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MARIA CAROLINA LUCATO
O CONCEITO DE “PESSOA HUMANA” NO ÂMBITO DA BIOÉTICA BRASILEIRA
São Paulo
2009
2
Maria Carolina Lucato
O conceito de “pessoa humana”
no âmbito da bioética brasileira
Tese apresentada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutora, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Odontológicas.
Área de Concentração: Odontologia Social
Orientador: Prof. Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos
Co-orientadora: Vincenza Mele
São Paulo
2009
3
Catalogação-na-publicação
Serviço de Documentação Odontológica
Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE E
COMUNICADO AO AUTOR A REFERÊNCIA DA CITAÇÃO.
São Paulo, ___/___/_____
Assinatura:_______________________________
E-mail: mclucato@usp.br
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Lucato MC. O conceito de “pessoa humana” no âmbito da bioética brasileira [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2009.
São Paulo, ___/___/___
Banca Examinadora
1) Prof(a). Dr(a).______________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
Julgamento:____________________Assinatura:_____________________________
2) Prof(a). Dr(a).______________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
Julgamento:____________________Assinatura:_____________________________
3) Prof(a). Dr(a).______________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
Julgamento:____________________Assinatura:_____________________________
4) Prof(a). Dr(a).______________________________________________________
5
Titulação:____________________________________________________________
Julgamento:____________________Assinatura:_____________________________
5) Prof(a). Dr(a).______________________________________________________
Titulação:____________________________________________________________
Julgamento:____________________Assinatura:_____________________________
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, ao Prof. Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, que tendo continuado acreditando em meu trabalho, me apresentou oportunidades incríveis para aprimoramento de meu conhecimento acadêmico e para o reconhecimento de valores fundamentais na minha vida.
À minha co-orientadora, Vincenza Mele, que me recebeu de braços abertos no Istituto di Bioetica da Università Cattolica Del Sacro Cuore, e me ajudou a encontrar a base para que pudesse realizar esse trabalho.
Aos meus pais, Judite e Marcos e à minha irmã, Gabriela, por compartilharem comigo os momentos de minha vida que me trouxeram até aqui.
Ao Gustavo, que sempre entendeu minhas ausências quando precisei trabalhar nessa tese.
Ao meu avô, Juviliano, que tendo partido de nosso convívio, me mostrou o sentido de sua vida.
Ao meu avô, Mário, que em sua fraqueza, me convida a compreender o valor de toda pessoa humana.
Aos meus tios, Nilse, Marcelo, Márcia e Sérgio, que sempre me ajudaram com sua acolhida, em suas casas, e suas palavras de incentivo.
Às minhas avós, Silvina e Sirta, que me mostram até hoje a importância da família.
À Diva, que em meus momentos de cansaço, me ajudou a continuar.
Aos colegas do grupo de Bioética: Nelita, Cilene, Elaine, Nelson, Márcia, Luciana, Isabel, pela amizade e ensinamentos.
Ao diretor do Istituto di Bioetica da Università Cattolica del Sacro Cuore, Ignacio Carrasco de Paula, pela grande oportunidade.
À Francesca e Emma, colegas italianas que me enriqueceram com suas constantes discussões bioéticas.
Às secretárias do departamento de Odontologia Social, Andréia, Sônia e Laura, sempre prontas a responder minhas demandas acadêmicas, obrigada.
Às secretárias do Istituto di Bioetica, Ana Maria e Patrizia.
À CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Ensino Superior) pela bolsa de estágio doutoral,sem a qual este trabalho não teria a mesma riqueza.
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Lucato, MC. O conceito de “pessoa humana” no âmbito da bioética brasileira. [Tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2009.
RESUMO
A bioética é uma ciência que surgiu no início da década de 1970 nos Estados
Unidos, com objetivo de criar uma “ponte” entre a ciência biológica e a área dos
valores. No Brasil, a bioética chega, efetivamente, em 1995, a partir da fundação da
Sociedade Brasileira de Bioética e da promulgação da Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos no
país. A bioética possui vários modelos e dentre eles está o Personalismo
Ontologicamente Fundado, criado por Elio Sgreccia. Esta linha de pensamento se
funda na pessoa humana, ou seja, a pessoa deve ser o critério de avaliação frente a
um dilema bioético. Toda pessoa humana é unitotalidade, dotada de uma dignidade.
Ela é formada pelas dimensões física, psíquica, social, moral e espiritual. Este
modelo considera que toda vida humana tem início com a fecundação e fim com a
morte natural. Mas este conceito de “pessoa humana” não é o único no âmbito da
bioética. Por isso, no presente trabalho, se pretendeu através da hermenêutica de
Gadamer, identificar o conceito de “pessoa humana” utilizado no Brasil. Foram
recolhidas 63 referências no site da Bireme através de palavras-chave identificadas
na revisão da literatura. Destas referências, 50 foram lidas na íntegra e algumas
categorias foram criadas para dividi-las, sendo elas: Início da vida, Final da vida,
Prática da Saúde, Saúde Pública e Temas Variados. Os textos foram resumidos e
interpretados com o objetivo de se identificarem aspectos relativos ao conceito de
pessoa humana. Na discussão, os aspectos referentes ao Personalismo
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Ontologicamente Fundado foram evidenciados como contraponto de conceitos de
outros modelos. E o critério utilizado no sentido de reconhecer o conceito de pessoa
humana foi a experiência elementar, entendida como a experiência que cada pessoa
faz, a partir de um critério de juízo, e através da correspondência com sua realidade.
No Brasil, em relação ao Início da vida, os pesquisadores em sua maioria,
consideram que a vida tem início em qualquer momento posterior à fecundação;
diferentemente do conceito da bioética personalista que determina o início da vida
na fecundação. Em relação ao final da vida, os conceitos de dividem, sendo que
metade pensa na morte natural, e metade pensa que a pessoa deve ter autonomia
para decidir pelo final de sua vida. Os que falam em morte natural, admitem os
cuidados paliativos como saída para os doentes incuráveis se verem acolhidos em
seu sofrimento, como diz também o personalismo ontologicamente fundado. Em
relação à prática à saúde, a autonomia aparece predominantemente como auxiliar à
prática médica, mas em alguns artigos este princípio aparece como a parte da
pessoa de maior importância na relação paciente - equipe de saúde. De acordo com
a bioética personalista o critério último frente à prática clínica deve ser SEMPRE a
pessoa humana. Na saúde pública foram evidentes os aspectos relacionados à
grupos vulneráveis e à necessidade de intervenção do Estado, tendo faltado a
ênfase ao protagonismo da pessoa, da sociabilidade e da subsidiariedade. E no que
tange a eugenia, os autores falaram em tolerância à ela e respeito à vontade da
maioria da sociedade, enquanto a bioética personalista fala em considerar o
diferente, o diverso, através do reconhecimentos de sua dignidade humana. Assim,
no Brasil os conceitos relacionados à definição de pessoa humana são bastante
diversos. Concluindo, é preciso fazer com que a comunidade bioética brasileira
comece a considerar o conceito de pessoa do personalismo ontologicamente
9
fundado, a partir do olhar para sua própria experiência, tendo como critério de juízo
sua própria realidade. E utilizar essa experiência de “pessoa” nos momentos em que
seja necessário decidir sobre as intervenções que se faz sobre a vida.
PALAVRAS-CHAVE: bioética, bioética personalista, personalismo ontologicamente
fundado, pessoa humana, dignidade humana, início da vida, final da vida.
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Lucato MC. The “human person” concept within Brazilian bioethics. [Doctorate thesis]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2009.
ABSTRACT
Bioethics is a science that emerged in the beginning of the 70’s in the U.S. by aiming
at creating a new “connection” between biologic science and values. Bioethics
effectively arrived in Brazil in 1995 as of the foundation of the Sociedade Brasileira
de Bioética [Brazilian Bioethics Society] and the publication of Decree 196/96 by the
National Health Council, which rules over research with human beings in the country.
Bioethics presents several models, wherein the Ontologically Based Personalism as
created by Elio Sgreccia can be found. This train of thought is based on the human
person, i.e. the person needs to be the assessment criteria before a bioethical
dilemma. Every human person is a unitotality who is endowed with dignity. She is
formed by physical, psychic, social, moral and spiritual dimensions. This model
considers that all forms of human life begin upon conception and end with natural
death. But this “human person” concept is not the only one within the bioethical
scope. Thus, we intended to identify herein the “human person” concept used in
Brazil through Gadamer's hermeneutics . 63 references from the Bireme website
were collected through key-words identified in the revision of the literature. From
among them, 50 were read completely and some categories were created so as to
divide them, namely being: Beginning of Life, End of Life, Practicing Health, Public
Health and Various Subjects. The texts were summarized and interpreted by aiming
at identifying aspects concerning the human person concept. Aspects regarding the
Ontologically Based Personalism were evinced as counterpoint to the concepts from
11
other models within the discussions, and the criteria used to recognize the human
person concept was the elementary experience that is understood as the one each
person undergoes as of judgment criteria, as well as through the correspondence to
its reality. In Brazil, most researchers consider life begins at any moment after
conception when referring to the Beginning of life, as opposed to the concept of
personalistic bioethics which understands the beginning of a new life happens upon
conception. Regarding the end of life, the concepts are divided, whereby half of
researched authors admit palliative care as an exit for terminally-ill patients for them
to be soothed in their suffering, just as the Ontologically Based Personalism also
suggests, and the other half thinks the person needs independence to decide the end
of his life, offering hence an opening to euthanasia. In regard to practicing health, the
principle of independence appears predominantly as part of the base of medical
practice, whereby this principle appears in some articles as the part of the person
with the biggest importance in the patient–healthcare team relation. For personalistic
bioethics, the ultimate criterion before the clinical practice has to serve as the
foundation for the human person. Authors who work with public healthcare themes
showed evident aspects related to vulnerable groups and to the need of State
intervention, wherein the emphasis on the person’s leadership has been missing, in
addition to sociability and subsidiarity. Concerning eugenics, authors speak of
tolerance toward it and respecting the will of the majority of society, while
personalistic bioethics speak of considering what is different and diverse through the
acknowledgment of human dignity. Thus, the concepts related to the definition of the
human person are quite diverse in Brazil. In summary, it is necessary to help the
Brazilian bioethical community become acquainted with the concept of the person as
resumed by the Ontologically Based Personalism, by looking at our experience and
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by having our own reality as judgment criteria, as well as using this experience of
“person” when it is necessary to take decisions in regard to life.
KEY-WORDS: bioethics, personalistic bioethics, ontologically based personalism,
human person, human dignity, beginning of life, end of life.
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SUMÁRIO
PREFÁCIO .................................................................................................... 15
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 18
2 REVISÃO DA LITERATURA ....................................................................... 22
2.1Bioética .......................................................................................................... 22
2.1.1 Modelos de Bioética .................................................................................. 25
2.1.2 Bioética no Brasil ....................................................................................... 39
2.1.2.1 Ensino de bioética no Brasil .................................................................... 49
2.1.2.2 Modelos de bioética criados no Brasil ..................................................... 51
2.1.3 Bioética e filosofia ...................................................................................... 60
2.2 Em busca do fundamento – o conceito de pessoa humana e os
personalismos ..................................................................................................... 67
2.2.1 O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética ............................... 79
2.2.2 A experiência elementar............................................................................. 83
2.2.3 Personalismo ontologicamente fundado ............................................... .... 90
2.2.3.1 O conceito de pessoa humana no personalismo ontologicamente
fundado ............................................................................................................... 92
2.2.3.2 Princípios da Bioética Personalista ........................................................ 96
2.3 Vida humana, dignidade da pessoa humana, qualidade de vida e sacralidade
da vida ................................................................................................................ 98
2.4 O início da vida humana ............................................................................. 104
2.4.1 Teorias que negam a fertilização como o início da vida humana .......... 108
2.5 O fim de vida humana ................................................................................. 113
3 METODOLOGIA ............................................................................................... 119
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO- O CONCEITO DE PESSOA HUMA NA NO
ÂMBITO DA BIOÉTICA ......................................................................................... 124
4.1 O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira ...................... 124
4.2 O início da vida ................................................................................................. 127
14
4.2.1. O embrião como pessoa humana ................................................................ 127
4.2.2. O embrião como um “amontoado de células” .............................................. 130
4.2.3. A autonomia da mãe .................................................................................... 135
4.2.4. Algumas considerações sobre as pesquisas com células-tronco
embrionárias............................................................................................................ 140
4.3 O fim da vida .................................................................................................... 144
4.3.1. Morte como processo natural e Cuidados Paliativos ................................... 144
4.3.2. Respeito pleno à autonomia do paciente ..................................................... 150
4.3.3. “Boa morte” ou eutanásia ............................................................................. 159
4.4 Prática da saúde ............................................................................................... 163
4.4.1 Autonomia como princípio auxiliar na prática da saúde ................................ 163
4.4.2 Autonomia como autodeterminação e a ênfase no papel do Estado na prática
da saúde ................................................................................................................. 172
4.5 Saúde pública ................................................................................................... 182
4.6 Bioética - Temas variados ............................................................................... 189
4.6.1 A dignidade humana ...................................................................................... 190
4.6.2 Experimentação com seres humanos ........................................................... 192
4.6.3 Conceito de pessoa de Tristam Engelhardt .................................................. 195
4.6.4 Bioética e genética ........................................................................................ 196
4.7 Artigos não pertinentes ..................................................................................... 201
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 204
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 215
ANEXO ................................................................................................................. 228
15
Prefácio
A bioética é uma ciência fascinante. Alguns a denominam ciência, outros,
disciplina, outros ainda, área do conhecimento. O fato é que, de qualquer forma, ela
é fascinante.
Tive a oportunidade de conhecer a bioética através de meu mestre e
orientador de mestrado, e agora de doutorado, Dalton Luiz de Paula Ramos. Minha
idéia ao chegar ao departamento de Odontologia Social da Faculdade de
Odontologia da Universidade de São Paulo era trabalhar com ética profissional. No
entanto, me deparei com esta disciplina (pois na USP existe uma disciplina na pós-
graduação e outra na graduação especificamente de bioética) e me encantei com os
conteúdos ministrados em aula e os ensinamentos que, posso dizer, são para a vida
toda.
Existem alguns modelos de bioética. Os pensadores de cada modelo
fundamentam e traçam um caminho para direcionar o estudioso a seguir tais
orientações quando frente a um grande dilema.
O modelo estudado e utilizado pelo Professor Dalton é o Personalismo
Ontologicamente Fundado, de Elio Sgreccia. Dentre todos os modelos que já
estudei, este é, para mim, o mais coerente, pois possui um fio condutor, uma linha-
guia que nos leva a considerar o homem em sua essência, natureza e verdade
(como o próprio Sgreccia escreve).
Esta linha-guia, este fundamento, é a pessoa humana. A pessoa humana não
é um conceito abstrato. Pode-se conceituar pessoa humana. Mas eu a reconheço
16
olhando no espelho. Reconheço minha unicidade e minha singularidade por saber
que sou pessoa, pela minha experiência.
E foi este fundamento, que avivou minha curiosidade. Isso porque existem
diferentes formas de identificar a pessoa humana no cenário bioético, e assim,
diferentes formas de se pensar determinados dilemas referentes à vida humana.
Pelo Personalismo Ontologicamente Fundado e pelo encontro com as bases
que o levaram a se fundamentar na pessoa humana, fui à Roma, coração onde o
modelo foi criado, a fim estudá-lo. Estive cinco meses em estágio de doutorado
(sanduíche) no Istituto di Bioetica da Università Cattolica Del Sacro Cuore, onde fui
extremamente bem recebida, para estudar o Personalismo Ontologicamente
Fundado e a pessoa humana. Nesta instituição, pude aproveitar uma vasta
biblioteca de referências na área da bioética, cursos e seminários ministrados pelos
professores do Istituto, além da agradável companhia e das boas idéias de alguns
colegas.
Meu estágio na Itália me permitiu perceber, através de bibliografia indicada
por minha co-orientadora, a professora Vincenza Mele, que as fases mais cruciais
na definição do conceito de pessoa humana no âmbito da bioética são o início da
vida e o final da vida. Esta professora também me ensinou um novo modo de pensar
a discussão da tese, com a idéia de confrontar os pontos divergentes entre as
teorias apresentadas e o Personalismo Ontologicamente Fundado (essa orientação
metodológica foi utilizada em painel que apresentamos, eu, professor Dalton e
professora Vincenza, em um congresso em Milão).
Além disso, pude “fazer atenção” (expressão traduzida literalmente do italiano
“fare attenzione”, que penso seja uma maneira muito adequada de se dizer prestar
17
atenção, que seria a tradução no português) à pessoa humana, já que estava em
outro país, percebendo numa outra cultura, que em todo lugar do mundo toda
pessoa humana é “um mundo”, ou seja, particular em seu modo de ser, e
intrinsecamente digna.
A partir do que recolhi como material bibliográfico, apresentarei o conceito de
pessoa humana do Personalismo Ontologicamente Fundado. Procurarei traçar um
perfil do histórico da bioética no Brasil, para então procurar quais os modelos
bioéticos mais reconhecidos neste país e traçar um paralelo entre os diferentes
conceitos de pessoa encontrados e o Personalismo Ontologicamente Fundado.
1.Introdução 18
1 INTRODUÇÃO
A bioética como disciplina, com estatuto epistemológico próprio, surge no
início da década de 1970, nos Estados Unidos, através da criação deste vocábulo
como neologismo. Isto aconteceu contemporaneamente a partir de dois estudiosos –
o oncologista Van Renssealer Potter e o médico obstetra André Helleghers. O
primeiro procurou, através de um estudo intitulado Bioetichs – a brigde to the future,
ligar (com uma ponte) duas culturas que até então, segundo ele, estavam
caminhando em vias paralelas – a científica e a cultural, ou dos valores. A bioética
de Potter nos remete às intervenções do homem sobre a vida, da natureza e de si
próprio. Já Helleghers preocupava-se com as intervenções da ciência sobre a saúde
do homem.
A partir daí, outros estudos foram realizados e foi criado um primeiro modelo
de bioética, que procurou orientar uma forma de conduta diante de dilemas éticos,
principalmente na área médica, com a criação de quatro princípios – autonomia,
beneficência, não-maleficência e justiça. Este é o modelo principialista.
Outros modelos foram desenvolvidos em diversos países, e no Brasil a
bioética chega aproximadamente em 1995. Neste período foi criada a Sociedade
Brasileira de Bioética, que marca esta entrada, em conjunto com a promulgação da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que passa a
regulamentar a experimentação com seres humanos no país. Esta resolução tem
como base o modelo bioético principialista e seus princípios.
No entanto, apesar de moralmente válidos, e de serem parte do ponto de
início da bioética, estes princípios foram muito criticados por parecerem insuficientes
para a solução de grandes dilemas.
1.Introdução 19
Afirma um dos pensadores deste modelo em um encontro internacional sobre
“As raízes da Bioética” na Itália, em 1996, que apesar das críticas, vê neste modelo,
um sistema forte e um ponto de partida. E é verdade. Mas hoje, mergulhados em um
momento cultural diferente, precisamos considerar outros aspectos.
Pode-se dizer que o momento cultural de hoje possui um pano de fundo que
tem três idéias fundamentais – o individualismo, o hedonismo e o utilitarismo.
No individualismo considera-se essencialmente a liberdade individual de cada
pessoa. A liberdade é claramente válida, mas não quando é ela considerada valor
absoluto. Assim, às pessoas caberia decidir autonomamente o que fazer de suas
próprias vidas, levando-se em conta, somente suas vontades individuais.
O hedonismo caracteriza-se pela exacerbação do prazer, e a supressão da
dor. Ninguém gosta de sentir dor. E todos desejam alcançar a felicidade. Mas o
prazer, neste sentido, é elevado ao máximo, é o valor absoluto. Outros aspectos são
desconsiderados. É como se pudesse se viver sempre anestesiado.
O utilitarismo observa a relação custo-benefício. Assim, o que funciona, o que
tem utilidade, vale. Assim, sob ótica social, deve ser colocada em primeiro plano o
que tem utilidade para a maioria.
Frente a este pano de fundo cultural, que também está presente na bioética, é
necessário que haja uma resposta para que a dignidade de toda pessoa humana
seja respeitada.
Para que as ações bioéticas sejam totalizantes, e não considerem apenas a
liberdade extrema, a exaltação do prazer, ou a relação custo-benefício, uma
resposta pode ser encontrada no Personalismo Ontologicamente Fundado.
1.Introdução 20
Este modelo bioético surgiu na Itália, mais precisamente no Istituto de
Bioetica da Università Cattolica Del Sacro Cuore, em Roma, a partir da obra de seu
pensador, Elio Sgreccia, que também fundou este centro de excelência.
O Personalismo Ontologicamente Fundado possui uma fundamentação, um
ponto de partida, mais ainda, um valor de referência para todas as decisões
bioéticas – a pessoa humana.
A pessoa humana, segundo Sgreccia, é uma unitotalidade, ou seja, unidade
de corpo e espírito; e uma totalidade porque deve ser considerada em todas as suas
dimensões (física, psíquica, espiritual, social e moral). Assim, antes de serem
considerados princípios ou normas de ação, é preciso que olhemos para um
fundamento, para o lugar de onde deve surgir a solução de um dilema bioético – a
pessoa humana.
Muitos modelos bioéticos afirmam que as intervenções do homem sobre a
vida devem levar em consideração o conceito de pessoa humana, limitando as
ações manipulativas a partir dele. No entanto, nem todos estes modelos são
unânimes quanto à definição de pessoa e à determinação de valores relativos à
pessoa. A coincidência entre os termos “pessoa humana” e “ser humano” tem sido
colocada em dúvida com a consequente exclusão de alguns seres humanos do
reconhecimento do estatuto da pessoa. Ou seja, nem todos os seres humanos
seriam pessoa, e nem todas as pessoas seriam seres humanos. Sendo assim, seria
lícito intervir sobre a vida de alguns seres humanos, bem como, ilícito intervir sobre a
vida de alguns seres não humanos, como, para alguns autores, os animais ou robôs.
Neste trabalho, portanto, serão considerados os aspectos relativos à
fundamentação do Personalismo Ontologicamente Fundado e a aplicação destes
1.Introdução 21
conceitos (de pessoa humana e sua dignidade), principalmente nos extremos da
vida – seu início e seu fim. Estes aspectos serão relacionados com as características
dos modelos mais utilizados no cenário brasileiro
2. Revisão da literatura 22
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Bioética
A bioética é uma nova área do conhecimento que surgiu, principalmente,
através da exigência de avaliação ética das conquistas atuais da investigação
científica. Estas novas conquistas abriram ao homem possibilidades de intervenção
sobre a vida. Mas certas pesquisas foram realizadas de forma a violar a integridade
humana, fato que veio à tona com o fim da Segunda Guerra Mundial, e, por isso,
sentiu-se a necessidade da criação de uma regulamentação para pesquisas
realizadas com seres humanos. Estas intervenções precisam ser avaliadas
eticamente a fim de que a pessoa seja sempre respeitada em sua dignidade
(BELLINO, 1997).
A ciência de hoje (que teve início com Descartes nos séculos XVIII e XIX) e
as novas tecnologias são integrantes no cotidiano de todas as pessoas do século
XXI. As tecnologias da informática, o rádio, a televisão, são aspectos do avanço
científico que fazem parte da rotina da maioria das populações. “A sociedade
ocidental vive o fascínio da tecnologia, sendo muito dependente dela” (RAMOS;
JUNQUEIRA, 2007).
Mas o uso das tecnologias não trouxe só o bem–estar da humanidade,
também gerou destruição. Um dos grandes exemplos disso é, de fato, a Segunda
Guerra Mundial, atrás da qual estavam médicos, físicos e engenheiros, produzindo
aviões, armas e bombas. Assim evidenciou-se que nem tudo o que é cientificamente
2. Revisão da literatura 23
bom é moralmente válido. A bioética surge, então, como proposta de um espaço
para refletir sobre a intervenção das tecnologias sobre a natureza e a vida (RAMOS;
JUNQUEIRA, 2007).
O termo bioética é relativamente novo. Existe um registro do uso desta
palavra (na verdade, Bio-Ethik) pelo alemão F. Jahr, em 1927 (NEVES; OSSWALD,
2007). Mas, de fato, o termo se tornou conhecido em 1970 através do oncologista
Van Reansealer Potter, que utilizou-o em dois artigos intitulados: Bioethics. The
science of survival e Bioethics. Brigde to the future; nos quais ele chama a atenção
da sociedade científica sobre a importância de uma nova disciplina que englobasse
os valores aos conhecimentos científicos (RAMOS; JUNQUEIRA, 2007).
Potter identificou nestes escritos o perigo que representa para todo o
ecossistema a separação entre duas áreas do saber, o científico e o humanista. A
distinção entre os valores éticos, que fazem parte da cultura humanista, e os fatos
biológicos, está na base de um processo científico-tecnológico indiscriminado. O único
caminho possível de solução para uma catástrofe seria a constituição de uma “ponte”
entre as duas culturas, a científica e a humanística-moral. “A bioética, então, deve se
ocupar de unir a ética à biologia, a bioética tem a tarefa de ensinar como usar o
conhecimento em âmbito científico-biológico” (SGRECCIA, 2002).
A bioética é uma disciplina. “Para alguns, mais do que uma disciplina, a bioética
é um território, um terreno de confronto de saberes sobre problemas surgidos do
progresso das ciências biomédicas, das ciências da vida e, em geral, das ciências
humanas” (BELLINO, 1997).
É uma ciência interdisciplinar, uma de suas propriedades mais evidentes
(URBAN, 2003). Esse é o enfoque da bioética, “uma proposta interdisciplinar de
2. Revisão da literatura 24
integração entre as disciplinas”. Ela não está restrita às ciências da saúde, mas quer
olhar para a vida e para todas as áreas do conhecimento têm implicações sobre a vida
(RAMOS, 2002).
Numa perspectiva etimológica a palavra bioética significa: bios – vida, e
ethos – lugar próprio do homem, o que nele habita, sua interioridade, ou seja, o
princípio de ação que determina o homem a agir, ou ainda, o resultado de uma ação
que se repete. Com um olhar etimológico-conceitual, este termo designa a “ação
humana em relação à vida” (podendo referir-se à vida na sua expressão universal ou
à vida humana) (NEVES; OSSWALD, 2007).
Na verdade, o homem sempre agiu sobre a vida - mesmo quando não
dispunha de toda esta tecnologia – já que sempre praticou a agricultura, a pecuária;
urbanizou o campo; e desenvolveu a medicina, por exemplo. Então, o fato inédito da
bioética se dá quando não se considera mais a vida com sua espontaneidade
natural, mas com certa exposição e até vulnerabilidade à ação do ser humano (que
hoje não somente manuseia a vida, tocando-a superficialmente, mas manipula e
interfere em sua constituição intrínseca) (NEVES; OSSWALD, 2007).
“Quando a ação humana ganha o poder de alterar a vida tal como esta se dá
naturalmente, então esta ação sobre a vida cai sob a alçada da ética”. O que importa
à bioética, então, é uma ação humana mediada pelas biotecnologias, que age sobre
a vida com o poder de torná-la artificial (NEVES; OSSWALD, 2007).
A bioética é o “estudo da moralidade da conduta humana no campo das ciências
da vida” (RAMOS, 2002).
2. Revisão da literatura 25
Sgreccia (2002) escreve que “A bioética deverá ser, segundo penso, uma
ética racional que, a partir da descrição do fato científico, biológico e médico, analise
racionalmente a licitude da intervenção do homem sobre o homem” .
A bioética possui uma natureza teórico-prática, sendo simultaneamente
pensamento e ação. Sua dimensão reflexiva lhe confere objetividade, apresentando-
a como um “modo de pensar rigoroso”, como um saber acerca da ação humana.
Enquanto ação, a bioética se manifesta através da revolução de práticas
estabelecidas como resposta a dilemas inéditos; e é isto que permite à bioética a
revelação transformadora do pensamento à ação (NEVES; OSSWALD, 2007).
Os mesmo autores escrevem que negligenciar a componente teórica da
bioética comprometeria o rigor da reflexão, ameaçando, assim, um “resvalar para o
domínio das arbitrariedades”; enquanto que deixar de lado a prática comprometeria
o “poder transformador da ação”, podendo provocar um encontro com a abstração.
A bioética, então, está na saúde, no direito, na filosofia, na economia, na
ecologia entre outros, já vez que todas estas áreas do saber podem promover
intervenções do homem sobre a vida (RAMOS; JUNQUEIRA, 2007). E ela deve ser
oferecida, visto que afeta a vida em geral, aos cientistas, aos acadêmicos, mas
também às famílias e à sociedade, como nova forma do refletir em busca do que é
bom e do que possa fazer toda a existência melhor (SGRECCIA, 2007).
2.1.1 Modelos de bioética
2. Revisão da literatura 26
A teorização da bioética teve início com o esforço em compreender realidades
inéditas que começaram a surgir através do progresso técnico-científico da prática
biomédica e que impuseram a necessidade da formulação de “critérios de
apreciação de moralidade de conduta e de normativa” para uma conseqüente e
correta orientação (NEVES; OSSWALD, 2007).
No âmbito do debate contemporâneo, as propostas éticas em bioética são
diversificadas. Isto porque o pluralismo moral, que caracteriza a filosofia prática
recente, está na base do fenômeno cada vez mais evidente do pluralismo também
na bioética. Este fato, se de um lado causa desorientação, pois falta um sólido ponto
de referência, de outro lado serve como provocação para uma possível superação,
visto que existe uma urgência em se achar uma solução comum no nível prático
(PALAZZANI; SGRECIA, 1992).
Neste sentido, a bioética precisa da contribuição da filosofia na identificação
dos valores e dos princípios que orientam a conduta humana no campo das ciências
da vida (LUCATO; RAMOS, 2009). E por isso, é necessário que se discuta “a
bioética”, e não somente seus aspectos práticos, para que assim, os valores e
princípios sobre os quais fundar o juízo ético, e a afirmação de uma distinção entre o
lécito e o não lécito, sejam esclarecidos. Esta proposta é chamada metabioética.
(PALAZZANI, SRECCIA, 1992; SGRECCIA, 2007).
Quanto aos modelos de bioética Neves e Osswald escrevem:
“Os modelos teórico-práticos da bioética, consistem, pois, em sistemas amplos e coerentes de enunciados explicativos da realidade tal como as biotecnologias a vem moldando, articulados a um conjunto de propostas de intervenção, fundamentadas na sua natureza e finalidade, e que visam melhorar a vida das pessoas e das sociedades.” (NEVES; OSSWALD, 2007. p. 82)
2. Revisão da literatura 27
No sentido de iniciar a discussão metabioética, propõe-se a apresentação de
diferentes modelos bioéticos, sendo os aqui expostos, aqueles de maior repercussão
no cenário internacional.
A) Modelo Personalista (Personalismo Ontologicament e Fundado)
Este modelo, fundado por Elio Sgreccia (2007), do Instituto de Bioética da
Università Cattolica del Sacro Cuore, de Roma, possui em sua base a pessoa
humana. O autor deseja sublinhar que existe uma existência e uma essência
constituída na unidade de corpo e espírito. Em sua tradição, “a pessoa humana é
uma unidade; um todo”.
A fundação deste pensamento, a pessoa humana, é ponto de referência, e
deve ser considerada na plenitude de seu valor. Para que as decisões sejam
tomadas, parte-se, então, da pessoa, seja na prática clínica, na experimentação com
seres humanos, na economia, no direito, etc (SGRECCIA, 2007).
O personalismo considera a pessoa uma UNITOTALIDADE. O prefixo “UNI”
está relacionado à unicidade (pois cada pessoa é única) e à unidade de corpo e
espírito. A totalidade se refere às dimensões citadas anteriormente, correspondentes
à essência de todas as pessoas (SGRECCIA, 2007).
Este modelo não deve ser confundido com o individualismo subjetivista, que
seria uma concepção na qual se identifica uma capacidade da pessoa como o ponto
de partida principal - a capacidade de auto-decisão e de escolha. “O personalismo
clássico afirma como estatuto objetivo essencial, a ontologia da pessoa”. A partir
desta linha de pensamento, a liberdade é importante, mas tem como premissa a
2. Revisão da literatura 28
vida. Ou seja, para respeitar a liberdade deve-se respeitar a vida na qual ela está
inserida (RAMOS, 2002).
Esta linha de pensamento é o modelo de referência deste trabalho e, por isso,
a ela será dedicada uma maior explicação em um capítulo a seguir.
B) Modelo Principialista
Este modelo foi idealizado por Beauchamp e Childress (2002) no princípio dos
anos 70. De acordo com Beauchamp (1998), duas foram as alavancas que
determinaram seu surgimento: o primeiro, o Relatório Belmont e o segundo, o livro
Principles of Biomedical Ethics (dos autores acima referidos).
O primeiro documento, segundo Beauchamp (1998) promulgado em 1978,
procurou estabelecer os princípios éticos com fins de nortear a ética em pesquisa
nos Estados Unidos após o reconhecimento, por parte do governo, de inúmeros
abusos e escândalos envolvendo sujeitos de pesquisa no país. Estes escândalos
foram evidenciados mesmo depois da promulgação, em 1947, do Código de
Nuremberg (documento que regulamenta internacionalmente a pesquisa com seres
humanos, e que foi escrito após a condenação dos médicos nazistas que
trabalharam da Segunda Guerra Mundial), através do qual o sujeito de pesquisa
deveria ser protegido. Foi Henry K. Beecher, em 1966, que escreveu um artigo em
que detectou vinte e dois trabalhos publicados em revistas científicas importantes na
época, e que o médico entendia como não sendo éticos (SAKAGUTI, 2007).
A comissão responsável pela elaboração do Relatório Belmont– Comissão
Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e de
2. Revisão da literatura 29
Comportamento - propôs um esquema com base em princípios, dos quais o principal
se relacionava com a proteção da autonomia do sujeito de pesquisa.
Os princípios formulados neste documento se fundamentaram explicitamente,
como escrevem Neves e Osswald (2007) na “moral comum”, isto é, na moral
dominante de uma comunidade, e são bastante específicos e práticos, funcionando
segundo um modelo aplicado de ética. São princípios gerais, em relação aos quais a
ação deve se adequar, e isso constitui seu critério de moralidade.
Praticamente ao mesmo tempo, Beauchamp (que fazia parte desta comissão
nacional) iniciou um trabalho com Childress, que consistia em procurar pelos
princípios na ética médica, pensando que um trabalho sistemático nesta área se
fazia necessário. O autor escreve que não havia nenhuma publicação em relação a
princípios da ética médica ou teorias filosóficas na mesma área (BEAUCHAMP,
1998).
O livro Principles of Biomedical Ethics é o primeiro volume relacionado à
teorização da bioética. Os autores se centram na relação assistencial e se abrem
amplamente às políticas públicas de saúde. O livro apresenta uma metodologia
decorrente de uma teoria, “inaugurando o desígnio da teorização da bioética”
(NEVES; OSSWALD, 2007).
Os autores deste modelo desenvolveram os princípios especificamente para a
ética médica, e eles foram agrupados em quatro categorias gerais: 1) respeito pela
autonomia (respeito pela capacidade de tomada de decisão de pessoas autônomas);
2) não-maleficência (não causar mal aos outros); 3) beneficência (prevenir o mal e
fazer o bem); 4) justiça (distribuição apropriada de benefícios, riscos e custos).
2. Revisão da literatura 30
Beauchamp (1998) define princípio como um padrão de conduta fundamental
dos quais outros (padrões morais e de julgamento) dependem. Os princípios
isolados não são base de fundação para justificar regras ou julgamentos. Por si só,
um princípio pode ser justificado por outras considerações morais. Sendo assim, os
princípios deste modelo admitem exceções, e podem ser adaptados conforme a
necessidade de uma demanda particular. Eles devem ser entendidos menos como
normas, e mais como linhas-guia interpretadas e feitas especificamente para o
processo de decisão clínico.
A intenção da bioética dos princípios é achar alguns critérios de ação, uma
linha-guia. No entanto, o êxito teórico e prático é ambíguo, pois dependendo da
maneira como são interpretados, estes princípios levam a soluções contraditórias de
um mesmo problema (PESSINA, 1999).
O mesmo autor escreve que este modelo sofreu diversas críticas, mas
expressou dois elementos importantes: a preocupação clínica, isto é, a necessidade
de fornecer indicações completas ao pessoal sanitário; e a exigência social de fixar
diretivas públicas em uma sociedade pluralista.
A estruturação da bioética principialista constituiu uma resposta à
necessidade de um suporte teórico que pudesse fundamentar e validar ações
inéditas que a biomedicina fez aparecer. Daí surge, também, a forte adesão que o
modelo suscitou desde sua formulação em diversos países e não apenas nos
Estados Unidos (NEVES, OSSWALD, 2007).
No Brasil, a bioética possui grande influência deste modelo, já que uma das
portas de entrada da disciplina no nosso país foi a ética em experimentação com
seres humanos. Também aqui a Sociedade Brasileira de Bioética, fundada em 1995,
2. Revisão da literatura 31
desenvolveu um documento nacional – Resolução 196/96 – com o objetivo de
nortear a pesquisa envolvendo seres humanos e com base nesses princípios
(LUCATO; RAMOS, 2009).
C) Ética descritiva e modelo sócio-biológico
A expressão ética descritiva procura indicar que a orientação moral e a
escolha dos valores e princípios acontecem através da descrição, ou seja, da
observação e da relevância dos fatos. Trata-se de uma orientação na qual a história
e a cultura produzem os valores. Neste sentido, os princípios e valores se
identificam com os costumes de um determinado grupo social, em uma determinada
época (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992; SGRECCIA, 2007).
Segundo esta perspectiva, assim como os seres vivos se desenvolvem,
através de sua evolução biológica, os valores e costumes também são alterados, se
adaptando à expressão cultural de um tempo (LUCATO; RAMOS, 2009).
Este modelo assume como pressuposto o reducionismo, ou seja, a redução
do homem a um momento da história:
“Conseqüentemente, esta visão traz consigo o relativismo de toda ética e de todo valor humano, imergindo todo ser vivente no grande rio de uma evolução que tem, é verdade, no homem o seu vértice, não entendido, porém, como vértice definível e como ponto de referência estável, mas também ele sujeito de mutação em sentido ativo e passivo. Trata-se, enfim, de uma “ideologia heraclítica, na qual não se reconhecem nenhuma universalidade de valores, nenhuma norma sempre válida para o homem de todos os tempos” (SGRECCIA, 2002. p. 70).
A orientação moral desta perspectiva estabelece que a constatação dos fatos,
coincide com sua validade. A escolha ética é indiferente tanto do ponto de vista do
agente, como do observador. Então, se a escolha moral é indiferente no plano dos
2. Revisão da literatura 32
valores, não existe responsabilidade individual nas ações. O conceito de
responsabilidade é ligado à liberdade de realização deste ato. Assim, se o ato é
empiricamente válido, e a liberdade condicionada ao empírico, o ato não é imputável
de responsabilidade (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
No âmbito bioético, esta linha de pensamento é favorável à tolerância neutra
da pluralidade dos costumes e dos comportamentos. Por exemplo, se a prática do
aborto ou da eutanásia é um costume socialmente difuso, se consegue a
legitimidade moral. “A bioética se dissolve em uma ética dos costumes sociais e do
comportamento da coletividade” (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
Sgreccia (2007) conclui dizendo que se alguns componentes culturais são
sujeitos à evolução, mas que é verdade que o homem permanece homem, diferente
em sua natureza de qualquer outro ser vivo, e nem soam falsas ou verdadeiras ao
mesmo tempo as leis do ser, da ciência e da moral.
D) Modelo subjetivista ou liberal-radical
Para os subjetivistas, valores e normas não surgem da constatação dos fatos,
mas são criados pelo sujeito, ou seja, é o sujeito que reconhece valores e determina
os princípios e as normas do agir. O homem é, neste sentido, o critério absoluto para
discriminar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso. A fundação moral última é,
portanto, a decisão arbitrária do sujeito (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
Assim, o que prevalece neste modelo bioético, é o princípio da autonomia do
sujeito. Cada escolha é arbitrária, ditada pelo sujeito, e a fundação moral última é a
2. Revisão da literatura 33
liberdade. O sujeito decide o que é bom ou ruim para si mesmo (LUCATO; RAMOS,
2009).
No subjetivismo “o fundamento do ato moral não está na razão de reconhecer
os valores, pois é a vontade que determina os valores” (PALAZZANI; SGRECCIA,
1992). O único fundamento do agir moral é a escolha autônoma. Um ato de vontade
é um ato individual, e por isso, em uma perspectiva antropológica, leva ao
individualismo. Esta fundação conduz, no plano moral, ao relativismo, já que não há
“controle” para uma determinada decisão, somente a própria vontade do sujeito.
