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PRÁTICAS JUVENIS CONTEMPORÂNEAS: REPERTÓRIOS PARA A EDUCAÇÃO
Angélica Silvana Pereira
Universidade Federal de Santa Catarina
Elisabete Maria Garbin
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
No meu tempo não era assim
No meu tempo não era assim... Uma expressão um tanto saudosista, que demonstra o que
nos parece incontestável: nossos modos de vida têm sido drasticamente alterados e junto com eles,
o processo de construção de nós mesmos. A expressão, bastante utilizada pelos mais velhos,
também nos remete a algumas dificuldades geracionais, as quais parecem estar implicadas com os
vertiginosos avanços das tecnologias da informação e da comunicação e com a assimilação
dos mesmos na vida cotidiana, especialmente pelos jovens. Por meio delas, se ampliam as
possibilidades interação e se potencializam a circulação de referências, narrativas e
representações de identidades em nível planetário. ‘Surgem’ novas possibilidades de ser/estar
no mundo. Multiplicam-se ao infinito os arranjos identitários, cada vez mais associadas à
visibilidade.
Os jovens que hoje conhecemos são nativos deste momento em que somos ampla e
profundamente afetados por mudanças na economia, na política, na cultura, nas maneiras de
produção e circulação de informações e de conhecimento, nas concepções de espaço, de
tempo e nas formas de vivê-los. Autores têm defendido que vivemos um momento de
conformações juvenis múltiplas e escorregadias. São “juventudes líquidas” (SCHMIDT,
2006, p. 48) e polimorfas, porque elas dissolvem modelos tidos como imutáveis, abrindo
brechas para muitas outras configurações.
Nesta comunicação buscamos apresentar algumas destas configurações que nos
formam possíveis conhecer através de nossas pesquisas que se debruçaram sobre práticas
juvenis em espaços públicos de Porto Alegre e na internet.1 Os estudos estão situados na área
1 Referimo-nos as pesquisa de Pereira (2006; 2011) e de Garbin (2001; 2006), vide referências.
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da educação e apresentam uma fundamentação teórica com filiação conceitual nos Estudos
Culturais e nos estudos sobre juventudes, com o objetivo de conhecer e analisar processos de
subjetivação dos sujeitos jovens.
Importante enfatizar a nossa compreensão de que os processos educativos ultrapassam
os limites institucionais formais e se desenrolam cotidianamente em todos os espaços. Tal
assertiva nos parece de extrema importância para o reconhecimento de que as formas de
sociabilidade juvenis, seus pertencimentos, as trocas e o convívio entre pares configuram-se
em espaços educativos, onde podem efetivamente aprender uns com os outros através dos
seus fazeres individuais e coletivos e dos significados a eles atribuídos, produzindo-se no
interior destas relações.
Desse modo, o texto que aqui apresentamos foi escrito em formato de ensaio e versa
sobre práticas juvenis que se desenrolam no movediço terreno sociocultural contemporâneo.
Busca-se colocar em relevo compreensões múltiplas sobre estes jovens que através de suas
práticas desafiam a solidez de instituições como a escola, seus discursos, seus saberes e
fazeres, apresentando novas demandas e impondo a necessidade de outros repertórios
didáticos e pedagógicos.
Um mundo aos estilhaços
Estudiosos, a exemplo de Geertz (2001), chamam a atenção para o processo de
esgarçamento generalizado do mundo, produzindo um mundo aos estilhaços. Segundo ele,
este estilhaçamento é proveniente de um esfacelamento das coesões maiores, como das
potências compactas e blocos antagônicos, das macro alianças, dos Estados nacionais,
desencadeando coesões menores ligadas entre si de forma incerta.
Bauman (2001) utiliza a metáfora da liquidez para mostrar que os abalos do projeto
moderno de sociedade que até então tinha a organização de instituições sólidas como
sustentáculo da vida social, tem transformado os modos de vida contemporâneos. Tudo o que
antes se pretendia sólido, hoje é provisório e temporário: as instituições, os saberes, as
relações, os sentimentos. O desapego e o processo de individualização dos sujeitos também
são características desses tempos em que instituições como família, escola, estado tem
passado um forte e crescente esgarçamento. As instituições são permanentemente
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modificadas, antes mesmo de ter tempo para se fortalecer e se solidificar, transformando-se
em líquidos, em fluidos que mudam de forma e se movem facilmente.
