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MÁRCIA REGINA TAKEUCHI
ANÁLISE MATERIAL DE LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS
Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2005
2
MÁRCIA REGINA TAKEUCHI
ANÁLISE MATERIAL DE LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação: História, Política, Sociedade
sob orientação do Prof. Dr. Kazumi Munakata.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2005
3
BANCA EXAMINADORA
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______________________________________________
______________________________________________
4
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo estudar a materialidade dos livros didáticos
destinados a estudantes da modalidade de ensino denominada educação de jovens e adultos.
Buscou-se identificar os títulos existentes no mercado editorial e, dada a constatação
de sua escassez entre as maiores Editoras do país, procurou-se investigar as razões dessa
limitação diante da profusão de livros didáticos endereçados a estudantes do ensino regular.
A análise que se segue confronta os dispositivos editoriais desse material de
educação de jovens e adultos em relação aos livros didáticos de maior importância do ponto
de vista comercial — o número de páginas, os elementos gráficos, a tiragem, os autores, a
seleção de conteúdo, a divulgação.
Acredita-se que esse percurso investigativo proporcione o conhecimento de
estratégias editoriais e de representações dos editores em relação ao público leitor.
5
ABSTRACT
This work aims to study the didatics books destinated to students who are attending
the young and adult educational system courses — people who could not accomplish the
studies in regular ages.
First of all it searched for the titles of this type of book devoted to this kind of
students and, due to its lackness, it tried to explain why there are such a few books in
relation to the great number of books that are produced to other students — those who are
attending fundamental regular courses.
The investigation goes on by comparing editorial disposals of these books and of
those that are comercially more atractive to the publishing companies. The number of the
pages, the graphic elements, the number of samples printed in each edition, the authors, the
contents, the means of distribution of each kind of material were the features that were
considered in this comparative analysis. The belief is that this type of research may give us
information of the strategies the editors intended to use as well as the ideas they have
conceived about this specific book readers and how they represent them.
6
A meus avós maternos.
7
AGRADECIMENTOS
Ao professor doutor Kazumi Munakata, meu orientador, que confiou em meu projeto e me
incentivou. A maneira descontraída, direta, porém cheia de erudição, e seu jeito amigo de
me orientar na pesquisa me foram valiosos e desse contato levarei lembranças plus.
Aos professores das disciplinas que cursei no Programa de Pós Graduação de Educação:
História, Política, Sociedade, pelo exemplo de seriedade, pela dedicação, pela confiança em
mim depositada.
Às professoras Circe Bittencourt e Maria das Mercês Ferreira Sampaio, pelas observações
apuradas que fizeram no exame de qualificação e pela delicadeza com que apontaram
falhas severas às quais pude atentar na escrita final deste trabalho.
Aos professores de educação de jovens e adultos, que tive o privilégio de conhecer durante
a pesquisa.
A João Guizzo, meu chefe na Editora Ática, que me permitiu negociações de horário e,
sempre que precisei, me forneceu informações que acresceram na condução do estudo. A
José Antonio Ferraz pelas explicações de aspectos relativos à produção e a Marco Aurélio
Feltran pelas informações sobre as tiragens. A Tiago Yokomizu pela assessoria na pesquisa
de dados da Internet; a Silvio Kligin, querido amigo, pela prontidão em fazer as fotos. A
Samir Thomas pelos reiterados empréstimos do gravador. A Lafayette Megalle pelo
depoimento sobre a edição de livros de educação de jovens e adultos na Editora FTD. E a
Marise Leal pela revisão de grande parte do trabalho — a ela e ao Kazumi peço desculpas
pela apresentação de um material em versões ainda tão cheias de imperfeições formais, tão
distantes do que se espera no ofício.
À Capes pela bolsa concedida em 2003 e 2004.
Devo dizer ainda, parafraseando a professora Mirian Warde, que, do que sobra, a culpa é
toda minha.
8
Será passatempo?
Escrever é um passatempo?
Sonhar é um passatempo?
Esta página
Estava em branco
Há poucos segundos
Um minuto
Ainda não transcorreu
E agora eis a obra.
Jacques Prévert
9
Sumário
1. Introdução 13
1.1 Do lugar que se fala 13
1.2 Do lugar que se focaliza 18
1.2.1 Uma ordenação das políticas públicas 20
1.3 Educação de Jovens e Adultos 24
1.4 O livro didático e a forma escolar 33
1.4.1 Estudos sobre livros didáticos e sobre
educação de jovens e adultos 35
2. Observação de práticas em instituições escolares de
educação de jovens e adultos 40
2.1 O contato com as escolas 43
2.1.1 Centro Integrado de Educação de Jovens
e Adultos 45
2.1.2 Escola Estadual Major Arcy 53
2.1.3 Escola Municipal de Ensino Fundamental
Professor Olavo Pezzoti 56
2.2 Avaliação das observações 60
3. Livros didáticos para educação de jovens e adultos 66
3.1 A concentração das Editoras 69
31.1 Duas Editoras comerciais 73
3.2 Os títulos e a autoria 76
3.3 Tiragem 82
3.4 Número de páginas 89
3.5 Papel, formato, acabamento e impressão 96
4. A seleção de conteúdos 99
4.1 Capa, projeto gráfico e imagens 103
10
4.1.1 Capas Ática 103
4.1.2 Capas FTD 107
4.1.3 Imagens Geografia FTD 119
4.1.4 Imagens Ciências Ática 126
4.2 A estrutura das obras 134
4.2.1 Sumário Geografia FTD mercado 136
4.2.2 Conteúdos Ciências Ática 140
4.3 Atividades 145
4.3.1 Atividades Ciências Ática 146
4.3.2 As atividades e o currículo 147
4.4 O manual do professor 148
4.4.1 Manual Ciências Ática 149
4.4.2 Manual Geografia FTD 149
4.4.3 O manual do professor e o destinatário 151
4.5 A divulgação 152
5. Considerações finais 156
6. Bibliografia 158
Anexo 168
11
SIGLAS E ABREVIATURAS
Abrelivros: Associação Brasileira de Editores de Livros
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBL: Câmara Brasileira do Livro
CEB: Câmara de Educação Básica
Cieja: Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos
CNE: Conselho Nacional de Educação
EJA: Educação de Jovens e Adultos
FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Fundef: Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Inep: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC: Ministério da Educação
Mobral: Movimento Brasileiro de Alfabetização
ONG: Organização Não-Governamental
ONU: Organização das Nações Unidas
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
PIB: Produto Interno Bruto
PNAC: Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania
PNLD: Programa Nacional do Livro Didático
12
PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SEB: Secretaria de Educação Básica
SEF: Secretaria de Ensino Fundamental
Senac: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
Unesco: Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura
Usaid: United States Agency for International Development
13
1. Introdução
1.1 Do lugar que se fala
Lidar com livro didático como objeto de pesquisa implica articular, primeiramente,
o discurso internalizado resultante de minha atividade profissional com um universo
teórico. Para isso, tomo emprestado de Michel de Certeau a noção de “o lugar de onde se
fala”1, título deste primeiro texto que seria uma apresentação do trabalho, e identifico
algumas dificuldades que se apresentaram na realização da pesquisa.
Conforme Certeau, o gesto de escrever implica uma clivagem entre a tradição vivida
e o presente, entre um sujeito e um objeto de operação, circunscrevendo e organizando as
experiências num corpo escrito. A mim, no caso, caberia transformar concepções e
procedimentos tidos como naturais, posto que atuo como profissional há quase vinte anos
no campo que agora pretendo pesquisar, em um corpo opaco, em discurso presente. Para
isso é preciso também articular a produção acadêmica sobre o livro didático com as
representações que se fazem desse objeto: a do público em geral, dos professores, dos
editores, da mídia. Importa, nesse caso, considerar a sedimentação do conceito de livro
didático nessas esferas de atuação.
Da formação universitária guardava referências rarefeitas a Louis Althuser
(Aparelhos ideológicos do Estado); Theodor Adorno e outros da Escola de Frankfurt;
Pierre Bourdieu (A economia das trocas simbólicas); K. Marx (Manifesto comunista e A
ideologia alemã). As leituras feitas na ocasião, dadas as limitações de repertório, interesse
e, se assim se pode dizer, maturidade cognitiva, não responderam por uma sólida formação
teórica, mas esboçaram na minha lembrança a vaga amargura de que o ingresso efetivo no
campo da indústria cultural não promoveria uma identidade nutrida com boa taxa de auto-
1 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982.
14
estima. Nesse mesmo período, a retórica acadêmica construída sobre o livro didático
deitava-se sobre a teoria da dominação e considerava esse produto como instrumento
ideológico que realizava as aspirações das classes dominantes por meio do Estado. Embora
tal tipo de análise se encerre em si mesmo, posto que não dá margem a saídas ou outras
opções interpretativas, mas, ao contrário, serve para justificar o estado das coisas, essa
tendência marcou uma época. Barbara Freitag2 e João Batista Araújo e Oliveira3 não podem
deixar de ser mencionados.
Na década de 1990 outras formas interpretativas se construíram à luz de novos
aportes teóricos da história, das comunicações, da lingüística, da sociologia. O programa
me deu oportunidade de conhecer os trabalhos de Circe Bittencourt4, Maria Rita Toledo5,
Kazumi Munakata6, Celia Cassiano7, os quais foram por mim absorvidos como norteadores
de uma linha de tratamento de meu objeto de pesquisa.
2 FREITAG, B.; COSTA, W. F. da; MOTTA, V. R. 2. ed. O livro didático em questão. São Paulo, Cortez, 1989.p. 11. Leia-se um trecho emblemático dessa autora: “Poder-se-ia mesmo afirmar que o livro didático não temuma história própria no Brasil. Sua história não passa de uma seqüência de decretos, leis e medidasgovernamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma aparentemente desordenada, e sem a correção oua crítica de outros setores da sociedade (partidos, sindicatos, associações de pais e mestres, associações dealunos, equipes científicas etc.). Essa história da seriação de leis e decretos somente passa a ter sentidoquando interpretada à luz das mudanças estruturais como um todo, ocorridas na sociedade brasileira, desde oEstado Novo até a ´Nova República´”. E mais adiante continua: “A primeira constatação [o fato de que apolítica do livro didático do período por ela analisado, do regime militar ao governo Sarney, é praticamenteidêntica à política estatal do livro didático] implica o fato de que não houve até recentemente, fora do Estado,outras instituições no Brasil capazes de influenciar, formular e redirecionar o processo decisório sobre o livrodidático. […] Nem mesmo as editoras, que à luz do seu poderio econômico teriam condições de influenciar oconteúdo e a distribuição dos livros didáticos, têm usado a sua força para participar com propostas própriasdas decisões políticas sobre o livro didático”.3 OLIVEIRA, J. B. A.; GUIMARÃES, S. D. P.; BOMÉNY, H. M. B. A política do livro didático. SãoPaulo/Campinas, Summus/Unicamp, 1984.4 BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. SãoPaulo, Universidade de São Paulo, 1993. Tese de doutorado.5 TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projeto político ao projeto editorial (1931-1981). São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001. Tese de doutorado.6 MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. (Tese de doutorado.) São Paulo,Pontifícia Universidade Católica, 1997. Investigações acerca dos livros escolares no Brasil: das idéias àmaterialidade. Comunicação no VI Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana,San Luis Potosí, México, 2003.7 CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. Circulação do livro didático: entre práticas e prescrições. São Paulo,PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.
15
Os clássicos do livro didático, Alain Choppin8 e Egil Børre Johnsen 9, me foram
apresentados por meu orientador logo no início do curso, mas, conforme partilhei naquele
momento com alguns colegas de trabalho, não havia coisa mais desestimulante do que ler
textos que falam sobre livro didático. Qual seria o motivo? Se ainda não o desvendei, ao
menos já é possível a simples tarefa de integrar esses estudos, de fato não à prática
profissional, mas à escrita de um trabalho acadêmico. Os exercícios intelectuais que se
desencadearam a partir da leitura dos diversos autores propostos proporcionaram, como era
de se esperar, a elaboração de textos e forneceu utensílios mentais para praticar outras
leituras de minha atividade profissional, o que não reverteu necessariamente em
pragmatismo nem “agregou valor” à carreira profissional, mas, ao contrário, desdobrou-se,
no mínimo, em tensão no universo empírico da pesquisa10.
Há que se destacar os autores que me foram apresentados sobretudo na disciplina
“História do livro, do livro didático e dos impressos pedagógicos”. Autores como Roger
Chartier11, Robert Darnton12, Gimeno Sacristán13, Michael Apple14 dedicam-se a estudar,
entre outros assuntos, o tão prosaico livro didático ou material didático impresso. Um
conceito caro extraído desses dois primeiros autores foi o de materialidade. Abarcar esse
conceito na investigação requer que se considere que os aspectos materiais de que uma obra
didática se compõe (título, capa, formato, cores, imagens, número de páginas, tipologia, 8 CHOPPIN, Alain. La recherche sur les manuels scolaires. In: Les manuels scolaires: histoire et actualité.Paris, Hachette Éducation, 1992.9 JOHNSEN, Egil B. Libros de texto en el calidoscopio. Estudio crítico de la literatura y la investigación sobrelos textos escolares. Barcelona, Ediociones Pomares-Corredor, 1993.10 Tomo como inspiração o tom de depoimento apresentado pelo trabalho de CARVALHO, Marta M. Chagasde. A escola e a República e outros ensaios. Bragança Paulista, Universidade São Francisco, s.d. Parte III.11 CHARTIER, Roger. A história cultural — entre práticas e representações. Rio de Janeiro, Bertrand, 1996.CHARTIER, Roger & ROCHE, Daniel. O livro. In: História: novos objetos. São Paulo, Martins Fontes, s.d.CHARTIER, Roger. A aventura do livro; do leitor ao navegador. São Paulo, Unesp/Imprensa Oficial, 1998.12 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.13 GIMENO SACRISTÁN, J. Materiales y textos: contradicciones de la democracia cultural. In: MÍNGUEZ, J.García & MIRANDA, M. Beas. Libros de texto y construcción de materiales curriculares. Granada, EdicionesS.A.L. s. d. GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? In: GIMENOSACRISTÁN, J. & PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre, Artmed,2000. GIMENO SACRISTÁN, J. Reformas educativas y reforma del currículo: anotaciones a partir de laexperiencia española. In: WARDE, M. J. (org.) Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. IISeminário Internacional. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1998.
16
papel, tiragem) são dispositivos que corporificam estratégias ou táticas dos agentes que o
produzem ao mesmo tempo em que eles pressupõem expectativas e competências do leitor.
Essa linha de argumentação é também tributária Michel de Certeau15, que considera que,
assim como o livro, tanto a sua produção quanto a sua leitura e a subseqüente apropriação
que o leitor dela faz são práticas culturais.
O apelo à análise da materialidade dos objetos veio ao encontro das habilidades
desenvolvidas ao longo da prática profissional e, portanto, foi um elemento prontamente
incorporado à investigação, dada a facilidade com que elas podem ser vertidas no texto e a
legitimidade que esse recurso autoriza.
Uma dificuldade inicial foi a de encontrar livros didáticos específicos de educação
de jovens e adultos, objeto de meu trabalho. Essa primeira dificuldade, entretanto, me levou
a circunscrever a análise de livros didáticos de educação de jovens a adultos no âmbito da
produção de outros produtos das Editoras. Essa tática me possibilitou traçar algumas
hipóteses do motivo da baixa oferta desse material no mercado.
Houve também a decisão de observar o uso de materiais didáticos em escolas
voltadas para a educação de jovens e adultos. A análise material pode revelar o leitor
previsto nas decisões editoriais; em contrapartida, a observação do uso dos materiais pode
revelar a apropriação que os leitores fazem deles. Visita e observação não bastam para
constituir um texto posterior. É preciso saber o que observar. A depender do olhar que se
dirige a uma instituição escolar, é possível dar como relevante detalhes de naturezas
diversas, como: a fala do professor (as frases, seu repertório cultural, o domínio que ele
revela da disciplina escolar e de outras áreas do conhecimento, sua inclinação política, o
afeto que ele expressa em relação aos alunos, o grau de apego à sua atividade ou a
indiferença, a representação que fazem de seu trabalho e a representação que fazem do
aluno); os objetos presentes na sala de aula; os recursos materiais; o número de alunos
presentes; o número de alunos regularmente matriculados; a lista de presença; a disposição
14 APPLE, Michael W. Cultura e comércio do livro didático. In: Trabalho docente e textos: economia políticadas relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre, Artmed, 1995.15 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano; a arte de fazer. 8. ed. Petrópolis, Vozes, 2002.
17
das carteiras e seu formato; a carga horária; as avaliações; o número de alunos que têm
livro ou material didático (eles encapam o livro?, como o manuseiam?, como ou com que
freqüência o levam à escola?, que comentários fazem dele?). Enfim, há um sem-número de
pontos a observar. Para nortear esse processo, foi-me recomendada a leitura de Roper P. de
Carvalho Filho16, Luciana T. Araújo17 e David Hamilton18. Também essa etapa criou tensão
com a atividade profissional, à medida que se identificaram professores em sala de aula que
eram capazes de criar uma dinâmica de absoluto envolvimento dos alunos sem fazer uso,
naquele momento, de qualquer livro didático. Por outro lado, em outra escola, nota-se certa
reverência que os alunos têm em relação ao livro didático: um aluno de EJA de 16 anos
orgulhava-se de exibir um livro didático de Matemática que havia ganhado da professora e
que trazia em sua mochila todos os dias, embora não o usasse em aula.; em outra escola,
vários alunos tinham o livro encapado e o manuseavam com cuidado, folheavam devagar e
não dobravam o volume. Numa das escolas visitadas, na sala dos professores, ouviram-se
muitas críticas ao departamento de divulgação da Editora: a de que o divulgador não deixou
material, e quando deixou não o fez em tempo hábil para a adoção.
Tal como as narrativas acadêmicas, a prática de produção editorial se insere no
tempo. Também os profissionais não dedicam parte significativa de sua jornada a elaborar
conceitualmente cada um de seus gestos que constituem a rotina de trabalho. Trata-se de
um campo de lutas, mas cujas ações nem sempre são justificadas conceitualmente ou
abalizadas por uma concepção global do amplo processo editorial, mas que pode vir a se
constituir como norma da atividade profissional, quer na circunscrição da empresa, quer
entre empresas do mesmo ramo, conforme se dê a luta de representações e negociações
com outras entidades privadas ou públicas, governamentais ou não.
16 CARVALHO FILHO, Roper Pires de. Práticas dos professores de história do 1º ano — ciclo II em relação afacetas da cultura escolar. São Paulo, PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.17 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de história: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado.18 PARLETT, Malcom & HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo deprogramas inovadores. In: GOLDBERG, Maria Amélia et al. (org. e trad.). Avaliação de programaseducacionais: vicissitudes, controvérsias e desafios. São Paulo, EPU, 1982.
18
A urdidura da dissertação implica, portanto, uma relativa desconstrução de uma
memória individual legitimada pela prática profissional e a seleção de um universo teórico
que lhe dê suporte. Tarefa mais complexa do que concebi quando de meu ingresso no
programa, porém que me levou à fruição intelectual, emocional, afetiva e estética e me
proporcionou sinapses cognitivas que revelaram que vale a pena a aventura de tornar
público o que antes podia se reservar à esfera da memória particular, baseada na
experiência vivida, em objeto de pesquisa e, seguindo os conformes acadêmicos instituídos,
compor uma possível fonte de informações para pesquisas posteriores. Contribuição
mínima, é claro, mas cujo esforço promoveu a relativização do saber-fazer profissional,
tido como natural, como “o ar que se respira”19, em face dos discursos que se fazem dele, e
o conformou num objeto e, portanto, a um ponto discreto na rede de objetos de estudo
possíveis.
1.2 Do lugar que se focaliza
A inovação é, no momento, uma das principais prioridades educacionais. Nos últimos dois
decênios, ela tem se expandido e multiplicado. Consome hoje verbas cada vez maiores, tanto
públicas quanto privadas. Seu impacto é sentido no mundo inteiro. Currículos são
reestruturados, novos recursos pedagógicos, introduzidos e as formas de ensinar,
transformadas. Mas estas decisões relativas a mudanças, não são somente de origem,
educacional: sofrem a interferência da política, da ideologia, da moda e até mesmo de
aspectos financeiros.20
19 Referência à expressão usada por MUNAKATA, Kazumi no título do seu artigo Como o ar que se respira:uma resenha de algumas idéias que se disseminavam pelo Brasil nos anos 30. Horizontes. Bragança Paulista,v. 14. O empréstimo restringe-se somente à expressão, posto que o artigo concentra-se em tema bastantediverso desta dissertação.20 PARLETT, Malcom & HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo deprogramas inovadores. In: GOLDBERG, Maria Amélia e outros (org. e trad.). Avaliação de programaseducacionais: vicissitudes, controvérsias e desafios. São Paulo, EPU, 1982. p. 38. O texto de David Hamiltonfoi originalmente publicado em 1972, na série Occasional Paper n. 9, do Centro de Pesquisas de CiênciasEducacionais da Universidade de Edimburgo.
19
Parte do que David Hamilton observou há trinta anos ao apresentar um novo tipo de
avaliação aplicável a propostas educacionais inovadoras também podem ser utilizadas para
entender o fenômeno da profusão da oferta de livros didáticos nos sistemas de ensino
público regular e à configuração da modalidade educacional de Educação de Jovens e
Adultos nos últimos vinte anos.
A distribuição de um grande volume de livros didáticos a alunos do sistema público
de ensino desde 1985, com a implementação do Programa Nacional do Livro Didático, e a
mirrada presença de livros didáticos para o público de EJA pode ser entendida como
configurações que se manifestam mediante interferências políticas, ideológicas e
financeiras.
As altas tiragens desse material didático percebidas nas últimas décadas não devem
ser entendidas apenas como um fenômeno em si, resultante do esforço individual de um
programa de governo ou apenas da parceria entre governo federal e Editoras, mas como um
aspecto que integra uma política um pouco mais ampla, em que o contorno das ações
governamentais e das iniciativas privadas locais se define segundo projetos de
realinhamento econômico global.
Na orientação dessas políticas destacam-se os organismos de cooperação
internacional — ONU, Unesco, Banco Mundial, Unicef — criados no pós-guerra e que,
tendo equacionado o problema das nações européias vitimizadas pelos conflitos, voltaram-
se para os problemas das desigualdades entre nações ricas e pobres e para os focos de
extrema pobreza no planeta, fatores potencialmente geradores de instabilidade social e
insustentabilidade econômica.
Segundo José Luis Coraggio, para essas entidades, dois aspectos se interpõem na
transição entre o modelo de desenvolvimento econômico baseado na industrialização
nacional e o do mercado global almejado:
1. os desequilíbrios ecológicos, desencadeados na transição entre os modelos industrialista
e informacional de desenvolvimento, que podem colocar em risco não somente a
sustentação da economia mundial como também a própria espécie humana;
20
2. a intensificação dos desequilíbrios sociais, que corroem a estabilidade política necessária
para que a nova economia se consolide em escala global.21
Como soluções para evitar essas tensões, passam a ter prioridade a política de
focalização nos mais pobres e o investimento em educação.
E, como nos últimos vinte anos o livro didático no Brasil tem integrado uma política
pública educacional, considera-se válido, nesta dissertação, antes de partir para a análise
material propriamente dita, abordar rapidamente esses aspectos, que, se não determinam
objetivamente essa política, ao menos a influenciam.
Nesse sentido, estaremos reforçando o que Robert Darnton propõe como tarefa de
quem se aventura a estudar a história dos livros: analisar cada etapa do circuito de
comunicação (autor, editor, impressor, distribuidor, vendedor, leitor), bem como as
variações de conjuntura política, econômica, social.
A história do livro se interessa por cada fase desse processo e pelo processo como um todo,
em todas as variações no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros
sitemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante.22
A breve consideração dos fatores conjunturais a se realizar neste primeiro capítulo
pretende, portanto, ajuizar que fatores favorecem a disponibilização de tantos livros
didáticos para alunos de ensino fundamental enquanto se verifica a existência de tão poucos
livros para alunos de EJA, que, apesar de ter sido incluída na forma legal pela última LDB
(1996) como uma modalidade do ensino básico, continua à margem das prioridades
educacionais.
1.2.1 Uma ordenação das políticas públicas
21 CORAGGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas deconcepção? In: TOMMASI, Livia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e aspolíticas educacionais. São Paulo, Cortez/Ação Educativa/PUC-SP, 1996. p. 84-5.22 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette; mídia, cultura e revolução. Op. cit., p. 112-3.
21
A atuação dos organismos internacionais não é recente. O Banco Mundial, criado
em 1944, teve inicialmente sua atuação vinculada ao FMI para o restalebecimento da ordem
mundial com vistas a evitar novas crises internacionais, impulsionar o desenvolvimento e
soerguer as nações destruídas pelos conflitos.
Atingida essa primeira meta, de meados da década de 1950 até o fim da década de
1960, os recursos desses organismos foram dirigidos aos países em desenvolvimento para
incrementar a industrialização. Nesse sentido, grande parte dos investimentos foi destinada
à infra-estrutura, consolidando setores como o de energia, telecomunicações e transportes.23
Criou-se também a Usaid (Agência para o Desenvolvimento Internacional, ligada ao
Departamento de Estado Norte-Americano) para garantir assistência técnica em várias áreas
aos países em desenvolvimento, inclusive no campo da educação.
Na década de 1970 a influência desses organismos sobre aspectos da educação
brasileira se amplia, começando a impactar nas orientações das reformas educacionais.
Acreditava-se que o investimento em educação, notadamente a formação técnica, pudesse
incrementar diretamente o setor produtivo.
Já no fim dessa década, entretanto, observa-se um novo panorama mundial
configurado pelo acúmulo de capital nos países de economia central, por um lado, e o
acirramento da crise financeira dos países em desenvolvimento promovido pelo
endividamento externo, juntamente com o início do processo de globalização da economia.
Essas mudanças no sistema capitalista mundial foram acompanhadas pelo progressivo
declínio das concepções keynesianas que haviam dominado as políticas macroeconômicas
desde o pós-guerra. Assim, já nos anos 70, era marcante a crescente influência das teorias
monetaristas neoliberais. Estas iriam ganhar hegemonia nas décadas seguintes na condução
das políticas globais, constituindo-se no alicerce ideológico que vem fudamentando a atuação
do Banco Mundial e do FMI desde então.24
23 A esse respeito, ver: SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. E FONSECA,Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de cooperação internacional. In:TOMMASI, L.; WARDE, M. J.; HADDAD, Sérgio (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. Op. cit.24 SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. Op. cit., p.20.
22
A partir da década de 1980, esses organismos, embasados em extensos estudos
sobre aspectos econômicos e sociais, passaram a promover ajustes estruturais nos países
endividados, condicionando os empréstimos financeiros e a alocação de recursos ao
compromisso de engajamento dessas nações às orientações por eles propostas.
Superando a tradicional influência que já exercia sobre as políticas setoriais dos países em
desenvolvimento, o Banco Mundial passou a exercer amplo controle sobre o conjunto das
políticas domésticas, sendo peça-chave no processo de reestruturação desses países ao
longo dos últimos quinze anos.
É importante compreender que essa influência se dá menos em função do volume de recursos
emprestados, embora este seja importante para grande número de países, do que pelo fato de
os grande capitais internacionais e o Grupo dos Sete terem transformado o Banco Mundial e o
FMI nos organismos responsáveis não só pela gestão da crise de envididamento como
também pela reestruturação neoliberal [destaque nosso] dos países em desenvolvimento.25
A Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 em Jomtiem,
convocada pela ONU e patrocinada pelo Banco Mundial, juntamente com o PNUD, a
Unesco e o Unicef constitui, hoje, o referencial de compromissos que as nações signatárias
assumiram atingir no campo da educação. Desde então esses órgãos têm destinado a esses
países investimentos prioritariamente dirigidos à educação básica e têm exercido controle
sobre suas políticas educacionais.
Nessa época, seguiram-se no Brasil, no campo da educação, medidas cujo objetivo é
aumentar os índides de escolarização da população brasileira. Em 1985 o governo José
Sarney instituiu o Programa Nacional do Livro Didático; em 1988 a Assembléia
Constituinte promulgou a nova Constituição Federal; em 1994 o governo Itamar Franco
estabeleceu o Plano Decenal de Educação; em 1996 o Congresso do governo de Fernando
Henrique Cardoso votou a Lei de Diretrizes e Bases 9394; em 1997 publicaram-se os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Embora nem todas essas medidas se destinem
diretamente à educação, todas têm reflexos sobre ela.
25 SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. Op. cit., p. 21.
23
Como já se disse anteriormente, o ensino básico foi priorizado pelas políticas
subseqüentes, considerando-se que o desenvolvimento do potencial educacional humano
assegure a estabilidade social. Os livros didáticos passaram a ter papel preponderante na
difusão da instrução básica e, conforme apontam alguns estudiosos, sua importância
prevaleceu sobre fatores prioritários do ensino, como a formação do professor e a reforma
curricular:
Frente às fragilidades e fracassos reais de muitas tentativas de reforma curricular, o Banco
Mundial propõe um novo viés e possivelmente um novo beco sem saída: a prioridade do livro
didático. Se a década de 60 foi a década da infra-estrutura, a década de 90 aparece como a
década do texto escolar.
O Banco Mundial […] Desaconselha as reformas curriculares empenhadas em modificar o
currículo prescrito, argumentando contra sua complexidade e contra o fato de gerar muitas
expectativas e, finalmente, por não se traduzir em melhorias na sala de aula. No seu lugar,
aconselha melhorar os textos escolares, considerados no currículo efetivo, já que é neles que
se condensam os conteúdos e orientam-se as atividades que guiam tanto os alunos quanto os
professores. Como resultado dessa análise, o Banco Mundial está aumentando notavelmente
a dotação orçamentária para o item textos escolares [destaque nosso] nos seus projetos de
melhoria da qualidade.26
José Luis Coraggio também analisa a importância dada aos livros didáticos em
detrimento do investimento na formação do professor, que acarretaria aumento no custo
direto de salários e em treinamento, e da opção de centrar os recursos no aluno, medida que
iria contra a orientação de o Estado afastar-se do contexto da aprendizagem e de delegá-lo à
escola, à família, à comunidade.27
No campo das idéias neoliberais prevalecem as estratégias para reformar os Estados
e prepará-los para a economia global, entre as quais, em linhas gerais, destacam-se: ajuste
estrutural; descentralização e enxugamento do Estado; eliminação dos bens e serviços
26 TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In:TOMMASI, Livia de et al. (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. Op. cit., p. 154.27 CORAGGIO, José Luis. Desenvolvimento humano e educação. São Paulo, Cortez/Instituto Paulo Freire,2000. p. 64-5.