O sujeito decide como viver moralmente e, ainda, se deseja viver. A vida
moral se torna uma espécie de atitude que o indivíduo pode escolher se aceita ou
recusa. Os valores e as verdades desta ética são criados. “A razão aceita e assume
como verdade o conteúdo do ato da vontade e, portanto, o papel da razão fica
subordinado à escolha de um valor irracional” (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
No âmbito das questões bioéticas existe uma exaltação da autonomia e da
liberdade radical. Este modelo leva à supervalorização do “eu”, que implica na
negação do próximo. Se exalto minha própria liberdade, nego o reconhecimento da
liberdade do outro. A liberdade é, então, para quem pode fazê-la valer (SGRECCIA,
2007).
Este modelo encontra-se em dificuldade quando é necessário que se
proponha uma norma social, pois como o que vale é a autonomia do sujeito e a
liberdade radical, não há como não haver prejuízo a alguns (como nos casos dos
embriões, fetos, anciãos – que, neste sentido, são vulneráveis, ou seja, não
possuem autonomia moral) (LUCATO; RAMOS, 2009).
2. Revisão da literatura 34
E) Modelo pragmático-utilitarista
O modelo utilitarista propõe sua justificação moral com base na utilidade
individual, fazendo uso do critério de maximização do prazer e a minimização da dor
ao maior número de indivíduos. Ou seja, o cálculo da felicidade acontece a partir da
consideração da utilidade social das pessoas. A utilidade social prevalece em
relação à utilidade individual (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
Esta é uma reflexão que prevalece principalmente nos países anglo-
saxônicos, e é uma das normas que mais influenciam a reflexão bioética
contemporânea, pois propõe uma maior adaptação à justificação da escolha moral
no plano público e coletivo (LUCATO; RAMOS, 2009).
O modelo, como diz Urban (2003), parte da idéia de que não existe verdade
absoluta para o intelecto humano, e por isso, não existe uma moral absoluta válida
para todos ao mesmo tempo.
Como escolher, por exemplo, quem deve ocupar um leito de hospital, quando
há somente uma vaga e dois pacientes, sendo um deles uma criança e o outro um
senhor de 70 anos? Sob a ótica utilitarista, ocuparia o leito, quem pudesse ser mais
útil para a sociedade, ou seja, a criança (LUCATO; RAMOS, 2009).
O cálculo dos interesses não é estruturalmente previsível, não existe um
critério objetivo definido, e, portanto, não é aplicado de modo igualitário
(PALAZZANI; SGRECCIA, 1992). Se no caso do exemplo acima, o senhor de 70
anos fosse o Presidente da República, provavelmente a escolha da ocupação do
leito se daria de outra maneira.
Mas, este modelo não deveria comparar bens não-homogêneos entre si,
como os custos com o valor de uma vida humana (SGRECCIA, 2007).
2. Revisão da literatura 35
A aplicação da fundação ética utilitarista à bioética conduz a redução da
categoria de pessoa ao ser que é capaz de “sentir”. Sobre estes parâmetros é
elaborado o conceito de “qualidade de vida”, que é justamente avaliada em relação à
minimização da dor e também dos custos econômicos (SGRECCIA, 2007). Neste
sentido, não são considerados os seres “não senscientes”, ou seja, que não têm
capacidade de sentir, como os embriões (ao menos até o estágio de formação das
terminações nervosas) ou os seres humanos em coma vegetativo; nem os seres que
sofrem, e que para muitos, provocam mais dor que alegria - como os deficientes e
os fetos mal-formados.
“Este modelo não renega a ótica individualista, mas é pensado como uma
possibilidade de ética pública, enaltecendo a relação custo-benefício, através da
escolha do que é melhor para a sociedade” (LUCATO, RAMOS, 2009).
F) Moral secular ou Contratualismo
Tristam Engelhardt é o pensador deste modelo libertário que valoriza o
princípio da autonomia (que foi mais tarde designado pelo autor como de
“permissão” ou de “consentimento”) (NEVES; OSSWALD, 2007).
Os mesmos autores escrevem que Engelhardt considerada que não existe
qualquer autoridade ou norma de ação que se sobreponha a outra, visto que hoje
estamos diante de um amplo pluralismo moral. E já que o poder de decisão não
deriva de qualquer crença comum, só pode derivar de um acordo entre pessoas
iguais através do diálogo racional e esclarecido, para que algumas normas tenham
valor perante todos.
2. Revisão da literatura 36
Este modelo também é uma orientação relacionada à ética pública, e
reconhece, na sua essência, a estipulação de um contrato entre os cidadãos. Sua
razão última se encontra neste acordo convencional, estipulado pelos indivíduos que
fazem parte de “comunidade moral” (PALAZZANI; SGRECCIA, 1992).
Assim o juízo moral não é interferido pelos fatos, mas pelo acordo firmado
pelos indivíduos. Retorna-se, então, para o elemento da vontade, com uma
diferença: a escolha não é arbitrária e de um único indivíduo, mas é rejeitada ou
aceita através deste acordo, que pressupõe o consenso e a co-divisão (LUCATO;
RAMOS, 2009).
De acordo com Engelhardt (2004), a aplicação do contratualismo em bioética,
de um lado mostra a tentativa de entrar no debate público fornecendo diretivas de
ações no âmbito social, mas de outro, apresenta caráter fortemente redutivo em
relação ao reconhecimento do valor da pessoa humana. Se a moral se funda em um
contrato dos membros da comunidade moral, possui valor pessoal quem tem o
status de pessoa em tal comunidade, pois a capacidade de estipular um acordo
pressupõe a capacidade de autodeterminação, de exercício racional e a capacidade
de atribuição de um senso moral.
O mesmo autor considera que para se envolver no discurso moral,
participando do contrato social, os indivíduos devam ser: autoconscientes (refletir
sobre si mesmos); racionais (capazes de conceber regras de ação para si mesmos e
para os outros); possuir sentido moral (interpretar a noção de merecimento de
acusação ou elogio); e livres. Somente assim, um indivíduo pode ser considerado
pessoa. E como nem todos os seres humanos são autoconscientes, racionais ou
livres, nem todos são pessoas. “Os fetos, os bebês, deficientes mentais e aqueles
2. Revisão da literatura 37
que se encontram em coma, sem possibilidade de recuperação, são humanos, mas
não pessoas. São membros da espécie humana, mas não desfrutam por si mesmos,
uma posição na comunidade moral secular”.
Para esta linha de pensamento, então, é imoral não respeitar a liberdade e a
autonomia das pessoas (sendo considerados “pessoas” somente os seres humanos
participantes da comunidade moral).
G) Modelo fenomenológico
Sgreccia (2007) escreve que a ética fenomenológica se apresenta
principalmente com M. Scheler e N. Hartmann. Ela apresenta uma abertura
intencional e intuitiva aos valores éticos.
Ao indivíduo é reconhecida a capacidade perceptiva dos valores – é
emocional o sentimento que consente a instituição dos valores. Esta ética admite a
capacidade emotiva na natureza do homem, de percepção objetiva dos valores. No
entanto, a moral fenomenológica se limita a ser uma moral de valores. Os valores
necessitam de uma fundação prévia, afinal a capacidade de perceber os valores
acontece em uma pessoa. Falta, portanto, uma fundação metafísica (PALAZZANI;
SGRECCIA, 1992).
Também a teoria pensada pelo espanhol Diego Gracia – ética formal dos
bens - faz parte do panorama fenomenológico. Gracia faz em sua obra, um percurso
histórico-filosófico da reflexão ética no campo biomédico, segundo o qual se chega
aos princípios do modelo principialista (RAMOS; JUNQUEIRA, 2007).
2. Revisão da literatura 38
Este pensamento é baseado no modo como se apreende a realidade. Ramos
e Junqueira (2007) exemplificam: eu conheço uma cor qualquer, e tenho a
impressão de que ela é real. Na verdade, esta cor não existe, pois a física
demonstrou que ela é formada através da união de ondas eletromagnéticas e fótons,
sendo apenas o fundamento da apreensão desta cor.
A partir do conhecimento do que seja o real, a razão deve elaborar conceitos
para julgar as ações, com caráter provisório, sendo o único critério de escolha o da
felicidade, da própria felicidade e de todas as pessoas (RAMOS; JUNQUEIRA,
2007).
Os mesmo autores afirmam que Gracia apresenta um método de reflexão
bioética – a “bioética mínima” – que indica que o mínimo que deveria ser aceito por
todos, pelo simples fato de sermos pessoas, e vivermos em sociedade. Ele parte do
referencial teórico, que é a lei moral, e acrescenta princípios, conseqüências das
ações e a tomada de decisões.
No Brasil, vários outros modelos de bioética também surgiram a partir da
década de 1990, e são assunto do próximo capítulo. Hoje, segundo Neves e
Osswald (2007), os bioeticistas estão tentando entrar em consenso através da
construção de um suporte teórico bioético unitário, que serviria como um modelo
global. Seguindo os próximos passos desta ciência para que poder-se-á fazer uma
análise crítica de todo seu desenvolvimento, o que inclui a teorização através de
seus modelos.
2. Revisão da literatura 39
2.1.2 Bioética no Brasil
A compreensão do que seja a bioética no Brasil, segundo Anjos (2007) se
insere em um “contexto móvel, plural, rico de contribuições, e ainda cheio de
tensões teóricas e de interesses”. A bioética resulta de uma união de forças que se
somam para construí-la. E este é o sentido assumido dentro da Sociedade Brasileira
de Bioética.
É possível falar em nascimento da bioética para se referir a fatos e aos
momentos mais significativos que marcaram o início da formação desse território,
dessa disciplina. Algumas instituições e iniciativas concretas que impulsionam esta
reflexão podem ser identificadas no contexto brasileiro (ANJOS, 2007).
A bioética, como já escrito, surge como neologismo no início da década de
1970, nos Estados Unidos. Nesta época, o Brasil passava por um momento de
“regime político de exceção”, e a liberdade democrática passava por grandes
restrições. Já na segunda metade da década de 80, um movimento civil de
reivindicação por eleições presidenciais diretas – “Diretas já” - e a consequente
redemocratização ocorrida no país, abriram os debates no âmbito de toda a
sociedade (HOSSNE; ALBUQUERQUE; GOLDIM, 2007).
No final desta mesma década, observa-se uma movimentação social intensa
com a promulgação de Constituição de 1988 (a Carta Magna) que, entre outras
coisas, implementou o Sistema Único de Saúde – resultado da 8ª Conferência
Nacional de Saúde, que aconteceu em Brasília em 1986. Também houve a criação
de conselhos de controle social, como o Conselho Nacional de Saúde, com
2. Revisão da literatura 40
atribuições importantes. Nesta época, ainda, foi revisto o Código de Ética Médica -
que incorporou os princípios da beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça
– e também os Códigos de Ética de diversas áreas da saúde (como o Código de
Ética Odontológica, revisto pela penúltima vez, em consonância com as alterações
sócio-culturais dessa época, em 1991) (HOSSNE; ALBUQUERQUE; GOLDIM,
2007).
Sakaguti (2007) escreve que em 1988, as primeiras normas nacionais sobre
ética em pesquisa foram estabelecidas (refletindo a movimentação bioética que
começava a surgir no país), através de uma iniciativa do próprio Conselho Nacional
de Saúde, e também pela ação de médicos e pesquisadores de todo o país. Foi
elaborada a Lei 1/88, que instituía a criação dos Comitês de Ética em Pesquisa
(CEPs).
Mas a bioética no Brasil, que possui pouco mais de quinze anos de vida,
adquiriu perspectiva orgânica e acadêmica a partir do início dos anos 90. Nesta
época se formaram grupos associativos, como núcleos, sociedades, comitês, grupos
de estudo, e ainda foram publicados os primeiros periódicos reservados à discussão
bioética no âmbito das ciências da vida e da saúde (PESSINI; BARCHIFONTAINE;
PRADO, 2007).
Segundo os mesmo autores a bioética brasileira tem o desafio de lidar com
“problemas persistentes”, que nascem das desigualdades sociais, e com “problemas
emergentes”, que surgem a partir da revolução biotecnológica que interferem na vida
e na saúde das pessoas e da sociedade.
Em 1995, é promulgada a Resolução 170/95 do Conselho Nacional de Saúde
que constituiu um Grupo Executivo de Trabalho (GET) que tinha como objetivo
2. Revisão da literatura 41
coordenar o processo de elaboração de novas normas para pesquisa com seres
humanos. Este grupo tinha natureza multidisciplinar, tendo sido constituído por
representantes de diversas áreas da comunidade científica, da sociedade, de
setores ligados à bioética, de usuários do Sistema Único de Saúde, da área jurídica,
de movimentos religiosos e de direitos humanos, bem como da indústria e de órgãos
responsáveis do Ministério da Saúde. O Grupo Executivo de Trabalho constatou
que não havia adesão à Resolução 1/88, já que das vinte e seis instituições
universitárias que realizavam pesquisa com seres humanos, somente uma possuía o
Comitê de Ética em Pesquisa. Além disso, não existia um sistema para acompanhar
a organização e o funcionamento destes comitês. Assim, em 10 de outubro de 1996,
o Conselho Nacional de Saúde promulga a Resolução 196/96 que foi criada através
de uma ação conjunta entre governo e sociedade civil. Esta resolução foi baseada
em documentos internacionais que normatizam a pesquisa com seres humanos e é
uma das diretrizes com maior preocupação no controle social desse tipo de pesquisa
(SAKAGUTI, 2007).
A Resolução 196/96, então, estabelece normas para a realização de pesquisa
com seres humanos afirmando que: somente as pesquisas com possibilidades de
conhecimento para prevenir aliviar ou tratar problemas que dizem respeito às
pessoas participantes ou não da pesquisa, podem usar seres humanos em seu
conteúdo. O texto apresenta a preocupação de proteger o sujeito da pesquisa
afirmando que a pesquisa deve apresentar benefícios iguais ou maiores àqueles
associados aos tratamentos alternativos já conhecidos; a resolução também
conceitua pesquisa com seres humanos. E, ainda, esclarece o campo dessa
atividade - que não está relacionado somente às intervenções feitas diretamente
sobre a pessoa, mas também de forma indireta, como a realização de questionários
2. Revisão da literatura 42
ou a utilização de prontuários médicos, por exemplo. A resolução estabelece que
todo protocolo de pesquisa com seres humanos deve ser submetido a um Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP), e que a pesquisa poderá ser iniciada mediante aprovação
de tal protocolo (RAMOS, 2007).
Os Comitês de Ética em Pesquisa são colegiados interdisciplinares que
possuem a função de consultores e educadores no âmbito institucional. Estes
comitês devem existir nas instituições que realizam pesquisa envolvendo seres
humanos no Brasil. Suas ações são voltadas à proteção dos sujeitos de pesquisa
em relação à sua integridade e dignidade e também ao desempenho ético das
pesquisas. Estes colegiados são coordenados pela CONEP (Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa), que atua no controle do sistema nacional avaliador das
investigações (MELO; JUNQUEIRA, 2007).
O Sistema CEP-CONEP exerceu uma grande influência na consolidação da
bioética no Brasil. Este sistema trata, portanto, de aspectos relativos a
experimentação com seres humanos no país, assim como a organização,
funcionalidade e competências destas instituições, que devem avaliar a eticidade de
projetos de pesquisa envolvendo seres humanos (HOSSNE; ALBUQUERQUE;
GOLDIM, 2007; RAMOS, 2007).
Segundo Hossne, Albuquerque e Goldim (2007):
“Este sistema deu um enorme impulso a bioética como um todo ao trazer a reflexão sobre os referenciais da bioética para uma rede ampla de comitês; provocava ao mesmo tempo por parte dos pesquisadores, de seus patrocinadores das pesquisas, das instituições de pesquisa como um todo, e dos próprios sujeitos de pesquisa, um conhecimento sobre os referenciais de bioética. (p. 151)”
2. Revisão da literatura 43
Estes autores concluem que é inegável que este sistema tenha colaborado
para a disseminação da bioética no Brasil.
Nesta época já havia no país, várias instituições e grupos de estudo reunidos
em torno do diálogo sobre questões de bioética. Em São Paulo, por exemplo, os
Camilianos em parceria com entidades hospitalares e instituições universitárias,
realizaram uma série de quatro eventos anuais de Bioética e Saúde, no início e em
meados dos anos 90. Grande parte da produção científica desses congressos foi
publicada na revista O Mundo da Saúde (PESSINI; BARCHIFONTAINE; PRADO,
2007).
Importante também, neste contexto, é o surgimento da Sociedade Brasileira
de Bioética, criada em agosto de 1992, e que inicialmente contava com apenas sete
pessoas. Em 1995 foram aprovados seus estatutos e eleita sua primeira diretoria,
quando já contava com 30 membros. Em 1996 esta entidade realizou o 1°
Congresso Brasileiro de Bioética em São Paulo, onde foi dedicado um período para
a discussão daquela que veio a ser a Resolução 196/96 (HOSSNE;
ALBUQUERQUE; GOLDIM, 2007).
Pessini (2008) escreve que a criação da Sociedade Brasileira de Bioética fez
a bioética entrar institucionalmente e formalmente no Brasil. Seu primeiro presidente
foi o Prof. Dr. William Saad Hossne e sua missão é colaborar na difusão da bioética
no país.
Hossne, Albuquerque e Goldim (2007) relatam que, a partir do primeiro
congresso nacional, foram realizados outros seis e o número atual de associados,
provenientes de diferentes áreas do conhecimento e práticas profissionais, é de
2. Revisão da literatura 44
aproximadamente 700. A SBB tem sede própria em Brasília e edita, desde 2005, seu
próprio periódico – a Revista Brasileira de Bioética (RBB).
O segundo congresso organizado pela Sociedade Brasileira de Bioética foi
realizado em Brasília em 1998, com o tema A Bioética do Século XXI. O terceiro
aconteceu em Porto Alegre, no ano de 2000. O quarto foi realizado em 2002, em
Brasília (Congresso Mundial de Bioética) e contou com ampla participação, tendo
sido um evento internacional de bioética de grande porte (HOSSNE;
ALBUQUERQUE; GOLDIM, 2007). O tema deste congresso foi Bioética, Poder e
Injustiça, e segundo Pessini, Barchifontaine e Prado (2007), este foi o marco de
“início da fase adulta da bioética brasileira”.
Segundo informações do site da Sociedade Brasileira de Bioética
(http://www.sbbioetica.org.br/), o quinto congresso foi realizado em Recife e seu
tema central foi “Bioética e cidadania”. O sexto aconteceu em Foz do Iguaçu, em
2005, com o tema “Bioética, meio ambiente e vida humana”. E o último deles foi
realizado na cidade de São Paulo, com o tema “Bioética – construção social e paz”
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA, 2006).
Uma iniciativa de intercâmbio entre países é a realização dos Encontros Luso-
Brasileiros de Bioética (já aconteceram cinco congressos) (PESSINI;
BARCHIFONTAINE; PRADO, 2007).
Sobre o Conselho Federal de Medicina, Hossne, Albuquerque e Goldim
(2007) escrevem que já no início dos anos 90 foi uma entidade que demonstrou
interesse pela bioética. Este conselho editou a primeira revista nacional da área a
partir de 1993, o periódico Bioética, com o “objetivo de despertar a reflexão e o
debate sobre as questões éticas em nosso país, particularmente a ética na saúde”.
2. Revisão da literatura 45
Até recentemente, esta revista era a única no país destinada, exclusivamente, a
temas dessa área. Esta publicação tem seu editorial com representantes de diversas
áreas do conhecimento, e cada número traz simpósios de temas relevantes da
atualidade. Em 1998, este conselho editou um livro intitulado Iniciação à bioética,
escrito com a participação de diversos bioeticistas brasileiros, demonstrando mais
uma vez, sua importância no desenvolvimento da bioética no país.
Hossne, Albuquerque e Goldim (2007) fazem uma relação de instituições que
apóiam o desenvolvimento da bioética no Brasil. Dentre elas está o Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq) que desde 1990 manifestou interesse na área
estabelecendo contatos com bioeticistas com objetivo do fomento a pesquisa. Em
2004, foi estabelecido um adequado tratamento aos projetos de pesquisa em
bioética, com a abertura a solicitações de apoio a pesquisas na área.
Hoje, estão cadastrados no Conselho Nacional de Pesquisas 163 grupos de
pesquisa em bioética, relacionados às mais diferentes áreas - saúde coletiva,
odontologia, direito, medicina, enfermagem, educação física, educação, psicologia,
filosofia, genética, farmácia, teologia e sociologia (CNPq, 2008).
Dando continuidade às instituições que apóiam a bioética, Hossne,
Albuquerque e Goldim (2007) citam os Comitês de Bioética, que estão localizados
em algumas unidades universitárias e atuam em hospitais. Um exemplo de comitê
de bioética encontra-se no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Este comitê foi criado no dia 21 de maio de 1996, e é composto por membros
do hospital e também da sociedade civil. A comissão tem, dentre suas atividades, a
produção de pareceres específicos relativos à reprodução assistida, ao
prolongamento de vida e à redução embrionária, por exemplo. Estes pareceres são
2. Revisão da literatura 46
voltados ao corpo clínico e ao pessoal da administração do hospital (PESSINI,
2008).
Hossne, Albuquerque e Goldim (2007) escrevem ainda sobre os Núcleos de
Bioética que reúnem pessoas interessadas no estudo e discussão de temas
relacionados à área. Afirmam que “alguns deles se desenvolveram de tal forma a se
constituírem como associações municipais e/ou estaduais, filiadas à Sociedade
Brasileira de Bioética”.
Um exemplo de núcleo de bioética é o Núcleo Interinstitucional de Bioética da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que teve início a partir da criação da
Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde, vinculada ao grupo de Pesquisa e Pós-
Graduação do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Esta comissão tem
responsabilidade sobre a avaliação e acompanhamento éticos das pesquisas
realizadas nesta universidade. Neste núcleo, as atividades de ensino tiveram início
em 1990, quando foi realizado um curso intensivo de bioética no hospital, com a
participação do Prof. Roberto Veach, do Kennedy Institute os Etichs. Em 1994, o
curso de pós-graduação em medicina incluiu a disciplina de bioética em seu
currículo (PESSINI, 2008).
Outro núcleo de bioética importante é o Núcleo de Bioética da Universidade
de Londrina (UEL), que avalia todos os protocolos de pesquisa da universidade, bem
como, coordena a disciplina de bioética no curso de graduação de medicina. O
núcleo ainda promove seminários, palestras e jornadas de bioética (PESSINI, 2008).
Hossne, Albuquerque e Goldim (2007) escrevem também sobre outra
instituição relacionada à bioética, a ANIS (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e
2. Revisão da literatura 47
Gênero). Esta instituição é não-governamental, tem sede em Brasília e desenvolve
suas atividades desde 1999.
A ANIS promove o ensino da ética e da bioética, através do estudo de temas
como direitos humanos e feminismo. Procura promover e assegurar os direitos
fundamentais das mulheres, da bioética feminista e da justiça entre os gêneros
(ANIS, 2008).
Outra entidade de destaque na área da bioética nacional está a Cátedra
UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, que se iniciou com o Núcleo de
Estudos e Pesquisa em Bioética (NEPeB). Este núcleo foi criado em 1994, e hoje
compõe o Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade
de Brasília (UnB), juntamente com outros 23 núcleos temáticos; surgiu em
decorrência do Programa de pós-graduação desenvolvido entre 1991 e 1993 pelo
Professor Volnei Garrafa, e foi o pioneiro na área de bioética, sendo reconhecido
formalmente como Grupo Consolidado de Pesquisa junto ao CNPq. Seu
reconhecimento culminou com a criação da Cátedra Unesco de Bioética da
Universidade de Brasília, que se destacou na elaboração da Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco (CÁTEDRA UNESCO DE BIOÉTICA,
2008).
“A Cátedra tem como característica principal o reconhecimento e o respeito
ao pluralismo moral que vigora entre os diferentes países e sociedades humanas no
século XXI”. E seus principais objetivos são: o ensino e o desenvolvimento de
pesquisas na área da bioética, para sua difusão no país e também no exterior
(CÁTEDRA UNESCO DE BIOÉTICA, 2008).
2. Revisão da literatura 48
Pessini, Barchifontaine e Prado (2007) citam a Sociedade Brasileira de
Teologia Moral, que tem promovido, nos últimos anos, eventos específicos em que
questões de bioética são discutidas. Dentre os pesquisadores está Márcio Fabri dos
Anjos, do Instituto Alfonsianum, em São Paulo, que trabalha com “questões de
bioética teológica a partir de um mundo da exclusão”.
Outra instituição com grande relevância em bioética, mais especificamente
em bioética personalista, é o Centro de Bioética da Amazônia (CBAM). Esse centro
tem sede no Centro de Cultura e Formação Cristã (CCFC), em Belém do Pará. O
centro tem como finalidade estudar, pesquisar e promover a discussão sobre temas
relacionados à bioética, com o desenvolvimento de atividades para acadêmicos e
também para a sociedade em geral, através da promoção e da defesa da cultura da
vida, da afirmação da dignidade da pessoa humana, da contribuição na
disseminação do personalismo ontológico e da reflexão sobre os problemas
contemporâneos à luz de uma perspectiva personalista. O centro também incentiva
pesquisas e promove iniciativas que visam acesso cultural e educacional, como
congressos, simpósios, seminários e cursos de extensão, aperfeiçoamento e pós-
graduação (CENTRO DE BIOÉTICA DA AMAZÔNIA, 2006).
2.1.2.1 Ensino de Bioética no Brasil
2. Revisão da literatura 49
Outro tipo de movimento provocou a entrada da bioética no Brasil – o ensino
da bioética. Hossne, Albuquerque e Goldim (2007) relatam que na década de 90
assistiu-se a um duplo movimento: de um lado, professores de medicina legal e ética
médica tentavam desvincular a ética da medicina legal, com objetivo de mostrar a
importância das duas atividades (caminhando então para a bioética); do outro lado,
no Ministério da Educação, mais especificamente na Comissão de Especialistas de
Ensino Médico, professores atuantes na área da ética e da bioética, elaboraram as
diretrizes curriculares da área médica, recomendando a criação de um espaço
próprio para a ética, de preferência bioética, na grade curricular.
Sobre a bioética, Azevêdo (1998b) escreve:
“Idéias, reflexões e análises que ofereçam padrões do que é bom e do que é ruim, do que é certo e do que é errado, à luz dos valores morais vigentes, estão se tornando parte integrante da formação profissional nas áreas da biologia, saúde, ambiente, direito, economia e comunicação, entre outras” (AZEVÊDO, 1998b. p.128).
Anjos (2007) diz que as iniciativas e instituições responsáveis pelo início da
bioética privilegiaram o processo pedagógico, incentivando a reflexão com a
formação de grupos de estudo e construção de diretrizes. “Estes passos parecem ter
sido decisivos para garantir o avanço em uma direção eminentemente ética”.
Hoje aparecem questões de ordem curricular, como o cuidado para que a
bioética não apareça como novo nome de disciplinas que já existiam anteriormente,
como aquelas encarregadas dos aspectos legais das profissões. O desafio maior da
bioética na relação com o ensino se refere à formação do sujeito, ou seja, que o
aluno se torne capaz de refletir e participar do discernimento ético de sua área de
atuação (ANJOS, 2007).
2. Revisão da literatura 50
A Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, atenta ao perfil
traçado pela Associação Brasileira de Ensino Odontológico (ABENO), que orienta na
formação de um profissional generalista, humanista, crítico e reflexivo, criou, em
2004, a disciplina de bioética em seu curso de graduação. Esta disciplina é
semestral, possui carga horária de 45 horas e tem o objetivo de treinar o aluno para
o reconhecimento de conflitos éticos, bem como uso de senso de responsabilidade e
obrigação moral ao tomar decisões relativas à vida humana (FACULDADE DE
ODONTOLOGIA DA USP, 2004).
No entanto, segundo artigo de Musse et al. (2007), no que concerne ao
ensino da bioética nos cursos de graduação em odontologia, os autores
encontraram o seguinte resultado: de 45 Faculdades de Odontologia no estado de
São Paulo, somente quatro apresentam em seu currículo a disciplina de bioética.
Estes autores concluem que é necessário que esta disciplina seja incrementada no
conteúdo programático dos cursos de odontologia para que uma reflexão crítica dos
acadêmicos frente a dilemas éticos seja feita no sentido de ajudá-los na construção
de conceitos para incrementar a prática de sua futura atividade profissional.
Em relação à pós-graduação, diante da demanda de pessoas interessadas na
área, vários grupos de instituições acadêmicas criaram cursos de especialização ou
pós-graduação latu sensu em bioética, que já formaram alunos de diversas áreas do
conhecimento. Encontram-se cursos em diversas regiões do país, como São Paulo,
Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, mostrando a
expansão da bioética (HOSSNE; ALBUQUERQUE; GOLDIM, 2007).
Os mesmos autores escrevem que muitas teses de mestrado e doutorado têm
sido escritas na área de bioética, em cursos de pós-graduação de diversos
2. Revisão da literatura 51
programas, especialmente os voltados às Ciências da Saúde. Hoje no Brasil, existe
um programa de pós-graduação específico da área, recomendado pela CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), no Centro
Universitário São Camilo. Até junho de 2007, este centro contava com 27
dissertações defendidas e aprovadas.
O Centro Universitário São Camilo produziu o primeiro texto didático de
bioética para profissionais da saúde no Brasil, em 1987, intitulado originalmente
Bioética e Saúde. Hoje, este livro está em sua 8ª edição, se intitula Problemas Atuais
de Bioética, e tem autoria de Léo Pessini e Christian de Paul Barchifontaine
(PESSINI; BARCHIFONTAINE; PRADO, 2007).
Nos cursos de pós-graduação em odontologia a necessidade da disciplina foi
percebida e, em 2005, através da Resolução do Conselho Federal de Odontologia
número 066, uma carga horária de 15 horas de bioética foi introduzida nos cursos de
especialização “latu sensu” (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, 2005).
2.1.2.2 Modelos de bioética criados no Brasil
Segundo Anjos (2007) a bioética se desenvolve no Brasil e participa de
diversos problemas que explicam o aparecimento dos diversos modelos pelos quais
ela é constituída. Na área da saúde, é inegável que no Brasil, assim como nos
2. Revisão da literatura 52
países anglo-saxões, o principialismo marca o início dos estudos da disciplina. Mas
se percebeu que seria necessário ir além do principialismo, com objetivo de buscar
conceitos e referenciais correspondentes à realidade do Brasil e do mundo.
O mesmo autor afirma que o desequilíbrio deste modelo começa a acontecer
quando surgem questões importantes relacionadas ao contexto do nosso país, como
por exemplo: o Brasil é marcado por desigualdades, marginalização e desamparo
social, e muitos não têm como utilizar o princípio da autonomia. As críticas a este
modelo e o diálogo com outros enfoques, como os da Europa Ocidental, fazem parte
de um processo que propõe uma verdadeira mudança da concepção de bioética no
país.
Muitos problemas para a bioética brasileira são identificados como
historicamente persistentes, segundo Anjos (2007), e remetem para desafios de um
enfrentamento social que seja decidido. O mesmo autor diz, ainda, que as propostas
do Brasil têm ajudado a evidenciar as dimensões política e econômica desta
disciplina e seus correspondentes desafios.
Anjos (2007) lembra de quatro grupos de esforços da bioética no Brasil,
sendo eles:
- os estudos que mostram as origens, instituições e métodos da bioética, com
o aprofundamento do principialismo, especialmente na compreensão da autonomia
dos sujeitos e no respeito aos vulneráveis; e o desdobramento, neste sentido, da
bioética aplicada nas áreas de atuação profissional e em procedimentos clínicos e
pesquisas;
- a busca da metodologia e fundamentações adequadas no entendimento da
bioética em âmbito da sociedade, no enfrentamento das injustiças sociais; a
2. Revisão da literatura 53
explicitação de princípios e atitudes, com a dignidade humana, a responsabilidade,
cuidado e reciprocidade;
- o esforço da sistematização da bioética no caminho do ensino-
aprendizagem;
- o desenvolvimento da bioética aplicada a tópicos específicos, como a
questão ambiental e problemas de injustiça, e, ainda, questões emergentes com
origem nos avanços tecnológicos e de transformações culturais.
A consideração, portanto, de extrema desigualdade social, segundo Siqueira,
Porto e Fortes (2007), impulsionou os bioeticistas brasileiros a formularem propostas
que melhor atendessem aos dilemas morais do Brasil.
Os mesmos autores escrevem que em 1995, com a criação da Sociedade
Brasileira de Bioética e com a implementação da disciplina de bioética em cursos de
pós-graduação, houve o favorecimento necessário para o desenvolvimento da
reflexão bioética no país. A partir de então surgiram neste cenário, de acordo ainda
com os autores, seis escolas de pensamento que vêm emergindo. São elas:
A) Bioética de Reflexão Autônoma
Seus autores são Marco Segre e Cláudio Cohen, e seus estudos geraram o
livro Bioética (SEGRE; COHEN, 2002). A primeira edição do livro é de 1995. Estes
autores defendem o “pressuposto que a eticidade das ações humanas está
condicionada à percepção dos conflitos da vida psíquica”, que é o lugar onde se
manifestam a emotividade e a racionalidade de cada um. Consideram que qualquer
decisão tomada no âmbito moral deve se submeter à análise pessoal do ser humano
2. Revisão da literatura 54
afetado, e qualquer proposição advinda de outra fonte, constitui negação da
autonomia do sujeito. Consideram também que a ética deve ser manifestação
predominantemente da pessoa, e, portanto, qualquer instrumento normativo terá
valor somente após “livre análise e acolhimento pessoal do sujeito”. Acredita-se que
a bioética de reflexão autônoma seja um instrumento de aperfeiçoamento da ética
codificada (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
Os autores deste modelo completam seu pensamento dizendo que crêem que
o princípio fundamental da ética deve passar pelo respeito ao ser humano como
sujeito autônomo e atuante:
“[...]consideramos os problemas éticos como conflitos que devem ser vivenciados pessoalmente, dependendo da estrutura do indivíduo, arrastando consigo conceitos e ideais sociais introjetados e elaborados ao longo da vida” (SEGRE; COHEN, 2002. p. 23).
B) Bioética de Proteção
O principal representante desta escola é o filósofo Fermin Roland Schramm,
que identifica na origem filológica do conceito ethos o conceito de “abrigo para
acolher o ser humano contra ameaças de terceiros ou ameaças naturais,
alcançando o sentido pleno de proteção”. Quando se aplica às questões de saúde
pública, esta bioética oferece propostas concretas para a tomada de decisão no
âmbito dos direitos à cidadania. Considera a justiça como equidade, sendo justo que
o sistema de saúde privilegie os menos favorecidos a fim de se diminuírem as
diferenças que existem na sociedade. E propõe como componente essencial das
funções do Estado, o reconhecimento da qualidade de vida através do amparo aos
excluídos (SIQUEIRA, PORTO, FORTES, 2007).
2. Revisão da literatura 55
“El principio de protección está em el fundamento del Estado mínimo que reconoce su obligación de cautelar la integridad física y patrimonial de sus ciudadanos... Entendemos por proteción la actitud de dar resguardo o cobertura de necesidades esenciales, es decir, aquellas que deben ser satisfechas para que el afectado pueda atender a otras necesidades u otros intereses [...]. La ética de protección debe ser entendida como um compromiso práctico sometido a alguna forma de exigência social, con lo cual la protección se vuelve um principio moral irrevocable, puesto que agentes afestados, tareas y consecuencias deben ser definidos” (SCHRAMM; KOTTOW, 2001. p. 950-955).
C) Bioética de Intervenção
Os principais autores desta linha de pensamento atuam no Núcleo de
Pesquisa da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, e destacam-
se entre eles, Volnei Garrafa, Dora Porto e Mauro Machado do Prado. Esta reflexão
considera como campo de atuação a dimensão social, a partir da percepção das
desigualdades sociais que impactam a realidade brasileira e a exclusão da maioria
dos brasileiros das condições que caracterizam qualidade de vida. É imprescindível,
então, que se fortaleça a “noção de pertencimento” de uma mesma sociedade,
partilhada por todos. A bioética de intervenção busca uma aliança com o lado mais
frágil da sociedade, apontando para uma intervenção que deve estar orientada para
os vulneráveis, e preconiza a priorização de políticas públicas que privilegiem o
maior número de pessoas durante o maior espaço de tempo possível, e que
resultem o bem comum, ou seja, em uma melhor consequência para a coletividade,
promovendo, assim, a equidade (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
A bioética de intervenção elege como valor universal para pautar a ética das
relações “a existência mesma da pessoa, sua vida orgânica e social que na sua
dimensão individual é o maior valor para todas as pessoas”. A intervenção pode ser
medida a partir do corpo das pessoas, relacionando-se diretamente ao fato da
2. Revisão da literatura 56
experiência corpórea ser modulada pelo prazer e pela dor. Para definir o que é
fundamental para a vida de um indivíduo e também da sociedade, e assim estipular
elementos que identifiquem a qualidade de vida, deve-se recorrer a estes
marcadores (dor e prazer), que se tornam “indicadores da intervenção” já que os
mesmos refletem a satisfação (ou não) das necessidades físicas e sociais dos
sujeitos (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
“Um dos pontos centrais desta proposta referencia-se à corporeidade como marco teórico e conceitual da bioética de intervenção, e o prazer e a dor como indicadores da necessidade dessa intervenção” (PORTO; GARRAFA, 2005. p. 115).
“Partindo dessa perspectiva, a bioética de intervenção defende a idéia de que o corpo é a materialização da pessoa, a totalidade somática na qual estão articuladas as dimensões física e psíquica que se manifestam de maneira integrada nas interrelações sociais e nas relações com o ambiente” (PORTO; GARRAFA, 2005. p. 116)
As estratégias de intervenção, a partir da “consideração da corporeidade
como marco da condição de pessoa”, seguem, de acordo com seus autores, os
tratados de Direitos Humanos. A intervenção deve acontecer para preservar os
direitos de primeira geração, como o direito inalienável de sobrevivência física e
social de todo ser humano. E propõe também o reconhecimento dos direitos
econômicos e sociais (de segunda geração) relacionando-os com as condições
essenciais para uma existência com qualidade de vida. Este processo ocorre através
do reconhecimento de três conceitos: a libertação (os direitos essenciais são pré-
requisitos para a qualidade de vida e devem englobar todos os seres humanos); o
empoderamento (idéia que está relacionada com a superação de estigmas que
produzem comportamentos assimétricos nas relações sociais, como cor, raça, sexo,
idade); e a emancipação (é considerada emancipada a pessoa capaz de exercer
plenamente sua cidadania) (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
2. Revisão da literatura 57
“Argumentando pelo reconhecimento do direito coletivo à igualdade e pelo direito de indivíduos, grupos, segmentos à equidade nas garantias legais e no acesso real aos direitos, a bioética de intervenção incorpora o discurso da cidadania expandida, para a qual o referencial da legitimação e aceitação dos direitos não se restringe apenas às garantias asseguradas pelo Estado, mas estende-se à condição inalienável da pessoa, perpassando assim o conjunto das sociedades humanas.” (PORTO; GARRAFA, 2005. p. 118)
D) Bioética e Teologia da Libertação
Esta escola oferece a teologia como protagonista essencial para o diálogo
bioético, e tem como principal pensador o teólogo Márcio Fabri dos Anjos. A bioética
da teologia da libertação busca “responder ao dilema rotineiro dos excluídos da
sociedade brasileira” (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
Os mesmos autores escrevem que a teologia da libertação tem sua atenção
voltada para o sofrimento dos marginalizados socialmente, e fez sua opção pelos
pobres. Foi gerada no continente latino-americano, e defende a dignidade dos
pobres e vulneráveis. Se faz guiada por indicar caminhos para a libertação. Sua
contribuição para a bioética é a de dizer que não bastam iniciativas governamentais
para distribuir os poucos recursos em planos assistencialistas precários, mas exigir
programas permanentes do Estado, na promoção de uma cidadania integral.
E) Bioética Feminista
A bioética feminista apresenta duas vertentes no Brasil: a bioética crítica de
inspiração feminista e a bioética feminista e anti-racista (SIQUEIRA; PORTO;
FORTES, 2007).
2. Revisão da literatura 58
A primeira, segundo os mesmos autores, tem discurso mais universalista e
acadêmico, desenvolvendo estudos relacionados à vulnerabilidade das mulheres
(vistas de forma estereotipadas e marginalizadas). As representantes de maior
visibilidade desta linha são Débora Diniz e Dirce Guilhem, ambas docentes da
Universidade de Brasília. Esta escola critica as relações assimétricas entre os sexos
e suas conseqüências em relação à saúde. Seu foco temático se volta a conflitos
éticos como o de doenças sexualmente transmissíveis e também os relacionados
com novas tecnologias como reprodução humana artificial.
“A bioética feminista, ao mesmo tempo em que reconhece a importância dos princípios liberais da autonomia e da igualdade para bioética, traz para o centro das discussões as questões relacionadas às mulheres, em especial os diferentes aspectos relacionados à reprodução biológica.” (DINIZ; RIBEIRO, 2004. p. 29).
