muitos [blocos] no Chile? [...] (p.
89)
---
Toda conclusão é conseqüência com
relação aos blocos erráticos - que se
moveram para baixo do mar,
subseqüentemente à existência de
cadeias de montanhas como os Andes. -
misturado com cascalho - que eles
viajaram em direções opostas da
cordilheira das cordilheiras; isso
aconteceu durante a mudança da terra.
bastante gradual apenas pequenos
passos. - Que não há provas
específicas de falhas (p. 90).
Amplifique a importância de provar a
extensão e a recência: de perturbações e
maneiras em toda a América. -
Explicando a perturbação geralmente
continental. tão importante na
compreensão de vales, escarpas de
93
slope & which a cliff. — opposed by the
plain of S. Cruz. & the equality of height
in different plain. — A more sudden &
greater upheaval would probably
determine this change of circumstances
& so agree with all the facts. State this
with clearness. —
Do not the successive terraces point out a
gradual rise, whilst ؟ (p. 109).
dilúvio e sucessivas linhas de
formações, &c. —Mostrando que eles
não são meros efeitos locais, como
muitos autores supõem. — (p. 108,
tradução e grifos nossos).
A conjectura de granitos brasileiros
sendo aquecidos no fundo do oceano é
uma conjectura muito importante. —
circunstâncias mudando determinam.
qual deve ser um declive e qual um
penhasco. — oposto pela planície de S.
Cruz. e a igualdade de altura em
planícies diferentes. — Uma
perturbação mais repentina e maior
provavelmente determinaria essa
mudança de circunstâncias e,
portanto, concordaria com todos os
fatos. Declare isso com clareza. — Os
terraços sucessivos não indicam um
aumento gradual, ao mesmo tempo؟ (p.
109).
Discussão
Teoria dos corais
Elevação do nível do mar
Mobilidade Crustal vertical (elevação) (efeitos da elevação da Costa do Chile) (e
terremoto.)
Discussões sobre vulcões, corais e comparação da geologia dos continentes
94
DIÁRIO SIDNEY: Coccatoos & Crows
O diário de Sidney (Sydney no Darwin Online) é o último dos diários de campo do Beagle
analisados nesse trabalho e também o que Darwin escreveu na viagem de volta para casa. Leva o
nome da cidade de Sidney, na Austrália. Seu conteúdo principal é sobre os recifes de corais, com
esboços bastante simples, configurando-o como o mais curto dos diários de campo da viagem do
Beagle.
Chancellor e van Wyhe (2008) dividem os eventos que ocorreram enquanto Darwin
escrevia o diário em duas partes: enquanto estava em Sidney e, posteriormente, nas Ilhas
Maurício. Seguimos a mesma orientação nesse trabalho.
O navio chegou à Baía das Ilhas, na Nova Zelândia, no dia 21 de dezembro, e permaneceu
por nove dias. Em 30 de dezembro, o Beagle continuou o mesmo rumo na viagem a Sidney, onde
chegou a Port Jackson em 11 de janeiro de 1836. O diário de Sydney foi usado pela primeira vez
em 16 de janeiro (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Enquanto estava na Austrália, Darwin parece ter ficado um pouco desanimado com a
perspectiva de tantos meses antes de retornar à Inglaterra. Em sua segunda carta a Henslow, da
última viagem, escrita em 28 de janeiro, ele mergulhou na introspecção:
Certamente, nunca fui destinado a ser um viajante; meus pensamentos estão
sempre divagando sobre cenas passadas e futuras; Não posso desfrutar da
felicidade presente, por antecipar o futuro; que é tão tolo quanto o cachorro que
deixa cair o osso real para sua sombra (CORRESPONDENCE, vol. 1, p. 484,
tradução nossa).
As notas de campo começam na página 1a até a página 57a, e há entradas mais ou menos
contínuas, principalmente sobre observações geológicas de sua expedição em terra para Bathurst.
Seguem-se, talvez, oito ou nove páginas de entradas menos coerentes, principalmente geológicas,
difíceis de datar, mas provavelmente escritas nas ilhas Maurício. A página 65a parece datar de 5
de maio e estas entradas aparentemente de Mascarene continuam até “navegadas 9º [maio]” (p.
79a). Na página seguinte, as seções de Sydney e Maurício são tratadas separadamente.
Na página 1a, a entrada é iniciada por: '16 de janeiro [sábado] Esquerda Sidney'. Darwin
estava começando sua expedição em terra para Bathurst, a cerca de 190 km de distância. Ele
95
notou que havia "belas árvores", mas que elas eram "todas peculiares". Ele almoçou em um
"pequeno e simpático pub público", e então seguiu para a “balsa Emu no Nepean: um largo [sic]
rio ainda como uma piscina" (p. 2a). Ele ficou impressionado com a 'escarpa das montanhas
azuis' e com a 'precisão bela' dos 'negros' com seus 'arremessos' (p. 3a), fazendo uma comparação
com os "fueguinos que vão lutar contra outras pessoas” (p. 4a). Na próxima entrada, Darwin
retornou às descrições técnicas das argilas, arenitos e 'rochas graníticas trappean' (p. 5a), em
seguida, observou 'homens negros. Veja as marcas dos pés de Oppossum. - comida chefe; sem
lar' (p. 6a).
As páginas 8 a 11a apresentam as notas do dia '17 domingo. Começou às 6 horas - balsa'
(p.8a). Darwin começou sua ascensão das Montanhas Azuis, anotando sobre a paisagem:
Tonalidade singularmente uniforme, em arbustos a vertical deixa singular efeito:
belos pássaros, papagaios magníficos: isca no Weatherboard, 1 andou mile & ½
para ver Cascade: mais magnífico. surpreendente e única vista, pequeno vale não
levar a esperar que tal cena: rill de água, tremulando: semicircular; penhasco
branco ou avermelhado, tão vertical que inclina uma pedra a mais de 800 pés,
parede de quartzo, cerca de 2000 pés, grande vale, mar de floresta; necessário
percorrer 16 milhas para chegar à base da queda, certamente os penhascos mais
estupendos que já vi, alguns no meio, como a Ilha. - Estratos com 3000 pés de
espessura rachados, rachaduras dilatadas - Rodei para Gardners; ocasionalmente
vislumbrei parte do mesmo vale chamado Clwyd da planície arborizada, não
podia ver o fundo; Atingido Black Heath, confortável como Welsh Inn, velho
Soldado - 15 camas, em uma montanha árida 70 60 milhas de Sydney: 1
Waggon com lã. Bois – (p. 8-11a).
Os "penhascos estupendos" de 2000 pés de quartzito branco eram tão verticais que
Darwin podia "lançar uma pedra sobre 800 pés", pp. 9a-10a. Chancellor e van Wyhe (2008)
destacam a discussão de Patrick Armstrong em 2004 sobre um dos erros de interpretação de
Darwin ter sido informado por sua obsessão pela elevação: ele interpretou erroneamente que as
Montanhas Azuis teriam se formado sob o mar.
As descrições geológicas dos estratos continuam na segunda-feira 18, quando continuou
para o oeste até o 'Vale de Clwyd [Clwydd]' até o Salto de Govett, onde o "grande vale" estava
"cheio de névoa azul do sol nascente", surgindo dos eucaliptos e dando às montanhas seu nome
(p. 16a-17a). Ele registrou ter sido informado de um "amontoado de homens ruins" que era
"completamente impossível de reformar". Havia "Coccatoos brancos e corvos" e "cães selvagens
96
domesticados copulam livremente" (p. 18a). Ele notou sua visão um pouco dura de Sydney,
significando a Austrália como um "país pobre"; para ser melhorado, mas limitado e não
comparável à América do Norte " (p. 19a).
Darwin continuou descrevendo os arenitos e granitos do vale. Na p. 23a ele previu que "O
gráfico dará uma ideia correta da península e das ilhas da grande planície", que na sua opinião
foram formadas não por “causas presentes”, mas ele estava claramente inseguro, como "Mar não
pôde escavar?" (p. 24a). Talvez a explicação fosse "Elevação aplicada pelo mar?" (p. 25a).
Na terça-feira 19 Darwin ficou na fazenda de ovelhas do ‘Sr. [Andrew] Browne’ e foi
caçar canguru. Embora ele provavelmente tenha gostado do passeio, devido à sua 'má sorte
habitual', Darwin 'não viu um'. Ele matou, no entanto, um 'Rato Kangeroo' e 'Viu vários
ornithorynch: como ratos-d'água, em movimentos e hábitos:' e ele 'Disparou um' (p. 26a). De
acordo com o diário de Beagle, foi nesse dia que Darwin observou um formiga-leão em sua
pequena "armadilha cônica" (conical pitfall) em um "banco ensolarado". Ele considerou o que um
"descrente" poderia fazer desse caso de "dupla criação", com um formiga-leão no hemisfério
norte e outro extremamente semelhante no sul. Sobre essa nota, discutiremos mais na seção
“fazendo sentido”.
Darwin foi sem dúvida muito impressionado com a peculiaridade do marsupial 'Kangeroo
Rat' (Potrosous tridactylus) e especialmente pelo 'ornithory', que é o ornitorrinco
(Ornithorhynchus anatinus), um animal tão estranho que quando adquirido de volta a Londres em
1798, pensava-se que fosse uma farsa de taxidermista (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Como estudante do Christ's College, Darwin havia sido cativado pela lógica da teologia
natural de William Paley, que ensinava que as espécies eram perfeitamente projetadas para seus
ambientes e que esse design era uma evidência do Criador. A possibilidade, como Lyell poderia
ter argumentado, duas criações ocorreram em diferentes épocas, "que o Criador descansou em
seu trabalho", estaria ao lado do ponto de Darwin, já que substituiria apenas dois eventos
logicamente inconsistentes por um.
As anotações no diário continuam com uma lista de rochas, incluindo "Uma camada de
carvão com quase um pé de espessura" (p. 29a) e uma 'ardósia azul com impressões de folhas', p.
30a. Ele assumiu que o vale tinha sido "modelado pela água", mas ficou intrigado com a saída do
vale sendo "uma fenda estreita de algumas centenas de metros de largura, com estupendos lados
97
verticais" (p. 32a), então, como a água “removeu toda a massa de rocha?” (p. 34a). "Depois do
mar, o lago viu uma saída" (p. 35a) é claramente a visualização de Darwin da seqüência de
eventos, e houve '[incontáveis] tempos para formar tanto carvão e arenito' (p. 36a).
No dia seguinte (20 de janeiro), Darwin notou os 'cabana dos posseiros' e os 'rastreadores'
em Bathurst. Darwin explicou no diário de Beagle as sutilezas da distinção entre os "posseiros" e
os "rastreadores", ambas variedades de ex-presidiários. Houve um 'vento quente [e] nuvens de
poeira', p. 36a, e 'aqui e ali uma boa casa'. Darwin observou as "casas de cavalheiros" e os
"soldados & c & c", p. 38a, e a seca predominante 'R. Macquarie apenas fluindo ' (p. 37a). Ele
"foi dito para não formar uma opinião muito alta sobre a Austrália" com base no que ele viu em
Bathurst. A partir disso, ele escreveu no diário "minha opinião [foi] carimbada" (p. 38a) e no
diário de Beagle ele declarou que não sentia nenhum perigo de formar uma opinião
demasiadamente alta sobre essa base! Darwin discerniu "duas grandes formações" em Bathurst
(p. 45a), um 'primitivo' de granito 'suavizado com cascalho e matéria diluviana (como seria
chamado)” (p. 44a).
No dia 21 de janeiro, Darwin 'se aproximou de Bathurst - não viu nada - festa bagunçada
agradável' (p. 46a). No dia 22 de janeiro, sem dúvida, ele estava ansioso para deixar a cidade de
Bathurst. Ele começou seu caminho de volta a Sydney através do 'O'Connel Plains' e 'irritado ao
meio-dia', que é interrompido para o almoço em uma fazenda, p. 48a. Seus anfitriões eram "2
anos da Inglaterra". A entrada um tanto lacônica da "linda filha" pode esconder uma impaciência
de retornar à companhia das damas inglesas. Naquela noite, ele chegou em meio a 'grandes
fogueiras' em outra casa de fazenda onde havia 'civilidade geral', mas durante a noite Darwin
suportou 'sujeira horrível'.
No dia seguinte, Darwin partiu para o Weatherboard, chegando lá em breve e antes de
escurecer, caminhando novamente para o Cascade. Na p. 50a observou: "Não percebo nenhuma
diferença de maneiras nas Pousadas da Inglaterra". No dia 24, Darwin estava "doente de cama".
Chancellor e van Wyhe (2008) trazem Nicholas e Nicholas (1989) para discutir sobre a saúde de
Darwin, que pode ter acabado de se exaurir de uma jornada tortuosa em temperaturas que
estavam nos 40 graus todos os dias. No dia 25, Darwin escreve ser "frio - grande contraste com o
clima anterior" e estava "chuviscando silenciosamente: tudo ainda pingando de beirais". Darwin
se perguntou se essa mudança seria "Talvez seja bom para mim" (p. 50a).
98
No dia 26, Darwin foi ver o Capitão King, que lhe entregou uma cópia de seu paper sobre
anotações em diários certamente podem ser lidas como um registro de algumas das opiniões de
King sobre a geologia que Darwin tinha visto, por exemplo, "muito Quartz rock ao sul de
Bathurst - King" (p. 52a). Os “pedaços de xisto” de Darwin esboçados parece provável que sejam
os "pedaços de xisto" que ele comparou em ilhas vulcânicas (p. 132), ao fragmento semelhante de
gnaisse do Rio. Ele observou a "clivagem atual" dos arenitos (p. 54a) que é hoje chamado de
estratificação cruzada para evitar confusão com clivagem metamórfica. Novamente, isso se
tornou uma discussão publicada em ilhas vulcânicas (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
O dia seguinte é o último registrado no diário Sidney. Darwin 'Voltou Mac Arthur', que
viajou com King para a casa grande de seu cunhado Hannibal Macarthur para almoçar em
Parramatta, p. 54a. Havia mais algumas jovens bonitas, duas das quais posteriormente se casaram
com companheiros de viagem de Darwin. Depois do almoço, cavalgou sozinho até Sidney, onde
passou os dois dias seguintes escrevendo para sua irmã Susan e Henslow, visitando Conrad
Martens e talvez coletando insetos. De Martens ele comprou duas aquarelas para três guinéus
cada: transportando os barcos pelo Rio Santa Cruz e o Beagle em Murray estreito, Canal de
Beagle. Em 30 de janeiro, o Beagle levantou âncora e partiu de Port Jackson para Hobart
(CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Pode ser útil reconsiderar que o Beagle partiu do Taiti com destino à Nova Zelândia em
26 de novembro de 1835, dando a Darwin a chance de redigir seu artigo "Ilhas de Coral”
(IBIDEM).
Chancellor e van Wyhe (2008) discutem sobre as próximas anotações terem sido feitas
quando o Beagle chegou as Ilhas Maurício, em 1836. Como explicado por eles, as anotações da
página 56a até a página 64a são quase impossíveis de datar e não se relacionar com a Austrália. A
primeira referência é a Ilha de Huafo, perto de Chiloé. O restante das anotações, das páginas 57a
e 58a são dedicadas aos recifes de corais, e parecem indicar que Darwin chegou à ilha Maurício e
pegou o diário novamente depois do longo intervalo para o resto da Austrália e Keeling
(CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Independentemente de essas páginas terem sido escritas nas ilhas Maurício, onde o Beagle
chegou em 29 de abril de 1836, a primeira e única entrada datada 'quinta-feira, Rode on Elephant'
é inequivocamente datada de 5 de maio na ilha. O capitão Lloyd estava levando Darwin para ver
99
"planície reta coberta por Coral" no único elefante na ilha Maurício (p. 66a). O coral elevado
ficava no lado sudoeste da ilha e acabou sendo descrito no artigo “ilhas vulcânicas”, onde Darwin
também discutiu a estrutura vulcânica da ilha: “Grande mergulho quaqua versal em todo o lado
oeste; certamente crateras distintas na ilha.” (p. 70a), mais tarde deu-lhe a evidência para incluir
Maurício como um exemplo de uma "cratera de elevação".
Darwin observou que o "elefante [era] sem ruído" e ele pode ter escrito isso enquanto
estava sentado no animal (p. 65a). Ele descreveu a paisagem como "encantadoras avenidas de
manga, belos jardins" e "sebes de mimosa, cana-de-açúcar, prosperidade" (p. 72a).
Darwin estava agora confiante de que sua teoria dos recifes de coral era um avanço e ele
começou a coletar informações sobre a distribuição dos recifes sempre que se apresentava:
“Costa da Guiné? Coral? ' (P. 72a), e 'coral cresce mais alto e mais sólido e aparentemente mais
abundantemente no lado de barlavento' (p. 73a). Ele desenhou dois esboços, o primeiro uma
seção através do recife 'off Grand Port', o segundo um mapa mostrando as 'mordidas' ou entalhes
ao longo do recife onde correntes de água fresca entraram no mar, mas ele declarou: 'Eu não
entendo isso ' (p. 75a). Suas observações sobre os recifes de franja das ilhas Maurício foram
finalmente publicadas no capítulo três do paper ‘recifes de coral’.