24
garantidos pelo Estado como direitos universais; criação de políticas sociais compensatórias
focalizadas nos mais pobres.
Nessa orientação, a sociedade civil, em suas diversas formas de expressão, passou a
ter papel fundamental na condução de políticas públicas. Entre essas formas de expressão,
estão as ONGs.
Diante do exposto até aqui, acreditamos ter evidenciado algumas das condições que
permitiram que os livros didáticos voltados para o ensino básico, principalmente os do
ensino fundamental, ganhassem notoriedade e força no panorama educacional brasileiro a
partir de meados da década de 1980. Resta ainda levantar dados que norteiem uma
compreensão das razões que levam os livros de EJA não integrar esse cenário.
1.3 Educação de Jovens e Adultos
A intenção de disseminar a educação para todos, integrando analfabetos e jovens e
adultos que não tiveram oportunidade de cumprir o ensino regulamentar dentro da idade
prevista não é nova. Data, pelo menos, de 1824, nossa primeira Constituição. Nela estava
inscrita a garantia de uma “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos” [grifo
nosso], e essa garantia continuou sendo assegurada constitucionalmente ao longo dos
governos que se seguiram, independentemente da forma de organização do Estado e da
orientação política.
De 1824 a 1990, quando se realizou a Conferência Mundial de Educação Para
Todos, a expressão para todos, que alude à intenção de viabilizar a escolarização a todos os
cidadãos, esteve presente em diversos compromissos formais, porém, a sua concretização
nem sempre se confirmou.
A história da educação de jovens e adultos é caracterizada, portanto, por uma série
de descontinuidades de ações práticas em sua implementação. Esta dissertação não se
25
propõe a fazer um levantamento dessas ações.28 Mas marcaremos aqui alguns momentos
que se tornaram referências nessa trajetória. Faremos também uma distinção entre educação
de jovens e adultos, que diz respeito à escolarização do público que não pôde ingressar ou
completar sua instrução na idade regular, e educação popular, que, embora tenha sido a
origem da educação de jovens e adultos (antes denominada suplência), remete, atualmente,
mais a práticas educativas extra-escolares, como cursos de qualificação profissional,
telecursos e outras.
Se, como já dissemos, no plano das idéias a intenção de oferta de educação para
jovens e adultos está registrada, no plano da efetivação isso não se verifica com a mesma
reincidência e continuidade. Ao longo dos governos instituídos no período republicano, a
questão do federalismo versus centralização, que implica em que esfera do governo recaem
os recursos financeiros para a implementação das políticas destinadas à EJA, bem como a
organização e a execução do sistema são uma constante.
Vanilda Pereira Paiva, que analisa os movimentos educacionais brasileiros29, afirma
que eles estão intimamente ligados com a disputa entre diversos grupos pelo poder, quer
para sedimentar quer recompor o poder político e as estruturas sócio-econômicas. Nesse
sentido, a bandeira do combate ao analfabetismo já esteve erigida por escolanovistas,
esquerda marxista, estadonovistas, católicos.
Segundo essa autora, é na segunda metade da década de 1940 que a educação de
adultos passa a ser encarada de forma distinta. Criado em 1942, porém com suas atividades
iniciadas só em 1946, o Fundo Nacional do Ensino Primário é um marco no tratamento da
educação de adultos como um aspecto da educação popular.
28 Tal trajetória pode ser acompanhada pela consulta a textos que se dedicam a esse tema ou que remetem àeducação popular ou a certos períodos dessa história, tais como: PAIVA, Vanilda P. Educação popular eeducação de adultos; contribuição à história da educação brasileira. São Paulo, Loyola, 1973. PAIVA, VanildaP. Mobral: um desacerto autoritário. Rio de Janeiro, Síntese/Ibrades, n. 23-4. HADDAD, Sérgio & DI PIERRO,Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, 14: maio/jun./jul./ago. 2000.E também: PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS — segundo segmento do ensinofundamental. Introdução. Brasília, MEC/SEF, 2002. p. 13-7.29 PAIVA, Vanilda P. Educação popular e educação de adultos. Op. cit.
26
Até então, o problema da educação de adultos era tratado juntamente com o da difusão do
ensino elementar. Somente na década dos 40 é que reacende-se o tema dos altos índices de
analfabetismo com a atuação de Teixeira de Freitas, à frente do Serviço de Estatísticas da
Educação, e a educação dos adultos começa a ganhar relevância. Sua independência torna-
se concreta com a própria criação do Fundo, com a dotação de 25% de seus recursos para
uma campanha especificamente destinada à alfabetização e educação da população adulta
analfabeta.30
Sérgio Haddad também partilha do entendimento de que a década de 1940 constitui
o início de uma nova visão da escolarização de jovens e adultos, até então praticada como
instrução de crianças.31 Nesse período, no bojo do impulso de fortalecimento do Estado
nacional, o governo federal tendeu a deixar claros qual era o papel da União na educação e
quais eram as responsabilidades dos estados e municípios. O Plano Nacional de Educação,
a criação do Inep (em 1938) e do Fundo Nacional do Ensino Primário (em 1942), a
instalação do Serviço de Educação de Adultos (SEA, em 1947) foram medidas que
fomentaram pesquisas e a destinação de recursos financeiros e de infra-estrutura para a
instrução de adolescentes e adultos. Tais ações foram capazes de reduzir a taxa de
analfabetismo de forma considerável em relação aos números exibidos em décadas
anteriores (46,7% da população com idade superior a cinco anos), mas esse nível ainda
continuava alto em termos mundiais.
Em 1958 realizou-se o II Congresso Nacional de Adultos, em que se discutiu
novamente a questão da especificidade dessa modalidade de ensino. As idéias de Paulo
Freire se disseminavam e uma atmosfera de renovação pedagógica se configurava dentro de
um quadro de turbulências políticas. Com a intensificação da mobilização de grupos
populares e a luta por sua legitimação, criaram-se campanhas e programas de valorização
da cultura popular e de educação de adultos tanto entre setores da sociedade civil quanto
comandadas por secretarias de governo, a maioria dos quais patrocinados por verbas
públicas. Tais iniciativas acabaram por dar o reconhecimento da especificidade pedagógica
30 Idem. p. 48.31 HADDAD, Sérgio & DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Op. cit., p. 110.
27
e didática dessa modalidade de ensino e se nortearam não só pela formação educacional,
mas sobretudo política, constituindo-se numa via de legitimação de ideais políticos.
O golpe militar de 1964 interrompeu esse processo de organização política, cultural
e educacional que vinha sendo promovido pelo movimentos populares. Segundo Maria
Lúcia Hilsdorf32, após o golpe militar de 1964, as formas de participação popular são
substituídas por critérios de eficiência, a sociedade se despolitiza por uma
“compartimentação do trabalho” e o Estado, com sua política crescente de privatização,
deixa gradativamente de assumir a responsabilidade de provedor de bens públicos — entre
eles a educação.
Na década de 1960, muitas agências financiadoras internacionais, principalmente as norte-
americanas, propagaram essa teoria garantindo que a conquista de graus escolares mais
elevados proporcionava ascensão social. Isso lhes permitiu oferecer programas de ajuda para
o Terceiro Mundo, intervindo no financiamento e na redefinição da organização escolar de
vários países.
Entretanto, na cidade de São Paulo, o curso público de suplência foi oficializado
como resultado das demandas de movimentos populares — até então o ensino supletivo era
ministrado por escolas particulares e a luta pela oferta pública era incipiente. Marilia Pontes
Sposito traça uma cronologia dos movimentos populares especialmente entre as décadas de
1970-1990 e mapeia a instalação de diversas unidades escolares de ensino supletivo em
bairros da cidade como forma de atendimento a reivindicações da população local:
Como aumento da demanda o curso passa a funcionar em escola de primeiro grau localizada
na baixada do Glicério. E em 1976, a Secretaria Municipal de Educação assume a
responsabilidade do Ensino Supletivo corporificada na Lei 8389 de 1975. Oficializado o ensino
supletivo municipal, a escola em funcionamento (EMES Prestes Maia na Liberdade) passa a
ter estrutura, duração e regime escolar próprios. […]
A criação dessas primeiras unidades municipais não obstante o interesse eleitoral que as
determinou, exprime, de um lado, uma forma pontual de resposta do Poder Público à demanda
32 HILSDORF, Maria Lúcia S. História da educação brasileira: leituras. São Paulo, Pioneira Thomson, 2003.
28
mas, de outro, a abertura de caminhos para novas e mais expressivas reivindicações que
adquirem maior visibilidade a partir de 1983.33
Antes da criação do ensino supletivo, porém, diante do esvaziamento das ações no
setor de educação de jovens e adultos, sua desarticulação e a constatação de um grande
contigente populacional analfabeto, que contradizia a imagem que se queria imprimir de
um país gigante, os militares conceberam, em 1967, o projeto do Mobral (Movimento
Brasileiro de Alfabetização). Pretendia-se com isso erradicar o analfabetismo do país.
O Mobral funcionava com verbas captadas de empresários e da loteria esportiva e
era, portanto, descentralizado em suas operações, mas centralizado na concepção e direção
político-pedagógica e nas avaliações que implementava aos estudantes. O empreendimento
coexistiu com outros programas de educação, inclusive o ensino supletivo.
A LDB 5692/1971 consolidou o ensino supletivo e o Parecer do Conselho Federal
de Educação 699/1972, juntamente com o documento “Política para o Ensino Supletivo”,
trataram em mais detalhes essa modalidade de ensino. Porém, uma idéia que embasou o
encaminhamento desses documentos era a de que o ensino supletivo devia ser guiado por
uma metodologia adequada à massa de estudantes e não segundo sua origem social,
cultural ou econômica — o que contrariou radicalmente as experiências construídas na
década anterior pelos movimentos populares.
O ensino supletivo se disseminou mais nas esferas estaduais e houve também certa
proliferação do ensino privado nesse setor, com a maioria dos estabelecimentos voltados
para cursos de suplência de 1º e 2º graus, ficando desassistida a alfabetização de adultos.
Em 1985, o Mobral foi substituído pela Educar (Fundação Nacional para Educação
de Jovens e Adultos), que posteriormente passou a se subordinar ao MEC, formulou novas
diretrizes pedagógicas e se transformou em órgão de fomento e apoio técnico junto a
governos estaduais e municipais, empresas e entidades da sociedade civil na implementação
do ensino de jovens e adultos.
33 SPOSITO, Marilia P. A ilusão fecunda; a luta por educação nos movimentos populares. São Paulo,Hucitec/Edusp, 1993. p. 107.
29
Em 1990, entretanto, o governo Fernando Collor de Mello extinguiu a Educar, sob a
alegação de enxugamento da máquina administrativa e de restrição dos gastos púbicos.
Juntamente com essa medida, também extinguiu a destinação de recursos financeiros de
empresas privadas à Fundação (que vinha ocorrendo desde a época do Mobral). Esses
cortes implicaram a transferência das responsabilidades por esse setor do ensino da União
para os estados, municípios e sociedade civil.
Com tantos programas descontínuos e de orientações ideológicas e pedagógicas tão
diversas quanto os seus propósitos, quando a ONU convocou a Conferência Mundial de
Educação Para Todos, o Brasil exibia a posição de um dos nove países que mais
contribuem com altas taxas de analfabetismo no mundo. Essa data marcou uma série de
compromissos assumidos pelos países signatários em relação à educação básica, nela se
incluindo a educação de jovens e adultos.
Porém, com esses compromissos também vieram dos organismos internacionais
orientações de ajuste estrutural e reorganização do estado no sentido de diminuir seus
encargos financeiros e os transferir a outras esferas de governo e à sociedade civil. E a
educação de jovens e adultos foi novamente deixada de lado.
Um reforço ainda maior ao quadro de abandono dessa modalidade de ensino veio
com a emenda constitucional 14/1996, que aboliu a obrigação do governo federal de aplicar
metade dos recursos destinados à educação para erradicar o analfabetismo no Brasil, e a
criação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério), alocado em cada unidade federada e que repassaria as verbas de educação para
as esferas estaduais ou municipais conforme o número de matrículas no ensino
fundamental. Em sua regulamentação pela Lei 9424/1996, o presidente da República vetou
o dispositivo que permitia que as matrículas de jovens e adultos fossem contabilizadas no
cálculo desse fundo, o que criou dificuldades para a expansão dessa modalidade de ensino.
Esse regime de colaboração entre a União e as esferas estadual e municipal do
governo acabou configurando uma redistribuição de funções entre essas instâncias bem
como com organizações da sociedade civil:
30
No contexto fiscal e tributário brasileiro, esse mecanismo induziu à municipalização do ensino
fundamental, e foi acionado com base no suposto de que o investimento mais eficaz dos
recursos municipais nesse nível de ensino daria maior liberdade aos estados para investir no
ensino médio e à União para investir no ensino superior. […]
Com a aprovação da Lei 9424, o ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a
educação infantil no âmbito municipal e com o ensino médio no âmbito estadual pelos
recursos públicos não capturados pelo Fundef. […]
As políticas de estabilização monetária e ajuste macroeconômico condicionaram a expansão
do gasto social público às metas de equilíbrio fiscal, o que implicou a redefinição de papéis
das esferas central e subnacionais de governo, das instituições privadas e das organizações
da sociedade civil na prestação dos serviços sociais.34
Os documentos legais acentuam o pacto federativo da Constituição de 1988 e
refletem a disposição para um sistema de cooperação entre a União, os governos
subnacionais e o setor privado.
Maria Clara Di Pierro analisa esse contexto no âmbito da EJA:
Destacam-se as tendências à proliferação de provedores e à multiplicação de programas de
educação de jovens e adultos implementados em parceria entre agentes governamentais e
não-governamentais. Essas práticas inspiram-se em diferentes significados atribuídos aos
conceitos de parceria e de serviço público não-estatal, que comportam tanto uma visão
econômico-instrumental quanto uma perspectiva de democratização da esfera pública.35
O texto a seguir, extraído de uma matéria do jornal Folha de S.Paulo recapitula as
iniciativas governamentais para enfrentar o problema do analfabetismo:
Campanhas oficiais de alfabetização desde a década de 1940
1947 — O governo Eurico Gaspar Dutra começa a Campanha de Educação de Adolescentes
e Adultos.
34 HADDAD, Sérgio & DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Op. cit., p. 123-4.35 DI PIERRO, Maria Clara. Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências nas políticaspúblicas de educação de jovens e adultos. Educação e Pesquisa, 27 (2): São Paulo, jul./dez. 2001.
31
1952 — Inicia-se a Campanha Nacional de Educação Rural no governo de Getúlio Vargas.
1958 — Juscelino Kubitschek cria a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo
(CNEA), reestruturada em 1960.
1961 — O Movimento de Educação de Base, criado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, visa extinguir o analfabetismo com escolas radiofônicas. Atende a 455671 alunos de 14
estados.
1962 — O professor da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Freire, propõe técnica
que prevê ensino a partir do universo de cada grupo a ser alfabetizado.
1964 — Em 21 de janeiro, o método Paulo Freire vira programa oficial do governo, mas é
extinto em 14 de abril, logo depois do movimento militar.
1967 — O regime militar (1964-1985) cria a Fundação Mobral (Movimento Brasileiro de
Alfabetização) com o objetivo de alfabetizar 11,4 milhões de pessoas em quatro anos e
erradicar o analfabetismo em oito anos (1975).
Até 1977, teriam sido alfabetizados 11,2 milhões, reduzindo a taxa de analfabetos para 14,2%.
Os dados são questionados (o Censo de 1976 estimava 24%).
1985 — O Mobral é extinto, e é criada a Fundação Nacional de Educação de Jovens e Adultos
(Educar) no governo José Sarney. Em quatro anos, a fundação atendeu a 5 milhões de
analfabetos, de um total de 30 milhões.
1990 — O PNAC (Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania) é criado no governo
Fernando Collor com o objetivo de reduzir em até 70% o número de analfabetos em quatro
anos.
1993 — O Plano Decenal, firmado em 1993 por mais de 70 países sob a chancela da Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), é assinado pelo
presidente Itamar Franco. A taxa de analfabetismo deveria chegar a zero em 2003. 36
1997 — O governo de Fernando Henrique Cardoso cria o programa Alfabetização Solidária.
Em julho de 2002, atinge a marca de 3 milhões de alunos, em 2010 municípios.
36 Embora o jornal cite o ano de 2003 como o da assinatura do Plano Decenal, outros textos informam a datade 1994 para a assinatura desse compromisso.
32
2003 — Programa Analfabetismo Zero (depois mudado para Brasil Alfabetizado), do governo
Lula, objetiva atingir 20 milhões em quatro anos.
O País luta há quase 60 anos contra o problema.37
Atualmente a educação de jovens e adultos está legalmente amparada na
Constituição Federal de 1988, que estabelece que "a educação é direito de todos e dever do
Estado e da família" e que o ensino fundamental é obrigatório e gratuito e a sua oferta deve
ser garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade regular.
A LDB 9394/1996 destina uma seção à educação de jovens e adultos38, reafirmando
o direito dessa parcela da população brasileira ao ensino básico, oferecido pelo poder
público de forma gratuita, estabelece novos limites de idade (15 anos para o ensino
fundamental e 18 para o ensino médio) e integra essa modalidade de ensino à educação
básica.
O Parecer 5/1997 do Conselho Nacional de Educação trata das denominações
"educação de jovens e adultos" e "ensino supletivo", estabelece os limites de idade para
jovens a adultos que pretendam se submeter a exames supletivos, entre outras questões.
A Resolução 1/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos.
Na década de 1990, paralelamente à busca de novos modelos de Estado e sociedade,
vivíamos um período de crise financeira e fiscal e de endividamento, quer entre esferas
governamentais — as prefeituras, os governos estaduais e o governo federal — quer no
âmbito externo, entre o país com agentes credores internacionais. Como já vimos no item
anterior, o caminho da globalização impôs ao Estado um projeto neoliberal, que abole a
noção de Estado-empreendedor e o substitui paulatinamente pela concepção de Estado-
mínimo. Nessa doutrina o Estado se desincumbe das responsabilidades pelas políticas
37 Folha de S.Paulo, 13/5/2003.38 Seção V — Da Educação de Jovens e Adultos, artigos 37 e 38.
33
públicas, notadamente as sociais, e as transfere ao setor privado, regido pelos interesses de
mercado, ou a associações da sociedade civil. O Estado assim enxuto ganha a função de
gerenciamento e controle administrativo das políticas sociais.
Nosso entendimento é que é esse distanciamento do Estado em relação às ações de
EJA que configura a dispersão de materiais didáticos dedicados a essa modalidade de
ensino: dadas as grandes Editoras comerciais, somente duas delas tinham, na data da
realização deste trabalho, título de EJA; os outros exemplares colhidos na pesquisa eram
publicações resultantes de iniciativas diversas, como ONGs (a de maior repercussão era a
coleção da organização não-governamental Ação Educativa, inicialmente lançada em
parceria com o Inep), associações de professores, Editoras regionais.
Tudo o que foi exposto até o momento serve para propor uma explicação para a
base deste trabalho — a existência de poucos livros didáticos para a EJA em relação ao
volume existente para o ensino regular. A análise da materialidade dos livros selecionados
se desdobra um pouco também a partir dessas idéias e será feita nos capítulos 3 e 4, depois
da exposição das observações feitas sobre prática educativa em algumas instituições
escolares de EJA.
Antes, porém, será preciso retomar os estudos que já se fizeram no campo do livro
didático e sobre a EJA.
1.4 O livro didático e a forma escolar
O livro didático como recurso de ensino tem sua história, assim como a instituição
escolar. Comenius39, já no século XVII, dava alguns preceitos de como deve ser um livro
didático: livro único, escrito por um único autor, com gradualidade e a ser usado em todas
as escolas.
39 Ver, desse autor, entre outras obras, Didática magna. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
34
A forma escolar hoje instituída tem cerca de 100 anos no Brasil.40 Dentre os
recursos empregados nessa forma até hoje vigente na maioria das escolas do país — a
lousa, o giz, o professor à frente de um grupo de estudantes selecionados de acordo com a
idade cronológica, o ensino gradual, simultâneo e de conteúdo cumulativo dado num
espaço e numa carga horária definidos — está o livro escolar.
Sobre a vinculação do livro didático ao ensino formal, Marisa Lajolo discorre:
Didático é, então, o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito,
editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática. Sua
importância aumenta ainda mais em países como o Brasil, onde uma precaríssima situação
educacional faz com que ele acabe determinando conteúdo e condicionando estratégias de
ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina.
[…] Assim, para ser considerado didático, um livro precisa ser usado, de forma sistemática, no
ensino-aprendizagem de determinado objeto do conhecimento humano, geralmente já
consolidado como disciplina escolar. Além disso, o livro didático caracteriza-se ainda por ser
passível de uso na situação específica da escola, isto é, de aprendizado coletivo e orientado
por um professor.41
De Comenius aos nossos dias, o livro didático mudou, quer em seus aspectos
materiais quer no conteúdo e no seu uso. Como portador de conteúdos selecionados em
determinado tempo histórico, os quais se quer transmitir ou inculcar em gerações futuras, o
que equivale a dizer a selecionar e estender idéias42, o livro se define conforme as
mentalidades da época, a tendência do pensamento educacional, do método de ensino, as
reformas, o entendimento do papel da escola, do professor e do aluno, do incremento da
atividade econômica do país, especialmente do setor editorial. Como produto comercial, o
livro também se define ao longo dos tempos conforme o desenvolvimento tecnológico, o
setor produtivo e a apropriação dessas novas tecnologias de produção e de difusão pelo
40 Dentre os autores que estudam o assunto, pode-se ver: SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: aimplantação da escola graduada no estado de São Paulo (1890-1919). São Paulo, Unesp, 1998.41 LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, 16 (69): jan./mar. 1991.42 O conceito de seleção e extensão é mencionado por MÍNGUEZ, J. García & MIRANDA, M. Beas. Análisishistórico del libro de texto. In: ____ . Libro de texto y construcción de materiales curriculares. Granada,Ediciones S.A.L. s. d. p. 13.
35
setor editorial. Como signo cultural, a forma material que ele assume agrega, em certa
medida (além dos conceitos, que são culturais e determinados historicamente), a estética da
época. A distribuição do texto nas páginas, o uso de imagens, o tipo de traço, a tipologia
têm seu peso estabelecido como elementos significativos do texto impresso de acordo com
a confluência e a articulação dos agentes que definem sua materialidade e de seus
respectivos repertórios. O próprio entendimento de autoria é uma elaboração cultural e,
conseqüentemente, sua expressão material numa obra didática resulta da negociação entre
sujeitos ou grupos de agentes em determinado lugar e tempo.
Podemos dizer que, como produto cultural, o próprio papel do livro didático se
transformou e se transforma conforme as mentalidades, notadamente as que concernem às
idéias educacionais e à formatação do sistema educacional.
1.4.1 Estudos sobre livros didáticos e sobre educação de jovens
e adultos
Até poucas décadas atrás, o livro didático era colocado na tradição acadêmica — o
que de certo modo se refletia na opinião púbica — como o cerne dos problemas
educacionais brasileiros. Um autor que bem destaca essa tendência é Kazumi Munakata, em
sua tese de doutorado na qual cita autores43 que assumiram a linha da análise ideológica,
bem como transcreve episódios noticiados pela imprensa — o que, de certa forma, em
alguns momentos, assume tom anedótico, tamanho é o estigma que se atribui a esse produto
editorial:
Sobre os livros didáticos produzidos no Brasil recaiu série de acusações como se eles fossem
os principais responsáveis pelas mazelas da Educação brasileira. Análises abstratas de
43 Dentre os quais destacaremos, com suas respectivas obras: FRANCO, Maria Laura P. Barbosa. O livrodidático de história no Brasil. São Paulo, Global, 1982. (Teses, 9) FARIA, Maria Lúcia G. de. Ideologia nolivro didático. 10. ed. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1991. (Polêmicas do Nosso Tempo, 7) ECO,Humberto & BONAZZI, Marisa. Mentiras que parecem verdades. 6. ed. São Paulo, Summus, s.d. FREITAG, B.;COSTA, W. F. da; MOTTA, V. R. 2. ed. O livro didático em questão. São Paulo, Cortez, 1989.
36
conteúdo denunciavam-lhes a ideologia subjacente, e abordagens de indústria cultural
caracterizam-nos como instrumentos da hegemonia burguesa e da acumulação capitalista.44
Subitem da superestrutura, tema pouco valorizado para sondagens acadêmicas, o
livro didático era, grosso modo, estudado apenas para constatar a determinação direta entre
a base econômica e os sistemas simbólicos.
Entretanto, ultimamente tem-se verificado que o livro didático ganha legitimidade
como objeto de pesquisa no cenário intelectual, fato que se comprova pelos trabalhos de
Circe Bittencourt45, Kazumi Munakata, Célia Cristina F. Cassiano46, Luciana Telles de
Araújo47, entre outros, que ultrapassam os limites impostos pelas lentes da análise
ideológica e inscrevem o livro escolar como material portador de significações e
historicidade próprias.
Livro é signo cultural na e pela sua materialidade, pela sua natureza objetivada como
mercadoria, resultado de uma produção para o mercado. A análise do livro requer, pois, a
recusa do idealismo que sobrevaloriza a ideação da Obra e desdenha o momento da produção
editorial. Ao contrário do que muitos acreditam, não há no livro a imediatez das idéias; é a
soma (material) como elas se apresentam, tão desprezada em certos meios, que lhes confere
possibilidade e ocasião de significação.48
Em função da grande divulgação do PNLD implementada em 1985, pelo volume de
materiais distribuídos e pelo montante de recursos financeiros envolvidos, o livro didático
ganhou visibilidade junto à opinião pública. Essa posição de destaque tem revertido
também em estudos acadêmicos, como os de Eloisa Höfling, que critica a concentração dos
resultados dos PNLD em número reduzido de Editoras — todas circunscritas na cidade de 44 MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1997. Tesede doutorado.45 BITTENCOURT, Circe M. F. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. SãoPaulo, USP/FFCLH, 1993. Tese de doutorado.46 CASSIANO, Célia C. de Figueiredo. Circulação do livro didático: entre práticas e prescrições. São Paulo,PUC/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.47 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de história: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado.
37
São Paulo —, e os de Antonio Augusto Gomes Batista, que analisa os PNLD, entre outros
aspectos.
Estudar o livro didático requer, portanto, atentar não só ao seu conteúdo, pois há que
se considerar a tradição crítica que o enquadra como produto cultural, mas também articular
seu significado entre os agentes que dele se utilizam ou participam de sua elaboração. Se,
por um lado, há (ou não) um conteúdo prescrito e, no caso dos PNLD, uma forma de
apresentação e de circulação, por outro lado, autores, editores, professores, pais, alunos,
opinião pública são agentes desse processo e reelaboram o produto nos âmbitos em que ele
lhes é destinado, re-significando-o conforme o uso que dele fazem.
Egil Borre Johnsen49 destaca três categorias de estudo do livro didático
desenvolvidas no mundo: os que se centram no conteúdo (do ponto de vista da mensagem
ideológica subjacente); o da produção; e o do uso (em sala de aula).
Nosso objetivo aqui é estudar a produção do livro didático, ou seja, a sua
conformação material: o projeto editorial, o número de volumes, o número de páginas de
cada volume, a tiragem, a capa, as cores, os recursos gráficos, o conteúdo selecionado, a
linguagem, o processo editorial, a divulgação. Mas não se trata de qualquer livro didático,
mas daqueles destinados a jovens e adultos que não puderam completar seus estudos na
idade regular. Que contornos as Editoras fazem desse público? E que material é esse?
Como ele se diferencia dos demais materiais por elas disponibilizados aos estudantes?
No que se refere aos estudos do ensino de jovens e adultos, muitos são os trabalhos
desenvolvidos até o momento. Podemos destacar os que constam da obra organizada por
Sérgio Haddad através da entidade não-governamental Ação Educativa, que, entre outras
tarefas, dedica-se a prestar assessoria a órgãos governamentais e instituições a eles ligadas e
que produz materiais didáticos comercializados no mercado.
Sérgio Haddad organizou um estudo em que objetiva:
48 MUNAKATA, K. Op. cit. p. 18-9.49 JOHNSEN, Egil B. Libros de texto en el calidoscopio. Barcelona, Ediciones Pomares-Corredor, 1993.
38
detectar e discutir os temas emergentes da pesquisa em educação de jovens e adultos no
Brasil. A pesquisa compreendeu trabalhos que abordam as concepções, metodologias e
práticas de educação de pessoas jovens e adultas, envolvendo questões relativas à psicologia
da educação, à formação de educadores, ao currículo e ao ensino e aprendizagem das
disciplinas que o compõem.50
A análise de materiais da Ação Educativa mostra que tais estudos concentram-se
prioritariamente em experiências localizadas de alfabetização, questões de formação do
professor, currículos, e não se detêm no estudo de livros didáticos, quaisquer que sejam os
aspectos: conteúdo, produção ou uso. Nas raras referências, o livro didático é mencionado
ao largo, como elemento coadjuvante dos processos em foco.
Chegando a essa parte de texto acreditamos ter explanado o cenário no qual se
localiza o objeto da pesquisa, os livros didáticos de educação de jovens e adultos:
exemplares de formatação variada derivados de iniciativas dispersas e muitas vezes
vinculadas à prática educacional localizada e, no segmento das maiores Editoras de livros
didáticos do país, apenas duas coleções dentre centenas de obras que compõem, em
determinados anos, uma produção que supera a marca de dezenas de milhões de
exemplares.
Como já vimos, a dispersão de publicações por organizações diversificadas, a
maioria das quais não vinculadas a Editoras comerciais que concorrem com outros produtos
no mercado, deve-se à descentralização das iniciativas no setor que foi se intensificando a
partir da década de 1990.
Também já se assinalou que o livro didático está intimamente ligado à forma escolar
disseminada há um século ao menos. Se considerarmos esse aspecto, é evidente que, na
ausência de uma forma escolar definida para a EJA e na indeterminação de continuidade
dos programas que se constituíram, os livros didáticos também não tenham se formatado
para essa modalidade de ensino. Se o ensino carece de livros, a recíproca também pode ser
50 O título do trabalho é O estado da arte das pesquisas em educação de jovens e adultos no Brasil: aprodução discente da pós-graduação em educação no período 1986-1998. São Paulo, 2000 e foi citado emhttp://www.acaoeducativa.org/public2.htm.
39
verdadeira: o livro se define conforme o ensino, e as Editoras ressentem a ausência de uma
forma.