Assim, podemos pensar num mundo que, aos estilhaços, se globaliza, ampliando
possibilidades de trânsito entre mercadorias, objetos e pessoas, acelerando o desenvolvimento
tecnológico, potencializando a comunicação e, acima de tudo, alterando modos de vida. Uma
profusão de ‘novas’ identidades sociais e culturais se afirmam, alterando fronteiras,
transgredindo proibições e tabus, ao mesmo tempo em que são alimentadas diversas facetas
do preconceito. É um mundo de competitividade de toda ordem, de desregulamentação do
trabalho e de expansão do perímetro e do espaço da exclusão, da privação, da afirmação de
identidades otimizadoras do mercado (SILVA, 2006). Um mundo capaz de celebrar a
felicidade, de prolongar o tempo de vida através da ciência e das tecnologias, de enaltecer a
beleza e o prazer e também de produzir o descaso, a doença a solidão.
É nesse mesmo cenário que práticas juvenis diversas se constroem e são
compartilhadas em larga escala por este público. É nesse contexto também que inúmeras
demandas sociais se proliferam, trazendo à arena das discussões das politicas de Estado e de
governo ‘novas’ necessidades e urgências.
Sarlo (2000) destaca que as culturas juvenis contemporâneas têm se construído tendo
como marco uma instituição que está em crise, embora ela seja tradicionalmente consagrada
aos jovens. Trata-se da escola, “cujo prestígio se debilitou tanto pela queda das autoridades
tradicionais quanto pela conversão dos meios de massa no espaço de uma abundância
simbólica que a escola não oferece.” (SARLO, 2000, p. 39). Diante dessa crise, ou seja, dessa
conjuntura de incertezas, dúvidas e dificuldades, a autora afirma que as estratégias para
definir o permitido e o proibido também entraram em colapso. “A permanência, que era um
traço constitutivo da autoridade, foi rompida pelo fluir da novidade” (p. 39-40). No contexto
de supervalorização da novidade, “O mercado ganha relevo e corteja a juventude, depois de
instituí-la como protagonista da maioria dos seus mitos” (SARLO, 2000, p.40). Assim, os
jovens, consumidores efetivos ou imaginários, encontram no mercado de mercadorias e de
bens simbólicos, “um depósito de objetos e de discursos fast [rápidos]” preparados
especialmente para eles (SARLO, 2000, p.40).
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Entendemos, portanto, que é nesse contexto da modernidade líquida, onde coexiste o
enfraquecimento das instituições e o crescimento acelerado da cultura do consumo, que as
práticas juvenis se desenrolam. Segundo Featherstone (1995), “a expressão ‘cultura de
consumo’ significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação
são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea” (FEATHERSTONE, 1995, p.
121). Conforme enfatiza Bauman e outros pensadores, o deslocamento na ênfase da sociedade
de produção para o a sociedade de consumo criou um ambiente propício à cultura de
consumo. Harvey (2007) afirma que a “transição para a acumulação flexível foi feita em
partes por meio da rápida implantação de novas formas organizacionais e de novas
tecnologias produtivas”, ocorrendo, desse modo, uma aceleração na produção (HARVEY,
2007, p. 257).
Tem-se, portanto, o consumo como um pano de fundo das práticas juvenis
contemporâneas. Na direção do que nos propomos neste texto, entendemos as práticas juvenis
como práticas de significação, pois ao mesmo tempo em que elas são constitutivas das
culturas, a própria cultura pode produzir sentidos e significá-las, conferindo-lhes um caráter
discursivo. Tomando o pensamento de Foucault (2005), podemos considerar que não há
prática fora do discurso. “É o discurso que constitui a prática” (VEIGA-NETO, 2005, p. 54).
Assim, as práticas juvenis referem-se aos fazeres individuais e coletivos dos jovens
pautadas na racionalidade de uma época e em seus discursos e são desenvolvidas com alguma
regularidade, nos dois sentidos da palavra: como algo que está em conformidade com uma
regra e como algo que acontece com relativa frequência e/ou pontualidade.
Ao longo de nossas pesquisas, pudemos conhecer algumas práticas juvenis nas redes
sociais e em espaços públicos da cidade as quais são espetacularizadas em encontros que
reúnem um número expressivo de jovens nos finais de semana. Identificamos, nos percursos
das pesquisas, que tais práticas têm suas singularidades locais, ao mesmo tempo em que se
tornaram numa espécie de ‘febre’, de ‘onda’ entre os jovens de muitos outros lugares do
mundo. É sobre elas que falaremos no texto que segue.