Não há mais entradas sobre as Ilhas Maurício e, finalmente, o Beagle 'navegou 9 [maio
1836]' (p. 79a). No diário de Beagle (KEYNES, 2001) Darwin confessou: "Desde que deixei a
Inglaterra, não passei tanto tempo ocioso e dissipado. Jantei quase todos os dias da semana: tudo
teria sido muito agradável, se tivesse sido possível banir a lembrança da Inglaterra". O pequeno
Beagle ainda tinha muitos milhares de quilômetros para navegar antes que Darwin voltasse a ver
os campos verdes de Shropshire (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
A próxima vez que Darwin selecionou um diário de campo foi pela última vez e aquele
diário o viu até a Inglaterra. Utilizou então, o diário de Despoblado, três semanas depois de
deixar as Ilhas Maurício, para desembarcar no Cabo da Boa Esperança. Essas anotações são,
como de costume, sobre o que via no cenário: na página 24a informa a data em que chegaram: 31
de agosto de 1836 (CHANCELLOR e VAN WYHE, 2008). Darwin anotou sobre a ausência de
“kingfishers” e a terra parecer mais verde. Anotou ainda sobre o baobá estar cheio de folhas e
uma opinião pessoal logo ao lado “terra interessante”: “[...] chegada no dia 31 [Agosto 1836] —
Sem martim pescador no presente. Pardal construindo — terra um pouco mais verde — Baoba
100
cheio de folhas = país interessante [...]” (p.24a). Darwin finalmente notou alguns rolamentos e
distâncias. Deixou o St Jago no dia 4 de setembro, indo para os Açores, chegando no dia 19 e
partindo no dia 23. Sua próxima parada foi a Inglaterra (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Quadro 5 Conteúdos e trechos encontrados na análise do diário.
Conteúdo Original Tradução
Excursão de
Bathurst (geologia)
Ilhas Maurício
[nearly] surface of reef
Here we have proof of foundation of
reef agreement of blocks & growing
coral—
Shores Basaltic
much [belong] Corallina but not
coral?? — (p.70a)
Reef in parts dry — Here more
astrea because more sea: —
other [patch] dipping nearly 18º —
water worn, same constitution 200
yards inland (p.71a)
[quase] superfície do recife Aqui
temos a prova da fundação do
acordo de arrecifes de blocos e
crescimento de coral— Shores
Basáltica muito [pertence]
Corallina mas não coral?? -
(p.70a)
Recife em partes secas - Aqui
mais astrea porque há mais mar:
- outro [patch] mergulhando
quase 18º - água desgastada,
mesma constituição a 200 jardas
para o interior (p.71a).
Discussões
A partir da sua Autobiografia (Barlow, 1958, p.77): Darwin reconhece a
“maneira superior com que Lyell tratava a geologia”.
Chancellor e van Wyhe, 2008: Após sua visita à Galápagos, anos mais tarde,
ele notou como a fauna e a flora eram diferentes dos da ilha de Cabo Verde,
ainda que tivesse relação idêntica aquelas no continente vizinho da América
do Sul. Essa relação ficou explícita quando retornou a Cabo verde em 1836,
de volta p casa, enquanto ponderava por que esses arquipélagos vulcânicos,
de outra forma semelhantes, eram povoados por animais e plantas tão
diferentes.
Fonte: organizado pelos autores.
101
CAPÍTULO 3. O SABER SOBRE CIÊNCIAS A PARTIR DOS DIÁRIOS DE CAMPO DE
CHARLES DARWIN
No capítulo anterior, descrevemos alguns dos episódios vividos por Charles Darwin
enquanto naturalista a bordo do HMS Beagle. Esses episódios foram destacados por nossa análise
por conterem elementos metacientíficos, que puderam ser identificados à luz dos debates,
entraves e controvérsias da geologia do século XIX.
Nesse capítulo, nos dedicamos à dupla tarefa de identificar os elementos metacientíficos
nos episódios históricos descritos no capítulo anterior e contextualizar esses elementos em
discussões sobre ciências, com o intuito de contribuir com as discussões para o ensino de biologia
/ciências.
Para cumprir essa agenda, dividimos a discussão em duas sessões: “Fazendo sentido” e
“Saber sobre ciências à luz das abordagens de semelhança de família e temas e questões”. Na
primeira, identificamos os elementos metacientíficos a partir de uma contextualização dos
episódios históricos descritos nos diários e sua relação com a geologia do século XIX. Dessa
forma, podemos estabelecer relação entre as ideias da comunidade científica da época e o
desenvolvimento do pensamento de Darwin. Logo em seguida, na segunda seção, desenvolvemos
então a discussão dos elementos à luz das propostas de Semelhança de família (IRZIK; NOLA,
2011; 2014) e Temas e questões (MARTINS, 2015).
Adiantamos aqui que os elementos metacientíficos identificados nos diários analisados
podem ser trabalhados separadamente, para aprofundamento de cada episódio, a critério do
professor em sua prática docente. Entretanto, analisamos esses elementos seguindo a premissa
dos historiadores do Darwin Online, que defendem ser possível a interpretação do
amadurecimento de Darwin como naturalista à medida que se leem os diários: suas anotações, no
início da viagem, são mais direcionadas a observações geológicas, biológicas e,
progressivamente, vão se tornando mais reflexivas (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
102
3.1 FAZENDO SENTIDO
A apropriação das discussões sobre ciências (metacientíficas), a partir de nossa pesquisa
bibliográfica e das leituras em disciplinas cursadas na Pós-graduação, permitiu a leitura dos
diários de campo de Darwin com uma bagagem teórica que possibilitasse a identificação dos
elementos metacientíficos. Uma visão pouco informada poderia nos levar a inferir, ao ler os
diários, que o entendimento de Darwin se deu ao longo da viagem, de forma linear e cumulativa,
próximo ao que se defendia com o positivismo lógico: teoria produzida a partir de observações
neutras da realidade.
Empreendendo esforços para compreender a produção do conhecimento científico de
forma mais ampla, utilizamos o contexto da geologia do século XIX e suas relações com
“insights” de Darwin durante a viagem – em cada diário – para mostrar e justificar a identificação
de cada elemento.
CABO VERDE
As anotações do diário Cabo Verde abordam, em grande parte, aspectos geológicos que
Darwin observou ao longo dos primeiros locais visitados na viagem. A leitura desse diário
possibilita compreender que Darwin já possuía conhecimento geológico, não apenas por utilizar
conceitos da geologia, mas por empregá-los nas suas observações, por exemplo, ao olhar um
penhasco e saber identificar o tipo constituinte de rochas e seus minerais. Desde o primeiro diário
analisado já identificamos o destaque dado pelo naturalista às observações e à natureza específica
(geológica) delas: constituindo nosso primeiro e segundo elemento metacientífico: 1)
observações e 2) observações informadas pela teoria. Esse segundo elemento está relacionado às
ideias da comunidade científica que informam o pensamento do cientista em campo. Nesse caso,
especificamente, esse elemento diz respeito ao fato de o pensamento e as interpretações de
Darwin estarem informados pelas ideias coletivas da comunidade de cientistas.
103
Alguns autores, procurando entender sobre os debates na geologia do século XIX, como
Pearson (1996) e Secord (1991), remontam o cenário das grandes discussões na área e discutem
como Darwin foi informado antes mesmo de entrar a bordo do HMS Beagle. Chancellor e van
Wyhe (2008) retomam o argumento de Sandra Herbert em sua obra Charles Darwin, geologist,
em que explica a interpretação de Darwin sobre a natureza a partir do princípio geológico de
Charles Lyell (1797–1875), com o qual foi contaminado.
Lyell propunha que, na reconstrução geológica do passado devia-se assumir que a
intensidade das causas de mudança eram mais ou menos uniformes ao longo do tempo, isto é,
fatores como erosões, vulcanismo, sismos, eram os mesmos que atuavam sobre o planeta em um
passado geológico (LYELL, 1830). Defendendo que os eventos geológicos do passado eram
semelhantes aos atuais, Lyell teve seu princípio conhecido como “atualismo” (RUDWICK,
1982).
Darwin utilizou esse princípio para explicar o passado vulcânico recente de St Jago,
especialmente em relação ao Ilheu Quail (Ilheu de Santa Maria em Cabo Verde) e a colina Flag
Staff (Signal Post). Existe uma faixa de calcário exposta em um penhasco e obviamente composta
de material fóssil marinho e agora elevada bem acima do nível do mar, fornecendo evidência de
afundamentos e elevações do passado. Do contrário, não estariam lá (CHANCELLOR e VAN
WYHE, 2008).
As experiências e reflexões de Darwin durante a viagem tiveram relações diretas com o
que era discutido por Charles Lyell, ora o aproximando e posteriormente o afastando da teoria
mais aceita na época (catastrofismo), que entendia a história da Terra como uma série de
catástrofes. Entretanto, “qual dos pontos da visão de Lyell não foram aceitos não é inteiramente
claro” (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008, tradução nossa).
Embora argumentem que não é possível ter clareza dos pontos em que Darwin discordava
de Lyell, Chancellor e van Wyhe (2008) discutem a partir das observações de Darwin, que ele
desacreditava da crença Lyelliana em uma história da Terra estável ou não direcional. Isto é, do
posicionamento fixista36
defendido pelo próprio Lyell. Ainda assim, os historiadores defendem
36 Modo de pensar dos que acreditavam que os seres vivos não se modificavam ao longo do tempo. (WINCHESTER,
2004).
104
que os aspectos metodológicos de C. Lyell permaneceriam centrais na interpretação de Darwin
sobre a natureza pelo resto de sua vida (CHANCELLOR e WYHE, 2008).
Podemos entender sua relação com a teoria de Lyell a partir de um trecho da biografia
escrita por sua neta, em 1958. Darwin comenta: “O primeiro local que examinei, chamado St
Jago [Sao Tiago] no arquipélago de Cabo Verde, me mostrou claramente a superioridade
maravilhosa da maneira de tratar a geologia de Lyell” (BARLOW, 1958, p.77, tradução nossa).
Darwin leu o segundo volume do livro de Lyell em 1832, enquanto estava no Rio de
Janeiro, e isso fica claro na leitura do diário Rio. Essa leitura o fez confrontar a existência de
“centros de criação”, que abordaremos posteriormente, para explicar como novas espécies
surgem em novos ambientes, pois, em 1836 (ano de retorno da viagem do Beagle), percebeu que
a fauna e a flora em Cabo Verde eram de um elenco africano, porque eles eram originalmente de
lá. Dessa forma, não poderia existir qualquer centro de criação de Cabo Verde.
Dessa forma, o contato com a teoria lyelliana sobre a transformação da crosta terrestre
constitui nosso terceiro elemento metacientífico: produção coletiva da ciência. Esse elemento
está relacionado com a produção coletiva do conhecimento científico, ou seja, é a produção da
comunidade científica. Essa produção coletiva está relacionada diretamente com os elementos
metacientíficos que identificamos como observações e observações informadas pela teoria, uma
vez que essa produção coletiva informa os cientistas individualmente, em um tempo e espaço.
Assim, evidenciando o cientista como histórica e socialmente implicado. O foco, aqui, é a ideia
de que Darwin não produziu seu trabalho de modo isolado e individual, mas em diálogo com um
conjunto de saberes estabelecidos historicamente e por uma série de outros estudiosos,
contemporâneos a ele.
Então, na leitura do diário Cabo Verde identificamos a produção coletiva da ciência
nutrindo individualmente as observações geológicas e biológicas que Darwin fazia e anotava
durante a viagem. Associamos essas anotações constituídas de perícia, escritas logo nos primeiros
locais que o Beagle visitou, a observações informadas pela teoria, evidenciando a relação entre a
produção coletiva da ciência e as ideias individuais dos cientistas. Abordaremos, na próxima
seção, as possibilidades de discussões sobre ciências a partir desses elementos.
105
RIO
O diário Rio compreende o período em que Charles Darwin teve sua primeira expedição
em terra, desde que o HMS Beagle levantou âncora (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Durante essa expedição, Darwin pôde realizar uma escavação e encontrar fósseis. Já aqui
compreendemos o papel fundamental das observações como elemento metacientífico que se
destacou em todos os diários. Alguns dos materiais coletados durante a viagem do Beagle eram
enviados para a Inglaterra, onde especialistas se debruçavam em suas análises, atividade na qual
o próprio Darwin empreendeu esforços posteriormente à viagem (BARLOW, 1958). Esses
fósseis foram comparados com espécies vivas, descritas e publicadas por Richard Owen (1804-
1892) em Fossil Mammalia (1846). Aqui identificamos o terceiro elemento metacientífico, uma
vez que os envios de Darwin contribuíam para a produção coletiva da ciência, para a
comunidade científica.
Na introdução sobre esse diário, Chancellor e van Wyhe (2008) trazem uma fala de
Darwin, de A origem das espécies (1859), para exemplificar a impressão que tinha ficado nele de
encontrar fósseis de mamíferos extintos e enxergar semelhanças com espécies vivas, o que é um
feito notável, já que ocorreu tão no início da viagem:
Quando a bordo do H.M.S. Beagle, como naturalista, fiquei muito
impressionado com certos fatos na distribuição dos habitantes da América do
Sul e nas relações geológicas do presente com os antigos habitantes daquele
continente. Esses fatos me pareceram lançar alguma luz sobre a origem das
espécies - esse mistério dos mistérios, como tem sido chamado por um de nossos
maiores filósofos (DARWIN, 1859, p.1, tradução nossa).
O explorador da América do Sul Alcide Dessalines d'Orbigny (1802-1857) também
identificou espécies de moluscos e corais presentes na mesma costa. Richard Owen (1804-1892)
descreveu e nomeou todos os fósseis mamíferos da viagem na obra Fossil mammalia e não
deixou dúvidas de que a maior parte das espécies foram extintas, como o Meggatherium cuvieri
(preguiça gigante), a qual Darwin se refere na página 81b. A contribuição desses dois naturalistas
constitui mais uma vez, a produção coletiva da ciência.
Chancellor e Wyhe (2008) discutem o fato de até os dias atuais não haver consenso sobre
as causas dessa extinção em massa, sendo as mais prováveis relacionadas com a chegada de
106
humanos e predadores norte-americanos. Entretanto, o que parece chamar a atenção de Darwin é
que o que era defendido pela teoria vigente – o catastrofismo que discutimos no capítulo 2 – não
era sustentado pelas observações empíricas: não haveria como uma grande catástrofe dizimar as
populações de mamíferos terrestres, deixando as marítimas inalteradas. Assim, a produção
coletiva da ciência, com o embate entre as teorias catastrofismo e atualismo, informavam as
interpretações de Darwin sobre suas observações. Dessa forma, evidenciando as observações
informadas pela teoria. Chancellor e van Wyhe (2008) afirmam que a consideração das relações
entre os fósseis e as espécies vivas foi uma das três principais evidências que mais tarde
convenceram Darwin que a vida evolui (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008, tradução nossa).
Compreender os três primeiros elementos metacientíficos sugere a relação com a
elaboração de hipóteses. Esse quarto elemento parece estar relacionado com outro que aparece
nos diários utilizados mais ao fim da viagem e que denominaremos de reflexões. Entretanto,
adiantamos que, nesse diário, a natureza de suas reflexões parece ser distinta das que
analisaremos nos diários de Santa Fé e Santiago. Enquanto nesses últimos, Darwin reflete sobre
os fenômenos e as ideias da comunidade científica em diversas páginas, desenvolvendo seu
pensamento, aqui ele parece refletir breve e pontualmente sobre o conglomerado e os achados
fósseis.
Em um de seus primeiros artigos científicos, A sketch of the deposits containing extinct
Mammalia in the neighbourhood of the Plata (1837), Darwin se referiu à Bahia Blanca e indicou
que havia aceitado a explicação gradualística Lyelliana para a extinção dos animais. Essa
explicação, conhecida também por “atualismo”, dizia respeito às causas geológicas em ação
modificando a superfície terrestre, e foi sobre ela que Lyell concentrou-se no primeiro volume de
seu livro Princípios de geologia.
No segundo volume, ele mudou o foco para causas biológicas: examinou as teorias da
época de transmutação, especialmente as de Jean Baptiste Lamarck (1744-1829), a fim de rejeitá-
las como insustentáveis (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008), sustentando o caráter fixista de
suas ideias.
Sobre as “mudanças do mundo orgânico”, Lyell discute a variabilidade das espécies e a
formação de fósseis. Ele combate a noção de que as espécies são gradualmente convertidas em
outras por modificações insensíveis ao longo do tempo, defendendo, em oposição, a durabilidade
107
das espécies, que se distribuem de forma parcial, sendo que as mudanças no ambiente estariam
constantemente contribuindo para sua extinção. Dessa forma, ele admite que espécies diferentes
possuem “expectativas de vida” distintas. Para ele, a hipótese de substituição de espécies extintas
por novas não seria viável pela nossa limitação de tempo, impossibilitando a observação do
fenômeno (LYELL, 1853).
Então, quando Darwin parecia estar ponderando sobre seus mamíferos extintos – portanto
refletindo sobre suas observações – ele foi capaz de ler a revisão de Lyell. Evidenciando a
relação constante com a produção coletiva da ciência. Para o jovem naturalista a "transmutação
de espécies" seria uma possível explicação para o fato de que espécies extintas pareciam ser
substituídas por novas espécies. Essa possibilidade constitui outro exemplo de elaboração de
hipóteses associada às reflexões.
David Woll (2001) afirma que a contribuição da teoria de Darwin sobre a descendência
com modificação pela ação da seleção natural “certamente não foi derivada de Lyell – que se
opôs a ideia de que as espécies podem mudar” (WOLL, 2001, p. 386). Entretanto, defende que o
conceito da necessidade de uma quantidade de tempo para Lyell – sobre as modificações
geológicas – foram a sua maior contribuição para as ideias que Darwin propôs no A Origem das
espécies: “a seleção natural não poderia levar à mudança de espécie, a menos que fosse permitido
operar por tempo ilimitado” (WOLL, 2001, p. 386).
Assim, após a leitura do segundo volume, Darwin aceitou também a compreensão de
Lyell de que as espécies possuíam “expectativas de vida” e que a dos os moluscos supera a dos
mamíferos. Também enfatizou a universalidade dessa “lei” que poderia ser aplicada à América
do Sul, bem como à Europa, em A sketch of the deposits containing extinct Mammalia in the
neighbourhood of the Plata (DARWIN, 1837). As consequências da leitura dos princípios de
geologia de Lyell sugerem a relação entre os quatro elementos metacientíficos identificados: a
produção coletiva da ciência informando as observações de Darwin, evidenciando as
observações informadas pela teoria e baseando sua elaboração de hipóteses.