Os elementos analisados nas obras escolhidas (capa, imagens, autores, conteúdo)
refletem de alguma forma o quadro geral. Seguindo indagações do tipo “o quanto se agrega
nos livros didáticos de EJA comparativamente ao que se agrega nos livros didáticos
destinados ao mercado ou ao MEC”, buscamos explicitar alguns desses aspectos.
40
2. Observação de práticas em
instituições escolares de educação de
jovens e adultos
A opção por observar a prática em salas de aula foi movida pela intenção de avaliar
o uso que os estudantes de EJA faziam do livro didático. Consultou-se uma lista de
instituições de ensino do município de São Paulo que se dedicavam à oferta de EJA. Essa
lista havia sido montada com dados fornecidos no site do MEC no ano de 2003 e constava
do nome da instituição de ensino; da rede a que ela pertencia (estadual, municipal ou
particular); do telefone; endereço; e número de estudantes matriculados em EJA.
Pretendia-se entender como os alunos usavam os livros; se eles acompanhavam a
exposição teórica, se se entretiam com o material didático; como eles decifravam os
recursos dispostos nas páginas; de que maneira liam o que editores e autores haviam
selecionado e materializado sob a forma de livro.
Não havia a pretensão de decifrar a leitura individualizada, mas a maneira como o
livro se comportava como objeto de transmissão de conteúdos escolares em sala de aula na
comunidade de leitores formada por estudantes de EJA.51
Nessa etapa do trabalho, ainda não se tinha noção da organização dessa modalidade
de ensino, quer no município, no estado de São Paulo, tampouco no país. As várias
entrevistas feitas a coordenadores e professores, somadas à leitura da legislação e de textos
sobre a EJA, me permitiram concluir que ela é reconhecida e orientada pela LDB
9394/1996 e segue instruções do Parecer CNE/CEB 11/2000 e da Resolução CNE/CEB
1/2000. Fica a cargo de cada Conselho (estadual ou municipal) estabelecer a carga horária,
51 Sobre a prática de leitura, ver CHARTIER, Roger. A ordem dos livros; leitores, autores e bibliotecas naEuropa entre os séculos XIV e XVIII. 2. ed. Brasília, UnB, 1998.
41
a organização funcional das escolas, o sistema de avaliação, bem como, juntamente com a
Secretaria de Educação, credenciar os estabelecimentos de ensino.52
Assim, nos anos em que esta pesquisa se desenvolveu, a EJA era oferecida no
município de São Paulo nas seguintes formas:
Cieja (Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos) — treze unidades
no município de São Paulo, distribuídas por regiões e reguladas pela instância
municipal;
escolas da rede municipal;
escolas da rede estadual;
escolas particulares.
No ano de 2002 o Ministério da Educação criou o Exame Nacional de Certificação
de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), no qual podiam se inscrever jovens a
partir dos 15 anos de idade. Esse Exame podia ser utilizado pelas Secretarias Estaduais e
Municipais de Educação como instrumento de certificação de conclusão do ensino
fundamental e médio. A avaliação era destinada às pessoas, matriculadas ou não em
escolas, que estivessem acima da faixa etária própria para cursar o ensino regular e ainda
não tinham concluído essa etapa da escolarização. 53
52 A esse respeito, ver, além dos documentos oficiais citados: CURY, Carlos Roberto Jamil. Por uma novaEducação de Jovens e Adultos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO — formação deprofessores. Simpósios. Brasília, MEC/SEF, 2001. p. 308-10. v. 1. E PROPOSTA CURRICULAR PARAEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS — segundo segmento do ensino fundamental. Introdução. Brasília,MEC/SEF, 2002. p. 79. v. 1.53 Um dos aspectos marcantes do Encceja é que ele preconizava como objetivo possibilitar uma avaliação decompetências e habilidades básicas de jovens e adultos. A matriz de competências e habilidades do Enccejaconsiderava, simultaneamente, as competências relativas às áreas de conhecimento e as que expressam aspossibilidades cognitivas de jovens e adultos para a compreensão e realização de tarefas relacionadas comessas áreas: “competências do sujeito”. Essas competências referem-se ao domínio de linguagens, àcompreensão de fenômenos, ao enfrentamento e à resolução de situações-problema, à capacidade deargumentação e elaboração de propostas. Essas cinco competências do sujeito são eixos cognitivos,associados com as nove competências apresentadas nas disciplinas e áreas do conhecimento do ensinofundamental e do ensino médio. Dessas interações resultam, em cada área, 45 habilidades que serão avaliadaspor meio de questões objetivas (múltipla escolha) e pela produção de um texto (redação). As provas do ensinofundamental correspondiam às quatro áreas de conhecimento estabelecidas na Base Nacional Comum: LínguaPortuguesa, Língua Estrangeira, Educação Artística e Educação Física; História e Geografia; Matemática;Ciências Naturais.
42
Nas palavras de Jamil Cury, relator do Parecer CNE/CEB 11/2000, “os certificados
são a expressão oficial de que o estudante conseguiu transformar um direito num exercício
de cidadania”54.
Entretanto, já em 2003, na gestão do presidente Lula, o Inep suspendeu o Encceja,
alegando ser a certificação uma responsabilidade dos Estados e dos municípios, e não
federal.55
Segundo o então ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, que criou o
Encceja, o objetivo do exame era avaliar os cursos supletivos com o resultado dos exames e
permitir que estados e municípios pudessem “descredenciar os cursos que emitiam
certificados sem que os alunos, de fato, aprendessem”. 56
O mapeamento inicial da organização das escolas não foi tarefa imediata. Talvez
por causa da instabilidade histórica desse sistema de ensino nas várias instâncias de
governo, principalmente das iniciativas cuja operacionalização esteja fortemente vinculada
a uma gestão de governo, que demandam uma série de dispositivos para se iniciar e podem
ser desmontadas tão logo se afigure o final do mandato. Haja vista também que a
modalidade educação de jovens e adultos é relativamente recente, tendo sido orientada no
ano de 2000 pelo Parecer 1/2000 do CNE. E essa descontinuidade constitui-se numa
limitação na definição de um meio de aprendizagem para EJA. David Hamilton explica
esse conceito:
É o contexto sócio-psicológico e material em que professores e alunos trabalham juntos. O
meio de aprendizagem representa um complexo de variáveis culturais, sociais, institucionais e
psicológicas. Estas interagem de forma complicada, produzindo em cada sala de aula ou em
cada curso um arranjo único de circunstâncias, pressões, hábitos, opiniões e estilos de
trabalho, o qual influencia o ensino e a aprendizagem que lá se realizam. A configuração que o
meio de aprendizagem assume em cada classe depende da interação de numerosos e
diferentes fatores. Por exemplo, várias restrições (legais, administrativas, profissionais,
54 CURY, Carlos Roberto Jamil. Por uma nova Educação de Jovens e Adultos. Op., cit., p. 311.55 Até janeiro de 2005, não havia comunicado oficial ou nota na impressa da data em que um novo exame decertificação entraria em vigor.56 Folha de S.Paulo, 8/9/2003.
43
arquitetônicas e financeiras) pesam sobre a organização do ensino nas escolas: há
pressupostos difusos em ação (relativos à organização de matérias, currículos, métodos de
ensino e avaliação do aluno); há as características de cada professor (estilo de ensino,
experiência, orientação profissional e objetivos particulares); e há, também, as perspectivas e
preocupações do próprio aluno.
Reconhecer a diversidade e a complexidade dos meios de aprendizagem é um pré-requisito
para um estudo sério de progamas educacionais.57
Em termos de EJA, podemos dizer que os pressupostos são mais difusos ainda: nem
sempre há treinamento de professores, salas de aula e prédios específicos, livros didáticos e
outros recursos pedagógicos.
Para analisar a prática docente em sala de aula, recorri à dissertação de Roper P.
Carvalho Filho58, na qual se identificam algumas práticas consolidadas no que se refere à
organização do tempo, aos conteúdos, ao uso do livro didático, à avaliação e a
disciplinarização dos alunos. Desses aspectos, tomarei como pontos relevantes para minhas
observações e análises o aspecto da distribuição do tempo em aula e do uso do livro
didático. De modo semelhante a ele, tomei como base para a observação os elementos
constantes do roteiro proposto por Luciane P. de Oliveira59, dispensando o formato em
ficha: escola; nível (módulo/ciclo/série); data; horário; número de alunos matriculados;
número de alunos presentes; professor; descrição da observação; análise da observação.
2.1 O contato com as escolas
Primeiramente enviou-se um e-mail a centenas dessas escolas perguntando-lhes
informações do tipo:
57 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 40.58 CARVALHO FILHO, Roper Pires. Práticas dos professores de História do 1. Ano — ciclo II em relação afacetas da cultura escolar. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2003. Dissertação de mestrado.59 OLIVEIRA, Luciane Paiva de. Práticas para o controle do corpo no início do ensino fundamental: entre adisciplinarização e a não disciplinarização. São Paulo, PUC-SP, 2001. Dissertação de mestrado.
44
1. Que materiais didáticos vocês utilizam para a EJA Fundamental 1?
2. E para a EJA Fundamental 2?
3. Como a escola obteve esse material?
4. Qual a carga horária? Um ano EJA corresponde a 2 anos do ensino regular?
5. Qual o horário das aulas?
6. O professor do Fundamental 1 é polivalente?
7. E o professor do Fundamental 2?
8. Vocês utilizam ou consultam os documentos do MEC relativos à EJA, como a Proposta
Curricular e o material didático Viver, Aprender?60
Como o retorno foi muito pequeno61 e pouco elucidativo, optou-se pelo contato
telefônico com as unidades com maior número de alunos matriculados. Dada a 60 Trata-se de material didático formulado pela organização não-governamental Ação Educativa, em parceriacom o Inep, entre os anos de 1998-1999. Foi primeiramente em versão espiral, tendo sido posteriormenteadaptada em versão brochura por alguns governos regionais (como ocorreu no estado de Pernambuco) e,atualmente, está disponível no site do MEC (www.mec.gov.br) no programa de computador acrobat. Constade 3 volumes para o aluno e 2 volumes para o professor.61 Muitos e-mails voltaram porque os endereços constantes da lista extraída dos dados do MEC estavamerrados. Como exemplo de retorno, vejam-se: “Márcia, sou professora do EJA Fund. I e lhe adianto que nãohá no mercado material de qualidade para jovens e adultos. Essa é uma grande dificuldade nossa, tanto EJA Ie II, pois temos que adaptar textos de trabalho de ensino regular, além de pesquisar em jornais e revistas. Acarga horária é de 25 horas/aula diárias, com cada série tendo a duração de 6 meses, exceto o 1° ano(alfabetização), que tem a duração de um ano completo. Não conhecemos o material Viver e Aprender efazemos uso (relativo) da Proposta Curricular. Os professores do EJA I são polivalentes e os do EJA II sãoespecialistas em suas respectivas áreas, porém o trabalho com jovens e adultos tem tantas particularidades,que todos acabamos sendo polivalentes. Qualquer informação, entre em contato conosco – […].” (EscolaEstadual Monteiro Lobato); “Nós, professores do EJA, utilizamos os materiais que recebemos da Prefeiturade São Paulo. Um ano de EJA corresponde a 2 anos do Ensino Regular e cumprimos 5 h/a diárias de 45 min.cada aula. Não só o professor do ciclo I é polivalente como alguns professores do ciclo II também o são, poisexercem outros cargos em outras redes. Consultamos os documentos do MEC relativos ao EJA, porémpercebemos que faltam subsídios para atendermos a nossa demanda, que é muito variada. Gostaríamos dereceber materiais didáticos que possam nos auxiliar, pois pouco material didático encontramos para o ensinodo EJA. Profª Maria José.” (Escola Municipal de Ensino Fundamental Álvares); “Em resposta à solicitação:1. Não temos o curso; 2. Alunos utilizam livro didático, mapas, atlas, dicionários do ensino regular em algunscomponentes apenas na sala de aula, eventualmente livros paradidáticos do PNLD; 3. Sobra de livros doPNLD após distribuição para o ensino regular, material adquirido com verba do PNDE/PDDE; 4. Cargahorária por semestre: 400 horas (100 dias letivos). Curso EJA Fundamental II: 4 semestres(2 anos); 5. das19h05 às 23h05. 6. Não temos; 7. Professor específico do componente curricular; 8. Até o momento não. Peçodesculpas pela demora. Edna (coord. pedagógica) (Escola não identificada, pois a coordenadora respondeu deseu e-mail pessoal.)
45
receptividade dos coordenadores das escolas contatadas, decidiu-se pela visita a duas delas:
o Cieja Guaianases e o Cieja São Mateus, ambos na zona leste da cidade de São Paulo.
Posteriormente, solicitei ao departamento comercial da Editora Ática uma lista de
escolas que tinham adotado sua coleção de EJA. Mas, com o passar do tempo, esse
procedimento não se mostrou produtivo, pois havia demora no retorno dos dados e algumas
das informações eram imprecisas. Parti para o contato de duas escolas indicadas por esse
departamento: uma estadual e outra municipal.
A seguir descreverei aspectos relacionados à estrutura da EJA nessas instituições, a
organização das aulas e alguns episódios nelas transcorridos. A avaliação geral dessas
observações será feita em outro tópico adiante.
2.1.1 Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos
Foram observados dois Cieja: o de Guaianases e o de São Mateus.
As treze unidades Cieja existentes na cidade foram criadas pelo governo da prefeita
Marta Suplicy em 2001, embora tenham sido idealizadas pelo governo do mesmo partido, o
Partido dos Trabalhadores, na gestão da então prefeita Luíza Erundina. Os Ciejas são
denominados integrados porque se pretendeu aliar, integrar, a qualificação profissional62 ao
ensino de conteúdos básicos do ensino fundamental. São unidades exclusivamente
destinadas à EJA, quer no aspecto político-pedagógico, quer em suas instalações
arquitetônicas, pois suas aulas são ministradas em prédios alocados pela prefeitura para
esse fim específico.
O conteúdo relativo à qualificação profissional ficou a cargo do Senac — que
preparou material didático a ser distribuído aos estudantes e treinou os professores de EJA.
62 Nesse contexto, qualificação profissional não é o mesmo que ensino profissionalizante, que é formalmenteinstituído como categoria correspondente ao ensino médio. Trata-se apenas de uma formação básica e visa darao estudante certa familiaridade com a prática profissional em questão.
46
Os Ciejas ministram cursos semi-presenciais que correspondem ao ensino
fundamental. A carga horária63 é de 2h15, de segunda à quinta-feira de aulas presenciais e
de 1h15 de trabalhos em casa. Em geral, os professores do primeiro segmento (módulos 1 e
2, ou seja, 1ª e 2ª séries) são polivalentes e os do segundo segmento (módulos 3 e 4, ou seja,
3ª e 4ª séries) são especialistas conforme a sua habilitação, e sua atuação no Cieja é
adaptada de acordo com a área de conhecimento — Códigos e Linguagens (Língua
Portuguesa, Inglês e Artes), Ciências da Natureza e Matemáticas (Ciências e Matemática),
Ciências Humanas (História e Geografia).64 Os professores são selecionados pela prefeitura
dentro de sua rede de professores concursados. As sextas-feiras são reservadas ao
treinamento do corpo docente e discussões — principalmente entre professores de uma
mesma área de conhecimento, visando à articulação de conteúdos e à proposição ou revisão
do currículo.
No dia 27/5/2004 entrevistou-se Ana Küller, coordenadora do já referido projeto de
parceria Senac–Cieja. Segundo a entrevistada, o projeto foi implantado no governo da
prefeita Marta Suplicy e aliava a educação básica à qualificação profissional. O consultor
contratado pelos grupos gestores do projeto junto à prefeitura procurou a gerência de
desenvolvimento educacional do Senac, que repassou a iniciativa ao centro de treinamento
especializado em educação.
Isso ocorreu no ano de 2002, e esse consultor acabou se afastando do projeto por ter
assumido a secretaria da educação do município de São Paulo. Esse projeto começou a ser
formulado em 2001, juntamente com esse consultor (Carlos…) e chegou ao Senac no início de
2002. A proposta inicial sofreu uma série de transformações. A carga horária, antes restrita a
algumas horas extras, consistia inicialmente em um apêndice do ensino, mas o pessoal do
Senac resolveu inovar e transformá-lo em algo mais substancial, aliado à educação básica, o
que requereu o treinamento de profissionais que se integrassem às escolas. Em abril de 2002,
começou-se um trabalho de formulação de projeto, de definição de áreas, de profissionais
envolvidos. Elaborou-se um questionário para identificar o perfil do aluno (nível sócio-
econômico, situação empregatícia, ocupações, região de origem, migrantes ou não,
63 Estabelecida pelo Conselho Municipal de Educação e pela LDB 9394/96.
47
expectativas de formação profissional. Paralelamente ao levantamento do perfil dos alunos,
fez-se um levantamento da capacidade instalada das escolas: quantas unidades, número de
salas, mapeamento da infraestrutura da localidade (que atividades disponíveis, ocupações de
maior demanda, projeção de oferta de trabalhos, empregos, etc.). Essa segunda tarefa contou
com dados da secretaria do planejamento e do IBGE, entre outros órgãos.
Definiram-se cinco áreas a serem oferecidas como suporte de qualificação
profissional, às quais eles chamaram de itinerários: lazer e desenvolvimento social;
atendimento e vendas; serviços domiciliares; beleza; serviço de alimentação. Cada área
seria composta por quatro módulos, o que se integrava à estrutura já montada nos Cieja.
Coube ao Senac: o mapeamento das escolas e da população escolar; o planejamento
dos cursos; a qualificação de profissionais; o suporte na elaboração e escrita dos
documentos referentes ao projeto junto à prefeitura; a elaboração do material didático; a
implantação do projeto; a assessoria dos professores dos Cieja no que se refere à definição
do planejamento integrado nas reuniões docentes que ocorrem às sextas-feiras; a
contratação e o treinamento do professor de qualificação profissional, incumbido das aulas
das quintas-feiras nas unidades Cieja; o acompanhamento do projeto junto aos Cieja; a
formação continuada dos professores da rede (mudança de trabalho por disciplina para
trabalho por competência; interdisciplinaridade; trabalho por projeto; avaliação). Todos os
profissionais contratados para a elaboração do projeto participam da implantação (os treze
prestadores de serviço que já desenvolviam treinamento de professores em outros projetos
do Senac), mas há mais profissionais contratados para ministrar as aulas e comparecer às
unidades Cieja.
O primeiro Cieja observado foi o de Guaianases. As informações foram obtidas
junto ao orientador pedagógico, Joseildo65, à secretária da escola, Márcia, à professora Rita
do Módulo 2, ao professor Edson do Módulo 1 e ao professor Marcos (Módulo 4).
64 Essa proposta foi inspirada na Proposta Curricular do Ensino Médio, e, segundo o entrevistado, trata-se deuma tentativa de adequar os conteúdos aos limites da carga horária.65 Não houve restrição à citação dos nomes dos profissionais envolvidos na pesquisa. Porém, dada adificuldade posterior de retomar o contato com todos eles para padronizar esse tratamento, optou-se porindicar só o primeiro nome.
48
Na unidade de Guaianases, os alunos ainda têm, fora do horário, aulas de
informática e educação física.66
Na data da visita, o Cieja Guaianases tinha 1200 alunos matriculados, o que lhe
conferia a destacada posição de terceira escola do município com maior número de alunos,
além de novecentas pessoas na lista de espera. A idade mínima dos alunos é de 15 anos,
não havendo limite máximo. No momento da visita, havia uma aluna de 79 anos de idade.
Essa escola possui oito turmas em cada um dos seis horários (das 7h30 às 9h45; 10h00 às
12h15; das 13h00 às 15h15; das 15h30 às 17h45; das 18h00 às 20h15; das 20h30 às 22h45)
— o que corresponde à grade de horário máxima dos Cieja.
Para a composição do currículo relativo à formação básica, os professores dessa
escola utilizam vários recursos, entre eles o antigo material do Cemes acima descrito,
filmes, discussões, cópia no caderno de frases escritas na lousa pela professora, passeios,
etc., mas tanto o orientador quanto a professora de classe do módulo 2, Rita, salientam que
o currículo ainda está em construção e é definido no processo.
A aula do Módulo 2 a que estive presente consistiu de discussão sobre o filme
anteriormente assistido pelos alunos, Tainá67. A professora pediu aos alunos que
identificassem o nome das personagens, seu papel no enredo, a trama principal e estimulou
a discussão de questões relacionadas à preservação ambiental e ao contrabando de animais
silvestres. Antes da discussão, a professora orientou os alunos a registrar no caderno a data,
o módulo de aprendizagem (Módulo 2), o nome da professora, o tema da aula (Discussão
sobre o filme Tainá) — tarefa para a qual se destinaram cerca de 12 minutos e que,
conforme pôde-se observar, foi completada por todos os alunos.
66 Essa escola tem também duas salas de apoio para portadores de necessidades especiais (as Sapnes, paraportadores de deficiências mentais leves), que são integrados, juntamente com os portadores de deficiênciasauditivas, às aulas regulares do Cieja conforme o desenvolvimento individual. São aceitos também alunos emliberdade assistida, e eles são integrados aos demais estudantes sem ter seu status divulgado.67 Tainá — uma aventura na Amazônia, de Tânia Lamarca e Sérgio Bloch, 2000.
49
A aula de Módulo 1 ministrada pelo professor Edson no primeiro dia de visitas
concentrou-se no processo de alfabetização. Iniciou escrevendo na lousa um cabeçalho:
data, Módulo 1, professor Edson, solicitando aos alunos que fizessem o registro no caderno.
Passou à leitura de um texto literário e incentivou uma discussão entre os alunos. Orientou
então uma atividade de descoberta e registro (no caderno) de sete nomes próprios e
posterior confecção de lista, em papel avulso, em ordem alfabética desses vocábulos. A
mesma estratégia foi orientada para nome de fruta.
No dia seguinte, esse professor dedicou-se ao ensino da tabuada: as leis
fundamentais e a confecção de um quadro com esses números.
Na sala de aula observaram-se atlas do corpo humano, mapa-múndi, quadro-mural
com recortes de fotos extraídas de revistas acompanhadas de palavras formadas pelos
alunos, palitos de picolé (usados nas atividades de Matemática), revistas, papel sulfite,
alguns livros paradidáticos, bonecos e roupas confeccionados pelos alunos para atividades
de teatro. Na aula a que estive presente, o professor deu a cada aluno um exemplar da
revista Seu Bairro, da qual extrairia diversas atividades, como a leitura de mapas, tabelas,
índices, o que lhe permitia cobrir propostas curriculares de várias áreas de conhecimento. O
professor comentou que, naquela semana, os alunos iriam assistir ao filme Central do
Brasil68.
Na aula de Módulo 4, de Ciências Humanas, o professor Carlos (licenciado em
Geografia) conduziu uma discussão acerca do filme Canudos69, a que os alunos assistiram
em aula anterior. Após a discussão, o professor fez uma explanação acompanhada de
registro na lousa de alguns fatos históricos e fez desdobramentos para questões atuais,
como liderança política, poder instituído, interesses de grupos econômicos, migração,
configuração do espaço urbano (áreas centrais e periferia), exclusão social. Finalmente, deu
aos alunos um texto xerocado que tratava de Canudos, solicitando-lhes a leitura individual e
em voz alta, parágrafo por parágrafo. Após cada leitura, fazia comentários sobre os fatos e
conceitos abordados. 68 Central do Brasil, de Walter Salles Jr., 1998.
50
Nessa escola os alunos são dispostos em mesas circulares e se agrupam conforme
sua afinidade.
Perguntado sobre o motivo de não se utilizar livros didáticos específicos para a EJA,
o orientador educacional afirmou que não existe nenhum que atenda às necessidades desse
público. O único material didático, mostrado pelo professor Edson, foi um exemplar da
coleção Viver, Aprender (exemplar do professor), da qual, segundo ele, extrai várias
atividades para passar aos alunos. Os alunos dessa unidade não recebem os exemplares
dessa coleção.
No dia 26/5/2004 visitou-se o Cieja São Mateus, que, segundo uma das
coordenadoras, Bárbara, tem em média 1500 alunos matriculados e 450 em lista de espera.
Os alunos encontram-se assim distribuídos nos seis turnos:
Módulo 1 — 2 turmas em cada turno;
Módulo 2 — 1 turma em cada horário;
Módulo 3 — 3 turmas em cada horário;
Módulo 4 — 4 turmas em cada horário.
Assistiu-se a uma aula do Módulo 1. A professora afirmou que usa alguns livros
didáticos apenas como suporte de sua prática em sala de aula. Nesse sentido, pude observar
que ela copia enunciados de problemas de matemática na lousa (livro brochura dobrado ao
meio) e pede aos alunos que os reproduzam no caderno e resolvam a questão. No caso, o
livro era da coleção De Olho no Futuro, da Quinteto Editorial, v. 1.
A professora retirou do armário da classe vários exemplares de livros que ela utiliza
para consulta ou reprodução de atividades:
Coleção de Olho no Futuro — Matemática: Angelo Passos. Quinteto
Editorial, PNLD 2000. A coleção é destinada ao primeiro segmento do ensino
fundamental e consta de 4 volumes.
69 Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, 1997.
51
Coleção De Olho no Futuro — Ciências: Marinez Meneghello. Quinteto
Editorial, PNLD 2000. Idem acima.
Novo Caminho — Língua Portuguesa: José de Nicola, Editora Scipione,
PNLD 2001. Idem acima.
Novo Caminho — Ciências: Rosalina Chiaron, Editora Scipione, PNLD
2001. Idem acima.
Alfabetização de Jovens e Adultos: Regina Iara M. Nasser, Editora Ática.
Caderno do Futuro — a evolução do caderno: várias disciplinas, Ibep.
Almanaque Popular de Sabedoria. Secretaria Municipal da
Educação/Vereda, Centros de Estudos de Educação, junho de 2003.
Marcha criança — exemplares de volumes diversos, de várias disciplinas.
Editora Scipione.
Revistas, jornais, atlas.
Em aula de Módulo 2, com a professora Maria do Socorro, pude constatar que ela
também se vale de livros didáticos apenas como suporte para o desenvolvimento de
algumas aulas. Como fonte principal de consulta, a professor mostrou uma coleção
especialmente desenvolvida para EJA: Eterno Aprendiz, de Adriana de Oliveira,
Uberlândia, Editora Claranto, 2000. Trata-se de uma coleção integrada70 de 4 volumes.
Alguns alunos dessa escola possuem, para seu uso, um volume da coleção Viver,
Aprender. Segundo a professora Carmelita e o coordenador da escola, Jurandir, a diretora
havia conseguido da prefeitura cerca de dez exemplares desse material para a escola toda.
Nesse caso, o livro foi dado a alguns alunos, que fazem uso dele conforme a sua vontade;
às vezes, a professora dispõe para os demais alunos algumas das atividades propostas. A
professora de Módulo 1 afirma que, se a escola pudesse contar com esse material para todos
os alunos, ela o usaria como livro didático único ou pelo menos, como principal recurso
70 No jargão editorial, obra integrada refere-se àquela que contém, num mesmo volume, várias disciplinas.
52
didático. Por outro lado, para a professora do Módulo 2, Maria do Socorro, a coleção carece
de “conteúdo”, pois, ao se trabalhar com esse tipo de material ou com projetos (como o
meio ambiente, por exemplo) por mais de três dias seguidos, os alunos reclamam por
“conteúdo”: “Eles querem mesmo é aprender a ler, a escrever e a fazer contas”.
Na sala de aula também se observam Atlas do corpo humano, mapa-múndi, livros
didáticos, giz de cera, jogos de letras, recortes de jornal, que ficam à disposição dos alunos.
Outras fontes de consulta são trocadas entre os professores nas reuniões das sextas-
feiras, quando ocorrem o planejamento das aulas, discussões sobre o currículo, definição de
projetos integrados, treinamento dos professores.
Embora o material didático mostrado estivesse devidamente organizado e as
professoras demonstrassem conhecer seu conteúdo e as possibilidades de seu
aproveitamento, quer como fonte de pesquisa, quer como material a ser reproduzido
parcialmente na lousa aos alunos, constatou-se certa dispersão. Ou seja, as professoras
usam aquilo de que dispõem, que recebem da diretora ou do coordenador da escola, ou
trazem de outras escolas em que trabalham, mas não podem solicitar esta ou aquela
coleção, mesmo que para seu próprio uso e não para distribuição entre os alunos.
De fato, indagada dias depois, a coordenadora Bárbara afirmou que os livros
didáticos do primeiro segmento de que a escola dispõe para consulta provêm de doações de
escolas vizinhas, cujos professores recebem dos PNLD ou diretamente das Editoras.
Uma professora dos Módulos 3 e 4 da área de Ciências Matemáticas e Naturais
reclamou que a escola não recebeu a coleção para EJA recém-reformulada da Editora Ática.
Tendo tido conhecimento dessa versão na escola da prefeitura (Escola Municipal de Ensino
Fundamental) em que também leciona, que recebera da Editora os exemplares de todas as
disciplinas destinados ao professor, ela analisou os volumes relativos a Ciências, de autoria
de Carlos Barros e Wilson Paulino71, e comentou que, em relação à edição anterior, que era
“muito simplória”, a nova edição melhorou, mas ainda não atende às necessidades dos
alunos da EJA, pois “não tem nada a ver com a realidade do aluno, que, em geral, está 15,
53
20 anos longe das salas de aula, tem uma bagagem de experiências e expectativas bem
diferentes”. Segundo ela, essa nova edição está muito calcada em materiais didáticos para
alunos do ensino regular — 5ª a 8ª séries.
Questionado sobre o assunto, o supervisor de divulgação de área da Editora Ática
afirmou:
Nós realizamos um trabalho em algumas escolas que trabalham com EJA, selecionei escolas
com mais de 300 alunos e fizemos um trabalho de divulgação. Não tivemos muito sucesso
com adoções, devido a alguns motivos, entre eles o baixo poder aquisitivo dos alunos, por
exemplo. Mas o que mais me chamou a atenção no relato dos professores é que os alunos
não têm as habilidades necessárias para acompanhar esse material…Também fiz um trabalho
com instituições que tratam de formação de professores para o EJA, como: Secretaria de
Educação do Estado, Secretaria Municipal de Educação, Instituto Paulo Freire, Fórum do EJA
de SP, Ação Educativa (ONG), Confederação da Mulher do Brasil — órgãos esses ligados ao
Programa Brasil Alfabetizado. Além disso atendemos muitos recados de professores que
receberam nossa mala direta e solicitaram os livros.72
Essa declaração leva-nos a investigar o processo de divulgação dos livros didáticos
destinados ao ensino regular. Em que aspectos a divulgação dessas obras para EJA difere
da divulgação dos demais livros? E isso será visto adiante neste trabalho, no próximo
capítulo.