Os mesmos autores escrevem que é pessoa quem pode viver a vida,
considerando “vida” um a priori da definição de pessoa:
... assim como no conceito de pessoa e coisa, a melhor estratégia para definir o conceito de vida humana será pela exclusão de seu contrário: vida humana é tudo aquilo que apenas um ser humano vivo é capaz de experimentar. Ou dito de outra forma: é um ser humano vivo quem não está morto. Esta definição é capaz de considerar a potencialidade de viver a vida como equivalente a estar vivo, sendo possível afirmar que a vida humana é tudo aquilo que apenas um ser humano vivo é capaz de potencialmente experimentar [...]”(p. 74-75).
A outra vertente, a bioética feminista e anti-racista, aprofunda a discussão do
feminismo apontando distinções de vida das mulheres negras e brancas, distinções
estas que decorrem do racismo que marca a sociedade brasileira, relacionando-se
diretamente à situação de pobreza ou riqueza e às desigualdades no acesso de
bens e serviços entre elas. É desenvolvida por Fátima Oliveira, que considera “o
feminino uma visão de mundo libertária”, implicando na proposição do
desenvolvimento do potencial criativo de todas as mulheres para que suas
2. Revisão da literatura 59
capacidades humanas possam ser aproveitadas plenamente. Objetiva assegurar às
mulheres todas as conquistas de cidadania, garantindo-lhes condições de igualdade,
e o desfrute dos direitos humanos (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007).
“A alocação das pessoas segundo classe social, sexo/gênero e raça/etnia se constitui em indicadores que podem ser traduzidos em políticas públicas antidiscriminatórias na área da saúde, da educação, do saneamento, da habitação, da segurança etc.” (OLIVEIRA, 2004. p. 57).
O discurso feminista no debate bioético segundo Siqueira, Porto de Fortes
(2007) se faz evidente quando se considera o conceito de liberdade pessoal das
teorias políticas liberais do Estado. Transfere-se para o modelo democrático a
responsabilidade de tutela das decisões de cada pessoa. Estes autores afirmam que
como os homens ocupam a maior parte das posições de comando do território, as
mulheres, ainda hoje, devem acatar as normas. E que enfoque feminista tem o
intuito de resgatar os direitos humanos das mulheres, e procura voltar as tomadas
de decisões também às mulheres.
F) Bioética de Proteção Ambiental
Esta corrente de reflexão bioética brasileira possui uma linha de pensamento
voltada para a proteção do meio ambiente. Seu principal representante é José
Roques Junges da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, no
Rio Grande do Sul.
A bioética ambiental “analisa criticamente o paradigma sociocultural da
modernidade” que privilegiou o poder de decisão do indivíduo como ser isolado,
enfraquecendo os laços com a comunidade. As relações interpessoais antigamente
eram baseadas em conceitos como a confiança mútua e o compromisso
2. Revisão da literatura 60
comunitário; no entanto, esses valores foram substituídos por normas de mercado.
As conseqüências deste comportamento seriam a exploração irracional dos recursos
naturais e o desenvolvimento das tecnologias com forte impacto no desequilíbrio
ambiental considerado irreversível. Passa a ser necessário compreender a vida
como um todo, integrado, não como simples agregado de partes, mas formado por
uma rede complexa de interdependências.
Estas são, portanto, as linhas de bioética criadas no Brasil mais amplamente
divulgadas em âmbito científico nacional.
2.1.3 Bioética e filosofia
O homem é tentado a fazer tudo aquilo que a ciência e a técnica o oferecem.
Hoje, ele se encontra diante de uma possibilidade desconcertante– o incessante
desenvolvimento da pesquisa científica e da aplicação tecnológica em âmbito
biomédico continua a abrir novas chances de intervenção artificial sobre a vida
humana e não humana. Se estes avanços de um lado consentiram uma caminhada
a passos largos, de outro, abriram um cenário aflitivo no âmbito da experimentação
(PALAZZANI, 1996).
2. Revisão da literatura 61
Pensando nas possibilidades de intervenção sobre a vida (que como já foi dito
é tema específico da bioética) em sua fase inicial, enumeramos a partir dos escritos
de Palazzani (1996) as seguintes: produzir e clonar zigotos e embriões “in vitro” com
o objetivo único de experimentação; a possibilidade de transferir no patrimônio
genético de células somáticas e geminais novas informações; as possibilidades de
“engenharizar” organismos vivos, produzindo características novas ou alterando
aquelas já presentes (e não patológicas); o uso sempre mais difundido e facilmente
acessível das técnicas de fecundação artificial com a produção de embriões
humanos (criopreservados para eventual utilização ou destinados à destruição); a
possibilidade de fecundação interespecífica (produzindo-se híbridos homem-animal,
por exemplo), entre outras.
Em relação às possibilidades de intervenção na fase final da vida humana, a
mesma autora escreve as seguintes: a de substituir mecanicamente determinadas
funções vitais (respiratórias e cardíacas, por exemplo) modificando o curso natural
da doença e prolongando artificialmente a vida; a possibilidade de usar novas
técnicas de reanimação e terapia intensiva; o progresso da cirurgia dos transplantes;
a possibilidade de utilizar novos métodos para controlar ou programar a morte
(retardando ou antecipando-a), a fim de evitar sofrimento e despesas familiares e
sociais excessivas.
E pensando nas possibilidades de intervenção sobre a vida considerada
“marginal” – como a de eliminar preventivamente fetos mal-formados mediante o
diagnóstico genético pré-natal que considere a relevância da patologia; a
possibilidade de determinar, com alto percentual de probabilidade, doenças
incuráveis; a possibilidade de dispor de sujeitos humanos para a experimentação
2. Revisão da literatura 62
(com a tentação de usar, com este objetivo, crianças, idosos, deficientes físicos e
mentais, e ainda fetos e embriões humanos) (PALAZZANI, 1996).
Estes exemplos são suficientes para mostrar a exigência que temos hoje
dentro da prática biomédica (mas não só dela, como também de todas as práticas
que promovem a intervenção sobre a vida) de procurar resposta à pergunta – tudo o
que é tecnicamente possível é eticamente bom e deve ser permitido? (PALAZZANI,
1996).
Então, “o nascimento da bioética coincide com a emergência da exigência
prática e social de delimitar os confins entre o lícito e o ilícito no âmbito das
inovações técnico-científicas”. A bioética não pretende nem liberalizar
indiscriminadamente, nem ser obstáculo para o obscurantismo do progresso
científico. Esta ciência também não tem a intenção de individualizar critérios de
regulamentação para orientar o comportamento do homem em relação às
intervenções sobre a vida. A bioética pretende responder, entre outras questões,
sobre os limites éticos do avanço técnico-científico em biomedicina (PALAZZANI,
1996).
A bioética nasceu há mais de 30 anos, e ainda falta uma clara e definida
caracterização de seu objeto próprio e de sua metodologia de pesquisa. Apesar de
ter surgido como resposta às questões éticas emergentes relacionadas às
intervenções sobre a vida, a bioética está envolta pela crise que a ética está
atravessando, o que mostra a complexidade de determinar seu estatuto
epistemológico (PALAZZANI, 1996).
A bioética tornou-se uma fonte de controvérsias logo no início de seu
desenvolvimento, com a percepção de eventuais asperezas de fundo ideológico e
2. Revisão da literatura 63
prático. Um dos motivos para que este desconforto começasse a acontecer foi o
aspecto interdisciplinar desta nova forma do saber. Para a bioética, esta
interdisciplinaridade provoca a intersecção de temas normalmente distanciados
entre si, como, por exemplo, o meio ambiente e a definição de morte. É necessário
que os estudiosos desta disciplina estejam preparados cognitiva e culturalmente,
mas somente isto não resolverá todos os problemas (D’AGOSTINO, 2006).
O mesmo autor escreve que o ponto crucial é que uma interdisciplinaridade
implica na construção de uma “disciplinaridade nova”, ou seja, de uma nova
epistemologia. Percebe-se hoje que em bioética se sente a necessidade de uma
epistemologia mais sintonizada com os problemas de cunho bioético, e esta é a
verdadeira raiz do desconforto.
As razões da dificuldade de se construir uma epistemologia adequada à
bioética se deve à juventude da disciplina, e também, à dificuldade que caracteriza o
panorama cultural da época em que vivemos. Isto porque, de acordo com
D’Agostino (2006) hoje se assiste ao fim da época moderna e está sendo construído
o pós-moderno; e o desconforto aparece porque o pós-moderno parece deixar tudo
o que foi construído, até então, pra trás. A bioética vive uma situação instável: de um
lado é considerada a negação ou a superação da ética (negatividade); e por outro
lado, não consegue encontrar um lugar para si.
Sobre este assunto, Ribeiro Neto (2009) escreve que:
[...] a modernidade é marcada por um processo crescente de tomada de consciência da desumanidade de seu próprio modo de viver. O ser humano, na sociedade moderna, se sente cada vez mais distante de um estilo de vida ideal, em que viveria em harmonia consigo mesmo e com os demais. [...] Numa sociedade que se vê como desumana, a moral tende a ser vista como coercitiva e repressiva, o que aumenta ainda mais a insatisfação com os modelos éticos vigentes.” (RIBEIRO NETO, 2009, p. 74).
2. Revisão da literatura 64
Segundo o mesmo autor, as sociedades modernas são reconhecidas em sua
excelência através de sua capacidade de conhecimento científico. No entanto, o
método científico tem certos limites constitutivos, já que procura explicar como as
coisas funcionam. E o funcionamento não “esgota totalmente a natureza dos seres”.
É importante que se encontre também um significado para o que se vive, e o
significado se encontra na ética.
Por isso, é importante que se faça um percurso no sentido de ir ao encontro
do significado das intervenções do homem sobre a vida. Palazzani (1996) escreve
que não se pode oferecer uma solução definitiva ao problema do estatuto da
bioética, mas se pode “procurar um possível caminho que consinta em individualizar
a identidade da bioética no debate atual”, que segundo esta autora, seria a filosofia.
Bellino (1997) também escreve que a filosofia é “preciosa e indispensável
enquanto busca do sentido e do que é essencial. E afirma que a bioética é uma
“disciplina filosófica”.
“Fazer filosofia em bioética significa reconhecer a impossibilidade para a
razão humana (de constituição finita e limitada) de possuir um conhecimento
exaustivo total e absoluto da verdade”, mas ao mesmo tempo, é também reconhecer
a possibilidade da razão humana de se aproximar, através de uma estrada gradual e
progressiva, da verdade. O esforço da filosofia em bioética seria, portanto, o de
recuperar a fé na razão e na sua capacidade de pesquisar o sentido da realidade,
através do diálogo, no confronto com a razão dos outros (PALAZZANI, 1996).
Palazzani (1996) determina, assim, que a bioética deve se abrir à esfera
“especulativo-teórica” para justificar objetivamente as respostas às novas questões
2. Revisão da literatura 65
emergentes pelo progresso da ciência e da técnica. A filosofia quando chamada a
responder tais questões se utiliza de conceitos gerais elaborados e discutidos ao
longo dos séculos. As perguntas sobre a prática da eutanásia ou sobre a
intervenção da sobre o patrimônio genético são traduzidas no segmento da filosofia
fundamental, que sempre teve como objeto de reflexão a disposição ou a
indisponibilidade da vida (humana ou não humana) pelo homem.
Neste sentido, a bioética faz apelo à filosofia moral para procurar se existe um
fundamento do ser vivente em relação às novas problemáticas levantadas pelo
avanço científico (e qual é este fundamento). Trata-se da questão que se pode
definir como “questão prática” da bioética, isto é, a questão que se ocupa de definir
como se deve comportar no confronto com a vida (humana e não humana) no
contexto dos recentes problemas bioéticos (PALAZZANI, 1996).
Mas, as questões práticas da bioética remetem preliminarmente a questão
teórica. Para saber “como” se deve tratar a vida, deve-se conhecer “o que é” a vida.
O esforço da filosofia em bioética é o de repensar conceitos já estudados no
pensamento tradicional, e que por isso devem levar em consideração dados
concretos. O progresso técnico-científico traz à tona as perguntas fundamentais, e o
estudo conceitual da resposta é aplicado à resolução de dados concretos. Assim,
“de abstrata especulação contemplativa, a filosofia passa a ser aplicada aos fatos,
na busca de uma adequação dos conceitos às novas dimensões e exigências da
realidade, abertas às inovações biotecnológicas” (PALAZZANI, 1996).
Palazzani (1996) escreve que as questões bioéticas são o “banco de prova”
da teorização filosófica. Em bioética, a filosofia é chamada a levar em consideração
a realidade para resolver problemas concretos. Com isto não se pretende submeter
2. Revisão da literatura 66
a filosofia aos fatos, mas evidenciar a relevância de uma troca reciprocamente rica
entre conceitos e realidade, de uma integração vivaz entre teoria e prática. “A prática
solicita à teoria a exprimir-se sobre os fatos concretos e a confrontar-se com os
dados reais”.
O papel da filosofia em bioética se delineia, segundo Palazzani (1993) a partir
da metabioética. A metabioética é “o esforço para explicar e dar razão do
fundamento ético, dos valores e dos princípios que orientam a conduta do homem
no momento em que este intervém sobre a vida” (PALAZZANI, 1996). Mas se é certo
que a metabioética é diversa, é diversa também a bioética, ou seja, se mudam os
fundamentos teóricos-morais, mudam também as aplicações prático operativas.
E o contexto filosófico moral atual é caracterizado pelo pluralismo, e os
valores e princípios propostos em bioética estão extremamente diversificados.
Palazzani (1993) escreve que seria mais correto falar em bioéticas do que em
bioética.
Sobre o trabalho filosófico na bioética, Bellino (1997) escreve que ele não
consiste em construir novos princípios e inventar novos valores, mas “que está
presente e operante na cultura de cada sociedade e na consciência humana”.
“Buscar os fundamentos da bioética significa procurar os pressupostos de categoria, as condições constitutivas, as anteriores condições não só da validade do discurso bioético, mas também da sensatez e da própria existência dos problemas bioéticos. Os fundamentos exprimem os pressupostos, as condições constitutivas do discurso moral como um todo.” (BELLINO, 1997. p. 29)
2. Revisão da literatura 67
2.2 Em busca do fundamento – o conceito de pessoa h umana e os
personalismos
“O fato de a teoria da experiência buscar por natureza a verdade que a experiência permite alcançar não é uma parcialidade casual da teoria da ciência moderna, mas possui um fundamento na própria coisa” (GADAMER, 2005).
“Não existe um termo melhor para qualificar o homem do que o termo persona.” (MONDIN, 1998).
Etimologicamente a palavra pessoa (do grego prosopon e do latim persona)
indicava a máscara que os antigos atores utilizavam nas representações teatrais, se
escondendo e fazendo soar forte suas vozes. Pessoa é, então, o homem enquanto
máscara ou palavra do ser (SGRECCIA; DI PIETRO, 1999; MELCHIORRE, 1982).
Na antiguidade grega e romana, ser pessoa era ser um indivíduo humano
sujeito de direitos, enquanto consciente e responsável de si, capaz de entender e
querer. Este indivíduo, ou seja, a pessoa, recebe uma grande valorização com o
advento do Cristianismo (BERTI et al., 1992).
Segundo Chalmeta (2003) Aristóteles é o precursor do personalismo. Ele diz
que a imagem do homem que emerge da Ética a Nicômaco é a de um homem que
possui finalidade de se relacionar com outros homens, e por isso, chamado a chegar
ao ponto mais alto de excelência moral através dos vínculos de amizade e de
comunhão com as pessoas boas. No entanto este filósofo possui uma visão
organicista do homem, caracterizada pela concepção dualista que faz da pessoa
humana (SGRECCIA, 2007).
A noção de pessoa foi elaborada pela Igreja Cristã para resolver questões de
natureza trinitária, a fim de sublinhar as características da espiritualidade humana
2. Revisão da literatura 68
(SGRECCIA; DI PIETRO, 1999). E esta pessoa era entendida como ser subsistente,
consciente, livre e responsável (SGRECCIA, 2007).
Como escreve Berti et al. (1992), o conceito de pessoa entra no vocabulário
como termo técnico através da teologia, quando Tertuliano (II-III século) pela
primeira vez o aplica à Trindade, declarando que são três pessoas e uma só
substância. Aqui evidentemente pessoa significa algo de concreto que se manifesta
no seu agir e no falar. Mas algumas resistências ao termo foram encontradas dentro
do próprio Cristianismo como com Santo Agostinho, que encontrou dificuldade em
utilizá-lo quando relacionado à Trindade, pois esta é constituída de três relações, e
Deus é absoluto. Entretanto, é importante ressaltar que o mesmo Santo Agostinho
valoriza fortemente a pessoa humana, apresentando-lhe três faculdades: memória,
intelecto e vontade, como imagem da Trindade Divina. Ele ainda valoriza a
interioridade do homem, e a indica como lugar onde mora a verdade.
Pode-se dizer que o conceito de pessoa tem início em um contexto
tipicamente humano e social, o do teatro, mas encontra seu significado filosófico no
curso das controvérsias sobre a Trindade, da onde parte sua formulação clássica
(BERTI et al., 1992).
A formulação clássica do conceito de pessoa nasce com Severino Boécio (V-
VI século), o tradutor latino de Aristóteles, que cria, portanto, grande parte do
conhecimento filosófico moderno. Ele define pessoa como rationalis natura individua
substancia. Berti et al. (1992) escreve que a contribuição original de Boécio é dupla:
de um lado ele precisa que a natureza da pessoa é racional, ou seja espiritual, o que
permite compreender que este conceito se dá seja à pessoa divina, seja à pessoa
humana; por outro lado, ele precisa que se trata de uma substância individual, isto é,
concreta, subsistente em si mesma.
2. Revisão da literatura 69
Para Boécio, possuir uma natureza racional não significa somente que a
pessoa possa exercer as capacidades conexas com essa natureza, como pensar,
falar, entre outras. Mas a pessoa, principalmente, possui a capacidade de se
desenvolver, que é precisamente, uma capacidade de natureza humana, isto é,
existe porque a pessoa é humana. E a identificação com uma substância individual
evidencia a qualidade do substrato, do sujeito, e não da simples atividade, que é
própria da pessoa (BERTI et al., 1992).
É Boécio, portanto, quem primeiro aplica o conceito de pessoa ao contexto
propriamente humano, utilizando este termo para caracterizar ontológica e
concretamente o ser humano (PALAZZANI, 1996).
Não tão clássica quanto a definição de Boécio é a definição de São João
Damasceno (século VII-VIII), que diz que a pessoa é aquilo que, se exprimindo por
meio de suas ações, manifesta a condição que o distingue dos que têm a mesma
natureza. Esta definição de fato revela mais que a natureza, revela a substância, em
particular, a expressão e a subjetividade da pessoa (BERTI et al., 1992).
Mas foi Santo Tomás de Aquino quem tratou de modo mais completo toda a
potencialidade implícita na clássica definição “boeciana” de pessoa. Santo Tomás de
Aquino retomou e introduziu ao conceito um significado de precisão. O caráter de
perfeição, ou antes ainda, o de dignidade, próprio da pessoa em si, é confirmado do
significado que origina o termo pessoa (antes considerados homens famosos). Este
deriva não só da natureza racional da pessoa, que é a mais perfeita de toda a
natureza, mas também pelo fato de que a pessoa é uma substância individual, como
disse Boécio, ou seja, é um substrato, um sujeito (BERTI et al., 1992).
Segundo Santo Tomás a existência pessoal é a mais perfeita de todas. Ele
estabelece a forma constitutiva da pessoa como um “existente em si” (ou
2. Revisão da literatura 70
subsistente) e como um “existente por si”. Com o primeiro termo, ele quer dizer que
a pessoa é uma realidade substancial, e com o segundo, que existe em vista de si
mesma, e que se põe como fim e não como meio (POSSENTI, 2006).
Santo Tomás utiliza além da inspiração cristã, elementos da metafísica
aristotélica, que são matéria e forma; essência e existência. Ele afirma que a alma
está liga ao corpo substancialmente, sendo a forma pela qual um corpo exerce sua
atividade. Além disso, entende que a o ato existencial que realiza o corpo é o
mesmo que realiza a alma, e por isso, há uma unidade na forma de toda pessoa
(SGRECCIA, 2007).
Santo Tomás ainda é, segundo Berti et al.(1992), aquele que esclarece
melhor a relação entre pessoa humana e sociedade, observando que de um lado a
pessoa é tudo, enquanto de outro, ela é parte da comunidade. Estas duas
afirmações opostas se conciliam mediante a distinção de que todo homem faz parte
da sociedade política porque não é auto-suficiente, isto é, precisa da sociedade para
se realizar completamente; mas também de que a pessoa é fim em si mesma e a
sociedade deve servir à sua realização, e não vice-versa.
Com Tomás de Aquino, enfim, se chega à formulação completa da doutrina
clássica da pessoa humana, que é um ente dotado de um próprio ser, orientado à
sua própria realização, mas que dependente de Deus para a sua existência, e
necessita da sociedade para sobreviver (BERTI et al., 1992).
Esse equilíbrio se rompe no início da idade moderna, dando lugar a um
período de crise do conceito de pessoa que dura até o debate atual. O rompimento
com o conceito clássico vem, sobretudo, com a obra de Descartes, que rompe a
unidade do homem, reduzindo-o a duas substâncias independentes uma da outra: a
alma e o corpo, das quais somente a primeira é presumivelmente pessoa. Somente
2. Revisão da literatura 71
à alma, sede do pensamento e da autoconsciência, é atribuído o estatuto de pessoa,
enquanto que a corporeidade permanece reduzida a mera materialidade inerte e
instrumental. (BERTI et al., 1992; PALAZZANI, 1996).
Mondin (1998) escreve que várias são as definições de pessoa atualmente
propostas, e as divide em três grupos: definições psicológicas – Descartes, Hume,
Fichte, que identificam pessoa com a auto consciência; definições dialógicas –
Mounier, Ricoeur, Levinas, Buber, que afirmam que o ser pessoa se constitui na
capacidade de dialogar com os outros; definições ontológicas – com as quais
pessoa é a própria essência, a substância, o ser do homem.
Berti et al. (1992) diz que Locke recusa a definir a pessoa por meio de uma
idéia de essência, porque a considera uma idéia muito obscura. Assim, a define
somente por meio da consciência. Mas este pensamento leva ao problema da
identidade pessoal, ou seja, o que faz uma pessoa ser sempre ela mesma. Locke
não acha outro modo de resolvê-lo senão com a memória, que significa a
consciência da própria identidade no tempo. Hume, como escreve o mesmo autor,
partindo deste pensamento, oscila entre a concepção do eu como um feixe de
representações, que o leva a negar a identidade pessoal; e a concepção de
consciência como uma representação tão vivaz que pode ser separada das outras.
Segundo Berti et al. (1992) uma significativa exceção à crise moderna do
conceito de pessoa é constituído por Kant, que revaloriza a pessoa do ponto de vista
moral e jurídico (não como ontologia ou metafísica). No pensamento de Kant a
pessoa é essencialmente um ser que possui direitos; ele atribui à pessoa uma
dignidade. O fundamento em que se apóia, seja a liberdade, que reenvia à
racionalidade, seja natureza racional, é autenticamente aquele que leva à dignidade
da pessoa humana.
2. Revisão da literatura 72
Uma primeira tendência à saída da crise moderna do conceito de pessoa se
manifesta na França com o pensamento de Charles Renouvier que, em 1903,
escreve uma obra intitulada Personnalisme, e apresenta a pessoa essencialmente
como consciência e liberdade, fazendo dela centro de todas as relações (BERTI et
al., 1992).
Chalmeta (2003) diz que Renouvier escreveu este artigo, cuja intenção era
defender a dignidade e o valor da pessoa humana, contra o “panteísmo absoluto da
filosofia alemã e o positivismo naturalista da filosofia francesa”.
De fato, o século XX pode ser definido como o “século do personalismo”,
apesar de possuir anos sanguinários e de verdadeira agressão à pessoa. Surgiram
nessa época, do “século do direito”, muitas formas de personalismo (GALEAZZI,
2004).
Campanini (1987) defende a idéia do aparecimento dos personalismos, que
surgiram como tentativa de fundar teoricamente o conceito de pessoa, e, ainda, ao
redescobrir o universo pessoal, responder aos inúmeros desafios dos anos 30.
“Aparecem, então, numa perspectiva histórica como forma de afirmar frente aos
episódios do ocidente, a resistência que a tradição humanística possuía de se
colocar na história social e cultural até o momento”. A psicanálise, o neopositivismo
lógico, o positivismo e o niilismo são as formas que o “anti-personalismo” assumiu
nos anos 30 e que empurram com sua base filosófica uma vasta corrente do mesmo
estilo, e que repercutem em mudanças profundas em uma sociedade ocidental
incapaz de resistir ao desafio da modernização e orientada a resolver as tensões
sociais, e ainda, as culturais determinadas pela Primeira Guerra Mundial. A queda
da grande ilusão iluminista e científica sobre as consequências que a guerra havia
determinado se traduziu no plano social em uma perda de confiança na capacidade
2. Revisão da literatura 73
do homem de orientar seu próprio destino e por isso a necessidade de procurar um
ponto de referência seguro.
Nasciam, quase contemporaneamente, os “anti-personalismos” e os
personalismos. Os primeiros, como radical do abandono da antiga hereditariedade
do acidente europeu, e os segundos, como reproposição e revitalização desta
tradição, mas sob uma nova ótica, que se importasse ainda mais que aqueles
filósofos precedentes que pensavam o conceito de pessoa, com o novo desafio
relacionado à pessoa no curso da história européia. E assim, surge aquela que
deveria ser a formulação personalista mais orgânica do dos anos 30, o personalismo
comunitário (CAMPANINI, 1987).
O mesmo autor define o personalismo comunitário como uma corrente de
pensamento que atravessa toda a cultura européia do século XX. Traçar a história
do personalismo significa, segundo ele, percorrer a história do pensamento cristão,
mas não somente deste, já que existe um personalismo laico. No entanto, o adjetivo
“comunitário” faz referência à uma corrente de pensamento específica, que se
desenvolve entre 1930 e 1950, com início a partir da publicação da revista “Espirit”
de Mounier (outubro de 1932), e a obra O Homem e o Estado, de Jacques Maritain
(1951). Nos vinte anos de personalismo comunitário, muitas outras obras surgiram.
Esta corrente de pensamento não se inicia exatamente em 1930, e nem termina em
1950, mas possui nesses vinte anos sua fase mais rica e criativa (CAMPANINI,
1987).
É um fenômeno especulativo, que mantém no centro de sua reflexão a
pessoa, “definida positivamente como existência capaz de se desapegar de si
mesma, de se descentrar para se tornar disponível aos outros”, indo contra o
pensamento de que a pessoa é simplesmente um indivíduo, ou um exemplar da
2. Revisão da literatura 74
natureza humana. Reage contra dois movimentos, o individualismo e o totalitarismo
(CHALMETA, 2003).
Esta corrente de pensamento teve o privilégio de colocar sobre a base de
toda a especulação filosófica a noção do homem como pessoa, porque é dotado de
uma dignidade e de um valor absolutos em virtude de sua abertura e vocação,
relacionada ao amor ou amizade com o próximo (CHALMETA, 2003). O
personalismo comunitário pode ser lido precisamente como resposta ao desafio
lançado no contexto da profunda crise da civilização que nasce com o totalitarismo
que era emergente nesta mesma época.
Entre as filosofias de 1900 que reconhecem o valor da pessoa humana estão
as posições de Scheler e Jaspers, na Alemanha. O primeiro, com sua ética material
dos valores, considera a pessoa como o portador de um valor, isto é, uma entidade
completa em quem o valor é incorporado. O segundo, de tendência existencialista,
concebe a existência de um ser pessoa, mas não em um sentido de “ser por ser,
mas de deve vir a ser” (BERTI et al., 1992).
Na França do valor da pessoa é reconhecido através de dois opostos, o
existencialismo de Sartre e o neotomismo de Maritain. O primeiro interpretava o
movimento da consciência. O segundo retomou a doutrina tomista da pessoa como
“um tudo”, mas aberta à sociedade, enriquecendo-a com uma perspectiva dinâmica,
segundo a qual, não se é somente pessoa, mas se deve tornar pessoa. E ainda
complica o conceito, pois faz a distinção entre pessoa e indivíduo, segunda a qual o
indivíduo é o lado material do homem e a pessoa, seu lado espiritual (BERTI et al.,
1992).
Na Itália, surgiram também formas de personalismo que reconheceram e
sublinharam o valor da pessoa. Dentre elas, está a de Wojtyla que une a visão
2. Revisão da literatura 75
tomista à fenomenologia de Husserl e, assim, observa como da análise
fenomenológica resulta o homem que é sujeito transcendente ao seu ato. E por
outro lado, enfatiza a importância da natureza presente em tudo o que está por
nascer (BERTI et al., 1992).
Galeazzi (2004) procura clarear as acepções principais do personalismo, com
os seguintes conceitos: em primeiro lugar, o personalismo indica a diversificada
reflexão ocidental centrada sobre a pessoa; em segundo lugar, indica uma linha de
tendência dos novecentos que atravessa aquilo que filosoficamente pode
caracterizar-se como século longo, que possui três fases, com duas linhas de
pensamento - na primeira fase, se encontram a linha niilista com Nietzsche,
Heidegger e Foucault, e a linha personalista com Laberthonnière e Renouvier; na
segunda fase, encontram-se autores personalistas como Mounier e Maritain, e na
terceira, Lévinas e Ricoeur. O mesmo autor continua com o terceiro ponto, dizendo
que o personalismo indica orientações filosóficas no início do século XX, e os chama
“protopersonalismo novecentesco”, com expressões na França (Laberthonnière e
Renouvier), mas, sobretudo, nos Estados Unidos (Howison, Bowe, Brightman,
Hocking), com os quais o termo se difundiu.
Em quarto lugar, o personalismo indica uma corrente filosófica específica da
metade do século passado, denominado personalismo comunitário, já descrito
acima, que é considerado por Galeazzi (2004) “o personalismo como anti-
individualismo e anti-totalitarismo”. E em quinto lugar, o personalismo indica as
filosofias e as ciências da pessoa, que mesmo depois de morto como “ismo” de
1900, enaltece a pessoa como centro do debate cultural em diferentes formas de
personalismo. O autor os chama de “pós-personalismo” ou “neopersonalismo” do
ponto de vista filosófico e “personalogia” do ponto de vista científico. Este é o
2. Revisão da literatura 76
personalismo como pluralismo, e acentuado este caráter nessa corrente de
pensamento, se dá lugar “às verdadeiras e próprias antinomias do conceito de
pessoa”.
Possenti (2006) escreve que nos séculos XIX e XX, parte do humanismo
europeu fez um percurso descendente, o que provocou uma restrição de conteúdo e
significado atribuídos ao ser-pessoa; e isto paradoxalmente aconteceu em uma
época em que a idéia de pessoa e seus conexos direitos humanos produziam
importantes progressos. Este processo aconteceu com a conclusão da modernidade
filosófica que se utilizou do sujeito e do “eu” transcendental em uma declaração (de
direitos) de absoluto antropocentrismo, segundo o autor. Este antropocentrismo se
define pelo sustento do indivíduo e transforma as grandes narrativas coletivas em
histórias individuais e do sujeito. O autor acredita que a idéia de pessoa se encontra,
hoje, vazia de seu conteúdo e que esta seja uma expressão verbal corriqueira.
Todas as grandes expressões filosóficas tiveram conotações plurais, assim
como o personalismo. Mas é importante, sempre que se fala desta corrente,
esclarecer de qual personalismo se faz referência. Galeazzi (2004) fala sobre o pós-
personalismo, não tanto para indicar a situação após a “morte do personalismo”
histórico (aquele que nasceu em 1900, se desenvolveu no século passado, e
declinou com o existencialismo e o marxismo), mas para indicar a condição pós-
moderna em que o problema da pessoa se coloca e é diferente daquele do século
XX.
O importante é frisar que com as diversas correntes filosóficas personalistas
reencontra-se a referência ao fundamento objetivista, pois todas elas, de algum
modo, reconhecem a centralidade da pessoa, mesmo quando divergem sobre
alguns pontos (SGRECCIA; DI PIETRO, 1999).
2. Revisão da literatura 77
Recentemente se falou do retorno da pessoa (depois do fim do personalismo
do século XX), mas talvez seja mais interessante, segundo Berti et al. (1992), falar
de uma redescoberta da pessoa.
Pavan (2003) diz que existem três razões para o retorno da “pessoa”. A
primeira delas está relacionada ao período cultural em que nos encontramos, e que
pode ser denominado como “época da dignidade humana”. Esta época vive em um
regime de dilatação e de fusão dos valores, de aprofundamento dos processos de
tomada de consciência e de uma nova pretensão em relação aos “direitos de ter
direitos”, que são, em si, um ganho de grande qualidade humana. Trata-se de
reconhecer esta dignidade e não de atribuí-la. O sujeito próprio desta dignidade não
pode ser outro que pessoal, ou seja, um ser feito de dimensões (biológica,
psicológica, espiritual, social e moral), e aberto à transcendência. Necessita-se, hoje,
de uma chave mais unitária e menos reducionista para acessar o fenômeno
humano, e esta necessidade possui o sentido de indivisibilidade da dignidade
humana e uma nova preocupação pelo ser.
Segundo o mesmo autor, a segunda razão está relacionada com o fato
estrutural deste tempo, e implica a crescente dificuldade de compor os três fatores
que se misturam na vida individual e da sociedade: os fatores naturais, os culturais e
os econômicos. O fato não é novo na vida da humanidade – novos são sua
configuração e o caminho para onde esta união deve levar. Sempre foi difícil dizer o
que no homem é natural e o que é cultural. Mas, seguramente, o nascer e o morrer
sempre foram eventos de natureza, e assim, este era o lugar da dimensão natural da
vida e do homem. Entretanto, mesmo nestes eventos não é mais encontrada a
naturalidade, já que hoje “a natureza que é sempre mais produzida e sempre menos
dada”, pois vem sendo mais colocada nas mãos do homem e no desenho de sua
2. Revisão da literatura 78
liberdade. Então, é sempre mais perceptível o fato de que a expansão da cultura
artificial e a substituição da natureza por esta não ocorrem sem consequências.
Mas, não parece estar bem claras quais devem ser as boas regras (de razão,
prudência e eficácia) para gerir a intersecção destes fatores, isto é, qual seria a ética
apropriada desta época que é altamente construtivista e tecnológica (PAVAN, 2003).
E a todo este pensamento ético e epistemológico se adiciona o peso
crescente que tem o fator econômico que, sem regra, se aplica a diferentes
situações enfatizando a economia e a política como condições de vida e como
modelos de desenvolvimento, e também de cultura e de valores. Natureza, cultura e
economia: um novo espaço se abriu através de sua intersecção inédita; e um novo
ator é chamado para compor os três fatores na vida e na sociedade; um ator que
seja voltado à pessoa (PAVAN, 2003).
E uma terceira razão para o retorno da pessoa, segundo Pavan (2003), é o
modo de dizer pessoa. A necessidade hoje é de “pessoa”. Dizer pessoa é sempre
mais necessário, e “dizer bem” é ainda mais necessário. Este “dizer bem” é, talvez, a
melhor continuidade que podemos estabelecer com os personalismos históricos, e
faz parte do esforço do homem para achar em si mesmo o volume total de seu
próprio ser.
Este é o momento em que o pensamento procura um sentido adequado ao
“mistério ontológico” que é a pessoa humana. A rigor, a pessoa não pode retornar
porque nunca foi embora, mas o modo de se olhar a pessoa humana mudou – as
doutrinas sobre a pessoa mudaram. O personalismo não é mais somente uma
filosofia militante como foi na primeira metade do século XX, mas uma escola
filosófica necessária em cada contexto histórico e cultural. Mesmo porque, existe
hoje uma grande preocupação relacionada ao crescente poder de disposição sobre
2. Revisão da literatura 79
a vida do homem que provém da ciência. E, neste sentido, aparece um “ataque
antipersonalista” que se veste de uma filosofia do “neutro”, onde o sujeito se resolve,
onde tudo se resolve pela natureza, e o conceito de dignidade humana é negado
dando lugar a um referencial “anônimo” de conceito de vida. Onde o homem é
fundamentalmente entendido a partir de “ser no mundo”, o risco de uma filosofia do
neutro é iminente (POSSENTI, 2006).
A noção e a realidade da pessoa não são somente morais, mas ontológicas.
O valor que se atribui às pessoas depende fundamentalmente de seu status
ontológico, de onde procede sua dignidade. “Precisa-se transferir a pessoa para o
centro da filosofia, porque ali se encontram o centro da vida e da liberdade”.
Sustentando esta transferência da pessoa para o centro da filosofia, se expressa a
favor de uma concepção personalista do filosofar. Pensar o ser e a pessoa é uma
ação que está sobre um motivo fundamental – o nível mais alto da existência é a
existência pessoal. “Isto pode significar na ontologia da pessoa a filosofia alcança
um vértice”. Se trata, de acordo com Possenti (2006), de “personalizar a ontologia”.
2.2.1 O conceito de pessoa no âmbito da bioética
O conceito de pessoa ganhou mais evidência atualmente no âmbito do debate
bioético, com o qual se renova a necessidade de afrontar o tema do homem, e mais
precisamente, temas acerca de sua natureza e sua identidade. Uma razão para a
notável ressonância deste conceito é que no senso comum, o termo pessoa evoca
uma validade ética e jurídica: “a referência que se faz à pessoa coincide com o
2. Revisão da literatura 80
reconhecimento de uma subjetividade jurídica e moral”. A pessoa indica o sujeito
(não-objeto) digno de respeito e merecedor de tutela (PALAZZANI, 1996).
A causa da estreita correlação entre conceito de pessoa e a atribuição da
validade ética e jurídica está, em parte, no significado original do termo, segundo o
qual pessoa era o homem dotado de dignidade – como frisa Santo Tomás; e por
outro lado, no uso tradicional de seu uso na linguagem jurídica, onde já na
antiguidade greco-romana, a pessoa indicava o indivíduo humano, sujeito de
direitos. O conceito de pessoa tem também forte influência na modernidade através
do discurso kantiano “que acenou para a validade assiológica e prescritiva do
mesmo” (PALAZZANI, 1996).
O termo pessoa é amplamente utilizável no âmbito da reflexão bioética a fim
de direcionar a pesquisa por um critério que consinta a orientar a praxe (da ética) na
determinação dos confins lícitos e ilícitos em relação às novas possibilidades de
intervenção artificial técnocientíficas sobre a vida. O reconhecimento do estatuto
pessoal à vida consentiria a regulamentação dos comportamentos de quem agisse
no seu confronto (da vida). O conceito de pessoa possui uma utilidade prática, que
vai diretamente de encontro com as necessidades da bioética (PALAZZANI, 1996).
A mesma autora escreve que o retorno deste conceito se dá pelo fato de que
sua validade pragmática o favorece. A problemática especulativa que o termo traz,
rende ao mesmo uma certa flexibilidade que pode responder às exigências do
pluralismo filosófico atual. Isto é, o conceito pode assumir diversas formas
dependendo da perspectiva que se quer assumir e segundo às circunstâncias sobre
as quais se pretende aplicá-lo. E é por isso que muitos pensaram que se poderia
fazer uso do conceito de pessoa a fim de traçar uma linha mínima para elaborar
normas bioéticas. Mas rapidamente percebeu-se do perigo e da ambiguidade do
2. Revisão da literatura 81
termo. “O apelo à dignidade da pessoa e aos direitos da pessoa pode esconder
notáveis equívocos teóricos”.
A bioética é movida por interesses em atitudes práticas, e não somente pelo
desejo puro e desinteressado por conhecimento. Também é verdade que o esforço
da filosofia na bioética é o de revisitar teoricamente os conceitos utilizados a fim de
mostrar a fundação especulativa que pode evitar as ambiguidades. O risco seria
aquele de conceder algo com finalidade especulativa em função do que se pretende
obter em nível prático. Se fosse este o caso, se poderia servir do conceito de pessoa
como uma “etiqueta vazia” para traçar uma linha mais ou menos definida entre a
obrigação e o dever no contexto das possibilidades biomédicas e tecnocientíficas
das intervenções sobre a vida. Uma idéia sobre a pessoa que seja interessada, pode
ser forçada em função de resultados que se pretende obter ou da prática que seja
interessante se legitimar. E deste modo o referencial “pessoa” se esvaziaria de seu
conceito principal, se tornando um fácil instrumento formal para justificar uma
posição já assumida em plano prático (PALAZZANI, 1996).
Em relação ao conceito de pessoa, existem duas posições, que são
normalmente nomeadas como: religiosa e laica. A primeira faz referência à
sacralidade da vida e a não disponibilidade da mesma, enquanto a segunda faz
referência à qualidade de vida e à disponibilidade dela. Todavia, Galeazzi (2004)
prefere nomear estas correntes de pensamento bioético de concepção humanística,
que pode ser do tipo ontológico ou ético, e concepção naturalista, de tipo
“funcionalístico” ou analítico.