Em uma das páginas do diário Rio, Darwin registrou uma seção de penhasco37
sobre as
ações e consequências da vida em ambientes com variação de marés (CHANCELLOR; VAN
37 Termo relacionado à representação gráfica de uma sequência de unidades de rochas que ocorre em determinada
região, por interpretação e projeção de dados de campo. O mesmo que perfil geológico.
108
WYHE, 2008), portanto, de pressões ambientais (atualmente referidos como ambientes
estuarinos). A partir dessa nota e dos desdobramentos das ideias representadas por ela,
encontramos relações entre os quatro elementos metacientíficos possíveis: foi necessário
observar em campo a formação rochosa e identificar os fósseis encontrados nela. Entretanto, essa
observação não tinha natureza neutra, sendo informada pela obra de Lyell. Então, as
interpretações de Darwin articuladas com ideias coletivas da comunidade científica basearam sua
elaboração de hipóteses sobre como os fósseis teriam chegado ali.
109
BUENOS AIRES
O diário de Buenos Aires é dividido em três momentos, na interpretação de Chancellor e
van Wyhe (2008). Analisamos o primeiro momento, que diz respeito à exploração de Buenos
Aires, que ocorreu na primeira semana de novembro de 1832.
Nessas páginas, há anotações sobre lembretes, pessoas, paisagens, mas principalmente
sobre observações biológicas e, mais frequentemente, geológicas. Há pouca menção sobre a
interação de Darwin com os povos nativos da Terra do Fogo, os “fueguinos”. Por isso, é possível
inferir uma indicação de objetividade e curiosidade, quando Darwin não se distanciou de suas
anotações sobre geologia.
Darwin anotou na página 64a ter observado o grande acúmulo de pedregulhos das
geleiras. Essa anotação tem relação direta com a experiência dele com o professor Sedgwick e
teve consequências para sua reinterpretação sobre as montanhas da Snowdonia, quando as
revisitou em 1841 (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Para compreender esse episódio, é necessário revisitar acontecimentos anteriores à viagem
do Beagle na vida de Darwin, que dizem respeito ao que identificamos como um quinto elemento
metacientífico que ancora os outros: sua formação de cientista.
James Secord, em seu artigo de 1991, aborda a formação de Charles Darwin antes da
viagem do Beagle, em 1831. Resumidamente, Darwin foi mandando por seu pai para cursar
medicina na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Apesar de não gostar do curso, era aluno
assíduo nas aulas de Robert Jameson e Thomas Hope, como discutimos no capítulo 2.
Após desistir do curso de medicina, Darwin foi mandado para Cambridge, para a carreira
eclesiástica. Foi lá que conheceu o botânico e geólogo John Stevens Henslow (1796-1861),
voltando a estudar geologia através dele, lendo os livros de Alexander von Humboldt e F. W.
Herchel, que apresentavam - segundo Secord - uma geologia “em uma luz mais atraente”
(SECORD, 1991, p.143). Foi durante essa época que Darwin foi apresentado por Henslow a
Adam Sedwick, professor de geologia de Cambridge.
Como Secord defende em seu artigo, Darwin mostrou bastante interesse por uma geologia
mais ampla. Defende, ainda, que a interação entre Hope e Sedwick pode ter influenciado esse
110
interesse: “Esses dois relatos independentes deixam pouca dúvida de que Darwin achou
Sedgwick e seu estilo imaginativo e impressionista tão atraente quanto encontrou Hope e seu
rumo” (SECORD, 1991, p. 143).
Era necessário que o jovem universitário aprendesse mais sobre a ciência no campo.
Secord conta a trajetória de Darwin até finalmente, por intermédio de Henslow, que reconhecia
suas limitações, viajar para o norte do país de Gales com Sedgwick. Segundo Secord (1991):
embora Sedgwick e Darwin viajassem juntos por menos de uma semana, a
viagem foi de grande importância para o surgimento de Darwin como geólogo.
Acima de tudo, marcou o ponto de virada em sua autoconfiança científica
(SECORD, 1991, p. 145).
O que Sedgwick e Darwin fizeram na excursão foi “traçar as falésias calcárias
carboníferas ao longo do vale de Clwyd [...] passando pelos sítios de interesse geológico,
incluindo as famosas cavernas acima do Rio Elwy em Cefn” (SECORD, 1991, p. 145). Secord
relata que o dono Edward Lloyd mantinha uma coleção privada de fósseis de vertebrados e conta
ainda que outros ossos remanescessem na lama para serem levados. Darwin comparou o cenário
ao pitoresco Peak District em Derbyshire e comentou sobre os fósseis incomuns. “Não admira
que ele esperasse encontrar restos vertebrados similares durante suas viagens na América do Sul”
(SECORD, 1991, p. 145-146).
Secord aborda os detalhes geológicos em seu artigo de 1991. Entretanto, o que
relacionamos com a produção do conhecimento científico aqui foi essa excursão ter sido seu
treinamento antes de embarcar na viagem com o Beagle. Com Sedgwick, Darwin testemunhou a
necessidade de revisitar e reinterpretar parte do mapa geológico nacional. Nas palavras de
Secord: “A importância deste incidente para Darwin é difícil de enfatizar demais. Trabalhando na
Grã-Bretanha, ele viu que importantes descobertas estavam esperando para serem feitas e que ele
poderia ajudar a fazê-las” (SECORD, 1991, p. 148) Ele viveu a experiência de uma investigação
de campo antes de fazer uma generalização (SECORD, 1991).
111
Sedgwick defendia uma interpretação da formação do vale por meio do "alongamento"
(SECORD, 1991) e, dessa forma, introduziu Darwin a um estilo particular de geologia, que
enfatizava estruturas regionais e movimentos “tectônicos38
”. Secord acrescenta:
essa “geologia geométrica” foi especialmente adaptada ao cenário institucional
de Cambridge, onde a Universidade enfatizou a matemática (e especialmente a
geometria) como um dos pilares gêmeos de uma educação liberal (geologia
geométrica e influência da institucionalização nas maneiras de pensar)
(SECORD, 1991, p. 148).
Isso levou Darwin ao problema de determinar a relação entre a camada original e a
clivagem superficial para interpretar as relações estruturais das rochas mais antigas. “As
implicações teóricas desse problema iriam fascinar Darwin por décadas e formaram um
importante componente de sua agenda de pesquisa para a viagem ao Beagle” (SECORD, 1991, p.
149).
Para uma melhor compreensão sobre clivagens, Chancellor e van Wyhe (2008) explicam:
"Beds" ou "bedding planes" são as camadas sedimentares originais, que
representam o leito do mar onde a argila se acumulou, mas eles podem ser
encontrados mais tarde inclinadas (mergulhando), ou em casos extremos, de
cabeça para baixo. A "clivagem" aumenta a confusão, como resultado da
reorientação microscópica de certos minerais, como a mica, quando sujeita a
grandes forças regionais, como a compressão horizontal que ocorre quando os
continentes colidem, como foi o caso em North Wales onde os planos de
clivagem podem ser perfeitos o suficiente para se tornarem mesas de bilhar.
Uma rocha de argila (geralmente chamada xisto), uma vez submetida à
clivagem, torna-se uma ardósia. Sedgwick mostrou a Darwin como, se alguém
pode ter certeza do que é a camada e o que é clivagem, é possível começar a
trabalhar as estruturas que a compressão criou e descobrir de onde veio a
pressão. É por isso que há tantas anotações com quedas e rolamentos de
bússola, mostrando a imensa área sobre a qual a clivagem estava na mesma
orientação (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
A experiência com Sedgwick, além de informar a investigação de campo de Darwin antes
da viagem, demonstrava a importância da investigação geológica em campo: “Tudo isso fazia
parte da educação geológica que não estava disponível em livros didáticos, palestras ou leitura.
38 A tectônica de Placas, conhecida pela teoria da Deriva Continental data do início do Século XX. Lembramos aqui
que no tempo de Darwin, o termo para designar eventos que ocorriam abaixo do solo era conhecido como
112
Por exemplo, a sugestão de Sedgwick de que os fósseis podiam ser encontrados mais facilmente
em paredes de pedra era uma sugestão prática, mas que nenhum geólogo de respeito teria
expressado na imprensa, pois violava a exigência formal de que todos os espécimes fossem
coletados de suas camas originais” (SECORD, 1991, p. 149).
É possível relacionar, então, o treinamento de campo de Darwin, antes do verão em North
Wales com Adam Sedgwick, com sua leitura de Lyell fundamentando suas observações durante
as expedições como bases para possibilitar seus anseios de se tornar um geólogo e explicar os
eventos do passado que moldaram as estruturas diante dele (CHANCELLOR; VAN WYHE,
2008). Dessa forma, o treinamento de Darwin evidencia a formação de cientistas antes da viagem
do Beagle, enquanto a leitura dos princípios de Lyell está relacionada com a produção coletiva
da ciência. As relações entre as ideias da comunidade científica, do passado e presente
formativos de Darwin, informaram suas observações e o permitiram elaborar hipóteses. Na
autobiografia, recordou quando imaginou seu primeiro livro de geologia:
Essa foi uma hora memorável para mim, e quão distintamente posso recordar o
penhasco baixo de lava abaixo do qual eu descansei, com o sol brilhando quente,
algumas estranhas plantas do deserto crescendo perto e com corais vivos nas
poças de maré aos meus pés (BARLOW, 1958, p. 81, tradução nossa).
Nesse sentido, para compreender a lógica de seu pensamento biológico, Chancellor e van
Wyhe (2008) chamam atenção para a improbabilidade de Darwin ver sentido nas formações
rochosas que estava vendo e ser capaz de distinguir a camada original da clivagem sobreposta
mais tarde, caso não tivesse estado no País de Gales com Sedgwick. Dessa forma, identificamos a
produção coletiva da ciência e formação de cientistas como elementos metacientíficos, que
nutrem, informam as observações, evidenciando observações informadas pela teoria na
elaboração de hipóteses, também identificados como elementos metacientíficos na nossa
análise.
Aqui também cabe nosso comentário sobre as reflexões realizadas por Darwin sobre suas
observações que, informadas pela teoria, auxiliam na elaboração de hipóteses. Isto é, aqui –
novamente – as reflexões aparecem como elemento necessário para o desenvolvimento do
“plutônico”.
113
pensamento, entretanto, a mesma análise que fizemos no diário anterior é válida: aqui, Darwin
parece refletir breve e pontualmente sobre os fenômenos – particularmente, sobre as formações
rochosas.
Assim, a partir da produção coletiva da ciência, expressas aqui como a teoria glacial de
Louis Agassiz (1807-1873), em 1841, Darwin revisitou as montanhas de Snowdonia, em North
Wales, realizando observações e reinterpretando-as, agora conseguindo elaborar a hipótese sobre
mudanças geológicas causadas por ação recente de gelo, que passaram a ser óbvias para ele
(DARWIN, 1842).
A relação da teoria alimentando as interpretações sobre a realidade através de
observações, evidenciando observações informadas pela teoria, pode ser identificada em
Chancellor e van Wyhe (2008), que chamam atenção para a grande quantidade de observações
geológicas feitas por Darwin, “que são em parte a base da declaração de Darwin na sua
publicação América do Sul (p. 151). Utilizando termos tais quais: formações rochosas como o
granito, gnaisse, armadilha, ardósia, e assim por diante, Darwin demonstra seu extenso
vocabulário mineralógico anterior à viagem (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
114
SANTA FÉ
O diário Santa Fé foi priorizado em nossa análise, dentre outros diários, por se destacar,
sendo um dos maiores dos diários de campo escritos por Darwin, e por ter a natureza de seus
registros mais reflexiva. Essa mudança em suas anotações, que progressivamente adquirem um
tom mais especulativo, é defendida por Chancellor e van Wyhe (2008).
No início da leitura, destacamos o conteúdo sobre a “grande seca” que ocorreu nos anos
de 1827-30 naquela região da Argentina e foi a causa da morte de muitos bovinos nos pampas e
uma explosão no número de ratos (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Essa informação teria
se destacado para Darwin, que se referiu ao fenômeno da seca em seu manuscrito Natural
selection (STAUFFER, 1975).
Nesse texto, Darwin escreve que as secas em La Plata são quase periódicas e afetam os
cavalos e bois. Ele registra o comportamento de outros animais, na tentativa de relacionar os
fenômenos e compreender como as secas afetam todo o ecossistema:
Estas secas destroem miríades de animais silvestres e mesmo de aves, enquanto
vimos que durante esses mesmos períodos os ratos pululam em um grau
incalculável – Posso acrescentar que todos ouviram falar da terrível destruição
de ovelhas na Austrália das secas: assim acontece na Índia, e o Dr. Falconer me
conta em lugares onde antigamente um homem podia matar 30 ou 40 cervos em
um dia, por alguns anos, depois de uma grande fome e seca, dificilmente um
único cervo poderia ser obtido (STAUFFER, 1975, p. 181).
Em Journal of researches, Darwin argumentou que esta seca foi seguida de inundações e
no período de um ano enterrou milhares de esqueletos. Então, questiona:
Qual seria a opinião de um geólogo, vendo uma enorme coleção de ossos, de
todos os tipos de animais e de todas as idades, embutidos em uma massa espessa
de terra? Não o atribuiria a uma inundação que varreu a superfície da terra, e não
à ordem comum das coisas? (DARWIN, 1839, p. 157).
Esse trecho demonstra suas reflexões sobre a teoria do catastrofismo, defendida pela
maior parte dos geólogos de seu tempo, representando o elemento metacientífico produção
coletiva da ciência. Esse episódio evidencia a relação dos saberes produzidos pela comunidade
científica informando as observações de Darwin, constituindo o elemento observações
115
informadas pela teoria, uma vez que Darwin exercitava o pensamento recrutando as teorizações
da geologia de sua época, para tentar explicar o que observava em suas expedições.
Identificamnos nessas tentativas de explicações o elemento metacientífico elaboração de
hipóteses.
Entretanto, diferente dos outros diários analisados, no diário Santa Fé a seca não é
diretamente observada, apenas o comportamento e distribuição dos animais são observados por
Darwin, na tentativa de relacionar ao fenômeno das secas. Dessa forma, destacamos a
importância do elemento elaboração de hipóteses, associado ao elemento de reflexão, que está
mais presente nesse diário do que nos anteriores.
Mais à frente, Darwin registra ter encontrado um fóssil de cavalo. A descoberta desse
fóssil foi importante para a discussão geológica a partir das anotações feitas por ele. Este foi um
achado intrigante: acreditava-se, na época, que não havia cavalos nas Américas antes que os
europeus os trouxessem no século XVI, o que identificamos como os nossos elementos
metacientíficos observações informadas pela teoria e produção coletiva da ciência.
Darwin se questionava se o dente havia sido transportado para o local em que foi
descoberto. Anotou então que, infelizmente, “a Barranca sendo inclinada impedia a certeza final
da questão”. Desse modo, o pequeno dente fruto da empiria tinha potencial de fazer Darwin
refletir sobre a ausência desses animais nas Américas. Aqui identificamos o elemento
metacientífico reflexões. Ele escreveu sobre esse episódio em Journal of researches, refletindo
sobre o método de comparação entre fósseis:
Um dente que eu descobri por um ponto se projetando do lado de um banco me
interessou muito, pois percebi imediatamente que ele pertencera a um cavalo.
Sentindo muita surpresa, examinei cuidadosamente sua posição geológica e fui
obrigado a chegar à conclusão de que um cavalo, que não pode, de uma
comparação apenas com o dente, ser distinguido das espécies existentes.
Nenhuma diferença sensível em seu estado de decadência poderia ser
percebida […] (DARWIN, 1839, p. 149-150, tradução e grifos nossos).
Na mesma página, Darwin continua discutindo sobre o que poderia ter acontecido para
que os fósseis fossem tão parecidos:
Se o cavalo não coexistiu com o Toxodonte, o dente deve, por algum acidente,
não muito facilmente compreendido, ter sido incorporado nos últimos três
séculos (o período da introdução do cavalo), com os restos desses animais, que
envelhecem desde que pereceu, quando os Pampas foram cobertos pelas águas
116
do mar. Agora, posso perguntar, será que alguém acreditaria que dois dentes de
tamanho quase igual, enterrados na mesma substância juntos, depois de um
período de tão vasta desigualdade, poderiam existir na mesma condição de
decadência? Nós devemos concluir o contrário. Certamente é um evento
maravilhoso na história dos animais, que um tipo nativo deveria ter desaparecido
para ser sucedido depois de séculos pelos inúmeros rebanhos introduzidos com o
colonizador espanhol! Mas nossa surpresa deveria ser modificada quando já se
sabe, que os restos dos Mastodon angustidens (o dente anteriormente aludido
como embebido perto do cavalo, provavelmente pertenciam a esta espécie)
foram encontrados tanto na América do Sul, como na partes do sul da Europa
(DARWIN, 1839, p. 150).
Ainda sobre essa discussão, Darwin utiliza as notas de George Cuvier a respeito de fósseis
encontrados diferentes locais. E adiciona uma explicação para os fósseis de cavalos terem sido
encontrados em meio a outros fósseis:
Posso acrescentar aqui que os ossos dos cavalos, mesclados aos do mastodonte,
foram transmitidos várias vezes para venda da América do Norte para a
Inglaterra; mas sempre se imaginou, pelo simples fato de serem ossos de
cavalos, que eles se misturaram acidentalmente com os fósseis. (DARWIN,
1833, p.150).
Dessa forma, é possível compreender que as evidências tafonômicas – isto é, aquelas que
levam em consideração o estado de preservação do fóssil – influenciavam seu pensamento sobre
cavalo ser contemporâneo do extinto mastodonte, ou seja, sendo mais antigo no continente do
que se acreditava na época.
Assim, na discussão sobre as causas da extinção do cavalo, identificamos alguns
elementos metacientíficos: mais diretamente associado ao descobrimento do fóssil, está o
elemento observações e, associado a ele e às posteriores discussões, está a produção coletiva da
ciência, com as discussões de Cuvier, evidenciando as observações informadas pela teoria e as
reflexões que Darwin realizou para “desvendar o mistério”, elaborando hipóteses.