2.1.2 Escola Estadual Major Arcy
No dia 16/6/04 visitou-se essa escola, que se localiza no bairro paulistano de Vila
Mariana, e entrevistou-se a professora de Matemática da fase 2 (designação que equivale à
6ª série do ensino fundamental), Angela. A escola tinha uma classe de 1ª, 2ª e 3ª fases e
duas classes de 4ª fase. As aulas da EJA têm 50 minutos cada e são dadas no período
noturno, das 19h00 às 23h00. Na sala observada havia quarenta alunos matriculados e,
segundo a professora, havia em média a presença de vinte alunos por dia. 71 Essa coleção será analisada nos capítulos 3 e 4 deste trabalho.
54
A indicação dessa escola havia sido passada por um divulgador da Editora Ática,
que afirmou que ela tinha adotado a coleção de EJA da Editora. Mas, logo no início da
entrevista, na sala dos docentes, a professora reclamou incisivamente da Editora: disse que
o divulgador deixou o exemplar do livro didático de EJA para a diretora em abril de 2004,
que lhe entregou em junho, quando já era tarde para solicitar aos alunos que o comprassem.
Reclamou também da não doação de exemplares a cada professor, e não apenas de um
volume de cada disciplina para a diretora. Afirmou que “os alunos compram. Eles gostam
de ter livros. Eles acham o máximo”. Comentou que, se pelo menos a metade dos alunos
tivesse o livro, a aula “renderia muito mais. Passar as atividades na lousa não rende”. Como
professora de 7ª e 8ª séries de uma escola particular das imediações (Vila Mariana,
Aclimação) que adota livro didático73, faz uma boa avaliação da sua prática pedagógica
com o uso desse material. Comentou também que, “lá na outra escola, as Editoras deixam
livros pra gente [professores] à vontade, diferente do que acontece aqui”.
Foram observadas duas aulas seguidas de Matemática. Na primeira, de 50 min,
houve a presença de apenas seis alunos. Na segunda aula, na qual a professora fez chamada,
o número de alunos chegou a doze. A professora usa o livro de EJA de Matemática de
Oscar Guelli (da Editora Ática, 2003, 3º e 4º ciclos) e estabelece uma dinâmica na qual ela
escreve na lousa, lê ou dita os enunciados das atividades propostas no livro, uma por uma.
Nessa aula, o tópico era razão, divisão, proporção e porcentagem. Também permite que os
alunos peguem no livro e copiem as atividades, chequem o enunciado de questões e
formulem perguntas com base nesse contato. Durante a aula, explorou as páginas 84-5 do
livro acima referido, lendo os enunciados das atividades para os alunos e anotando os
conceitos mais importantes. A correção era feita oralmente e depois transcrita na lousa
pelos alunos.
A professora leva para a classe outros livros didáticos que lhe servem de suporte.
Naquele dia tinha em mãos Matemática e realidade, de Gelson Iezzi, da Editora Atual
72 Comunicação via e-mail, 3/6/2004.73 No caso, a escola em questão adota, para o ensino de matemática nessas séries, a coleção daEditora Saraiva.
55
(volume de 8ª série) e outro título da Editora Moderna. De acordo com o tópico abordado,
extrai alguns exemplos e atividades dessas fontes.
A certa altura, para reforçar a idéia de que tanto ela quanto os alunos gostariam de
usar livros didáticos específicos para EJA, pediu a um aluno que mostrasse o exemplar que
ela lhe havia dado, pois o encontrou como sobra da biblioteca. O aluno, de dezesseis anos,
uniformizado da touca ao tênis, passando pelas meias, conforme a torcida organizada de um
time de futebol da capital, tirou prontamente o exemplar (Matemática em movimento, de
Adilson Longen, Editora do Brasil, 6ª série, PNLD 2002) da mochila, orgulhoso, e o exibiu
a mim. Notava-se que estava em boas condições de uso. Talvez o aluno não o utilizasse de
fato, nem na escola nem em casa, mas era perceptível sua satisfação de carregar o livro
como material escolar.
A professora também comentou com os alunos que eles estavam faltando muito às
aulas, fato que pude confirmar quando ela me mostrou o livro de chamada.
Apesar do grande número de alunos ausentes, pôde-se constar, entre os presentes,
interesse pelo aprendizado. Os que haviam faltado à aula anterior pediram ao colega o
caderno emprestado e copiaram o conteúdo dado; os alunos que estavam com dificuldade
para entender o desenvolvimento de atividades vinham até a professora para pedir
explicações. Havia um aluno que não anotava nada no caderno, pois gostava de fazer os
cálculos de cabeça. Acompanhava atentamente a leitura do enunciado da questão que a
professora extraía do livro didático e, logo em seguida, deitava a falar em voz alta as
passagens das operações matemáticas. A professora, dirigindo-se a mim, comentava
baixinho: “Olha que gracinha! E ele vai acertar, quer ver?”.
A avaliação é feita pela professora, de acordo com a participação nas aulas, e,
conforme ela me relatou, a presença dos alunos às aulas garante que eles passem para a fase
seguinte. O número máximo de faltas nas instituições escolares de EJA do sistema estadual
é cem no total (ou vinte em uma das disciplinas).
56
2.1.3 Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Olavo
Pezzoti
No dia 18/6/04 visitou-se essa escola, onde se assistiu a duas aulas da professora de
Língua Portuguesa, Eliana. Trata-se de uma escola municipal de ensino fundamental
localizada no bairro de Pinheiros e cuja unidade dedicada ao curso de EJA está alocada no
prédio do Colégio Assunção, no Jardim Paulistano. As turmas de EJA dessa professora
adotam o livro didático da Editora Ática, de Maria das Graças Vieira e Regina Figueiredo.
Ela era a única professora da escola que tinha optado pela adoção de livro didático. E foi
ela quem se dirigiu à Editora à procura de um material que pudesse utilizar em suas aulas,
pois, conforme me relatou, “o tempo é muito curto, as aulas são muito corridas, e o livro
didático ajuda na condução das aulas”. Apesar de ter optado pelo uso do livro, pois avalia
que foi a melhor solução, ela afirmou que, ao utilizá-lo, fugiu um pouco da sua maneira
habitual de ser: “Deixei de ser eu para usar o livro. O livro é meio rígido, já traz as
atividades todas encadeadas. Mas como eu não tenho tempo pra criar com os alunos e
desenvolver os conceitos como eu faço na outra escola, acho que foi a melhor opção”. Ela
também comenta que percebe que é difícil para os alunos acompanhar o livro, tanto no
processo de leitura propriamente dita quanto na compreensão dos conteúdos.
A primeira aula se iniciou às 18h00, conforme o horário estabelecido, com treze
alunos; aos poucos a classe foi se completando, e, às 18h33, a professora fez a chamada,
quando se contaram 33 alunos. A classe era composta de 35 alunos matriculados, sendo que
um aluno havia desistido do curso. Antes de dar andamento ao trabalho pedagógico, a
professora distribui a todos os alunos dois folhetos informativos publicados pela Secretaria
da Saúde — Saúde da Mulher, n. 1, abr. 2004 e Você sabe o que é saúde reprodutiva? — e
um folheto da iniciativa da farmácia popular do governo Lula. Escreve na lousa um
cabeçalho, composto de saudação (“Boa noite”), data e de uma frase — “Toda empresa
precisa ter gente que erra, que não tem medo de errar, que aprende com o erro” (Bill Gates)
— e comenta com a turma essa idéia e sua autoria.
57
A distribuição de material vinculado à prefeitura antes da aula pela professora
remeteu à lembrança da observação feita por David Hamilton sobre “lealdade profissional”
característica dos meios de aprendizagem — no caso uma escola municipal — , a saber:
Por sua vez, este contexto “administrativo” está imerso em estruturas departamentais ou
institucionais mais amplas, cada uma delas com seu próprio conjunto de procedimentos e de
lealdades profissionais e sociais.74
Ao retomar com os alunos o que havia sido dado na aula anterior (na noite passada),
faz uma remissão à página 42 do livro (no caso, o volume do 3º ciclo, que corresponde a 5ª
e 6ª séries), que focalizava o estudo de uma fábula como gênero textual em comparação
com um texto informativo. A grande maioria dos alunos tem o livro — alguns encapados e
um exemplar xerocado — e o abrem na página referida. Da página 43, detém-se apenas na
atividade 1, justificando aos alunos que não se deteria na produção de textos proposta na
atividade 2, pois achava melhor “dar mais matéria” uma vez que eles teriam avaliação na
próxima semana. Solicita a participação da classe para comentar as frases indicadas na
atividade como a moral de duas fábulas: “Seja sempre você mesmo”; “Amigos pequenos
podem ser grandes amigos”. Alguns alunos aderem à solicitação e dão contribuições.
Segue então para a página 44, que trata de gramática (o artigo), lê o texto da página
para a classe, que a acompanha de livro aberto, uns olhando para a professora, outros para o
livro. Chega a perguntar se algum aluno quer ler, mas, como ninguém se prontifica,
completa ela mesma a leitura da página. Escreve na lousa alguns elementos-chave do texto
lido, retomando os conceitos apresentados no texto (“um louco/o fogo”, explicando a
diferença entre artigo definido e artigo indefinido. Pergunta à classe quem se lembra do
conceito de substantivo, e os alunos não demonstram segurança para responder. Então
retoma esse conceito escrevendo na lousa alguns exemplos.
Às 18h33, dá uma pausa em suas explicações e pede aos alunos que realizem as
duas atividades propostas na página 45 do livro, enquanto faz a chamada:
74 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 41.
58
1. No caderno, crie frases com as palavras a seguir, de acordo com as indicações entre
parênteses. Siga o exemplo:
Cachorro, medroso (artigo definido, masculino, plural)
Os cachorros eram medrosos.
a) amigo, esperto (artigo indefinido, feminino, singular)
b) raposa, perigosa (artigo definido, feminino, plural)
c) doce, delicioso (artigo indefinido, masculino, plural)
2. Copie as palavras no caderno e acrescente os artigos definidos o ou a:
a) fome e) dó (pena, compaixão)
b) alface f) problema
c) fênix g) telefonema
d) dó (nota musical) h) eclipse75
Os alunos lêem o enunciado em silêncio e fazem o exercício no caderno. Alguns
partilham o livro com um colega.
A professora pergunta quem fez o exercício. Uma aluna, usando os termos amigo e
esperto propostos na atividade 1a), tenta, mas não consegue formular a resposta esperada.
Entre várias tentativas elaboradas pelos alunos, a professora destaca a opção mais adequada
e elabora, ela mesma, a frase (“A Bruna tinha uma amiga muito esperta”) e a escreve na
lousa. Dá mais um tempo aos alunos, orientando-os a consultar o quadro de classificação
dos artigos apresentado na página 44 do livro, que “explica tudo direitinho”. Diz que
aqueles exercícios serão para a próxima aula e, às 18h45, encerra a aula.
Dirige-se rapidamente para a outra classe (que corresponde à 7ª série) e inicia a aula
da mesma forma: entrega os folhetos, escreve o mesmo cabeçalho. Essa turma compõe-se
75 VIEIRA, Maria das Graças & FIGUEIREDO, Regina. EJA — Língua Portuguesa. 3º ciclo. São Paulo, Ática,2003. p. 45.
59
de 34 alunos, além de um desistente e um outro recém-falecido. Todos os alunos estavam
presentes.
Como os alunos dessa classe estão em estágio mais avançado que o da primeira
turma visitada, eles adotam o livro referente ao ciclo 4 dessa mesma coleção76. Nessa
classe, também a maioria dos alunos tem o livro.
A professora pede-lhes que abram o livro na página 38, que trata de complementos
nominais e verbais. Para explicar melhor o assunto, escreve na lousa um quadro extraído de
outro livro didático — Gramática, de Carlos E. Faraco & Francisco M. Moura (Ática,
1994, p. 326-7). Todos os alunos copiam o quadro no caderno, enquanto a professora
explica o assunto, intercalando algumas perguntas. Nesse momento, notou-se que certos
alunos se lembravam de conceitos adquiridos anteriormente: artigo, objeto direto, por
exemplo.
A professora lê para os alunos o texto da página 38 do livro didático (EJA) e pede-
lhes que façam as atividades 1, 2 e 3 da página 39. Após alguns minutos, desenvolve a
primeira atividade com os alunos e solicita-lhes que façam a duas restantes em casa. Além
disso, orienta a retomada do conteúdo exposto em aula anterior, às páginas 36-7, e pede-
lhes que produzam em casa a atividade proposta (assistir a um programa de TV e elaborar
um comentário crítico), à qual lança um comentário elogioso: “Olhem só que lição de casa
gostosa: assistir TV! Não percam essa oportunidade, hein?!”.
Pôde-se constatar que a professora calca sua prática em sala no livro escolhido;
porém o faz conforme um planejamento previamente efetuado, pois escolhe as atividades,
lança mão de outras fontes para desenvolver determinado tópico, faz comentários sobre
algumas atividades, pergunta aos alunos se estão entendendo. O ritmo da aula é impresso
por ela com todas essas operações. Nota-se bastante domínio da condução da aula e do
conteúdo, bem como familiaridade no uso de livros didáticos. A habilidade que ela
demonstrou na condução dos assuntos, fazendo avanços, saltos e retrocessos nas atividades
76 VIEIRA, Maria das Graças & FIGUEIREDO, Regina. 4º ciclo. Op. cit.
60
propostas no livro, evidencia que as aulas haviam sido preparadas com antecedência — a
professora sabia, de fato, qual conteúdo queria transmitir aos alunos naquela aula.
A presença era massiva nas salas de aula e a grande maioria tinha seu próprio
material escolar, inclusive o livro didático. Das turmas observadas, considerando-se todas
as escolas visitadas, essas turmas eram as mais “disciplinadas” — na maneira de sentar, de
organizar o material na carteira, na quase ausência de brincadeiras, conversas e
questionamentos durante a aula. Talvez se possa arriscar a constatação de uma postura mais
passiva dos alunos diante do saber expresso pelo professor e pelo livro — mas uma
generalização desse tipo de atitude precisaria ser investigada mais extensivamente em
outros momentos e em outras turmas, professores e escolas.
Com a observação das aulas, pôde-se endossar a percepção da professora de que o
livro é difícil para os alunos. Eles gostam de portar o livro, de manuseá-lo, de cuidar dele.
Mas quase não se percebeu uma interação mais intensa com esse material, quer na leitura
ou em expressão de dúvida, questionamento, crítica ou manifestação de prazer.
2.2 Avaliação das observações
É oportuno que se deixe claramente expresso que, tendo sido minha primeira
intenção verificar o uso de livros didáticos por estudantes de EJA, as visitas aos Cieja e à
escola estadual constituíram num “erro de percurso”. Pelos contatos iniciais, entendeu-se
que essas instituições “usavam livros didáticos”. De fato, de uma forma indireta, esse
material está presente em sala de aula, mas não por meio de sua adoção pelos alunos.
Apesar desse “descaminho”, as observações serviram para identificar aspectos importantes
para o desenvolvimento deste trabalho: os materiais didáticos utilizados pelo professor e
pelos alunos na sala de aula, as queixas dos professores em relação aos livros didáticos e
em relação à presença das Editoras nas escolas, as diferenças entre os meios de
aprendizagem (o treinamento de professores, as situações pedagógicas propostas, o
envolvimento dos alunos, entre outros fatores).
61
Das visitas a essas instituições de ensino e observação da prática em sala de aula,
pôde-se constatar uma nítida diversidade de culturas organizativas. As duas unidades Cieja
visitadas demonstraram dominar maior grau de coesão entre proposta político-educacional,
treinamento docente e prática em sala de aula. Embora houvesse diversidade entre as
práticas adotadas entre professores das duas unidades, as entrevistas com os professores
revelaram a existência de um discurso dominante e consolidado quanto à proposta
pedagógica e à representação que eles fazem do aluno e do próprio trabalho docente.
Comentários sobre os livros didáticos de EJA disponíveis no mercado eram marcados por
queixas do tipo: “Não têm a ver com a realidade do aluno”; “São livros do ensino regular
reduzidos na extensão”; “O aluno de EJA tem toda uma bagagem de vida, fantástica, que
não pode ser desprezada quando damos aula. Livros para crianças do ensino regular não
servem pra ele”77. E percepções do tipo: “O aluno de EJA tem expectativas bem claras: quer
aprender a ler, a escrever, a fazer contas”78; “O aluno de EJA já tem vivência e, por isso,
quando vem ao curso tem objetivo, quer aprender. E isso é muito legal. Trabalhar com eles
é muito bom”79; “Aqui nós temos alunos que causaram problemas sérios quando cursavam
a escola normal, do ensino regular, inclusive temos alunos em liberdade assistida, mas aqui
eles não dão trabalho nenhum. É que eles querem aprender. É diferente”80.
A professora da escola municipal demonstrou autonomia em relação à escolha do
material didático a utilizar. Foi ela quem, de fato, tomou a iniciativa de procurar na sala dos
professores de uma Editora alguma obra que pudesse atender a seus interesses, pois, como
professora do curso regular do ensino fundamental, ela já havia adotado livros didáticos
dessa Editora e estava habituada a fazer esse tipo de busca. Tendo encontrado essa obra,
consultou os alunos de cada classe sobre a compra, fez uma lista, arrecadou dinheiro e
adquiriu os livros (com desconto de 20% sobre o preço de capa). Note-se que nesse caso a
77 Comentário da professora de Ciências (bióloga de formação) do Cieja de São Mateus feito à pesquisadorana sala dos professores.78 Comentário da professora de Matemática (geógrafa e pedagoga de formação) do Cieja São Mateus feito àpesquisadora em sala de aula.79 Comentário do professor de Ciências Humanas (geógrafo de formação) do Cieja Guaianases — sala dosprofessores.80 Comentário da secretária do Cieja Guaianases, que coincide no conteúdo e no tom com o depoimento dadopelo coordenador do curso dessa mesma instituição.
62
iniciativa partiu da professora em relação à Editora, e não o contrário, como costuma
ocorrer, da equipe de divulgadores aos professores.
A escola estadual demonstrou certo grau de desordenação nas ações didático-
pedagógicas, na escolha do material didático e do conteúdo e da freqüência dos alunos. Já
na sala dos professores, a fala dos docentes revelou desconhecimento das políticas de
escolha do livro didático para o PNLD e dos processos de adoção de livros junto às
Editoras comerciais81. Essa escola me havia sido indicada pelo departamento de divulgação
da Editora como uma das que adotaram a coleção de livros didáticos de EJA. Para minha
surpresa, no contato telefônico com a coordenadora, foi-me dito que a adoção só ocorrera
por parte da professora de Matemática (de livros dessa disciplina). O pedido de visita e
observação foi aceito sem restrição. Maior surpresa tive ao saber dessa professora que, de
fato, suas turmas não adotaram esses livros, mas apenas ela o fizera porque o divulgador
não lhe deu material (os livros para avaliação) nem informações suficientes para uma
possível adoção: preço, por exemplo. Com o tom queixoso, reiterou várias vezes, inclusive
durante a aula, diante dos alunos, que um livro didático a ajudaria muito nas aulas: “Eles
adoram ter um livro. Quanto custa? [E eu não sabia informar.] A maioria trabalha, pode
comprar.”; “Eles se acham o máximo quando têm um livro!”; “Mostre a ela o livro que eu
te dei”; “Se ao menos a metade comprasse o livro, os alunos poderiam trabalhar em duplas
ou em grupos e a aula renderia muito mais!”.
De fato, o objetivo primeiro de observar o uso de livros didáticos em sala de aula
não foi atingido, dada a escassez de instituições escolares de EJA identificadas para esse
fim. Entretanto, com base nas visitas realizadas pôde-se constatar que o livro didático está
presente de maneiras diversas em sala de aula. Embora algumas unidades escolares (como
os Cieja) definitivamente não adotem esse tipo de material, eles estão presentes nas aulas
sob a forma de textos fotocopiados, nas mãos do professor, em sua mesa, no armário, na
81 Uma professora de História do ensino regular do segundo segmento do ensino fundamental me perguntouquando deveriam ser feitos os pedidos de livros didáticos; comentou também que houve problemas naremessa de coleções, pois a escola, tendo solicitado um título, havia recebido duas coleções, o que lhe causavatranstornos para conduzir o programa com as turmas. Perguntou-me também o que ocorreria se o governo(estadual, no caso) lhes enviasse uma coleção diferente da que estavam usando naquele momento.
63
mochila do aluno. Nesse sentido, essa constatação reforça o que Luciana Araújo82 chama de
“diferentes materialidades” do livro didático:
[…] pude perceber que o livro didático está presente diariamente na sala de aula. Mas a sua
materialidade é diversa: são as páginas fotocopiadas (“xerocadas”, como dizem os
professores); são trechos digitados e impressos, dos quais se multiplicam cópias para os
alunos; são as figuras transformadas em cartazes; são textos e exercícios mimeografados ou
transcritos na lousa, dentre outras formas de apresentação.
Chegando às escolas, “o livro” [aquele encadernado, formato padrão, com capítulos, etc.] que
encontrei não foi bem esse. No mais das vezes, deparei-me com sua inexistência material, e,
em seu lugar, “textos soltos”, selecionados de diversos livros didáticos ou paradidáticos e
copiados, digitados/impressos, mimeografados pelos próprios professores.
De modo geral, as observações das práticas em sala de aula conduziram a
conclusões contrárias às expectativas iniciais.
Se a expectativa inicial era encontrar a coleção de livros didáticos de EJA mais
vendida, supostamente a mais aceita pelo estudante, ao menos pelo professor, isso ficou
longe de ser concretizado. Conforme os depoimentos, os livros didáticos existentes são mal
divulgados nas redes de ensino. E, também de acordo com esses professores, os livros
existentes estão longe de atingir as suas expectativas, pois são incompatíveis com o
universo do público leitor.
Se a expectativa era assistir a aulas que empregavam o livro didático como recurso
utilizado pelo aluno, a amostragem foi pequena: apenas um curso. E a observação resultou
numa avaliação não muito otimista em relação à obra, pois não se percebeu motivação dos
alunos, interação com o objeto, mas disciplina como aspecto preponderante. Nesse aspecto,
David Hamilton afirma:
Os alunos não reagem apenas a um conteúdo apresentado ou às tarefas prescritas. Ao
contrário, eles se adaptam e trabalham dentro de um meio de aprendizagem, tomado como
82 ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de História: depoimentos de professores deescolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001.Dissertação de mestrado. p. 97-8.
64
um todo. Eles levam em conta seja o currículo “latente”, seja o currículo “aparente”. E, além de
adquirirem hábitos de estudo, de leitura e de reagir, assimilam também as convenções, as
crenças e os modelos de realidade que estão sendo constante e inevitavelmente transmitidos
por meio de processo de ensino.83
Que modelos da realidade, convenções e crenças estariam sendo transmitidos nessas
situações didáticas? Se nos basearmos na dinâmica das aulas e na estruturação pedagógica,
pode-se considerar que as situações propostas nos Cieja pretendam proporcionar aos
estudantes oportunidades de participação ativa no aprendizado, de integração ao grupo e à
comunidade, a despeito de terem ou não um livro a acompanhar.
Já o caso da situação em que se optou pela adoção do livro didático, podemos,
grosso modo, considerar que o ensino se pauta pela transmissão de um modelo de
conhecimento consolidado, tomado pronto de uma realidade externa aos estudantes. Nesse
sentido, o livro seria o objeto veiculador do saber necessário ao aluno, o objeto que porta o
conhecimento que faz a diferença entre os que tiveram estudo e os que não tiveram essa
chance. Poderíamos até considerar que, paradoxalmente, o livro reforça o modelo de
sociedade que excluiu o próprio aluno.
A pesquisa deveria ter sido aprofundada em outras escolas que usam livros
didáticos, mas, como já se explicitou acima, foi (e é) difícil conseguir uma lista dessas
escolas. Não tanto porque a Editora queira sigilo dessas informações, mas mais por causa
da falta de sistematização do trabalho da empresa nesse segmento: datas de visitas em
períodos não previsíveis, não atualização do cadastro de professores e coordenadores de
EJA, controle irregular das visitas84 — supõe-se.
Se considerarmos a motivação, o envolvimento afetivo, o interesse dos alunos pelo
aprendizado, as unidades Cieja foram as que mais evidenciaram uma dinâmica de aula que
83 HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 41.84 Além disso, o tempo imposto para o término dessa dissertação não o permitiu, pois o prazo finalmentedestinado a contatos com escolas, visitas e observação acabou ficando delimitado para os meses de novembroa janeiro, período em que as instituições escolares estão promovendo avaliações, reuniões de coordenação ouem férias.
65
se destacasse nesses aspectos, mas os estudantes não utilizavam livros didáticos. Só os
professores o faziam, em geral para extrair atividades ou textos para os alunos.
Pode-se concluir, portanto, que, na educação de jovens e adultos, o livro didático
está presente nas salas de aula apenas como recurso material extra que auxilia o professor
em sua prática pedagógica — conforme já se havia afirmado anteriormente. Até mesmo na
instituição em que ele estava formalmente adotado pela classe, a professora demonstrou
usá-lo conforme as estratégias por ela elaboradas previamente, o que reforça a idéia de que
o livro didático pode ser usado como suporte, por professores preparados, não como muleta
de professores despreparados. No tocante aos alunos, entretanto, o livro se presta mais
como um bem em si, e não como um veiculador de conteúdos dos quais eles se apropriam
ativamente, contrariamente ao que se costuma conceber no senso comum, ou imagina-se
que se conceba pelo menos no processo de edição.
Se essa avaliação for de fato pertinente, cabe perguntar: a que se deve tal
distanciamento? Por que o livro didático (o livro analisado) não se realiza como objeto de
conteúdos culturais para o aluno, o aluno de EJA? Por que ele não dialoga com o
estudante, o estudante de EJA?
Um estudo da destinação dessas obras, com base nos dispositivos editoriais
escolhidos em sua produção, presta-se a responder a esse tipo de indagação.
66
3. Livros didáticos para educação de
jovens e adultos
Serão considerados nessa categoria os materiais didáticos que se destinam à EJA e
produzidos por Editoras diversas, que se componham pelo menos de livros para o uso do
aluno em sala de aula, e que não sejam simplesmente usados como suporte da prática
pedagógica pelo professor. Por causa do enorme volume de materiais e pela dispersão, a
identificação baseou-se, num primeiro momento, no material que chegou fisicamente às
minhas mãos no momento do desenvolvimento deste estudo — quer via Editora Ática, quer
nas visitas feitas em escolas.
Estes foram os títulos identificados na primeira etapa do trabalho:
Ciências — Cidadania e qualidade de vida, de Arilete Regina Cytrybski e Maria
Helena Orlowski. Curitiba, Educarte, 1998. 2 v. (Livros do aluno e livros do
professor.) EJA 2º segmento do ensino fundamental.
Ciências, de Arilete Regina Cytrybski e Maria Helena Orlowski. Curitiba,
Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino fundamental.
Matemática, de Leoni Teresa Mezzadri Brudzinski. Curitiba, Educarte, 2001. 2
v. (Livros do aluno.) EJA 1º segmento do ensino fundamental.
Estudos da sociedade e da natureza, de Maria Inez Kierski Motta e Rose Maria
A. M. Nepomuceno. Curitiba, Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino
fundamental.
Língua Portuguesa, de Rubi Rachel Nascimento e Júlia Gerin. Curitiba,
Educarte, 2001. 2 v. EJA 1º segmento do ensino fundamental.
Matemática — A historicidade do ser humano. Recife, Edições
Bagaço/Universidade Federal de Pernambuco – Núcleo de Ensino, Pesquisa e
67
Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular, 1998. 1 v.
EJA Módulo 1.
Língua Portuguesa — A sociabilidade do ser humano. Recife, Edições
Bagaço/Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Ensino, Pesquisa e
Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular, 1998. 1 v.
EJA Módulo 2.
Geografia, de Sonia Castellar e Valter Maestro. São Paulo, FTD, 2001. 2 v.
(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
Ciências — Natureza e vida, de Demétrio Gowdak e Eduardo Martins. São
Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
Entre palavras, de Mauro Ferreira. São Paulo, FTD, 2001. 2 v. EJA 2º segmento
do ensino fundamental.
História do Brasil — Colônia, Império, República, de Alfredo Boulos Jr. São
Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do
ensino fundamental.
História geral — Antiga, medieval, moderna, contemporânea, de Alfredo
Boulos Jr. São Paulo, FTD, 2001. (Livros do aluno e do professor.) EJA 2º
segmento do ensino fundamental.
A conquista da Matemática, de José Ruy Giovanni. São Paulo, FTD, s.d.
Ciências, de Carlos Barros e Wilson R. Paulino. São Paulo, Ática, 2003. 2 v.
(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
Matemática, de Oscar Guelli. São Paulo, Ática, 2003. 2 v. (Livros do aluno e
livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino fundamental.
68
Geografia, de Vânia Vlach e J. W. Vesentini. São Paulo, Ática, 2003. 2 v.
(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
História, de Nelson Piletti e Claudino Piletti São Paulo, Ática, 2003. 2 v.
(Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
Língua Portuguesa, de Graça Proença e Regina Horta. São Paulo, Ática, 2003. 2
v. (Livros do aluno e livros do professor.) EJA 2º segmento do ensino
fundamental.
Visão para o futuro. Livro integrado de Português, Matemática, Ciências,
Geografia, História, de José Camargo; Francisco Gemaque; Marcelo Costa;
Mauro Miranda; Nonato Bouth; André Estumano; Lena Miranda. Editora Mega-
Mestre, s.d. 4 v. Sem ficha catalográfica, sem endereço, sem data de
publicação.85
Coleção Curupira. Livro integrado, de Alfredo Cardoso; Joaquim Camara;
Joana Brito; Regina Rayol; Pedro Palheta. Belém, Editora Amazônia, 2003. 2
v.86
Viver, Aprender. 2. ed./3. ed. São Paulo, Ação Educativa/Global, 2002. 3 v. (3
livros do aluno e 2 livros do professor.) EJA 1º segmento do ensino
fundamental.
Viver, Aprender. São Paulo/Brasília, Ação Educativa/Ministério da Educação e
do Desporto – Secretaria de Educação Fundamental, 1998/1999. 3 v. (3 livros do
aluno e 2 livros do professor.)87
85 Em um papel que parece ser uma lista de preços da empresa que publica e comercializa esse material,constam, entre outras, as seguintes informações no rodapé: Editora Amazônia Livros e Videos Ltda., Belém.Consta também a versão não-integrada dessa coleção e uma coleção destinada ao EJA 1º segmento do ensinofundamental, a coleção Curupira.