Investimentos corporais e performatividade na metrópole
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As práticas juvenis que conhecemos em espaços públicos de Porto Alegre colocaram-
nos em contato com estéticas, estilos, linguagens, performances, experimentações e outras
expressividades juvenis que são exibidas em espaços e tempos que parecem ser recortados,
colocados entre parênteses por esses atores sociais. São momentos específicos em que os
encontros entre muitos jovens em parques, shoppings, espaços turísticos e culturais roubam a
cena, impactam, alteram a paisagem metropolitana.
Segundo Margulis e Urresti (1998), nas cidades contemporâneas as juventudes são
múltiplas e se manifestam num panorama cultural sumamente variado e móvel, que abarca
seus comportamentos, referências identitárias, linguagens e formas de sociabilidade. Feixa
(1998) destaca que desde o período do pós-guerra, a emergência da juventude tem redefinido
mapas das cidades, de seus espaços e de seus tempos. Através de ações ou práticas coletivas,
jovens tem ressignificado espaços urbanos, transformando-os em seus territórios. Nessa
direção, vale ressaltar que desde as últimas décadas do século passado, as grandes cidades têm
tido pontos ou regiões totalmente ocupadas por jovens, em busca de diversão.
Não há dúvida: A metrópole e seus interstícios são cenários favoráveis para as mais
diferenciadas formas de produção e exibição de expressividades juvenis na
contemporaneidade. Jovens performatizam modos de existência por meio de consumos que
podem ser publicizados em e através de seus corpos que transitam e habitam temporariamente
espaços variados, muitos deles inusitados.
Neste sentido, Canevacci (2007) propõe pensar na metrópole como um organismo
vivo, que absorve como uma esponja o que lhe acontece, elaborando a sua própria linguagem.
Conforme o autor, esta linguagem é baseada em lugares, espaços, e principalmente em
interstícios. A linguagem dos interstícios é entrelaçada com as linguagens dos corpos,
favorecendo novos diálogos, baseados nas hibridações e nos sincretismos culturais, sobre
extrema mobilidade e fluidez. “Essa mobilidade, fluidez e hibridação é parte da experiência
cultural, corporal e também urbanística da metrópole contemporânea” (CANEVACCI, 2007,
p. 70).
Assim, os tempos e espaços juvenis têm como condição para a sua existência os corpos
destes jovens capazes de territorializar, formar circuitos, ocupar, transitar, lugarizar...
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diversos espaços da metrópole. Os corpos assumem, então, um papel central nessa
experimentação do ser/estar em distintos espaços, em determinados fragmentos de tempo.
Os corpos transformam-se num dos principais lugares de expressão de si e
transformam-se em espaços de comunicação pessoal. Garbin (2006) destaca que “os jovens
parecem utilizar seus corpos como um texto gerador, armazenador e transmissor de
informações culturais” (GARBIN, 2006, p. 209). É como se os corpos de muitos jovens
retratassem uma espécie de paisagem, um corpo panorâmico, flutuante nas brechas das
metrópoles. Os corpos são mutantes “como são os espaços ‘lugarizados’ [grifo da autora]
pelos jovens” (GARBIN, 2006, p. 210).
Ao mesmo tempo em que os corpos tornam-se a peça-chave para as práticas que
(re)significam espaços diversos, eles próprios convertem-se numa espaço-temporalidade em
inacabáveis processos de significação dos sujeitos. Eles são territórios de múltiplas e
cambiantes experimentações estéticas e afetivas que se misturam à paisagem agregando-lhe
outros significados e alterando seus sentidos. E assim, ao alterar os sentidos da paisagem,
num movimento concomitante e quase recíproco, os corpos também têm seus sentidos
transmutados.
Nas espaço-temporalidades da metrópole há lugar para muitos corpos, os quais têm
uma dimensão performativa que lhes confere visibilidade e reconhecimento perante os
demais. Ao contrário de muitos espaços institucionais cuja organização prevê “um lugar para
cada corpo”, ensinando cada corpo a ocupar o seu exato lugar – tanto no âmbito
material/concreto, quanto no âmbito do discurso –, nas performances juvenis os corpos
inquietos dos jovens circulam transitam, peregrinam, gesticulam, extrapolam, excedem...