Os fósseis do dente de cavalo, do toxodonte e do mastodonte foram encontrados em
materiais em conjunto com conchas de animais marinhos ainda viventes. Desse modo, Darwin
refletia sobre a causa da extinção dos cavalos – por exemplo – já que as condições do local eram
ideais para sua sobrevivência, visto que os cavalos atuais persistiram e prosperaram no ambiente
na América do Sul.
Discutindo a razão do desaparecimento dos cavalos de um continente inteiro, já que
aquele é um ambiente ideal para eles, Darwin considerava as concepções lyellianas para pensar:
117
os cavalos e todos os outros mamíferos tinham sido eliminados por alguma catástrofe? Ou talvez
a “senescência da espécie39
” fosse a resposta: “como no caso do indivíduo, assim como a espécie,
a hora da vida seguiu seu curso e é gasta”. (DARWIN, 1833, p. 212).
Esse episódio aparece no Origem (DARWIN, 1859) protagonizando a discussão de
Darwin sobre a extinção das espécies:
Eu acho que ninguém pode ter se maravilhado mais com a extinção de espécies,
do que eu. Quando encontrei em La Plata o dente de um cavalo embutido nos
restos de Mastodonte, Megatério, Toxodonte e outros monstros extintos, todos
coexistindo com conchas ainda vivas em um período geológico muito tardio,
fiquei cheio de espanto; por ver que o cavalo, desde a sua introdução pelos
espanhóis na América do Sul, correu solto por todo o país e aumentou em
números a um ritmo incomparável. Eu me perguntei o que tão recentemente
poderia ter exterminado o ex-cavalo em condições de vida aparentemente
tão favoráveis. Mas quão completamente sem fundamento era meu espanto! [...]
O professor Owen percebe que o dente, embora muito semelhante do dos
cavalos existentes, pertencia a uma espécie extinta. (DARWIN, 1859, p. 318-
322, tradução e grifos nossos).
Assim, Richard Owen confirmou, em Fossil mammalia, que Darwin realmente encontrou
restos de mastodonte. Além disso, comparou o dente de cavalo encontrado por Darwin em Punta
Alta com outro fóssil e confirmou que se tratava de um Equus curvidens pré-colombiano,
provando que cavalos existiam no continente, mas foram extintos nas Américas antes da
reintrodução pelos europeus (OWEN, 1838, p. 109). Identificamos, aqui, a presença da relação
entre os elementos metacientíficos produção coletiva da ciência e observações informadas pela
teoria.
Chancellor e van Wyhe (2008) chamam atenção para o registro que Darwin realizou na
segunda edição do Journal of researches (1839) sobre a extinção do cavalo pré-colombiano:
Admitir que as espécies geralmente se tornam raras antes de se tornarem extintas
- não se surpreender com a raridade comparativa de uma espécie com outra, e
ainda chamar um agente extraordinário e maravilhar-se muito quando uma
espécie deixa de existir, parece-me muito o mesmo que admitir que a doença no
indivíduo é o prelúdio da morte - para não sentir surpresa alguma com a doença
-, mas quando o doente morre, imagina e acredita que ele morreu pela violência
(DARWIN, 1839, p. 176).
39 Lyell discute as causas biológicas para o atualismo no 2º volume de “Princípios de geologia”: sustentando o
caráter fixista de suas ideias ele defende que as espécies se distribuem de forma parcial e são afetadas
constantemente por mudanças no ambiente que contribuem para sua extinção. Assim, as espécies diferentes possuem
“expectativas de vida” distintas.
118
Em A Origem das espécies (1859) a extinção é exatamente o que seria previsto. Para ele, a
extinção se relacionava apenas com o que acontece quando o número de organismos numa
espécie diminui para um nível insustentável devido a condições desfavoráveis de vida. Darwin
argumentou, ainda, sobre a impossibilidade de se ter certeza sobre quais eram as condições
desfavoráveis, e esse argumento deve ser aplicado no caso do cavalo na América Pré-Colombiana
(CHANCELLOR; WYHE, 2008).
Chancellor e van Wyhe (2008) chamam atenção para haver notas de natureza zoológica
dos locais que Darwin visitava e o fato de, mais tarde, ele ter percebido que as diferenças entre a
zoologia dos lados opostos da Cordilheira eram altamente significativas. Na segunda edição de
seu Journal, ele escreveu sobre os animais do lado leste: “Aqui temos a cutia, a bizcacha, três
espécies de tatu, o avestruz, certos tipos de perdizes e outras aves, nenhuma das quais é vista no
Chile[...]” (DARWIN, 1833, p. 149).
A partir do diário Santa Fé ainda é possível discutir as relações entre aspectos geológicos
e da história natural que Darwin encontrou em suas expedições tanto nas margens do Atlântico
como do Pacífico da América do Sul. Destacamos dois episódios que discutem mais
especificamente sobre a geologia.
O primeiro desses episódios está relacionado com um terremoto forte que ocorreu
semanas antes de Darwin ter registrado notas sobre lugares na costa do Pacífico, como Coquimbo
e Concepción (ambos no Chile). Nessas notas, Darwin escreve de forma reflexiva: “O grande
terremoto de 1751 destruiu Concepción?” (p. 60a, tradução nossa). Mais à frente, na página p.
65a, Darwin escreveu sobre o tsunami: "foi a grande onda que destruiu Concepción
repentinamente?" (p.65a, tradução nossa). Embora Darwin tenha anotado sobre os terremotos
também no diário Santa Fé, iremos analisar e discutir essa passagem no diário Santiago.
Lembramos que, na época em que ele escreveu essas anotações, era desconhecido o
fenômeno hoje conhecido como deriva continental, que engloba explicações sobre a constituição
geológica do planeta Terra, movimento de placas abaixo da crosta terrestre e suas relações com
vulcanismo e tsunamis. As teorias que tentavam explicar o passado geológico da crosta terrestre
eram o catastrofismo e o uniformitarismo, como explicamos no capítulo 2.
Dessa forma, esse curto episódio se relaciona com as discussões no campo da geologia do
século XIX. Identificamos, portanto, principalmente a relação entre os elementos
119
metacientíficos produção coletiva da ciência, especificamente a área em desenvolvimento da
geologia daquele tempo, e as observações informadas pela teoria, evidenciando as observações
não neutras de Darwin.
O segundo episódio relacionando aspectos geológicos diz respeito à sua anotação na
página 83a, em que descreve um vale alto constituído de fragmentos angulares de aluvião40
que
separam dois vales convergentes do Valle del Yeso (Chile).
Chamou atenção de Darwin que essa massa tivesse sido depositada pela ação do rio: “Eu
dificilmente ouso afirmar que essas colinas são aluviais41
” (p. 84a). Ele descreveu essa massa de
250 metros de espessura em seu diário geológico (pós viagem), mas foi só depois da viagem que
percebeu que era uma morena glacial42
(CHANCELLOR; WYHE, 2008).
Na parte sobrevivente de seu capítulo sobre distribuição geográfica em seu “grande livro
de espécies”, Natural Selection, p. 545, Darwin referiu-se a esta morena que estava “a milhares
de metros abaixo da linha onde uma geleira poderia agora descer”. Ele citou seu diário geológico
em uma nota de rodapé e citou a morena como uma ilustração da Era do Gelo global que, na
década de 1850, era um fato aceito e deve ter tido um efeito dramático sobre a biogeografia em
tempos geologicamente recentes.
Após a viagem, Darwin foi reconhecido como uma autoridade na geologia dos Andes. Em
seu trabalho América do Sul (DARWIN, 1846), há uma indagação que pode remeter ao seu
constante exercício de tentar enxergar o todo e a relação com a teoria do catastrofismo:
como é que esta história complicada de mudanças é lentamente afetada, aos
pontos de vista daqueles geólogos que acreditam que esta grande cadeia de
montanhas foi formada nos últimos tempos por um único golpe (DARWIN,
1846, p. 248, tradução nossa).
Identificamos na leitura do diário Santa Fé anotações de natureza mais reflexiva
informadas pelas observações em campo que Darwin realizava durante suas expedições,
dialogando com a produção coletiva da ciência de sua época, como as duas grandes teorias em
40 Sedimentos compostos de areia, argila, cascalho, entre outros, transportados e depositados por correntes de água.
41 Depósito de argila, silte, areia e cascalho deixados por riachos fluindo em um vale de rio ou delta, tipicamente
produzindo solo fértil. 42
Uma massa de rochas e sedimentos carregados e depositados por uma geleira, tipicamente como cumes em suas
bordas ou extremidades.
120
conflito na geologia: o catastrofismo e o uniformitarismo (atualismo). Dessa forma, esses
elementos metacientíficos estão associados ao papel que o conhecimento da comunidade
científica (coletivo) exerce informando o pensamento de Darwin (individual), possibilitando suas
reflexões ao observar os fenômenos ao vivo, evidenciando as observações informadas pela
teoria.
121
SANTIAGO
O diário de Santiago é interpretado como sendo marcado pela transição do pensamento de
Darwin expresso em suas notas, que passaram de abundantemente observacionais para anotações
de caráter mais teórico. Assim, argumentando que a mudança é sutil, Chancellor e Wyhe (2008)
discutem sobre algumas páginas evidenciarem essa gradação, exibindo “escrita à tinta, que é mais
reflexiva do que a habitual”: as anotações à tinta requeriam todo um sistema de pena, tinta e
tempo, em oposição ao uso de grafite, que seria mais prático e, portanto, associado à escrita
durante as expedições em campo (CHANCELLOR; van WYHE, 2008, tradução nossa).
Outra evidência em favor dessa hipótese de amadurecimento do pensamento através das
anotações diz respeito à continuidade e desenvolvimento de suas ideias ao longo de páginas
contínuas. O que se destaca é a existência de “elos importantes” entre o diário de Santiago e os
diários “teóricos” de Darwin, escritos pós-viagem (CHANCELLOR; van WYHE, 2008, tradução
nossa).
Outro aspecto do diário que indica, para nós, uma visão mais reflexiva, portanto, mais
“lapidada” do pensamento de Darwin, está na natureza de suas anotações: mais textos, reflexões,
hipóteses relacionadas entre si, ao passo que existem menos diagramas e anotações desconexas,
como nos diários do início da viagem. Nas palavras do próprio Darwin sobre uma certa
necessidade de amadurecimento das ideias, em uma carta para Henslow, escrita em 23 de julho
de 1832 (anos antes das anotações no diário Santiago), o jovem naturalista desabafa: “é
decididamente entristecedor andar pela floresta gloriosa, em meio a tamanhos tesouros, e sentir
que todos são desperdiçados por mim” (BURKHARDT, 2009, p. 66). Dessa forma, identificamos
reflexão como um elemento metacientífico que pode estar associado ao elemento elaboração de
hipóteses e discutiremos mais sobre isso a seguir.
Uma das principais discussões do diário registra a transição de Darwin de uma visão da
mobilidade da crosta terrestre, dominada por suas observações da elevação do continente
continental, para uma visão literalmente mais equilibrada, na qual ele passou a ver os oceanos
como predominantemente áreas de subsidência43
.
43 Deslocamento vertical da superfície (crosta) terrestre, em relação a áreas vizinhas.
122
Na primeira nota de campo do diário Santiago (p. 2), Darwin e seu grupo estavam indo
para Padaguel, para ver pedra calcária, e em sua anotação ele detalha a constituição geológica da
planície. Identificamos, como em diários anteriores, essa passagem associada ao elemento
metacientífico observações que ele realizava diretamente em campo. Essas observações não
tinham caráter neutro, já que Darwin tinha acesso às discussões da comunidade científica de sua
época e essas ideias informavam seu pensamento para que soubesse muita coisa sobre a
constituição mineral dessas formações rochosas. Assim, destacamos também o elemento
metacientífico observações informadas pela teoria.
Logo em seguida, ele complementa o registro – na mesma página – afirmando “uma rocha
indiscutivelmente formada debaixo de água, não admira nenhuma concha”. Mais abaixo,
considera sobre a planície sofrer ação aluvial. Identificamos, então, nesses registros o elemento
metacientífico “reflexão”, associado a um texto mais dissertativo, podendo indicar que Darwin
estava fazendo mais conexões entre a produção coletiva da ciência e suas interpretações sobre as
observações. Esse movimento constitui o elemento observações informadas pela teoria e se torna
mais forte nas páginas finais desse diário.
Em sua publicação “América do Sul” há reflexões sobre a elevação dramática da faixa
costeira, a partir da interpretação das observações de Darwin sobre rochas nos cumes das colinas
de San Lucía e San Cristóbal em Santiago e sua altura barométrica. Essas notas compõem o
desenvolvimento do pensamento de Darwin sobre a modificação da crosta terrestre, associado
com a importância do tempo e ações de fenômenos naturais atuais, dessa forma, relacionado com
o uniformitarismo (atualismo) de Lyell. Portanto, identificamos os elementos metacientíficos
observações, produção coletiva da ciência, observações informadas pela teoria e reflexões.
De forma semelhante, na página 9, Darwin anota sobre sua observação da planície cortada
pelo rio e sua composição geológica e reflete sobre a formação dessas rochas. Em “América do
Sul” (1846), Darwin declarou enfaticamente sua visão de que o vale de Cachapoal foi esculpido
pelo mar. Indicando o elemento metacientífico elaboração de hipóteses associada as reflexões.
Darwin lembrou na América do Sul, p. 67, que em sua mente:
Esta foi uma das conclusões mais importantes para as quais minhas observações
sobre a geologia da América do Sul me levaram; pois assim aprendemos que
uma das cadeias montanhosas mais grandiosas e simétricas do mundo, com suas
várias linhas paralelas, se elevaram juntas em massa entre 7.000 e 9.000 pés, da
123
mesma maneira gradual que as costas leste e oeste dentro do período recente da
Terra. (DARWIN, 1846, p. 67).
Darwin explica melhor a relação entre a evidência observável na formação rochosa e sua
inferência sobre o nível do mar. Dessa forma, com as suas interpretações sobre as observações
sendo informadas pela produção coletiva da ciência ele vai de encontro à explicação
catastrofista, que afirmava as modificações serem causadas por uma série de catástrofes:
Não desejo afirmar que todas as linhas foram levantadas igualmente; pequenas
diferenças na elevação não deixariam nenhum efeito perceptível nos terraços.
No entanto, pode-se inferir, talvez com uma exceção, que desde o período
em que o mar ocupou esses vales, as várias cadeias não foram deslocadas
por falhas ou revoltas grandes e abruptas; pois, se isso tivesse ocorrido, os
terraços de cascalho nesses pontos não teriam sido contínuos [...] (DARWIN,
1846, p. 67, tradução e grifos nossos).
Outro episódio vivido por Darwin aconteceu no dia 9, quando subiu o vale e observou as
"Cordilheiras reais" (p. 19). Ele notou um bloco de granito "a várias centenas de metros acima do
leito do rio", que ele considerava "colocado no lugar atual pelo antigo mar”. Sobre isso, em
América do Sul (1846), reconheceu que blocos como este normalmente não poderiam ser
movidos pelo mar. Assim, ele considerou como alternativa que eles poderiam ter sido movidos
por inundações catastróficas, consequentes ao represamento de rios durante terremotos
(DARWIN, 1846).
Do modo semelhante ao episódio analisado acima, os elementos metacientíficos
identificados aqui estão relacionados às reflexões que Darwin pode fazer sobre as observações
das cordilheiras que ele realizou. Essas observações foram informadas pelas ideias científicas
disponíveis na época, constituindo o elemento observações informadas pela teoria, uma vez que
Darwin considera a hipótese catastrofista para interpretar as formações rochosas que observava.
Nas próximas anotações, Darwin faz o mesmo exercício que interpretamos como
associado ao elemento reflexão, por exemplo, ao especular como a Terra do Fogo pareceria se
fosse elevada e posteriormente associar à Quito (no Equador) e refletir: “elevação diminui para o
sul?” (p. 36).
Darwin presenciou um terremoto quanto estava próximo à Valdivia. Este pode ter sido o
motivo pelo qual suas anotações assumem caráter especulativo sobre a instabilidade da crosta
terrestre. Esse é outro episódio em que identificamos elementos metacientíficos.
124
Estima-se que o terremoto de 1835 foi de magnitude 8,5 na escala Richter, embora isso
seja ofuscado pelo terremoto chileno de 1960, que foi de 9,5. A partir da página 88 até a página
92 Darwin registra questões geológicas, em um continuum de informações que se relacionam
entre si, tendo como tema unificador a mobilidade crustal vertical, relacionada com os efeitos dos
terremotos e do mar sobre o transporte de cascalhos e pedregulhos erráticos.
Dessa forma, ter sentido o terremoto e observado seus efeitos sobre a paisagem
constituem o elemento metacientífico observações. Então, suas anotações estão relacionadas,
mais uma vez, com o elemento reflexões e produção coletiva da ciência indicando observações
informadas pela teoria.
Na página 88, Darwin argumenta que suas observações evidenciam uma contradição ao
que defendia Henry De la Beche (1796-1855), geólogo britânico. Em seu livro Manual de
geologia (1831), De la Beche discute que havia uma correlação positiva entre o grau de falha
observado na rocha em muitas áreas e a ocorrência de depósitos de cascalho: os rios
frequentemente exploram falhas como linhas de resistência reduzidas à erosão e que esses vales
geralmente contêm cascalho e essas falhas indicavam distúrbios que ele especulava que poderiam
estar ligados ao aumento da agitação das massas de água e, portanto, ao aumento da deposição de
cascalho (CHANCELLOR; van WYHE, 2008).
Darwin observou que os grossos cascalhos da Patagônia e de Chiloé não estavam
claramente associados a falhas nem a “quaisquer sinais de desastres repentinos”, o que seria
explicado pelo catastrofismo. Dessa forma, estando presente a relação entre dois elementos
metacientíficos: as observações informadas pela teoria da produção coletiva da ciência. Mais à
frente ele cita “ondas de terremotos” e, nas páginas seguintes, desenvolve seu pensamento, que
organizamos no quadro 4 (no capítulo 2). Porém, retomaremos aqui alguns desses trechos.
