Post on 10-Jul-2015
“O delírio corresponde a uma transformação na vasta consciência de realidade
(que se manifesta secundariamente em juízos de realidade), que se constrói sobre
as experiências no mundo das resistências e das significações…”
(Jaspers, 1910)
Jaspers K. Psicopatologia Geral, Vol.1. 1910
A biologia dos delírios relaciona-se com a neurobiologia da Esquizofrenia mas estas não
são idênticas. (Murray, 2011)
Os delírios estão presentes numa grande variedade de perturbações mentais:
Esquizofrenia;
Perturbação Afetiva Bipolar (50%);
Depressão Unipolar (<15%);
Doença de Alzheimer (20%);
Doença de Parkinson (13%);
Abuso de substâncias;
Perturbações neurológicas raras (p.e. Encefalopatia dos canais de Potássio, Síndrome de Morvan).
Será que estas condições têm algum em comum do ponto de vista biológico? Será
que existe, por exemplo, uma “via final comum” para o delírio?
O que sabemos acerca da neurobiologia dos
delírios?
Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13 doi:10.1017/S0033291710000413
DOPAMINA
O grau de sensibilização do sistema dopaminérgico está ligado à severidade dos
sintomas psicóticos (Parsey et al. 2001; Toda & Abi-Dargham, 2007).
Aumento da capacidade síntese pré-sináptica de dopamina está associada à severidade
dos sintomas psicóticos na Esquizofrenia e estados prodrómicos (Howes et al. 2009).
O que sabemos acerca da neurobiologia dos
delírios?
Parsey R. V. et al (2001). Dopamine D(2) receptoravailability and amphetamine-induced dopamine releasein unipolar depression. Biological Psychiatry; 50, 313–322.
Toda M, Abi-Dargham A (2007). Dopamine hypothesis of schizophrenia : making sense of it all. Current Psychiatry Reports; 9, 329–336.
Howes O. D. et al (2009).Elevated striatal dopamine function linked to prodromal signs of schizophrenia. Archives of General Psychiatry; 66, 13–20.
Se aceitarmos a relação causal entre dopamina e psicose, como é que
poderemos compreender a relação entre molécula e experiência mental?
As explicações mais poderosas na psiquiatria são “multi-nível”, na medida em que estabelecem
pontes entre várias disciplinas científicas como a fisiologia e fenomenologia.” (Miller, 2008 cit.
Murray,2011)
Porque é que a disfunção dopaminérgica nas perturbações psicóticas leva à paranóia,
alucinações e não a qualquer outro tipo de manifestações?
Uma compreensão completa da neurobiologia dos delírios requer uma teoria que
tenha em conta o modo como as alterações cerebrais levam a sintomas através
de processos psicológicos intermédios (Frith, 1992; David 2006).
Uma abordagem multi-dimensional
Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13 doi:10.1017/S0033291710000413
Frith C. D. (1992). The Cognitive Neuropsychology of Schizophrenia. Taylor and Francis:Hove, UK.
David A. S. (2006). A method for studies of madness. Cortex 42, 921–925.
Necessárias duas anomalias diferentes (Murray, 2011):
uma para gerar percepções , pensamentos ou experiências estranhas (paranóia, coincidencias ou
significações bizarras) dopamina
uma 2ª anomalia: pensamentos estranhos delírios
défice do raciocínio (Garety et al 1991
raciocínio lógico “jump to conclusions”;
raciocínio probabilístico;
alterações no estilo atribucional, diferenças ao nível da “teoria da Mente” , pensamento mágico .
factores cognitivos e interpessoais neuroquímica aberrante
diferente fenomenologia nas psicoses em diferentes indivíduos e diferentes perturbações
(esquizofrenia, mania, abuso de substâncias).
Modelo de 2 fatores
Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13
Garety P.A., Hemsley D. R., Wessely S. (1991). Reasoning in deluded schizophrenic and paranoid patients. Biases in performance on a probabilistic inference task. Journal of
Nervous and Mental Disease; 179, 194–201.