Os fluxos comunicacionais que compõem a metrópole contemporânea fundam e
espargem novos tipos de culturas pluralizadas e fragmentadas, dilatando as fronteiras
definidas das identidades estáveis e acabadas. As identidades, assim como as subjetividades,
são móveis, plurais e polifônicas. O mesmo pode-se dizer das fronteiras: elas são móveis e
cambiantes e, por isso, borram-se, misturam-se dificultando a nomeação, a classificação e o
posicionamento das coisas e dos sujeitos em lugares fixos.
Na metrópole, as culturas e as expressividades juvenis multiplicam-se, dissolvendo
representações verdadeiras ou reais do mundo. Muitas outras representações tornam-se
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possíveis em seus muros, em suas ruas, em seus monumentos, em seus edifícios e também nos
corpos nômades dos jovens.
Segundo Pais (2008b), os grupos aos quais os jovens pertencem tem suas identidades
firmadas através de um estilo, isto é, de um conjunto de símbolos mais ou menos coerente de
elementos materiais ou imateriais. Assim, os estilos juvenis marcam presença pela diferença
das roupas, dos penteados, dos suspensórios, dos medalhões nos casacos de couro, dos
coturnos, das botas, do tênis all star, das faces maquiadas, etc. Através de algumas
apropriações simbólicas, os jovens transformam-se cada vez mais em imagens.
As composições corporais dos jovens são instrumentos de significação simbólica que
dão visibilidade e por vezes, denunciam arranjos sociais de discriminação de classe, étnica de
sexualidade e outras. O uso da cor preta nas vestimentas de muitos jovens de Se para alguns
jovens, usar preto não tem um significado que vai além do gosto pela cor, para outros, o preto
é um símbolo que tem o poder de estruturar a imaginação e proclamar ou emoldurar a
desordem, a rebeldia e também a transgressão (PAIS, 2008).
Sobre isto, Pais (2006) observa ainda que “A excentricidade no vestir, presente em
muitos estilos juvenis, corresponde também a um questionamento da validade de limites
convencionais” (PAIS, 2006, p. 16). O autor destaca que “os investimentos na imagem
corporal contribuem para a construção da identidade dos jovens, conferem-lhe uma expressão
simbólica de poder, uma vez que se diferenciam entre si através de atributos distintivos”, em
que é preciso ser/estar igual, sendo/estando ao mesmo tempo diferente.
Experimentações
Estudos vêm mostrando que uma característica crescente entre os jovens é a
disposição para experimentar coisas novas, principalmente quando tais novidades estão
associadas ao lazer, a diversão, ao prazer. Em nossas pesquisas pudemos identificar a
recorrência de práticas de experimentação de drogas lícitas e ilícitas e de sexualidade, por
meio da pegação e do ficar.
Ficar e pegar são uma espécie de brincadeira onde todo mundo fica com todo mundo,
uma declaração explícita de que ninguém é de ninguém: menina com menino, menino com
menino, menina com menina. A expressão pegação é parte do amplo e multifacetado arsenal
comunicativo dos jovens e indica, acima de tudo, uma experiência tátil, efêmera e sem grande
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s jogos de sedução. Expressões como, ‘chegar’, ‘atirar’ e ‘pegar’ remetem para essa dimensão
de fisicalidade, de materialidade atingível, alcançável pelos corpos. Assim, as subjetividades
destes jovens tem como denominador comum o primado da fisicalidade que percorre as novas
combinatórias de aproximação e sociabilidade existentes nesse universo (ALMEIDA;
TRACY, 2003).
Nessa lógica, a pegação e o ficar parecem atividades complementares e indissociáveis.
O que justifica a expressão pegação é o ficar/pegar vários ou várias num curto intervalo de
tempo, ou seja, ter uma performance cujo desempenho resulta numa contabilização das
ficadas.
Parece que a espetacularização do ficar entre os jovens tem sido um modo exercer a
sexualidade, na qual, talvez mais do que prazer do beijo ou das carícias ou mesmo do sexo, há
o prazer de estar sendo assistido. Podemos inferir que nas práticas de pegar e/ou ficar, é
produzido aquilo que Ball (2010), em outro contexto, chamou de “um estado de permanente e
consciente visibilidade” (BALL, 2010, p. 40) em que os apelos por uma sexualidade cada vez
mais exibida exaltam a adrenalina e o perigo, componentes acionados nas praticas juvenis da
atualidade.