Darwin observa que os efeitos na água como evidências para falhas não poderiam ser
equiparados, já que considerava dois tipos distintos de turbulência: “Parece-me que os dois tipos
de turbulência são tão distintos, que os efeitos na água (e, portanto, falhas) não podem ser
julgados a partir de análogos de um para o outro” (p. 89). Questiona não haver muitos blocos no
Chile. Na mesma página, ele especula que esses blocos devem ter viajado de tal forma “bastante
graduais apenas pequenos passos - Que não há evidências particulares de falhas (p. 90, tradução
125
e grifos nossos). Dessa forma, ao considerar o tempo como um fator importante para que as
mudanças ocorram, Darwin utiliza da concepção Lyelliana sobre a história da Terra.
Identificamos novamente o elemento metacientífico observações informadas pela teoria da
produção coletiva da ciência.
Identificamos a relação entre os elementos metacientíficos produção coletiva da ciência
informando as interpretações sobre as observações na página seguinte. Darwin se refere a John
Playfair (1748-1819), um matemático e geólogo escocês, professor da Universidade de
Edimburgo, que argumentava em favor da teoria Huttoniana sobre as mudanças na crosta
terrestre em sua obra Illustrações da teoria Huttoniana da Terra (1802). Dessa forma, Darwin
parece estar concordando com ele, relacionando o erguimento da crosta com a atividade de
terremotos, verificando que isso ocorre na paisagem.
Darwin afirma na página seguinte: “Penso que a sublevação da terra, assistida por
terremotos, é o índice da explicação” (p.92), diferente de De la Beche. Compara, então, às falhas
na Europa, onde “as linhas N&S podem ser explicadas por canais. - a acumulação na base da
escarpa. - as linhas de mesma altura são todas apresentações do mesmo fato: depositos marinhos
graduais de transporte” (p. 92). Nesse trecho, identificamos o elemento elaboração de hipóteses.
Darwin mostrou que as faixas externas dos Andes são compostas principalmente de
gnaisse e granito. Hoje se compreende que elas são o resultado do derretimento da borda da placa
continental sul-americana à medida que se sobrepõem à placa oceânica de Nazca
(CHANCELLOR; van WYHE, 2008).
A nossa última análise do diário de Santiago está relacionada com o tema pelo qual foi
citado por muitos estudiosos: sua teoria sobre corais, que mais tarde confirmaria o mecanismo da
formação de atóis (BURKHARDT, 2009). As páginas 95 a 97 do diário Santiago contêm os
registros sobre corais, relativos aos quais Darwin esboça os fundamentos de sua teoria dos recifes
de coral.
Darwin escreve sobre a disposição dos corais, comparando com o Pacífico: “Como no
Pacífico, uma cama Corall se formava como terra afundada. abundaria com os gêneros que vivem
perto da superfície (misturado com os de águas profundas)” (p.95), passagem em que
identificamos o elemento metacientífico observações. Na página seguinte, reflete sobre essa
observação, relacionando essa mistura de espécies de habitats diferentes: “eu deveria conceber
126
que no Pacífico o desgaste dos recifes deve formar estratos mistos.” (p. 96). Continua na mesma
linha exemplificando o que há nos os estratos mistos: “tipos quebrados e conchas perfeitas em
águas profundas (& Milleporae44
)”. E, então, infere: “Partes dos recifes permaneceriam em meio
a esses depósitos e preenchidas com matéria calcária infiltrada” (p. 96).
Sobre os recifes, Darwin ainda compara os da América do Sul com as formações de
calcário da Europa, acrescentando que “existe uma grande proporção desses Coralls que vivem
apenas perto da superfície” (p. 96-97).
As teorias científicas sobre a formação de recifes de corais foram sintetizadas por Lyell
em 1830, antes da viagem do Beagle. Dessa forma, Darwin teve acesso à produção coletiva da
ciência através dessa leitura, que nutriu seu pensamento em mais de uma questão: relações entre
o tempo, a geologia, a senescência das espécies e as teorias – até aquele momento – sobre os
recifes.
Foi após observar um recife de franja, que percebeu as diferenças entre eles e “que essas
estruturas se formaram por deposição, e que, em outras regiões, paralelas a elas, existem recifes
em franja e que essas sofreram elevação (VITOR; SILVA, 2017, p. 70). Isto é, Darwin só
observou um recife de coral quando chegou na América do Sul, mesmo que já tivesse
conhecimento dos atóis e de recifes de barreira, por causa da revisão realizada por Lyell. Isto é,
por causa do acesso a uma ideia disponível na comunidade científica da época informando suas
observações, indicando observações informadas pela teoria.
Aliado às suas observações sobre os corais, nas próximas páginas (pp. 108-109), segue-se
uma discussão mista sobre conglomerados e sedimentos relacionados à geologia continental, no
exercício de reflexão. Darwin declara que “A conjectura de granitos brasileiros sendo aquecidos
no fundo do oceano é uma conjectura muito importante. — circunstâncias mudando determinam
qual deve ser um declive e qual um penhasco” (p. 109). E em oposição ao catastrofismo, afirma:
“uma perturbação mais repentina e maior provavelmente determinaria essa mudança de
circunstâncias e, portanto, concordaria com todos os fatos” (p. 109). O que não parece acontecer,
já que Darwin continua, na mesma página: “as plataformas sucessivas não indicam um aumento
gradual, ao mesmo tempo?”.
44 Millepora é um género de coral da família Milleporidae da ordem Anthoathecatae.
127
Nesse questionamento, Darwin ainda parece concordar com o atualismo de Lyell,
atribuindo um aumento gradual da perturbação. Dessa forma, associada a essa passagem, a
relação entre a produção coletiva da ciência informando as interpretações das observações estão
presentes através da discussão entre as duas teorias concorrentes da geologia do século XIX,
como cenário em que Darwin investiga.
Em uma carta de 23 de abril de 1835, para sua irmã Susan, Darwin escreve:
[...] mencionarei apenas meus resultados principais: além de compreender, até
certo ponto, a descrição e o tipo ea força que promoveu a elevação dessa
grandiosa cadeia de montanhas, posso demonstrar claramente que uma parte da
cadeia dupla é de época muito posterior à da outra. Na cadeia mais antiga, que é
a verdadeira Cadeia dos Andes – posso descrever o tipo e a ordem das rochas
que a compõem. [...] De muito maior importância é que consegui obter conchas
fossilizadas [...] e creio que um exame delas fornecerá a idade aproximada
dessas montanhas, em comparação com os Estratos da Europa (BURKHARDT,
2009, p. 87).
Na mesma carta, Darwin compara as características da Cadeia do Andes com a Cadeia das
Cordilleras e diz haver em sua mente a suposição de que essa montanha é moderna e, contra ao
catastrofismo acrescenta:
Se esse resultado for considerado comprovado, será um dado importantíssimo na
teoria da formação do mundo. – Isso porque, se tais mudanças maravilhosas
ocorreram tão recentemente na crosta do globo, não há razão para supormos
épocas anteriores de violência excessiva (BURKHARDT, 2009, p. 88).
No momento em que Darwin cruzava o Atlântico, ele ponderava sobre os fenômenos
elevação com vulcões e subsidência com recifes de coral. Ele ligou os recifes com as eras
Terciárias e Secundárias da geologia da Europa (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008). Nesse
sentido, Kaplan (1988) afirma:
Quando Darwin observou exemplos dos três tipos de recifes, ele notou que
ocorriam em diferentes áreas dos oceanos e tinham diferentes relações com as
massas de terra. A maioria dos atóis está nos Oceanos Índico e Pacífico; eles são
raros no Atlântico. Eles estão frequentemente longe de qualquer continente ou
ilha grande e são invariavelmente rodeados por água profunda. É como se eles
tivessem sido empurrados das profundezas. (KAPLAN, 1988, p. 96-97).
128
A hipótese de Darwin defendia a subsidência da terra para explicar a existência dessa
diversidade de tipos de corais. Kaplan (1988) adiciona ainda haver outras hipóteses para
interpretar a origem dos corais. Entretanto, a pesquisa atual foca na controvérsia entre a teoria de
Darwin e a de Reginal Daly que, em 1919, propõe, em linhas gerais, que o nível do mar baixou e
depois subiu (KAPLAN, 1988, p. 98- 99).
A controvérsia entre as duas teorias, apesar de ser uma interessante direção de abordagem
em posteriores trabalhos, não será abordada em detalhes por nós. Nosso foco era identificar
elementos que possibilitem a discussão sobre ciências em sala de aula, a partir da leitura de
alguns dos diários de Darwin.
Identificamos no diário Santiago os elementos metacientíficos observação, produção
coletiva da ciência evidenciando observações informadas pela teoria e elaboração de hipóteses.
Entretanto, é possível ainda – como nos outros diários – discutir o elemento formação de
cientista relacionado aos elementos encontrados. Destacamos, também, que embora a reflexão
seja um elemento encontrado em outros diários, estando associado à elaboração de hipóteses,
nesse diário ganha especial destaque por causa da natureza das anotações de Darwin.
Como mencionamos em outro momento, Chancellor e van Wyhe (2008) discutem a
possibilidade de observar o amadurecimento do pensamento de Darwin através da leitura dos
diários de campo do Beagle, principalmente pela mudança da natureza das anotações, que passam
a ser mais teóricas.
Chamamos atenção para uma possibilidade de interpretação. Os historiadores tendem a
especular que as anotações mais reflexivas são realizadas fora das expedições de campo
(CHANCELLOR; van WYHE, 2008). Entendemos que as atividades de campo são desgastantes
e, comumente, os dados construídos em expedições são analisados em momentos posteriores,
como o caso do próprio Darwin, que se debruçou sobre seus diários de campo após a viagem do
Beagle para que pudesse sintetizar suas ideias em A Origem das espécies (1859).
Entretanto, essa interpretação pode vincular-se com a ideia – ingênua – de que a ciência é
realizada em momentos distintos de teoria e prática. Isto é, atividades diretamente relacionadas à
empiria, como expedições em campo e experimentos, ocorreriam em momentos distintos
daqueles mais reflexivos da atividade científica, em que o auxílio da imaginação e criatividade
são recrutados para elaboração de hipóteses, inferências e análises de dados, por exemplo. Desse
129
modo, defendemos aqui o elemento metacientífico reflexão como um elemento constituinte do
fazer científico, considerando indissociável a teoria e a prática.
Concordamos que o diário Santiago possui mais frequência desse elemento quando
comparado aos outros diários, portanto, com a hipótese sobre o amadurecimento do pensamento
científico de Darwin. Entretanto, a reflexão ocorre também em outros momentos da viagem,
estando associada diretamente com outros diários de campo, como o Diário Rio, por exemplo.
130
SIDNEY
As notas do diário de Sidney abordam principalmente sobre a geologia de ilhas
vulcânicas. Para Chancellor e van Wyhe (2008), Darwin sabia que, quanto mais perto o navio o
levasse de volta para a Inglaterra, menos chance haveria para ele coletar novos espécimes, pelo
menos em terra, de modo que suas anotações científicas começariam a diminuir. Outra razão para
a mudança na natureza de suas notas, defendida pelos historiadores, foi o amadurecimento do
pensamento científico de Darwin, que se tornava mais reflexivo com a chegada do final da
viagem (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Os elementos metacientíficos identificados nesse diário foram encontrados associados a
mais de um episódio. A primeira ocorrência se relaciona às suas notas geológicas na página 23a
que descrevem as observações realizadas por Darwin de arenitos e granitos. Ele anota “o gráfico
dará uma ideia correta da península e das ilhas da grande planície”, que, em sua interpretação,
foram formadas não por “causas presentes”, indicando a sua relação com a importância da
variável tempo na investigação geológica.
Interpretamos essa reflexão do naturalista com as relações estabelecidas com os princípios
de geologia de Charles Lyell, lida no início da viagem, como a presença do elemento
metacientífico produção coletiva da ciência informando suas observações e em suas
interpretações sobre a realidade. Portanto, evidenciando as observações informadas pela teoria.
Na página seguinte, os elementos metacientíficos estão relacionados às reflexões
realizadas por Darwin sobre as possibilidades de elevação e afundamento do oceano: como "mar
não pôde afundar?" (p. 24a). Talvez a explicação estivesse na "elevação exercida pelo mar?" (p.
25a). Dessa forma, identificamos elaboração de hipóteses.
Suas anotações geológicas são produtos de suas observações da natureza – que
identificamos novamente como elemento metacientífico – e continuam com uma lista de rochas,
incluindo "uma camada de carvão com quase um pé de espessura" (p. 29a) e uma “ardósia azul
com impressões de folhas” (p. 30a). Darwin, no exercício de elaboração de hipóteses assumiu
que o vale tinha sido "modelado pela água", mas ficou intrigado com a saída do vale sendo "uma
fenda estreita de algumas centenas de metros de largura, com estupendos lados verticais" (p.
131
32a). Identificamos mais uma vez o elemento reflexões quando ele escreve como a água
“removeu toda a massa de rocha?” nas páginas seguintes (p. 34a).
Na página 35a registra: “Depois do mar, o lago viu uma saída” (p. 35a) e, na página
seguinte, escreve “[incontáveis] tempos para formar tanto carvão e arenito” (p. 36a), em um
exercício de elaboração de hipóteses, observando a natureza, com suas interpretações sendo
informadas pelas ideias, teorias, discussões da comunidade científica, isto é, pelo elemento
metacientífico produção coletiva da ciência.
Para Chancellor e van Wyhe (2008), essa sequência descritiva representa a ordem de
eventos na visão de Darwin. Além disso, na nossa ótica essa sequência também sugere a relação
com a necessidade de muito tempo (geológico) para as transformações acontecerem na crosta da
Terra e, portanto, uma internalização da interpretação de Lyell, indicando as relações entre a
produção coletiva da ciência informando individualmente as observações de Darwin.
Anos mais tarde, na viagem de volta para casa, em setembro de 1836, revisitou o
arquipélago de Cabo Verde e voltou às suas anotações do primeiro diário (Cabo Verde), escrito
em 1832. Chancellor e van Wyhe (2008) chamam atenção para alguns pontos: 1) sua discussão
de "o dilúvio longo e disputado", isto é, a interpretação defendida por muitos geólogos de sua
época de que alguns dos depósitos materiais encontrados (inclusive fósseis) eram ainda
considerados como evidências do dilúvio bíblico de Noé; 2) Darwin teria notado as diferenças
entre a fauna e a flora da ilha de Cabo Verde com as da América do Sul. Pensava sobre as razões
desses arquipélagos vulcânicos, de outras formas semelhantes, serem povoados por animais e
plantas tão diferentes (CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
Identificamos os elementos metacientíficos observações, observações informadas pela
teoria, elaboração de hipóteses associadas a episódios destacados dos diários analisados.
Destacamos o elemento formação de cientistas como um elemento presente em todos os diários e
necessário para compreender os episódios, revisitando acontecimentos da vida de Darwin que
foram anteriores à viagem do Beagle.
De maneira semelhante, chamamos atenção para outro elemento metacientífico de
caráter mais geral, ou seja, identificado em todos os diários analisados, associado não a um
episódio específico, mas necessário para compreensão dos episódios em conjunto e, então, a
dinâmica de produção do conhecimento de Darwin referente à viagem do Beagle: a produção
132
coletiva da ciência. Destacamos – na análise do diário Cabo Verde – a relação que esse elemento
estabelece com as observações e observações informadas pela teoria, uma vez que as ideias
produzidas coletivamente pela ciência informam os cientistas individualmente, em um tempo e
espaço. Evidenciando a implicação histórica e social dos cientistas.
Isto é, o elemento produção coletiva da ciência chama atenção especial para o fato de que
Darwin não produziu seu conhecimento isolada e individualmente. As teorias sobre a dinâmica
de transformação da crosta terrestre, a datação e identificação de espécimes enviados por Darwin
e realizadas por Richard Owen, as cartas que o jovem naturalista trocava com especialistas
contemporâneos a ele são exemplos de que a ciência é produzida coletivamente: em diálogo com
saberes de outros estudiosos contemporâneos a ele.
Na próxima seção nos esforçaremos para contextualizar os elementos metacientíficos
identificados à luz dos referenciais de Semelhança de família (IRZIK; NOLA, 2011; 2014) e
Temas e questões (MARTINS, 2015).
133
3.2 DISCUTINDO SOBRE CIÊNCIAS NA SALA DE AULA À LUZ DAS ABORDAGENS
DE SEMELHANÇA DE FAMÍLIA E TEMAS E QUESTÕES
Ao analisarmos os diários, identificamos neles os seguintes elementos metacientíficos:
observações, elaboração de hipóteses, observações informadas pela teoria, produção coletiva da
ciência, formação de cientista.
Ao estabelecer relações entre o conteúdo dos diários de campo de Darwin, sua formação
como naturalista e os elementos para discutir sobre ciências, encontramos a não neutralidade das
ciências e de cientistas como um elemento central que permeia todas essas discussões (Figura 2).
Entretanto, não o associaremos a nenhum diário específico, por considerarmos esse
elemento como um “pano de fundo” sob o qual se debruçam, interligam, relacionam os elementos
identificados, como esquematizado na figura 2. Os elementos metacientíficos foram agrupados
em duas subseções destinadas a discutir aspectos mais epistemológicos – relacionados com o
Sistema cognitivo epistêmico de Irzik e Nola (2014) e o Eixo epistemológico de Martins (2015) –
e aspectos de natureza sócio-histórica – dialogando com o Sistema Sócio-institucional (IRZIK;
NOLA, 2014) e o Eixo histórico sociológico (MARTINS, 2015).
Figura 2 - Esquema produzido pelos autores para evidenciar a interação entre os elementos metacientíficos.
134
Os primeiros elementos metacientíficos se relacionam com aspectos do fazer científico.
Primeiramente, retomaremos brevemente cada elemento, nos respectivos diários em que foram
identificados, para destacar a pertinência dele para o desenvolvimento do pensamento de Darwin.