Os que sustentam a primeira posição identificam a pessoa com o ser humano,
e colocam uma base de definição metafísica de natureza humana ou uma definição
moral de sua identidade. Os que sustentam a segunda posição atribuem o conceito
2. Revisão da literatura 82
de pessoa a quem é capaz de realizar certas funções, por isso, homens, animais e
máquinas podem ser pessoa ou menos, contanto que possam realizar tarefas
indicadoras dos seres humanos. Há, neste quadro, uma postura que caracteriza
uma tendência a reflexão ecológica e da Inteligência Artificial, que reivindica os
direitos do ambiente e dos animais (GALEAZZI, 2004).
Segundo Sgreccia1 (2008) a proposta laica se apresenta como um novo
humanismo, que rechaça a fé, mas desconfia também da razão e de todo valor
absoluto, precisamente por uma atitude de desilusão e derrota das doutrinas
absolutistas (construídas em nome da razão). Este humanismo se apresenta dividido
em duas correntes ideológicas, ambas reducionistas em relação à antropologia.
O mesmo autor escreve que a primeira corrente se detém sobre a razão
“subjetiva”, que rechaça o absoluto e ao mesmo tempo se apóia na ciência
experimental e no progresso tecnológico como realização do homem no domínio de
seu próprio “ser corpóreo”, da natureza, e também do futuro de toda a espécie
humana. O novo campo de celebração da liberdade, na perspectiva das novas
fronteiras da construção da sociedade mundial, se apoiaria nesta expressão da
liberdade humana sobre o reino da tecnologia e, em particular, no âmbito das
biotecnologias. Esta liberdade se apresenta desvinculada de todo valor que não seja
a própria escolha, fundada somente na ciência e em suas possibilidades
tecnológicas; por outro lado, esta liberdade se afirma utopicamente confiada nas
capacidades da “razão instrumental” e na manipulação do limite corpóreo e da
realidade biológica.
1 Sgreccia E. Los fundamentos antropologicos de la bioetica. Conferência proferida durante o Congresso Internacional “Pessoa – cultura da vida e cultura da morte” promovido pela Comissão Nacional dos Bispos do Brasil e a Pontifícia Academia para a Vida. Itaici. 25 – 28 de novembro. 2008.
2. Revisão da literatura 83
Sgreccia (2008)1 diz ainda, em relação a esta segunda corrente, que ela nega
a dimensão espiritual do homem e o valor da razão. O homem é pensado como
matéria exata: o cérebro coincide com a mente; não se aceita diferença ontológica
nenhuma entre as diversas espécies de seres vivos. Os direitos, através deste
pensamento, devem ser reconhecidos também aos animais. Somente o homem
adulto, consciente e autônomo pode ser reconhecido como possuidor de direitos
superiores de relevância jurídica em relação à autonomia e à própria liberdade. Esta
é a posição de Peter Singer (filósofo australiano, professor nos Estados Unidos que
trabalha com a ética de enfoque utilitarista).
Sendo a bioética uma temática com objetivo de uma ação prática, que se
baseia em conceitos empíricos, permanece o risco do uso destes conceitos na
justificação da praxe. E por isso, o ponto principal do “esforço teórico especulativo”
da filosofia em bioética, o ponto mais significativo para a estreita correlação entre
teoria e prática, segundo Palazzani (1996) é a “revisão do conceito de pessoa”. Para
que se evite o abuso indiscriminado do termo, é necessária uma rigorosa análise no
plano filosófico, e que explique o significado do conceito sua aplicabilidade à
realidade concreta, justificando sua validade.
2.2.2 A experiência elementar
É importante fazer menção a um conceito que deve ser utilizado no
reconhecimento do conceito de pessoa humana - a experiência elementar.
2. Revisão da literatura 84
Como enfrentar este fenômeno – pessoa humana - para que se possa estar
seguro de conseguir conhecê-lo bem?
Os caminhos propostos pelas Ciências - Genética, Biologia, Medicina,
Sociologia, Psicologia, entre outras – podem e devem ser empregados, mas ainda
não são suficientes. Não é, por exemplo, a Genética ou a Embriologia ou a Fisiologia
que me dizem “quem sou eu”.
E aí é que se chega à “experiência elementar”, como método de conhecimento.
O homem conhece a realidade a partir de suas “experiências” e da elaboração
intelectual que faz delas. No sentido aqui empregado, a experiência não se confunde
com o experimento ou com a experimentação realizada seguindo o método
científico. Pode-se entender a experiência como uma vivência para a qual
reconhecemos um significado.
A experiência elementar quando aplicada à noção de pessoa é a “experiência
da própria natureza humana”. A pessoa humana não é um objeto distante de mim.
Pelo contrário, o conceito de pessoa é algo que todos conhecem, já que se possui a
experiência de ser pessoa (RAMOS; SILVA; CALDATO, 2009).
Ela é a experiência original, que permite o confronto com tudo. “A natureza
lança o homem na comparação universal consigo mesmo, com os outros e com as
coisas dotando-o [...] de um conjunto de evidências originais, tão originais que tudo o
que o homem diz ou faz depende delas” (GIUSSANI, 2000).
Explicando este conceito da experiência elementar como instrumento para
perceber o que é uma realidade, Carrón (2009), citando Giussani, lembra que este
autor diz que “costumamos reduzir a experiência ao provar”. Segue Carrón (2009):
2. Revisão da literatura 85
“Eu dava este exemplo aos meus alunos: imaginem que estamos a aprender um determinado tipo de problema de matemática e o professor, depois de o ter explicado, nos dá um exercício para resolver em casa. Lembram-se do que faziam quando eram pequenos? Levavam o TPC para casa e procuravam responder ao problema. Vocês, uma vez terminado o trabalho, tinham a certeza de o ter resolvido de forma adequada? Evidentemente que não. E fazendo-o cinco vezes em vez de uma, saberiam se à quinta vez tinha ficado melhor resolvido que da primeira? Não. E fazendo-o duzentas mil vezes? Não. O que é que isto quer dizer? Que só provando (ou seja, fazendo duzentas mil vezes a tentativa de resolver o problema) eu não tenho a certeza de ter aprendido nada (CARRÓN, 2009. p. 52).”
“A vida pode transformar-se nisto: um conjunto de provas, de tentativas das quais não aprendemos nada [...] Se nos ficamos apenas pelo provar, não aprendemos nada da vida, não fazemos a experiência (CARRÓN, 2009. p. 52-53)”
Para que este provar se transforme em experiência é preciso um segundo
fator: EMITIR UM JUÍZO.
Continua Carrón (2009) com o seu exemplo:
“Voltávamos à escola no dia seguinte e fazíamos uma comparação entre a tentativa que tínhamos feito e a solução apresentada pelo professor no quadro. Assim podíamos comparar entre a nossa tentativa (a nossa prova) e a resposta exacta. Sem julgar eu não percebo, não posso ter a certeza” (CARRÓN, 2009. p. 53).
“Então compreende-se por que motivo Giussani insiste no fato de não podermos aprender nada, de não podermos fazer verdadeiramente a experiência, se nos ficarmos somente pelo provar e não emitirmos um juízo sobre aquilo que provamos” (CARRÓN, 2009. p. 53).
“Mas para emitir um juízo é preciso – evidentemente – um CRITÉRIO DE JUÍZO” (CARRÒN, 2009. p. 53).
Neste exemplo, Carrón (2009) diz que quem dá o critério de juízo é o professor.
E então ele pergunta se “há algum professor que me possa dar o critério de juízo
para aquilo que eu provo na vida?” E continua dizendo:
Se houver algum guru que tenha esta pretensão, é um presunçoso e está a fazer pouco de mim. Seria como dizer: «Coitadinho, tu não estás a perceber: eu explico-te». É isto que
2. Revisão da literatura 86
sucede quando nós confiamos a outro qualquer o critério de juízo. E se confiamos a outro qualquer o critério de juízo, somos escravos de outro, somos – explica Giussani – alienados. E, portanto, pode-se defender a pessoa, pode-se defender todos os direitos humanos, tudo o que quiserem, mas se tirarmos à pessoa o critério de juízo, tiramos-lhe a dignidade. Porque é como dizer: «És parvo: eu explico-te». Há um modo de estar entre de nós que é exatamente este: «Tu não estás a perceber, eu explico-te». Isto não está bem, porque nos faz continuar a ser sempre infantis, alienados: temos sempre de ir perguntar ao chefe. Um movimento assim não me interessa nada! (CARRÓN, 2009. p. 53).
E então qual é o critério de juízo? “O critério de juízo não pode estar fora de
nós, porque senão seríamos alienados. O critério de juízo tem uma primeira
característica: está dentro de nós”. E Carrón (2009) exemplifica novamente:
“Suponhamos que o Davide, por um azar, tinha o braço engessado. Vai ter com o médico e diz-lhe: «Olha, o gesso está a magoar-me horrivelmente, dói-me muito». O médico responde: «Não magoa. É impossível te esteja a magoar: eu sou o Prémio Nobel do gesso! É impossível que te esteja a magoar». Será que o Davide voltava para casa a dizer: «Não me está a magoar: ele é o Prémio Nobel do gesso, não me está a magoar»? Eu até posso ser idiota mas sei, e de que maneira, quando o gesso me está a magoar, percebem? O critério está dentro de mim, não em qualquer guru ou especialista exterior a mim. Tanto assim que, se ele continuar a insistir, vou procurar outro médico! É outro qualquer que me diz quando uma coisa me está a magoar, ou será que eu – mesmo sendo, porventura, idiota – até aí consigo chegar?
Podia-se objetar: «Ah, claro, o exemplo do gesso é facílimo porque se percebe, mas, e a liberdade?». Se alguém vem ter comigo e me diz que a liberdade é eu ficar na prisão para o resto da vida porque, no ultimíssimo congresso de filosofia, os maiores gênios do universo assim o determinaram, eu iria para a prisão? Sabemos todos o que é a liberdade, ou vamos para a prisão porque os especialistas o determinaram? (CARRÓN, 2009. p. 54)”
O mesmo autor diz que o “critério está dentro de nós”. No entanto, isso não
quer dizer que somos nós que escolhemos. “O critério de juízo não é decidido por
nós. Nós não decidimos – é o exemplo que sempre usei – nem sequer o número que
calçamos.” E diz:
“O critério para os sapatos adequados está dentro de mim, mas não sou eu que o decido. [...]. É tão evidente que nós não decidimos,
2. Revisão da literatura 87
que temos de nos submeter ao critério encontramos em nós: não há outro sapato senão aquele que me corresponde. Portanto, o critério está dentro de mim, está no meu pé, tanto assim que, se eu enfiar um sapato pequeno, o pé grita: «Não é este!». É um juízo: «Não é este». Isto é objetivo ou decidimos nós? (Alguns disseram-me que decidem eles: «Compro os sapatos mais econômicos e depois talvez se ajustem». Está muito bem, chega-se a esta loucura, tal é a confusão!) O critério de juízo está dentro de nós mas não o decidimos nós, é objetivo”.
E qual é o critério de juízo que temos dentro de nós mas não decidimos nós, para entrar em tudo e poder realizar a experiência, ou seja, emitir um juízo sobre aquilo que provamos? Giussani chamou-lhe “experiência elementar”: o conjunto de exigências e de evidências que constituem o nosso humano (verdade, justiça, amor, felicidade)” (CARRÓN, 2009. p. 55).
Carrón (2009) escreve que se poderia utilizar a palavra bíblica “coração”, a
linguagem reduz ao sentimento, mas que é efetivamente, “este conjunto de razão e
afeição. Precisamente aquilo que Giussani entende por conjunto de exigências e
evidências”.
“Este critério, a experiência elementar, é objetivo. E cada um tem de identificar
exemplos disto na sua experiência”. Quer dizer, quantas coisas queremos conquistar
e não conseguimos, ou se conseguimos, não é aquilo que basta. “Literalmente como
os sapatos: é tão objetivo que, se eu não encontrar correspondência, não me sinto
bem” (CARRÓN, 2009).
“Por isso, a palavra-chave é a palavra CORRESPONDÊNCIA
Eu tenho dentro de mim o critério para saber o que é que corresponde às exigências do meu coração. Mas muitas vezes ficamo-nos pelo provar (sinto nostalgia, desejo possuir), e então dizemos: É isto que me corresponde. E é com esta modalidade que se justifica entre nós qualquer instintividade (digamos a palavra). Mas isto é um logro, em primeiro lugar para ti! Não simplesmente porque estás moralmente errado: estás moralmente errado porque não te corresponde, mesmo que te estejas nas tintas para a moral! Porque o problema não é estares-te nas tintas para a moral; é que acabas no nihilismo! A moral não é nada relativamente ao nihilismo em que uma pessoa acaba comparado àquela evidência que tem dentro de si própria” (CARRÓN, 2009. p. 56).
2. Revisão da literatura 88
Ramos (2009)2, aborda o emprego dessa categoria - experiência elementar
– com um exemplo da aplicação desse conceito, realizado com alunos de disciplina
de Bioética em curso de graduação, como método que ajuda a entender esse
conceito de “Pessoa humana” aplicado a Bioética. Ele cita dois exemplos, vividos
com seus alunos:
“O primeiro exemplo se refere a um exercício teórico, desenvolvido com os alunos em seminário em sala de aula. Proponho ao grupo de alunos um problema que devem discutir livremente entre eles: como deve agir um profissional da saúde que diagnostica em seu paciente uma doença grave que implica a realização de tratamentos invasivos e dolorosos, de risco, como cirurgias ou quimioterapias?
Numa primeira etapa não interfiro nas discussões, deixando que eles espontaneamente busquem soluções. Meus alunos, imbuídos das melhores intenções e procurando empregar os princípios éticos clássicos, como o de beneficência, respeito à autonomia do paciente e justiça, propõe que o profissional cuide de esclarecer adequadamente o paciente, oferecendo-lhe todas as informações necessárias para que o paciente possa entender a doença e o tratamento proposto; sugerem, ainda, que o profissional deve ser atencioso com o paciente etc (RAMOS, 2009).
Ramos (2009) diz que concluída essa etapa da discussão, ele adiciona mais
um fator ao problema para que os alunos façam nova reflexão: “mesmo esclarecido
o paciente declara que se recusa a se submeter a tais tratamentos”. Ele continua,
dizendo:
Tenho observado que, quanto mais essa situação se mostra hipotética/abstrata, teórica, mais facilmente os alunos propõem uma postura até respeitosa com o paciente, mas distante. Distante deles, alunos, como pessoas. Falam em insistir com os argumentos pró-tratamento, MAS se, mesmo assim, o paciente continuar não concordando em se submeter ao tratamento, concluem que o profissional tem que respeitar a opinião do paciente e mais nada: ele seguirá o seu caminho e o profissional o dele, afinal existem muitos outros pacientes a serem atendidos e o profissional já fez a sua parte.
2 RAMOS, DLP. Bioética e Experiência Elementar . Conferência proferida durante o Simpósio Internacional e Interdisciplinar sobre Experiência Elementar “ O Centro e o Todo” promovido pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, em parceria com a USP - Programa de Pós-Graduação em Psicologia de Ribeirão Preto – e com a McGill University, Montreal, Canadá. UFMG, 19 e 20 de março de 2009 – anotações cedidas pelo Autor.
2. Revisão da literatura 89
E então, o professor incorpora mais um elemento ao problema: “o tal paciente
não deverá ser concebido como uma pessoa qualquer; será um parente muito
próximo ou um amigo querido.”
E aí se instala o caos na sala de aula. Surgem comentários do tipo: “não sei como lidar com esta situação” ou ainda “melhor que o paciente procure outro profissional”.
Isto faz com que, inseguranças dos alunos à parte, se destaque que, “a partir
do reconhecimento do outro num rosto que identifico com as minhas próprias
experiências de vida, a realidade revela-se em outra dimensão, muito mais larga,
mais abrangente” (RAMOS, 2009).
Surge um inevitável incômodo, pois não se pode deixar de reconhecer nesse outro (paciente, parente ou amigo) um valor e uma dignidade diante da qual já não posso mais aceitar, com a mesma passividade, a sua eventual recusa ao tratamento. Crescerá o empenho nos mesmos processos anteriormente indicados, como o esforço em explicar e esclarecer. Não dá mais para ficar indiferente aos desdobramentos.
Mas mesmo se tratando de um exercício teórico, o que o professordeseja é
que seus alunos “aprendam a julgar tudo tendo como critério a sua própria
experiência. A realidade se rende evidente na experiência”.
Depois da etapa de discussão de problemas, Ramos (2009) se propõe a
acompanhar os alunos em sucessivas visitas aos ambulatórios de atendimento
clínico existentes na Universidade. A proposta é que o professor esteja junto com o
objetivo de enfrentar com os algumas das situações de dificuldade nas relações com
seus pacientes. O que ele diz é que “a superação daquele incômodo referido só é
possível frente ao acontecimento de um encontro com rostos, só é possível
reconhecendo-se numa companhia, que nos acolha e sustente”. E então, ele relata
uma experiência:
2. Revisão da literatura 90
“Circulando com meus alunos pelos corredores de um movimentado ambulatório clínico numa dessas visitas guiadas, uma das alunas repara que uma senhora idosa, usuária daquele serviço de saúde que é público, encontra-se timidamente reclusa num dos cantos da grande sala de espera.
A aluna, devidamente trajada de “doutora” (crachá, roupa e avental branco) dirige-se até a senhora que, ao vê-la se aproximar, contrai-se ainda mais, permanecendo sentada. A aluna ajoelha-se na sua frente e assim os rostos se nivelam. E a aluna tenta abrir um diálogo com a senhora que, sempre mais tímida e acuada, apenas acena com a cabeça indicando que não consegue ouvir bem, apontando para o aparelho auditivo que usa. Nesse momento, a aluna afasta seu próprio cabelo para mostrar à senhora que ela também faz uso de um aparelho auditivo. E a situação se transforma. As duas abrem um imenso sorriso, as duas começam uma entusiasmada conversa, a senhora sente-se à vontade para falar dela, do tratamento a que está se submetendo etc. Se desfazem os obstáculos! (RAMOS, 2009)”
Mais tarde, a aluna relata este fato, via internet, na página de debates que o
professor mantém como parte das ferramentas didáticas de trabalho da disciplina de
Bioética. E este foi um dos relatos que teve maior repercussão entre os demais
alunos. Ramos (2009) diz que:
“Da minha parte, como professor e ativador desses debates, fui provocando-os a superar as primeiras impressões sobre a “beleza” da cena, indicando o sentido para cada uma daquelas pessoas envolvidas, daquilo que aconteceu. Um nivelamento das dignidades onde a “doutora” parte da própria experiência para compreender a timidez e o isolamento vivido pela paciente. Por sua vez, a paciente reconheceu que a “doutora” se igualara a ela. Um encontrar-se com um outro; o comparar-se com o outro. Uma afeição, uma unidade entre elas que dá novo significado aquele momento, aquela relação.
Além da lição de humanidade vivenciada a partir desse pequeno episódio, no aspecto específico da reflexão Bioética, ele representou uma oportunidade de se dar um passo para a personalização das relações assistenciais.”
2.2.3 Personalismo Ontologicamente Fundado
2. Revisão da literatura 91
Sgreccia (2007) escreve sobre a bioética, e diz que ela não pode ser
concebida a partir de opiniões sobre posições éticas já existentes na sociedade, mas
deve sugerir valores de referência próprios e linhas de escolha operativas, para
fornecer “respostas objetivas sobre critérios racionalmente válidos”.
Já em relação ao personalismo, o mesmo autor escreve que o personalismo
ontológico não nega a relevância da subjetividade relacional e da consciência, mas
sublinha como fundamento uma “existência e uma essência constituída na unidade
corpo-espírito”. E é este mesmo autor, Sgreccia, o pensador do “personalismo
ontologicamente fundado” - o modelo personalista de bioética.
O modelo ético elaborado a partir do personalismo pretende promover a
verdade plena sobre o homem. Por isto, uma reflexão bioética que quer permanecer
humana e humanizante deve, ao elaborar seus princípios morais, partir do homem
como pessoa – de fato a pessoa humana é o valor fundante, transcendente e
normativo, seja da reflexão ética, seja da prática que deseja se manter plenamente
humana e moral (FRATTALLONE, 2004).
O personalismo ontologicamente fundado é uma linha da bioética que parte
da pessoa (persona) como ponto de partida, com finalidade no reconhecimento da
pessoa, de sua identidade e de sua essência. Este reconhecimento tem como
desdobramento o respeito à dignidade da pessoa humana (RAMOS, 2002).
“Responder aos problemas apresentados pelos progressos científicos que mencionamos e pela organização social da medicina e do direito significa repropor a pergunta sobre o valor da pessoa, sobre suas prerrogativas e sobre seus deveres (SGRECCIA, 2002).”
O modelo bioético personalista propõe uma antropologia de referência - a
base para o juízo bioético - que busca entender o homem em sua essência, em sua
verdade, em sua natureza, em sua unidade, em sua totalidade. E procura ainda ser
2. Revisão da literatura 92
um “personalismo realista”, já que procura olhar todos os aspectos da realidade, ou
seja, a totalidade dos fatos envolvidos (RAMOS, 2002).
A bioética personalista é, enfim, uma reflexão que afronta as questões éticas
referentes à vida humana através de uma perspectiva que reconhece o ser e a
dignidade da pessoa como valores absolutos, e, consequentemente, põe como
primum principium o respeito incondicional de sua inviolabilidade e a tutela de sua
livre expressão, a partir dos direitos humanos (PAULA, 2004). E esta deve ser
considerada a norma personalista.
Esta visão do homem não só não se fecha à ciência, mas estimula a pesquisa
e a experimentação, fornecendo às mesmas os critérios de humanização. De fato,
se a pessoa como valor fundamental permanece no centro de qualquer interesse, é
bom tudo o que a cura, a protege ou a faz amadurecer; e é ruim quando a degrada,
a instrumentaliza ou a destrói (FRATTALLONE, 2004).
2.2.3.1 O conceito de pessoa no personalismo ontologicamente fundado
O personalismo ontológico coloca como fundamento da bioética o conceito de
pessoa. “É unânime a atribuição de significado do termo a um valor”. A pessoa se
converte em um filtro para a determinação da licitude ou ilicitude da intervenção
sobre a vida (PALAZZANI, 1993).
A tradição personalista aprofunda suas raízes na própria razão do homem e no coração de sua liberdade: o homem é pessoa porque é o único ser em que a vida se torna capaz de reflexão sobre si, de autodeterminação; é o único ser vivo que tem a capacidade de captar e descobrir o sentido das coisas, e de dar sentido às suas expressões e à sua linguagem consciente (SGRECCIA, 2002. p. 79).
2. Revisão da literatura 93
A pessoa, aqui, é considerada como define Boécio (rationalis naturae
individua substancia). No homem, a personalidade existe como individualidade,
formada por um corpo animado que é estruturado no espírito. Em todo homem, em
toda pessoa humana, o mundo adquire sentido: “a pessoa humana é uma unidade;
um todo, e não uma parte de um todo (SGRECCIA, 2002).
A “substancialidade” indica o ato de ser em si mesmo, é a presença de um
substrato ontológico que ultrapassa o sentido de uma mera agregação de partes; a
“individualidade” especifica a distinção de um ser de todos os outros seres (código
genético); a “racionalidade” se refere a uma característica essencial do homem,
independentemente da capacidade atual de seu exercício. Isto nos leva à conclusão
de que o homem é pessoa pelo simples fato de ser um “ser humano” (PALAZZANI,
1993).
Possenti (2006) escreve que como sujeito substancial de natureza espiritual,
dotado de inteligência, liberdade, autoconsciência e interioridade, a pessoa vive a
abertura à totalidade do ser, segundo a capacidade da mesma de colocar-se em
relação intencional com todas as coisas. Cada pessoa vive de modo original a sua
relação com o universo, exprimindo características livres e criativas, projetando
linguagens sempre novas:
“Essa si presenta sopratutto come um centro di unificazione dinamica che procede dall’interno, un’unità che dura nel tempo al di sotto tutti i cambiamenti e al di là dei flussi psicologiche, della molteplicità delle sensazioni, dello sparpagliamento temporale e spaziale dell’io (POSSENTI, 2006. p. 26).
E conclui dizendo que a pessoa vale como totalidade, nunca é uma parte.
A pessoa é um ser relacional. Para o personalismo, o “entrar em relação”
emerge da análise da relação do indivíduo com as coisas e com a sociedade. A
relação “eu-tu” é aquela que constitui e revela a pessoa. O personalismo
2. Revisão da literatura 94
ontologicamente fundado diz, que desde o primeiro instante da cada existência
humana, esta relação ontológica através da qual é constituída uma ligação com um
“tu” é aquela em se descobre a relação com um “eu” independente de cada um.
Assim a relação “eu-tu” é extrínseca à pessoa, é um espaço criado para a ligação
interpessoal. O autêntico diálogo interpessoal vai além da comunicação verbal,
chegando à “intimidade inegável da verdade do eu” (FRATTALLONE, 2004).
A pessoa, segundo o mesmo autor, é também corporeidade. É este elemento
que delimita com mais precisão o horizonte hermenêutico no interior da reflexão
ética e científica sobre o homem, entrando, assim, em diálogo para resolver
problemas comuns de origem teórica e prática. A corporeidade da pessoa é a
primeira revelação do seu “ser no mundo” (e permanece sendo), e é o fundamento
biológico da unicidade e da originalidade de cada pessoa. A genética, em particular,
revela como o patrimônio genético de um indivíduo é ao mesmo tempo totalmente
dependente dos códigos genéticos de seus pais, e também totalmente único e
irrepetível.
A dimensão corpórea da pessoa revela, ainda, sua historicidade. Isto porque
há a renovação das células corpóreas (um dado biológico indiscutível). E enquanto a
pessoa vive esta historicidade biológica, realiza sua transcendência espiritual, que
“fica além dos adventos de seu mundo circundante” – e esta é a ambivalência da
pessoa (FRATTALLONE, 2004).
O mesmo autor diz que a corporeidade revela como o indivíduo organiza o
seu modo de agir e reagir frente ao mundo que o circunda (no sentido sensorial). O
“ser-relação” de cada pessoa desenvolve seu valor existencial na organização de
suas próprias sensações. É, sobretudo, no momento da relação (interior ou exterior)
que se pode constatar uma intervenção original e criativa da pessoa.
2. Revisão da literatura 95
A definição de Boécio inclui o aspecto corpóreo-biológico-genético da pessoa.
A porção corpórea não pode ser colocada de lado para que se considerem somente
a autoconsciência, a racionalidade e o juízo moral como elementos constitutivos da
pessoa. A pessoa é unidade de corpo e espírito, e não pode ser privada nem do
componente biológico, nem daquele que diz respeito ao espírito. É um equívoco
considerar o elemento biológico como acidental e sem influência, bem como reduzir
o homem somente à sua porção biológica (POSSENTI, 2006).
O homem é mais que seus atos e que suas palavras. A pessoa é pessoa e
não se torna pessoa quando manifesta determinados comportamentos. A pessoa
não pode ser reduzida a manifestação de determinadas funções ou operações
(PALAZZANI, 1993).
Para a mesma autora, o personalismo ontológico admite que todos os seres
humanos são pessoas: já é pessoa o zigoto, o embrião, o feto, o recém nascido, a
criança – já que possuem elementos que, desenvolvidos na ausência de obstáculos
conduzirão à atuação completa da pessoa. E, ao mesmo tempo, é pessoa o ancião,
o enfermo em coma, o paciente terminal – que enquanto seres humanos podem
exercer algumas funções. É o “completo arco biológico da vida humana”.
Diante de qualquer reflexão racional, portanto, está a pessoa humana, se
apresentando como valor de referência. As diversas áreas da ciência, a medicina, a
economia, a ética, têm como destinação o homem, que deve ser considerado na
plenitude de seu valor (SGRECCIA, 2007).
Este personalismo não deve ser confundido com o individualismo subjetivista.
Este último seria uma concepção na qual se mantém que a constituição da pessoa
de encontra exclusivamente em sua capacidade de auto-decisão e de escolha
(SGRECCIA, 2007; RAMOS, 2002). “O personalismo clássico (de tipo realista e
2. Revisão da literatura 96
tomista) sem negar a capacidade de escolha, afirma principalmente um estatuto
ontológico da pessoa”. Sendo a pessoa um corpo espiritualizado que vale pelo que é
e não somente pelas escolhas que faz. Este personalismo vê a pessoa como
unitotalidade – de corpo e espírito – em todas as suas dimensões – a física, a
psicológica, a social, a espiritual (SGRECCIA, 2007).
2.2.3.2 Princípios da Bioética Personalista
Os princípios da bioética personalista ajudam no reconhecimento de passos a
serem dados a fim de que se alcance uma meta bem definida quando de dilemas
bioéticos. E esta meta é o bem da pessoa humana. Estes princípios são diferentes
daqueles traçados pelo principialismo, pois se fundamentam nessa antropologia de
referência e, ainda, porque eles devem ser seguidos da maneira em que serão
apresentados nesse texto, de maneira hierárquica. Além disso, não se deve seguir
somente um ou dois princípios, eles devem ser utilizados de forma que constituam
um conjunto único, que precisa ser respeitado inteiramente (SILVA; GOMES;
RAMOS, 2009). São eles:
A) O princípio da defesa da vida física
“Se entende que a vida é coessencial para a manifestação dos valores da
pessoa humana” (RAMOS; JUNQUEIRA, 2007). A vida física faz parte da essência
da pessoa, apesar de não esgotá-la. E vivida de forma saudável, ela “favorece a
plena realização da potencialidade da pessoa”. Isso não significa que se deseje
2. Revisão da literatura 97
somente a vida física plena, e que sem esta plenitude a vida se esvazie, pois o
valor, a dignidade da pessoa ultrapassam o aspecto da saúde. A defesa da vida
física implica no respeito pela vida e também em sua defesa ativa. É necessário que
se valorize toda pessoa humana, em todas as suas dimensões (SILVA; GOMES;
RAMOS, 2009). Para se falar em liberdade, em sociabilidade e subsidiariedade,
outros princípios da bioética personalista, é preciso, antes, que haja vida
(SGRECCIA, 2007).
B) O princípio da liberdade e de responsabilidade
A liberdade e a responsabilidade estão unidas nesse princípio, pois é assim
que estes dois conceitos devem aparecer, ou seja, o sujeito deve ter o livre-arbítrio
para decidir, através de uma resposta (sentido da origem da palavra
responsabilidade) que ele dá frente às provocações de sua vida e da vida dos
outros. As duas palavras não devem ser desvinculadas (para que não se reduza a
compreensão a apenas uma delas) e precisam sempre priorizar sempre a vida física
(SGRECCIA, 2007; RAMOS; JUNQUEIRA, 2007; SILVA; GOMES; RAMOS, 2009).
C) O princípio da totalidade ou princípio terapêuti co
Este princípio está relacionado com a prática dos profissionais da saúde. Por
ele, deve-se entender que o bem integral da pessoa é mais precioso que o bem de
apenas uma parte de seu corpo. Quer dizer, existe uma unidade orgânica e corporal,
mas que pode ser mutilada caso haja necessidade de se manter a vida física.
Exemplos disso são as remoções de apêndices e tumores, entre outros. É
necessário que se olhe a totalidade da pessoa humana (SGRECCIA, 2007; RAMOS;
JUNQUEIRA, 2007; SILVA; GOMES; RAMOS, 2009).
2. Revisão da literatura 98
D) O princípio de sociabilidade e de subsidiariedad e
Novamente aparecem dois conceitos que não podem ser dissociados na
construção de um princípio. A sociabilidade é: cada um reconhecer que faz parte de
uma sociedade e que tem responsabilidade para com ela, cada um individualmente,
ou seja, “enquanto pessoa eu tenho uma responsabilidade em relação aos outros”
(SILVA; GOMES; RAMOS, 2009). A subsidiariedade se refere às responsabilidades
dos organismos sociais para com cada indivíduo. Deve-se considerar que onde as
necessidades forem maiores, se olhe de maneira especial para essa realidade, e
isso pode ser feito por iniciativa privada, como associações e organizações não-
governamentais (SGRECCIA, 2007; RAMOS; JUNQUEIRA, 2007; SILVA; GOMES;
RAMOS, 2009).
“É a pessoa que constrói a sociedade”. Esse princípio é proposto a fim de
orientar escolhas e decisões, uma vez que existem desigualdades e injustiças
sociais, principalmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil. E no
caminho para que haja igualdade, pelo menos em relação à saúde, os conceitos de
saúde e de pessoa podem orientar a ação de políticas de saúde; bem como as
escolhas diárias, como a questão da qualidade de vida, e da alocação de recursos,
por exemplo (SILVA; GOMES; RAMOS, 2009).
2.3 Vida humana, dignidade da pessoa humana, qualidade de vida e sacralidade da
vida
2. Revisão da literatura 99
Asserire la dignità della vita umana significa riconoscere Il valore único dell’uomo in quanto singola e concreta persona vivente (PAULA, 1995. p. 221).
Na contínua corrida pelo progresso técnico-científico nascem a incerteza dos
valores morais e a perda da visão unitária do homem. A dignidade da pessoa
humana retorna a ser, hoje, a referência indispensável para a adesão a qualquer
ideal e a qualquer forma de vida (ARDITA, 2004).
Sobre o termo dignidade, Ardita (2004) escreve que:
Il termine dignità indica um attributo comune a tutti gli uomini, senza Il riconoscimento del quale non può esserci liberta e nemmeno giustiza o pace, uma caratteristica specifica che li colloca su um gradito superiore rispetto a quello di tutti gli altri esseri esistenti sulla terra (ARDITA, 2004 )
A dignidade é um atributo comum a todos os homens, sem o reconhecimento
da qual não se pode exercer justiça ou paz. Ela é um valor inerente a cada pessoa
(SEIFERT, 2003).
Este valor é uma preciosidade intrínseca da pessoa e não pode ser
dependente de subjetividades. Seifert (2003) exemplifica quando diz que uma
pessoa gosta de chocolate e outras não gostam; assim, chocolate é uma unidade
subjetiva, e não pode ser considerado um valor. O termo dignidade designa um
único valor – o valor de existir como pessoa.
A dignidade está tão ligada à natureza do ser humano que não pode ser
entendida de modo independente. Ela está na raiz de cada pessoa, já que por
pessoa considera-se ser individual, único e irrepetível. A essência e a real existência
de cada pessoa trazem à tona uma dignidade ontológica, que promove a distinção
entre pessoa e qualquer outro ser (SEIFERT, 2003).
O respeito pela dignidade da pessoa humana veta a ação no confronto de um
ser humano, mortificando seu modo pessoal de viver, isto é, “prescindindo, ou
levando em conta absolutamente, a sua irrenunciável autonomia ou liberdade”.
2. Revisão da literatura 100
Trata-se de uma categoria de negação de cada forma de oposição contra a pessoa.
Tal respeito impede que se use qualquer ser humano para qualquer fim diverso, que
não o bem próprio deste mesmo indivíduo. Vem, assim, denunciada toda forma de
instrumentalização da pessoa. Respeitar a dignidade da pessoa nos proíbe tratar
qualquer ser humano como uma coisa desprovida de valor, ou como um exemplar
irrelevante da espécie humana, ou ainda como um objeto. Se exclui, portanto,
qualquer forma de discriminação contra a pessoa (PAULA, 2004).
Uma cultura bioética deve elevar o valor “vida”, através de uma atenta
sensibilidade nos confrontos deste valor, a um nível tal que resulte o pleno respeito
da dignidade que possui cada pessoa humana (ARDITA, 2004).
O que acontece nos dias de hoje é que o termo “vida”, assim como o conceito
de pessoa, perdeu seu devido valor. A evolução técnico-científica atual promoveu
progressos formidáveis sobre a natureza e as origens da vida. No entanto, parece
que quanto mais o homem é capaz de controlar a vida biológica, menos parece
notar a importância da vida e, ainda menos, parece conhecer um motivo sério pelo
qual valha a pena vivê-la (PAULA, 1995).
Como já descrito anteriormente, Descartes introduz o dualismo na cultura
ocidental – ou seja, o homem se apresenta composto por corpo e espírito. Esta
divisão parece ter dado vantagem ao corpo que viria antes do espírito. Pouco
depois, o positivismo afirmava que somente a vida do corpo contava, pois só ele
poderia ser objeto de estudo. Diversas escolas filosóficas se opõem a esta
concepção, manifestando-se a favor da recuperação do sentido de unidade da
existência humana. Entretanto, o dualismo está aí, em nossa cultura pós-moderna. E
“o conceito de vida se encontra fragmentado e empobrecido” (PAULA, 1995).
2. Revisão da literatura 101
Sgreccia (2008) diz que a idéia de homem, e de vida perderam sentido, e que
esta perda se revelou tragicamente evidente na última grande guerra e na barbárie
dos regimes absolutistas, que alimentaram a própria guerra.
A palavra “vida” é utilizada na linguagem corrente para significar realidades
diferentes e que muitas vezes não estão ligadas entre si. Pode indicar, por exemplo,
o modo de ser ou agir de um organismo (noção biológica), ou ainda, se no homem,
pode indicar o conjunto das experiências vividas (noção psicológica), e também a
inteira existência individual enquanto projeto da humanidade (noção pessoal)
(PAULA, 2005).
Todavia, Paula (1995) salienta sobre a vida humana que: “ogni vita umana è
molto più di quello che è, perchè in qualche modo è già progetto che sarà”. Ou seja,
toda vida humana é muito mais daquilo o que é, porque é projeto do que ela será. O
fato de que este projeto pode ser interrompido drasticamente em qualquer momento
não tira a transcendência desta vida. O viver tem um tempo; um tempo
indispensável para que se possam desenvolver as capacidades existentes no ser de
cada pessoa. E se esta vida é capaz de ser mais do que aquilo que aparece, isto se
deve a duas características constitutivas do ser: a integridade e a identidade
(PAULA, 1995).
Integridade denomina em uma pessoa sua “inteireza natural, harmônica e
sinérgica onde os órgãos, os sistemas, as faculdades e etc. participam da vida e
sustentam esta vida”. Um ser humano demonstra sua integridade através de suas
dimensões – física, psíquica, espiritual, moral. Já a identidade “significa a obstinação
do homem em ser ele mesmo ao longo do tempo”. O “eu” constitui o ponto comum
de todas as vidas pessoais – do nascimento à morte. O “eu” não denomina a
consciência de si, mas um qualquer que já vivia antes mesmo de ter a capacidade
2. Revisão da literatura 102
de levar em conta, e antes ainda se saber dizer “eu”. Crescer, aperfeiçoar-se não
significa tornar-se um outro, mas saber que se tem um passado, um presente e um
futuro, fazendo parte do presente (PAULA, 1995).
Paula (1995) escreve ainda que já que integridade ou identidade são
dimensões constitutivas da pessoa, qualquer tentativa a fim de destruí-la, seria uma
violência tamanha que se poderia afirmar como uma demolição do próprio homem. E
por isso, sistematicamente, aparecem os primeiros princípios da bioética, que
seriam:
1) Respeito pela inviolabilidade da vida humana
2) Respeito à integridade da vida humana
3) Respeito à identidade da vida humana
Estes princípios se referem ao homem não com se ele fosse um animal
qualquer, mas como pessoa que possui uma história singular que vai atrás de um
destino. Reconhecer a presença da vida humana significa reconhecer a presença de
uma pessoa vivente (PAULA, 1995).
Sobre a identidade D’Agostino (2003) escreve que é a partir da defesa da
identidade que se pode operar a defesa da dignidade da vida. A vida humana é
digna porque o homem é um sujeito natural que possui uma identidade. A defesa da
identidade implica o reconhecimento a sujeito de uma série de direitos específicos
que garantem e protegem sua unicidade, que vão desde a tutela geral de sua porção
física, até a tutela do direito a um patrimônio genético não manipulado, e ainda
àquela dos direitos que o garantam como ser vivente no interno de um ecossistema.
A defesa da identidade atua, também, impondo deveres específicos - como o de não
alterar e não colocar em risco a identidade de outros sujeitos, viventes ou futuros (no
2. Revisão da literatura 103
caso da clonagem). E este princípio de respeito à identidade opera sobre numerosos
planos bioéticos de grande relevância.
Para D’Agostino (2003) a inserção do respeito da identidade como princípio
faz cair por terra a discussão entre os termos “sacralidade da vida” e “qualidade de
vida”. Para este autor, estes termos são valores antinômicos, que entram em conflito
sempre que colocados frente a frente.
Isto é, quem admite a sacralidade da vida, a norma fundamental da bioética
poderia ser expressa no imperativo: “difendi la vitta!”, segundo o qual a vida humana
é considerada indisponível. Esta ética reconhece em cada pessoa uma razão de ser
intrínseca e específica, e por isso, deve ser respeitada como princípio
(D’AGOSTINO, 2003). Já aqueles que consideram o conceito de qualidade de vida
(e a dignidade como um valor para medir esta qualidade, diferentemente do exposto
acima que traz a dignidade como valor intrínseco de toda pessoa) pensam que, para
que a vida seja vivida com dignidade, é necessário que ela possua um nível de
qualidade, e por isso, seria possível especificar condições sem as quais não se teria
dignidade e, consequentemente, não se teria o porquê de viver. (VIAFORA, 2003).