Em relação às experimentações relacionadas ao consumo de drogas lícitas e ilícitas,
identificamos o maior consumo entre jovens que se encontram aos domingos à tarde num dos
parques da cidade. Nas festas animes e nos encontros de jovens que apreciam mangás, não
identificamos a presença de bebidas alcoólicas, nem de cigarros.
Performar o consumo de álcool, entre os jovens muitas vezes está associado ao
consumo de tabaco. Chamou-nos atenção o número crescente de jovens com cigarros entre os
dedos. Entre estas duas drogas lícitas, o consumo de álcool parece conferir um status mais
elevado aos jovens, já que ele altera os sentidos.
Em alguns domingos presenciamos cenas de embriaguez, deparando- nos com sinais
visíveis de mal- estar que inclui vômitos e perda temporária dos sentidos. Os corpos caídos e
o vômito exposto parecem parte de uma performance cujo desempenho pode ser avaliado a
partir dos efeitos do álcool nos corpos. Cenas como estas performatizam não somente o
consumo de álcool, mas a ideia de que o limite é o chão.
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Sabemos que não é novidadeira o uso ou a experimentação de drogas entre os jovens.
No caso do álcool e do tabaco, as construções discursivas que naturalizaram estas práticas
emergiram num momento em que o mercado começou identificou no público jovem um
potencial consumidor. No pós-guerra, algumas culturas juvenis incorporaram as drogas lícitas
e ilícitas como experiências de ruptura associadas a liberdade, ao autogoverno, ao prazer.
Outro aspecto a ser considerado, refere-se a ideia de burlar normas e leis para ter
acesso aos produtos que não podem ser comercializados com menores. Isto coloca em
evidência determinados modos como os jovens lidam com as convenções sociais, e como são
subjetivados por elas. Por este motivo, entendemos que as subjetividades são exibidas por
estes jovens, através de seus corpos investidos de inúmeras marcas inventadas e apresentadas
como forma de insurgência.
Assim como a maioria das pessoas, os jovens não reconhecem o álcool e o tabaco
como drogas, sendo tratados como consumos sociais. Beber e fumar são práticas incitadas
livre e abertamente pela mídia, desde que sejam exibidos os alertas midiáticos Fumar é
prejudicial à saúde e Beba com moderação.
Os jovens buscam diversão e, neste contexto, aqueles que fazem uso de entorpecentes
como o álcool, maconha e outros não o fazem buscando exclusivamente o bem-estar e o
prazer, mas também para exibir o mal-estar causado pela intensidade de alguns consumos.
Assim, não basta consumir, é preciso que este consumo possa ser visível nos seus corpos,
através de sinais de embriaguez e de torpor. Tais consumos consistem na busca do prazer, de
diversão, de alegria, de pertencimento, mas também de entorpecimento, de ultrapassagem de
limites.
Práticas na Rede
Conectar-se, encontrar-se no mundo virtual e conversar através de programas de
mensagens instantâneas, visitar sites diversos, postar comentários, baixar músicas e vídeos,
são algumas atividades cotidianas entre jovens que só podem ser feitas através da internet.
Isto revela que tem sido cada vez mais difícil não levar em conta o impacto destas práticas ao
pensar a vida cotidiana dos jovens na contemporaneidade. Além disso, os usos das
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ferramentas da internet têm mostrado que o conhecimento pode ser acessado de qualquer
lugar, a qualquer momento.
Os diversos contornos das atividades e dos relacionamentos que os jovens constroem
cotidianamente, os modos com o forjam suas identidades estão cada vez mais atravessados
pelas ferramentas da internet. Lemos (1999) arrisca supor que possivelmente estejamos
vivendo uma reversão do processo individualista moderno, buscando, através das tecnologias,
novas formas de agregação social, o que ele chama “agregação eletrônica.” (p.16).
Garbin (2001, 2003, 2009) tem advertido que não há dúvidas de que a internet se
converteu num ‘laboratório’ [grifo da autora] para a realização de experiências com as
construções e reconstruções do ‘eu’ na vida pós-moderna, porque, na realidade virtual, de
certa forma moldamo-nos e criamo-nos a nós mesmos. Por esse motivo, ela torna-se um ‘imã’
para jovens que a utilizam, seja como uma forma de comunicar, seja como um instrumento de
demarcação de fronteiras, tornando-se um objeto a ser incessantemente louvado, usado,
teclado, enfim, acessado.
