Mudanças no projeto · co no Caratê, localidade mais con-flagrada da favela: “Quem for pe-go...

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Escuta mostra intervenção debandidos da Cidade de Deus no sorteio dos beneficiados

Cidade de Deus, ZonaOeste do Rio, a constru-

ção de quase mil apartamentos doprograma “Minha casa, minha vi-da” tinha como objetivo, segundoo governo do estado, a realocaçãode famílias que viviam “em áreasde risco e condições insalubres”. Osorteio, no entanto, pode ter bene-ficiado o crime. Segundo uma in-vestigação da Polícia Civil, bandi-dos interferiram na escolha dosagraciados. No quarto capítulo dasérie “Minha casa, minha sina”, oEXTRA mostradiferentes for-mas de influên-cia exercidaspelo tráfico dedrogas na vidados moradores.

Numa escu-ta feita pela32ª DP (Taquara), uma mulher,identificada pela polícia como“uma das pessoas responsáveispela triagem dos beneficiados”pelo projeto na Cidade de Deus,convence um gerente do tráficoda favela a cadastrar uma pessoamorta entre os postulantes a umapartamento no Residencial Ita-mar Franco. A ligação, gravadaem 18 de julho do ano passado,faz parte de um inquérito que cul-

minou com a prisão de dez trafi-cantes em janeiro deste ano.

“Você tinha que pegar o nomedela que já tá pronto (...) e, depoisque tiver morando, trocar pro no-me dele”, diz a mulher. Segundofuncionárias da 23ª Região Admi-nistrativa da prefeitura que traba-lham na Cidade de Deus, o cadas-tro foi feito por associações de mo-radores da favela. O governo doestado entregou as unidades.

“Mas não daria problema não?”,responde Deilson Ribeiro da Silva,

o Deidei, presodesde 21 deagosto de 2014na PenitenciáriaGabriel FerreiraCastilho, emBangu. “Não dáproblema não,eu falei com sua

cunhada que depois eu quero mos-trar o óbito e transferir, enten-deu?”, argumenta a mulher.

Ao fim do inquérito, Deidei foidenunciado pelo promotor Edu-ardo Paes Fernandes como o “res-ponsável pela ingerência do tráfi-co no ‘Minha casa, minha vida’”.A mulher não foi identificada, eas investigações sobre a fraudeno cadastro não avançaram. Ummorador, entretanto, procurou a

32ª DP no ano passado para de-nunciar que “pessoas da associa-ção de moradores, a mando detraficantes, estão cobrando o va-lor de R$5 mil para moradoresconseguirem o benefício”.

A Cidade de Deus tem uma UPPdesde fevereiro de 2009. A presen-ça do crime no Itamar Franco, con-tudo, não é discreta. Em todos os

prédios, há uma inscrição assina-da pela facção que controla o tráfi-co no Caratê, localidade mais con-flagrada da favela: “Quem for pe-go roubando vai morrer”.

— A venda de drogas acontecenas garagens. Quando a políciachega, os bandidos fogem para oscondomínios — diz Francisco*,dono de um imóvel no conjunto.

NA

“Depois eu quero mostrar o óbito

e transferir, entendeu?”

todos os nomes utilizados na série são fictícios*

12 ⟩ ESPECIAL 2ª Edição extra.globo.com Quarta-feira, 25 de março de 2015

DEPOIMENTO

B Não fazia nem uma semana queeu tinha me mudado. Na noite deréveillon, quando voltamos pracasa, as crianças entraram noquarto e viram a janela estilhaça-da. De manhã, minha filha foilimpar e achou um projétil. Foi aíque tivemos a noção exata do quetinha ocorrido. Meu filho está ali,do mesmo jeito, sentado jogandono computador dele. Foi bem alique a bala bateu. E já tem outrasjanelas furadas no conjunto. Ondea gente morava antes e desapro-priaram nossa casa, eu já estavasaindo por causa dos tiroteios.Agora, vou ficar aqui, à mercê?Estou assustado e desapontado. Agente trabalha e faz de tudo emprol dos nossos filhos. Não quere-mos isso para ninguém, mas mui-to menos para eles.

‘Vou ficar aqui, à mercê? Estoudesapontado’

FELIPE*Morador do Residencial JardimCanário, no Complexo do Alemão

B Manhã de 28 de fevereiro, sába-do, por volta das 9h. Enquanto cri-anças se divertem no ResidencialJardim Beija-Flor — um dos qua-tro conjuntos do “Minha casa, mi-nha vida” no Complexo do Ale-mão, Zona Norte do Rio — a brin-cadeira é interrompida por umavisita inesperada: seis homens ar-mados, dois deles com fuzis, cru-zam o conjunto sob o olhar atônitode várias testemunhas.

— Não pediram nem licença. Écomo se tudo fosse deles — lem-bra uma moradora.

O destino do bando era um bu-raco nos fundos do terreno. Cons-truído dois meses depois da inau-guração, o muro foi depredado,logo após ser erguido, para servirde passagem a traficantes do Ale-mão, onde há quatro UPPs. Ao la-do do portal improvisado, a siglade uma facção criminosa não per-mite dúvidas sobre seu uso.