A norma fundamental deste pensamento estaria reconhecida no imperativo
“difendi la qualità della vitta!”, e assim a vida não seria defendida pelo valor - pessoa
- mas dentro dos limites em que parece ser merecida de ser vivida, representando
uma avaliação privada de referenciais absolutos e que confia ao próprio indivíduo e
à sua capacidade autônoma, qualquer decisão, sendo esta a ótica utilitarista
(D’AGOSTINO, 2003). Existem novas terminologias que falam, inclusive, de
“qualidade de vida reduzida” (PAULA, 1995).
Sgreccia (1997) afirma que o conceito de qualidade de vida é importante, mas
ele deve ser analisado de maneira a contemplar todas as dimensões da pessoa e
2. Revisão da literatura 104
deve estar em harmonia com essas dimensões. Ele diz que: “um autêntico e pleno
conceito dessa qualidade deverá buscar dentro da pessoa a satisfação das
necessidades e dos desejos, mas respeitando e promovendo os valores tipicamente
humanos, ou seja, espirituais e morais”.
Segundo o personalismo ontologicamente fundado, uma pessoa com
deficiência não é menos viva do que uma pessoa sã. Portanto, a vida humana deve
ser preciosa porque é atividade de qualquer um, de qualquer pessoa vivente. Paula
(1995) afirma que deve-se falar em dignidade da pessoa humana porque a vida
participa da dignidade ou do valor que pertence ao sujeito-pessoa. Enquanto a vida
é uma propriedade da pessoa, e o corpo é um elemento essencial constitutivo da
pessoa humana, ele (o corpo) não é a pessoa, mas possui o mesmo valor dela; valor
este que se perde quando o corpo não é mais um organismo formado também de
um espírito (e se torna um cadáver).
A dimensão pessoal da vida humana traz à tona sua especificidade e o seu
valor incomparável. “Digna é a pessoa humana.” A pessoa humana não possui
preço, nem em termo econômicos, nem em termos de bem-estar, nem em termos do
progresso, nem sociais, etc. antes de tudo, a pessoa é o valor para todas as coisas
que são disponíveis ao homem (PAULA, 1995).
2.4 O início da vida humana
Uma das principais perguntas existentes no debate bioético é a de quando se
inicia a vida humana. Trata-se de uma questão cuja reposta poderia ser, a primeira
2. Revisão da literatura 105
vista. facilmente respondida: a vida do ser humano tem início bio-geneticamente no
momento da fecundação. Este é um dado científico que deveria ser considerado
indiscutível. Se existem discussões sobre a definição filosófica de pessoa e também
sobre a identificação do início da vida pessoal, parece impossível que haja qualquer
duvida a respeito do início da vida bio-genética do ser humano, já que, sendo o ser
humano espécie vivente do Homo sapiens, o início de sua vida deveria coincidir com
a união dos gametas humanos – masculino e feminino (PALAZZANI, 1996).
No entanto, as descobertas recentes em relação à embriologia, relativas às
primeiras fases da formação do zigoto humano rendem esta problemática - a
identificação da origem desta vida. E é esta situação que caracteriza o debate
científico atual em bioética, e nos leva ao obscuro significado do ser humano, e mais
ainda, do conceito de pessoa humana. E isto envolve também a filosofia do referido
conceito, já que não se pode interrogar sobre o conceito de pessoa sem antes saber
quando o ser humano tem início, e se este início corresponde com o princípio da
vida da pessoa (PALAZZANI, 1996).
O fato é que, no Brasil, este dado ganhou grande evidência no debate
bioético no ano de 2007, quando a Lei de Biossegurança, promulgada em 2005,
regulamentou a utilização de embriões congelados há mais de três anos em clínicas
de fertilização “in vitro” em pesquisas com células-tronco, gerando uma série de
audiências no Supremo Tribunal Federal, a fim de se determinar o início da vida
válido juridicamente no país (BRASIL, 2005).
O posicionamento do personalismo ontologicamente fundado é claro: cada
gameta contém metade das informações genéticas necessárias para que se tornem
um embrião. Por isso, quando um óvulo e um espermatozóide se unem, seja
naturalmente ou artificialmente, tornam-se um embrião (assim alterando
2. Revisão da literatura 106
substancialmente sua natureza, no sentido de tornar-se qualquer coisa diferente de
si). Ou seja, o ser humano se constitui biológica e geneticamente no momento da
fertilização (quando há a formação de uma nova entidade biológica que carrega um
projeto individualizado). A fertilização não é um evento simples, mas um processo
dinâmico e complexo que acontece com o tempo – do momento da penetração do
espermatozóide no óvulo (quando as membranas destas duas células se abrem e
unem seus materiais genéticos, iniciando uma intensa atividade de interação) até o
estágio da singamia, que é o momento da fusão completa de todos os cromossomos
das células geminais. Existe desde aí, isto é, desde a penetração do
espermatozóide no óvulo, uma nova capacidade de organização de todas as fases
sucessivas da vida humana. E este ser “processo” não anula a individualidade e a
identidade ontológica daquele ente que faz parte do evento – o processo indica a
sucessão sequencial de desenvolvimento deste ente no tempo, dinâmica e
progressivamente (SGRECCIA, 2007; PALAZZANI, 1996; SUTTON, 1994).
E é precisamente esta nova constituição genética que individualiza
claramente e define o zigoto, isto é, o constitui um sujeito com sua própria existência
e com suas características próprias que o distinguem de qualquer outro ser (SERRA,
1987).
De fato, a fertilização constitui um evento, ou um processo, peculiar, e é esta
mesma peculiaridade que determina sua relevância axiológica e normativa. A
formação do zigoto constitui o início de uma “nova entidade qualitativamente nova”,
diferente de tudo o que a precede. Com o encontro dos dois gametas humanos
(feminino e masculino) se constitui uma identidade genética e biológica humana,
radicalmente nova, única e irrepetível; e cada modificação genética neste processo
contínuo é de “tipo quantitativo”, ou seja, “progressiva, gradual e coordenada”. Este
2. Revisão da literatura 107
novo genoma identifica o embrião como biologicamente humano e, mesmo que com
apenas uma célula, especifica sua individualidade. Portanto a relevância ética deste
processo, se reconhecida em qualquer outro momento sucessivo e isolado desta
continuidade ininterrupta (cada eventual, intencional ou acidental interrupção dele
causa a morte do organismo), deve ser considerada arbitrária (SGRECCIA, 2007;
PALAZZANI, 1996).
Este projeto – o zigoto - se autocontrola (o que determina uma unidade na
orientação de seu desenvolvimento), e possui em sua autonomia a unidade
permanente do sujeito através de todas as diferenciações de tecidos e órgãos que
irão aparecer gradualmente. Do ponto de vista biológico, “o novo aparato genético
representa o centro de unificação de todos os processos e funções vitais que
desenvolvem-se no novo ser (SERRA, 1987).
Assim, esse novo genoma não é estático e não depende dos órgãos
fisiológicos da mãe para ser executado (exemplo disto é que o embrião pode ser
fertilizado em ambiente extra-uterino). É um novo projeto que se constrói e é seu
ator principal. Este processo, segundo Sgreccia (2007) é coordenado (com sucessão
de atividades moleculares e celulares sob controle do próprio embrião), contínuo
(pois após a fertilização, procede sem interrupção se são verificadas condições
exigidas para tal), e gradual (a formação final do organismo ocorre a partir das
passagens mais simples – unicelular – até as mais complexas).
Para o ser humano, vale a “lei ontogenética” que determina o
desenvolvimento de cada ser derivado de reprodução através de gametas:
“Na ontogênese humana o homem que se forma através de uma série de fases, das quais a precedente é sempre premissa para a que se segue; é um homem determinado, que se forma através de um programa genoma, que é um projeto no qual a ontogênese é ativamente controlada” (SERRA, 1987. P. 96-97).
2. Revisão da literatura 108
Da fertilização surge o zigoto que é, na realidade, um novo ser humano que
atua, segundo a lei da ontogênese, seguindo as potencialidades que traz consigo
em seu genoma. Em seguida, este embrião adquire a figura humana com a qual se
está mais familiarizado. Por isso, Serra (1987) afirma que, sem possibilidade de
erros, estamos sempre na frente de um mesmo sujeito, desde o primeiro momento
em que se constitui sujeito até o fim de seu ciclo vital. O zigoto e o feto são “ser
humano” em fase de desenvolvimento; mesmo um recém-nascido é um sujeito
humano, uma pessoa em fase de desenvolvimento; e ninguém ousaria dizer que ele
não o é. E o recém-nascido é o zigoto dos anteriores nove meses, meses que o
levaram a se desenvolver para poder respirar e alimentar-se fora do ventre materno.
2.4.1 Teorias que negam a fertilização como início da vida humana
Os debates relacionados à consideração do início da vida humana
coincidente com qualquer fase que sucede a fertilização são baseados,
principalmente, em reflexões filosóficas, antropológicas, éticas e jurídicas
(PALAZZANI, 1996).
Existem teorias que querem demonstrar que a vida humana tem início
somente depois da singamia, ou ainda depois do princípio da formação do sistema
nervoso central. Neste sentido, sem a precisão de uma delimitação, se nega a
presença do ser humano e consequentemente da pessoa humana. Assim se
justificaria, dentre outras coisas, a experimentação não terapêutica com embriões,
2. Revisão da literatura 109
ao menos antes da singamia, ou seja, nas primeiras horas da formação do mesmo
(PALAZZANI, 1996).
Serão apresentadas algumas teorias que negam que a vida humana tenha
seu início no momento da fecundação. São elas:
A) Teoria da relação
A partir desta teoria, considera-se ser humano, o embrião que se implanta na
parede uterina, fato que pode ocorrer do 5º ao 14º dias. A principal razão adotada
para justificar a relevância deste fenômeno no reconhecimento da pessoa é a
observação do início de uma estreita comunicação intercelular entre embrião e
organismo materno. Neste sentido, seriam necessárias, para a sobrevivência e
evolução do embrião humano, as informações extra-zigóticas provenientes da mãe
(entendendo por estas informações apenas o suporte nutritivo). Portanto, o zigoto
não possuiria todas as informações necessárias e suficientes para tornar-se pessoa.
Então, no contexto de uma visão filosófica, esta teoria retém que a relação seja
constitutiva da pessoa, sendo fato humano fundamental a comunicação, a presença
de um outro; e considera que o embrião, antes do anidamento, é apenas um
“amontoado de células”, sem autonomia operativa (PALAZZANI, 1996).
Revisando esta teoria, pode-se afirmar que é o genoma humano que possui a
força prioritária para endereçar autonomamente o desenvolvimento do embrião em
uma direção bem precisa. O programa genético tem início já na fecundação, e a
continuidade do processo depende de alguns fatores externos, como o aporte da
mãe. Por isso, é evidente que a autonomia do embrião deve ser considerada como
capacidade de dirigir o próprio processo vital; não existe uma completa dependência
do exterior. Palazzani (1996) afirma que mesmo um sujeito adulto necessita do
2. Revisão da literatura 110
ambiente que o circunda. A relação com a mãe é necessária para o
desenvolvimento, mas não constitui ontologicamente o embrião (já antes da
implantação se instaura uma relação bioquímica entre embrião e mãe).
Portanto, do ponto de vista filosófico, se é verdade que a relação é um
elemento indispensável para o ser da pessoa, é verdade que ela não constitui
ontologicamente o sujeito, mas, vice-versa, é a realidade do sujeito que torna
possível a relação – não existe relação se não existe um ser se relaciona com o
outro (SGRECCIA, 2007).
B) Teoria da individualidade humana – a perda da to tipotência
No âmbito da conceituação de pessoa humana, a delimitação do confim de
relevância ético-jurídica a partir da formação da linha primitiva, ou seja, a partir do
14º dia após a fecundação, é mais notável e mais discutida na literatura da bioética.
E esta notoriedade se deve ao Relatório Warnock – um documento elaborado em
1984 pelo Committee of Inquiry into Human fertilization and Embryology, do governo
inglês. Este documento limitou o 14º como limite para pesquisas com embriões; e
este limite foi adotado não somente na Inglaterra, mas em vários países da Europa
(SUTTON, 1994).
O ponto crucial para a identificação empírica da pessoa, segundo o Relatório
Warnock é a verificação da individualidade do embrião. Considera-se primeiramente
a “unidade espacial”, ou seja, é indivíduo um ente concreto separado de outra
entidade (existente em si, independente). Um segundo critério é a “unidade espaço-
temporal”, pela qual um ente é individual quando permanece ele mesmo
(numericamente) na sucessão do tempo – e até o 14º dia é possível ocorrer a
bipartição ou a fusão. O terceiro critério é o de “diferenciação e determinação” das
2. Revisão da literatura 111
partes e de “organização e direção” – um ente é um indivíduo se possui em si
mesmo o princípio do movimento e a capacidade ativa de se autodirigir e manter o
desenvolvimento do processo vital. Por isso, segundo este relatório, não se pode
reconhecer a presença de um indivíduo humano pelo menos até o final do 14º dia.
Esse texto diz que, antes disso, o embrião é somente um “amontoado de células”,
ou uma colônia de células não diferenciadas, fechadas na zona pelúcida, e que este
é um período de preparação para a formação do ser humano (SGRECCIA, 2007;
PALAZZANI, 1996). Os autores do Relatório Warnock nomearam esta fase inicial
com o termo “preembrião” (SGRECCIA, 2007).
Quanto a este argumento, pode-se dizer que uma observação atenta do
embrião nesta fase inicial mostra a estreita inteiração entre a pluralidade das células
do mesmo, que constituem um organismo multicelular unitário (PALAZZANI, 1996).
A linha embrionária representa um dos pontos de chegada de um processo
sequencial e ordenado que se inicia no momento em que se forma o zigoto. No
período de preparação dos sistemas do embrião, as células que darão origem à
linha primitiva já estão lá. Seria incorreto admitir que a presença da linha primitiva
divide o processo – do zigoto à formação da linha e desta em diante - pois se assim
fosse, os processos seriam individuais e não teriam nenhuma correlação entre si.
Esta linha não surge de improviso, nem aparece através de estímulos externos, e
também não está separada do todo processual que começa a se desenvolver a
partir da fertilização: é um produto desse mesmo processo (SERRA, 1987).
Mas o fato mais relevante em relação a esta teoria é o de que até o 14º dia o
embrião pode unir-se a outro – hibridação - ou ainda se dividir em dois – divisão
gemelar. Esta idéia faz com que, de acordo com o relatório, a aplicação do conceito
de pessoa desde a fertilização seja revisto, já que até esse período o embrião é
2. Revisão da literatura 112
considerado apenas uma individualidade humana biogenética: o zigoto seria um ser
humano individual no sentido biológico, e somente depois do 14º dia após a
fertilização (até quando seria considerado um indivíduo em potencial no sentido
filosófico), uma individualidade humana ontológica, ou melhor, uma pessoa no
sentido filosófico. E isto se deve ao fato de que o embrião em suas duas primeiras
semanas de vida é totipotente, isto é, tem potência para se unir a outro embrião, ou
se dividir em dois, o que descaracterizaria sua individualidade, e também sua
continuidade no tempo, ambos propostos pelo relatório. Assim, “as duas primeiras
semanas do desenvolvimento embrionário não seria um desenvolvimento do
indivíduo humano, mas no indivíduo humano” (PALAZZANI, 1996).
Neste sentido, o personalismo ontologicamente fundado argumenta dizendo
que até o embrião originário, que passa a não existir mais no momento em que
origina dois indivíduos, é contínuo ontologicamente. Trata-se de um ciclo de vida
extremamente breve, mas um ciclo vital contínuo de um indivíduo singular, biológica
e ontologicamente determinado. O momento da divisão é causado por uma
interferência no projeto. Então, mesmo o embrião originário seria uma vida humana
em início, mesmo que por tempo determinado e breve; não seria certamente o
indivíduo que se tornaria adulto, mas o zigoto seria o mesmo indivíduo que surge
dois ou mais dias após a fecundação (SGRECCIA, 2007; PALAZZANI, 1996).
Serra (1987) utiliza uma analogia para exemplificar o caso da divisão gemelar:
a reprodução agâmica, onde algo similar acontece – existe um indivíduo que pode
ser uma hidra, que é constituída de algumas células. Num certo momento, desta
hidra se forma uma célula – a gema – que se destaca para dar início à formação de
outra hidra; o que não tira a individualidade e a verdadeira unidade daquela onde
2. Revisão da literatura 113
teve início o processo. Assim, o zigoto humano pode contribuir à origem de um novo
indivíduo humano, mesmo depois de ter percorrido certo caminho.
Já no fenômeno da hibridação, também não se pode negar o fato da
existência de um projeto bem definido em cada uma das células fecundadas, que
poderia se desenvolver de maneira autônoma como dois zigotos se não fossem
perturbados por causas externas (SGRECCIA, 2007).
“O fato de que nessas primeiríssimas fases se possam verificar eventos extrínsecos ou patológicos pelos quais se originem, de uma célula fecundada, dois gêmeos homozigotos, ou que dois óvulos fecundados se unam em um só (hibridação), ou ainda que se verifiquem interrupções ou miniabortos, tudo isso não muda a natureza e a qualidade intrínseca do genoma e de seu dinamismo individualizado.” (SGRECCIA, 2002. p. 346)
O mesmo autor diz que o embrião possui capacidade real de ativar todas as
atividades relativas a um ser humano adulto. Essa capacidade se encontra na
essência da individualidade humana. Nessa individualidade o corpo é informado e
estruturado pelo espírito, e por isso: “não se pode fazer distinção ontológica entre o
indivíduo humano – qualquer que seja o estádio de desenvolvimento a partir da
fecundação - e pessoa human – qualquer que seja o estado de amadurecimento
individual” (SGRECCIA, 2002).
2.5 O fim da vida humana
O personalismo ontologicamente fundado entende que toda pessoa deve ter sua
dignidade reconhecida “do momento de sua fecundação até o momento de sua
morte natural” (SGRECCIA, 2007).
2. Revisão da literatura 114
A verdade é que nada conhecemos da morte. Ela é um acontecimento
pessoal e intransmissível, muitas vezes chegando de forma inesperada, ou ainda
após um longo período de doença. E quando alguém morre, a vida dos que viviam
em seu entorno sofre alguma modificação. “Embora isto seja reconhecido por todos,
se sabe que a sociedade atual tem dificuldade de lidar com a morte e prefere
escondê-la.” Antigamente as pessoas morriam no seio de seus lares, publicamente,
na companhia de toda a família. Hoje em dia, as pessoas morrem em locais
discretos e escondidos, sozinhas ou em meio a pessoas estranhas. É importante
pensar na morte como acontecimento natural e inevitável, de paz e dignidade.
(NEVES; OSSWALD, 2007).
A manutenção artificial de funções vitais, como a respiração e o trabalho
cardíaco artificiais, por exemplo, se deve ao progresso tecnicocientífico dos últimos
anos na área da medicina. Essas possibilidades de intervenção terapêutica foram
desenvolvidas na segunda metade do século XX para ajudar pessoas em estado de
morte iminente, e deram início a uma nova especialidade médica – a medicina
intensiva. Essa medicina deve ser reconhecida como um valioso meio para que
vidas humanas que até pouco tempo perdidas, se salvem. Mas, como tantas vezes
acontece com as modernas tecnologias, elas podem produzir efeitos maléficos, que
neste caso seria: o prolongamento do processo de morrer. Isto acontece quando
essas tecnologias são aplicadas em doentes cujo processo de morrer é irreversível,
e são mantidas mesmo quando é sabido que este processo não tem retorno. Isso se
chama “obstinação terapêutica” (SERRÃO, 2007).
O mesmo autor afirma que neste processo de “cuidados a mais”, pessoas
mortas matem suas funções vitais artificialmente. E assim, para que essa vida
termine, alguém deve desligar os aparelhos que a mantém, o que nesse ponto,
2. Revisão da literatura 115
torna-se conseqüência aceitável para a incapacidade de intervenção terapêutica.
“No limite dessa argumentação, o médico, ao matar o doente, executa um ato
terapêutico”. E isto é “resultado de uma má atuação da medicina curativa que criou o
paradigma do curar a qualquer preço”, mesmo que isso possa acarretar sofrimento
aos doentes e à sua família, o que representa um processo de morrer que ofende a
dignidade humana.
“[...] os “cuidados a mais” conduziram e estão conduzindo à “medicalização da
morte” e à intervenção médica na “terminação da vida [...]” (SERRÃO, 2007).
De outro lado, encontram-se os “cuidados a menos”. Serrão (2007)
exemplifica com o caso de um paciente que está com câncer, e cujo prognóstico é
fatal, e em um curto prazo. Normalmente, nestes casos, os médicos “não têm mais o
que fazer” pelo doente e o enviam a casa. Neste momento o paciente, na situação
de abandono clínico, entra em depressão, e recusa a falar de si até o dia em que
acabem com seu sofrimento. Pacientes, nestes casos, sofrem de dores físicas
fortíssimas, o que pode resultar num pedido de eutanásia, feito a seus familiares, ou
mesmo à equipe médica que o assiste em casa por rotina assistencial. Esse
“cuidado a menos” pode até acontecer nos hospitais onde estes doentes ficam,
normalmente isolados, aguardando o momento de sua morte. Desse modo, morte
pode ocorrer em total abandono físico e espiritual. E o doente, desesperado, pede
que se não há mais nada a fazer, que pelo menos o deem uma injeção letal
(SERRÃO, 2007).
O mesmo autor coloca, ainda, mais um aspecto: muitos tratamentos de
pessoas neste estado de doença são financiados pelo governo, e normalmente, o
primeiro critério para autorizar acesso aos serviços de saúde é a ponderação dos
benefícios em relação aos custos. Gastar dinheiro com alguém que vai morrer é um
2. Revisão da literatura 116
prejuízo para o sistema de saúde; é preferível usar este dinheiro com cuidados que
possam restituir saúde e recolocar a pessoa no sistema de trabalho. Esse fator,
aliado ao abandono clínico, condicionam a situação de “cuidados a menos”.
D’Agostino (2006) seguindo este pensamento, escreve que o debate sobre
eutanásia está crescendo por motivos de caráter sociológico e ideológico – o
aumento da expectativa de vida está fazendo com que mais pessoas fiquem mais
tempo doentes tornando os tratamentos médico e assistencial delas (principalmente
dos idosos) cada vez mais onerosos.
E surge no paciente, assim, um forte desejo, pessoal e íntimo de ser morto,
de pedir a eutanásia, ou o suicídio assistido. A eutanásia, conceitualmente é a
“morte intencional de uma pessoa que pede para ser morta pela pessoa que recebe
esse pedido e que decide dar-lhe satisfação, matando-a”. Ela diz respeito, portanto,
tanto à vontade de quem pede, quanto à de quem decide matar (SERRÃO, 2007).
Não há, então, eutanásias: involuntária, passiva, misericordiosa, como diz
Serrão (2007). Escreve, ainda, que são três os grandes momentos nesse processo
(apesar de ser um ato unitário): o pedido da pessoa, o acolhimento de quem recebe
e a decisão.
O pedido de uma pessoa para ser morta é verdadeiramente trágico. Mas
quais motivos graves uma pessoa teria para não querer mais viver? Serrão (2007)
cita: a dor física intensa e persistente, que pode passar a ser o único modo de
perceber a vida para aquele doente; o sofrimento, que é um estado emocional que
pode ser agravado pelas dores físicas, ou até por fato que tenha acontecido
anteriormente ao moribundo (pode ser que lhe doa o corpo ou a autoconsciência de
ver próximo o seu fim, vivendo o luto de sua própria morte); e o esgotamento de
projeto pessoal de vida, que pode ser definido como fim de toda esperança (nos
2. Revisão da literatura 117
casos de jovens com tetraplegia isso é muito comum, já que a pessoa enxerga
aquele corpo como inútil, e se sente também inútil).
E tudo isso pode equivaler, implícita ou explicitamente em um pedido de
socorro dirigido ao outro, para que o doente não fique só, para que ele seja
confortado, para que suas dores e medos sejam aliviados (D’AGOSTINO, 2006).
O acolhimento de pedido é o componente mais delicado e importante do
aspecto da eutanásia. Este pedido deve ser acolhido com respeito, pois nunca é
fútil. Pelo contrário, possui a “dignidade da confissão de desespero e fracasso
pessoal”, e por isso, quem recebe o pedido deve se esforçar para conhecer as
causas profundas do mesmo: se for por dor física, o dever de quem acolhe deve ser
o de fazer de tudo para que as dores sejam aliviadas; se a causa é um sofrimento
insuportável, quem recebe o pedido deve usar sua empatia para descobrir as raízes
deste sofrimento, e muitas vezes nesses casos a família e a equipe médica não
podem mais ajudar; devem intervir, então, psicólogos, ou mesmo um guia espiritual
que possa reconfortar essa pessoa – o importante é descobrir a razão do sofrimento
a agir em relação e ela. No caso de perda de esperança de vida, deve-se propor à
pessoa uma ajuda psicoterapêutica que consiga recriar um novo sentido de vida
para si – “a descoberta de um sentido novo para uma nova forma de viver atenua
muito o sofrimento e faz esquecer o pedido de eutanásia” (SERRÃO, 2007).
Quanto à decisão, existem somente dois caminhos a seguir: matar e não
matar. E esta decisão é, normalmente, médica, já que somente este profissional
poderia ter o “poder” sobre a vida daquele paciente. O mais importante aqui é que o
pedido de eutanásia seja reconhecido como pedido de ajuda, e que o médico
assuma o problema daquela pessoa para ajudá-la (SERRÃO, 2007).
2. Revisão da literatura 118
Se a situação da eutanásia for “criada” pelo paciente que impõe sua vontade
ao médico, obrigando-o a matá-lo, a relação adquire o valor de uma violência
praticada pelo doente. Se a vontade for do médico, a situação é analogamente
violenta e contrária à anterior. Com a afirmação que a eutanásia é praticada
mediante a um acordo entre os dois atores, a situação torna-se abstrata, já que
“esses casos ativam, no paciente, emoções e sentimentos extremos e envolventes
que podem instigar no médico o sentido da detenção de um poder”. A relação nestes
casos é assimétrica (SERRÃO, 2007)
O médico e o paciente devem estar ligados, na verdade, através de uma
“aliança a favor da vida e contra a morte”. Assim, o paciente nada pode pedir ao
médico que não seja a favor da vida, e o médico tem a obrigação de não realizar
nada que vá contra a vida. E este é o caráter próprio da medicina, o caráter
terapêutico. “Quando o médico reconhece que não há mais recursos para manter
uma vida humana, ele não está admitindo uma derrota da medicina, mas o
reconhecimento de seus limites constitutivos” (D’AGOSTINO, 2006).
Neste momento, os pacientes podem, e devem, encontrar conforto físico,
psicológico, social e espiritual; e isto se dá através dos cuidados paliativos. A
filosofia deste tipo de cuidado procura atender às pessoas na fase final da vida,
afinal os limites do cuidar vão muito além dos limites do curar (JORGE et al., 2007).
A primeira instituição moderna de cuidados paliativos foi criada no Reino
Unido, em 1967, por Cicely Saunders, com a designação de hospice, e esta
especialidade tem se desenvolvido rapidamente . Como diz Serrão (2007):
“Atender e cuidar da pessoa que vai morrer é muito mais do que olhar para seu corpo, do qual a vida biológica se esvai; é acolher a pessoa toda na singularidade da sua biografia como um ser humano com história, com desejos, aspirações e sonhos que deverão manter-se vivos até o momento da morte. Nessa atitude de respeito e atenção de toda equipe de cuidado paliativo não há lugar para eutanásia, mas há lugar para a celebração do mistério de estar vivo e de viver até a morte” (SERRÃO, 2007. p. 182).
3. Metodologia 119
3 METODOLOGIA
“O que importa é dar-se conta dos próprios pressupostos, a fim de que o próprio texto possa apresentar-se em sua alteridade, podendo assim confrontar sua verdade com as opiniões prévias pessoais. (GAMADER, 2005, p. 358)
A metodologia utilizada neste trabalho foi a análise de textos relacionados à
bioética através da hermenêutica, ou seja, o fenômeno da compreensão, como
descrita por Gadamer (2005). Seu objetivo é rastrear a experiência de uma situação
através da linguagem. “E a forma de realização da compreensão é a interpretação”.
“[...] a escrita ocupa o centro do fenômeno hermenêutico, na medida em que, graças ao escrito, o texto adquire uma existência autônoma, independente do escritor ou do autor, e do endereço concreto de um destinatário ou leitor. De certo modo, o que é fixado por escrito se eleva aos olhos de todos para uma esfera de sentido na qual pode participar todo aquele que esteja em condições de ler” (GADAMER, 2005. p 507).
A proposta do presente trabalho foi utilizar textos de autores brasileiros
recolhidos de um site que serve de referência para a pesquisa médica internacional
– o site da Bireme.
O objeto da técnica hermenêutica pode ser um texto, como no caso deste
trabalho, e pode ser também uma obra de arte que transmite sensações que podem
ser traduzidas na forma de palavras. Pode-se esclarecer melhor a técnica quando se
pensa nem tradução: um texto traduzido de uma língua para outra é um texto
interpretado pelo tradutor.
3. Metodologia 120
Diferentemente do que ocorre com a palavra falada, a interpretação do escrito
não dispõe de nenhuma outra ajuda, como o modo de falar, o tom ou a cadência.
Mas a arte de escrever “não é objeto primário do esforço hermenêutico”. O que está
colocado em questão é o que está escrito no texto. “De fato, todo escrito é por
excelência objeto da hermenêutica” (GADAMER, 2005).
Para que o leitor compreenda é necessário que ele saiba do que se trata o
texto, que conheça o conjunto de idéias que o autor está apresentando. A partir daí,
segundo Gadamer (2005), o leitor precisa elaborar um projeto que se baseie no
primeiro sentido que ele apreende do texto. Portanto, para realizar a análise do
material de estudo foi elaborada, primeiramente a revisão de literatura sobre o tema
do trabalho, e em seguida, uma breve síntese de cada artigo, para que pudesse ser
estabelecido o conceito de pessoa humana ou os aspectos relativos ao mesmo nos
textos. Neste sentido, levou-se em consideração a linha de pensamento bioético que
o texto trazia, bem como, quando possível determinar através da revisão de
literatura, a linha de pensamento dos autores dos textos.
Este resumo pôde ser revisto e modificado a partir da continuação da leitura
dos textos. A interpretação começa com a apreensão inicial das idéias do texto, mas
continua cada vez que o leitor relê o texto, pois pode-se apreender mais aspectos
daquela realidade. Guerriero (2006), que em sua tese de doutorado fez uso desta
técnica, escreve que: “trata-se, portanto, de uma interação entre a expectativa do
leitor, sua primeira apreensão de sentido do texto e o texto em si, num processo
contínuo que ganha vida própria”.
Gadamer (2005) ressalta que o valor da experiência hermenêutica não está
na subordinação a algo que já é conhecido, mas na verificação de que o que está
escrito fala ao leitor , ou seja, quando algum assunto chama atenção do leitor, por
3. Metodologia 121
fazer parte de sua realidade. “Assim, a compreensão [...] é uma experiência
autêntica, isto é, um encontro com algo que se impõe como verdade”.
Como todo método qualitativo, a hermenêutica carrega a parcialidade de
quem lê e interpreta o texto. Ricoeur (2008) afirma que “uma obra se dá a seus
leitores e cria, assim, para si, seu próprio vis-a-vis subjetivo”.
Gadamer (2005) diz que um texto fala através de seu intérprete –
conversação hermenêutica - e por isso, no transmitir o sentido do texto estão
sempre implicados os pensamentos do próprio intérprete:
“Querer evitar os próprios conceitos na interpretação não é só impossível como um absurdo evidente. Interpretar significa colocar em jogo os próprios conceitos prévios, para com isso trazer realmente à fala a opinião do texto”. (GADAMER, 2005, p. 514).
Este diálogo do leitor com o texto deve ser travado a partir de um
questionamento. O sentido da pergunta é orientar a conduta hermenêutica em
direção a uma resposta, que é o texto quem dá: esta receptividade não pressupõe
uma neutralidade, diz Gadamer (2005), nem anulamento de si mesmo; “implica
antes uma destacada apropriação das opiniões prévias e preconceitos pessoais”.
Voltando ao caso do texto traduzido, ele deve possuir o sentido que o autor
do texto na língua original quis aplicar no uso de determinadas palavras. No entanto,
certas expressões podem não transmitir exatamente o mesmo significado, aquele
original, quando traduzidas. E mesmo assim as traduções são obras fidedignas do
texto inicial.
A técnica hermenêutica não é uma opinião qualquer, e não está “encerrada
na impotência do particularismo subjetivo”. O compreender não é produto de
empatia ou antipatia com o tema ou com o autor. É certo que a pessoa que
3. Metodologia 122
compreende já está incluída em um certo acontecimento, e por isso, o que está
escrito faz certo sentido e acaba se impondo. “Na medida em que compreendemos,
estamos incluídos em um acontecer de verdade”. Então não existe uma
compreensão livre de preconceitos, embora, como escreve Gadamer (2005), a
vontade de nosso conhecimento deva escapar destes preconceitos.
Sobre preconceito, Giussani (2000) escreve que não existe ausência dele,
pois isso seria impossível. Isto porque cada pessoa nasce dentro de uma família,
frequenta uma determinada escola, tem certos amigos, tem o hábito de ler o jornal e
assistir televisão, e por isso, pode estar “impregnada, como que por osmose, de
preconceito, isto é, de idéias e imagens sobre os valores e significado das coisas...”
E isto, segundo esse autor, não é um problema em si, já que quando uma pessoa é
colocada diante de um problema, faz pra si uma “imagem das coisas”.
Fica clara, assim, a idéia de que o leitor é parte ativa na interpretação do
texto. E por isso, a trajetória teórica trilhada na revisão de literatura serve de apoio,
como o conhecimento para que a aproximação aos textos tivesse um referencial
passível de identificação.
Gadamer (2005) escreve ainda que “a certeza proporcionada pelos métodos
científicos não é suficiente para garantir a verdade”, e isto vale, principalmente, para
o que o autor chama de “ciências do espírito”. E ele completa dizendo que isto não
diminui sua cientificidade, mas significa “a legitimação da pretensão de um
significado humano especial”. O fato de que o ser próprio de quem interpreta entra
no jogo neste ato de conhecer, “marca certamente o limite do método, mas não da
ciência”.
Com base na hermenêutica de Gadamer, no presente trabalho foi trilhado o
seguinte caminho: escolha do tema reconhecendo-o como parte de uma
3. Metodologia 123
experiência; revisão de literatura para referenciar o conjunto de conhecimentos
envolvidos no tema da pessoa humana; construção de uma pergunta – qual o
conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira?; busca da resposta
nos textos pesquisados a partir de palavras-chave pré-selecionadas no site da
Bireme, com leitura e consequente resumo para apreensão da primeira impressão;
releitura de textos e resumos para que o diálogo com os autores fosse travado;
contraposição das posturas dos textos com o referencial do personalismo
ontologicamente fundado.
Os resultados serão apresentados no capítulo a seguir.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 124
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO – O CONCEITO DE “PESSOA HU MANA” NO
ÂMBITO DA BIOÉTICA BRASILEIRA
4.1 O conceito de “pessoa humana” no âmbito da bioé tica brasileira
As referências para análise foram coletadas através de um site de relevância
nacional para assuntos relativos à saúde, onde se encontram também artigos de
bioética, o site da Bireme. Foram utilizados artigos e não livros por dois motivos: pela
maior facilidade de busca e leitura de artigos e teses; e também porque
academicamente os periódicos são apreciados e avaliados pelos pares dos autores,
e devem refletir o pensamento da comunidade acadêmica.
Com a orientação da biblioteca da Bireme, contatada através de telefone, a
pesquisa foi realizada através de palavras-chave digitadas no campo de busca do
site. Os termos digitados foram os mesmos utilizados no desenvolvimento da revisão
de literatura: “bioética + pessoa”, “bioética + conceito pessoa”, “bioética + conceito
vida humana”, “bioética + fim vida”; “bioética + início vida”, “bioética + sacralidade”,
“bioética + dignidade” e “bioética + qualidade de vida”.
Foram encontradas 63 referências relacionadas às palavras-chave que, em
sua maioria, se localizam na faixa entre os anos de 1999 a 2009 (sendo que as
poucas referências anteriores a 1999 foram incluídas pela pertinência ao tema).
Todos os resumos foram lidos. Neste momento, algumas referências já foram
excluídas por não serem pertinentes ao conceito de pessoa humana. Um dos artigos
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 125
falava sobre o pioneirismo de um centro universitário no ensino da bioética; outro,
sobre o profissional portador de HIV; outro ainda, sobre telemedicina; um sobre a
implantação de um Comitê de Ética em Pesquisa em uma faculdade; um sobre
bioética ambiental; outro sobre os “níveis de ética”, referenciando Henri Atlan; outro
sobre o efeito da intervenção psicoterápica em pacientes com Diabetes Mellitus, um
sobre odontologia e um último sobre a prática ética em portadores de anomalias
craniofaciais. Havia um editorial, que também foi removido da amostra por não
conter informações suficientes; formando um total de dez referências removidas.
Os textos foram encontrados via internet, ou ainda, nas bibliotecas de
algumas faculdades da Universidade de São Paulo, como a Faculdade de Saúde
Pública, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Enfermagem. Uma das teses foi
requerida à sua própria biblioteca – Biblioteca Biomédica da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro - e enviada via Correio.
Os textos relacionados às palavras-chave “bioética + conceito de pessoa”
foram utilizados mesmo que tendo data inferior ao ano de 1999. O único texto, dos
cinco encontrados nessa pesquisa, que não foi lido, dizia respeito ao biodireito. Foi
encontrado um texto da mesma autora, com o mesmo título na pesquisa que incluiu
referências sobre “bioética + pessoa”, que foi de mais fácil acesso, e por isso, foi
lido.
Já os textos relacionados às outras palavras-chave foram selecionados
através da leitura de seus resumos. Dentre todas as referências foram selecionados
52 textos para leitura integral.
Todos os artigos selecionados foram lidos na íntegra; já das teses foi lida a
introdução, a metodologia, a discussão e as conclusões. A leitura foi feita de
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 126
maneira aleatória, e um resumo de cada um foi escrito, bem como as percepções
sobre o conceito de pessoa humana trazidas no texto (na ordem em que iam sendo
lidos). Num certo momento de leitura, foi necessário que se criassem categorias
para que as referências fossem divididas de modo a facilitar a compreensão do
objetivo do trabalho, ou seja, o conceito de pessoa humana. Assim, foram criadas as
seguintes categorias: Início da vida, Fim da vida, Prática Médica, Biodireito, Sáude
Pública, e Bioética – Temas Variados (quando os artigos estavam relacionados a
outro assunto que não os envolvidos especificamente nas categorias citadas
anteriormente, como por exemplo, experimentação com seres humanos). Dentro de
cada categoria foram colocados os artigos que trouxeram como resultado de
interpretação final conceitos que cabem em cada uma delas. Foram estabelecidas,
ainda, subcategorias a fim de facilitar a condensação dos conceitos comuns dos
artigos estudado.
Assim, no que concerne o Início da vida, sete foram os artigos, e duas teses,
que se referiram ao conceito de pessoa em relação ao embrião, zigoto, células-
tronco embrionárias, recém-nascido, e ao aborto.
Em relação ao Fim da vida, onze artigos foram lidos e se relacionavam aos
cuidados paliativos, eutanásia, distanásia, pacientes terminais.
Sete artigos discorriam sobre a prática médica em assuntos como a prática
pediátrica, o câncer de mama e a insuficiência renal. Outros dois artigos falavam
sobre o Biodireiro (sendo que estes não foram considerados no experimento, visto
que levantavam questões relacionadas ao Direito que extrapolavam o conhecimento
relativo à esta tese, e por isso, não poderiam ser discutidos de forma adequada).
Sobre Saúde Pública, foram três os artigos sobre violência e saneamento básico. E
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 127
sobre Bioética – temas variados, quatro artigos falavam sobre liberdade, dignidade
humana, vulnerabilidade e experimentação com seres humanos.
4.2 Início da vida
A vida humana é limitada, ou seja, toda pessoa (corpo e espírito) tem um
início e também um fim – e são estes os limites da vida.
O início da vida humana é o mais controverso dos dois limites. Isto porque na
realização desse trabalho, este momento foi o que representou o maior número de
posições diferentes umas das outras. Existem várias teorias que procuram definir o
início da vida humana. O Personalismo Ontologicamente Fundado diz que a
fecundação é o marco que identifica o início da vida de toda pessoa humana
(SGRECCIA, 2007).