69
Reitero que, além desses títulos, deve haver uma infinidade de outros, dada a
configuração pulverizada em que se encontra esse segmento de ensino. Diferentemente do
que se verifica com os materiais didáticos destinados ao ensino infantil, fundamental e
médio, os livros dedicados à EJA são, em sua grande maioria, resultantes de iniciativas
dispersas em entidades não-governamentais, grupo de professores, sindicatos, escolas
particulares, casas publicadoras de difusão local.
3.1 A concentração das Editoras
Ao verificar a produção de livros didáticos destinados ao ensino regular, quer no
mercado das escolas particulares, quer no PNLD, verificamos a participação de um número
reduzido de Editoras, a maioria concentrada na cidade de São Paulo. Essa realidade é
criticada por pesquisadores como Eloisa Höfling88, que escreve:
A participação historicamente concentrada de reduzido número grupos editoriais privados no
processo decisório referente à implementação do PNLD coloca em questão tanto os objetivos
como o alcance de uma política pública de corte social.89
Os dados a seguir do PNLD 2004 servem para reforçar o que essa autora aponta:
86 Identificou-se uma versão desta edição com patrocínio da Secretaria Executiva de Educação do Estado doPará no ano de 2003. A edição original tem o acabamento em espiral e esta versão patrocinada tem oacabamento em brochura.87 Identificou-se uma edição especial desta coleção para a Prefeitura de Recife no ano de 2000. Idem acimaem relação à diferença de acabamento (espiral/brochura).88 HÖFLING, Eloisa de Mattos. Notas para discussão quanto à implementação de programas de governo: emfoco o Programa Nacional do Livro Didático. Educação & Sociedade, 21 (70): abr. 2000.89 De fato, ao analisar listas de adoções do PNLD veremos que as vendas se concentram em número restritode Editoras (as de maior porte), notadamente as da cidade de São Paulo, situação que pode ser explicada peloque foi exposto anteriormente. Entretanto, esses dados não explicam a atuação dessas empresas naimplementação e execução dessa política pública. Nesse sentido, o que se pode constatar é a existência deuma entidade de negociação, a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), que se relaciona cominstâncias do governo nos assuntos que dizem respeito à sua área de ação (prazos, forma material de entregadas obras, etc.).
70
Entrega integral dos livros de 1ª a 4ª série e reposiçãode livros de 5ª a 8ª série.
Editora Tiragem Marketshare
Editora Ática Ltda. 20.033.049 20,4%
Editora FTD S.A. 19.358.031 19,7%
Editora Saraiva Ltda. 17.538.240 17,8%
Ibep — Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas
Ltda.
12.373.412 12,6%
Editora Scipione Ltda. 9.544.909 9,7%
Editora Moderna Ltda. 9.386.413 9,5%
Editora do Brasil S.A. 4.037.665 4,1%
Editora Nova Didática Ltda. 2.576.378 2,6%
Editora Nova Geração Ltda. 1.075.673 1,1%
Editora Dimensão Ltda. 1.015.264 1,0%
Quinteto Editorial Ltda. 689.923 0,7%
Formato Editorial Ltda. 322.794 0,3%
Base Editora e Gerenciamento Pedagógico Ltda. 268.194 0,3%
Companhia Editora Nacional 218.018 0,2%
Total 98.437.963 100,0%
Fonte: www.fnde.gov.br.Obs.: Esses números são referentes à compra efetuada pelo governo
federal. As compras do estado de São Paulo não estão contabilizadas.
Embora Eloisa Höfling tenha baseado sua argumentação em dados anteriores ao ano
de 2000, as informações do quadro ora exposto ainda confirmam essa tendência. Com
exceção da Editora Nova Didática, que está vinculada ao Grupo Positivo, e da Base
Editora, fundadas em Curitiba (estado do Paraná), as demais estão sediadas na cidade de
São Paulo. E, considerando-se que as Editoras Dimensão e Formato estão vinculadas à
Saraiva; a Quinteto, à FTD; e que as Editoras Ática e Scipione pertencem ao mesmo grupo
empresarial, assim como a Companhia Editora Nacional juntamente com o Ibep, são apenas
nove “grandes Editoras” que produzem 100 milhões de livros (só para o governo). 90 Tal
ranking confere a essas empresas o status de ricas e famosas no setor editorial brasileiro.
90 Quadro bastante semelhante se confirmou no PNLD 2005.
71
Neste trabalho, sempre que usarmos o termo “grandes Editoras” estaremos nos referindo às
indicadas no quadro anterior.
Nesse sentido, é interessante considerar também os dados de uma pesquisa realizada
pelo BNDES sobre o setor editorial. Sobre a tendência de concentração, o estudo assinala:
Estima-se, no Brasil, a existência de aproximadamente 1 200 Editoras, sendo que, filiadas à
CBL, são 400 empresas, das quais 10% podem ser consideradas grandes. A CBL considera,
como comerciais, as que editam, pelo menos, cinco livros, anualmente, e cuja atividade
principal seja a edição.
As Editoras estão concentradas, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Porto Alegre e Curitiba. Nas regiões Sul, especialmente Porto Alegre, e Nordeste,
encontram-se, também, Editoras voltadas para a produção regional. As únicas Editoras de
capital aberto são a Editora Saraiva e a Editora Melhoramentos. Nenhuma Editora possui mais
do que 7,0% do mercado. Algumas Editoras, mesmo as de pequeno porte, possuem livrarias.
Nesse sentido, merece destaque a Editora Saraiva, com a sua rede de livrarias e a Siciliano.91
Sobre a importância do segmento de didáticos no setor, aponta:
O segmento de livros didáticos, incluindo-se, também, os paradidáticos, é o mais importante
do setor, representando, em média, 54% da produção editorial. Dos 369 milhões de livros
produzidos, em 1998, 244 milhões referiram-se a livros didáticos. É o segmento mais
concentrado, ou seja, com o menor número de Editoras (Ática, Scipione, Saraiva, Moderna), o
que pode ser explicado pelo seu elevado custo de produção.
O mercado de livros didáticos faturou cerca de US$ 998 milhões, em 1998, acompanhando o
aumento no número de crianças e adolescentes matriculados nas escolas. O governo é o
maior comprador de livros didáticos do país, tendo participado com cerca de 44%, das
compras deste segmento, em 1998, quando adquiriu cerca de 114 milhões de exemplares;
mesmo com margens menores e com os colégios integrados produzindo material didático,
essa expansão da venda de livros didáticos vem chamando a atenção de Editoras
estrangeiras, especialmente da Europa, onde as possibilidades de crescimento quase não
91 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Brasília,BNDES/Gerência Setorial de Comério e Serviços, 1999. p. 15.
72
existem mais. Assim, haveria uma tendência de internacionalização do segmento de livros
didáticos brasileiro.92
Dadas as discussões acerca do grande volume de livros mobilizado pelas Editoras
de didáticos, é interessante avaliar a participação do setor editorial na movimentação da
economia brasileira. Ainda segundo o estudo acima apontado, essa contribuição não é das
mais representativas: “A participação da indústria editorial no PIB brasileiro cresceu
42,1%, de 1990 a 1998, mas ainda representa apenas 0,27% do mesmo”. E apresenta os
dados numa tabela, que reproduzimos a seguir:
Brasil – Participação da Indústria Editorial no PIB Brasileiro
Ano Faturamento(US$) (a)
PIBbrasileiro
(US$ milhões)(b)
Faturamento/PIB(em %)
1990 901.503.687 469.318 0,19
1991 871.640.216 405.679 0,21
1992 803.271.282 387.295 0,21
1993 930.959.670 429.685 0,22
1994 1.261.373.858 543.087 0,23
1995 1.857.377.029 705.449 0,26
1996 1.896.211.487 775.409 0,24
1997 1.845.467.967 804.182 0,23
1998 2.083.338.907 777.083 0,27
Fontes: CBL(a) e Revista Conjuntura Econômica, FGV, out. 1999 (b).
Se conferirmos as Editoras constantes na lista dos livros de EJA obtidos logo no
começo da pesquisa e indicados no início deste capítulo, veremos que só duas delas fazem
parte desse ranking das Editoras que mobilizam grande volume de livros: a Ática e a FTD.
Voltando ao nosso objeto de estudo, acredita-se pertinente, portanto, que se tenha
questionado em certo momento: por que a maioria delas não se interessa em produzir livros
para EJA, uma vez que, conforme os dados já apresentados neste trabalho, a população
92 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Op. cit., p. 21.
73
estudantil dessa modalidade de ensino justificaria uma ação dessa natureza? Esse
estranhamento gerou a suposição de que os livros de EJA são irrelevantes na conjuntura
atual e conduziu a pesquisa a definir seu foco em aspectos da produção de livros didáticos
de EJA dessas duas grandes Editoras (Ática e FTD) e a fazer uma comparção dos produtos
de EJA com outros supostamente de maior relevância.
3.1.1 Duas Editoras comerciais
Após a listagem do material de EJA disponível para consulta, a pesquisadora checou
se as outras Editoras com participação no PNLD tinham títulos para EJA. A consulta ao
catálogo das maiores Editoras comerciais e ao site das livrarias Cultura e Saraiva entre o
ano de 2003 e o mês de junho de 2004 levou a pesquisadora a reafirmar a constatação de
que apenas duas das maiores Editoras comerciais possuem coleções para EJA93: a Ática e a
FTD94. Se de fato alguma outra Editora tem obras didáticas de EJA, não fazem sua
divulgação em livrarias, nem expõem seus títulos no site da empresa.
Como já se disse, este trabalho fará um estudo mais detalhado das coleções dessas
duas Editoras. Antes, porém, dada a constatação da escassez desse material no mercado,
acreditamos pertinente indagar em que momento essa produção se encaixa na programação
dessas duas Editoras, qual o investimento dedicado a ela e quais as expectativas que os
editores têm do produto. Algumas entrevistas com os agentes envolvidos nas decisões
editoriais se prestam a responder a essas questões, e isso será feito e transcrito ao longo do
trabalho, porém uma análise comparativa entre os materiais de EJA e os considerados de
maior prioridade também pode fornecer dados que nos levem a entender tal panorama. Esse 93 Sobre o conceito de coleção, ver: TOLEDO, Maria Rita de A. Coleção Atualidades Pedagógicas: do projetopolítico ao projeto editorial (1931-1981). Op. cit., p. 2-5. E OLIVERO, Isabelle. L´invention de la colection.Paris, IMEC/Maison des Sciences de H´Homme, 1999. Esta última autora analisa as operações editoriais queconfiguraram o surgimento de coleções com o objetivo do barateamento dos custos unitário de produção.Nesse caso, eram livros de diversas naturezas: devocionais, para moças, de divulgação científica. Nestadissertação não nos deteremos a analisar a origem das coleções didáticas como estratégia editorial. Mas pode-se considerar que essas coleções apresentam uma padronização na forma de apresentação (capa, formato,projeto gráfico), bem como no que se refere à autoria e à divulgação — o que provavelmente diminui oscustos de produção em relação ao lançamento de unidades de livros isoladas.
74
exercício pode revelar importantes estratégias adotadas por esses agentes, suas
representações do público consumidor (o aluno? que aluno?; o professor? ou o avaliador?),
segundo suas visões do mercado editorial e perspectivas de negócio.
Os editores, ao materializar suas obras, o fazem segundo sua leitura do mercado,
suas metas, e as destinam a um público específico também conforme as representações que
fazem dele. Há que se ressaltar, no entanto, que ao investigar livros didáticos do ensino
regular e da EJA, estamos lidando com dois produtos diferentes e cujos processos
produtivos, portanto, podem envolver aspectos também diferentes.
Antes de partir para a análise dessas duas realidades, há ainda que se distinguir duas
situações hoje integradas ao cotidiano das Editoras no que diz respeito à produção de livros
didáticos para o ensino regular: a destinada a alunos das escolas particulares e a destinada a
alunos de escolas públicas, ou seja, os que são atendidos pelo PNLD. Posto que são
produtos de destinação específica (“livro para o mercado” e “livro para o PNLD ou MEC”,
como se diz no jargão das Editoras), é plausível supor que eles conformem dispositivos
editoriais e suportes materiais também específicos.
A produção de livros para EJA segue, portanto, uma determinação diversa dos dois
produtos prioritários (para o governo e para o mercado) e é viabilizada conforme a
disponibilidade de tempo — encaixando-se entre as programações principais —, de mão-
de-obra e de verba. É, portanto, um produto secundário. A implantação do PNLD fez com
que as Editoras se reestruturassem para atender às regras impostas pelo programa. Nesse
sentido, elas passaram a planejar sua programação conforme a projeção95 que fazem da
provável data da próxima publicação do edital de convocação, das regras por ele
determinadas, do prazo de inscrição, das expectativas dos avaliadores. Por sua vez, a
94 Curiosamente, as duas de maior vendagem para o MEC.95 É de se notar que embora se trate de uma projeção, pois as regras podem mudar a cada PNLD e a cadaequipe de governo, a análise das obras identificadas no Guia indica que as Editoras trabalham com base naexperiência acumulada, partindo daquilo que já apresentaram e em cujas inscrições e vendas obtiveramsucesso. Também é factível conceber que parte dessas projeções se baseia nas negociações prévias entregoverno e entidades representantes do setor editorial antes da proposição pública do edital de convocação. Sea cada governo mudam os agentes instituídos (MEC, FNDE), o setor se adapta a esse panorama depositandoem novos interlocutores e em outras vias de comunicação o acesso ao poder público.
75
programação destinada ao mercado corre paralelamente, obedecendo seu processo
específico de produção, quer para reedições quer para lançamentos, conforme as projeções
que os editores fazem desse mercado (a situação dos concorrentes tradicionais, as obras
emergentes, o resultados das vendas das edições atuais).
Diante disso, não é difícil imaginar que as Editoras vislumbrem que os
investimentos em livros para EJA sejam pouco atrativos e os releguem a plano secundário.
E, quando o fazem, dedicam menos recursos que os investidos em seus produtos de
primeira linha. A comparação a seguir se presta a analisar essa hipótese.
Conforme já se apontou anteriormente, neste trabalho considera-se que livro não é
apenas um conjunto de idéias, mas um objeto constituído de dispositivos materiais e que
agrega práticas — ações e relações humanas — tanto em sua produção quanto no uso que
dele se faz.
Justifico, portanto, a análise que será feita a seguir baseando-me em Roger Chartier:
Manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição
de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as
apropriações às quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem quando se tornam
realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou
narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a “ordem
do discurso” pressupõe decifrar, com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os
processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que
veiculem o escrito). Mais do que nunca, historiadores de obras literárias e historiadores das
práticas e partilhas culturais têm consciência dos efeitos produzidos pelas formas materiais.96
Como dispositivos materiais dessas obras, serão analisados a tiragem, o número de
páginas, o formato, o acabamento, o papel, as imagens, a estrutura do livro e a seleção de
seu conteúdo. Como por materialidade se entende o que existe além do conteúdo simbólico
mas que lhe serve de suporte, vamos analisar também alguns aspectos que dizem respeito
ao tempo de edição, aos profissionais de edição, ao autor e à divulgação.
96 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV eXVIII. Op. cit., p. 8.
76
3.2 Os títulos e a autoria
No momento em que esta pesquisa se iniciou, constatou-se que os títulos de EJA
dessas duas Editoras destinam-se a alunos que almejam a certificação da escolarização
correspondente ao segundo segmento do ensino fundamental. Essas Editoras identificavam
esses livros como relativos ao 3º e 4º ciclos. Nessa data, essas Editoras não apresentavam
títulos correspondentes ao primeiro segmento do ensino fundamental, ou 1º e 2º ciclos.
Coincidentemente ou não, as duas Editoras tinham produzido livros de EJA nas mesmas
disciplinas: Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa, Matemática e Inglês. E o
conteúdo de cada disciplina estava desenvolvido em dois volumes.
No caso da Editora Ática, esses títulos podem ser encontrados no site
(www.atica.com.br). No da Editora FTD, que não exibe esses títulos no site
(www.ftd.com.br), a pesquisadora pôde saber da existência das obras por ter recebido do
departamento de divulgação da Editora Ática alguns exemplares de EJA da Editora FTD de
uma disciplina e outra e pelo contato telefônico com um dos editores e funcionários da sala
de atendimento aos professores dessa Editora (FTD).
Ao fazer um levantamento desses autores de obras de EJA, percebemos que eles
constam como autores também em outras versões de coleções — mercado e MEC. Em
alguns casos, ocorrem arranjos, como a supressão de um ou outro sobrenome na capa, mas,
de qualquer forma, a função da autoria é atribuída a personagens de nomes já consagrados
em livros didáticos de ensino regular. E não a agentes de fato vinculados à prática do
ensino de jovens e adultos, como a especificidade da obra poderia aludir.
A constatação da existência de títulos desses autores elaborados na versão de
mercado pode ser feita nos sites de ambas as Editoras. Os títulos que constam da lista de
obras aprovadas no PNLD 2005 podem ser obtidos por meio de consulta ao Guia do Livro
Didático 5ª a 8ª séries — PNLD 2005 de cada disciplina, disponível, entre outros meios, no
site www.mec.gov.br.
77
Até aqui nos detivemos a expor os produtos vinculados aos autores de livros de
EJA. Mas se avançamos na observação desses materiais, percebemos, com base numa
análise superficial de dispositivos desse conjunto de obras (EJA, mercado e MEC), como o
próprio título, o sumário e às vezes a capa, que as Editoras procederam a uma seleção
dentre as coleções já existentes, pois ambas possuem mais de uma coleção de cada
disciplina, e as adaptaram para a EJA.
Tal confluência de estratégias básicas tomadas por essas Editoras evidencia que os
livros de EJA resultam, portanto, de um projeto totalmente concebido pelas empresas.
Trata-se de uma observação justificável na medida em que explicita uma possível prática
editorial. Roger Chartier chama atenção para uma distinção a ser feita entre “dois conjuntos
de dispositivos”:
os que destacam estratégias textuais e intenções do autor, e os que resultam de decisões de
editores ou de limitações impostas por oficinas impressoras.97
Nesse sentido, ao que tudo indica, o projeto de EJA das duas Editoras se caracteriza
por ser um produto de decisões tomadas pelos editores, e não uma obra idealizada por
autores.
Vejamos então os autores de EJA e suas obras (de EJA, mercado e MEC).
Autor—títulos ÁticaAutor Título
Carlos Barros e Wilson R. Paulino Ciências (MEC)
Ciências (mercado)
EJA Ciências
J. William Vesentini e Vânia Vlach Geografia crítica (MEC)
Geografia crítica (mercado)
EJA Geografia
Oscar Guelli Matemática; uma aventura do
pensamento (MEC)
Matemática; uma aventura do
pensamento (mercado)
97 CHARTIER, R. A ordem dos livros; leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII.Op. cit. p. 17.
78
EJA Matemática
Claudino Piletti e Nelson Piletti História e vida integrada (MEC)
História e vida integrada (mercado)
EJA História
Maria das Graças Vieira e Regina
Figueiredo
Ler, escrever, criar (MEC)
Ler, escrever, criar (mercado)98
EJA Língua Portuguesa
Eliete Canesi Morino e Rita Brugin
de Faria
Start up (mercado)99
EJA Inglês
Autor—títulos FTDAutor Título
Eduardo Martins e Demétrio Gowdak Ciências; novo pensar (MEC)100
Ciências; natureza e vida (mercado)
EJA Ciências; natureza e vida
Sonia Castellar e Valter Maestro Geografia (MEC)101
Geografia (mercado)102
EJA Geografia
José Ruy Giovanni; Castrucci; José
Ruy Giovanni Jr.
A conquista da Matemática — Nova
(MEC)
A conquista da Matemática — Nova
(mercado)
EJA Matemática
Alfredo Boulos Jr. História, sociedade & cidadania —
Nova (mercado)103
EJA História do Brasil (3º ciclo)
EJA História geral (4º ciclo)
Mauro Ferreira Entre palavras —edição renovada
(MEC)
98 Essas autoras tinham, no mercado, a versão A palavra é português, na qual seus nomes constavam comoGraça Proença e Regina Horta.99 O nicho desse mercado é restrito a escolas públicas. Para as escolas particulares, a Editora divulga a coleçãoHello!, preexistente à Start up e da qual esta deriva com arranjos que se destinam a atender a esse públicoespecífico. Dado que o PNLD não inclui livros de língua estrangeira, percebe-se que a Editora usou dessaestratégia conforme seu entendimento de que existem dois nichos de mercado — o das escolas públicas e odas escolas privadas — e mediante as representações que faz de cada público leitor. Ressalte-se que EJAInglês deriva de Start up, que se destina às escolas públicas.100 Selo Quinteto Editorial. Em 6/12/2004, na página do site da Editora FTD destinada aos títulos desse selo,lê-se “A Editora FTD é distribuidora exclusiva dos produtos Quinteto”.101 Selo Quinteto Editorial.102 Idem.103 Esse autor não consta da lista do PNLD 2005.
79
Entre palavras (mercado)
EJA Entre palavras
Dirce Guedes de Azevedo e Ayrton
Gomes
Blow-up (mercado)
EJA —Do it!
Alguns desses autores têm seu nome vinculado a mais de uma coleção de livro
didático para o mesmo segmento de ensino, além das coleções identificadas no quadro e
que são objeto de análise desta pesquisa.104
Como já se observou em nota de rodapé anterior, é o caso de Eliete Morino e Rita
Brugin de Faria105 (da Editora Ática), autoras de Hello!, edição que visa às escolas
particulares, e Start up, que visa às escolas públicas e é mais simplificada que a primeira.
Como também já se assinalou, a coleção EJA — Inglês é derivada da Start up e sempre que
nos referirmos neste trabalho a uma comparação mercado–EJA Inglês, estaremos aludindo
à coleção Start up e não à outra.
Demétrio Gowdak e Eduardo Martins (da Editora FTD) também apresentam uma
versão de mercado da coleção Ciências; novo pensar106. Mas, ao que o próprio título da
obra expressa, a coleção de EJA — Ciências foi derivada da versão Ciências; natureza e
vida107.
José Ruy Giovanni e Giovanni Jr. têm no mercado também a coleção Matemática;
pensar e descobrir. Como nos casos apontados anteriormente, este estudo sinaliza a
existência de similaridades entre as versões de A conquista da Matemática — Nova
(mercado e MEC), das quais se origina o EJA Matemática108.
104 Como já se disse, essa constatação pode ser feita pela consulta aos sites das duas Editoras e ao Guia doLivro Didático 5ª a 8ª séries — PNLD 2005.105 Segundo depoimento das próprias autoras, elas começaram a carreira na Ática em 1989.106 Como na versão MEC de mesmo título, também se apresenta com o selo Quinteto Editorial.107 A ficha catalográfica na página 2 dos livros dessa coleção nos fornece, entre outras, as seguintesinformações: Demétrio Gowdak nasceu em 1933, Eduardo Martins, em 1949 e a coleção foi registrada em1996. Esses dados serão utilizados pela pesquisadora ao longo da argumentação deste item.108 A ficha catalográfica destas obras indica que: José Ruy Giovanni nasceu em 1937, Benedito Castrucci, em1909, Giovanni Júnior, em 1963, e que a coleção, em sua versão Nova, foi registrada em 1998.
80
Em situação semelhante estão Claudino e Nelson Piletti, autores de História e vida
intergrada (versões MEC e mercado indicadas no quadro) e História e vida (versão
mercado, não indicada no quadro e não analisada neste trabalho).
Carlos Barros, co-autor da coleção de Ciências indicada no quadro anterior, teve o
primeiro volume de sua obra publicado pela Editora Ática em 1975. Seu co-autor, Wilson
Roberto Paulino, foi convidado a assinar a coleção em julho de 1996, mas já tinha
publicado o título Biologia atual pela Editora desde 1988109.
Alfredo Boulos Jr. é autor da Editora FTD desde 1990. Em depoimento, afirma que
suas obra de EJA fora “adaptada da coleção História: sociedade, política, economia, vida
cotidiana e mentalidades, edição renovada de 1997”110. Disse também que foi professor de
cursos de suplência, como o Santa Inês e o Módulo.
Embora não se tenha pesquisado a história de cada autor da Editora FTD, pode-se
perceber por essa amostragem que os projetos de EJA não partiram da escolha de material
original e específico para EJA. Tal como Alfredo Boulos Jr., é possível que outros autores
tenham tido experiência como professores de suplência ou EJA. Mas esse aspecto não foi o
fator determinante. O que ocorreu, foi, de fato, uma adaptação de obras de alguns autores
para uma nova coleção EJA. Os critérios de escolha de uma coleção entre outras e de uns
autores em detrimento de outros devem ter sido de ordem comercial — as coleções de
maior sucesso — ; de atualização — as edições mais recentes quando do início do projeto
de EJA, dada a facilidade de manipulação de arquivos digitais ou de informações (como no
caso de livros de Geografia, História e Ciências, que são constantemente atualizados) —;
de negociação entre Editora e autor, pois é possível que alguns autores não tenham tido
interesse em vincular seu nome a esse projeto ou a essa concepção de projeto, ou mesmo
que os editores tenham dificuldade em lidar com uns autores e facilidade de lidar com
outros. Os motivos podem ser variados, o que justificaria uma investigação mais
aprofundada; aqui nos restringiremos a apontar algumas dessas possibilidades, que só
poderiam ser comprovadas por meio de entrevistas com editores e autores. 109 Ano de lançamento da obra e não de sua contratação pela Editora, que ocorreu em 1985.
81
Isso não deve sinalizar como uma crítica ao papel reduzido dos autores em
contraposição ao poder absoluto dos editores na concepção e elaboração das obras, mesmo
porque a proposta desta pesquisa é tão-somente analisar a presença de dispositivos
materiais de que as Editoras se valeram para produzir essas coleções. Mas acredita-se que a
inserção do debate em torno da figura do autor seja um aspecto que de certa forma explicita
seu papel histórico. O que importa aqui é destacar que, apesar de alguns autores terem mais
de uma coleção para um mesmo segmento de ensino, vamos lidar com apenas uma delas,
que, pela análise feita neste trabalho, foi supostamente a escolhida como fonte da
transposição de conteúdos para os livros de EJA. No caso da disciplina de História da
Editora Ática, usaremos a coleção História e vida integrada (mercado e MEC) e não
História e vida; em Inglês, vamos nos referir à Start up, e não à Hello!; o mesmo ocorrendo
em coleções da Editora FTD que apresentem a mesma natureza de composição de títulos.111
Até aqui o estudo permitiu identificar que os autores de EJA não são especializados
na área e que os projetos não foram concebidos para EJA, mas adaptados de material
preexistente. E, dentro do espectro de intenções dos editores, sublinho que, com base na
análise do material selecionado, não houve a busca por profissionais ligados à prática
educativa a que os livros se destinam.
Diante desses dados, resta perguntar: quais foram os dispositivos de fato escolhidos
para tornar o produto efetivo ao novo leitor — o aluno de EJA? Se os autores não
respondem pela especificidade do conteúdo, que dispositivos cumprem esse papel? Ou será
que esse trabalho foi dispensado?
110 Comunicação via e-mail de dezembro de 2004.111 Talvez seja válido um estudo das várias composições de títulos de coleções de um mesmo autor (oumesmos autores) ao longo do tempo: que alterações figuram entre um projeto e outro? Por que os editoresteriam decidido usar dessa estratégia? Qual a história de cada título: sucesso comercial, tempo de edição? Porquanto tempo um título resistiu? Entretanto, também ressalto que isso não será feito neste trabalho porextrapolar o tema e, pela experiência obtida nesta pesquisa, é de se supor que seria uma tarefa queapresentaria certa dificuldade dada a relativa resistência que as Editoras oferecem em expor seus dados eestratégias à pesquisa acadêmica.
82
3.3 Tiragem
O estudo desenvolvimento pelo BNDS aponta aspectos interessantes acerca da
tiragem:
As tiragens traduzem um conjunto de variáveis, como o conteúdo da obra, os custos de
produção, o público alvo, o momento do lançamento, etc. Nos Estados Unidos, os mega best-
sellers podem alcançar tiragens de mais de um milhão de exemplares. O foco num público de
interesse específico, no entanto, pode facilitar a produção de livros de baixa tiragem, com o
apoio de novas tecnologias.
No Brasil, já são considerados livros com grande público os que atingem 30 mil cópias. A
tiragem padrão, de 3 mil exemplares, vem diminuindo ainda mais. De fato, a novidade é que
dá impulso à indústria, pois vai ao encontro das necessidades da mídia, do varejo e dos
consumidores, com seus interesses diversificados. Tendo em vista que não há significativo
aumento do número de novos leitores, o que se pretende é que o mesmo público leitor compre
mais títulos. Ao ter que investir em produtos novos, que demorarão ou não serão reimpressos,
a rentabilidade das editoras fica prejudicada.
Assim, a diversificação da produção tem sido uma estratégia das editoras, para garantir
presença no mercado, e um grande desafio da indústria editorial encontra-se no fato de que, a
cada ano, torna-se necessário publicar mais livros, para garantir a mesma vendagem. A
redução do tamanho das tiragens responde também aos altos custos de estocagem e de
encalhe.112
Pelo que esse estudo afirma, é possível concluir que o segmento de didáticos
constitui um fenômeno singular no setor editorial. De fato a tiragem expressa uma série de
características implícitas no livro, inclusive limitações de espaço para estoque, mas as
recentes políticas públicas de distribuição de livros didáticos deram novas características a
esses padrões: não se formam estoques nem encalhes de livros impressos; os custos de
produção, dadas as tiragens, que costumam ser altas, são relativamente mais baixos; o
público-alvo é previamente definido (alunos do ensino básico de escolas públicas
112 CADEIA de Comercialização de Livros; situação atual e propostas para desenvolvimento. Op. cit., p. 12.
83
brasileiras). A data do lançamento é que constitui um fator novo, pois implica que as
Editoras considerem três datas: a da incrição no Programa, a da publicação da avaliação e
conseqüente início da divulgação das obras nas escolas públicas, e o início do uso dos
livros pelos alunos (que deve corresponder ao início de um período letivo).
Todos esses fatores impuseram um novo paradigma de produção às Editoras e,
diante disso, mais uma vez, considero justificada a análise do fato tiragem de livros de EJA
por meio de um confronto com a dos demais produtos dessas empresas.
Este tópico será desenvolvido apenas com dados da Editora Ática. Ao solicitar tais
dados à diretoria comercial da Editora FTD em novembro de 2004, a pesquisadora obteve a
resposta de que a Editora “não abre” essas informações de forma alguma e a quem quer que
seja. Essa conduta pôde ser comprovada quando a pesquisadora entrou em contato com um
dos editores que havia coordenado a edição de duas coleções de EJA, e que lhe reforçou,
ainda, que nem ele nem os demais editores têm acesso a tais números. Nessa oportunidade,
esse editor lhe informou que a Editora FTD “só imprime EJA mediante pedidos de
prefeituras ou secretarias estaduais de ensino”. Essa opção não se verifica na outra Editora
analisada, a Ática, que apresentou uma tiragem inicial, apesar de reduzida em relação aos
demais de seus livros didáticos.