A internet se constitui numa Rede que oferece uma infinita quantidade de
informações e de sites de relacionamento, de forma a proporcionar que seus membros criem
novas amizades e mantenham seus relacionamentos, contrariando algumas visões que a
demonizam e a culpabilizam pelo isolamento dos sujeitos. Não se pode afirmar que todos os
usos e modos de se relacionar através da internet são saudáveis, pelo contrário, há muito para
ser problematizado. Mas por outro lado, pode-se observar o quanto, através da internet,
estamos interagindo e estabelecendo contatos mais frequentes com as pessoas.
Diante do exposto, podemos considerar que o tripé formado pela família, pela escola e
pelo grupo de amigos de convívio dito presencial, há muito considerados basilares nos
processos de sociabilidade de crianças e jovens, tem se alterado nos últimos anos por essas
‘novas’ agências de espaço social, que acabam desencadeando outros processos de
subjetivação e produzindo outras subjetividades. Além disso, na internet é possível encontrar
informações e conhecimentos de todos os tipos, expostos de inúmeras maneiras, os quais
podem ser acessados de qualquer lugar e em qualquer momento, levando-nos a pensar nos
desafios que se impõem à escola e ao ser professor frente a tantas reconfigurações da vida
cotidiana tecnologizada.
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Segundo Urresti (2008), a presença das novas tecnologias da informação e da
comunicação na vida das pessoas, ganha importância cada vez maior, principalmente, pelas
transformações por elas produzidas nos distintos âmbitos da vida social, redefinindo
processos econômicos, sociais, culturais e afetivos. Isto sugere que aquilo que para gerações
anteriores é novidadeiro, para os jovens é praticamente uma questão ‘nativa’. O autor utiliza a
expressão “nativos digitais” (p. 13) para referir-se a tais tecnologias como um dado a mais da
existência cotidiana do público jovem, ou seja, como algo já ‘naturalizado’ nas tramas
culturais dos sujeitos que nasceram, especialmente, a partir dos anos 1990.
Feixa (2003) tem apontado que com o advento do desenvolvimento tecnológico,
estamos vivenciando uma mudança fundamental nas concepções de tempo em que, os jovens,
mais do que ninguém, parecem ser sujeitos que experimentam tempos de modos diversos, em
distintos e variados espaços, alterando, sobremaneira, os modos de transmissão geracional.
Nesse contexto, Feixa (2003) destaca que são os mais velhos que aprendem com jovens; os
pais aprendem com seus filhos, construindo uma nova referência de autoridade. Esta
modalidade de transmissão geracional é expressa basicamente, nos meios de comunicação,
nas formas de diversão digitais, nas novas tecnologias da informação e da comunicação. O
tempo e o espaço passam a ser globais e a velocidade dos transportes, das redes eletrônicas
digitais televisivas e telefônicas de alcance universal corroboram a com a sensação que todos
vivemos um mesmo tempo e que tudo acontece em tempo ‘real’, produzindo o que o autor
denomina de simultaneidade (FEIXA, 2003).
Feixa (2004) chamou de “geração @” a esta geração tecnologizada e internauta, no
intuito de evidenciar a centralidade das tecnologias digitais para os sujeitos dos nossos
tempos, em especial para os jovens, em que o @ significa viver conectado. O autor argumenta
que esta é uma geração que não ficou isolada a partir dos seus contatos com o computador e
com as ferramentas da internet; pelo contrário. A internet e suas várias possibilidades de
interação vêm caracterizando-se como uma potente intensificadora das relações entre os
pares, que favorece a comunicação com um número maior de pessoas, as quais a distância
geográfica não aproximava.
No entendimento de Garbin (2009), a internet reúne três campos que pareciam
distintos uns dos outros: a cultura e novos conhecimentos produzidos a partir das tecnologias
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digitais; a comunicação e o lazer e, por fim, a informação simultânea e seu caráter efêmero,
quebrando as fronteiras entre estes três temas. A própria palavra escrita, a fala, as imagens
fixas e as imagens em movimento, a música, os sons variados, enfim, tudo se encontra
reunido na Rede. Estas redes que antes eram tecidas nos clubes sociais e esportivos, nas
praças, nos parques, nas danceterias, hoje se articulam também em sítios como o facebook,
twitter, etc. (URRESTI, 2008).