Aprendizagem por condicionamento (associação e reforços)
O processo de aquisição das associações necessárias para a aprendizagem de uma resposta
condicionada em experimentação animal depende da presença da dopamina. Nos doentes esquizofrénicos, o
excesso de dopamina no cérebro poderá facilitar a aquisição de associações entre “unidades de informação”, ao
ponto de elementos não relacionados serem associados e serem tratados como se fossem combinações significativas:
este processo pode ser extinto administrando antagonistas dopaminérgicos. (Miller,1976)
“attribution of salience” (Kapur, 2003)
mediação da aquisição de “motivacional saliences” em resposta às experiências e
predisposições do sujeito (Berridge, 1998, Kapur 2003)
O papel da Dopamina Saliência
Miller R (1976). Schizophrenic psychology, associativelearning and the role of forebrain dopamine. MedicalHypotheses 2, 203–211.
Berridge K. C., Robinson T. E. (1998) What is the role of dopamine in reward: hedonic impact, reward learning, or incentive salience? Brain Res Brain Res Rev; 28:309–369
Kapur S. (2003). Psychosis as State of Aberrant Salience: A Framework Linking Biology, Phenomenology, and Pharmacology in Schizophrenia. American Journal of
Psychiatry;160, 13-23
Dopamina
Howes O. D., Kapur S.. (2009) The dopamine hypothesis of schizophrenia: version III – the final common pathway. Schizophrenia Bulletin;35, 549–562.
Kapur S. (2003). Psychosis as State of Aberrant Salience: A Framework Linking Biology, Phenomenology, and Pharmacology in Schizophrenia. American Journal of
Psychiatry;160, 13-23
Kapur S., Mizrahi R., Li M. (2004) From Dopamine to Salience in Psychosis – linking biology, pharmacology and phenomenology of Psychosys. Schizophrenia Res- 79(1), 59-68
Adapt. Kapur (2004)
Adapt. Howes (2009)
“Saliência aberrante” e aprendizagem
condicionada
Doentes esquizofrénicos apresentam aumento da ativação do estriado em
resposta a estímulos neutros em fMRI
Jensen J, Willeit M, Zipursky RB, Savina I, Smith AJ, Menon M, Crawley AP, Kapur S (2008). The formation of abnormal associations in schizophrenia : neural and behavioral
evidence. Neuropsychopharmacology 33, 473–479.
Adapt. Jensen (2008)
Atividade mesolímbica anómala, aprendizagem
ligada à recompensa e psicose
Resposta fisiológicas anómalas associadas a estímulos neutros e de recompensa no
menséncefalo, estriado e sistema límbico;
Murray GK et al(2008). Substantia nigra/ventral tegmental reward prediction error disruption in psychosis. Molecular Psychiatry; 13, 239, 267–276.
Adapt. Murray, (2008)
Fletcher & Frith (2009): modelo de dois fatores dos delírios é desnecessário,
uma vez que que a percepção e as crenças baseiam-se em previsões e na
atualização dessas previsões à luz das evidências - prediction error (Murray,
2011)
Modelo de 1 fator
Murray G. K. (2011). The emerging biology of delusions. Psychological Medicine, null, pp 7-13
Crenças conceito difícil definir
atitude em relação às proposições sobre o mundo.
baseiam-se em experiências passadas que são usadas para fazer previsões sobre
futuro e responder de acordo com essas previsões (Corlett, 2009)
Crenças enquanto formulações Bayesanas (Bayes, 1763).
associa crenças e distribuições probabilísticas que são representadas pelo cérebro (Fiser
et al., 2010).
𝑷 𝑯 𝑫 =𝑷 𝑫 𝑯 𝑷 𝑯
𝑷 𝑫 Teorema de Bayes
Crenças posteriores são condicionadas por:
Informação sensorial
Crenças prévias
Modelo de 1 fator
Corlett PR, Krystal JH, Taylor JR, Fletcher PC. (2009).Why do delusions persist? Front Hum Neurosci.; 3:12.
Bayes T. (1763). An essay towards solving a problem in the doctrine of chances. Philos Trans R Soc Lond.1763; 53:370–418.