Vejamos então os dados relativos à tiragem da primeira edição da coleção EJA da
Editora Ática para o 3º e 4º ciclos113: nos casos destacados em negrito, os números
correspondem à soma da 1ª e da 2ª impressões.Tiragens EJA114
Disciplina Ciclo Livro doaluno
Livro doprofesso
rCiências 3º ciclo
4º ciclo
50000
6000
5000
5000
Geografia 3º ciclo
4º ciclo
6000
6000
5000
5000
História 3º ciclo 45000 5000
113 Dados fornecidos pelo departamento de produção em 8/6/2004.114 Optamos por resumir o título das tabelas que seguem. Em cada uma delas, leia-se: “Exemplos de tiragensde livros didáticos para EJA”, “Exemplos de número de páginas de livros didáticos para o mercado”, etc.
84
4º ciclo 50000 5000
Língua Portuguesa 3º ciclo
4º ciclo
6000
8000
5000
8000
Matemática 3º ciclo
4º ciclo
6000
6000
5000
6000
Inglês 3º ciclo 2000 —115
Inglês 4º ciclo 2000 —
A soma auferida pela 1ª e 2ª. impressões se deve a vendas extraordinárias realizadas
junto a governos estaduais (do Pará, por exemplo).
Se compararmos esses números com os livros de mercado, vemos que a tiragem
inicial de livros para EJA é tímida, pois em geral os títulos de mercado ultrapassam a marca
de uma dezena de milhar (nessa Editora). Seguem exemplos abaixo:
Tiragens mercado ÁticaDisciplina Sér
ieExemplar (alunoou professor)
Edição Exemplares daúltima ediçãoimpressos atéagosto/2004
Ciências 5ª
5ª
6ª
6ª
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
58 ed.
58 ed.
72 ed.116
72 ed.
65 ed.
65 ed.
66 ed.
66 ed.
108000
39000
128000
39000
122000
38000
128000
39500
Geografia 5ª
5ª
6ª
6ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
31 ed.
31 ed.
30 ed.
30 ed.
23000
16000
22000
16000
115 Na data da consulta a esses dados, não havia exemplares do professor.116 Pode-se estranhar que a edição varie entre as séries, mas esse dado se explica por dois motivos: emprimeiro lugar, é comum que os livros de cada série de uma coleção tenham uma vendagem própria, postoque muitas escolas não adotam uma mesma coleção ao longo do segmento (5a- a 8ª séries, neste caso); emsegundo lugar porque a Editora costumava chamar indistintamente de “edição” tanto as reimpressões quantoas reedições, que são as reformulações da obra, e só recentemente passou a distinguir esses doisprocedimentos — a saber: reimpressão, para operações que se limitem à impressão do material, semmudanças significativas, e edição, para reformulações que impliquem mudança substancial da obra (quer naestrutura, no conteúdo, nas atividades, nas imagens e/ou outros elementos).
85
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
27 ed.
27 ed.
26 ed.
26 ed.
21000
16000
20000
16000
História 5ª
5ª
6ª
6ª
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
26 ed.
26 ed.
25 ed.
25 ed.
23 ed.
23 ed.
22 ed.
22 ed.
23000
15000
20000
15000
18000
15000
16000
15000
Língua
Portuguesa
5ª
5ª
6ª
6ª
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
1 ed.
1 ed.
1 ed.
1 ed.
1 ed.
1 ed.
1 ed.
1 ed.
25000
24000
24000
24000
23000
24000
23000
24000
Matemática 5ª
5ª
6ª
6ª
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
8 ed.
8 ed.
6 ed.
6 ed.
8 ed.
8 ed.
7 ed.
7 ed.
35000
35000
28000
35000
26000
35000
24000
48000
Inglês 5ª
5ª
6ª
6ª
7ª
7ª
8ª
8ª
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
Aluno
Professor
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
1ª ed.
51000
18000
44000
18000
40000
18000
33000
18000
86
A comparação entre as tiragens de livros para EJA e de obras para o MEC revela
diferenças ainda mais acentuadas, uma vez que, em certos casos, estas superam a marca de
1 milhão de exemplares e se dá mediante pedidos dos professores. Nesse caso, os
professores fazem a escolha consultando o Guia de Livros Didáticos organizado e
publicado pelo MEC após o processo de avaliação de cada PNLD e também após a
divulgação promovida pelas Editoras, que costuma ocorrer por intermédio de visitas que os
divulgadores fazem às escolas para doar um exemplar da(s) coleção(ões) da Editora e
mostrar as qualidades dos livros. Vale explicar que, como os exemplares vão para avaliação
na forma de bonecos, pois a cada PNLD as coleções costumam passar por reformulações,
correções ou ajustes, conforme a necessidade ou o critério definidos pela Editora, em geral
não há em estoque exemplares impressos dessa versão, pois, para essas empresas, seria
arriscado imprimir antes do resultado da avaliação e da definição da lista de pedidos dos
professores.
Tomemos como exemplo o número de exemplares pedidos pelos professores no
PNLD 2005117:
Tiragens Ática PNLD 2005118
Disciplina 5ª 6ª 7ª 8ª Exemplaresdo
professor(5ª/8ª)
Total:aluno +
professor
Ciências 905021 773510 679831 603748 24756 3011510
Língua
Portuguesa
262781 212228 186329 163144 13890 838372
Matemática 49608 41492 36295 31158 3112 161665
Geografia 654812 518608 454806 398158 35826 2062210
História 422475 345733 303813 265515 23147 1360683
117 Dados fornecidos pela diretoria comercial em 20/6/2004.118 No caso dos livros para o PNLD, as tiragens praticamente correspondem ao total vendido pelas Editoras aogoverno, posto que essa versão não é comercializada no mercado particular.
87
Diante desses números não é difícil auferir que as Editoras tenham como cliente
prioritário o governo federal, e invistam grande parte de seu tempo e capital para mais bem
atender às regras por ele impostas e a adequar sua estrutura empresarial a esse negócio. A
análise de outros aspectos também pode indicar essa idéia.
Tamanha quantidade de livros — a qual dá ao MEC a posição de maior comprador
de livros do Brasil e do mundo — suscita interesse da imprensa e de intelectuais. É pelo
incômodo instilado pela vultosa soma das tiragens que se geram, em grande parte, os
debates. Nesse contexto, onde estariam os livros de EJA? Como os números expostos
anteriormente elucidam, a produção de materiais para o segmento de EJA não é, de fato,
prioritário nas Editoras que têm participação no PNLD e posição consolidada no mercado.
Vejam-se a seguir alguns textos que enunciam o que se afirmou anteriormente no
tocante ao impacto causado pelo volume de exemplares de livros didáticos em circulação:
MEC é o maior comprador de livros do mundo119
O Ministério da Educação compra, anualmente, 100 milhões de livros didáticos e 36 milhões
de obras de literatura. Para a aquisição do acervo deste ano, o investimento foi de R$ 488
milhões. Os dados foram apresentados na 50ª Feira do Livro de Porto Alegre, que termina no
dia 15 próximo. O MEC é, assim, o maior comprador de livros do mundo.
O raio-x da crise120
• 50% foi quanto caíram as vendas de livros entre 1995 e 2003
• 48% foi quanto diminuiu o faturamento das Editoras
• 13% foi quanto caiu o número de títulos
• 10% foi quanto diminuíram os exemplares editados
119 Trecho de matéria assinada por Flavia Nery em 5/11/2004 e veiculada em vários sites, entre eles o do MEC(www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasId.).120 Quadro anexo à matéria “Em queda livre, livros fazem sua primavera”, do jornal Folha de S.Paulo, de16/9/2004, que cobre a abertura da “Primavera de livros”, feira de livros de pequenas e médias Editoras nacidade do Rio de Janeiro e aponta para a crise no mercado editorial brasileiro. Destaque em negrito dado pelapesquisadora, que indica exceção à crise geral do setor e remete a dados relativos às Editoras de livrosdidáticos que participam do PNLD. A matéria se embasa em estudos do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES).
88
• 15% dos exemplares produzidos em 2003 não foram vendidos
• Pelo menos um terço de todos os exemplares editados é comprado pelo governofederal, atenuando a crise e tornando o mercado dependente
• Cada uma das 13 maiores editoras do mundo vende mais do que todas as editoras
brasileiras.
Antônio Augusto Gomes Batista é um dos pesquisadores que vêm se dedicando a
estudar as políticas públicas de livros didáticos e a inserção das Editoras nesse processo. No
que se refere à dependência desse setor do mercado em relação ao governo federal, ele
escreve:
Embora não se disponham de séries históricas de dados, verifica-se, ao longo dos anos 90,
que o setor editorial brasileiro possui uma relação de forte dependência para com o subsetor
de livros didáticos e que este, por sua vez, é dependente das compras efetuadas pelo PNLD.
Ainda que se observe, a partir de 1998, um pequeno decréscimo da participação de livros
didáticos no total de exemplares produzidos no Brasil, os dados mostram que a indústria
editorial brasileira está voltada, majoritariamente, nos últimos anos desta década [1990], para
a produção de livros destinados ao mercado escolar e que, com o correr do tempo, essa
tendência se acentuou.121
Considerando a reformulação do PNLD a partir de 1995, que aprimorou sua ações
nos processos de compra e distribuição de livros didáticos, esse autor acrescenta ainda para
afirmar que a situação de dependência se acentuou:
A dependência da indústria editorial brasileira em relação ao livro didático é também
evidenciada pelas vendas de exemplares. Em 1997, por exemplo, os didáticos
corresponderam a 58% do total de exemplares vendidos. Em 1998, esse percentual se elevou
para 64% do total.122
Claro está que não é a tiragem em si que instiga as críticas, mas a receita que dela
advém, o lucro que as Editoras obtêm nessa transação. Por um raciocínio de lógica simples,
121 BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Recomendações para uma política pública de livros didáticos.Brasília, MEC/SEF, 2001. p. 37.122 Idem, p. 38.
89
quanto maior o volume de exemplares de venda garantida, maior o retorno financeiro123, e é
por esse motivo que os livros de EJA (que não têm retorno garantido) são projetos
relegados a segundo plano — quando chegam a ser concebidos.
A insistência neste tópico — tiragem livros EJA/mercado/MEC — corre o risco de
desviar nossa análise para fora do foco de pesquisa, porém trata-se de uma tentativa de
contextualizar os produtos de EJA na realidade das maiores Editoras de didáticos do país e
explicar por que sua oferta é escassa, ou, melhor dizendo: o quão escassa ela é em relação
aos demais produtos — e a tiragem, que conforma potencialmente o montante
comercializado, é um dos indicadores mais eloqüentes dessa realidade.
3.4 Número de páginas
Para prosseguir na análise do suporte material, vamos considerar títulos que se
apresentem nas três versões analisadas; a saber: mercado, governo e EJA. Tomemos, então,
como exemplo, as coleções EJA para o 3º e 4º ciclos das Editoras Ática e FTD:
Número de páginas EJA ÁticaDisciplina Série Livro do
alunoLivro doprofessor
Ciências 3º ciclo
4º ciclo
224
216
224 + 24124
216 + 32
Geografia 3º ciclo
4º ciclo
184
208
184 + 24
208 + 24
História 3º ciclo 208 208 + 24
123 A relação volume de vendas–receita não é proporcional, mas a investigação dos respectivos cálculos nãoserá feita neste trabalho por fugir do tema principal e implicar esforços que demandam tempo superior aolimite estabelecido para a pesquisa. O que se pode apontar é que as tiragens elevadas resultam em diminuiçãodo custo de produção por livro.124 Esses números que se somam referem-se ao número de páginas do manual do professor, que consiste decadernos acrescidos ao livro do aluno. Tanto o livro do aluno quanto o manual do professor tem um númerode páginas múltiplo de 8, que resulta em aproveitamento total do papel destinado à impressão desse tipo deproduto. Na maioria dos casos analisados, o manual do professor foi impresso em preto-e-branco (e o mioloem quatro cores). As exceções serão identificadas.
90
4º ciclo 248 248 + 32
Língua Portuguesa 3º ciclo
4º ciclo
216
208
216 + 8
208 + 8
Matemática 3º ciclo
4º ciclo
200
232
200 + 88
232 + 104
Inglês 3º ciclo
4º ciclo
120 + 112125
120 + 136
Número de páginas mercado ÁticaDisciplina Série Livro do
alunoLivro do professor
Ciências 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
288 + 48*
304 + 24** +
56***
256 + 16** +
40***
328 + 48*
288 + 48 + 96126
304 + 24 + 56 + 104
256 + 16 + 40 + 88
328 + 48 + 160
Geografia 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
184 + 88****
160 + 72****
248 + 88****
152 + 72****
184 + 88 + 40
160 + 72 + 40
248 + 88 + 40
152 + 72 + 32
História 5ª série 176 + 48**** 176 + 48 + 64
125 Os livros EJA de Inglês da Editora Ática são exatamente dois livros do ensino regular justapostos, sem asrespectivas capas e numerados individualmente. O comentário sobre esse produto será feito posteriormente,após a exposição das tabelas.126 Os valores em negrito referem-se ao número de páginas do manual do professor. Os valores acompanhadosde asteriscos referem-se ao número de páginas de suplementos (Caderno de experimentos*, Miniatlas**,Caderno de esquemas***, Caderno de atividades****) acrescidos ao miolo e que acompanham tanto o livrodo aluno quanto o do professor.
91
6ª série
7ª série
8ª série
176 + 48****
232 + 72****
240 + 64****
176 + 48 + 64
232 + 72 + 88
240 + 64 + 80
Língua
Portuguesa
5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
248
240
248
256
248 + 32
240 + 32
248 + 32
256 + 32
Matemática 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
312
272
320
304
312 + 120
272 + 128
320 + 160
304 + 176
Inglês 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
120
112
120
136
120 + 32127
112 + 32
120 + 32
136 + 32
Número de páginas PNLD 2005 ÁticaDisciplina Série Livro do
alunoLivro doprofessor
Ciências 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
272
288
248
312
272 + 80
288 + 88
248 + 72
312 + 128
Geografia 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
208
192
272
184
208 + 40
192 + 40
272 + 56
184 + 48
História 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
192
192
240
248
192 + 64
192 + 64
240 + 88
248 + 80
Língua
Portuguesa
5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
216
216
208
216
216 + 32
216 + 32
208 + 32
216 + 32
Matemática 5ª série 320 320 + 120
127 O manual do professor desta coleção é colorido. A coleção vem acrescida de CD.
92
6ª série
7ª série
8ª série
280
344
312
280 + 120
344 + 128
312 + 136
O levantamento e a análise das obras da Editora FTD foram feitos com base no
material disponível à mestranda no momento da realização da pesquisa. Pela dificuldade de
acesso, não serão consideradas as coleções destinadas ao PNLD, nem os exemplares do
professor no caso dos livros de EJA. No que diz respeito às coleções voltadas ao PNLD,
cabe a observação de que, de fato, os exemplares da última edição (no caso PNLD 2005)
não costumam estar disponíveis em nenhuma Editora (na data da realização desta etapa da
pesquisa, a saber, início de dezembro de 2004), dado que são impressos mediante tiragem
acordada com o MEC. A pesquisadora só conseguiu os dados do PNLD da Editora Ática
anteriormente listados por ter trabalhado em algumas dessas obras e pelo acesso pessoal
com agentes que lidam com tais informações. Novamente, enfatizo que os dados do PNLD
2005 foram inseridos neste texto porque a pesquisadora considera importante contextualizar
a produção de livros de EJA no circuito produtivo “normal” das Editoras comerciais e desse
modo auscultar o peso atribuído a cada um de seus produtos.
Apesar de só ter conseguido dados da Editora Ática, que não podem ser
generalizados para o setor ou tidos como exemplares, acredita-se que a estrutura dessa
Editora, seu processo produtivo, suas opções reflitam em certo grau a realidade de várias
Editoras comerciais e traduzam informações de certa validade para análises que vêm se
configurando sobre o livro didático e as políticas públicas educacionais.
Os dados a seguir são, portanto, restritos aos exemplares gentilmente cedidos pela
Editora FTD para a pesquisa.
Número de páginas EJA FTDDisciplina Ciclo Livro do
alunoLivro doprofessor
128
128 A pesquisadora recebeu da Editora somente exemplares do aluno para a análise, com exceção do livro deGeografia.
93
Ciências 3ª etapa129
4ª etapa
208
208
___
Geografia 3ª etapa
4ª etapa
224
224 224 + 8
História 3ª etapa
4ª etapa
224
208
___
Língua Portuguesa 3ª etapa
4ª etapa
200
208
___
Matemática 3ª etapa
4ª etapa
216
216
___
Número de páginas mercado FTDDisciplina Série Livro do aluno Livro do
professorCiências 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
240 + 56*
256 + 48*
216 + 56*
296 + 64*
240 + 56 + 24130
240 + 28 + 24
216 + 56 + 24
296 + 64 + 32
Geografia 5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
191
224
191 + 48
224 + 48
Matemática 5ªsérie
6ª série
7ª série
8ª série
272
272
288
304
272 + 56131
272 + 56
288 + 56
304 + 64
Essa análise revela que as coleções de EJA têm um número menor de páginas que as
outras duas versões e nos leva à conclusão de que os livros de EJA constituem formas
129 Na identificação dos livros de EJA a Editora FTD chama de etapa o que a Editora Ática denomina deciclo.130 Os valores em negrito dizem respeito ao número de páginas do manual do professor. Os valores queaparecem acompanhados de asterisco referem-se ao número de páginas do suplemento Atividades práticas eteóricas presente tanto no livro do aluno quanto no livro do professor.131 O manual do professor desta coleção foi impresso, na edição analisada, em quatro cores.
94
reduzidas de uma coleção de referência. Em geral, podemos perceber que o conteúdo de
duas séries foi concentrado num único volume, de modo que os livros de 5ª e 6ª séries
compõem o volume relativo ao 3º ciclo, e os livros de 7ª e 8ª séries compõem o livro de 4º
ciclo.
O procedimento de transformar dois volumes em um volume implicou uma seleção
de conteúdos — uns a serem mantidos e, obviamente, outros a serem excluídos.
Que tipo de conteúdo foi mantido? E que tipo de conteúdo foi excluído? Essas
perguntas poderão ser mais bem exploradas adiante no item relativo à análise da estrutura
das obras e da seleção de conteúdos. Por ora basta perceber que o número de páginas de
livros de EJA é reduzido em relação às outras versões. Obedece, basicamente, a uma
relação de 2 para 1. No que se refere ao custo derivado dessa estratégia, verificamos que o
valor que dela resulta é também inferior, pois a quantidade de papel é bem menor.132
E por que, grosso modo, se decide dividir por dois o número de páginas?
A carga horária destinada aos cursos de EJA talvez possa ser considerada uma pista
em que os editores se basearam, uma vez que, como já dissemos anteriomente, os ensinos
da rede estadual e municipal de São Paulo dedicam um semestre para contemplar cada série
do ensino regular. Assim, o aluno que queira obter certificação correspondente ao primeiro
segmento do ensino fundamental (1ª à 4ª série) tem de cursar dois anos de EJA133; e se
quiser a certificação do segundo segmento do ensino fundamental (5ª à 8ª série), tem de
cursar mais dois anos de EJA. Por essa lógica, é possível que os editores tenham
compreendido que os alunos de EJA, orientados pelo seu professor, seriam capazes de
percorrer durante o curso aproximadamente a metade do número de páginas que o aluno em
curso regular, posto que a carga horária daqueles equivale à metade deste.
Define-se aí o delineamento que os editores fizeram de uma das competências do
leitor — neste caso, o professor e o aluno de EJA —, em função da limitação de tempo em
sala de aula.
132 Isso não significa preço de capa mais baixo.133 Refiro-me aqui aos cursos de natureza presencial, para os quais os livros didáticos são destinados.
95
O caso da coleção de Inglês da Editora Ática constitui uma exceção dentre os livros
analisados. Ela é também composta de dois volumes, como as coleções das demais
disciplinas discriminadas no quadro anterior, mas que cada volume é a soma de dois livros
da Start up. Soma na acepção mais pura, de justaposição de um livro de 5ª série mais um
livro de 6ª série encadernados juntos. Nem sequer a numeração foi refeita considerando-se
o volume final. Ou seja: o volume 1 de EJA vai da página 1 à 120 (seqüência que
corresponde ao livro da 5ª série do ensino regular) mais a outra parte que vai da página 1
(novamente, pois se refere ao livro da 6ª série do ensino regular) à página 112.134
De qualquer maneira, se a estratégia identificada para os demais livros não vale para
os dessa disciplina, podemos concluir que, nesse caso, pensou-se menos ainda no público
leitor. E que essa operação não contou, na realidade, com trabalho de edição propriamente
dita, mas lançou mão apenas de um artifício “mecânico”. Se as outras estratégias
demonstram a intenção de simplificar o livro e reduzir o conteúdo para estudantes de EJA,
esta última pode ser considerada o exemplo lapidar da intenção única de ofertar um título
ao mercado, de atender apenas à demanda comercial quantitativa. É de se supor que uma
operação dessa natureza seja uma exceção na rotina das Editoras desse porte, uma vez que
elas contam com um quadro de profissionais relativamente preparados para os processos
editoriais. Então pode-se supor também que essa operação tenha sido movida pela pressa e
pela falta de profissional disponível no momento da decisão da impressão e encadernação.
No mais, fica a constatação de que as duas Editoras analisadas usaram de estratégias
materiais para configurar as coleções de EJA, visto que o conteúdo das obras fora
aproveitado parcial ou integralmente de livros preexistentes.
134 É importante observar que o exemplar de Inglês obtido para a análise é do ano de 2004. Essa condiçãopode não se verificar em período posterior, por opção da Editora. O mesmo comentário vale para as outrasobras analisadas neste trabalho, uma vez que as Editoras reformulam seus produtos conforme a leitura quefazem do mercado — suas expectativas, necessidades e exigências — e disponibilidade de recursos. Arespeito da defasagem entre edições atualizadas e o material utilizado em análises, principalmente asacadêmicas, pode-se ler o artigo de Nelio Bizzo, “Livros velhos, crítica ultrapassada”, para o jornal CorreioBraziliense (agosto de 2004) em resposta ao artigo “Festival de erros”, publicado pelo jornal e assinado poruma pesquisadora acadêmica. Esse texto pôde ser obtido emhttp://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=292OFC001 em 9/1/2005.
96
3.5 Papel, formato, acabamento e impressão
Para a análise desses aspectos, tomaremos como exemplo os livros de Ciências de
Carlos Barros e Wilson R. Paulino da Editora Ática, em suas três versões:
Formato Papel Acabamento Impressão
EJA20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 70 g
Capa: cartão 250 g
Lombada
quadrada
4 cores, off-set plana
ou rotativa135
Mercado20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 70 g
Capa: cartão 370 g
Espiral 4 cores, off-set
rotativa
MEC20,4 cm X 27,5 cm Miolo: off-set 75 g
Capa: cartão 250 g
Lombada
quadrada
4 cores, off-set
rotativa
Podemos perceber que o formato é o mesmo nas três versões. O mesmo ocorre
praticamente com o papel. Salvo na versão de mercado, que é espiral (mais cara) e que
inclui acabamento em espiral, os aspectos analisados são semelhantes.
Em tiragens superiores a 10 mil exemplares, a empresa opta pela impressão “em
rotativa” (tipo de equipamento), que é mais rápida e bem mais barata. Aliás, quanto maior a
tiragem, menor será o custo de produção136. Os cálculos a seguir servem para demonstrar
essa afirmativa. Para isso, vamos simular a produção de uma obra de 160 páginas (portanto,
dez cadernos de dezesseis páginas)137:
135 Depende da tiragem.136 Papel, acabamento e impressão compõem, com alguns outros aspectos, o que se chama de “custo deprodução”. Estão fora desse cálculo, o custo com direitos autorais, edição, arte, revisão e comercialização.137 Valores aproximados, fornecidos por José Antônio Ferraz, coordenador de produção das Editoras Scipionee Ática, em agosto de 2004.
97
Tiragem Custo por caderno Custo do livro5 mil
R$ 0,32 R$ 3,52138
12 mil R$ 0,1287 R$ 1,41 (gráfica) + 1,03 (papel)
1 milhão R$ 0,05 R$ 0,55 (gráfica) + R$ 1,03 (papel)
Nota-se que o volume de material impresso influi sobre o custo do produto numa
proporcionalidade inversa. Também convém informar que quanto maior é a gramatura do
papel (mais grosso, mais pesado), maior também é o preço que a Editora paga ao
fornecedor e, portanto, maior é o custo.
Esses dados nos levam a constatar que a Editora optou, nos casos analisados, por
gastar um pouco mais na versão de mercado, pelo menos no tocante ao papel da capa e
acabamento em espiral. Mas, conforme o resultado das vendas, é o material que pode dar
maior retorno financeiro, pois é nesse nicho que o produto tem preço de capa mais elevado,
que confere maior margem de lucro. A consulta ao site dessa Editora nos fornece o valor do
preço de capa das coleções de EJA e de mercado139:
EJA: R$ 34,90 (todos os volumes de todas as disciplinas).
Mercado (Ciências Barros & Paulino): R$ 59,00 (5ª e 6ª séries); R$ 64,00 (7a e 8ª
séries).
Os valores das edições para o MEC puderam ser obtidos no site da Associação
Brasileira de Autores de Livros Educativos (Abrale,
http://www.abrale.com.br/destaques/abrale_destaque006-a.htm)140 e também no site do
próprio MEC, www.fnde.gov.br/programas. O quadro exposto nesses dois sites mostra que
o valor pago pelo governo federal para as obras do PNLD 2005 é negociado por caderno
138 À soma do valor relativo ao número de cadernos deve-se acrescer o valor do papel da capa. Na data darealização desta etapa da pesquisa (início de agosto de 2004), o valor de uma capa padrão de 250 g estavaorçado em torno de R$ 0,093.139 Dados consultados em 7/1/2005.140 Dados colhidos no dia 9/1/2005.
98
tipográfico de dezesseis páginas e é individualizado (cada Editora obtém um valor), e que o
preço médio do livro da Editora Ática foi de $R 5,07 (caderno de R$ 0,3180).141
A constatação de que, no aspecto dos custos de produção, a Editora aplicou mais
recursos (papel de capa e acabamento em espiral) na versão de mercado do que em outras
versões não deve ser generalizada como procedimento para todas a obras de mercado nem
como regra dessa Editora, tampouco de outras empresas. A análise feita anteriormente
limita-se à coleção de Ciências de Barros & Paulino e está inscrita no período estudado (as
edições mais recentes durante a realização da pesquisa).
O que nos interessa aqui é apontar que, quanto ao formato, acabamento, papel e
impressão, a Editora não relegou a segundo plano as edições de EJA. Não é, portanto,
nesses fatores que podemos constatar claramente a adoção da estratégia da economia de
recursos.
O mesmo procedimento parece ter sido adotado pela Editora FTD, visto que seus
produtos se assemelham — quanto a formato, papel, impressão e acabamento — aos livros
anteriormente analisados. Conforme já se mencionou, essa Editora não expõe seus títulos
de EJA no site, visto que as respectivas impressões só ocorrem mediante encomendas ou
acordos (com prefeituras e governos estaduais). Não há, desse modo, livros disponíveis
para venda avulsa ao público em livrarias ou aos professores que recorram à sala de
atendimento aos professores, conforme costuma ocorrer com os demais títulos didáticos.
141Ver anexo.
99
4. A seleção de conteúdos
Michael Apple afirma que, em vários países do mundo, os livros didáticos se
constituem num importante recurso material para que o processo de ensino e aprendizagem
se efetive.142
Há que se notar também uma tendência de padronização de conteúdo entre os livros
didáticos e que estes acabam se impondo como o currículo de certa disciplina em certa
época. Nesse sentido, aproprio-me do que André Chervel descreve para o fenômeno de
“vulgata” no estudo da história das disciplinas e o aplico ao livro didático:
O estudo dos conteúdos beneficia-se de uma documentação abundante à base de cursos
manuscritos, manuais e periódicos pedagógicos. Verifica-se aí um fenômeno de “vulgata” , o
qual parece comum às diferentes disciplinas. Em cada época, o ensino dispensado pelos
professores é, grosso modo, idêntico, para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos
os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos
ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus
de conhecimentos, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são
idênticos, com variações aproximadas. São apenas essas variações, aliás, que podem
justificar a publicação de novos manuais e, de qualquer mdo, não apresentam mais do que
desvios mínimos: o problema do plágio é uma das constantes da edição escolar.143
A menção de Chervel à configuração sutil de um “plágio” nos remete de novo à
questão da autoria dos livros didáticos. Posto que se verifica que após certo período de
tempo os livros passam a se assemelhar uns com os outros (quer considerando-se as obras
do mercado como um todo, quer as obras de uma mesma Editora) e que os conceitos
formalizados na disciplina, qualquer que ela seja, não foram desenvolvidos pelo autor, esse
questionamento de fato tem lugar.
142 Ver APPLE, Michael W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gêneroem educação. Porto Alegre, Artmed, 1995. p. 81.143 CHERVEL, André. História das disciplinas escolares; reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria &Educação, 2: 1990, p. 203.
100
A prática recentemente adotada pela Editora Modera/Santillana com o lançamento
dos Projetos Pitanguá e Araribá, que não tem autor (nem profissionais com vínculo
empregatício envolvidos no projeto), levou essa proposição à materialização à prática
radical.
De qualquer forma, é importante frisar que, conforme a análise que fizemos nas
obras das Editoras FTD e Ática, pudemos perceber que elas entendem como legítima a
função do autor e reservam a ele parte da verba investida. A referência às discussões a
respeito da função do autor teve o objetivo de inserir o papel do autor também como um
elemento constitutivo da edição de livros historicamente construído, embora, ao público em
geral, essa figura possa parecer natural e intríseca aos livros.
Neste capítulo, é intenção da pesquisadora comprovar e descrever que os PNLD têm
imposto certa formatação aos livros didáticos. Para isso, transcreve-se novamente um
trecho de André Chervel:
A experiência elementar de todos historiador das disciplinas lhe ensina que as vulgatas nem
sempre se acomodam numa evolução gradual e contínua. A história das disciplinas se dá
freqüentemente por alternância de patamares e de mudanças importantes, até mesmo de
profundas agitações. Quando uma nova vulgata se toma o lugar da precedente, um período de
estabilidade se instala, que será apenas perturbado, também ele, pelas inevitáveis variações.