Em seguida, analisaremos os elementos à luz da Semelhança de família proposta por Irzik e Nola
(2011, 2014) e dos temas e questões de Martins (2015).
Nossa análise demonstra a interação entre os elementos metacientíficos esquematizados
acima. Entretanto, é nossa intenção chegar até essas relações a partir de uma análise à luz dos
referenciais de Irzik e Nola (2011 e 2014) e Martins (2015). Adiantamos com isso, que não é
nosso intuito dividir esses elementos por “etapas” na produção do conhecimento científico. Essa
divisão ocorreu por motivos de análise, na construção do nosso argumento.
3.2.1 OBSERVAÇÕES, ELABORAÇÃO DE HIPÓTESES E OBSERVAÇÕES INFORMADAS
PELA TEORIA
Identificamos observações como importantes elementos metacientíficos no
desenvolvimento das ideias de Darwin, como discutido na seção “fazendo sentido”. Essa
importância foi demonstrada em todos os diários analisados, a partir de suas anotações sobre o
que observava. No diário Cabo Verde, através da natureza das anotações do jovem naturalista,
que escrevia tudo o que enxergava a partir de suas observações. No diário Rio, através de sua
primeira expedição em terra, que o permitiu encontrar fósseis. Nesse diário, o elemento
metacientífico observações também se destaca pelo episódio em que encontrou o conglomerado
também com restos de seres vivos preservados. No diário Buenos Aires, identificamos as
observações presentes, particularmente, aquelas feitas por Darwin em relação às formações
rochosas para sua interpretação.
Foram identificadas, no diário Santa Fé observações dos fósseis e da geologia das rochas
em que foram encontrados, pontualmente sobre as questões metodológicas para diagnosticar as
causas da extinção do cavalo na América do Sul, em um ambiente que aparentemente era
apropriado para sua sobrevivência. Ainda estiveram presentes na relação entre as secas e a
disposição e características da paisagem e no omportamento de animais observados por ele. No
diário Santiago, as observações foram identificadas associadas à mobilidade da crosta terrestre,
135
de uma maneira geral. Darwin observou as formações rochosas da costa do Chile, principalmente
depois de alguns episódios de terremotos. Observou também tipos distintos de formações de
recifes, diferindo-as entre si. E, finalmente, no diário Sidney, observações são evidenciadas a
partir da descrição da paisagem do encontro de um rio com o mar, com formação de carvão e
arenito.
As palavras do próprio Darwin, em uma carta enviada a Henry Fawcett, em 18 Setembro
de 1861, indicam a importância das observações e suas relações com o desenvolvimento do
conhecimento científico:
Há trinta anos, falava-se que os geólogos deveriam apenas observar, então
teorizar; e eu me lembro muito bem de alguém dizer que, somente pela
observação um geólogo seria capaz de contas todos os seixos de uma jazida de
cascalhos e descrever todas as suas cores. É estranho que nunca passou pela
cabeça de alguém que todas as observações deveriam ser a favor ou contra
alguma ideia, quando for o caso!” (DARWIN, 1861, [sem página]).
Irzik e Nola (2011) propõem “atividade” como uma das categorias pertencentes à
produção do conhecimento científico. Dentro dessa categoria, consideram observar como uma
atividade comum a todas as ciências, respeitando suas individualidades.
Por exemplo, habilidades observacionais específicas são necessárias para
observar os planetas e estrelas usando telescópios; elas envolvem a capacidade
de posicionar os corpos celestes contra os fios cruzados de um telescópio e, ao
mesmo tempo, observar o tempo em um relógio para evitar os preconceitos
associados ao que é conhecido como “equação pessoal” do observador. Estas são
bem diferentes das habilidades de reconhecimento, digamos dos garimpeiros
fósseis no norte do Quênia e na Etiópia, que se tornam realmente muito bons na
identificação de fósseis no solo de outras rochas (IRZIK; NOLA, 2011, p. 597).
Posteriormente, os autores expandiram sua proposta de discutir sobre ciências a partir de
Semelhança de Família dividindo os aspectos sobre ciências nos sistemas “epistêmico” e “social-
institucional” (IRZIK; NOLA, 2014). Dentro do sistema epistêmico, permanece a ideia de
“atividade”, porém é retomada pela categoria chamada de “processos de investigação” que
incluem “realizar observações”.
Nesse sentido, o elemento metacientífico observações pode ser categorizado dentro do
sistema epistêmico dos autores possibilitando pelo menos três vias de discussão sobre ciências
136
em sala de aula: 1) discutir as observações relacionadas a outras atividades dentro da categoria;
2) relacionar a atividades de outras categorias, indicando a inter-relação entre elas; ou ainda 3)
discutir pontualmente as observações dentro de um episódio histórico, no nosso caso, os
episódios vividos por Darwin durante a viagem do Beagle.
Por exemplo, o episódio do achado do conglomerado na expedição do Rio de Janeiro
(Diário Rio), pode ser utilizado para discutir a pertinência de expedições de campo para certas
disciplinas científicas, como a geologia, e comparar com a atividade de observar em um
laboratório de química ou de um experimento físico, ou, ainda, de um evento cotidiano, por
exemplo, para elucidar essa atividade em diferentes contextos.
Sugerindo que essas categorizações sejam orientadas num plano investigativo, os autores
recomendam alguns questionamentos que orientem os estudantes, que já tenham sido expostos a
conteúdos científicos, a pensarem e discutirem sobre ciências. Adaptamos algumas dessas
questões pensando nos episódios que acabamos de discutir e organizamos essas questões no
quadro 5.
De forma semelhante, Martins (2015) organiza temas sobre ciências em dois eixos: o
epistemológico e o histórico sociológico. O elemento metacientífico observações se relaciona
diretamente com o eixo epistemológico, em duas de suas subcategorias: 1) Problema da origem
do conhecimento (científico), e 2) Métodos, procedimentos e processos da ciência (MARTINS,
2015). Dentro da primeira subcategoria, o que designamos como elemento metacientífico
observações é tratado como um tema chamado de papel da observação, experimentação, lógica,
argumentos racionais e pensamento teórico e, na segunda, é tratado como observação e
inferência.
O autor propõe a elaboração de questões relacionadas aos temas sobre ciências,
possibilitando aprofundamentos ou especificações para discuti-los, sugerindo ainda que essas
discussões sejam orientadas num planejamento investigativo (MARTINS, 2015) semelhante à
proposta de Irzik e Nola (2011; 2014).
Adaptamos ao nosso contexto específico e organizamos as questões que poderiam ser
propostas para discussões em sala de aula, a partir de ambos os referenciais, no quadro 6, a
seguir. Chamamos atenção para o seguinte ponto: outras perguntas foram incorporadas – as quais
iremos sinalizar como “extras” – buscando uma melhor contextualização com os casos
137
particulares de Darwin, quando oportuno. Outras questões mantiveram o caráter mais genérico,
propositalmente, por considerarmos uma maneira mais flexível de possibilitar discussões a partir
dos episódios destacados dos diários e não apenas os que escolhemos como exemplos para
constituir os quadros (6, 7, 8 e 9) dessa seção. Isto é, mantivemos a mistura de questões mais
gernéricas e outras mais conxtualizadas propositalmente em nossa análise, para todos os
elementos metacientíficos.
Questões para discutir sobre ciências a partir de observações
Sistema Epistêmico
Irzik e Nola (2011; 2014)
Eixo Epistemológico
Martins (2015)
– A observação de Darwin do conglomerado foi uma
atividade passiva?
– Como observações são diferentes de experimentos?
– Darwin poderia ter montado um experimento para
chegar a conclusões sobre o conglomoreado? Se sim,
quais? (Extra)
Tema: Papel da observação,
experimentação, lógica, argumentos
racionais e pensamento teórico
– Qual o papel dos argumentos racionais e da
lógica na interpretação das observações de
Darwin sobre o conglomerado?
– A teoria influenciou na observação da
formação rochosa? Como isso pode ser
evidenciado?
– A observação de Darwin foi neutra?
Tema: Observação e inferência
– Que diferenças existem entre “observação” e
“inferência”?
– Que papel elas têm na construção do
conhecimento científico?
– No caso de Darwin e a observação do
conglomerado no diário Rio, o que foi
observação e o que foi inferência? (extra)
Quadro 6 – Questões elaboradas a partir da proposta de Irzik e Nola (2011; 2014) e Martins (2015).
Utilizando novamente como exemplo o episódio do achado do conglomerado na
expedição do Rio de Janeiro (Diário Rio), poderia ser problematizado com os estudantes em sala
de aula se, nesse caso, a observação que Darwin realizou foi uma atividade passiva. Ainda
poderiam ser discutidas com eles as perguntas propostas por Martins (2015) para o tema “Papel
da observação, experimentação, lógica, argumentos racionais e pensamento teórico” (Quadro 6),
problematizando o papel dos argumentos racionais e da lógica na interpretação de observações,
no caso, da observação do conglomerado; se a teoria influencia a observação dos fenômenos e
138
como isso pode ser evidenciado e se há observações neutras. É esperado que durante a discussão
eles compreendessem que Darwin não teria percebido os fósseis marinhos, nem pensado que não
deveriam estar naquele local, sem a sua formação durante seus estudos em Edimburgo e em
Cambridge. Nesse momento, as questões propostas relacionadas ao tema “observação e
inferência” podem ser trabalhadas com o objetivo de explicitar a diferença entre observação e
inferência, já que após observar o conglomerado e os fósseis, Darwin escreve ser tentador pensar
que aquela massa de terra tivesse sido colocada naquele local através de uma catástrofe e logo
após infere sobre a improbabilidade de uma catástrofe destruir animais terrestres, porém não os
marinhos.
Ainda tratando o mesmo tema através do episódio do conglomerado, pode ser abordada a
ideia de que as observações são informadas pela teoria, questionando os estudantes acerca das
diferenças existentes entre “observação” e “inferência”. Após, seria questionado “que papel elas
têm na construção do conhecimento científico?”. E, por fim, a discussão pode ser direcionada ao
caso específico de Darwin e à observação do conglomerado no diário Rio: “o que foi observação
e o que foi inferência?” (Quadro 6).
É esperado que os estudantes compreendam que as observações em campo realizadas na
produção do conhecimento científico são nutridas por teorias e que essas observações as nutrem,
de forma recíproca. Ao fim da discussão, pode ainda ser perguntado aos estudantes "como
observações diferem de experimentos?" (IRZIK; NOLA, 2011; 2014), a fim de fazê-los
compreender que os experimentos, em certa medida, possuem variáveis controladas que também
são observadas. É esperado que os estudantes percebam que observações podem ser realizadas
em experimentos, como também no meio natural.
Portanto, compreendemos que as observações são um aspecto importante na produção do
conhecimento científico. Entendendo, também, que se relacionam diretamente com os outros
elementos metacientíficos identificados. Explicaremos ao longo da análise desses outros
elementos como são fundamentais e próximas essas relações. Entretanto, adiantamos aqui que as
ideias da comunidade científica nutrem as observações da realidade que são realizadas por
cientistas, de modo que essas observações são sempre informadas pela teoria (Figura 2).
Identificamos elaboração de hipóteses como outro elemento metacientífico importante
no desenvolvimento das ideias de Darwin nos diários de campo analisados. Sua importância pode
139
ser interpretada como inseparável do elemento anteriormente analisado, observações. Essa
relação ficou evidente em alguns diários analisados, a partir de suas anotações sobre o que
observava, posteriormente pensando sobre essas observações, refletindo e elaborando hipóteses.
Chamamos a atenção para não termos identificado esse elemento metacientífico no diário Cabo
Verde, concordando com o argumento de Chancellor e van Wyhe (2008) de que suas anotações
iniciais possuíam um caráter mais diverso, sobre tudo o que observava.
No diário Rio, suas observações lhe permitiram encontrar fósseis de mamíferos extintos
através de sua primeira expedição em Terra e, posteriormente, refletir sobre as semelhanças
compartilhadas com espécies vivas. Suas observações sobre a paisagem também lhe permitiram
encontrar o conglomerado contendo restos preservados de animais marinhos. Registrando suas
reflexões sobre o que estava observando e inferindo que a porção de rocha com os seus
constituintes foram depositados pela ação das marés de terra (p. 64b). Dessa forma, é possível
analisar que Darwin, através de observações de campo, estivesse ponderando sobre as ações e
consequências da vida em ambientes estuarinos45
(CHANCELLOR; VAN WYHE, 2008).
No diário Buenos Aires, Darwin realizou observações das formações rochosas que o
permitiram estabelecer relação entre a camada original e a clivagem superficial para interpretar as
relações estruturais das rochas mais antigas.
Nos diários Santa Fé e Santiago, de modo geral, a reflexão sobre as observações da
paisagem e das formações rochosas permitiram Darwin elaborar hipóteses sobre os cavalos
terem vivido na América do Sul mesmo antes de serem introduzidos pelos europeus, durante a
colonização, assim como sobre a relação entre as secas e distribuição e comportamento de
animais, além das consequências na paisagem (Santa Fé) e da movimentação da crosta terrestre e
a diferenciação de recifes (Santiago).
Similarmente, no diário Sidney, foi a partir de suas observações da natureza sobre a
composição geológica da paisagem que Darwin, no exercício de elaboração de hipóteses,
assumiu que o vale tinha sido "modelado pela água". Refletindo mais uma vez, ponderou sobre a
saída do vale que era "uma fenda estreita de algumas centenas de metros de largura, com
45 Ambientes entremarés, isto é, aqueles que possuem variações de marés, tornando-o instável, em relação as suas
características físico-químicas, causando consequências para os seres presentes.
140
estupendos lados verticais" (p. 32a), refletindo novamente como a água “removeu toda a massa
de rocha?” nas páginas seguintes (p. 34a).
Ainda a partir de suas observações, foi capaz de descrever a paisagem do encontro de um
rio com o mar, com formação de carvão e arenito, e pôde ponderar sobre a necessidade de
“[incontáveis] tempos para formar tanto carvão e arenito” (p. 36a).
Chamamos atenção para a natureza da reflexão nos diários analisados. Em todos os
diários identificamos o elemento metacientífico elaboração de hipóteses. Entretanto, em
concordância ao que defendem Chancellor e van Wyhe (2008), os últimos diários de campo da
viagem do Beagle aqui analisados – Santa Fé, Santiago e Sidney – possuem anotações mais
reflexivas, em que Darwin discorre sobre seu pensamento através de páginas que se relacionam.
Diferindo dos primeiros diários – Cabo Verde, Rio e Buenos Aires – suas anotações são mais
diversas.
A proposta da categoria “atividade”, de Irzik e Nola (2011), considera inventar ou
construir hipóteses como um de seus componentes:
Atividades cognitivas muito mais gerais incluem a importante tarefa de formular
e propor questões ou problemas em cada uma das ciências e, em seguida,
encontrar soluções para elas. É importante ressaltar que apresentar problemas e
buscar soluções é um dos impulsionadores da atividade científica observada por
filósofos da ciência, como Kuhn e Popper. Também são centrais atividades
como a formação de novos conceitos (como "campo" e "gene"), inventando (ou
construindo) hipóteses, teorias ou modelos para resolver problemas (IRZIK;
NOLA, 2011, p. 597).
Na expansão de suas ideias em 2014, Irzik e Nola continuam compreendendo “formular
hipóteses” como um dos constituintes da categoria “atividades” dentro do sistema epistêmico.
Associada à formulação de hipóteses ainda colocam “proposição de questões (problemas)”
(IRZIK; NOLA, 2014, p.1004) que podem ser identificadas em alguns dos diários, por exemplo,
no de Sidney, quando Darwin se pergunta sobre o que poderia ter movido toda a massa de água.
Assim, as possibilidades de discussão sobre ciências a partir do elemento metacientífico
elaboração de hipóteses, categorizado dentro do sistema epistêmico dos autores, em sala de aula,
se relacionam com outros elementos identificados: as observações realizadas por Darwin. Assim,
é possível: 1) discutir a elaboração de hipóteses relacionadas a observações a partir de episódios
141
históricos, como discutimos acima, ou 2) relacionar essa primeira discussão a outras atividades
dentro da categoria, por exemplo, “coleta e classificação de dados”.
De forma semelhante, o elemento elaboração de hipóteses se relaciona com o eixo
epistemológico de Martins (2015). O autor organiza os temas desse eixo em subcategorias.
Relacionamos nosso elemento a duas delas: 1) “Problema da origem do conhecimento
(científico)”, e 2) “Métodos, procedimentos e processos da ciência” (MARTINS, 2015).
Dentro do “Problema da origem do conhecimento (científico)”, nosso elemento está
relacionado ao tema “papel da observação, experimentação, lógica, argumentos racionais e
pensamento teórico”. E dentro de “Métodos, procedimentos e processos da ciência”, está
diretamente relacionado ao tema “hipóteses, previsões e testes”.
Ambas as propostas – de Irzik e Nola (2014) e de Martins (2015) – sugerem a elaboração
de questões relacionadas aos aspectos e temas, respectivamente, sobre ciências. Adaptamos e
sintetizamos essas sugestões no quadro 7.
Questões para discutir sobre ciências a partir de elaboração de hipóteses
Eixo Epistêmico (IRZIK e NOLA, 2014) Eixo Epistemológico (MARTINS, 2015)
Métodos, procedimentos e processos da
ciência
Processos de investigação Tema: Hipóteses, previsões e testes
– Quais as diferentes maneiras de um conjunto
de dados ser interpretado?
– Como os dados que Darwin analisava
poderiam ter sido interpretados?
– Como os dados observacionais estão
relacionados às hipóteses, no caso apresentado?
– Essa hipótese de Darwin explica esse conjunto
de dados?
– Como uma experiência seria configurada para
testar alguma reivindicação?
– Em relação à observação de Darwin, qual a
hipótese científica elaborada por ele?
– Qual a importância dessa hipótese para a
construção do conhecimento científico?
– Era possível testar a hipótese elaborada por
ele? Se sim, como seria esse teste?