A bioética brasileira, reconhecida através dos sete artigos estudados
hermeneuticamente neste trabalho, determina diferentes aspectos em relação ao
embrião humano. São eles:
4.2.1 O embrião como pessoa humana
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 128
Azevêdo (1998a) examinou a realidade biológica do recém-concebido, e
ainda, em quais situações poderia ser lícita e eticamente aceitável a interrupção
voluntária de gestação (este artigo, apesar de ser de 1998, foi deixado por ser
extremamente relevante ao tema do trabalho). A autora diz que a genética moderna
demonstra que todas as células somáticas de um indivíduo, sem exceção, possuem
o mesmo genótipo, ou seja, 46 cromossomos dispostos em pares. Em cada célula
somática do ser humano, em qualquer estágio de seu desenvolvimento, de qualquer
tecido ou órgão permanece a mesma informação genética que se formou na
fertilização. “Assim, a informação genética tal qual se formou no zigoto é a mesma
presente em cada célula somática durante toda a vida”. Fica evidente que não
existem diferenças entre a composição genética do recém-concebido e do adulto,
isto é, o recém-concebido “é um organismo informacional completo”.
O DNA de todas as células permanece o mesmo, independente do grande
número de multiplicações celulares experimentados por nosso organismo desde o
estágio unicelular pós-fecundação até a morte por extrema idade. A mesma autora
diz que organismo humano é formado por trilhões de células, e para que elas
adquiram a forma e a função do organismo humano só existe uma maneira: começar
a partir de UMA célula, que vai se multiplicando. Inclusive os avanços em
reprodução humana demonstram que, invariavelmente, o ponto inicial desse
processo é a fertilização. Diz, também, que “a reprodução humana, natural ou in
vitro, não oferece começos alternativos; toda ela se inicia com uma única célula.
Consequentemente, o zigoto é vida humana em início”. E conclui dizendo que o
embrião é autossuficiente sobre seu próprio desenvolvimento e que a afirmação de
que ele é parte do corpo da mãe, não tem fundamento biológico.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 129
Na sequência, seu texto (AZEVÊDO, 1998a) fala sobre a terapia gênica, que
consiste em usar genes no lugar de drogas para o tratamento de doenças genéticas
e não genéticas. A autora mostra que a proposta dessa terapia “implica no
reconhecimento de uma vida em curso à qual se oferta um tratamento. A oferta
terapêutica não teria sentido caso não houvesse uma pessoa a tratar”. Observa-se
que a finalidade aqui é tratar a pessoa existente no embrião e não as células
embrionárias em si. A pessoa humana é considerada o mesmo que vida humana, e
ocorre a partir da fecundação; indo até a morte natural (quando ela fala em morte
por idade extrema).
Hossne (2006) relata a discussão de um caso fictício em sala de aula, que é o
seguinte: um casal onde a esposa não pode ter filhos porque teve que fazer
histerectomia, mas ela possui os ovários. O casal faz fertilização “in vitro”, e aluga a
barriga de uma prima que está em dificuldades financeiras. Depois de dois meses,
se detecta síndrome de Down na criança, e os pais não querem ter filhos com esta
síndrome, e por isso, pedem que a prima aborte, coisa que ela se nega a fazer. Este
caso que trouxe diferentes e importantes aspectos relacionados ao início da vida. O
autor pergunta aos debatedores: o que fazer?
Dos cinco debatedores sobre o caso, somente uma inicia dizendo que é favor
do direito de viver daquela criança, e é contra o aborto. Fala que síndrome de Down
é uma anomalia genética que provoca atraso no desenvolvimento motor e mental, o
que não a impede a pessoa de ter uma vida social, afetiva, cultural e produtiva.
Completa dizendo que todos somos pessoas, independentemente de raça, condição
econômica ou deficiência e que ninguém tem o direito sobre a vida de outro ser
humano, mesmo (e principalmente) que ele apresente alteração estética ou
comportamental, pois termos a mesma condição humana. Quanto aos pais
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 130
biológicos, ela diz ser normal que sentir medo e frustração, pois queriam um filho
saudável. Nesses casos seria necessário um aconselhamento profissional, pois a
convivência com o diferente nos humaniza, exercitamos com isso, a tolerância, a
compreensão e a solidariedade. Por fim diz que a mãe de aluguel não poderia ser
obrigada pelos pais biológicos a realizar o aborto (HOSSNE, 2006).
Abraão (2002) fala em sua tese de mestrado sobre os modelos bioéticos e a
relação profissional-paciente. Ele fala sobre as relações, e sobre o início da vida diz,
que o embrião se relaciona exclusivamente com a mãe por alguns meses, mas já
está em relação com um TU. Sobre o aborto ele diz que: “A sua liberdade [da mãe],
de importância inquestionável, não vale mais que a vida do feto em seu ventre (um
OUTRO). Preserve-se, então, a vida do nascituro!”
As três posições mencionadas consideram que todo embrião é pessoa
humana, pois tem início com a fecundação, e continuidade com a sucessão de
eventos que ocorrem após este momento, e que vai culminar com o pleno
desenvolvimento do ser humano, e sua morte natural. Em relação aos resultados do
trabalho, duas delas são posições de autores dos textos, enquanto a outra é a ideia
de uma debatedora em mesa redonda, e faz parte de um artigo. Por isso, esta
posição não foi considerada como positiva em relação a esse trabalho, ou seja, ao
reconhecimento do embrião como pessoa humana, visto que as outras quatro
opiniões do mesmo artigo eram contra esse pensamento.
4.2.2 O embrião como um “amontoado de células”
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 131
Brás (2006) fala sobre a bioética de uma maneira geral, observando aspectos
de histórico, definição e linhas de pensamento. Diz em seu texto que “[...] para a
Bioética, o zigoto não passa de um conglomerado de células que pode vir ou não a
se tornar pessoa e, portanto, o aborto não seria problema.”
Para Pegoraro (1999) “a dificuldade está em definir quando embrião e feto
passam a ser considerados pessoa. Como a personalidade é de ordem conceitual,
cabe à tradição cultural da humanidade, sobretudo à filosofia, à ética, à religião e ao
direito definir o período em que o embrião/feto passam a ser considerados pessoa”.
Ele completa dizendo que o homem amadurece como os outros seres da natureza, e
esta maturidade é alcançada no estágio ético, ou seja, na fase em que ele é
autônomo e livre, e age conforme seus valores. Diz também que os valores não se
encontram nos genes, e não são produto da genética, mas fruto de uma tradição
humana.
Como já dito, deve-se considerar a fecundação como ponto de partida de toda
vida humana. Ramos, Silva e Caldato (2009), autores que escrevem sobre bioética,
vão contra o pensamento de Brás (2006) e dizem que hoje, com muita precisão, são
conhecidos os mecanismos que promovem o desenvolvimento inicial do ser
humano; e identificam a fecundação como o “momento crítico” que marca o início de
um novo ser humano, de “alguém diferente”. Eles falam que “a pessoa é muito mais
do que a circunstância material em que se encontra.”
Além disso, “a pessoa é, a personalidade se faz”. Se considera-se que
pessoa é sinônimo de personalidade pode-se chegar à uma conclusão equivocada,
de que a pessoa se constrói. E aí, corre-se o risco de determinar diferentes
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 132
dignidades para as diferentes fases da vida de uma mesma pessoa (RAMOS;
SILVA; CALDATO, 2009).
Outra argumentação do artigo de Brás (2006) fala sobre a noção de pessoa
da bioética não religiosa: “[...] só pode ser considerada pessoa aquela que detenha
agencialidade, isto é, seja plenamente autônoma, com direito ao gozo e ao exercício
de direitos assegurados, seja racional e distinga o bem do mal.” Neste sentido, ela
completa dizendo que pacientes que sofrem de distúrbios mentais, os fetos, crianças
e povos isolados, indivíduos em coma ou com mal de Alzheimer não seriam pessoas
porque não detém de autonomia.
Barchifontaine (2002) escreve sobre controle de natalidade, contracepção e
aborto. Considera a fecundação um “simples dinamismo biológico”. Não define
quando se inicia a vida humana, e utiliza conceitos que vão desde a nidação até a
formação do córtex cerebral, citando inclusive o nascimento. Diz que alguns
especialistas afirmam que o feto não sente dor até a décima semana, enquanto
outros até a décima segunda (o que é uma informação imprecisa). E diz que assim
como o óvulo fecundado, espermatozóide e óvulo são apenas tecido humano vivo.
Defende o aborto nos casos de malformações fetais até quando a gravidez é
indesejada. E diz que o embrião deve ser considerado pessoa se os pais o
imputarem essa humanidade.
O mesmo autor afirma que tendo pesquisado dados das ciências biológicas,
os especialistas distinguem vida humana de pessoa humana. O autor argumenta
que se é a fecundação que define o embrião como pessoa, seria o mesmo optar
pelo aborto ou pelo uso de métodos contraceptivos. O que ele diz é que se pode
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 133
definir o óvulo fertilizado como tecido humano vivo, bem como, o óvulo e o
espermatozóide.
No entanto, não é possível do ponto de vista da genética, determinar em que
ponto o embrião já é vida humana, senão na fecundação. E ainda em que ponto
essa vida humana deixa de ser pessoa, quer dizer, não possui as mesmas
capacidades que possuíra outrora não a destitui de sua dignidade. “A existência de
diferentes etapas na vida de uma pessoa não significa que, para diferentes etapas,
possamos falar em diferentes graus de plenitude” (RAMOS; SILVA; CALDATO,
2009).
Afirmar que o óvulo e o espermatozóide são tecido humano vivo é correto.
Assim como as células dos pulmões e do coração também o são. Entretanto, existe
uma grande diferença entre o óvulo, o espermatozóide e o zigoto. O óvulo e o
espermatozóide são células reprodutoras feminina e masculina, respectivamente,
contendo 23 cromossomos cada. O zigoto é a união dos dois primeiros – é uma
única célula, formada pelo componente genético das outras duas, somando 46
cromossomos – e é, por isso, um indivíduo diferente. O zigoto marca o início do
desenvolvimento de um novo ser humano. Determinar que uma nova vida humana
tenha início com a nidação ou com a formação do tubo neural, entre outros, é tornar
relativo um conceito biológico claro, e com isso, torna-se relativo, também, o valor da
dignidade inerente a cada nova vida humana pelo simples fato de ela pertencer à
espécie humana.
A fim de definir a pesso, Lepargneur (1995) destaca e “recomenda pela
notoriedade universal” o conceito de pessoa de Eccles (que seria representativo do
“ponto de vista das atuais ciências humanas”) que afirma que “o bebê e até o
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 134
embrião humano devem ser considerados como um ser humano, mas não são
pessoa humana”. Eccles reconhece a “hominização através da estruturação e
evolução cerebrais”.
Lepargneur (1995) faz referência, ainda, à antropologia cristã oriental, que
afirma que a pessoa “é uma convivialidade (todos por um, um em todos), enquanto
que a “pessoa ocidental é um indivíduo (o sujeito de direitos e obrigações)”. Para o
autor a concepção oriental se reaproxima da visão científica que “não repugna em
afirmar que – é tolice muito simplificadora pretender que o embrião é pessoa, mas
concordamos em reconhecer que o embrião ou feto é um ser vivo da espécie
humana e como tal merece um cuidado ou respeito devido à dignidade pessoal,
segundo uma gradação que concede a cultura ou fé religiosa vigente.”
Ele fala, então, sobre as diferenças de pensamento entre cientistas e
católicos afirmando que deveria haver um “esforço de entender os motivos da
postura dos outros” (LEPARGNEUR, 1995).
Lepargneur (1995) acredita que o conceito de pessoa está ligado a uma visão
religiosa do assunto, quando cita Pe. Tettamenzi que diz que a personalidade do
embrião concerne aos teólogos, filósofos e juristas e não à biologia. Segundo
Ramos, Silva e Caldato (2009), a noção de que todo ser humano é dotado de uma
certa dignidade e que é algo (ou alguém) não quantificável, pois sua dignidade
extrapola qualquer medida, é de Kant.
A dignidade pessoal é, portanto, intrínseca a todo homem. Como já foi dito,
todo ser humano é pessoa, independente de sua fase de desenvolvimento, e até de
sua capacidade de desenvolvimento.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 135
4.2.3 A autonomia da mãe
Em artigo já citado, Hossne (2006) debate sobre o caso de uma mãe de
aluguel gestante de uma criança com Síndrome de Down. Um dos debatedores diz
que no Brasil o aborto por anomalia fetal ainda é considerado crime. E frente a isso
o aborto nessas circunstâncias não poderia ser realizado. Ele diz também que do
ponto de vista ético soa bastante compreensível que a mãe genética queira decidir
quanto ao prosseguimento ou não da gestação de um filho que pelo contrato será
dela e ela deverá criar. Sugere que deve caber à mãe biológica a decisão sobre o
destino do seu filho. Ele sugere, ainda, que essa mãe deveria procurar um advogado
para tentar obter uma decisão a seu favor. Diz, também, que esse tipo de discussão
é permeado de crenças afetivas e religiosas e que é por isso que alguns podem
estimar mais a vida do feto que a decisão da mãe.
A quarta debatedora do mesmo artigo (HOSSNE, 2006) considera que a mãe
de aluguel deve ter autonomia sobre seu corpo. E que é ela quem deveria decidir o
que fazer com a criança. Diz que a síndrome de Down é compatível com a vida “e
aos dois meses de gestação a embriogênese está praticamente completa, o que
caracterizaria, aborto criminoso.
Outro debatedor diz que do ponto de vista jurídico, não há o que fazer. Ao
contratar a utilização do útero de outra mulher, os pais genéticos assumiram o risco
de ter um filho portador de síndrome de Down ou de alguma deficiência.”
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 136
A última debatedora diz que o aborto não é permitido no Brasil, mas que não
se pode evitar que eles sejam realizados. Ela traz uma estimativa: que para cada
nascimento, é realizado 1 aborto no Brasil. E que essa prática aumenta a
hospitalização e é hoje o principal fator de mortalidade materna no país. E diz que,
no caso discutido, esse aborto teria que ser um aborto clandestino com graves
implicações para a mãe de aluguel. Diz também que o princípio do respeito à pessoa
é central em bioética. E completa dizendo que “todo ser humano de idade adulta e
com plena consciência tem o direito de decidir o que pode ser feito no seu próprio
corpo”.
Outro texto (BARCHIFONTAINE, 2002) fala também que especialistas em
bioética defendem a ampliação do aborto legal nos casos de gestações de fetos com
anomalias que impossibilitem a criança de ter uma vida normal. Os mesmos
especialistas dizem que tal decisão deve ser do casal que gerou o filho. Diz que a
proibição do aborto tira da mulher a responsabilidade da maternidade e coloca a
criança numa situação marcada por distorções íntimas. E que quando o casal
reconhece e aceita a gestação, atribui humanidade ao ser que vai nascer. “Todo
julgamento pelo aborto deve ser modificado a partir do reconhecimento materno e
paterno à criança”. E a decisão de ter um filho deve ser pesada em relação aos seus
riscos e responsabilidades.
O mesmo autor escreve que o aborto nunca é realizado por escolha, e é
sempre o último recurso de quem o realiza. E que, por isso, em relação a esse
assunto deveria haver mais tolerância. Diz também que a bioética deve substituir a
proibição pela liberdade incorporando a ética da responsabilidade, a ética da
tolerância e a ética da solidariedade.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 137
A tese de Adão (2005) não se refere especificamente ao embrião. No entanto,
traz inúmeras vezes no texto que as adolescentes estudadas em seu trabalho
optaram pela gravidez, fazendo parecer que elas tinham opção entre a gravidez e o
aborto. A autora faz ênfase ao princípio de autonomia e cita Segre e Cohen que
afirmam que deve-se considerar a emoção para julgar eticamente uma ação, o que
poderia levar a adolescente a pensar no aborto se ela não estivesse “emocionada”
com o fato de estar grávida. Enfatizando este pensamento, a autora diz: “Quando
optaram pela gravidez, por escolha própria ou de comum acordo com o namorado
ou companheiro, ou ainda rejeitando definitivamente o aborto, as adolescentes
estiveram autodeterminando-se na questão bioética da autonomia”.
São diversos os aspectos a serem discutidos: é interessante que se fale em
risco e em contrato quando o assunto é um filho; fala-se em risco (ou se faz um
contrato) na compra de um carro que possa estragar, por exemplo, mas não quando
se trata de uma vida humana.
Em relação à afirmação de que o aborto por anomalia fetal ainda é crime no
Brasil, deve-se considerar que encontra-se diante de uma vida humana, qualquer
que seja sua anomalia. Leão Júnior e Oliveira (2009) escrevem que quem defende a
legalização do aborto por anomalia fetal procura “retirar os atributos de humanidade
e de dignidade inerentes a todo ser humano desde sua existência”. Eles dizem que
procura-se “coisificar” ou tratar como a patologia de que padece, o próprio ser
humano. A síndrome de Down, como uma debatedora relata no artigo supracitado, é
uma anomalia cujos portadores podem ter vida social, profissional, cultural, religiosa.
É uma síndrome sim, uma patologia, sim, mas por trás da doença, ou melhor, diante
dela, está uma pessoa humana, digna desde o início de sua vida.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 138
Se a doença é uma malformação ainda mais grave, que possivelmente trará a
morte prematura da criança que a possui, a decisão de eliminá-la também não se
justifica. Cerqueira (2009) escreve que a criança tem o direito de provar do amor
incondicional, e que negar a dor e o sofrimento que a situação pode trazer, é negar a
existência humana.
O valor afetivo da situação é claro. É uma situação evidentemente dramática.
Os pais sempre esperam ter filhos saudáveis, pois os filhos podem ser considerados
o espelho da capacidade dos pais. E, então, estes pais precisam de ajuda de
profissionais e das pessoas que estão em seu entorno, para enfrentar sua situação
como a realidade a apresenta, e não fugindo dela. O aspecto religioso normalmente
está presente, pelo fato de que toda pessoa tem um senso religioso que se expressa
através de um conjunto de exigências do qual o homem é dotado – exigências de
verdade, de justiça, de beleza, de felicidade. O senso religioso de cada um é
inerente à sua história e às relações com pessoas e com a sociedade ao longo da
vida. Mesmo que isso seja não acreditar em religião. Os dois aspectos – afetivo e
religioso - devem contar sempre, seja em dilemas como o do caso relatado acima,
seja em aspectos da rotina cotidiana, pois fazem parte do sistema complexo que é
toda pessoa.
Acreditar que somente aqueles pais que achem que o filho é pessoa devem
prosseguir com uma gravidez é relativizar o valor que cada nova vida humana
possui.
Outra consideração é a de que a mãe de aluguel, e no caso da tese de Adão
(2005) as adolescentes, deveriam decidir sobre seu corpo. Neste sentido, é
necessário considerar que o princípio da autonomia é verdadeiramente muito
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 139
importante no cenário bioético. No entanto, quando se fala em embrião ou feto, entra
na situação um outro ser humano. Cerqueira (2009) diz que com a identificação dos
gametas “ficou claro que a ontogenia de um novo ser vivo nas espécies sexuadas
inicia-se com a fecundação”. Ou seja, a partir da união do espermatozóide com o
óvulo começa um “processo de desenvolvimento e de fatos sucessivos que só
terminarão com a morte de novo indivíduo formado”. Por isso, não se pode falar que
a mãe de aluguel ou as adolescentes devem decidir sobre seu corpo, já que não é
de seus corpos que se trata, mas do corpo de uma outra vida humana.
Em relação à mortalidade materna pelo aborto, Cerqueira (2009) afirma que o
número de mortes em decorrência do aborto provocado é muito menor do que o
devido a outros problemas que necessitam de prevenção. De acordo a mesma
autora, que recolheu dados do Datasus (banco de dados do Sistema Único de
Saúde), ocorreram 146 mortes maternas decorrentes de aborto em 1996; 163, em
1997; 119 em 1998; 147 em 1999; 128, em 2000; 148 em 2001; 115, em 2002; 152,
em 2003; 156, em 2004. Atualizando os dados no mesmo site (www.datasus.gov.br
– óbitos por ocorrência por ano segundo categoria CID 10), foram encontradas 150
mortes por aborto em 2005; e 139, em 2006. Nota-se que aqui estão contemplados
os diferentes casos de aborto. Não seria, portanto, uma justificativa adequada
favorecer o aborto em prol da vida de mães que procuram provocá-lo
clandestinamente, já que os dados sobre mortalidade demonstram que o fato ocorre
com poucas mulheres (em relação à todas as mortes femininas ocorridas no Brasil).
Isto não justifica que essas mulheres venham à óbito, esse não seria e não é o ideal;
mas pode indicar que um melhor acolhimento e uma maior orientação em relação à
gravidez, ao aborto e às suas consequências por parte dos profissionais de saúde,
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 140
como médicos e enfermeiros ligados diretamente à essas mulheres, bem como pelo
governo, se faz necessária.
4.2.4. Algumas considerações sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias
Oliveira, Siqueira e Matsuo (2008) em outro artigo, entrevistaram 42 alunos de
diferentes cursos da área da saúde da Universidade de Londrina sobre o uso de
células-tronco com o objetivo de estudar quanto esses alunos sabiam do assunto.
Sobre as vantagens das células-tronco adultas, os alunos responderam que a não
utilização de embriões evitaria um problema ético; também que as propriedades
mais especializadas dessas células podem auxiliar em terapias mais específicas,
bem como, citaram a facilidade de sua obtenção. Outro ponto que apareceu em
menor escala em relação a essas células foi a baixa probabilidade de rejeição por
uso pelo paciente de célula própria. Em relação às desvantagens dessas células
75% das respostas foi o menor potencial de diferenciação delas; algumas respostas
diziam respeito ao consentimento para que fossem usadas e a falta de informação
para seu uso, enquanto alguns não souberam dizer quais as desvantagens dessas
células. Já quanto as células tronco embrionárias, a resposta mais citada foi a alta
capacidade totipotente que permite que elas se diferenciem em qualquer célula do
corpo; outra vantagem citada foi a maior possibilidade de bons resultados futuros
para as pesquisas no campo das células-tronco. As desvantagens citadas foram: a
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 141
questão ética que envolve a utilização de embriões (a mais citada), e também o
perigo do comércio de óvulos e embriões, além da impossibilidade científica de
definir o início da vida, o perigo de rejeição e a formação de tumores, a dificuldade
no armazenamento destas células, o interesse político e financeiro com essas
pesquisas e a falta de pesquisas comprovando sua eficácia. Os alunos foram
perguntados se embriões deveriam se produzidos com objetivo único de pesquisa –
dos 42, 11 responderam que sim (24,9%), tendo como justificativa o fato de o
embrião não ser considerado vida e, porque as células-tronco embrionárias devem
ser as mais promissoras para o futuro desta terapia.
A maioria dos alunos não considerou adequada a produção de embriões para
fins terapêuticos, por achar que o embrião é vida humana bem definida, e por
considerar, também, o descarte de vidas humanas com propósito de cura de
doenças de terceiros uma postura antiética. Observou-se muita dúvida para
discorrer sobre o tema das células-tronco adultas e maior facilidade sobre as
embrionárias, e segundo o autor, isto se deve a pouca divulgação sobre a grande
parte dos estudos que estão sendo realizados com as células-tronco adultas. A
influência da mídia pode ser comprovada pela fala dos alunos (que relatam que este
foi o lugar onde conseguiram a maior parte das informações sobre o tema), e
também pela semelhança nas respostas. Sobre o início da vida, 59,5% dos alunos
responderam que a vida tem início na fecundação (OLIVEIRA; SIQUEIRA;
MATSUO, 2008).
Leão Júnior e Oliveira (2009) escrevem que existem as células-tronco adultas,
obtidas do organismo humano, da placenta e do cordão umbilical; e as células-
tronco embrionárias, obtidas através da destruição ou morte de embrião entre seu 5º
e o 7º dia de existência. Essas últimas já foram amplamente estudadas em diversos
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 142
países, mas nenhum resultado positivo em seres humanos foi encontrado. A
pesquisa realizada com animais tem demonstrado, inclusive, riscos em relação ao
crescimento desordenado das células que acabam gerando teratomas. Além disso,
não existe correto esclarecimento popular, já que as informações veiculadas pela
mídia não fornecem dados adequados relativos à diferença que existe entre os dois
tipos de células-tronco, como foi verificado no estudo de Oliveira, Siqueira e Matsuo
(2008).
Os alunos entrevistados por Oliveira, Siqueira e Matsuo (2008) conceituaram
embrião como vida humana bem definida, mas, mesmo assim, afirmaram ser difícil
identificar o momento em que se inicia a vida, o que pode demonstrar a falta de
informação e até de correlação dessas informações (já que o embrião é vida
humana bem definida, o início da vida se dá na fecundação). Mesmo porque esses
mesmos alunos também disseram que os embriões não devem ser produzidos
somente com finalidade de pesquisa.
As pesquisas com células-tronco embrionárias estão liberadas no Brasil
desde 2008, quando a Lei de Biossegurança (11.105, de 24 de março de 2005) foi
aprovada. Antes disso, uma ação direta de inconstitucionalidade desta lei foi
ajuizada pelo Procurador Geral da República, a ADI nº 3510, e gerou no Brasil uma
ampla discussão em relação ao uso de embriões, e consequentemente em relação
ao início da vida humana. Foi realizada uma audiência pública onde cientistas a
favor e contra o uso de embriões em pesquisas foram ouvidos pelos ministros do
Supremo Tribunal Federal. Manifestações públicas foram realizadas nesse período,
incitadas pelas promessas de curas, dadas por certas e em período relativamente
curto. E a ideia que foi transmitida ao público foi a de desqualificar a dignidade
intrínseca do embrião, alegando que os utilizados em pesquisa seriam os
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 143
congelados há mais de três anos nas clínicas de fertilização “in vitro”, e por isso,
fadados à destruição. (LEÃO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2009). Não existe hoje nenhum
limite definido para a implantação de embriões nos úteros maternos. EM 2007,
nasceu no Brasil uma criança que estava congelada fazia oito anos em uma clínica
de fertilização “in vitro” (COLLUCI, 2008).
Leão Júnior e Oliveira (2009) escrevem que “o direito à saúde e o direito à
pesquisa científica não podem ser exercidos senão mediante atendimentos a
princípios básicos, dentre os quais o respeito à vida e à dignidade humana”. Em
qualquer desenho experimental a questão ética se coloca a partir dos meios
utilizados no desenvolvimento da pesquisa e do sucessivo uso das novas
descobertas. Na base de toda experimentação está o desejo de saber. Mas
nenhuma atividade humana pode ser posta sobre o próprio homem, e uma pesquisa
não terá valor real se na sua lógica tolera um grave dano contra o homem e sua
dignidade.
Como a vida tem início com a fecundação, o embrião é vida humana bem
definida. Então, pesquisar as células-tronco embrionárias e destruir, para isso,
embriões, fere a dignidade e atenta contra a vida de pessoas.
Qualquer intervenção que propõe a supressão da individualidade física de um sujeito humano, mesmo que fosse diretamente voltada ao benefício de outros, representa uma ofensa ao valor fundamental da pessoa humana, porque priva o sujeito humano do valor fundamental sobre o qual colocam-se todos os outros, o valor da vida corpórea (SGRECCIA, 2007. p. 408).
Sobre o Início da vida, portanto, nove foram as referências lidas, sendo que
destas, duas consideram o embrião como pessoa. Quatro referências consideram
que o embrião é um “amontoado de células”, sendo que desses, um artigo,
juntamente com outras duas referências, fazem menção ao reconhecimento da
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 144
autonomia da mãe, nos casos de aborto. E um último artigo fala sobre as pesquisas
com células-tronco embrionárias.
4.3 Fim da vida
“O sofrimento somente é intolerável se ninguém cuida (Cicely Saunders)”.
Dez foram os artigos encontrados na categoria Fim da vida. Estes artigos
demonstraram o seguinte resultado:
4.3.1 Morte como processo natural e Cuidados paliativos
A morte é um processo natural, pelo qual todos irão passar. O mais razoável
seria que todos aceitassem esse momento, como o final de um ciclo..
Antigamente, a morte acontecia em casa, rodeada de familiares e amigos;
seu enfrentamento acontecia de uma maneira muito mais próxima. Hoje, as pessoas
morrem, muitas vezes, no isolamento de um hospital. As crianças não têm contato
com doentes e com a morte. Procura-se escondê-la e não se fala dela. Mas o
processo de morrer é “uma experiência humana importante”. E o doente deve
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 145
encontrar um sentido para o acontecimento morte, ele deve ser ajudado a tornar-se
sujeito no momento final, para que nele encontre paz. E, por isso, é necessário que
as pessoas que estão no entorno sejam solidárias a beneficentes (RAMOS;
KÖHLER; SILVA, 2009).
Esta é a tônica dos cuidados paliativos, que são recursos técnicos e humanos
para atendimento da pessoa com doença incurável, de maneira que ela se sinta
amparada em todas as suas dimensões de saúde, seja em casa, ou no hospital
(RAMOS; KÖHLER; SILVA, 2009).
Di Sarno et al., (2004) relatam a experiência da Casa de Apoio – Hospedaria
de Cuidados Especiais do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, que
consiste em um braço do hospital que trata pacientes com doença incurável até o
fim de suas vidas – cuidados paliativos. Os alicerces do projeto “estão fundados na
base de que toda construção ética se baseia na pressuposição de que ela surge
quando o outro emerge diante de nós. E como diante do outro ninguém pode ou
deve ficar indiferente, o outro é o determinante. Sem passar pelo outro, toda ética é
antiética, não existindo o cuidado”. Considerando o aspecto fim da vida, os autores
afirmam que o paciente deve morrer no seu tempo certo, e que não devem ocorrer
abreviações ou prolongamentos do processo de morrer, ou seja, afirmam que a
morte deve ser um processo natural.
Esses pacientes sofrem e, apesar de não terem chance de cura, necessitam
de tratamento físico, psicológico, social e espiritual (DI SARNO et al., 2004).
Este projeto, dizem os autores, inclui preocupação com a bioética humanista
que visa a dignidade do ser humano durante sua existência e na situação de morte.
Propicia qualidade de vida e diminuição no sofrimento de pacientes sem
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 146
possibilidade de cura, e de seus familiares. Pretende, ainda, demonstrar que as
respostas às necessidades desses doentes não precisa significar menos recursos
para outras demandas. “Ao contrário, a alocação racional de recursos pode otimizar
sua disponibilidade...”.
Percebe-se que a ideia deste artigo é procurar atender a todas as dimensões
de toda pessoa humana envolvida numa situação de morte, sempre com o “olhar”
para o outro. O doente incurável deve ser tratado no seu sofrimento físico (quando
está com dor), no psicológico (quando não aceita o processo do morrer), o social (no
convívio com as pessoas que o rodeiam - a família deve ser ajudada a saber lidar
com a situação para que possa auxiliar o doente) e espiritual (para que possa
encontrar o sentindo de sua vida e também do momento final).
“A possibilidade de realização dos valores pelo paciente e por aqueles que o
rodeiam confirma o sentido de sua vida” (RAMOS; KÖHLER; SILVA, 2009).
Spink (2007) em seu resumo fala sobre posições de pessoa, o que chamou a
atenção para a leitura do texto completo. Mas quando a autora fala em posições de
pessoa quer se referir às posições dos diferentes atores no caso de um problema
bioético, sendo eles: o paciente, a equipe de saúde, os familiares e o gestor. No que
diz respeito ao final da vida diz que ele não deve ser abreviado, nem prolongado,
considerando a morte natural; e indo de encontro, portanto, ao conceito de pessoa
do personalismo ontologicamente fundado.
Em outro artigo, Zoboli (2007b) fala do principialismo e do cuidado à saúde. O
texto conceitua bioética e diz que “a alteridade é o critério para aplicação ponderada
e especificada dos princípios, que torna possível articular o principialismo e o
cuidado, para que todos consigam uma vida digna e de boa qualidade.” O critério da
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 147
alteridade consiste “no outro como valor axiológico e praxiológico [...] Um outro que
é visto como pessoa que, por sua vez, é tida como relação, abertura,
comunicabilidade e intersubjetividade.” A autora considera aspectos de fim de vida e
cuidados paliativos para que não haja ocorrência de terapias desproporcionadas. E
considera, também, aspectos de humanização, através da ética do cuidado.
Sobre a alteridade Zoboli (2007a) diz que este é um conceito que serve de
inspiração à resolução de um grande desafio, e que é o equilíbrio do cuidado. Ela diz
que a negação do cuidado leva a um embrutecimento das relações, bem como o
cuidado em demasia leva a um “perfeccionismo imobilizador”. A alteridade faria,
assim, com que o cuidado fosse concretizado de forma adequada. O fundamento
deste princípio seria a pessoa “vista como abertura, relação, comunicabilidade”. E é
por isso que a alteridade entra no conceito de pessoa.
“Por isso, todo compromisso ético, toda reflexão ética e toda conduta ética fundamentam-se no valor e na dignidade da pessoa. A alteridade corrige uma visão individualista e abstrata do personalismo e resgata o sujeito real concreto (ZOBOLI, 2007a. p. 160-61)”.
Deve-se entender, dentro deste conceito, que a dignidade deve ser
considerada aquela relativa à toda pessoa humana, incondicionalmente, pelo
simples fato de pertencer à espécie humana. A visão do personalismo
ontologicamente fundado é clara e objetiva: a pessoa o é da fecundação à morte
natural, rica em dignidade, e considerada em todas as suas dimensões.
E este personalismo ao qual se refere Sgreccia (2007) não pode ser
confundido com o individualismo subjetivista, a partir do qual se identifica como
porção constitutiva da pessoa somente a capacidade de autodeterminação. O
personalismo “sem negar esse componente existencial”, pretende afirmar um
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 148
estatuto objetivo e existencial da pessoa – “a pessoa vale por aquilo que é e não
pelas escolhas que faz”.
O quarto artigo dessa categoria (ROQUE, 2001) fala sobre a relação pessoal
com o doente mental grave. Diz que para afrontar problemas relacionados à vida
humana é necessário ter como ponto de partida uma antropologia, tendo em conta
que a experiência ética evidencie e respeite a dignidade de todo ser humano. A
autora faz referência explícita no texto, ao fundamento antropológico – personalismo
ontologicamente fundado.
Em outro artigo desta categoria Pessini e Bertachini (2005) falam amplamente
sobre cuidados paliativos. Em relação às questões éticas envolvendo cuidados
paliativos escrevem que o paciente não é apenas um resíduo biológico. “Estamos
sempre diante de uma pessoa e, como tal, capaz - até o momento final – de
relacionamento, de tornar a vida uma experiência de crescimento e plenitude”.
O relacionamento pode acontecer de diversas maneiras. Ele ocorre mesmo
que a pessoa não tenha consciência do que está acontecendo ao seu redor, como
nos casos de mal de Alzhaimer.
Sobre a geriatria, os mesmos autores escrevem que ela deve “buscar de
forma assertiva por meio dos problemas tratáveis o aprimoramento da qualidade de
vida e seu funcionamento, enfatizando que o fundamento de tudo é o paciente, em
sua humanidade e dignidade” (PESSINI; BERTACHINI, 2005).
Em relação à espiritualidade em cuidados paliativos, o texto diz que ela é
parte da atenção que tem sido identificada como prioridade. Os autores falam de fé,
que seria crer numa força transcendental superior e de sentido, que é a convicção
de que se está realizando um propósito na vida. A pessoa é uma unidade indivisível
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 149
– é ser físico e espiritual. E o profissional da saúde deve ajudar o paciente a buscar
o sentido. “Oferecer cuidados paliativos com qualidade significa implementar ações
inovadoras que evitem o sofrimento físico, espiritual, a desmoralização e a perda de
sentido, tão comuns no final da vida” (PESSINI; BERTACHINI, 2005).
Os mesmos autores dizem que “o morrer com dignidade é uma decorrência
do viver dignamente, e não meramente sobrevivência sofrida”. E também que “ao
não abreviar a vida e ao não prolongar a morte inutilmente, situa-se o amarás [...]
Como fomos ajudados para nascer, também precisamos ser ajudados no momento
do adeus.” Os autores admitem o fim da vida natural. Dizem que a pessoa é unidade
indivisível de corpo e espírito. Usam uma expressão relevante – o “direito à saúde”,
que seria considerar a vida que ainda existe em sua plenitude até o momento da
morte.
Medeiros e Contreiras (2000) falam sobre a doença incurável na infância. E
se referem à medicina paliativa, enfatizando o cuidado geral do paciente, ou seja,
observando todas as suas dimensões – física, psíquica, social e espiritual. Os
autores escrevem que a paliação se refere ao alívio da dor, seja qual dor o paciente
estiver sentindo.
Eles (MEDEIROS; CONTREIRAS, 2000) falam da importância da relação
médico-paciente, sendo que esta é determinante para a adesão do paciente e de
sua família ao tratamento. Explicam um modelo dessa relação que chamam de
“participação mútua”, onde os dois atores têm ação nos processos decisórios sobre
a doença. Segundo eles, esse modelo é centrado no paciente, promovendo uma
maior participação do paciente e sua família nos processos de cura e de cuidado.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 150
Os autores buscam o cuidado integral do paciente e atribui a ele o
reconhecimento de pessoa humana através da visão da totalidade do mesmo, e
também de sua família.
Mas, uma ressalva ao artigo deve ser feita pois, apesar de positivo em
relação ao seu tema principal, que é o cuidado paliativo para crianças com doenças
incuráveis em um hospital materno-infantil, os autores fazem menção aos fetos
anencéfalos e dizem que: “ainda hoje em muitos hospitais do Rio de Janeiro, por
exemplo, uma gravidez de criança anencéfala é levada a termo mesmo sabendo-se
da impossibilidade de vida extra-uterina da criança com esta patologia.”
Seis são os artigos que entendem que a morte deve ser um processo natural.
Dentre eles, alguns falam também de cuidados paliativos.
A resposta aos doentes incuráveis é sempre um cuidado amoroso pela
pessoa que sofre, tentando dar-lhe esperança, alegria, e amor pela vida, até sua
morte (SERRÃO, 2007).
4.3.2 Respeito à autonomia do paciente
Pessini (2004) escreve sobre distanásia. O autor escreve que uma
preocupação de absoluto respeito pela vida humana, como traz o Código de Ética
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 151
Médica de 1984, desde a fecundação até a morte, “tende a se traduzir numa
preocupação com o máximo de prolongamento da quantidade de vida biológica e no
desvio de atenção da questão da qualidade de vida prolongada.” Também que
quando faz “tudo o que pode”, o médico pode prolongar a vida do paciente, e com
sofrimento. Fala que o médico muitas vezes reconhece como fracasso a dor e a
morte:
“A ênfase em tal dicotomia recai na luta para garantir a máxima prolongação da vida, quantidade de vida, mas há pouca preocupação com a qualidade deste prolongamento de vida. Uma de suas conseqüências é o eclipse da solicitude pela boa morte cultivada e a resistência à eutanásia provocada como derrota diante do inimigo morte” (PESSINI, 2004. p.40).
O artigo diz, ainda, que “cuidar da higiene do paciente, do seu conforto e
alimentação, na medida em que essa pode ser ministrada por via oral, constituem
sem dúvida alguma, cuidados normais.” A obrigação ética de se recorrer a outro
procedimento, inclusive alimentação artificial, precisa ser avaliada “à luz de
proporcionalidade entre o ônus para o paciente e para os responsáveis pelo seu
bem-estar e os benefícios que razoavelmente possam ser previstos”. Nesses casos
não seria a interrupção de uma terapia a provocar a morte, mas a doença em si.
Pessini (2004) escreve que deve-se respeitar a autonomia e a
autodeterminação do paciente, e que o respeito à esta pessoa não seria impor
tratamento a ela:
“Em vista do respeito à pessoa doente não se pode impor a ela, em nome da beneficência de cunho paternalista, aquilo que ela não quer, até mesmo no final de sua vida. Há que se respeitar sua autodeterminação e sua autonomia. Ela tem o direito de optar por morrer com qualidade de vida, no ambiente que considerar melhor, e é dever do médico aturar sempre em seu benefício” (PESSINI, 2004. p.48).
Devem ser observados alguns aspectos em relação ao texto de Pessini: o
primeiro deles diz respeito à autonomia do sujeito na decisão de vida e morte. É
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 152
claro que todos querem viver até o fim com qualidade de vida, resta-nos saber qual
o conceito de qualidade de vida considerada no texto. Alguns podem considerar que
tem qualidade de vida quem tem liberdade de movimentos, quem trabalha, quem
produz bens ou serviços, ou mesmo quem se comunica verbalmente. No entanto,
toda vida tem seu valor até o final, e sua qualidade pode ser melhorada através de
uma assistência integral ao doente. Ou seja, tem valor toda vida, até o seu final,
independente da capacidade produtiva da pessoa. Aliás, um doente incurável pode
promover serenidade, amor, união, cuidado e o reconhecimento pelo valor da vida
dos que estão ao seu redor. “A possibilidade de realização de valores pelo paciente
e por aqueles que o rodeiam confirma o sentido da vida” (RAMOS; KÖHLER; SILVA,
2009).