Os períodos de estabilidade são separados pelos períodos “transitórios”, ou de “crise”, em que
a doutrina ensinada é submetida a turbulências. O antigo sistema ainda continua lá, ao mesmo
tempo em que o novo se instaura: períodos de maior diversidade, onde o antigo e o novo
coabitam, em proporções variáveis. Mas, pouco a pouco, um manual mais audacioso, ou mais
sistemático, ou mais simples do que os outros, destaca-se do conjunto, fixa os “novos
métodos”, ganha gradualmente os setores mais recuados do território, e se impõe. É a ele que
doravante se imita, é ao redor dele que se contitui a nova vulgata.
Gimeno Sacristán144 afirma que a educação deve ser compreendida em três
instâncias, pelo menos: 1. a atividade; 2. o conteúdo; 3. os agentes e outros elementos que
determinam a atividade e o conteúdo. Há também a instância da avaliação, que, em EJA,
144 GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática? In: GIMENOSACRISTÁN, J. & PÉREZ GÓMEZ, A. I. Op. cit., p. 120.
101
ganha relevância fundamental, posto que a certificação é o aspecto que norteia a
escolarização.
Nesse sentido, os livros didáticos atuam como um elemento que determina a
atividade do professor e o conteúdo aplicado em sala de aula.
De acordo com sua noção de currículo em processo145, o livro didático ocupa o
campo “práticas de desenvolvimento, modelos em materiais, guias, etc.”. Seria, portanto, o
currículo planejado para professores e alunos. O autor defende o conceito de currículo em
processo, entendendo que da elaboração do currículo até o seu uso em sala, ou melhor, até
a avaliação de seu uso, há várias instâncias de negociação e “re-significação” de idéias,
valores e práticas. E cada um desses âmbitos não corresponde exatamente a um conteúdo
ou saber exterior a ele. Ou seja, no âmbito da seleção das idéias que comporão o currículo,
nem sempre elas correspondem com exata precisão à noção desenvolvida e empregada em
seu meio cultural original. Os agentes que fazem sua seleção interpretam essas idéias e as
ordenam.
Num segundo momento, os agentes que interpretam o currículo formulado
reinterpretam o conteúdo do currículo e o desdobram, reproduzem, recriam. Assim ocorre
no processo de produção de livros didáticos. Os editores lêem o currículo formulado,
prescrito, e dão forma a seus produtos de acordo com a interpretação que fazem dele,
conjugada a outros fatores que incidem no âmbito da produção: materiais disponíveis,
autores, prazos, cronograma, planejamento editorial, recursos financeiros, etc.
Os professores, de posse desse material, empregam o livro didático com base nas
leituras que fizeram dele, das condições disponíveis em sala, de outros recursos materiais,
conforme a interlocução com pais, linha pedagógica da escola, nível de desenvolvimento
cognitivo dos alunos, a sua própria disponibilidade de criar formas alternativas de explorar
conteúdos, de transpor as limitações e equívocos do livro-texto, etc.
São, portanto, vários fatores que mediatizam o currículo prescrito à sua efetivação e
avaliação. O produto final é o resultado de múltiplas determinações.
102
o currículo é o âmbito de interação no qual se entrecruzam processos, agentes e âmbitos
diversos e que, num verdadeiro e complexo processo social, dão significado prático e real ao
mesmo. Somente no marco de todas essas interações podemos chegar a captar seu valor
real, daí que é imprescindível um enfoque processual para entender a dinâmica que dá
significado e valores específicos a um currículo concreto […]. Este não existe à margem das
circunstâncias contextuais que o moldam […] O que é o currículo real na prática? O que
resulta dessas interações.146
Nesse sentido, é interessante a abordagem que esse mesmo autor faz do currículo
como texto.147 Para ele, qualquer programa político deve ser entendido como texto, pois sua
elaboração implica processos complexos de codificação; e, em contrapartida, o seu uso ou a
sua apreensão implicam complexos processos de decodificação. A cada leitura que um
agente faça desse texto, ocorre uma recodificação. Os programas curriculares subentendem,
portanto, pelo menos três instâncias de leituras textuais: a da elaboração; a da interpretação;
e a da implantação. Tudo isso ratifica a noção de currículo em processo, do qual estamos
tratando.
Tomando como base as acepções de Gimeno Sacristán, podemos considerar que os
PCN e as Propostas Curriculares para Educação de Jovens e Adultos têm se constituído
como o currículo prescrito ou regulamentado em cada modalidade de ensino. A formulação
desses documentos estabeleceu novos entendimentos de noções como as de conteúdo,
conhecimento, avaliação .148
Nosso objetivo neste capítulo é verificar como essas noções e outros elementos que
compõem um livro, como imagem, projeto gráfico, se materializam nas obras selecionadas.
4.1 Capa, projeto gráfico e imagens
145 Idem, p. 139.146 Ibidem. p. 129.147 GIMENO SACRISTÁN, J. Reformas educativas y reforma del currículo: anotaciones a partir de la experienciaespañola. In: WARDE, M. J. (org.). Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. II SeminárioInternacional. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 1998. p. 92.
103
No capítulo anterior, inserimos a análise da capa no tocante ao papel. A análise que
faremos a seguir diz respeito ao aspecto gráfico ou visual da capa. Também abordaremos o
tratamento dedicado ao projeto gráfico do miolo (as páginas internas do livro) e às
diferentes categorias de imagem nele inseridas (ilustrações, esquemas, fotos, mapas,
gráficos).
Os elementos visuais de livros têm sido considerados fatores relevantes, quer como
recurso de descanso da leitura, item de embelezamento ou portador de conteúdos
significativos. No caso de livros didáticos, pode-se citar o seguinte trecho de um texto que
assinala a importância das imagens nos manuais de História:
Gravuras, fotos, filmes, mapas e ilustrações diversas têm sido utilizados, há algum tempo,
como recurso pedagógico no ensino de História. Os livros didáticos de História, já em meados
do século XIX, possuíam litogravuras de cenas históricas intercaladas aos textos escritos,
além de mapas históricos. Nas primeiras décadas do século XX, os filmes foram apontados
pelo professor Jonathas Serrano, do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, como instrumento
didático importante, considerando-o material fundamental do “método intuitivo” em substituição
ao “método mnemônico”. 149
A observação das capas leva à conclusão de que algumas delas foram preparadas
para sua destinação específica (EJA, mercado ou MEC). Desse modo, não é, portanto, nesse
fator que percebemos um reaproveitamento de dispositivos editoriais. No caso das obras da
Editora FTD, percebemos que houve certo reaproveitamento da foto de capa. Vejam-se os
exemplos de capa a seguir:
4.1.1 Capas Ática
148 Ver, respectivamente: Parâmetros Curriculares Nacionais. Introdução. Brasília, MEC/SEF, 1998. p. 71-81.PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Introdução. Op. cit. Parte 2.149 BITTENCOURT, Circe M. F. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, 1997.
104
Capas EJA
105
Capas MEC
106
Capas mercado
107
4.1.2 Capas FTD
108
Capas EJA
109
110
Capas mercado
A observação das capas pode nos levar a detectar mais um elemento da estratégia
editorial. No caso da Editora Ática, podemos perceber que todos os livros de EJA se
apresentam num mesmo projeto gráfico, o que nos leva a crer que se pensou em criar uma
identidade visual para essa coleção. De fato, se consultarmos o site dessa Editora,
verificaremos que a classificação “EJA” é usada para identificar uma coleção de obras, o
que não ocorre com os livros da Editora FTD.
111
A 4ª capa de qualquer obra da coleção EJA da Editora Ática expõe as capas dos
títulos desta coleção lançados em 2003.
A uniformidade do projeto gráfico se estende ao miolo dos livros: isso pode ser
constatado tanto pela leitura da página de créditos (há uma mesma equipe de profissionais
envolvidos na elaboração da parte gráfica e de Arte) quanto pela observação interna, página
por página. Isso também não se verifica nos livros da Editora FTD, cuja estrutura das
equipes editoriais difere da existente na outra Editora. Como se pode detectar pela leitura
da página de créditos dos livros da Editora FTD, cada obra foi desenvolvida por uma
equipe editorial específica (Exatas, Ciências Humanas, Língua Portuguesa, Ciências
Biológicas), que, por sua vez, agrega sua própria equipe de Arte.
112
EJA — Língua Portuguesa 3º ciclo, páginas 152-3 e 156. (Ática)
Na página 153 vemos uma abertura de uma das 20 unidades que compõem o
livro. Nela podemos observar a aplicação de uma tarja superior em tom
alaranjado150, da mesma família da cor aplicada no algarismo que representa a
unidade, da tarja no pé da página e do fio de boxes (ver página 152). A
mesma cor foi usada em intertítulos.
150 A discriminação expressa das cores aqui se presta a eventual esclarecimento que se fizer necessário emfunção do desvirtuamento da impressão e reprodução gráfica deste trabalho.
113
114
EJA — Ciências 4º ciclo, páginas 36-7 e 40. (Ática)
Na página 36 vemos a abertura de um capítulo (o livro tem 29 capítulos).
Observe-se que a cor escolhida para a disciplina de Ciências foi o verde (ver
capa também). Na parte superior da página há uma tarja na cor verde-
acinzentada sobre banda verde-musgo, também utilizada na representação do
algarismo, do texto no pé da página, dos intertítulos e do fundo do boxe que
recobre a seção de atividades no final dos capítulos.
EJA — Geografia 4º ciclo, páginas 42-3. (Ática)
Nessas páginas podemos perceber mais um exemplo de aplicação de
elementos do projeto gráfico: tarja superior em tom ocre sobre banda marrom,
cores que se repetem em intertítulos e em boxe de seção de atividades no final
do capítulo.
115
Esses três exemplos selecionados anteriormente nos permitem identificar a opção
por uma identidade visual para a coleção de EJA. Por sua vez, os exemplos selecionados a
seguir (além da observação já realizada das respectivas capas), da outra Editora, nos
comprovam o contrário:
EJA — Matemática, 3ª etapa, páginas 10 e 11. (FTD)
116
EJA — Matemática, 3ª etapa, páginas 154 e 155. (FTD)
EJA — Ciências, 4ª etapa, páginas 28 e 29. (FTD)
117
EJA — Geografia, 4ª etapa, páginas 44, 45, 56 e 57. (FTD)
118
A observação desses três casos colhidos aleatoriamente nos revela que não houve
nessas edições a busca de uma identidade visual comum para as obras de EJA. O
tratamento dado à abertura de capítulo ou tema estudado, atividades, intertítulos, margens,
numeração das páginas, tipologia, entre outros elementos, difere nas obras anteriormente
expostas. No que se refere ao aspecto visual, podemos notar uma semelhança, sim, entre o
livro de EJA Geografia e sua versão para o mercado, o que reforça nossa idéia de
reaproveitamento. Veja-se um exemplo a seguir:
Geografia, 6ª série, páginas 200 e 201. (FTD)151
A comparação dessas páginas da versão de mercado com as de EJA
anteriormente expostas revela semelhança entre elementos do projeto gráfico:
tipologia, cores de intertítulos e fundo de boxes, ícones são iguais.
151 A seleção foi aleatória, portanto os conteúdos conceituais abordados não equivalem.
119
Independentemente da estrutura da empresa, pois uma configuração funcional pode
ser criada ou adaptada mesmo que provisoriamente para atender determinado projeto, nota-
se que uma Editora optou por lançar seus produtos dentro de uma coleção e a outra as
publicou de forma avulsa, independentes entre si. Isso não quer dizer que a coleção que
tenha uma única programação visual tenha sido de fato estruturada para refletir concepções
pedagógicas e conteúdos específicos para alunos de EJA. Aspectos como o conteúdo
selecionado, os tipos de atividade e de proposição ao professor podem ser mais expressivos
dessas opções. Tampouco a identidade visual é um critério que serve para avaliar o uso
efetivo que o leitor faz do produto, o grau de apreensão dos conteúdos, a legitimação e o
contentamento usufruído do aprendizado. Mas, em ambos os casos analisados, é um item
que pode ser encarado como elemento revelador da concepção e idealização do produto e
que insinua possíveis diálogos entre os sujeitos envolvidos — editor, diretor de arte,
programador visual, autor, diretor editorial, diretor comercial.
O aspecto iconográfico se revela pelo reaproveitamento de material constante na
versão de mercado ou MEC. A dissecação detalhada do material disponível permite-nos
generalizar essa afirmação para todas as obras analisadas das duas Editoras. Selecionamos a
seguir apenas alguns exemplos, pois a exposição de todos os casos seria extensa demais,
além de desnecessária. Escolhemos mostrar primeiro situações praticadas em livros de
Geografia, pois trata-se de uma disciplina que costuma implicar o uso de variados
elementos iconográficos, a saber: mapas, tabelas, esquemas, fotos. Isso será feito com o
título da Editora FTD, cujos autores são Sonia Castellar e Valter Maestro e cujos
exemplares analisados tanto da versão mercado quanto na versão de EJA são de 2001.
Indicaremos cada um por meio de intertítulo específico com o objetivo de manter certa
organização na exposição de dados, sempre iniciando a enumeração com o exemplar que
acreditamos ser o original, ou seja, o livro de onde a imagem foi extraída (juntamente com
o texto). É oportuno notar que, conforme se estenda a exposição de situações características
da operação de reaproveitamento de material iconográfico, também se explicita a estratégia
de reaproveitamento e enxugamento de conteúdos conceituais e estruturas da organização
textual, os quais configuram a edição de texto propriamente dita.
120
4.1.3 Imagens Geografia FTD
Geografia mercado, 5ª série, páginas 6 e 7.
EJA — Geografia, 3ª etapa, página 5.
121
No caso anterior, duas páginas da versão de mercado transformaram-se numa
única página, e a ilustração e o mapa foram reduzidos no tamanho e
aproveitados.152
Geografia mercado, 5ª série, páginas 58 e 59.
152 A atividade 2, constante na versão de mercado, foi suprimida na versão de EJA. Como o exemplar de EJAobtido para análise foi o do aluno, não sabemos ao certo se o comentário para o professor, que aparece naversão de mercado, foi mantida.
122
EJA — Geografia, 3º ciclo, páginas 34 e 35.
Nesse caso, os elementos das páginas originais (58-9 versão mercado) foram
mantidos integralmente e transpostos para a edição de EJA. Isso pode ser
verificado tanto em relação às imagens quanto em relação ao texto.
123
Geografia mercado, 5ª série, páginas 82 e 83.
124
EJA — Geografia, 3º ciclo, página 48.
Aqui percebemos a transformação de duas páginas da versão anteriormente
existente numa página de livro de EJA. A edição de texto e de imagem se
manifesta pela transposição de todos os elementos constantes das páginas 82
e 83 para uma única, que ficou sendo a 48 na nova versão, pela redução no
tamanho das ilustrações e do mapa e pela rediagramação de texto e imagens.
125
Geografia mercado, 5ª série, páginas 142, 143 e 144.
126
EJA — Geografia, 3º ciclo, páginas 81 e 82.
Agora vemos que o conteúdo de três páginas foi condensado em duas páginas.
A página 142 do mercado foi transposta integralmente para página 81 de EJA
(foto, legenda e texto principal); mas a partir da página 143 os conteúdos
foram reduzidos para que pudessem caber na página 82: a foto da “cidade de
São Paulo em maio de 1998” foi cortada em mais de 50% de sua altura, a
seqüência de imagens que mostra a evolução do buraco na camada de ozônio
foi suprimida, a legenda dessa imagem foi incorporada parcialmente ao texto
principal, o que permitiu que o conteúdo da página 143 fosse deslocado,
compondo uma massa de texto com o bloco anterior.
127
Como exemplo de reaproveitamento de material iconográfico realizado pela Editora
Ática, listaremos situações praticadas na obra de Ciências, de Carlos Barros e Wilson
Paulino, por ser também uma disciplina que agrega uma variedade interessante de imagens:
esquemas, ilustrações, gráficos, fotos. Os exemplares de mercado usados na análise foram
do ano de 2002 e os de EJA, de 2003. Da mesma forma como fizemos com os livros
selecionados da Editora FTD, consideramos que o material de EJA seja derivado de uma
edição anterior — no caso, da versão de mercado. Desse modo, todas as imagens contidas
na versão EJA constam na edição correspondente para o mercado, mas a recíproca não é
verdadeira, pois, nessa transposição de contéudos, várias imagens foram eliminadas.
4.1.4 Imagens Ciências Ática
Ciências mercado, 5ª série, página 6./ EJA — Ciências, 3º ciclo, página
7.
128
Vemos que a página de abertura da unidade I do livro de 5ª série foi
aproveitada integralmente na versão de EJA, exceto no projeto gráfico, que é
um elemento novo dessa edição.
Ciências — mercado 5ª série, páginas 8 e 9.
129
EJA — Ciências, 3º ciclo, páginas 8 e 9.
No caso da página anterior já podemos perceber certa edição de conteúdos. Da
versão de mercado para a de EJA, manteve-se, na página par, a mesma
seqüência de imagens em sua disposição original e o texto foi transposto
integralmente; na ímpar, o texto sofreu cortes e, por causa da tipologia mais
econômica em termos de espaço, pôde “correr”, ou seja, ser trazido da página
seguinte (p. 10) para essa (p. 9). Mudança de tipologia e corte de texto, além
do já mencionado projeto gráfico, são os dispositivos que por hora podemos
identificar na edição da versão EJA.
130
131
132
Ciências mercado, 5ª série, páginas 96 a 104.
133
134
EJA — Ciências, 3º ciclo, páginas 55 a 60
A análise dessas páginas dá uma amostra da transformação do conteúdo de
dois capítulos num único. Acompanhando a seqüência de imagens,
constatamos que as duas fotos da primeira página desse conjunto foram
mantidas com as respectivas legendas, sendo que uma delas sofreu um corte
na largura, permitindo melhor aproveitamento da página pelo texto escrito.
Percebemos também que se suprimiu um intertítulo (“Do solo à rocha matriz”)
e o que originalmente consistia numa atividade dirigida ao aluno, dela se
aproveitando apenas o esquema, que passou a integrar o texto teórico. O
mesmo ocorreu com o gráfico “Composição de solo fértil”, que antes estava
numa atividade e passou a constituir o texto teórico. Se compararmos todos os
parágrafos, veremos que o texto coincide, com pequenos ajustes, até o fim da
enumeração dos componentes do solo e que o intertítulo “A importância do
solo” foi eliminado por completo (texto e imagens), saltando ao item “Tipos de
solo”. Nessa parte, as três fotos iniciais foram mantidas na mesma forma em
que haviam sido reproduzidas na versão de mercado, o texto foi resumido e os
três gráficos, eliminados. A partir de “ O solo pode ser melhorado”, o texto foi
135
simplificado em alguns trechos, e as imagens, ora foram suprimidas ora
tiveram o tamanho de sua reprodução reduzido — das doze fotos seguintes da
versão de mercado, restaram seis (atente-se para as dimensões da última
delas, “Os aspersores espalham bem a água”). A foto que aparece na página
60 de EJA foi trazida de um capítulo seguinte da versão do mercado,
configurando com os elementos seguintes um tópico resumido de um único
capítulo no novo livro.
Os exemplos dessa natureza que se poderiam expor são numerosos — veja-se que
só estamos na página 104 do livro de 5ª série. Uma vez que essas imagens não estão soltas,
mas são referidas no texto, reforçando ou explicitando conteúdos, é conveniente que a
análise do uso ou manejo delas seja feita de forma integrada, levando-se em conta as
interferências correspondentes no texto e na paginação. E a enumeração desses aspectos
seria descabida, pois excederia a extensão adequada deste trabalho.
Para o propósito da pesquisa, entretanto, acredito que os elementos indicados até o
momento são bastantes para demonstrar a estratégia das duas Editoras em relação ao
material iconográfico.
Com base nos exemplos expostos, podemos constatar que a edição de imagens nas
versões de EJA contou com operações de reaproveitamento integral, com a manutenção do
tamanho de reprodução original, ou, para economizar espaço, redução no tamanho ou
eliminação delas. Essa estratégia de reaproveitamento de material iconográfico pode ter
objetivado a economia de custo na compra, na mão-de-obra ou no tempo despendido na
pesquisa (no caso de fotos), na confecção (no caso de ilustrações, esquemas, gráficos), ou
no tratamento da imagem (escanerização, preparo do arquivo digital). Salvo se as Editoras
de fato não pagaram pelo uso dessas imagens em edição diversa para a qual elas foram
originalmente contratadas, a redução do custo deve ter sido inferior às originais, pois o
processo de reutilização também implica certo tempo de trabalho de busca das fontes
originais (impressas ou digitais), avaliação de sua adequação a cada nova situação em que a
imagem é referida, adaptação dos arquivos digitais, readequação de legendas e revisão.
136
Até o momento, a análise das estratégias adotadas nos permite considerar que as
Editoras visaram a redução de custo na edição de livros para EJA em relação ao custo
auferido nas versões de mercado e MEC. Utilizando um raciocínio simples, podemos supor
que essa decisão tenha se embasado no fato de os empresários terem calculado um retorno
financeiro baixo ou no mínimo duvidoso, tanto do ponto de vista imediato quanto dentro de
certo período de tempo — o tempo no qual uma publicação se paga (paga seus custos de
produção e divulgação) e começa a reverter em ganho.
4.2 A estrutura das obras
As obras têm, em geral, a seguinte estrutura: página de rosto ou fronstispício (p. 1);
página de créditos, em que aparecem dados de quem trabalhou no livro, como editores,
editores-adjuntos, assistentes, auxiliares, revisores, pesquisadores iconográficos, diretor de
arte, diagramadores, progamador visual, ilustradores, cartógrafos, assessores, consultores,
colaboradores, a ficha catalográfica para registro em bibliotecas, o número do ISBN, a data
da publicação e o endereço da Editora (p. 2); apresentação (p. 3); sumário (p. 4 e
eventualmente páginas subseqüentes); miolo; páginas pós-textuais (glossário, indicação de
obras adicionais para o aluno, referências bibliográficas, suplementos, crédito das
ilustrações e fotos); manual do professor (em caso de o livro ser o exemplar destinado ao
docente). Trata-se de dispositivos que aparecem na maioria dos casos analisados, adotados
por grande parte das maiores Editoras, mas que não são regra. A ficha catalográfica, por
exemplo, por não ser um elemento estritamente obrigatório na publicação de livros, pode
constar numa edição e não constar em outra de uma mesma Editora, conforme fatores
circunstanciais diversos.
Qualquer que seja a estrutura da obra e a seqüência dos conteúdos selecionados, os
livros costumam ter o mesmo formato e o número total de páginas (múltiplo de 8), de
acordo com o segmento de ensino a que se destinam. Essa prática deve ter se definido ao
longo do tempo em função do aproveitamento máximo em corte e dobra do papel
137
disponibilizado pela indústria de papel e pela prática ou mesmo “tradição” que foi se
estabelecendo entre as Editoras mobilizadas pela concorrência. Desse modo, livros voltados
ao 1º segmento do ensino fundamental costumam ter menos páginas que os destinados ao
2º segmento, e os do ensino médio são mais volumosos, qualquer que seja a Editora. Os
suplementos também variam conforme o rumo dos lançamentos e da concorrência, de
modo que, por exemplo, se uma Editora lançar uma coleção com CD, e obtiver sucesso
financeiro, logo virá uma versão semelhante de outra Editora.
Um dispositivo que se presta a uma análise preliminar do conteúdo selecionado
numa obra é o sumário, que discrimina a estrutura e os temas inseridos no miolo em tópicos
dispostos em hierarquias que podem ser unidades, capítulos, intertítulos, atividades, ou
outra organização escolhida para a obra (partes, lições, textos, aulas).
Ao analisar a iconografia do material de Geografia, a pesquisadora teve de consultar
o sumário das respectivas obras, o que reforçou a constatação de que o conteúdo havia sido,
de fato, transformado de dois volumes originais num único volume de EJA. A título de
exemplificação, expõe-se a seguir o sumário da referida obra, reforçando-se a observação
de que não se trata de um único caso, mas, conforme já dissemos anteriormente, a
reprodução de todos os casos seria extenuante (mais ao leitor que à pesquisadora), além de
desnecessária para o que se quer comprovar.
4.2.1 Sumário Geografia FTD mercado
5ª série (inicia-se na página 5)153
Unidade 1 — Aprendendo cartografia 6
Capítulo 1 — A localização e a orientação 8
Capítulo 2 — As diferentes concepções sobre a Terra 16
Capítulo 3 — mapeando a Terra 30
153 A página 4 é “em branco”, como se costuma nomear a página que ficou sem conteúdo textual impresso.
138
Projeto 1 45
Unidade 2 — Paisagens 50
Capítulo 4 — A origem da Terra e das paisagens 52
Capítulo 5 — A vida modificando as paisagens 74
Capítulo 6 — As mudanças provocadas pela vida 104
Projeto 2 119
Unidade 3 — As dinânicas da natureza e a ação humana:
apropriação dos recursos e mudanças nos ritmos 122
Capítulo 7 — A dinâmica da atmosfera 124
Capítulo 8 — A dinâmica da água no planeta Terra 147
Capítulo 9 — A dinâmica do relevo 170
Projeto 3 189
Bibliografia e sugestão de leitura para os alunos 191
Atlas consultados nas pesquisas de mapa 191
6ª série (inicia-se na página 5)
Unidade 1 — Para entender o Brasil 6
Capítulo 1 — A identidade brasileira 8
Capítulo 2 — A construção e a formação do território brasileiro 29
Capítulo 3 — As origens culturais do povo brasileiro 47
Projeto 1 63
Unidade 2 — O estudo do Brasil e de sua população pelas
linguagens gráfica e cartográfica 66
Capítulo 4 — A localização do Brasil e a cartografia 68
Capítulo 5 — A dinâmica populacional brasileira 83
139
Capítulo 6 — Migrações 107
Projeto 2 124
Unidade 3 — As regiões brasileiras 126
Capítulo 7 — A identidade das regiões 128
Capítulo 8 — Amazônia Legal 135
Capítulo 9 — Nordeste 165
Capítulo 10 — Centro-Sul 191
Projeto 3 220154
A leitura do sumário do livro do 3º ciclo de EJA de Geografia permite-nos perceber
que ele se compõe dos conteúdos de 5ª e 6ª séries anteriormente identificados, salvo a seção
de projetos155, que foi eliminada na nova versão. Se o volume de 5ª tem nove capítulos e o
de 6ª, dez, o livro de EJA tem dezenove capítulos, nomeados de forma idêntica, conforme
vemos a seguir156:
Unidade 1 — Aprendendo cartografia 5
Capítulo 1 — A localização e a orientação 6
Capítulo 2 — As diferentes concepções sobre a Terra 10
Capítulo 3 — Mapeando a Terra 18
Unidade 2 — Paisagens 50
Capítulo 4 — A origem da Terra e das paisagens 30
154 Embora o livro tenha, tal como o de 5ª série, as partes relativas a bibliografia, sugestão de leituras para osalunos e atlas consultados nas pesquisas de mapa, elas não aparecem nesse sumário.155 Trata-se de uma seção de proposição de atividades (práticas, de pesquisa, planejamento, tabulação deresultados, redação, etc. ) em grupo aos alunos. Parecem constituir um “bônus” aos alunos e ao professor, quepoderão optar pela sua realização conforme a conveniência e a disponibilidade de tempo, embora todas asatividades e a própria leitura do texto principal, sua seqüência inclusive, sejam facultadas ao professor seguirou não.156 A pesquisadora espera escusar-se da redundância de dados justificando a exposição para comprovar averacidade de sua leitura e análise. Não usou do recurso da reprodução fotográfica para não “carregar” demaiso arquivo digital e pelo receio de comprometer a legibilidade do texto, fundamental para esta etapa da análise.
140
Capítulo 5 — A vida modificando as paisagens 43
Capítulo 6 — As mudanças provocadas pela vida 59
Unidade 3 — As dinâmicas da natureza e a ação humana:
apropriação dos recursos e mudanças nos ritmos 68
Capítulo 7 — A dinâmica da atmosfera 70
Capítulo 8 — A dinâmica da água no planeta Terra 84
Capítulo 9 — A dinâmica do relevo 99
Unidade 4 — Para entender o Brasil 110
Capítulo 10 — A identidade brasileira 112
Capítulo 11 — A construção e a formação do território brasileiro 123
Capítulo 12 — As origens culturais do povo brasileiro 134
Unidade 5 — O estudo do Brasil e de sua população pelas
linguagens gráfica e cartográfica 144
Capítulo 13 — A localização do Brasil e a cartografia 146
Capítulo 14 — A dinâmica populacional brasileira 155
Capítulo 15 — Migrações 172
Unidade 6 — As regiões brasileiras 179
Capítulo 16 — A identidade das regiões 180
Capítulo 17 — Amazônia Legal 183
Capítulo 18 — Nordeste 197
Capítulo 19 — Centro-Sul 209
Bibliografia e sugestões de leitura para os alunos 223
Atlas consultados nas pesquisas de mapa 223
141
A leitura desses sumários pode nos remeter a indagar sobre o número de páginas de
cada livro. O de 5ª série tem 192 páginas (a última página é “branca”, só constando do
colofão157), o de 6ª tem 224 páginas (idem última página) e o livro de 3º ciclo de EJA tem
224 (idem última página).
Como se chega a tal feito de transformar dois volumes em um, mantendo-se os
conteúdos e sem aumentar o número de páginas? Obviamente reduzindo-se a extensão de
alguns conteúdos indicados no sumário. Como já vimos em tópicos anteriores deste estudo,
a supressão de imagens, elemento que ocupa grande parte da mancha, e a redução do seu
tamanho também são operações que se prestam a esse objetivo.
Então se pode perguntar: por que se usou dessa estratégia em vez de se optar por um
projeto novo, dedicado desde sua origem ao público de EJA?
Segundo Lafayette Megale, editor da FTD,
partir de um projeto zero quilômetro para EJA, baseado nos Parâmetros [proposta curricular],
é inviável, entre outros motivos, pelo tempo. É, por exemplo, o governo do estado do Pará que
quer não sei quantos mil livros de EJA para tal período, e a gente corre para atender. O que se
fez foi um material de uso imediato para escolas noturnas, com base nos livros de ensino
fundamental, com método mais próximo do expositivo.158
A organização dos cursos de EJA nos estabelecimentos de ensino, que em geral
dedica um semestre a cada ano do curso regular, reduzindo-se pela metade o período de
presença obrigatória do estudante na escola, é uma justificativa objetiva. Mas também se
pode perguntar: o que se eliminou? E, indo um pouco além: por que se eliminou o que se
eliminou?159
Para tentar responder a essas questões, vamos analisar o tratamento dado ao texto
propriamente dito, indicando trechos transpostos integralmente, reduzidos ou eliminados.