– Caso a predição dele se mostrasse incorreta, o
que ele deveria fazer?
– O que significa quando uma predição é
confirmada por testes?
Quadro 7 – Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015) e Irzik e Nola (2014).
Portanto, compreendemos que a elaboração de hipóteses é um aspecto importante na
produção do conhecimento científico. Elas são feitas a partir de interpretações, reflexões,
questionamentos, se relacionando diretamente com os outros elementos metacientíficos, como
as observações, observações informadas pela teoria. Cientistas estão imersos em ideias
discutidas na ciência de sua época, na comunidade científica, de modo que essas observações são
142
sempre informadas pela teoria (Figura 2). Mesmo que observações sejam realizadas e
posteriormente sejam elaboradas hipóteses, há conhecimentos a priori de várias ordens, como,
por exemplo, das técnicas utilizadas para se observar o ambiente, como no caso de Darwin, que
teve sua formação na geologia, preparando-o para atividades de campo.
Nesse sentido, um possível modo de abordar a elaboração de hipóteses seria a seguinte:
seria apresentado aos estudantes o episódio documentado no diário Sidney em que Darwin
assumiu que a água tinha um papel de modelar o vale, quando observou a composição geológica
da paisagem. Escreveu, em adição, uma reflexão sobre a possibilidade de a água ter removido
toda a massa de terra. Nesse momento, a discussão seria norteada a partir dos questionamentos
propostos por Irzik e Nola (2011; 2014): Quais as diferentes maneiras de um conjunto de dados
ser interpretado? Para complementar a questão, pode ser indagado ainda: Como os dados que
Darwin analisava poderiam ter sido interpretados? É esperado que os estudantes recrutem
elementos criativos aqui, para responder à questão. Podem surgir hipóteses – a depender do nível
de educação em que a discussão seja feita – compatíveis com visões ingênuas de ciências.
Sugerimos, aqui, que as questões propostas por Martins (2015) sejam utilizadas: Em
relação à observação de Darwin, qual a hipótese científica elaborada por ele? Dessa forma,
retoma-se os argumentos científicos elaborados por Darwin. Então, seria questionado: Qual a
importância dessa hipótese para a construção do conhecimento científico? É esperado que os
estudantes compreendam que a hipótese de Darwin era informada pelo que ele conhecia
anteriormente à observação, as leituras que ele tinha a sua disposição.
Ainda pode ser discutido a viabilidade de testes no caso do episódio abordado: Era
possível testar a hipótese elaborada por ele? Se sim, como seria esse teste? Caso a predição dele
se mostrasse incorreta, o que ele deveria fazer? O que significa quando uma predição é
confirmada por testes? É esperado que os estudantes compreendam que nem sempre o
conhecimento científico é verificável por testes, reproduções, representações fiéis do fenômeno
natural.
Pode ainda ser questionado: como os dados observacionais estão relacionados às
hipóteses, nesse caso? A hipótese de Darwin explica o conjunto de dados? É importante que na
apresentação do episódio histórico fique explícito o conhecimento da geologia da época, para
evitar que as ideias atuais sirvam de explicação para o fenômeno observado por Darwin.
143
Ainda é possível discutir sobre a importância do “tempo” na interpretação evolutiva e a
diferença entre a ciência realizada em laboratório e a geologia de campo empregada por Darwin
em sua viagem com o Beagle, através da questão: como uma experiência seria configurada para
testar alguma reivindicação? No caso do episódio apresentado, é esperado que os estudantes
compreendam que não seria possível simular um experimento para “comprovar” a hipótese de
Darwin, mas que, ainda assim, a hipótese que ele elaborou teve importância futura na sua teoria
da evolução; e como o ambiente tem participação no mecanismo de seleção natural.
Martins (2015) aborda ainda no eixo epistemológico a subcategoria “Conteúdo/natureza
do conhecimento produzido”. Dentro dela está o tema “leis e teorias”, o qual concordamos que
pode ser abordado em uma perspectiva mais ampla, relacionado com o elemento metacientífico
elaboração de hipóteses. De modo que, os conhecimentos a priori relacionados à produção
coletiva da ciência relacionam-se com a formação do pensamento científico de Darwin.
Dessa forma, no episódio que sugerimos abordar em sala de aula pode ser discutido com
maior produnfidade o reconhecimento de teorias científicas, a partir das questões que são
propostas por Martins (2015) e que adaptamos para o exemplo acima proposto sobre um dos
episódios do diário Sidney.
Ao assumir que a água tinha um papel modificador da geologia do vale e refletir sobre a
possibilidade dela ter removido toda a massa de Terra e da necessidade do tempo para que tal
fenômeno tivesse ocorrido, Darwin utiliza muito dos princípios de geologia de Lyell, portanto, da
teoria associada às suas ideias: o uniformitarismo.
Nesse caso, é possível uma discussão com os estudantes sobre teorias científicas a partir
da questão: o que caracteriza uma teoria científica? Após, particularmente sobre o episódio, seria
questionado: No caso de Darwin, o uniformitarismo se constitui uma teoria científica? Por quê? É
esperado que os estudantes argumentem que se trata de uma teoria científica, envolvendo os
princípios abordados por Lyell e utilizados por Darwin.
A discussão pode ser seguida, ainda, com o questionamento: teorias científicas, uma vez
estabelecidas, são definitivas? Como isso ocorre no exemplo de Darwin? Os estudantes devem
chegar à conclusão de que o exemplo de Darwin ilustra bem a mutabilidade de teorias, frente a
novas evidências. Por último, deve ser discutido a existência de diferentes significados entre
144
teorias científicas e teorias em um sentido da linguagem comum, de modo que entendam que
teroias científicas diferem de simples opiniões e “achismos”.
Discutimos até agora sobre os elementos metacientíficos identificados nos diários de
campo de Darwin, construindo a ideia de que eles se relacionam de forma interdependente.
Assim, compreendemos que as observações que permitem que cientistas reflitam e interpretem a
natureza, elaborando hipóteses, teorias, modelos de investigação sobre fenômenos são nutridas
por ideias discutidas na ciência de sua época, de modo essas observações são sempre informadas
pela teoria.
De volta às anotações de Darwin, no diário Cabo Verde, suas notas bem informadas sobre
conteúdos específicos da geologia evidenciam suas observações informadas pela teoria da
ciência de sua época. O mesmo é observado no diário Rio: seu achado do conglomerado com
fósseis de mamíferos não possuía sentido sob as premissas defendidas pela teoria vigente – o
catastrofismo que discutimos no capítulo 2 – não sendo sustentado pelas observações empíricas.
Como abordamos anteriormente, não haveria como uma grande catástrofe dizimar as populações
de mamíferos terrestres, deixando as marítimas inalteradas. Identificamos ainda nesse diário as
ideias de Darwin sendo informadas pela comunidade científica, principalmente em consequência
da leitura dos princípios de geologia de Charles Lyell, que defendia que as modificações da
crosta terrestre num passado geológico possuíam causas semelhantes às atuais e que havia a
necessidade de um longo período de tempo para que essas modificações ocorressem.
No diário Buenos Aires, Darwin não conduziu suas observações sem pressupostos
teóricos: percebe-se, pela natureza de suas anotações tão bem informadas em geologia, que,
mesmo com tão pouco tempo de viagem, seu pensamento já tinha sido informado pela teoria
disponível na comunidade científica de sua época.
Essa nutrição de ideias da comunidade científica informando sua interpretação da natureza
pode ser observada também no diário Santa Fé, por exemplo, ao confrontar a existência de
cavalos antes da colonização, visto que a literatura da época defendia o contrário. No diário
Santiago, Darwin utiliza dos princípios da comunidade científica (lyellianos) para defender
fenômenos naturais atuais agindo e modificando a crosta terrestre. O mesmo ocorre no diário
Sidney, em que pondera sobre o vale ser “modelado pela água”. Chancellor e van Wyhe (2008)
comentam sobre a “obsessão” que Darwin possuía por fenômenos geológicos de afundamento e
145
elevação, que poderiam influenciar no nível do mar. Além disso, nesse diário Darwin também
demonstra, mais uma vez, a influência do pensamento de Lyell, ao considerar a necessidade de
muito tempo para que formar uma grande quantidade de carvão e arenito, na paisagem que
observava.
Dessa forma, o elemento metacientífico observações informadas pela teoria foi
analisado ainda dentro do sistema epistêmico, na categoria de atividade de Irzik e Nola (2011;
2014) e do eixo epistemológico de Martins (2015), se relacionando com os temas “influências
teóricas sobre observações e experiências” e “empírico vs. teórico”, localizadas na subcategoria
“Problema da origem do conhecimento (científico)”.
Irzik e Nola (2014) não propõem questões que envolvam diretamente o elemento
observações informadas pela teoria. Entretanto, sugerem a discussão seja introduzida de maneira
direta, abordando a categoria “conhecimento científico”, para abordar os produtos finais das
investigações científicas. Pensamos ser uma via possível para discutir sobre as observações não
serem neutras, portanto, não produzirem conhecimentos (hipóteses, teorias, modelos) neutros
sobre a realidade.
A proposta de Martins (2015) sugere questões para discutir os temas sobre ciências.
Portanto, adaptamos essas sugestões em relação aos episódios que destacassem as observações
informadas pela teoria e organizamos no quadro 8.
Questões para discutir sobre ciências a partir de Observações informadas pela teoria
Eixo Sociológico histórico
(MARTINS, 2015)
Eixo Epistemológico (MARTINS, 2015)
Tema: Controvérsias
históricas e contemporâneas
na ciência
Tema: Empírico vs. Teórico Tema: Influências
teóricas sobre
observações e
experiências
– Os cientistas podem
discordar entre si?
–Quais cientistas discordavam
entre si e quais teorias eles
defendiam? (extra)
– Darwin defendia alguma
teoria em em particular para
explicar o fenômeno do
terremoto?
– Qual a controvérsia você
– A experiência de Darwin foi a base
para a construção do conhecimento
científico?
– Qual o papel do pensamento
teórico na construção do
conhecimento científico?
– O que vem em primeiro lugar ou é
mais importante: teoria ou
experiência?
– Há “descobertas” sem
– Quais teorias
influenciaram a
observação dos
fenômenos de Darwin e
como essa influência
aconteceu?
– Como isso pode ser
evidenciado?
– Há observações
neutras?
146
identifica nesse episódio?
– Ocorre esse tipo de debate
hoje em dia? Cite exemplos.
– De que modo esse tipo
controvérsia – como teorias
diferentes sobre o mesmo
fenômeno – são resolvidas?
conhecimentos teóricos prévios?
– É possível construir teorias sem
uma base experimental?
Quadro 8– Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015).
Sugerimos que a abordagem desse episódio em sala de aula através do elemento
metacientífico observações informadas pela teoria privilegie os temas destacados no quadro 8.
Esses temas podem ser tratados em conjunto ou separados, a depender dos objetivos pedagógicos.
Os estudantes podem discutir, por exemplo, o episódio abordado no diário Santiago, que Darwin
utiliza a observação de fenômenos naturais como os terremotos que presenciou para defender –
utilizando os princípios de geologia de Charles Lyell – que a ação de fenômenos naturais atuais
age e modifica a crosta terrestre. Dessa forma, os estudantes podem ser questionados como a
experiência de Darwin se relacionou com a construção do conhecimento científico a respeito
desse episódio, discutindo aspectos epistemológicos referentes à empiria e à teoria. Essa
discussão pode abarcar ainda questões sobre o peso das ideias da comunidade científica sobre as
observações através dos questionamentos propostos no quadro 8: Quais teorias influenciaram a
observação dos fenômenos de Darwin e como essa influência aconteceu? Como isso pode ser
evidenciado?
A discussão pode ser encaminhada para a problematização sobre a existência de
observações neutras. É esperado que os estudantes compreendam que as observações são
informadas pelas teorias, ao passo que as informam, de forma recíproca.
Ainda sobre o episódio, Darwin destaca, na página 108 do diário Santiago, a importância
de provar o quanto as pertubações na crosta se estendem por toda a América e o quanto são
recentes. Dessa forma, relaciona que a compreensão dessas perturbações auxilia no entendimento
da formação de vales, escarpas e sucessivas linhas de formação. Conclui, na mesma página, que
"não são meros efeitos locais, como muitos autores supõem". Aqui, além das discussões sobre o
diálogo constante com a comunidade científica, cabe também abordar sobre as “controvérsias
históricas e contemporâneas na ciência”, na tentativa de fazer os estudantes perceberem o embate
entre o catastrofismo e o uniformitarismo e suas relações com as observações de Darwin.
147
Nossa sugestão (que pode e deve ser ampliada, modificada de acordo com os objetivos
educacionais) é de que os estudantes possam ser questionados – de acordo com o que está
organizado no quadro 8 – sobre cientistas poderem discordar entre si. A pergunta seria
complementada trazendo a discussão para perto do episódio abordado: quais cientistas
discordavam entre si e quais teorias eles defendiam? Darwin defendia alguma teoria em particular
para explicar o fenômeno do terremoto? Como ele fazia isso? A discussão ainda pode abordar os
questionamentos: Qual a controvérsia você identifica nesse episódio?
É esperado que os estudantes notem que, ao relacionar os efeitos na crosta terrestre e
extrapolar para outros locais, Darwin estava confrontando a teoria vigente (catastrofismo) que
defendia que catástrofes pontuais/locais tinham ocorrido no passado geológico e modificado a
crosta terrestre. Darwin estava considerando o contrário: fenômenos naturais, que ainda ocorrem,
modificaram e continuam modificando a crosta. Dessa forma, seria necessária a ação do tempo
para que tais modificações pudessem ser observadas – concordando com os princípios de Charles
Lyell. Os estudantes ainda podem ser provocados: de que modo esse tipo controvérsia – como
teorias diferentes sobre o mesmo fenômeno – são resolvidas? Ocorrem esse tipo de debate hoje
em dia? Cite exemplos.
Assim, é possível identificar, a partir das anotações de Darwin em seus diários de campo,
desde o início da viagem a bordo do Beagle, sua natureza bem informada quanto: 1) aos
conteúdos científicos da geologia (como tipos de rocha, minerais, processos); 2) conteúdos da
biologia (como nomes científicos de espécies, menção à teoria dos “animacule”, estudo dos
fósseis); 3) algumas teorias da comunidade científica, como a de Charles Lyell.
Dessa forma, evidenciando que a produção coletiva da ciência de diferentes áreas
informava suas observações. Assim, compreendemos que as observações são informadas pela
teoria, sendo nutridas pelas ideias da ciência disponível à época (Figura 2).
Compreendemos a relação entre essa produção informando a observação individual de
cientistas como elementos metacientíficos fundamentais para a formação de cientistas,
evidenciando a relação de não neutralidade dos cientistas. Esses elementos estão relacionados a
interações mais sócio históricas no processo de produção científica. Portanto, à luz da semelhança
de família (IRZIK; NOLA, 2011, 2014) estaria no sistema epistêmico, enquanto analisado na
perspectiva de temas e questões (MARTINS, 2015) estaria situado no eixo epistemológico.
148
Compreendendo que os processos de produção do conhecimento científico não são
neutros, sendo nutridos e nutrindo constantemente as ideias da ciência da época, sendo as
observações informadas pela teoria, iremos fundamentar a ideia da formação de cientistas como
um elemento metacientífico importante para discutir sobre ciências de uma maneira mais
próxima da realidade.
Sousa (2017) questiona sobre a neutralidade da ciência ao analisar a vida de Charles
Darwin em sua tese “Sobre a construção das ideias científicas ou Darwin e seus demônios”. Ele
defende que o pensamento de Darwin foi formado e acompanhado por três obsessões cognitivas
(daimons): 1) Materialismo, provas e verdades; 2) Desvios; e 3) Migração Conceitual.
Cabe dizer, aqui, que o termo “materialismo” é empregado por Sousa (2017) em uma
discussão ampla sobre as ideias para designar a concepção positivista da época de Darwin,
mantendo-o obcecado pela quantidade de evidências para “comprovar” sua teoria, evidenciado
pelo complemento do título do daimon: “provas e verdades”.
Sousa (2017) argumenta usando o próprio Darwin que, em sua autobiografia, informa que
o seu trabalho é pautado em princípios Baconianos. Além de Francis Bacon (1562 - 1626), as
ideias de Augusto Comte (1798-1857) também “teriam marcado profundamente sua forma de
pensar" [...] “para Darwin, uma explicação científica consistente só deveria ser aceita se fosse
sustentada por uma grande quantidade de argumentos" (SOUSA, 2017, p. 82).
As ideias de Bacon se relacionavam à consulta à natureza para compreendê-la.
"Estimulados pelo êxito dos grandes experimentadores como Galileu, a ciência passou, cada vez
mais, a valorizar a experiência” (SOUSA, 2017, p. 83). O método instituído por Bacon era a
indução: propostas de teorias gerais a partir da observação de fatos particulares.
Para Sousa (2017), as ideias de Comte também tiveram espaço na formação do
pensamento de Darwin. Para Comte, "a imaginação deveria ser subordinada à argumentação e à
observação. A filosofia Positiva considerava impossível a redução de todos os fenômenos
naturais a uma causa [...]" (SOUSA, 2017, p. 84). Sousa complementa: "a confiança no
empirismo inglês e no positivismo do século XIX permitiu a Darwin avançar profundamente em
suas pesquisas" (IDEM, p. 85), nesse sentido, Darwin desenvolveu uma obsessão pela busca de
fatos, pela observação minuciosa de um fenômeno (IDEM, pp. 85-86).
149
Nessa direção, para Sousa (2017): "O espírito positivista de seu tempo alimentava seu
daimon materialista, exigindo dele um rigososo manuseio de informações e provas" (SOUSA,
2017, p. 86). Concordamos com Sousa (2017) quando defende que o espírito positivista do tempo
de Darwin informava seu pensamento, e assim a obsessão por “provas e verdades”. Entretanto,
como abordamos anteriormente (no capítulo 1), Abrantes (2016), discutindo em particular os
estudos sobre a origem da vida, trata as discussões que envolvem o pensamento materialista do
tempo de Darwin, o precedem e se relacionam com discussões sobre o pensamento mecanicista.