Fiser J, Berkes P, Orban G, Lengyel M. (2010). Statistically optimal perception and learning: from behavior to neural representations. Trends Cogn Sci.; 14:119–130
Teoria sobre a perceção visual baseada no Teorema de Bayes
Cérebro = máquina que faz inferências probabilísticas sobre o mundo:
elabora hipóteses para possíveis inputs
compara-as com os dados sensoriais
hipóteses favorecidas
minimizam a incerteza associada à situação, i.e.,
diminuiem o erro da previsão (mismatch entre os dados e as hipóteses)
Modelo de 1 fator
Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315
Herman van Helmholtz
Adapt. Colrett (2011)
Formação de Crenças e Teorias de Aprendizagem
Erros de previsão: Mismatch entre expetativa e experiência
Fundamental nas teorias formais de aprendizagem
Evento inesperado contradiz a expetativa ativa:
reset na memória de curto prazo (expetativas ativas são abandonadas)
inicia uma resposta orientada, permitindo a aquisição de novas associações
explicativas.
Atualiza os modelos sobre o ambiente sempre que é detectada novidade
significativa, i.e, um mismatch entre as suas previsões e a experiência real
(Grossberg, 1982).
Alocação apropriada da atenção para eventos salientes depende de
otimização da precisão de crenças prévias top-down, relativamente a
evidências bottom-up
Cortex sensoriais: Acetilcolina (Yu and Dayan, 2005)] e
Circuitos frontoestriatais: Dopamina (Friston et al., 2009)].
Modelo de 1 fator
Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315
Grossberg S. (1982)Processing of expected and unexpected events during conditioning and attention: a psychophysiological theory. Psychol Rev.; 89:529–572.
Friston K. (2009) The free-energy principle: a rough guide to the brain? Trends Cogn Sci.; 13:293–301.
Yu AJ, Dayan P. (2005) Uncertainty, neuromodulation, and attention. Neuron; 46:681–692.
Aprendizagem guiada por erros de previsão - CODIFICAÇÃO PREDITIVA - modo básico de
funcionamento cerebral (Friston, 2005, 2009)
Sistemas cerebrais e neurónios individuais minimizam incerteza acerca da informação ao incorporarem
estrutural e funcionalmente uma previsão e respondendo a erros na sua precisão (Fiorillo, 2008)
Neurotransmissores excitatórios e inibitórios rápidos interagem com neurotransmissores
neuromoduladores lentos constituindo substrato para este esquema de codificação (Friston, 2005, 2009).
Colrett et al. (2011) Glutamatergic model psychoses: prediction error, learning, and inference. Neuropsychopharmacology;36(1):294-315
Friston K. (2005). A theory of cortical responses. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci.; 360:815–836.
Friston K. (2009) The free-energy principle: a rough guide to the brain? Trends Cogn Sci.; 13:293–301.
Fiorillo C. D. (2008). Towards a general theory of neural computation based on prediction by single neurons. PLoS ONE; 3:e3298
• NMDA:
• sinalização feedback/top-down
• expetativas/crenças prévias
• Glutamato e GABA:
• sinalização feedforward/bottom-up
• experiências
• AMPA e GABA:
• erro de previsão/mismatch expetativas
vs experiência
• DA e Ach –
• neuromodulação;
• PRECISÃO/INCERTEZA
Adapt. Colrett (2011)
Alteração do ratio sinal-ruído do sistema de sinalização dopaminérgica alteração da
PRECISÃO do Erro de Previsão (Grace, 1991; Miller, 1976; Spitzer, 1995)
Ruído fisiológico é percebido pelo sistema como sinal verdadeiro
Sinalização inapropriada/aberrante de um Erro de Previsão
(Sensação de surpresa e incerteza)
Alocação de atenção para estímulos irrelevantes e ativação de mecanismos de procura de explicação e
aprendizagem
Formação de inferências enviesadas em relação a inputs deturpados (internos ou externos).
se imprecisão persiste
(Corlett et al., 2010)
Modelo de 1 fator
Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol.; 92(3): 345–369
DELÍRIO
Corlett P. R. et al. (2007). Disrupted prediction-error signal in psychosis: evidence for an associative account of delusions. Brain; 130:2387–2400.
Sinais de erro de previsão aberrante a nível mesocorticolímbico foram registados durante
aprendizagem com neuroimagem funcional em pacientes de primeiro episódio psicótico
(Colrett, 2007)
magnitude dessas aberrações de sinal correlaciona-se com a gravidade dos delírios.