A menos de um quilômetro dali,o Residencial Jardim Canário co-meçou a receber moradores nomesmo dia do Beija-Flor: 18 de no-vembro de 2014. Tal como no con-junto vizinho, não demorou para otráfico aparecer. No fim do ano, cri-minosos armados reuniram-se nachurrasqueira e avisaram: “O mo-vimento tá chegando”.

Já nos residenciais Jardim dasAcácias e Palmeiras, lado a lado naEstrada do Itararé, a influência do

crime era percebida nas noites desábado. Até dezembro, bailes funkcom venda de drogas e presençade homens armados tomavam aquadra do Jardim das Acácias.

— Parei de ir ao baile quandobandidos passaram a vir do morropara vender drogas — diz uma es-tudante, moradora do Palmeiras.

Segundo a Coordenadoria dePolícia Pacificadora (CPP), asUPPs da Cidade de Deus e Adeus/Baiana “não foram informados ofi-cialmente sobre denúncias de trá-fico”. A CPP também alega que obaile do Jardim das Acácias “nun-ca foi autorizado”. A íntegra dasrespostas está no site do EXTRA.

Também na Zona Norte, emTriagem, a Polícia Civil prendeu,em novembro de 2014, cinco ho-mens que montaram uma boca defumo num apartamento do BairroCarioca — um complexo de 11condomínios, com mais de doismil imóveis. No mesmo mês, umusuário de drogas foi espancadodentro do conjunto devido a umadívida com traficantes.

Semanas antes, em setembro, omorador Leandro Barbosa dosSantos morreu após ser vítima debala perdida durante um tiroteioentre bandidos e PMs no interiordo Bairro Carioca. O caso é apura-do pela 25ª DP (Engenho Novo).

O crime pede passagem

Quarta-feira, 25 de março de 2015 extra.globo.com 2ª Edição ESPECIAL ⟨ 13

B A próxima fase do programa“Minha casa, minha vida” vai termudanças nos projetos dos em-preendimentos para que as forçasde segurança possam entrar commais facilidade nos condomínios.A decisão foi tomada em conjuntopelos ministros da Justiça, JoséEduardo Cardozo, e das Cidades,Gilberto Kassab, após o EXTRA re-velar que todos os condomínios dafaixa 1 do “Minha casa, minha vi-da” no município do Rio são alvosda ação do crime organizado.

Os ministros se reuniram ante-ontem no Palácio da Justiça, emBrasília, com representantes daPolícia Federal e da Caixa Econô-mica. O objetivo do encontro eradiscutir medidas a serem toma-das contra o avanço do crime noConjunto Residencial HaroldoAndrade, em Barros Filho. Nodomingo, o EXTRA mostrou que80 famílias foram expulsas docondomínio pelo tráfico.

— Qualquer programa dessadimensão apresenta problemas.Nós nos reunimos para identifi-car formas de mudar o projeto,

para que as ações de segurançapossam ser feitas dentro dos con-juntos — afirmou Kassab, ontem,durante a entrega de 300 unida-des habitacionais no condomínioTrio de Ouro I, em São João deMeriti, na Baixada Fluminense.

Já o governador Luiz Fernan-do Pezão prometeu para breveuma ação com “forças especiais”no Haroldo de Andrade, que vaireunir a Polícia Federal e a Secre-taria de Segurança do Rio.

— O ministro José Eduardo es-tá escalando uma força especiale o secretário Beltrame, tam-bém, para retomarmos essesapartamentos — afirmou o go-vernador, em meio a fotos e pro-messas de uma vida melhor aosrecém-chegados moradores donovo conjunto na Baixada.

No discurso de inauguração, ogovernador voltou a prometerque levará segurança aos condo-mínios:

— Vamos trazer segurança pu-blica. Sei que a gente tem dívida,mas já contratamos mais mil PMsesse ano. Segurança é nosso mote.

Mudanças no projeto

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“Essa festa é pra vocês. Um momento pra quem ainda não ganhou sua casa acreditar”Gilberto Kassab Ministro das Cidades, na inauguração do conjunto Trio do Ouro

“A segurança é vulnerável. Quem manda mesmo é o tráfico”Francisco*Morador do Residencial Itamar Franco

“Qualquer programa dessa dimensão apresenta problemas”O governador Pezão, com Kassab ao fundo, conversa com uma moradora do Trio de Ouro I, na Baixada

RADIOGRAFIA DOS CONJUNTOS

Fontes: Caixa Econômica Federal, Disque-Denúncia, Ministério das Cidades, Ministério Público do Rio, Polícia Civil e Secretaria municipal de Habitação