Isto é, o termo “materialismo” está relacionado com uma discussão mais ampla, que não
pretendemos abordar.
A segunda obsessão – dos desvios – se relaciona com os argumentos principais de Darwin
(“seleção natural e descendência comum”) serem distintos da maioria das ideias da ciência de sua
época, como discutido anteriormente acerca das ideias materialistas. No entanto, retomamos
Janet Browne (2011a): “De modo algum, a obra A origem das espécies pode ser vista como um
triunfo individual” (BROWNE, 2011a, p. 24) para reconhecer que Darwin teve acesso às ideias
da ciência relacionadas com as discussões do século anterior, como a transmutação das espécies,
com as contribuições de Lamarck e o avó de Darwin, Erasmus – e que ainda mantinham a ideia
de organismos imutáveis e criados individualmente.
O terceiro daimon proposto por Sousa (2017) é o da Migração Conceitual, que teria
permitido a Darwin ver sentido em ideias de outras áreas: a luta pela sobrevivência, vinda das
terias econômicas; a gradualidade e lentidão da ação das forças, oriundas da geologia,
principalmente do pensamento de Lyell, e a Seleção natural, de criadores de pombos, cavalos,
cães e agricultores (SOUSA, 2017).
Cabe dizer, aqui, que o termo “migração conceitual”, na acepção do autor, é utilizado em
referência ao uso de conceitos, concepções, ideias, atividades comuns a outras áreas – como a
criação de pombos por seleção artificial – para discussões específicas da seleção natural. Nesse
caso, a seleção artificial foi utilizada por Darwin para compreender a seleção natural, de forma
parcial, já que só ficou clara para ele após a leitura do livro de Malthus e o estabelecimento da
“luta pela sobrevivência”.
É importante sinalizar ainda que o termo não assume o mesmo referencial filosófico da
área das didáticas das ciências, em que tem sido criticado por possibilitar distorções desses
150
conceitos. Sousa (2017) explica que o termo “migração conceitual” é utilizado em analogia à
“migração gênica”. Admitindo que a utilização desse recurso linguístico é perigosa, assume o
desafio de explicar sua comparação:
Quando, pelo menos, um indivíduo de uma população migra para outra
localidade, ele leva consigo toda sua carga genética. Ao chegar nesse novo local
e cruzar com outro indivíduos ocorre fluxo gênico. Caso o novo integrante da
população traga consigo uma informação genética inexistente na localidade que
permita uma adaptação mais eficiente ao ambiente, por meio da seleção natural,
ela será positivamente selecionada e a nova população será profundamente
impactada. Os novos indivíduos serão tão dependentes dessa nova condição
genética que não conseguiriam mais sobreviver sem ela (SOUSA, 2017, p. 122).
Dessa forma, ele estabelece a relação entre os dois conceitos, explicando a escolha: "o
impacto de um novo conhecimento, ou nova informação à estrutura das ideias de um sujeito,
possui efeito semelhante aos causados pela chegada de uma nova informação genética” (SOUSA,
2017, p. 121). Assim, Darwin
buscou informações e conhecimentos em outras áreas. Importa da Geologia a
noção de tempo; gradualismo e atuação contínua das forças da natureza, e da
Economia a noção de luta pela sobrevivência. Fez o mesmo em relação aos
conhecimentos construídos fora da ciência de seu tempo: admitiu a importância
e aplicou os saberes sobre a hereditariedade dos criadores de pombos à História
Natural (SOUSA, 2017, p. 122).
James Secord (1991) também analisa a biografa de Darwin para entender como o jovem
naturalista escolheu pela prática científica analisando seu treinamento em geologia, antes de
viajar com o Beagle. Defende, então, que a formação de Darwin o tornou bem treinado para sua
idade, além de tê-lo inspirado metodologicamente, no desenvolvimento de seu pensamento.
Dessa forma, o diálogo entre esses dois autores que se dedicaram a estudar a vida de
Charles Darwin se relaciona com a pertinência da formação de cientistas informar e ser
informada pelas ideias produzidas pela comunidade científica de sua época. Ideias que
extravasam para as práticas da ciência, informando suas observações, por exemplo.
Foi com essa formação robusta que o jovem Charles Darwin, de 22 anos, entrou a bordo
do Beagle e seguiu viagem, na sua viagem em torno do hemisfério sul. Durante a viagem, leu os
151
princípios de geologia de Charles Lyell e mais uma vez foi contaminado pelas ideas da
comunidade científica.
Para discutir sobre esses últimos elementos metacientíficos, produção coletiva da
ciência e formação de cientistas, em sala de aula, contextualizamos dentro do eixo sociológico e
histórico de Martins (2015), associando-os aos seguintes temas: Papel dos indivíduos/sujeitos e
da comunidade científica; Influências históricas e sociais; Objetivos da ciência / objetivos dos
cientistas; Comunicação do conhecimento científico dentro da comunidade científica e em
domínio público. Assim, adaptamos as sugestões de questões propostas pelo autor aos elementos
metacientíficos discutidos nessa seção e organizamos no quadro 9.
Questões para discutir sobre ciências a partir de “produção coletiva da ciência” e “formação de
cientistas”
Eixo Sociológico e histórico (MARTINS, 2015)
Tema: Papel dos
indivíduos/sujeitos e da
comunidade científica
Tema: Influências
históricas e sociais
Tema: Objetivos da
ciência / objetivos dos
cientistas
Tema: Comunicação
do conhecimento
científico dentro da
comunidade científica
e em domínio público
– Darwin trabalhou
isoladamente?
– O conhecimento
científico é construído
socialmente? Qual o
papel de Darwin nessa
construção?
– As “descobertas” são
individuais ou coletivas?
– Que aspectos do
episódio histórico
reforçam a ideia de
trabalho individual ou a
do grupo?
– Ao longo da história da
ciência isso mudou?
– Como o contexto
histórico influenciou as
interpretações de
Darwin?
–Quais as características
da prática da época em
que Darwin viveu?
–Quais as características
da prática científica ao
longo da história da
humanidade?
– De que forma o
contexto social
influencia a ciência?
– É possível isolar a
prática da ciência de
outras práticas sociais?
– Quais os objetivos
da geologia?
– Eles são os mesmos
objetivos de Darwin?
– Como esses
objetivos da geologia
se articulam com os
objetivos de Darwin?
– Como objetivos da
ciência se articulam
com os objetivos dos
cientistas? (hoje em
dia e historicamente)?
– Quem define o que
deve ser pesquisado?
– De que forma os
cientistas comunicam os
resultados de suas
pesquisas aos seus
colegas? – Que tipo de
procedimentos e padrões
existem para fazer isso?
– De que forma os
cientistas se comuni-
cam com o restante da
sociedade?
– Há problemas ou
dificuldades de
comunicação entre os
cientistas e o público em
geral?
– Por que a
comunicação dos
resultados da ciência é
importante? Quadro 9 – Questões elaboradas a partir das propostas de Martins (2015).
152
Os dois últimos elementos metacientíficos abordados foram discutidos juntos por
entendermos que se relacionam ao longo da produção do conhecimento científico. Entretanto,
para fins didáticos, é possível que professores escolham abordá-los separadamente. Pensando em
uma possibilidade de abordagem em sala de aula, os estudantes seriam apresentados a um dos
episódios vividos por Darwin durante a viagem do Beagle.
No nosso exemplo, escolhemos o diário Sidney para elucidar suas reflexões sobre a ação
da água como agente transformador da crosta terrestre ao longo do tempo. Nesse sentido, as
questões que Martins (2015) propõe para o tema “Papel dos indivíduos/sujeitos e da comunidade
científica” (quadro 9) podem nortear a discussão: “Darwin trabalhou isoladamente?”. Nesse
ponto, é esperado que os estudantes compreendam que, norteando as observações do jovem
naturalista, havia todo o conhecimento validado pela comunidade científica até ali.
Principalmente da geologia de sua época. Nesse ponto, os estudantes podem ser questionados
então: “O conhecimento científico é construído socialmente?”; “Qual o papel de Darwin nessa
construção?” para reforçar o caráter coletivo da produção do conhecimento científico e a ideia de
que os cientistas – nesse caso, Darwin – não são gênios isolados. Entretanto, é esperado que essa
discussão também aborde as contribuições individuais e o papel pertinente dos cientistas nesse
processo.
Para retomar e fechar a discussão pode ser realizado o questionamento “As ‘descobertas’
são individuais ou coletivas?” para sintetizar o que foi discutido sobre o papel dos indivíduos no
processo de produção do conhecimento científico. Posteriormente, os estudantes terão condições
de responder às seguintes questões: “Que aspectos do episódio histórico reforçam a ideia de
trabalho individual ou a do grupo?” e “Ao longo da história da ciência isso mudou?”. As
perguntas podem ser realizadas de forma aberta, de modo que os estudantes possam utilizar o
exemplo do episódio abordado em sala de aula ou comparar com outro que já conheça. Dessa
forma, a questão pode ser utilizada como elemento de avaliação para verificar o que eles
compreenderam da discussão.
Em um momento posterior – agora que foram tratados de aspectos individuais e sociais da
produção do conhecimento científico – as questões propostas no tema “objetivos da
ciência/objetivos dos cientistas” (MARTINS, 2015) poderiam ser discutidas, sendo questionado
aos estudantes: quais os objetivos da geologia? Eles são os mesmos objetivos de Darwin? E
153
ainda: – Como esses objetivos da geologia se articulam com os objetivos de Darwin? É esperado
que a discussão aborde as relações entre as dimensões coletivas e individuais nos processos de
produção do conhecimento científico. Por fim, os estudantes podem ser provocados: Quem define
o que deve ser pesquisado? – como exposto no quadro 9 – com o objetivo de perceberem as
influências histórico-sociais na produção do conhecimento científico.
Dessa forma, em um momento posterior – em continuação a essas discussões – as
questões relacionadas ao tema “Influências históricas e sociais” podem ser discutidas a partir das
questões: Como o contexto histórico influenciou as interpretações de Darwin? Quais as
características da prática da época em que Darwin viveu? É esperado que os estudantes
compreendam que a Inglaterra durante o século XIX era um cenário de grandes mudanças e que
essas transformações tiveram importância na formação de Darwin.
Ainda pode ser discutido: Quais as características da prática científica ao longo da história
da humanidade? De que forma o contexto social influencia a ciência? É possível isolar a prática
da ciência de outras práticas sociais?
Ao longo do capítulo 3, tivemos a intenção de identificar os elementos metacientíficos
presentes nos episódios históricos vividos por Darwin e descritos no capítulo 2, desenvolvendo
esses elementos em discussões sobre ciências através das abordagens de Semelhança de Família e
Temas e Questões. Nosso objetivo foi mostrar a relação dos elementos metacientíficos no
amadurecimento do pensamento de Charles Darwin e, portanto, favorecer o entendimento sobre a
produção do conhecimento científico. Entretanto, destacamos novamente que os elementos
metacientíficos identificados aqui podem ser trabalhados separadamente dependendo do critério
escolhido pelo professor. Destacamos, ainda, que as atividades em sala de aula descritas por nós
possuem caráter sugestivo e especulativo, ainda não tendo sido desenvolvidas com alunos em
situações reais de sala de aula.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assumindo como prioridade na agenda da educação em ciências uma alfabetização
científica preocupada em ensinar o caráter dinâmico da produção do conhecimento científico,
consideramos pertinente a tentativa de discutir sobre ciências, para desenvolver compreensões
melhor informadas e próximas da realidade. Dada a importância atribuída à evolução biológica
no ensino de biologia, tivemos como objetivo identificar elementos metacientíficos que
embasassem discussões sobre os processos de produção do conhecimento científico através da
investigação de documentos originais (diários de campo de Charles Darwin).
A leitura e análise dos documentos originais – e consequentemente identificação dos
elementos metacientíficos – só foram possíveis pela disponibilização das transcrições dos
diários na plataforma Darwin Online. Nesse sentido, destacamos uma de nossas principais
limitações, que é mencionada também pela literatura: a disponibilidade de materiais adequados e
disponíveis gratuitamente para investigações históricas e, posteriormente, abordagens
relacionadas ao ensino.
Outra dificuldade encontrada na investigação historiográfica diz respeito à própria
natureza do registro: diários são feitos por pessoas e não têm intenções de serem inteligíveis para
além de seu dono. Os de Darwin não eram diferentes. Dessa forma, houve a necessidade de
outros materiais que auxiliassem a compreensão do que ele anotou, até para entender o contexto
histórico, social, científico em que ele estava localizado. A leitura de materiais complementares
auxiliou também em eventuais problemas de tradução que enfrentamos na leitura do material, em
inglês, do século XIX.
A partir disso, destacamos a importância do registro e manutenção desse tipo de material
para a investigação histórica da ciência, além da pertinência da abordagem histórica no ensino e,
em particular, no ensino de biologia.
A partir dessa abordagem, entendemos ser possível a compreensão sobre a formação de
Darwin em uma área em profundo debate no século XIX – tanto sobre a geologia, como em
relação às mudanças de pensamento científico – e como essa formação teve participação tanto no
seu desempenho como naturalista em suas expedições, quanto em suas futuras interpretações no
campo da geologia e teorizações sobre as espécies. Dessa forma, a análise dos diários de campo
de Charles Darwin se torna uma via para discutir sobre os processos de produção do
155
conhecimento científico dentro do contexto do ensino de ciências, possibilitando compreensões
mais refinadas da teoria evolutiva (científica) e sobre a ciência (metacientífica).
O desenvolvimento de compreensões metacientíficas, ou seja, sobre as ciências e seus
processos, por meio das possibilidades de abordar essas discussões em sala de aula, a partir do
que identificamos ao longo da leitura, foi o foco central do nosso trabalho. Destacamos a
possibilidade de desenvolver compreensões mais refinadas também de contéudos científicos. Esse
desenvolvimento está associado ao estudo de uma parte singular da vida de Darwin – a viagem
do Beagle, possibilitando compreensões sobre as relações das mudanças no meio ambiente tendo
como consequências a mudança de habitats de seres vivos que, dependendo dessas interações,
vão sobreviver ou não. Ou seja, conhecer a mudança do pensamento de Darwin sobre a geologia
recruta o entendimento sobre as teorias da área, tanto no século XIX quanto atuais, possibilitando
entender sua relação com a evolução biológica das espécies.
Identificamos na leitura dos diários a presença de inúmeras anotações sobre observações
geológicas e biológicas que Darwin fazia durante a viagem. Relacionamos a perícia que
demonstrava ter no início, a bordo do Beagle, na interpretação da natureza, com a sua formação
anterior à viagem. Ou seja, a importância de sua formação no desenvolvimento da sua maneira de
interpretar a natureza, a partir principalmente dos argumentos do trabalho de Secord (1991) e de
Sousa (2017).
Os elementos metacientíficos que emergiram durante a leitura dos diários foram
observações, elaboração de hipóteses, observações informadas pela teoria, produção coletiva da
ciência e formação de cientistas. Analisamos e fundamentamos as discussões desses elementos à
luz das propostas de Semelhança de família, de Irzik e Nola (2011; 2014), e de Temas e questões
de Martins (2015). Sugerimos algumas abordagens dos elementos metacientíficos identificados
nos episódios vividos por Darwin para serem trabalhadas em sala de aula, tanto na educação
básica – particularmente no ensino médio – quanto na formação de professores. Essa sugestão se
baseou em questões originalmente propostas nas abordagens escolhidas. Algumas delas foram
contextualizadas a algum episódio específico vivido por Darwin e outras questões foram
elaboradas de maneira mais genérica, propositalmente, por serem mais flexíveis e, portanto, não
restritas aos exemplos que escolhemos para sugerir propostas para a sala de aula, permitindo certa
extrapolação a outras situações e contextos históricos.
156
Os elementos metacientíficos não foram identificados de modo a priori, mas emergiram
durante a leitura dos diários. Dessa forma, ressaltamos que: 1) não esgotamos as possíveis
identificações de elementos metacientíficos na leitura dos diários abordados nesse trabalho; 2)
há, também, inúmeras possibilidades de abordagens em sala de aula de acordo com as propostas
de Semelhança de Família (IRZIK; NOLA, 2011; 2014) e Temas e Questões (MARTINS, 2015).
Como possíveis análises futuras, chamamos atenção para a possibilidade de haver
diferentes interpretações dos elementos encontrados dentro das propostas dos autores citados
anteriormente. Quanto à proposta de Martins (2015), no Eixo sociológico e histórico, em relação
ao tema “a ciência como parte de uma cultura mais ampla”, há a possibilidade de discutir a
relação do contexto histórico da Inglaterra em que Darwin cresceu e viveu, em relação à família,
sociedade, política, economia e a corrida por minérios que permitiu o aumento do interesse pela
geologia e o mapeamento de diversos locais, na sociedade Vitoriana.
Diferentes olhares ainda permitem a interpretação de outras formas de relacionar os
elementos que encontramos às categorias de Irzik e Nola (2011; 2014), principalmente
relacionadas ao elemento formação de cientistas. Enxergamos, ainda, a possibilidade de
relacionar a formação não neutra de cientistas com as diferentes concepções de ciência e de
natureza.
Destacamos, ainda, que as propostas didáticas que sugerimos não foram desenvolvidas
com estudantes em sala de aula, de nenhum nível. Dessa forma, é possível – e desejável – o
desenho de planejamentos que se debrucem sobre os episódios vividos por Darwin na viagem do
Beagle e utilizem a análise baseada na Semelhança de Família e Temas e Questões para discutir
sobre ciências e, portanto, contribuir com a alfabetização científica dos estudantes.
Dessa forma, consideramos nossa análise como ponto de partida para se pensar e
desenvolver esses planejamentos que concedam espaço para discussões sobre ciências em sala de
aula para atender aos diversos níveis de ensino de biologia – em particular o ensino de evolução.
157
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