A autonomia é claramente um princípio muito importante na relação
profissional da saúde-paciente. Mas é necessário que o profissional da saúde tenha
informado o paciente e/ou seus familiares sobre todos os aspectos relativos à
realidade de sua doença, para que aí sim, ele possa decidir autonomamente. A
autonomia passa por esse processo, não sendo o simples acatamento de uma
decisão tomada sem critérios.
Não se pretende aqui levar a vida ao seu prolongamento, isto é, a “fazer tudo”
o que se pode por essa vida. Mesmo porque em algum momento, a morte chega.
Esta postura certamente seria antiética. Trata-se de olhar a realidade daquele
doente, e no caso do reconhecimento de sua doença como incurável, fazer com que
ele receba máxima assistência no sentido de minimizar seu sofrimento em todas as
dimensões de sua saúde.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 153
O respeito pela vida física deve ser sempre o valor primordial durante as
decisões de fim da vida, contanto que essa vida tenha realmente condições de ser
vivida.
Como escreve Calipari (2006), entre os bens relativos à pessoa, a vida física
individual representa aquele valor que precede e funda todos os outros, já que é a
primeira condição para que a pessoa exista e se desenvolva. E no esforço de validar
o uso de meios de conservação de vida, o referencial de base deverá ser sempre a
dignidade da pessoa humana, que cada ser humano possui, desde o início de sua
existência. Reconhecer e respeitar a dignidade da pessoa que tem necessidade de
cura ou de sustento vital é tentar promover seu bem integral através da decisão de
empregar um determinado meio de conservação de vida.
O mesmo autor propõe o “princípio de adequação ética acerca do uso dos
meios de conservação da vida”. Sobre esta proposta, Sgreccia (2007) escreve que
ela se divide em três fases, segundo um pensamento que leva em consideração: os
elementos médico-técnicos, que representariam a primeira fase; uma segunda etapa
considera os aspectos mais subjetivos do paciente; e enfim, se procura um juízo
ético que se traduz em uma decisão operativa moralmente adequada.
Ou seja, a “proporcionalidade” ou “desproporcionalidade” de um meio de
conservação de vida indica a adequação ou não dos meios técnicos, em relação a
um de um determinado objetivo de saúde. Os fatores de proporcionalidade são: a
reparação que o meio vai promover; a possibilidade técnica de usar adequadamente
este meio; expectativa de eficácia médica real (que indicaria efeitos positivos do
meio em relação a um objetivo médico); os eventuais efeitos colaterais nocivos para
o paciente; os riscos para a vida do paciente; a possibilidade de se utilizar
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 154
alternativas terapêuticas de maior eficácia; a quantificação dos recursos de saúde
necessários ao emprego do meio – sendo necessário racionalizar em direção ao
melhor recurso possível, já que a vida humana não pode ser quantificada
(CALIPARI, 2006; SGRECCIA, 2007).
A adequação ética considera também os aspectos que dizem respeito à
condição do paciente (um mesmo meio pode ser “ordinário” em alguns casos e
“extraordinário” em outros). Como fatores para considerar um procedimento
extraordinário estão: o esforço excessivo no uso do método; dor física insuportável;
medo em relação ao uso do meio; uma baixa taxa de eficácia global (que seria a
obtenção de efeitos significativos no estado de saúde do paciente); uma grande
probabilidade de ocorrer risco para a vida ou a saúde do paciente (CALIPARI, 2006;
SGRECCIA, 2007).
Assim, um meio desproporcionado de conservação da vida é sempre ilícito,
mesmo que o paciente o considere ordinário. Já um meio proporcionado e ordinário,
é obrigatório. Se o meio for proporcionado, mas extraordinário, deve ser, por
princípio, facultativo ao paciente. Mas, ele pode ser considerado obrigatório,
dependendo das circunstâncias (CALIPARI, 2006; SGRECCIA, 2007).
Floriani e Schramm (2004) escrevem sobre atendimento domiciliar do idoso.
Os programas de atendimento domiciliar de longa duração podem não trazer custos,
e a reintegração do paciente em seu núcleo familiar, lhe proporcionando assistência
humanizada e integral. Mesmo que o atendimento domiciliar deva ser pensado em
prol do benefício do paciente e de sua família, é interessante notar que a redução de
custos é o aspecto que aparece sempre em primeiro plano do ponto de vista dos
autores.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 155
O texto (FLORIANI; SCHRAMM, 2004) traz como base a bioética de proteção,
que tem ênfase da autonomia como plena capacidade de auto-realização do sujeito.
Eles falam, no texto, sobre como o cuidador pode se sobrecarregar de trabalho já
que muitas vezes cuida do paciente da assistência domiciliária, e ainda trabalha. E
que isso pode afetar a saúde desse cuidador. Dizem que a autonomia do idoso pode
ser perdida: “[O cuidador] pode impor seu modo de realizar as atividades, não
ouvindo os desejos e anseios legítimos do idoso, com erosão da autonomia deste e
acentuação de um modelo paternalista de cuidados [...]”. Ou autores falam sobre a
“dignidade do morrer”, e sobre esse aspecto escrevem: “acreditamos que a questão
principal não deva ser onde se morre, mas, sim, como e de que modo se morre”. E
questionam sobre a qualidade de vida do idoso.
Percebe-se que o texto fala em “dignidade do morrer”. Em outros textos, à luz
da bioética de proteção, encontra-se que essa dignidade seria considerar a pessoa
como detentora de autonomia para decidir sobre sua morte, ou seja, ela poderia
decidir como e quando deve morrer. A ótica personalista (ontologicamente fundada)
mostra que a pessoa deve viver sua vida até a morte natural, e que isso seria
dignidade do morrer. Já a qualidade de vida não é somente ser livre ou produzir
algo, ela é um valor relacionado à pessoa enquanto pessoa, ou seja, toda vida tem
qualidade, resta à pessoa que a vive, o resgate de sentido dessa vida.
Souza e Lemonica (2003) são a favor do reconhecimento da vida em primeiro
lugar, e até o último momento. São contrários à realização da eutanásia e a favor da
promoção de alívio de sintomas e do conforto ao paciente. No entanto, enaltecem a
autonomia do mesmo, dizendo que desde que haja consentimento livre esclarecido,
sua vontade deve ser soberana; e mais, que o paciente é “senhor de seu corpo” e
deve ser também “senhor da decisão quanto ao que melhor lhe convier”. Eles
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 156
escrevem: “[...] a autonomia é soberana na determinação no final da vida. Todavia,
deve haver uma posição clara da equipe, uma boa relação médico-paciente e o
conhecimento do que é ético e legal.” Assim, nesses casos, a equipe deveria se
posicionar claramente, mesmo que a decisão final fosse do paciente.
Os mesmos autores falam em sedação para aliviar sintomas, sem a
promoção da morte. E sobre a alimentação parenteral, são favoráveis, mas dizem
sobre o paciente que deseja sua interrupção: “considero a melhor forma de cuidado
respeitar a sua autonomia, desde que haja um termo de consentimento livre
esclarecido”.
Esse é um dos grandes dilemas da bioética: mesmo não concordando com a
opinião do paciente, como manifestam os autores, acatá-la. Claro que no Brasil a
eutanásia é considerada crime, e mesmo um paciente fazendo o pedido por ela, ele
não poderia ser atendido. A autonomia do paciente, como já dito anteriormente, é de
fato, um princípio muito importante da bioética, e deve ser respeitado. Mas a equipe
de saúde deve estar certa de ter passado todas as informações possíveis ao
paciente, para que, tendo entendido as implicações de seu estado de saúde e
sabendo que a equipe quer promover seu bem, ele possa decidir.
Kovácz (2003) escreve sobre alguns aspectos do fim da vida. A autora cita
pesquisas que dizem que quando idosos ou pacientes gravemente enfermos são
perguntados sobre suicídio assistido, a maioria diz que não faria; já na população
em geral esse número é grande. Ela diz que o testamento em vida (que a pessoa faz
antes de um episódio onde ela não poderia mais falar por si) deveria ser válido. Fala
que alguns procedimentos como cuidados com alimentação, higiene e alívio da dor
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 157
podem deixar de ser usuais para garantir qualidade de vida, e se tornarem
extraordinários nos casos de paciente em estágios avançados.
A mesma autora escreve que “a humanização da morte não é o seu
apressamento, nem o seu prolongamento indefinido”. Fala sobre a importância dos
cuidados paliativos, mas não acredita que seja a única saída à pacientes sem
possibilidade de cura, citando estudos que dizem que nem todas as dores são
passíveis de controle, e que muitos dos pacientes de cuidados paliativos sofrem com
a solidão.
Sobre o artigo de Kovácz (2003), nota-se que a autora é a favor da morte em
seu tempo natural, sem prolongamentos ou antecipações. No entanto, a autora fala
sobre o testamento antecipado, que seria a pessoa deixar, quando ainda em
condição de saúde, um documento escrito contendo diretivas relacionadas à sua
morte para que, se algo lhe acontecer, alguém possa agir conforme seu desejo. O
que chama a atenção é a parte do texto em que a autora cita uma pesquisa norte-
americana onde se encontra que: 60% dos entrevistados concordariam com a
eutanásia ou o suicídio assistido se estivessem com doença terminal, dor crônica,
perda de independência ou quando se tornassem carga para outra pessoa. Já
“pessoas com mais idade concordaram menos com o suicídio assistido”, o que a
autora acredita seja por possibilidade do medo da morte, devido a sua aproximação.
Mas pode-se pensar que a pessoa mais idosa consegue enxergar, no pouco
de vida que ainda tenham (ou quem sabe tenham muito), um sentido para toda sua
existência; que encontre efetivamente um sentido para tudo o que lhe aconteceu no
passar de seus anos. Isso acontece quando ela é olhada com amor, com
solidariedade. Fica fácil pensar em suicídio assistido quando se goza de liberdade
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 158
(com responsabilidade) para se fazer o que quer, quando e como se quer. E isso
justificaria o testamento antecipado. Mas a pessoa que deixa esse documento, não
mudaria de opinião se no caso de falta de consciência soubesse o que iria lhe
acontecer? O envelhecimento pode trazer limitação de liberdade, limitação de
movimentos, limitação de produtividade, mas pode aumentar o significado e o
sentido de toda uma vida.
Nesse sentido, um filme intitulado “E se fosse verdade” traz a história de uma
médica que sofre um acidente e entra em coma. No filme, seu espírito continua a
viver em seu antigo apartamento que é alugado por David. Ele começa a vê-la e a
conversar com ela, mas ela não se lembra o que pode ter acontecido. Até que David
encontra “seu corpo” no hospital em que ela trabalhava. E os aparelhos que a
mantém viva serão desligados em um dia, pois ela assinou um testamento
antecipado em vida, dizendo que não gostaria de ser mantida viva em um caso
como esse. Mas ela se arrepende de ter assinado esse documento. No final, David
consegue com que o desligamento se atrase e a médica “volta para seu corpo”.
Obviamente esse é um roteiro de filme, baseado em um livro francês, que
possui elementos romantizados. Nem sempre uma pessoa volta do coma
rapidamente, e existem critérios de morte encefálica envolvidos. O que pretende-se
ilustrar é que o testamento antecipado representa a vontade de uma pessoa em um
momento de saúde, e que essa vontade pode mudar diante da doença.
As considerações sobre a possibilidade de morte devem ir além da dimensão
biológica da pessoa. Elas devem incluir as dimensões psicológica e social, e
principalmente, considerar os aspectos relacionados ao sentido da vida e à sua
finitude. Figueiredo e Jorge (2009) afirmam que “não podemos ser curados de nossa
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 159
mortalidade, e esse é o grande desafio: viver intensamente a vida e aceitar a morte
com humildade [...]”.
4.3.3 “Boa morte” ou eutanásia
Siqueira-Batista e Schramm (2005) escrevem sobre o que chamam de “boa
morte”. Segundo os autores, os conceitos éticos e principalmente bioéticos que
estão entre o viver e o morrer são importantes; eles citam o conceito de qualidade
(ou precariedade) de vida e de sofrimento. Dizem que dentre as questões cruciais
neste sentido, está a da eutanásia, que seria a “morte piedosa” para aqueles que
estão vivendo uma existência infeliz. Dizem os autores: “tratar-se ia de uma
antecipação voluntária do passamento, imbuída por um télos humanitário –
sobretudo para a pessoa, mas também para a coletividade a qual pertence o
moribundo – dirigido à suspensão de um sofrimento insuportável.” A eutanásia é a
interrupção do processo de morrer, “eximindo o moribundo de atravessar um martírio
de dor e desespero, o que caracterizaria, de um modo ou de outro, uma existência
prima facie sem sentido e considerada inútil”. Considerando o conceito de pessoa,
eles enfatizam a autonomia do sujeito (que poderia escolher quando vai morrer), e a
qualidade de vida, sendo o sujeito autônomo para decidir se sua vida vale a pena
ser vivida.
A expressão “boa morte” ou “morte digna” é utilizada hoje para promover a
eutanásia. Mas esse conceito deve ser ampliado partindo-se da visão da dignidade
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 160
de cada pessoa humana em sua individualidade, resultando na aceitação e na
valorização da finitude da vida (RAMOS; KÖHLER; SILVA, 2009).
O artigo (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2005) diz que existem
modalidades para classificar a eutanásia, sendo elas:
- a distinção quanto ao ato: eutanásia ativa (provocar a morte sem sofrimento por
fins humanitários); passiva (omissão proposital de ação médica que permitiria
sobrevida do paciente); duplo efeito (morte acelerada em consequência de ações
médicas, como uso de morfina).
- a distinção quanto ao consentimento do enfermo: voluntária (vontade expressa do
doente); involuntária (contra a vontade do enfermo); não voluntária (quando a vida é
abreviada quando não se sabe a vontade do doente).
Os mesmos autores falam, ainda, de suicídio assistido (quando o paciente
está consciente e pede para alguém ajudá-lo a morrer, pois não tem meios de fazê-
lo). Falam também de distanásia, que seria a manutenção da vida por meio de
tratamentos desproporcionais. E da ortotanásia, que é a morte no seu tempo certo,
sem abreviação ou prolongamento. E completam dizendo que quem determina o
tempo certo é o titular da vida em questão.
Contrário a este pensamento, Serrão (2007) afirma que não existem essas
diferentes eutanásias. Que a eutanásia é uma situação que acontece se existem
duas vontades: “a vontade da pessoa que decide pedir e a vontade da pessoa que
decide matar”.
Sobre o sofrimento, França (2003) escreve que ele não é um meio seguro
para medir a gravidade de um mal, e por isso, não pode servir para decidir questões
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 161
de vida e morte. “A verdade é que a civilização de consumo começa a modificar a
experiência da dor, esvaziando do indivíduo suas reações pessoais e transformando
essa dor num problema de ordem técnica.”
Ramos, Köhler e Silva (2009) escrevem que toda pessoa é responsável pela
sua saúde e pela saúde dos outros, principalmente dos considerados “incapazes”.
Aos familiares e a quem está no entorno não caberia decidir “autonomamente” pela
morte ou vida de uma pessoa.
Os autores do artigo (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2005) falam sobre o
conceito de qualidade de vida: “uma das questões mais íntimas em relação à
qualidade de vida é determinar-se qual o real significado de uma vida que vale a
pena ser vivida e para quem deve ser dada a prerrogativa em decidir sobre tal
significação.” Eles completam dizendo que deve ter prioridade o principal
interessado em “decidir sobre sua vida e sua morte”.
De acordo com França (2003), algumas posições, de cunho utilitarista,
consideram imoral matar somente se isso privar a pessoa da realização de seus
desejos e anseios – que justificariam eticamente sua existência. Este
posicionamento afeta as situações terminais da vida humana e também aqueles que
estariam privados de consciência. “O mais surpreendente dessa posição é que a
vida não é um valor no sentido moral, mas um bem apenas.” Assim não se teria o
porquê proteger essa vida, pois aí não se encontraria mais um valor, mas apenas
um bem, um estado biológico. Isso, segundo o mesmo autor, admitiria que “matar só
é diferente de roubar pelo valor estimativo dos bens perdidos”.
A qualidade de vida de uma pessoa não deve ser avaliada como uma
capacidade total para o exercício de suas habilidades; não é somente a habilidade
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 162
de alguém em realizar seus objetivos de vida. Analisando dessa forma, o conceito
fica “pobre e mesquinho”. A pessoa humana deve ser considerada em sua dignidade
independente do que consiga realizar (FRANÇA, 2003).
Siqueira-Batista e Schramm (2005) dizem, também, que a vida de um homem
“submetido a um excruciante padecimento não deixa de ser sagrada [...] pela
decisão autônoma, por parte daquele que sofre, de se pôr um fim ao seu curso”.
Escrevem que se o doente admite que não vale mais a pena viver, o mesmo estaria
atribuindo valor alto à sua própria vida. E que morrer significa ter apreço pela própria
existência.
A sacralidade da vida não deve ser considerada um conceito contrário à
qualidade de vida, mas devem estar aliados, já que a qualidade de vida é um
“critério de referência capaz de contribuir também com o respeito que se deve à vida
humana”. Não se deve classificar as pessoas em relação ao tipo de vida que
possuem, mas considerá-las dignas por sua humanidade (FRANÇA, 2003).
O mesmo autor diz que “[...] antecipar a morte de alguém consciente ou não,
com as constantes vitais mantidas normalmente, ainda que este tenha uma morte
prevista e um relativo sofrimento, é atentar contra a dignidade humana”.
“É da natureza humana que a decisão pela vida sempre prevaleça sobre a
morte (RAMOS; KÖHLER; SILVA, 2009).
Em relação ao Fim da vida, portanto, seis artigos afirmam que a vida deveria
seguir seu curso naturalmente com a morte natural coincidindo com o fim da vida;
esses artigos fazem referência a expressões como morte no tempo certo e
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 163
humanização do cuidado (no fim da vida) Apesar disso, um artigo fala sobre a
continuação de uma gravidez de feto anencéfalo, o que acham um contra-senso. Em
um dos artigos, apesar de os autores se posicionarem a favor da vida até o último
momento e se dizerem contra a eutanásia, eles escrevem que a última palavra deve
ser do paciente, e que é ele quem deve decidir sobre o que fazer de sua vida.
Outros três artigos afirmam que a autodeterminação do sujeito deve estar em
primeiro plano. E em um artigo expressões como “boa morte”, morte sem sofrimento
aparecem como saída de um sofrimento insuportável, considerando a eutanásia.
4.4 Prática da saúde
Nem todos os textos lidos trabalhavam os aspectos principais na definição
objetiva do conceito de pessoa humana – o início e o fim da vida. Mesmo assim,
alguns deles foram identificados como de real importância para este trabalho por
conter informações especialmente ligadas à pessoa humana.
4.4.1 Autonomia como princípio auxiliar na prática da saúde
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 164
A prática médica e a relação profissional da saúde-paciente são temas
amplamente abordados pela bioética. Isto se dá por dois motivos: o primeiro é fruto
das consequências do progresso técnico-científico da área da saúde, que trouxe
benefícios, sem dúvida, muito importantes para o diagnóstico e para a cura de
doenças. No entanto, este progresso trouxe também a “superespecialização” da
medicina e das áreas da saúde; e o paciente, antes visto integralmente pelo médico
(muitas vezes de família, que ia às casas, conhecia a história familiar e tratava por
toda a vida uma mesma pessoa), hoje é examinado como uma parte de seu corpo,
ou até como sua própria doença, como por exemplo a tendinite da mão, ou a úlcera
do estômago. O segundo motivo está no fato de que essa relação até bem pouco
tempo era estritamente paternalista, ou seja, o profissional da saúde é quem sabe o
que é melhor para o paciente e age de acordo com seu particular entendimento,
mesmo procurando o bem do mesmo. O que se vê hoje é que os pacientes e suas
famílias procuram fazer parte ativa desta relação com o profissional da saúde,
questionando-o, indo em busca de informações sobre seu estado de saúde, e
decidindo autonomamente, após serem amplamente informado, sobre seu
tratamento, se esforçando em formar uma verdadeira aliança terapêutica com o
profissional.
Urban (2003) escreve que a ética médica é baseada no relacionamento
profissional-paciente. E que o grande progresso científico na área da ciência médica,
da biologia molecular, a influência da indústria farmacêutica e suas interações com a
pesquisa, os crescentes processos éticos em todo mundo e a facilidade de obtenção
de informação tornaram a medicina um complexo social, cultural, político e
econômico, não mais limitado apenas aos processos científicos. Passou-se de uma
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 165
ética paternalista para uma medicina baseada em evidências, que oferece dados
precisos ao paciente para que ele possa tomar suas decisões.
Este artigo (URBAN, 2003) traz o método do professor Albert Jonsen da
Universidade de Washington, que visa indicar um raciocínio diagnóstico em bioética
clínica para profissionais de diversas áreas. Esse método se baseia em quatro
pontos, que são:
- indicações médicas: relação entre a doença e as intervenções diagnósticas e
terapêuticas indicadas para resolver apropriadamente o problema, respondendo a
quesitos como: qual o problema do paciente, se o problema é agudo ou crônico,
quais as probabilidades de sucesso do tratamento, em suma, no que o paciente
pode ser beneficiado pelo tratamento em questão;
- preferências do paciente: baseadas nos valores e nas percepções pessoais dos
benefícios e riscos para o paciente. E as perguntas devem ser: se o paciente
expressou suas preferências em relação ao tratamento, se foi informado
corretamente sobre riscos e benefícios, se é mentalmente capaz ou legalmente
competente, em suma, se a autonomia do paciente está sendo respeitada;
- qualidade de vida: as intervenções médicas têm, também, a função de
restabelecer, manter ou melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Por isso, deve-
se perguntar: qual a expectativa de retorno à vida normal do paciente com e sem
tratamento, quais os problemas que podem prejudicar a avaliação da qualidade de
vida do paciente, quais as limitações físicas, mentais e sociais que o paciente pode
apresentar depois do tratamento, se a condição presente ou futura do paciente pode
ser considerada indesejável, e quais os planos para dar conforto e paliação.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 166
- aspectos contextuais: contexto pessoal, psicológico, emocional, religioso,
educacional, financeiro, legal, institucional, científico e social. Devem ser
considerados: problemas familiares, financeiros, recursos médicos e de
enfermagem, fatores religiosos e culturais envolvidos, alocação de recursos,
justificativa para quebrar confidencialidade, implicações legais, pesquisa/ensino,
conflitos de interesse.
Urban (2003) estabelece uma forma de agir na prática clínica baseada na
preocupação com o benefício do paciente. É certo que deve-se considerar a
autonomia do paciente, e o autor faz referência a este princípio no segundo aspecto
de sua abordagem, sempre observando a qualidade de informação passada ao
paciente e fazendo um feedback com ele para a averiguação do entendimento dessa
informação. Ele menciona todas as dimensões da pessoa humana quando da
realização de um tratamento (física, psicológica, espiritual, social e moral), e enfatiza
o conforto e os cuidados paliativos no sentido de dar maior qualidade de vida ao
paciente com doença incurável.
Hossne e Zaher (2007) falam, também, da prática clínica e da humanização
em saúde. Dizem que a humanização é um “chamado ao profissional da saúde” para
que ele reconheça que sua atenção deve estar voltada para a pessoa e não para a
doença. “Humanizar é trazer a pessoa que procura assistência para o centro da
relação profissional da saúde-paciente. É saber ouvir a pessoa”.
Os mesmos autores dizem que nos dias de hoje o valor da beneficência tem
sentido mais amplo, pois significa “uma análise crítica entre benefícios e riscos por
parte do profissional da saúde, com a participação do outro, o paciente”. E isto está
atrelado ao princípio da autonomia, que se fortaleceu a partir das revoluções
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 167
democráticas do século XVIII. A partir daí e da postura de alguns filósofos da época,
como Kant, Spinoza e Locke, se determina que todo ser humano tem direitos, como
o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim, segundo os autores, fica
reconhecido na sociedade o “referencial ético da autonomia, ou seja, a
autodeterminação de cada um, o respeito à pessoa humana”.
E este referencial entra nos debates de bioética a partir, principalmente, do
Código de Nuremberg, e mais especificamente na área clínica há aproximadamente
30 anos (HOSSNE; ZAHER, 2007), indicando que o desejo do paciente deve ser
considerado.
No entanto, deve-se ter atenção ao admitir que o respeito absoluto pela
pessoa humana se dá somente pelo reconhecimento de sua autodeterminação, ou
seja, pelo respeito do que ela deseja. Nos casos da prática clínica, e principalmente,
quando os dilemas referentes a ela incluem decisões relativas à vida, deve-se
considerar que, em primeiro lugar, a vida física seja resguardada - como diz o
primeiro princípio da bioética personalista – porque para que haja decisão, ou
melhor, para que haja liberdade de decisão é necessário que haja vida. Respeitar a
pessoa humana deve ser olhar e acolher a mesma em uma situação de doença e
sofrimento para que ela possa, livremente e com responsabilidade, decidir.
Com estes mesmos conceitos, Albuquerque e Bushatsky (2005) escrevem
sobre o conhecimento teórico do princípio da autonomia por profissionais de saúde
de nível superior (equipe multidisciplinar) e sobre a forma como este princípio é
exercido na prática no atendimento de crianças portadoras de doença oncológica.
A autonomia, segundo as autoras, é conceituada através da bioética
principialista e considerada como capacidade do sujeito de agir conforme suas
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 168
crenças morais, seus anseios e desejos. A autonomia tem duas perspectivas: a
primeira é dinâmica e está em constante processo de transformação no confronto
com as mudanças, o que exige um contínuo posicionamento; a segunda é estática,
no sentido de que a pessoa quando doente está alheia às decisões do médico
(ALBUQUERQUE; BUSHATSKY, 2005).
As mesmas autoras consideram a autonomia como capacidade de liberdade e
autodeterminação dos indivíduos (no escolher o que é melhor para si). E dizem que
nas práticas de tratamento agressivo, como é o caso da oncologia, deve-se informar
ao paciente e sua família o que será realizado, pois a informação é a base de uma
decisão autônoma. Pela complexidade do câncer, o tratamento em oncologia deve
englobar a atenção das necessidades físicas, psicológicas e sociais. O paciente
deve ser sujeito ativo na relação com os profissionais da saúde. Ele deve ser visto
em sua totalidade. Para isso, é necessário que haja comunicação com o paciente, já
que o acordo não pode ser imposto à outra pessoa. O processo de comunicação
está na base da interação entre profissional e paciente.
O texto de Albuquerque e Bushatky (2005) não apresenta o conceito de
pessoa. Mas considera que o atendimento ao paciente deve ser feito com ênfase em
sua totalidade, e que sua autonomia se apresenta como fator de humanidade da
relação profissional da saúde-paciente.
Uma tese fala relata a experiência da assistência domiciliária odontológica
sob a perspectiva da bioética personalista. A autora fala que a assistência
domiciliária “um conjunto de atividades e procedimentos que visa dar ao paciente
maior conforto e melhor convívio com a doença readaptando-se ao meio em que
está habituado: seu domicílio” (JORGE, 2006).
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 169
A mesma autora escreve que o ponto fundamental da reflexão bioética é o
“ser humano enquanto pessoa única em corpo e espírito”. Ela fundamenta sua
discussão na pessoa humana. Assim, a assistência domiciliária ganha consistência
a partir da visão do paciente como uma pessoa, um outro igual, que precisa de
cuidado; e por isso procura conferir ao paciente “bem-estar físico, moral, psíquico e
espiritual, partilhando suas dores e suas esperanças.”
Sgreccia (1997) diz que devemos repensar a assistência “à luz da relação
interpessoal, da continuidade das relações com a família, do contato permanente
com a vida social e civil”.
E é isso que a assistência domiciliária faz. Ela se destaca por seu caráter
assistencial e solidário. “Cada profissional [...] deve desenvolver dentro de si uma
ética que vise, antes e acima de tudo, ao tratamento do paciente como um ser
humano, o qual deve ser respeitado em toda a sua dignidade.” E esse pensamento
estimula a preservação de uma vida humana, seja ela acometida por alguma doença
ou inteiramente sadia (JORGE; JORGE, 2009).
Já Meneses (2001), afirma que objetivo de seu artigo “é estimular e
aprofundar as discussões bioéticas na área da anestesiologia”. Fala que a vida é um
bem indisponível e que a saúde é inalienável, afirmando que, por isso, o ato médico
deve prever o bem do paciente, o seu bem-estar físico e psíquico e o respeito pelos
seus interesses.
O mesmo autor diz que a médico deve pautar sua conduta no conhecimento
científico, na sua consciência e deve garantir ao paciente os princípios de justiça e
autonomia. “O médico não deve permitir que o imperativo tecnológico supere a
doutrina humanista da profissão médica”. Ele afirma que na anestesiologia o
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 170
paternalismo médico pode ser admitido. Essa admissão excepcional se deve ao fato
de esta especialidade trabalhar, muitas vezes, com pacientes inconscientes ou com
impossibilidade de se comunicar, como pacientes de terapia intensiva, neonatologia
e atendimento de emergências e urgências.
Diz, também, que existem situações na prática clínica do anestesiologista em
que ele poderá decidir fazer o bem, para que não contribua para a possibilidade de
um dano irreparável. Ele não defende “o livre arbítrio da autoridade médica”, mas
uma avaliação pré-anestésica feita em consultório, quando as informações práticas
serão colocadas com clareza (MENESES, 2001).
Margotto, Novaes e Pimentel (2004) escrevem sobre os dilemas relativos aos
recém-nascidos pré-termos extremos, ou seja, aqueles que nascem com pouco
peso, e muitas semanas antes do período de gestação normal. Os autores afirmam
que os médicos obstetras devem conhecer os limites de viabilidade (como eles
chamam) desses recém-nascidos para saberem como agir na sala de parto.
Os mesmos autores afirmam que se a idade gestacional não foi determinada
por exames pré-natais, deve-se dar ao recém-nascido o “benefício da dúvida”, ou
seja, reanimar para depois avaliar com mais precisão a situação. Dizem que é
importante que exista uma ótima comunicação dos obstetras, pediatras e toda a
equipe de saúde com os pais na definição de uma reanimação. E que uma vez que
a terapia é iniciada, sua continuação deve ser sempre avaliada. Nos casos de morte,
a prolongação de seu processo “não deve ter outro objetivo a não ser para permitir
que a família se despeça do ser amado.” Dizem que quando o suporte deve ser
interrompido, deve-se dar aos pais tempo para ficar com o bebê, para tocá-lo. É
importante não fazer o mal, e permitir que a morte ocorra com dignidade.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 171
Os pais devem saber que a equipe não está abandonando o bebê, mas
ajudando-o de forma amorosa. Os autores dizem que os pais pedem para que a
equipe faça tudo pelo bebê. E que isso deve ser entendido como tudo o que for
melhor para ele, defendendo, assim, o melhor interesse do paciente (MARGOTTO;
NOVAES; PIMENTEL, 2004).
Nos casos de recém-nascidos com nascimento muito precoce, a avaliação do
benefício que se deve prover àquela pessoa deve ser considerada. Não se trata de
prolongar a vida do bebê a qualquer custo, mas identificar os aspectos reais que
possam permitir (ou não) a vida daquela criança. O processo de comunicação com
os pais é muito importante, uma vez que a gravidez normalmente alimenta a
projeção de toda uma vida ao lado de um filho. Esclarecer o que é melhor para o
paciente – o recém-nascido – pode fazer com que a vivência dessa experiência seja
mais tranqüila.
Percebe-se que o ponto fundamental desses artigos é o de fazer o bem ao
paciente de todas as formas e em sentido amplo: pensar no benefício do paciente,
imaginando que quem está diante de si é uma pessoa conhecida, ajuda no
discernimento do que verdadeiramente é o bem para aquela pessoa; pensar
também em não fazer o mal ao paciente; prover todas as informações que ele
necessite para que, livremente e com responsabilidade, possa decidir
autonomamente; e considerar a decisão do mesmo. Esse conjunto de ações leva o
profissional da saúde a estabelecer a aliança terapêutica com o paciente, colocando-
o sempre no centro de toda decisão na prática clínica.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 172
4.4.2 Autonomia como autodeterminação e a ênfase no papel do Estado na prática
da saúde
Segundo essa perspectiva, da autonomia como autodeterminação e critério
absoluto em relação à pessoa humana, “os atos dos sujeitos são medidos somente
sobre si mesmos”. Na verdade, essa perspectiva é insuficiente pois o ser humano
não tem somente o poder de escolher, mas tem a necessidade de fazê-lo. “O
homem não pode escolher por escolher, mas deve escolher para chegar ao bem e
ao que ele precisa”. (SGRECCIA, 2007).
Nunes e Fernandes (2006) escrevem sobre o uso do consentimento
informando pelo cirurgião-dentista, professor universitário. O consentimento do
paciente antes de qualquer procedimento realizado pelo cirurgião-dentista é uma
condição que deve ser respeitada, observando-se o princípio de autonomia. Por este
princípio, segundo os autores, “todos têm o direito de ser ator de seu próprio destino
e decidir o que deseja ou não em sua vida”.
Os mesmos autores afirmam que a autonomia indica a capacidade de
autodeterminação, o que é uma condição indispensável para a verdadeira vida
moral. O ser humano não nasce autônomo, mas se torna através da contribuição
das estruturas biológicas, psíquicas e socioculturais.
O profissional da área da saúde deve evitar decidir baseado em seus próprios
valores. “A pessoa autônoma tem o direito de consentir ou recusar propostas de
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 173
caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que afetem ou venham a afetar sua
integridade físico-psíquica social [...] Ser respeitado significa ter reconhecido seu
direito de autogoverno”. E os autores dizem, ainda, que as escolhas de uma pessoa
não devem ser constringidas pelas de outros, mesmo que estas sejam para o bem
do sujeito (NUNES; FERNANDES, 2006).
Os mesmos autores concluem dizendo que o desconhecimento por parte do
docente do princípio da autonomia pode comprometer referenciais deontológicos, e
pode constituir ausência de incentivo para que o aluno o use, o que o professor
poderia fazer baseando sua proposta terapêutica em diálogo franco, argumentos
sólidos e respeito ao ser humano.
Considerando os aspectos éticos em relação ao processo de consentimento
na assistência, é preciso que se fale em personalização da assistência. Para isso,
“aponta-se o fato de a assistência ter como referência o reconhecimento da pessoa
humana”. E a partir daí, e do resgate da dignidade de toda pessoa, pensa-se na
humanização, da qual a obtenção do consentimento faz parte (JUNQUEIRA, 2007).
A mesma autora diz que na sequência devem ser considerados os princípios
da bioética que respaldam o estabelecimento do processo de consentimento: o
profissional da saúde deve pensar, em primeiro lugar, no bem do paciente, no
restabelecimento de sua saúde, já que ele merece o melhor tratamento. E é isso que
difere esse princípio bioético do benefício hipocrático, que seria quando o
profissional age sem envolver o paciente na tomada de decisão.
E então, considera-se o princípio da autonomia. O que acontece em alguns
países, como é o caso dos Estados Unidos, é que o paciente decide qual o melhor
tratamento para si, muitas vezes sem o devido esclarecimento do profissional,
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 174
porque estes acabam perdendo a capacidade de indicar o que seria melhor para o
paciente. E assim, o termo de consentimento, que deve ser um documento para
resguardar a vontade esclarecida do paciente, passa a ser proteção para um
eventual processo jurídico contra o profissional (JUNQUEIRA, 2007).
Importante na obtenção do consentimento, portanto, é a qualidade da relação
profissional da saúde-paciente. Isso implica em uma postura de informação do
profissional ao paciente; informação essa que deve ser renovada durante todo o
tratamento. E por isso, o consentimento deve ser considerado um processo, que vai
também se renovando durante o tratamento. O profissional deve estar pronto para
“perceber o outro”, e estabelecer com ele uma “relação empática” (JUNQUEIRA,
2007).
Primo e Garrafa (2007) em outro artigo, falam sobre o diagnóstico,
tratamento e prognóstico de pacientes com câncer ginecológico e mamário. O início
do texto traz informações relacionadas a dados de incidência de diversos tipos de
câncer que ocorrem em mulheres (colo do útero, vulva, trompas, ovário e mama).
Os mesmos autores dizem que as bases principialistas para a bioética são
insuficientes em relação aos macroproblemas sanitários e sociais constatados em
países periféricos, como o Brasil. Eles propõem, para a resolução desses
problemas, a “bioética de intervenção” – que serviria como um instrumento para ir
além das implicações em pesquisas com seres humanos, e na relação profissional
da saúde-paciente. Identificam esta bioética como uma “bioética forte”, “que defende
a legitimidade do papel interventivo do Estado na proteção das maiorias
desfavorecidas”. A bioética de intervenção “defende, no campo público ou privado,
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 175
as tomadas de decisões que beneficiem o maior número de pessoas, pelo maior
espaço de tempo possível e que resultem nas melhores consequências”.
No caso do câncer mamário e ginecológico, os autores dizem que a
discussão bioética poderia auxiliar na instituição de programas de prevenção, no
rastreio dos casos desses cânceres, bem como no tratamento mais adequado à
estas pacientes (e não somente o tratamento possível) (PRIMO; GARRAFA, 2007).
O texto não traz fatores explícitos que possam definir o conceito de pessoa,
mas se baseia na bioética de intervenção, que como visto na revisão bibliográfica
deste trabalho, conceitua pessoa o ser humano que pode sentir dor ou prazer,
reduzindo a percepção personalista de que a pessoa deve ser considerada em todas
as suas dimensões.
Quanto ao papel do Estado, e mais especificamente, à saúde pública,
Junqueira e Junqueira (2009) escrevem que ela representa um desafio diferente e
constante a quem estuda bioética, já que é necessário que se mude o foco do
respeito às liberdade individuais para o respeito às coletividades. As ações de saúde
pública têm o objetivo de melhorar a saúde da população.
No Brasil, vive-se um quadro de extrema desigualdade social. E diante dos
quadros sociais e epidemiológicos brasileiros e da percepção dos fatores que
determinam o processo saúde-doença, as políticas públicas de saúde devem
enfatizar os programas de promoção de saúde, a fim de que sejam criadas situações
favoráveis “ao desenvolvimento da saúde e da capacidade dos indivíduos”
(JUNQUEIRA, JUNQUEIRA, 2009).
Sgreccia (1997) escreve que “a prevenção está ligada à educação para os
valores”. E que o valor que unifica todos os valores é a pessoa humana. A própria
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 176
sociedade está doente e o que falta a ela é o reconhecimento deste valor que
unifica. Pesquisas científicas, recursos farmacológicos, boas leis de saúde também
são necessários. Mas é preciso que haja informação e educação para chamar a
sociedade a ser co-responsável pela saúde de todos.
Assim, o Estado deve agir em prol da saúde da coletividade. Hoje, ainda são
necessárias ações curativas. Mas é preciso que se atente às ações de prevenção e
promoção de saúde, fazendo com que os usuários dos serviços sejam protagonistas
em relação à sua saúde e à dos outros, pois a apartir do momento que a
responsabilidade recaí também para o indivíduo que usa o serviço, ele o desafoga.
“A bioética pretende a discussão dos problemas de saúde sob a base da responsabilidade moral; não aquela individual, mas sim uma responsabilidade mais ampla de todos em relação à própria humanidade. Essa responsabilidade só é possível a partir de um sociedade educada com informações suficientes, e poderá ter um papel ativo na resolução dos problemas” (LOPES, 2003. p. 96).
Batista et al. (2007) escrevem sobre o papel do Estado na redução da
vulnerabilidade de indivíduos portadores de insuficiência renal crônica terminal. Os
autores propõem a avaliação atual da assistência a esses pacientes. O estudo é
baseado em dados de literatura coletados no Google e Pubmed.
Quanto aos dilemas bioéticos, escrevem que para diminuir o número de
doentes com insuficiência renal crônica, seria necessário que se fizessem ações
preventivas, das quais os efeitos seriam vistos somente a longo prazo. Outra
questão seria a melhora da captação de órgãos no país, gerando fila única e
garantindo o sistema para que se fizessem mais transplantes. E, então, falam da
bioética de proteção, definindo-a e relacionando-a com esta disfunção. Dizem que
“essas pessoas tiveram suas vidas drasticamente alteradas e sua autonomia violada
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 177
e, cabe ao Estado, através dos serviços de saúde, protegê-las, garantindo as suas
dignidades” (BATISTA et al., 2007).
Esse artigo tem como linha de pensamento a bioética de proteção, que
propõe a qualidade de vida em primeiro lugar, defendendo, inclusive, em outros
artigos, que o paciente deveria poder escolher autonomamente o local e tempo de
sua morte.