Legenda

Disque-Denúncia

Inquéritos concluídos ou em andamento Relatos de moradores ouvidos pelo EXTRA

Pichações com alusão a milícia ou facção criminosa

Complexo do Alemão

R$ 29.100.000

Outubro de 2010

2

Condomínios Jardim

das Acácias e Palmeiras

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOS

FAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

582

339 R$ 22.500.000Novembro de 20142

Residenciais Jardim Canárioe Jardim Beija-Flor

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOSFAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

300279

Cidade de Deus

996

R$ 57.468.614

Julho de 20143

Conjunto ResidencialPresidente Itamar Franco I, II e III

BAIRRO

PROBLEMAS

APARTAMENTOSFAMÍLIAS

CUSTO DA OBRA

INAUGURAÇÃO

CONDOMÍNIOS

895

TTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTrrrrrrrrrrrrrrrrrrááááááááááááááááááááfffffffffffffffffffiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiccccccccccccccccccccccooooooooooooooooooooooooooo

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TTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTrrrrrrrrrrrrrááááááááááááááááááááffffffffffffffffffffffffffiiiiiiiiiiiiiiiiiiccccccccccccccccccccccccccccccccccccccooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooComplexo do Alemão

B As primeiras visitas que a em-pregada doméstica Barbara He-lena da Silva, de 38 anos, rece-beu em seu novo apartamentoforam o governador Luiz Fer-nando Pezão e o ministro Gilber-to Kassab. A ex-moradora do co-munidade da Rua Baiana, emSão João de Meriti, agora vai vi-ver no recém-inaugurado con-domínio Trio de Ouro I, em Vilardos Teles. Na mudança, leva osonho de uma vida melhor.

— Isso aqui é outro mundo. Látinha enchente, vivíamos no meiode tiroteios. Era horrível. Aqui vaiser outra vida — disse Barbara.

Sobre a presença do tráfico e damilícia no entorno do condomí-nio, Barbara é otimista e acreditanas promessas do governador.

— O condomínio é cercado defavelas. Mas acho que não vai terproblema. Aqui tem mais patru-lhamento. Lá era abandonado —conta, com um sorriso no rosto.

Já a estudante Ana Beatriz San-tos, de 21 anos, sempre teve pro-blemas para chegar em casa. Paraacadeirante, buracos nas calçadaseram um pesadelo diário.

— A locomoção era bem maisdifícil. Aqui, tudo é adaptado paramim — conta.

Ao todo, o EXTRA conversoucom oito novos moradores do con-domínio. Dois não quiseram co-mentar as questões de segurançapor “medo da milícia”. s

t

No início, o sonho de uma vida melhor

ENTREVISTA

B O que foi resolvido na reuniãocom o Ministério da Justiça paratratar da ação do crime dentrodos conjuntos?O governo federal está procuran-do com os técnicos melhorar osprojetos dos condomínios paraque eles possam favorecer a açãodo estado na área de segurança.Ontem, o que tivemos em Brasí-lia, na presença do ministro JoséEduardo Cardozo, foi uma reuni-ão para identificar formas demudar o projeto, definir o quenão pode continuar para quesejam facilitadas ações em locaiscom problemas de segurança.

Quanto à situação das 80 famíli-as expulsas de um condomínioem Barros Filho, o que o Ministé-rio das Cidades pode fazer?Esse é um problema de polícia. Ogoverno federal está à disposiçãode todos os estados para enfren-tarmos ações criminosas. Qual-quer programa dessa dimensão,ao longo da sua implantação, vaiapresentando problemas. Esta-mos identificando-os para quesejam resolvidos.

‘Vamos mudarpara favorecera segurança’

GILBERTO KASSABMinistro das Cidades

ENTREVISTA

B O que o senhor vai fazer sobre odomínio do crime nos conjuntosdo “Minha casa, minha vida”?O que eu posso fazer eu já fiz: mecolocar à disposição do ministroJosé Eduardo Cardozo. Tenhofalado com ele permanentemen-te, porque, em todo equipamen-to do “Minha casa, minha vida”,quem tem que pedir uso da forçapolicial é a Polícia Federal. Nósassinamos um convênio com oministro e vamos fazer diversasoperações nesses conjuntos.

Quando isso será feito?O ministro está escalando umaforça especial e o secretário (deSegurança) Beltrame também. Asações vão ser intensificadas embreve. Não vou falar quando,senão não tem graça.

O que fazer para que situaçõescomo essas não se repitam?É uma luta constante. Não éfácil. Estamos atentos.

‘Estamosescalando forçasespeciais’

LUIZ FERNANDO PEZÃOGovernador do Rio

Prédios do Trio do Ouro I com a favela ao fundo: dois moradores não falaram por “medo da milícia”

MAIS NO SITEextra.globo.com

Assista ao vídeo com o governador e o ministro.

RAFAEL SOARES

Pichação na Cidade de Deus: o tráfico proibiu roubos no condomínio

Morador mostra o projétil que entrou em sua casa na noite de réveillon

URBANO ERBISTE

Deilson Ribeiro Silva, o Deidei

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AMANHÃNa Zona Oeste, milícia continuadando as cartas após operação.

RE

PR

OD

ÃO

Boca de fumo