Desse modo, os jovens que hoje conhecemos e que estão dentro das nossas escolas,
parecem estar sempre abertos à novas aventuras internáuticas. Além disso, são sujeitos
capazes de realizar várias atividades ao mesmo tempo, conectados com o mundo o máximo de
tempo possível, ‘ensinados’ a comandar suas atividades cotidianas apertando botões e teclas:
do computador, do telefone celular, do controle remoto, do mp 3,4, do tablet, do GPS...
Green e Bigum (1995), em uma pesquisa realizada em escolas australianas ainda no
final do século passado, apontaram para o surgimento de um novo ‘tipo’ de estudante, com
novas necessidades, capacidades e subjetividades. Eles seriam sujeitos que usam essas
tecnologias como se já as conhecessem há muito tempo, como se fizessem parte de outro
mundo. Seriam estes alunos, alienígenas aos olhos de professores, pais e de outros adultos?
Ou seriam os professores [e outros adultos/idosos] os alienígenas, posto que estes, muitas
vezes, não se apropriam do mundo tecnológico? Temos assim, a produção de sujeitos
alienígenas: para os alunos o alienígena pode ser o professor desconectado, ao passo que para
o professor, os alienígenas são os alunos que não conseguem desconectar-se.
Diante do exposto, podemos inferir que ser jovem na contemporaneidade é pertencer a
este mundo de explosões e de crescimento tecnológico alarmantes, dominando-os com
extrema habilidade e relacionando-se com artefatos tecnológicos e midiáticos de forma íntima
e intensa.
Desse modo, os mesmos jovens que vivem e celebram o presente, que vivem um
tempo de urgências, que são nômades virtuais, convivem com um tempo de morosidades,
permeados por práticas repetitivas e quase nada novidadeiras dos currículos escolares, das
estratégias de ensino, das tentativas de controle e regulação de seus corpos. Nesse caso, são os
jovens que não conseguem conviver este tempo...
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Repertórios para a educação
As práticas juvenis apresentadas neste artigo parecem ratificar a ideia de perda
irreversível da dimensão de exatidão da palavra juventude, apresentando-nos modos de ser
jovem que deslizam sobre as pretensões de verdade, dificultando nossas tentativas de nomeá-
los, classificá-los, fixá-los.
Nossos percursos de pesquisa permitem ponderar sobre a existência de uma dimensão
educativa de grande importância nesses movimentos de estar juntos dos jovens, seja na rua,
nos parques, nos shoppings, na escola, etc.
(Re)conhecer e entender práticas juvenis diversas em espaços e tempos distintos,
tornando-nos mais sensíveis aos repertórios culturais juvenis, ao nosso ver, ainda é um grande
desafio para a educação escolar. Conhecer os gostos, os anseios, os medos, os modos como os
jovens se divertem, bem como as maneiras pelas quais aprendem entre si parece ser uma
experiência de aprendizagem capaz de ampliar nossos repertórios didáticos, linguísticos,
inventivos...
Por que, então, não possibilitar que elementos constitutivos desses universos juvenis
possam penetrar nossos currículos, movimentar nossos planejamentos, e, quem sabe, entrar
em nossas salas de aula como convidados especiais para ali permanecerem sem dia e hora
certa para sair, ao invés de simplesmente tolerá-los por algum tempo ou tratá-los como visitas
indesejáveis?
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Referências:
ALMEIDA, Maria Isabel Mendes; TRACY, Kátia Maria de Almeida. Noites nômades:
espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
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sociedade performativa. Educação e Realidade. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul/ Faculdade de Educação, n.2, v.35, p. 37-55, maio/ago 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
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de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 66-80,
dez, 2007.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio
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FEIXA, Carles. “Del reloj de arena al reloj digital. Sobre las temporalidades juveniles”,
JÓVENES, Revista de Estudios sobre Juventud, México DF, 19 (julio-diciembre), 2003, p.
6-27.
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Viviendo a toda: jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. Fundación
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15
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2005.
GARBIN, Elisabete Maria. www.identidadesmusicaisjuvenis.com.br - Um estudo dos chats
sobre música da Internet. Porto Alegre: UFRGS, 2001. 260 f. Tese (Doutorado em Educação).
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