Um obra que se presta a esse fim é a coleção de Ciências da Editora Ática. Já vimos alguns
157 Identificação da gráfica em que o material fora impresso.158 Depoimento concedido por telefone à pesquisadora em dezembro de 2004.159 Paráfrase ao que se diz no ambiente de cursos relacionados com a história das disciplinas escolares: “Porque se estuda o que se estuda?”.
142
trechos que sofreram modificações quando levantamos casos de reutilização de imagens.
Daremos prosseguimento à leitura desse material, focalizando as alterações operadas no
texto.
4.2.2 Conteúdos Ciências Ática
Tomemos como exemplo o capítulo “O ser humano e o ambiente”, título dado o
capítulo 23 na versão de mercado (com sete páginas) e também capítulo 13 na versão de
EJA (com quatro páginas).
No primeiro exemplar, o capítulo é iniciado com uma foto (suprimida na versão de
EJA), de lixão a céu aberto, que ocupa cerca da metade da página 235, chamando a atenção
do leitor para a existência famílias que freqüentam locais desse tipo para obter o sustento.
Em seguida vem uma atividade sob a classificação de “Mãos à obra: atividade prática ou
experimental”, que solicita aos alunos que façam uma entrevista com pessoas que tenham
mais de 60 anos de idade para descobrir de que o lixo doméstico consistia nas décadas de
1950 e 1960. Isso também foi suprimido na versão de EJA, cujo capítulo citado começa na
página 108.
Vem então a atividade “Discutam estas idéias”:
a) Que materiais e produtos geralmente vão para o lixo de suas casas? Façam uma lista.
b) Retomem o relatório das entrevistas realizadas. Comparem os componenetes do lixo
doméstico produzido nas décadas de 1950 e 1960 com os componentes atuais do lixo
doméstico. Indiquem as principais semelhanças e diferenças.
Trata-se de um tipo de atividade que solicita a participação do aluno, levando-o a
prestar atenção em aspectos do seu cotidiano, a falar sobre eles e a trocar informações com
colegas e outras pessoas do seu grupo social ou comunidade. Analisando os dois capítulos e
as duas obras por completo, podemos perceber que esse tipo de atividade não existe na
versão de EJA, tampouco as proposições de atividades experimentais, como a indicada
anteriormente. A inserção da foto do lixão a céu aberto pode ser entendida como uma
143
tentativa de “evidenciar a necessidade de tratar de temas sociais urgentes — chamados
Temas Transversais no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar”160,
intenção preconizada pelos PCN, e a expressão da leitura que editores e autores fizeram
dessa demanda curricular.
O texto teórico segue de forma idêntica nas duas versões (páginas 236 e 108,
respectivamente), distribuído em seis parágrafos. Vem então o intertítulo “Tipos de lixo”,
presente nos dois casos, e, apenas na versão de mercado, há a atividade “Trabalhe estas
idéias”, eliminada no livro de EJA, cujo enunciado expomos a seguir161:
Há quem jogue embalagens ou restos de alimento pela janela do ônibus, do carro ou de casa.
Além de constituir um péssimo hábito de higiene pessoal, demonstra falta de cuidado com a
limpeza e o embelezamento de áreas públicas. Favorece, além disso, a ocorrência de
enchentes.
Descubra por que esse tipo de atitude contribui para a ocorrência de enchentes.
Diferentemente da atividade “Discutam estas idéias”, anteriormente discriminada,
que se dirige a grupos de alunos, esta, “Trabalhe estas idéias”, dialoga com o aluno
individualmente, solicitando-lhe que atente para atitudes de cuidado com o seu bem-estar e
o da coletividade e, nesse caso específico, desafia-o a inferir a causa de um problema
público — o entupimento de bueiros — relacionando comportamentos humanos e seus
efeitos possíveis no meio.
Seguem-se seis parágrafos de texto teórico e expositivo (iguais nos dois casos), até
o intertítulo “O destino do lixo” , após o que se percebem algumas manobras efetuadas no
texto na nova edição: uma foto foi reduzida e reproduzida com a mesma legenda; o
parágrafo inicial, que fazia remissão à foto, foi suprimido; um esquema que mostrava a
contaminação da água subterrânea foi eliminado. Fora a supressão das remissões às
160 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 11.161 Esses aspectos seriam mais bem visualizados com a inserção de fotos das páginas e dos trechosmencionados. Porém, para que o arquivo digital não fique pesado demais e o trabalho impresso muitoextenso, optou-se por desenvolver este tópico e os seguintes apenas com base em citações dos textosselecionados, reservando o recurso da reprodução fotográfica à explicitação de aspectos iconográficos erelativos ao projeto gráfico.
144
imagens, o texto foi reaproveitado quase que integralmente nesse trecho. Uma tabela sobre
o tempo de decomposição de materiais, que constava no final do capítulo na versão
original, passou a integrar o texto teórico. Após a entrada do intertítulo “Como reduzir o
lixo” na versão de mercado, que mudou para “Como reduzir o volume de lixo” na versão de
EJA (talvez porque o editor de texto tenha julgado conceitualmente mais correto), percebe-
se que também se suprimiu a atividade “Trabalhe esta idéia” no segundo exemplar. A
atividade mostra uma foto de uma pessoa depositando recipiente de vidro em contêiner
destinado a reciclagem e solicita ao aluno que descubra por que a atitude exibida na
imagem ajuda a reduzir o lixo no ambiente.
Os parágrafos seguem com poucas alterações significativas, como a eliminação de
remissões a capítulos anteriores (pois isso difere nas duas versões) e a quebra de parágrafos
(que deve ter sido promovida pelo editor não na edição de texto, mas na liberação da prova
com vistas a que o texto final ocupasse mais espaço e não restasse tanto espaço em branco
nessa página). O texto que entrava dentro de um boxe de leitura complementar foi
transposto, dando seguimento às atividades finais.
Aqui também se percebem interferências distintivas entre uma edição e outra. Na
versão destinada ao mercado, este capítulo apresenta dois tipos de atividade (além daquelas
“Discutam/Trabalhe esta idéias”): “Integrando o conhecimento”, com questões mais ligadas
à cobrança de conteúdos, e “Em grupo: ligados no ambiente”, com a proposição de
observação de uma foto de turistas em ambiente natural e inferência e discussão de
questões a ela relacionadas. Na versão de mercado também apresenta a seção “Você vai
gostar de ler”, que indica ao aluno algumas obras de leitura complementar.
Um estudo conseqüente do conteúdo não pode deixar de considerar as
recomendações indicadas como parâmetro curricular ou proposta curricular, que se
constituem num currículo prescrito ou numa tentativa mais próxima de homegeneização de
conteúdo. Nesse sentido, os PNLD entendem que a atenção para os temas sociais é urgente
e uma tarefa educativa que se preze deve necessariamente levar em consideração a
dinâmica social e visar sobretudo à integração do aluno na escola, na sociedade e no
145
mundo. A formação cidadã almejada subentende a noção de aprendizagem como
compromisso e responsabilidade do próprio aluno, e à escola cabendo o papel de se
constituir como um “ambiente de construção de conhecimentos e de desenvolvimento de
sua inteligências, como suas múltiplas competências”162.
A Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos também almeja a
“educação cidadã”:
O ensino de Ciências Naturais para jovens e adultos fundamenta-se nos mesmos objetivos
gerais do ensino voltado para crianças e adolescentes, uma vez que a formação para a
cidadania consitui meta de todos os segmentos e modalidades da escolaridade.
Cada um dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais — Ciências Naturais, dirigidos
para 5ª a 8ª série (alunos entre 7 e 14 anos), está comentado a seguir, ressaltando aspectos
fundamentais para a Educação de Jovens e Adultos.
[…]
Formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos
das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes
desenvolvidos no aprendizado escolar.
[…]
Saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para coleta, comparação
entre explicações, organização, comunicação e discussão de fatos e informações.
[…]
Valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a contrução
coletiva do conhecimento.163
Sobre o trabalho em grupo, o documento ainda enfatiza:
Por meio dos trabalhos individuais, os alunos desenvolvem e sistematizam suas próprias
explicações para os fenômenos. Daí a importância desse tipo de prática. Já os trabalhos em
grupo permitem e estimulam o confronto de explicações e argumentos, possibilitando a
162 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Introdução. Op. cit., p. 10-1.163 PROPOSTA CURRICULAR PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. v.3. Op. cit., p. 80-3.
146
desestabilização de opiniões arraigadas. Esse processo, responsável pelos avanços no
conhecimentos dos temas, não ocorre no trabalho individual.
E, concluindo o comentário desse último objetivo, a proposta reforça seu
engajamento na luta pela paz no convívio social por meio da admistração dos conflitos
interpessoais e das diferenças e pelo trabalho dirigido ao desenvolvimento dos valores de
convivência e integração social:
Além disso, no trabalho em grupo o aluno adulto aprende a respeitar a pluralidade de opiniões
sobre cada assunto e tem ainda a oportunidade de perceber-se como um dos responsáveis
pela formação dos colegas. É papel do professor de EJA desenvolver em seus alunos essa
consciência sobre a construção coletiva do conhecimento.
Partindo da consideração desses pressupostos, podemos auferir que na transposição
de conteúdos de edições de mercado ou MEC para EJA, foram eliminadas as partes que se
propunham a dialogar com o aluno, a colher suas noções prévias acerca de determinado
assunto, a levá-lo a observar o entorno, a construir conhecimentos com base na auto-
avaliação e na aferição das mudanças conceituais que ele mesmo percebe ter promovido
com o estudo. Ao que tudo indica, priorizaram-se o que Lafayette Megalle, o editor
anteriormente citado, nomeou de textos “mais próximos do expositivo”, além de atividades
que se restringem a perguntas objetivas, cujas respostas são calcadas no texto teórico.
Suprimiram-se também as atividades práticas e em grupo, louvadas como estratégia de
efetivação da formação cidadã.
Vale observar ainda as páginas pós-textuais presentes em cada edição de Ciências
dessa Editora. Na versão de mercado, encontramos glossário com imagens coloridas (mapa,
fotos), bibliografia, 16 páginas de exercícios de revisão, um caderno de experimentos de 48
páginas com atividades consumíveis (preto-e-branco). Na versão de EJA há apenas um
glossário não-ilustrado e a bibliografia.
Como do levantamento que fizemos identificou-se que a grande mudança
concentrou-se nas atividades, vamos analisar esse aspecto com um pouco mais detalhes no
tópico seguinte.
147
4.3 Atividades
Um pouco do que desenvolveremos agora já foi adiantado em tópicos anteriores,
quando vimos exemplos de reaproveitamento de material iconográfico e de mudanças
operadas no texto. Aqui também nos deteremos ao estudo de poucos exemplares, pois não
caberia uma análise extensiva de todos os livros que foram reunidos, uma vez que os
aspectos implicados nesse tipo de trabalho são de naturezas variadas e não se esgotariam
apenas num item de dissertação como este.
Também é preciso assinalar que, por estarmos analisando as atividades e as
confrontando com a Proposta Curricular para Educação de Jovens e Adultos, divulgada no
ano de 2002, só poderemos desenvoler este item do trabalho com livros da Ática, pois os da
FTD a que a pesquisadora teve acesso datam de 2001 — muito embora se tenha registrado
a declaração de um editor da FTD que a elaboração de um projeto para EJA “partindo do
zero” e baseado no currículo proposto seria inviável, inclusive na época em que o
depoimento foi concedido (dezembro de 2004).
Apesar desse corte restritivo, os resultados podem ser significativos, como veremos
a seguir.
A análise desenvolvida no tópico anterior já adiantou um pouco da explanação que
faremos aqui.
As atividades estão intimamente relacionadas à noção do que se quer avaliar do
aprendizado do aluno.
Como afirma André Chervel,
Se os conteúdos explícitos constituem o eixo central da disciplina ensinada, o exercício é a
contrapartida quase indispensável. […] Sem o exercício e seu controle, não há fixação
possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende fundamentalmente da
qualidade dos exercícios aos quais elas podem se prestar. 164
164 CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Op. cit., p.204.
148
Vamos então discriminar as atividades propostas nos livros de Ciências da Editora
Ática:
4.3.1 Atividades Ciências Ática
Um levantamento das atividades da coleção destinada ao mercado identificou estes
tipos de atividade:
“Trabalhe esta(s) idéia(s)” e “Discuta esta(s) idéia(s)” — solicitam a
participação do aluno e o leva a antecipar determinado conteúdo conceitual que
será exposto ao longo do texto a partir de observação de aspectos do cotidiano,
do meio natural ou social, do seu corpo, etc.;
“Integrando o conhecimento” — basicamente, atividades de cobrança de
conteúdo conceitual, com maior ou menor necessidade de reflexão e
estabelecimento de relações entre conceitos dados;
“Mãos à obra: atividade prática ou experimental”;
“Em grupo…” — a proposta desse último tipo de atividade, cujo título explicita
que deve ser realizada em grupo, aparece discriminada segundo o tipo de
habilidade que se quer desenvolver. São elas, basicamente: leitura de mapas;
pesquisa; análise de esquemas; coleta de informações sobre o município, o
estado ou país; relacionamento de conceitos; redação; observação de atitudes ou
atividades humanas; entrevista; retrospectiva de conceitos estudados; coleta de
material veiculado na mídia; debate; expressão oral.
Agora se pode indagar: quais desses tipos de atividade foram transpostos para EJA?
Apenas as do grupo “Integrando o conhecimento”, muitas vezes modificadas de modo a
que se tornassem ainda mais objetivas e a que o aluno pudesse encontrar as respostas
esperadas prontamente no texto anteriormente exposto. Em alguns capítulos dos livros de
EJA, houve inserção de questões do Encceja/2002 (Exame Nacional de Certificação de
Competências de Jovens e Adultos).
149
4.3.2 As atividades e o currículo
As atividades explicitam o que se quer que o aluno fixe do conteúdo trabalhado e
dão pistas sobre as formas válidas para avaliá-lo.
A inserção de questões extraídas do Encceja evidenciam que o entendimento dos
editores a respeito de uma das expectativas do leitor: a certificação. Oferecer esse tipo de
atividade dá a entender que a obra se alinha com essa intenção e se constitui num meio de
obtenção desse objetivo.
Salvo essa estratégia, claramente focalizada no estudante de EJA, que outras
interferências podem ser discriminadas como favorecedoras de uma aproximação entre a
obra e o seu público? Que idéias pedagógicas podem ser identificadas pela análise das
atividades remanescentes, extraídas da fonte original e transpostas para EJA?
A abordagem proposta no grupo de exercícios do tipo pergunta-e-resposta,
organizados linearmente, cobrindo o conteúdo conceitual exposto, insinua uma
característica comumente verificada em livros didáticos de cerca de 30 anos atrás, antes do
PNLD, tão combatidos em suas primeiras avaliações: livros “conteudistas”, tradicionais,
que cobram tão-somente a capacidade de memorização do aluno.
Com as reflexões sobre os currículos e a proposição de um relacionamento
interdisciplinar entre eles ocorridas na década de 1980 no Brasil, a noção de aprendizagem
foi revista, assim como a de conhecimento, avaliação e conteúdo. Este último passou a
remeter a conceitos, atitudes e procedimentos, que subentendem um aluno ativo diante do
aprendizado.
O fato de as atividades suprimidas serem justamente as que mais se aproximavam
desse referencial, inclusive do que norteia a Proposta Curricular para EJA, faz-nos
questionar se isso ocorreu por acaso, por reminescência de uma prática característica do
passado ou por certa representação do público-alvo.
150
4.4 O manual do professor
Um elemento que estabelece um diálogo com o professor e que também deve
explicitar as idéias pedagógicas que nortearam a escrita e a edição de uma obra didática é o
manual do professor.
Os PNLD estabeleceram um peso importante à coerência entre o que se apregoa que
a obra possui no manual do professor e o que de fato ela oferece no miolo, a parte destinada
ao aluno — o texto teórico, sua organização, seu conteúdo e desencadeamento, a natureza
das atividades e avaliações propostas. Desse modo, é comum encontrarmos nos livros
aprovados pelo MEC manuais relativamente mais desenvolvidos e ricos que nos outros
tipos de livros didáticos. E, na maioria dos casos, esses manuais acabam sendo
incorporados na versão de mercado.
4.4.1 Manual Ciências Ática
Conforme vimos no capítulo 3 deste trabalho, o número de páginas do manual da
obra de Ciências na versão de mercado dessa Editora varia de acordo com a série: o livro de
5ª série tem 96 páginas; o de 6ª tem 104; o de 7ª, 88; e o de 8ª, 160 páginas. Todos os
volumes, no entanto, compõem-se de uma parte geral comum e, em específicas, aquelas
que dizem respeito ao trabalho com a série a que o livro se destina, nas quais inserem textos
para o professor, respostas das atividades, bibliografia adicional ao professor. Esse mesmo
manual consta tanto na versão de mercado quanto na versão do MEC.
O manual que se observa na edição de EJA, entretanto, compõe-se apenas das
respostas das atividades propostas ao longo do livro. Não se observa, portanto, um diálogo
com o professor de EJA, não se oferecem subsídios teóricos adicionais para a condução das
aulas, como lidar com atividades experimentais, como planejar diversas atividades,
tampouco há uma oferta de bibliografia, textos, sites, filmes para consulta e enriquecimento
da prática pedagógica e atividades adicionais — itens que constam nas outras versões.
151
4.4.2 Manual Geografia FTD
Dos exemplares de EJA disponibilizados para a pesquisa, apenas um deles era o do
professor. Era o de Geografia 4ª etapa; os demais apresentavam um carimbo com a
inscrição “Exemplar para análise — cortesia da Editora FTD S.A.” , que possivelmente se
destinasse à doação ao docente.
No contato telefônico estabelecido com o editor da FTD, foi-lhe perguntado sobre
como era o manual do professor, ao que ele comentou, rapidamente, que esse material
constituía apenas das respostas das atividades. O mesmo editor também comentou
rapidamente que a maioria das obras que têm uma edição na versão de EJA se apresentam
com o mesmo conteúdo tanto no MEC quanto no mercado.
Considerando que os comentários desse editor atendiam na ocasião a perguntas
secundárias às principais questões formuladas pela pesquisadora, cabe atentar para que não
se generalizem as afirmativas para todas as versões MEC e sua contrapartida de mercado.
Sabe-se que as reformulações obedecem a imposições diversas, como a concorrência, a
queda nas vendas, o próprio prazo de inscrições ao PNLD, e esse fatores podem determinar
ambos os materiais, resultando diferenças circunstanciais entre essas duas versões. O que se
quer dizer aqui é que, “cada caso é um caso”, mas, atualmente, percebe-se uma
aproximação entre essas duas versões.
Mesmo não tendo diversos exemplares para comprovar minhas suposições e o que
se afirmou acima sobre o livro do professor de EJA, vale identificar os elementos que
constituem o manual de Geografia nas duas versões.
Na edição destinada ao mercado (os livros analisados foram os de 5ª e 6ª séries),
esse manual é constituído de 48 páginas e é impresso em preto-e-branco. Tal como ocorre
nos livros da Editora Ática indicados no item anterior, há uma parte que é comum a todos
os volumes e uma específica. Vamos transcrevê-las aqui:
Um breve histórico do ensino de Geografia
152
A construção do conhecimento
Geografia e constução do conhecimento
A concepção desta coleção
Habilidades operatórias e competências
Procedimentos
Leitura de imagens
Leitura de gráficos e tabelas
Resolução de problemas
Painel
Estudo do meio e pesquisa
As seções que você vai encontrar no livro
Avaliação
Estrutura da obra
A Geografia no 3º ciclo do ensino fundamental
Estrutura do volume 1 — 5ª série165
Conversando sobre os capítulos
Bibliografia do professor
Respostas possíveis
O sumário desse manual apresenta conceitos que expressam certo alinhamento com
algumas idéias contidas nos PCN e nos discursos que se orientavam para uma revisão das
noções de aprendizagem, conhecimento, concepções acerca do aluno e do professor:
“construção do conhecimento”, “habilidades”, “competências”, “procedimentos”.
Já no caso de EJA, o manual é menos enxuto que o da outra Editora na interlocução
com o professor, pois, além das respostas, apresenta trechos relativos a “A concepção desta
153
coleção”, “Estrutura da obra” e “ Bibliografia”, e compõe-se de 8 páginas em preto-e-
branco.
Percebe-se também nesse caso uma economia de recursos em relação à edição de
origem.
4.4.3 O manual do professor e o destinatário
Nas versões de mercado das duas Editoras, podemos perceber certo esforço
dialógico com um destinatário, dando-se a ver que certas premissas estão sendo cumpridas,
no caso, a atualização da concepção de ensino de que se vestem as obras. Talvez o
destinatário seja o avaliador do MEC, embora os exemplares estudados fossem de mercado,
talvez smplesmente o professor.
De qualquer maneira, não é exagero afirmar que, em certa medida, os PNLD têm
formatado os livros didáticos, quer na apuração dos conceitos, na seleção dos conteúdos, na
natureza das atividades, nos recursos oferecidos ao professor. Também em certa medida,
essa formatação se estende aos livros voltados para as escolas particulares, visto que várias
edições acabam sendo aproveitadas tal e qual tanto no governo quando no mercado.
Com base nisso talvez se possa afirmar que a inexistência de um programa de livros
didáticos de EJA facilita esse tipo de atitude por parte dos editores, resultante de
alheamento a esse público específico (estudantes e professores), desconhecimento ou
indiferença, que poderiam ser superados pela necessidade de se atender a certos parâmetros
ou referenciais impostos por um programa governamental. Também é possível que a
inexistência de um sistema de ensino minimamente homogêneo em termos nacionais
dificulte aos editores auscultar o tipo de livro que mais atenderia à demanda desse professor
tão diversificado — ou indistinto. Visto que o livro didático se presta à homogeneização de
conteúdos tidos como legítimos em certo lugar e período da história, é válido afirmar que a
configuração pulverizada em que se encontram os materiais didáticos de EJA e a forma
165 Aqui começa a diferenciação: volume 2 — 6ª série/ volume 3 — 7ª série/ volume 4 — 8ª série.
154
secundária em que eles se materializam expressam a imprecisão do respectivo sistema de
ensino.
4.5 A divulgação
As Editoras selecionam originais, editam a obra e a publicam. Se ela não tiver um
braço na empresa que possa comercializar o produto — uma livraria —, terá de vendê-lo
por meio de livrarias, distribuidores ou professores. Todos esses personagens obtêm os
títulos com desconto da Editora e os repassam ao consumidor final, o aluno. 166
Quem usa e compra o livro didático é o aluno, mas quem define a sua adoção é o
professor. As Editoras de livros didáticos disputam o nicho das escolas, fazendo chegar ao
maior número possível de escolas uma amostra de seus produtos. A amostra, nesse caso, é o
livro do professor.
Quando os livros se destinam ao mercado de escolas particulares, a divulgação deve
ocorrer em tempo hábil para que o professor possa receber o exemplar, analisá-lo e, no
início do período letivo (começo do ano), indicar o seu uso. Por isso, a divulgação de livros
didáticos para essa fatia do mercado (escolas particulares) costuma ocorrer a partir de
setembro de cada ano, para que o professor possa adotá-lo no início das aulas do próximo
ano letivo. Já quando o comprador é o governo, o período em que os divulgadores saem a
campo fica atrelado à divulgação do resultado da avaliação pelo MEC (e divulgação do
Guia de livros didáticos). Para essa operação as Editoras costumam imprimir exemplares
do professor da versão apresentada à avaliação, e a tiragem depende das estratégias que se
adotam para cada coleção. Em geral, nesse caso, a escala é de dezenas de milhar (10, 20, 50
mil exemplares do professor).
Esses dados nos permitem entender por que é difícil às Editoras pequenas fazer
chegar seus produtos aos professores. Não raro elas possuem títulos bem avaliados pela
155
MEC, mas não obtêm resultados expressivos nas vendas. Isso se deve ao fato de elas não
terem condições de imprimir uma quantidade razoável de exemplares aos professores e sair
em campo em tempo hábil. Imprimir tamanha quantidade de livros, que são doados e cujo
retorno é incerto, requer capital, poder de negociação com gráficas e outros fornecedores de
serviço, recrutamento e treinamento de pessoal para divulgação (mesmo que em caráter
temporário). Algumas dessas Editoras pequenas chegam posteriormente a vender seus
títulos (já avaliados e aprovados pelo MEC) a grandes Editoras.
Aos professores cabe tomar conhecimento do Guia no qual constam as coleções
aprovadas na avaliação167, analisar o que os especialistas disseram de cada obra e escolher a
que mais se adequa ao seu trabalho pedagógico e à linha adotada por ele e pela unidade
escolar. Nesse processo, pode ocorrer de um livro que vinha sendo adotado por ele há
algum tempo ser excluído na avaliação, o que lhe custará a opção por outra coleção e
adaptar o seu trabalho e os alunos a ela.
Do que foi exposto, podemos identificar dos segmentos básicos de atuação das
Editoras de livros didáticos: um voltado para o mercado de escolas particulares, o outro
voltado para o governo. Tal segmentação se reflete no processo produtivo (organogramas,
lançamentos, mão-de-obra) e na divulgação (para o mercado particular, terceiro trimestre
do ano; para o governo, período incerto).
As Editoras vêm o governo como a fonte mais garantida de retorno recursos e nele
destinam todos os seus esforços, decisão que afeta o processo produtivo outrora assentado
em outras bases para a produção de livros voltados ao mercado de escolas particulares, com
periodicidade definida. Antes dos PNLD as Editoras de livros de didáticos em geral tinham
um ritmo de trabalho em certa medida previsível e definido. As etapas de entrada de
originais, edição, preparação, diagramação ou paginação, revisão, produção e impressão
166 Célia Cassiano (Op. cit.) estudou em profundidade em sua dissertação o processo de escolha, divulgação eadoção de livros didáticos. Aqui faremos apenas uma rápida descrição de alguns desses itens.167 O processo de avaliação das coleções pelos especialistas de área leva, em geral, mais de um ano. Para oPNLD 2005, por exemplo, o edital de convocação foi emitido em final de 2002, o prazo de inscrição dasobras pelas editoras foi final de julho daquele mesmo ano e o resultado da avaliação (a publicação do Guiapelo MEC) ocorreu em janeiro de 2004.
156
obedeciam a certo cronograma estabelecido conforme o ano letivo: em setembro os livros
deviam estar prontos para a divulgação.
Esse fluxo de trabalho se alterou com a implementação dos PNLD, pois as Editoras
passaram a organizar sua produção de uma “data provável” de publicação do edital de
convocação e a conciliar a manutenção de seu acervo voltado para o mercado e seus
lançamentos. O espaço que as obras de EJA ocupam na esteira produtiva dessas Editoras
subordina-se, portanto, ao grau de premência dos dois materiais prioritários — o MEC e o
mercado. Talvez isso elucide por que as duas Editoras analisadas optaram pelo
reaproveitamento de material e a economia de recursos — sem que se justifiquem, louvem
ou condenem essas medidas.
157
5. Considerações finais
Todo o esforço de explicitação de dados anteriormente expostos tentou situar os
livros didáticos de EJA, nosso objeto de estudo, em relação aos demais produtos editoriais
no circuito produtivo de duas Editoras. O fato de, no momento da realização da pesquisa, só
duas das empresas classificadas no ranking das Editoras como “grandes” produzem esse
tipo de material, já revela em si relativo desinteresse por esse projeto.
A pulverização de publicações destinadas à EJA em outros tipos de instituições,
comerciais ou não, expressa a política de terceirização que vem sendo adotada pelos
governos em relação a aspectos de destinação social, entre eles a educação. Essa tendência
veio ao encontro dos movimentos sociais que se configuraram no país a partir dos anos
1980, que instituíram a ação de formas organizativas, como entidades sem fins lucrativos,
associações de moradores de bairro, na efetuação de funções antes restritas aos poderes
públicos. Da confluências de tais movimentos e do interesse das gestões de políticas
neoliberais, institucionalizaram-se essas organizações não-governamentais, delegando-se a
elas as atribuições antes respondidas por esferas governamentais. E a existência de grande
número de títulos de EJA distribuídos de forma não-sistemática, diferentemente da
veiculação dos demais produtos editoriais, é um aspecto dessa conformação política.
A análise das duas coleções de EJA das duas únicas Editoras que apresentavam esse
produto no período do desenvolvimento deste trabalho mostrou que elas foram elaboradas a
partir de materiais pré-existentes, configurando-se como um subproduto.
A estratégia de recortar e colar não é tão nova assim. Nesse sentido, as duas únicas
Editoras que se prestam a se lançar nesse nicho de mercado — no momento da realização
desta pesquisa, é sempre importante ressaltar —, eram também as duas maiores empresas
do ramo, não usaram de ações inovadoras. Curioso que a opção de “vulgarização” de obras
já consagradas, sua facilitação a um público economicamente menos favorecido já foi uma
estratégia usada por editores franceses há mais de três séculos — refiro-me aos editores de
Troyes na composição da Biblioteca Azul, publicando-se versões mais baratas e de
158
circulação popular de textos já editados168. E, se as nossas Editoras atuais não estão sendo
inovadoras nas estratégias adotadas no projeto, tampouco estão sendo nas intenções que as
mobilizaram a ele. Redimensionando espaço, tempo e sujeitos, percebemos a permanência
da estratégia editorial — baseada na concepção de um público leitor sem identidade
temporal, espacial e como sujeito da história.
Se de fato a política pública do PNLD melhorou a qualidade dos livros didáticos,
talvez o mesmo possa se vislumbrar em relação aos livros de EJA se se instalar uma
política específica. Para o bem ou para o mal, do ponto de vista dos editores, que poderão
reclamar do valor negociado pelo produto com o governo, talvez as revisões que se fizeram
sobre as idéias pedagógicas, a prática pedagógica, o estudante, a criança de sete a quatorze
também tenha sua contrapartida a aspectos atinentes ao público de EJA. O aspecto singular
é que, se a política der certo, ela será relativamente breve, de curta duração, pois terá
disseminado a escolarização a esse público que sempre esteve à margem das prioridades
educacionais, que com a ação educativa terá deixado de existir ou ao menos se reduzido
consideravalemente.
168 A esse respeito, ver, entre outras obras: CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (org.).Práticas da leitura. São Paulo, Estação Liberdade, 2001. p. 77-105.
159
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www.livrariacultura.com.br
Epígrafe
PRÉVERT, Jacques. Dia de folga. São Paulo, Cosac & Naify, 2004.
169
ANEXO