Modelo de 1 fator
A relação entre condicionamento e delírios também foi confirmada no contexto de
tarefa de aprendizagem de recompensa (Schlagenhauf et al., 2009) e de
tarefa de condicionamento aversivo (Holt et al., 2008);
Em ambos os casos, a aprendizagem aberrante relacionou-se com a gravidade das crenças delirantes.
Em suma, o DELÍRIO…
…resulta da disrupção dos mecanismos preditivos normais do cérebro em que
evento/informação previsível e irrelevante fazem mismatch com expetativas levando a
saliencia que exige nova aprendizagem e explicação.
….representa um mecanismo explicativo, uma tentativa de impôr ordem a um mudo
perceptualmente e cognitivamente desordenado (Colrett, 2010)
Schlagenhauf F. et al (2009). Reward feedback alterations in unmedicated schizophrenia patients: relevance for delusions. Biol Psychiatry; 65:1032–1039
Holt D. J. et al (2008) Extinction Memory Is Impaired in Schizophrenia. Biol Psychiatry.
Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol.; 92(3): 345–369
Modelo de 1 fator
Hipocampo hiperestimula a área tegmental ventral (ATV) – via
receptores NMDA e GABA
recrutamento aberrante da população de neurónios dopaminérgicos BIZARRIA
Infusão de NMDA no hipocampo altera a atividade e padrão de disparo
de neurónios DA na ATV (Lodge e Grace, 2006)
O que causa a disfunção
dopaminérgica?
Lodge D. J. e Grace A. A. (2006) The hippocampus modulates dopamine neuron responsivity by regulating the intensity of phasic neuron activation.
Neuropsychopharmacology;31(7):1356-61
Disfunção glutamatérgica (hipofunção NMDA) no cortex pré-
frontal aumento do burst firing dos neurónios
dopaminérgicos na AVT BIZARRIA
O que causa a disfunção
dopaminérgica?
Adapt. Stahl 2007
Stahl SM. Essential Psychopharmacology. 3rd ed. New York, NY: Cambridge University Press 2007
Comprometimento da inibição dos neurónios dopaminérgicos da ATV pela disfunção da habénula
normalmente inicia os processos de extinção
“apaga” aprendizagens prévias, permitindo novas previsões/aprendizagens
Disfunção leva à RESISTÊNCIA/PERSISTÊNCIA dos delírios perante contra-argumentos e contra-evidências
(Colrett, 2010)
O que causa a disfunção
dopaminérgica?
Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol. 2010 November ; 92(3): 345–369
GENÉTICA
Estudos de linkage e os Genome-Wide Association Studies
identificaram genes candidatos para a Esquizofrenia e
Perturbação Afetiva Bipolar
Dopamina: COMT (l22q1), PPP3CC (8p21)
Glutamato: DAAO (12q24), G72 (13q32–34), PPP3CC (8p21),
DTNBP1 (6p22); Neurogranina
GABA – GABRB3
O que causa a disfunção
dopaminérgica?
Genes que coordenam o neurodesenvolvimento
identificados em GWAS
DISC-1 (1q42) NRG1(8p12–21), Neurogranina
Engrailed 2: envolvido na diferenciação do cerebelo, associado à
esquizofrenia
FGF17 (8p13): controla a padronização, organização e desenvolvimento
cortical frontal
DLX1: expressão diminuída no tálamo de indivíduos
psicóticos
Outros genes associados ao
delírio
Colrett P. R. et al (2010). Towards a neurobiology of delusions. Prog Neurobiol. 2010 November ; 92(3): 345–369
Dada a panóplia de patologias em que o delírio surge, cada uma com
neuropatologia própria, não é surpreendente que até agora não se tenha
alcançado um consenso acerca da neurobiologia dos delírios.
Os desenvolvimentos na ciência pré-clínica abriram caminho para modelos
explicativos multi-nível que relacionam as alterações biológicas e as experiências
mentais anómalas que ocorrem no delírio.
O modo como os delírios surgem, não apenas na Esquizofrenia, pode explicar-se
pela combinação da desregulação dos neurónios dopaminérgicos do
mensencéfalo com vieses ao nível dos processos de raciocínio.
Uma compreensão mais completa e precisa da relação entre a biologia e as
experiências mentais, será de imenso valor não só para os doentes e seus
cuidadores, mas também permitirá o desenvolvimento de novos e melhores
tratamentos numa grande variedade de perturbações.
Conclusões