A bioética de proteção, segundo Batista et al. (2007), procura defender a
qualidade de vida e o direito de todo ser humano de viver bem. “Para a proteção
almeja-se assegurar o bem-estar e a qualidade de vida dos “protegidos” por meio da
promoção de sua emancipação a fim de que se tornem cada vez mais autônomos
para as escolhas do que lhes dizem respeito”. Em relação aos pacientes portadores
da insuficiência renal crônica terminal e em processo de hemodiálise, os autores
escrevem que eles estão em situação de maior vulnerabilidade e que necessitam de
tratamento integral, cabendo ao Estado oferecer condições para que eles tenham
uma vida mais próxima possível da normalidade.
Por fim, o artigo diz que os pacientes com insuficiência renal crônica terminal,
através da proteção do Estado, devem aprender a lidar com a realidade do seu
estado atual da doença, para enfrentarem suas limitações e se adequarem a um
novo estilo de vida de acordo com sua condição física e social (BATISTA et al.,
2007).
Sgreccia (1997), sobre autonomia, diz que nenhuma pessoa se identifica
completamente com as escolhas que faz, já que nem sempre nos realizamos por
inteiro naquilo que decidimos. Ele completa dizendo que: “aqueles que veem na
pessoa [...] apenas o valor absoluto da liberdade que a si mesma constitui, sem
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 178
nenhuma referência anterior, fora ou acima dela própria, acabarão exaurindo a
própria liberdade, numa visão redutiva da vida.”
E por isso, reduzir a valorização e o respeito pelo outro somente ao
reconhecimento de sua autonomia seria reduzir a pessoa apenas à sua liberdade
individual.
Segundo a bioética de proteção, as pessoas devem viver com qualidade de
vida, e todo ser humano tem direito de viver bem. É preciso que não se estabeleça o
que seria viver bem com base em critérios subjetivos. Isto é, não é necessário que
uma pessoa seja livre de doenças e imperfeições para que tenha uma boa qualidade
de vida. Uma, porque ninguém é livre de imperfeições. Outra, porque vive bem toda
pessoa que realmente deseja viver bem: o viver bem não deve ser confundido com
uma vida livre de sofrimentos, seja ele qual for. A vida de todas as pessoas é
permeada de sofrimentos, mas estes devem ser apenas etapas a serem superadas
pela pessoa ou mesmo por uma família ou pela sociedade. Viver a vida com
qualidade é viver a realidade imposta diariamente, de maneira a aproveitar todo e
cada momento.
Quando em sofrimento, uma pessoa vai realmente necessitar de uma ajuda
maior, seja de sua família, da sociedade ou do Estado.
Sgreccia (1997) fala que não se pode pensar em uma sociedade que não
esteja sadia e com isso instaurar certa qualidade de vida:
“sem que sejam satisfeitas as necessidades fundamentais (alimento, casa, higiene, trabalho) e sem que também o campo dos desejos [...] esteja num clima de criatividade e à procura de um enriquecimento humano cada vez mais amplo (SGRECCIA, 1997. p. 23).”
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 179
Mas a pessoa deve orientar seus desejos pelos seus valores – os espirituais e
morais, diz o mesmo autor.
Araújo, Cunha e Garrafa (2005) escrevem um artigo cujo objetivo foi
“apreender o grau de qualidade de vida de mulheres com alto risco para desenvolver
câncer de mama e que decidiram se submeter à mastectomia profilática bilateral”. A
mastectomia profilática consiste na retirada das duas mamas para prevenir uma
futura malignidade nos casos de pacientes com alto risco. No momento da cirurgia,
as duas mamas podem ser reconstruídas com próteses e músculos de outra região
do corpo da paciente. Ela reduz em 90% a chance de a paciente desenvolver a
doença, e sempre á feita, segundo o texto, após avaliação precisa.
O custo desse benefício, segundo os mesmos autores, é o grande número de
mulheres que fazem o procedimento que não teriam a doença. A avaliação da
indicação do procedimento deve respeitar os princípios da beneficência, autonomia
e não-maleficência.
O estudo foi feito a partir de entrevistas com 5 mulheres que passarem pelo
procedimento após terem o diagnóstico de câncer de uma das mamas. Na
discussão, relatam ter percebido que o câncer está associado ao medo da morte.
Também que a tomada de decisão decorreu da confiança no médico, pela fala de
algumas delas. Uma disse: “eu fiz o que o médico queria, não o que eu escolhi”. Isso
indica o caráter assimétrico da relação médico-paciente, principalmente neste
momento em que a paciente se sente fragilizada e, por isso, incapaz de tomar uma
decisão acertada; ela coloca nas mãos de uma outra pessoa o que será feito de sua
saúde (o médico tem autoridade técnica para saber as conseqüências de um
tratamento). Na relação médico-paciente o profissional deve procurar agir em prol da
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 180
beneficência e da não-maleficência, e a beneficência não pode ser confundida com
paternalismo. As informações devem ser comunicadas ao paciente de forma clara, e
em linguagem que o mesmo possa compreender, para que enfim, possa escolher
autonomamente o que será feito de sua saúde. O consentimento deve ser autônomo
e livre (ARAÚJO; CUNHA; GARRAFA, 2005).
Em relação à qualidade de vida após a mastectomia profilática, sobre a
repercussão social na vida dessas mulheres não houve grandes alterações, e a
redução do medo do câncer foi significativa. Uma delas diz que apesar do
procedimento ser bastante radical, ela se sente mais segura (ARAÚJO; CUNHA;
GARRAFA, 2005).
O artigo fala sobre autonomia, mas reconhece que em um momento de
fragilidade como o diagnóstico do câncer, as pessoas podem não conseguir
expressar seus reais desejos. Novamente aqui, o mais importante seria a pessoa
humana/paciente tornar-se centralidade na decisão da prática médica, de modo a
receber todas as informações claramente, a fim de que se crie uma aliança
terapêutica com a equipe de saúde, na qual ela possa ter participação ativa em um
processo que é seu.
Os autores relatam experiências de “mutilação” para prevenir doença que não
se sabe se vai acontecer. O princípio terapêutico da bioética personalista admite que
em prol da vida física do paciente, o mesmo seja mutilado, como acontece nos
casos de cânceres. Seria necessário aqui, possuir mais dados (o que na verdade,
não seria pertinente para este trabalho) para que fosse feita uma avaliação crítica da
retirada de uma mama sadia, como prevenção.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 181
Já a qualidade de vida é sempre um “parâmetro relativo”, que pode servir
para avaliar a melhora ou piora do estado de saúde de um paciente. Este conceito
não pode ser um parâmetro absoluto; se assim fosse para se determinar a qualidade
de vida de uma pessoa deveriam ser considerados aspectos como a “autonomia
pessoal suficiente”, ou seja capacidade de realização de atividades cotidianas,
ausência de sintomas, capacidade de comunicar-se. A qualidade de vida não é
sinônimo de dignidade da pessoa humana. A dignidade sim é um valor absoluto, isto
é, toda pessoa é digna: “ainda que a qualidade de vida de um doente seja muito
pobre, ele permanece como um ser com dignidade indestrutível
(GAVICAGOGEASCOA, 2003).
Em outro artigo, Evalgelista et al. (2005) apresentam suas idéias através do
pensamento principialista da bioética, pois escrevem que a bioética se fundamenta
nos quatro princípios. Enfatizam especialmente o princípio da autonomia, que
consideram ser o respeito pela pessoa. Dizem que o envelhecer com qualidade de
vida capacita as mulheres para uma senilidade sadia. E que nesse período da vida
da mulher deveria ser tratada como de responsabilidade pública.
Em relação à prática da saúde, cinco artigos e uma tese admitiram o princípio
da autonomia como auxiliar ao benefício que o paciente deve receber através de sua
relação com o profissional da saúde. Quer dizer, os autores desses textos
consideram o respeito à dignidade da pessoa humana através da boa prática
médica, que inclui benefício, informação e a decisão do paciente.
Três artigos se baseavam em duas escolas de bioética criadas no Brasil – a
bioética de intervenção e a bioética de proteção. Essas duas maneiras de pensar
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 182
bioética assumem a vulnerabilidade das pessoas, principalmente nos casos de
pobreza e, muitas vezes, falta de acesso à saúde, à moradia, alimentação. Elas
admitem também o respeito à autonomia das pessoas, como autodeterminação, ou
seja, cada um deve fazer o que acha melhor para si. Outros dois artigos
compartilham desse pensamento em relação à autonomia do sujeito, dizendo que o
respeito à pessoa é o respeito ao seu desejo final.
4.5 Saúde pública
A saúde pública, como dito anteriormente, é um desafio constante para a
bioética, já que o enfoque passa da autonomia individual para a da coletividade. Os
dilemas mais amplamente discutidos nesse sentido se referem à alocação de
recursos e aos critérios de distribuição dos mesmos (JUNQUEIRA; JUNQUEIRA,
2009).
Os países da América Latina, dentre os quais o Brasil, sofrem com algumas
situações determinantes na condição de vida da população – “a péssima distribuição
de renda, o analfabestismo e o baixo grau de escolaridade, assim como [...]
condições precárias de habitação e do ambiente” (JUNQUEIRA; JUNQUEIRA,
2009).
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 183
Braz (2004) escreve sobre violência e as desigualdades no Brasil. Ela fala
que a repulsa entre os iguais na humanidade, mas diferentes no modo de ser é o
pano de fundo para o desenrolar das guerras e genocídios. A explicação para esse
mal estaria no conceito de “coisificação do ser humano”, que seria dizer que o
homem perde sua marca humana. “A coisificação implica em ver no outro algo não
semelhante a si”. Ela diz que o homem coisificado viveria na “vida nua” – conceito de
vida apenas biológica. E completa, escrevendo que a existência de um dogma ou
uma crença muito forte em uma sociedade fechada, que percebe que o “outro” não
faz parte dela, este outro pode ser visto como uma “coisa” a ser facilmente
eliminada. A coisificação do ser humano só acontece depois da coisificação de si
próprio. O sujeito que coisifica se deixa levar por seus instintos, tornando-se vida
nua. “E é isso que choca”.
Em outro momento do artigo a autora (BRAZ, 2004) faz relação entre o
Estado, a desigualdade de grande parcela da população brasileira e a consequente
violência, dizendo que essa parte da população fica às margens da sociedade numa
condição vulnerável. O conceito de vulnerabilidade “vem sendo entendido como
referente a um estado de privação própria da população excluída das necessidades
básicas requeridas para seu bem-estar físico, mental e social”. A vulnerabilidade é
uma fragilidade, e ela é assimétrica, pois não afeta a todos igualmente. As
fragilidades variam entre os indivíduos dependendo das violências a que cada um
está exposto. Caberia ao Estado proteger contra a ameaça que atinge a todos –
segurança pública, guerras, epidemias e a exclusão social.
Uma das questões relacionadas à pobreza é o significado que assume a auto-
estima e o auto-respeito dos pobres. A pobreza também é privação no sentido
pessoal, a partir do momento em que é privação das capacidades para realizar seus
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 184
objetivos de vida. E isso, segundo a autora (BRAZ, 2004), implica na dignidade do
ser humano. E caberia ao Estado, então, deter a violência daqueles que infringem a
lei; e diminuir as desigualdades apontadas como causadoras de violência. Os
valores que a sociedade brasileira deseja para si são o respeito à vida e à dignidade
humana, a proteção pelos direitos humanos e a solidariedade no sentido de
promover justiça, desenvolvimento econômico e social. O que a autora sugere é que
o Estado crie uma política econômica que privilegie a equidade para a diminuição da
disparidade social.
A equidade incorpora a idéia de que as pessoas são diferentes e que,
portanto, suas necessidades também são diferentes. “Como consequência do
respeito devido a cada pessoa humana na sua individualidade, as ações públicas
devem reconhecer, procurar entender e respeitar tais diferenças”. E para que o
Estado aja com justiça, é necessário que se aceitem essas diferenças de
tratamento, com base nas necessidades individuais (JUNQUEIRA; JUNQUEIRA,
2009).
As mesmas autoras escrevem que “todas as pessoas têm responsabilidade
em relação à vida dos outros, afinal vivemos em sociedade (princípio da
sociabilidade)”. Mas, para que isso ocorra de maneira efetiva é preciso que as
pessoas tenham oportunidade para que conquistem sua autonomia e possam decidir
sobre os aspectos que afetam suas vidas. Dessa forma, elas poderiam manter o
controle sobre sua saúde e condições de vida. E isso chama a pessoa ao
protagonismo social. Para tanto, é necessário que sejam feitos investimentos na
educação em saúde e na promoção da saúde da população.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 185
“A prevenção das doenças e a gestão responsável [...] pessoal e social da
saúde são metas que não se atingem sem uma educação nesse sentido”
(SGRECCIA, 1997).
Daniel et al. (2004) escrevem um trabalho que visa “avaliar o impacto
produzido pelas intervenções do saneamento ambiental, na morbidade e
mortalidade por algumas doenças, principalmente, no que diz respeito à qualidade
da água para consumo humano, em invasões do Paranoá – Distrito Federal,
considerando a Teoria principialista de Beauchamp e Childress e a ética da
responsabilidade de Hans Jonas.”
Os mesmos autores dizem que as políticas públicas não favorecem a
distribuição justa e equitativa dos recursos e são “incompatíveis com a dignidade a
que os seres humanos têm direito”. Dizem que é necessário que haja condições
mínimas de sobrevivência, e que neste sentido, a bioética de intervenção proporia a
busca pela equidade entre os segmentos da sociedade.
Os autores (DANIEL et al., 2004) concluem dizendo que os residentes da
região do Paranoá são vulneráveis. E dizem que os agentes responsáveis pelo
saneamento e assistência à saúde da população local deveriam tomar atitudes
positivas para o benefício da mesma (visando o bem das pessoas e prevenindo ou
removendo os danos). Falam, ainda, que falta qualidade de vida para essa
população, fator que depende da reavaliação das questões ambientais e sanitárias e
da união de todos para alcançar a dignidade e melhores condições de vida, saúde e
meio ambiente.
Os autores (DANIEL et al., 2004) não falam sobre o conceito de pessoa, no
sentido do início e do fim da vida, mas citam a bioética de intervenção, cujo conceito
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 186
de pessoa se baseia na capacidade de sentir dor ou prazer. O texto traz um conceito
de dignidade a ser alcançada (e não como sendo fator ontológico de toda pessoa
humana). Assim, qualquer ser humano pode viver com ou sem dignidade
(dependendo de seu estado de físico, psicológico, ou social, como no caso do
artigo).
A verdadeira dignidade não é “alcançada” pelas pessoas, pois ela é um valor
absoluto, ou seja, toda pessoa humana já possui uma dignidade, e isso independe
do modo de vida e do estado de saúde de cada um.
No caso do artigo acima (DANIEL et al., 2004) é justo que se fale em
equidade, que prevê que a saúde seja distribuída de acordo com as necessidades
da população. E a busca por esse princípio é “uma tarefa árdua que se propõe aos
gestores de saúde do Sistema Único de Saúde” no Brasil. A busca da equidade
deve promover um maior equilíbrio entre as condições de saúde das pessoas
(JUNQUEIRA; JUNQUEIRA, 2009).
A bioética personalista propõe uma alternativa, qual seja: a subsidiariedade.
Por ela, entende-se que a busca de uma maior distribuição de condição de saúde
possa passar por entidades intermediárias, muitas vezes não-governamentais, no
intuito de ajudar quem necessita. Organizações não-governamentais, ou grupos
sociais podem levantar recursos para subsidiar ações ou bens de maior necessidade
para uma determinada população (JUNQUEIRA; JUNQUEIRA, 2009; SGRECCIA,
2007).
Sgreccia (2007) escreve que o Estado deve, “de sua parte, ajudar mais onde
é mais grave a necessidade [...] e de outra parte, não deve substituir as iniciativas
livres individuais ou de grupos, mas garantir seu funcionamento”.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 187
Outro artigo (PRIMO et al., 2004) traz aspectos relativos ao Papiloma Vírus
Humano (HPV), e tem o objetivo de “analisar o processo do HPV na sua dimensão
bioética, procurando avaliar o nível da primeira informação no diagnóstico do HPV, a
reação da paciente no momento em que lhe é fornecida a primeira informação [...],
as consequências decorrentes em relação à sua qualidade de vida, ao parceiro e à
vida sexual”.
O texto traz um pequeno histórico da bioética. E fala também da importância
do principialismo, e das outras ferramentas da bioética que têm contribuído para o
estabelecimento de discussões e o estímulo de reflexões sobre, entre outras coisas,
a comunicação na relação médico-paciente. Os autores utilizaram o principialismo
como ponte entre o HPV e a bioética, bem como a ética da responsabilidade e a
virtude da prudência.
Um outro artigo (NUNES, 2004) fala sobre aspectos bioéticos relacionados à
infecção pelo HIV em um grupo de mulheres de Salvador, na Bahia. A autora diz que
a bioética é uma disciplina que tem como objetivo primordial “defender a
diversidade, como condição moral da humanidade”.
A mesma autora fala sobre a AIDS, e mais especificamente sobre o
crescimento desta doença entre as mulheres e os mais pobres. E isso inspira,
segundo a autora, discussões no âmbito da bioética por se tratar de vulnerabilidade.
O conceito de vulnerabilidade abraça conceitos como oprimidos, discriminados ou
excluídos, e foi introduzido na bioética “para trazer atenção para os padrões sociais
de desigualdade”. E esta discussão tem ligação com o princípio de autonomia, que
significa autodeterminação da pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua
saúde e suas relações sociais.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 188
A autora (NUNES, 2004) diz que, pelos resultados de seu estudo, ficam
evidentes os baixos indicadores de desenvolvimento humano, o que caracteriza o
grupo das mulheres como um vulnerável. O texto diz, ainda, que a vulnerabilidade
exacerbada leva à redução e perda da liberdade individual, levando a diminuição da
autonomia. E que a mudança de valores e comportamentos da população é um dos
maiores desafios para deter o desenvolvimento do HIV. As mudanças devem ocorrer
como consequência de reestruturação da sociedade brasileira, com ampliação do
acesso à educação, à cultura e aos serviços de saúde.
Sgreccia (2007) escreve que algumas doenças derivam de “escolhas éticas
errôneas” da pessoa. No entanto, nos casos do HPV e HIV nem sempre é isso o que
acontece, como se pode perceber nos casos citados pelos últimos dois trabalhos.
Muitas vezes as mulheres que adquirem essas doenças são casadas e nem sabem
que seus maridos possuem qualquer problema de saúde, ou mesmo que o
adquiriram ao longo do casamento.
A sexualidade humana não deve ser reduzida a uma coisa ou um objeto, mas
faz parte conformação estrutural da pessoa: “enquanto componente fundamental da
pessoa, a sexualidade merece respeito e aceitação”. A sexualidade advém da
necessidade de sair da própria solidão, de se comunicar com o outro, de se achar no
outro. “A pessoa se sente valorizada quando reconhecida em toda a sua unicidade e
totalidade” (SGRECCIA, 2007). A dignidade da vida dessas mulheres não parece
estar sendo reconhecida por seus companheiros.
E Nunes (2004) considera esse grupo de mulheres como um grupo
vulnerável, ou seja, elas não têm liberdade e autonomia para decidirem sobre suas
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 189
vidas (muitas são “reféns” de seus maridos, dependendo deles para ter casa e
comida para si mesmas e seus filhos).
É preciso que haja efetivamente maior atenção à educação. O que Sgreccia
(2007) diz é que o equilíbrio geral da saúde necessita de prevenção, cura e
reabilitação, bem como, de educação sanitária, capacidade de reação e de
colaboração no momento da doença. E isso reflete um compromisso social e
pessoal em relação à doença. Os conceitos de saúde e doença devem se referir à
pessoa como um todo e no âmbito de toda a sociedade. Isto quer dizer que nos
casos dos artigos acima, esses conceitos dizem respeito às mulheres que
adquiriram as doenças, bem como aos seus companheiros
Assim, a essas mulheres, e a vários outros grupos, considerados por autores
brasileiros como vulneráveis (como as pessoas que possuem outros tipos de
doenças, pessoas cuja renda é baixa, pessoas que vivem à margem da sociedade)
deve-se garantir prevenção, cura e reabilitação, no sentido de fazê-las identificar seu
efetivo valor. Uma das maneiras de se garantir a identificação da dignidade humana,
inerente a todos, é o aprendizado de que cada um é responsável por sua saúde, por
sua vida, e também pela saúde de todas as pessoas da sociedade.
4.6 Bioética – Temas variados
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 190
Nesta categoria entraram os artigos cujos temas não foram associados às
categorias precedentes, mas que, de qualquer forma, são de grande importância no
âmbito da bioética e da pessoa humana.
4.6.1 A dignidade humana
Anjos (2004) escreve sobre a dignidade humana. O texto diz que o conceito
de dignidade traz uma carga emocional que pode ser bem utilizada, e que não deve
ser desconsiderada no discurso racional e argumentativo. “Propicia, antes de tudo,
uma atitude fundamental e uma convocação para uma entrada qualitativa nas
relações humanas”. Entende-se que se constrói uma rede de relações socioculturais
que se fundamentam na consciência de outro ser humano como semelhante. Assim,
na prática, cultiva-se um ambiente para o relacionamento entre seres humanos. “No
caso da dignidade humana, este conceito alimenta atitudes éticas para as práticas.”
O mesmo autor diz que princípios como autonomia e justiça são subsidiários
à dignidade humana – que é um princípio considerado constitutivo, e “marca um
horizonte em direção do qual é importante caminhar. Ele escreve que deve-se evitar
o apelo abusivo a este conceito, que pode ocorrer quando uma pessoa “se eximir do
debate sobre suas interpretações”.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 191
Barchifontaine (2006) diz que a expressão dignidade humana é o
reconhecimento de um valor. A dignidade é um princípio moral baseado na
finalidade do ser humano. Tem base, também, na própria natureza da espécie
humana, caracterizada por racionalidade, liberdade e finalidade em si, que levam o
ser humano ao seu desenvolvimento na procura da realização em si próprio. “Essa
auto-realização pessoal, que seria objeto e a razão da dignidade, só é possível pela
realidade ontológica com todos os membros na nossa espécie.” E o autor diz que é
“a sociabilidade do ser humano que funda-o em dignidade”; que a pessoa advém da
comunidade humana, que confere a cada ser a capacidade de linguagem, por
exemplo. E também que, para que se garanta a dignidade humana, é necessário
que o ser humano possa se individualizar, e assim “passa por etapas de
socialização até atingir a maturidade.
O mesmo autor conclui dizendo que “a noção de dignidade humana, que varia
consoante as épocas e os locais, é uma idéia-força que atualmente possuímos e
admitimos na civilização ocidental, que é a base dos textos fundamentais sobre os
direitos humanos”. Escreve que é um conceito evolutivo dinâmico e se relaciona à
tomada de consciência da pertença de que somos da espécie humana. E, ainda,
que o conceito “é importante para salvaguardar o valor maior que é a pessoa.”
Segundo D’Agostino (2006) o tema da dignidade requer uma constante
“redefinição, pois é um tema que possui um certo risco de se tornar abstrato, de ser
esvaziado”.
A dignidade é, efetivamente, um valor absoluto no que se refere aos seres
humanos. Isto que dizer que todo ser humano tem uma dignidade pelo simples fato
de pertencer a espécie humana. Assim, independentemente de sua consciência, de
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 192
sua comunicação com o mundo, de seu estágio de desenvolvimento ou da maneira
como vive, todo indivíduo humano possui dignidade.
4.6.2 Experimentação com seres humanos
Caponi (2004) escreve sobre a experimentação com seres humanos. O
trabalho estuda o uso experimental de seres humanos como cobaias para a
realização de pesquisas médicas. A primeira delas é a descoberta, na Índia, do
Anopheles como mosquito transmissor da malária, que aconteceu de 1894 a 1899; e
a segunda pesquisa foi realizada com mulheres grávidas portadoras do vírus HIV na
África, e aconteceu de 1998 a 2000.
O texto (CAPONI, 2004) diz que as pessoas que foram estudadas nos casos
citados acima são vida nua, ou seja, “uma vida sem significação, que se esgota no
próprio fato da sobrevivência”. Sua função única para o experimento era servir de
cobaia, já que durante as pesquisas seus direitos universais e de sujeitos de
pesquisa não foram preservados. A autora não fala sobre o conceito de pessoa, mas
condena a utilização desses sujeitos de pesquisa como meio para obtenção de um
resultado que faria bem para uma maioria, e admite que eles precisam ser
reconhecidos como indivíduos.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 193
A história da experimentação é muito antiga. Pode-se dizer que é tão antiga
quanto o próprio homem. A ciência experimental surge com Galileu no século XVI, e
a partir dela, a verdade deveria ser buscada por meio de observação (e não
simplesmente aceita). A partir do século XVII, a ciência cresce bastante, o que faz
aumentar também a quantidade de experimentos realizados com seres humanos.
Os aspectos éticos destas pesquisas começam a vir à tona a partir da publicação de
artigos sobre o tema, o que sensibilizou a moral da sociedade. E, por isso,
aumentaram as pressões para que houvesse um controle social das
experimentações com seres humanos, com a finalidade de proteger os direitos da
pessoa humana – sujeito de pesquisa (SAKAGUTI, 2007).
Este controle teve início após a Segunda Guerra Mundial, com o
desenvolvimento do Código de Nuremberg, escrito após o julgamento dos médicos
que colaboraram com os experimentos nazistas nos campos de concentração. Esse
código foi a primeira resolução mundial no intuito de regulamentar a experimentação
com seres humanos. Depois dessa, outras surgiram como a Declaração de
Helsinque, o Relatório Belmont e, no Brasil, a Resolução do Conselho Nacional de
Saúde 196/96 (SAKAGUTI, 2007).
Todas estas resoluções têm como objetivo a proteção efetiva do sujeito de
pesquisa, no sentido de respeitar sua dignidade humana. Assim, elas envolvem
princípios éticos como o respeito à autonomia do sujeito, o consentimento voluntário
do sujeito de pesquisa (que deve ser esclarecido, ou seja, o sujeito deve receber
todas as informações relativas à pesquisa, como finalidade, riscos, benefícios,
desconfortos, formas de ressarcimento, indenização, entre outros), a garantia de
sigilo, entre outros (RAMOS, 2007).
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 194
Uma das pesquisas evidenciada por Caponi (2004) retrata a realidade de
como esses procedimentos aconteciam, principalmente até o surgimento do Código
de Nuremberg – o experimento que descobriu o Anopheles como mosquito
transmissor da malária aconteceu na Índia, que no final do século XIX era colônia da
Inglaterra, país que enviou médicos militares para este estudo. Relatos escritos
sobre o estudo revelaram as mentiras ditas aos sujeitos de pesquisa, as
experiências com mosquitos infectados que levaram muitos à morte e a falta de
cuidado com que eram tratados os povos colonizados, ou seja a falta de
identificação daqueles sujeitos como pessoas tão ricas em dignidade quanto os
próprios pesquisadores.
E isso, segundo a mesma autora, se repete ainda hoje, como no caso que ela
evidencia, de mulheres que foram pesquisadas na África até o ano de 2000. Essa
pesquisa foi realizada com um grupo de mulheres grávidas e portadoras do vírus
HIV, para as quais foi ministrada uma medicação diferente daquela já normalmente
utilizada com objetivo de impedir que as crianças nascessem portadoras do mesmo
vírus. Um dos grupos dessa pesquisa, inclusive, recebeu placebo (e as crianças que
nasceram desse grupo são em sua maioria HIV positivas. Se as mães tivessem
usado o tratamento usual, esse número cairia para 50%).
“[...] essas populações situadas nas margens deixam de ser pensadas como
sujeitos de direito para passarem a ser consideradas exclusivamente em termos de
corpos vivos [...] contribuir para a construção de um conhecimento aplicável a todos
(CAPONI, 2004)”.
De fato, o que a bioética evidencia é que “o interesse do ser humano deve
estar acima dos interesses da ciência”, e que as pesquisas com seres humanos
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 195
devem estar de acordo com a dignidade da pessoa humana (SAKAGUTI;
JUNQUEIRA; RAMOS, 2009).
4.6.3 Conceito de pessoa de Tristam Engelhardt
Ribeiro (2002) faz menção, em sua tese de doutorado, ao conceito de pessoa
de Tristam Engelhardt, que define como pessoa somente os seres humanos com
autoconsciência e capacidade de autodeterminação. Diz que concepção de pessoa
de Engelhardt “constitui uma ferramenta útil nas questões de pertinência ética, frente
aos desenvolvimentos das ciências biomédicas, e também para o equacionamento
do papel do sujeito moral”.
A concepção de pessoa de Engelhardt limita à condição de pessoa somente
aqueles capazes de participar da “comunidade moral”, ou seja, aqueles indivíduos
de tenham capacidade de autodeterminação. Este autor alimenta a ideia de que
existem várias formas de se pensar a pessoa. O primeiro deles é o sentido estrito,
que seria o de considerar pessoa os seres humanos dotados de autoconsciência –
os agentes morais. Admite o “sentido social de pessoa”, que é “dado àqueles muito
severa e profundamente retardados e dementes, que nunca foram e nunca serão no
sentido estrito” (sendo este último sentido o que reconhece a pessoa participante da
comunidade moral, sendo livre e autônoma) (ENGELHARDT, 2004).
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 196
O mesmo autor afirma, inclusive, que as crianças pequenas, assim como os
animais podem ser consideradas posses. Mas que esse direito de posse deixaria de
existir a partir do momento em que a criança virasse pessoa. E que: “pareceria
bastante plausível [...] que plantas, os micróbios e os zigotos humanos fossem
transformados em produtos, e comprados e vendidos como se não passassem de
coisas.” E isso se dá pela extensão da propriedade, ou seja, se eu construi, eu tenho
posse sobre aquela “coisa”.
Esse conceito se contrapõe à ideia do personalismo ontologicamente
fundado, para o qual toda vida humana se inicia na fecundação. Ferreira (2009) diz
que hoje o que se tem visto é a tentativa da desumanização do embrião. E é
exatamente o que se percebe nas frases de Engelhardt, quando ele diz que o zigoto
é “uma coisa”.
4.6.4. Bioética e genética
Garrafa (2000) fala que o domínio da técnica relacionada ao conhecimento do
DNA possibilitou o diagnóstico pré-natal de algumas doenças genéticas, permitindo
o aconselhamento de casais que correm o risco de ter uma criança deficiente. Por
outro lado, geraram uma série de implicações éticas como a indicação de “aborto
terapêutico” e até uma possível limitação de atividade laboral a um cidadão.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 197
O texto diz que a engenharia genética escreve uma nova história. O perigo é
a técnica dominar o mundo sem mediação científica ou social. Um exemplo é o uso
cada vez maior, principalmente nos EUA dos testes genéticos. Questões como as do
aborto passaram a ser colocadas não somente no caso de más-formações, mas no
caso de anomalias cromossômicas. Assim, os problemas sociais ficam reduzidos às
suas dimensões biológicas, e o indivíduo passa a ser desconsiderado, criam-se
categorias de indivíduos (GARRAFA, 2000).
O mesmo autor relata que a adoção de normas e comportamentos
moralmente aceitáveis nesses casos, requer o exercício da tolerância – entendida
como o respeito ao pensamento e às opiniões alheias - e da pluralidade. Assim é
necessário que haja o estabelecimento de legislação relacionada a este assunto, e
que ela seja cuidadosamente elaborada.
E Schramm (1997) fala sobre a eugenia. Ele diz que a eugenia obrigaria à
uma “prudência vigilante e a uma responsabilização radical dos nossos atos perante
o fenômeno da vida”.
O mesmo autor propõe que os fatos biotecnocientíficos sejam julgados de
forma racional e imparcial, livre de preconceitos, através de uma teoria ética que
sirva para classificar os casos concretos – clínicos – como tendo características
comuns. Segundo ele, Engelhardt propõe uma negociação entre todos os atores
envolvidos em um processo, embasada no “princípio do consentimento”. O autor fala
da necessidade de uma nova concepção da racionalidade e da moralidade, já que
atualmente a discussão entre a biotecnociência e a bioética encontra-se incapaz de
construir um autêntico pacto laico, democrático e pluralista.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 198
Parece impossível encontrar um denominador comum, sem precisar que os
fatos sejam envolvidos em uma disputa. E é esse o aspecto plural e laico da
discussão, segundo o autor. Ele propõe, também, uma ética mínima, para que exista
compromisso sobre os valores para que se compartilhem alguns pressupostos base,
dentre os quais, a racionalidade e a imparcialidade lógica embasada na força da
razão (SCHRAMM, 1997).
O mesmo autor diz que “a natureza humana não tem nada de sagrado e não
existe motivo pelo qual ela não deva ser modificada, por razões particulares e com
prudência”. Devemos encarar a possibilidade da eugenética, principalmente a
negativa – aquela que pode prevenir e curar certos tipos de doenças genéticas - o
que resultaria em uma “pluralidade das naturezas humanas”, com linhagens novas,
mais adaptadas a novas situações. Assim, de acordo com Schramm (1997),
estaríamos protegendo os indivíduos para que um fato genético não constitua um
dano. Do mesmo modo, ele diz que a eugenética positiva – aquela que pode alterar
características “normais” da pessoa (que não são doença) - poderia representar uma
ganho com a “finalidade de proteger a saúde e a qualidade das gerações futuras”.
A eugenética negativa refere-se às terapias com característica de prevenção
ou cura de doenças, enquanto que a positiva, estaria preocupada em melhorar as
competências humanas, como inteligência, capacidades artísticas, físicas, entre
outras (SCHRAMM, 1997).
Diz (SCHRAMM, 1997), por fim, que os desdobramentos como abusos,
discriminação sob forma de eugenismo, racismo e discriminação de doentes são
sempre possíveis. Mas recusar a eugenética seria como recusar “artefatos úteis” que
se tornam cotidianos em nossa vida, em nome de eventuais abusos.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 199
Então qual deve ser o critério ético fundamental de discernimento em relação
aos procedimento da genética? Em base de qual (ou quais princípios) se definiria o
que é lícito ou não?
Segundo Sgreccia (2007) alguns autores escrevem que tudo o que é
cientificamente executável seria lícito. Os que pensam assim sustentam que o
homem é dono de si e de seu destino. Outros, segundo o mesmo autor, acreditam
que seria a legislação de cada Estado a colocar os limites aceitos pela maioria em
um determinado momento histórico, o que poderia levar ao utilitarismo. E isso não
seria bom, principalmente quando empregado sobre sujeitos que não podem decidir,
como os embriões. “É preciso que se ache um critério de referência objetivo”.
O critério bioética de referência deve ser a “unidade pessoa-corpo”, com base
no princípio da totalidade ou princípio terapêutico. “O corpo, seu programa genético,
seu código genético, é essencialmente unido ao espírito constituindo uma unidade
existencial e essencial da pessoa”. Isto quer dizer que qualquer intervento sobre a
corporeidade, e, por isso, sobre o código genético, é um intervento sobre a
corporeidade humana e sobre a totalidade da pessoa. E essa intervenção pode ser
justificada somente se existe um motivo terapêutico (SGRECCIA, 2007).
Sobre o Projeto Genoma Humano, Sgreccia (2007) escreve que, apesar dos
pontos positivos, foram evidenciados no projeto, alguns riscos e problemas éticos, e
dentre eles, está a possibilidade de aplicação de diagnósticos pré-natais com
objetivos eugênicos.
O exame genético pré-natal é feito em um período específico do feto, e tem
como objetivo a verificação de possíveis malformações ou defeitos que possam ter
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 200
efeito em sua vida futura. A procriação medicalmente assistida tornou possível a
possibilidade de se realizarem esses testes no embrião in vitro, ou seja, antes de
implantá-lo no útero da mãe. A intenção, neste caso, seria “prevenir” o nascimento
de um sujeito doente sem recorrer ao aborto após a implantação do embrião. Mas, a
seleção de embriões não muda a gravidade do aborto porque este é feito em um
estágio precoce. Ou seja, a interrupção de uma vida feita em estágio precoce ou
avançado não muda o efeito real do ato – o embrião precoce possui o valor de
pessoa humana (SGRECCIA, 2007).
Nessa categoria, um artigo considera que os sujeitos de pesquisa devem ser
reconhecidos como indivíduos, fato que foi reconhecido no trabalho como relativo ao
respeito à pessoa humana. Outros dois artigos falavam da dignidade humana como
valor a ser seguido. No entanto, um deles diz que a dignidade humana é conseguida
por cada pessoa somente através da socialização; e ainda que a dignidade é um
conceito mutável. Um outro artigo enaltece a importância da eugenia, como fatos de
permissão à sobrevida da espécie humana, fato que pode desconsiderar a pessoa
humana como ser único e individual, para criar inclusive preconceitos. Outro artigo
sobre genética fala da necessidade do reconhecimento da pluralidade e da
tolerância no que se refere à legislação de casos que dizem respeito à eugenia, no
sentido de se respeitar a vontade da maioria. E uma tese fala da importância do
conceito de pessoa de Engelhardt, que admite que pessoa é, somente, o sujeito
humano que é capaz de autodeterminação.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 201
Portanto, dois artigos são positivos em relação ao respeito de pessoa humana
como ser humano visto em sua totalidade e com sua dignidade intrínseca; outras
quatro referências não admitem a dignidade intrínseca de cada pessoa, ou admitem
a tolerância e a pluralidade nos casos que se relacionam à pessoa e à genética.
4.7 Artigos não pertinentes
Após sua leitura integral, alguns artigos não foram considerados pertinentes
no que concerne o conceito de pessoa humana. São eles:
Grinberg (2003), que fala sobre a conduta bioética médica nos casos de
estenose valvar aórtica em relação à beneficência e não-maleficência. E traz
conceitos específicos dessa doença.
Gomes (2004) escreve um estudo que visa “avaliar as repercussões da
violência sobre a saúde individual ou coletiva, [...] arguir a dimensão ética do
fenômeno e estimar as possibilidades de controle ou prevenção a favor da saúde
humana.”
Fontoura et al. (2004) falam, em seu artigo, de um estudo qualitativo realizado
com agentes comunitários de saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Recife a
fim de “identificar e descrever os dilemas bioéticos vivenciados” por esses
profissionais no cotidiano de seu trabalho.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 202
Seoane (2007), em sua tese de mestrado, faz um estudo qualitativo a partir
de entrevistas semi-estruturadas sobre a percepção dos usuários quanto ao
desempenho do Programa Saúde da Família, quanto ao trabalho do Agente
Comunitário de Saúde, e quanto ao direito à confidencialidade e à privacidade de
suas informações. Foram entrevistados 11 homens e 19 mulheres. E o experimento
aconteceu em uma Unidade de Saúde da região sudeste do Município de São
Paulo.
O mesmo autor escreve sobre dois modelos de bioética – o do cotidiano (que
“nos introduz na realidade do exercício da cidadania, envolvendo a plenitude dos
direitos, a garantia da existência física e cultural e o reconhecimento como ator
social”) e o modelo das situações persistentes.
Anjos (2003) escreve sobre a liberdade à luz da teologia, mais
especificamente da teologia da libertação. E como não é o objetivo desse trabalho
não é trazer conceitos que fogem do aspecto específico da bioética, este artigo não
será utilizado.
O mesmo autor (ANJOS, 2005), em outro artigo, fala sobre a corporeidade
humana a partir da teologia cristã. Ele faz referência a diferentes formas de entender
a corporeidade em bioética.
Ruiz e Pessini (2006) escrevem sobre a ética nas aulas de anatomia e no
respeito ao cadáver, que é devido pelos alunos, mas nem sempre tão fácil de ser
cumprido. Os autores consideram que o cadáver deve ser respeitado por pertencer à
espécie humana, e é o que passam para os alunos no momento das aulas.
4. Resultados e Discussão – O conceito de pessoa humana no âmbito da bioética brasileira 203
Koerich, Machado e Costa (2005) escrevem sobre bioética no âmbito da
enfermagem. As autoras fazem uma abordagem geral, com ênfase na bioética
principialista e na ética do trabalho dos enfermeiros.
Acompanhando ainda esta ótica, três artigos lidos falavam sobre biodireito:
Xavier (2000), Martins-Costa (2000) e Oliveira Júnior (2006). Todos eles falavam de
aspectos importantes em relação à pessoa, como a experimentação com células-
tronco embrionárias e o conceito de pessoa no Direito. Mas traziam também
conceitos como propriedade, salvaguarda da identidade genética do ser humano,
conceito de personalidade jurídica, entre outros, de entendimento especificamente
do Direito.
O trabalho que está sendo realizado não pretende aprofundar estes temas,
visto que haveria demanda de entendimento de aspectos jurídicos não pertinentes
ao tema, e por isso, esses artigos não foram considerados no experimento.
5. Conclusão 204
5 CONCLUSÃO
Conheci a bioética quando iniciei meu mestrado no Departamento de
Odontologia Social da Universidade de São Paulo. Já nas primeiras aulas da
disciplina de bioética deste programa de pós gradução, pude identificar um dos
aspectos práticos da disciplina, a experimentação com seres humanos. Como a
disciplina é oferecida a todos os que se inseres no programa, de todas as áreas de
concentração do mesmo, e muito alunos irão fazer experimentação com seres
humanos, as aulas são de extrema importância prática. Mas o professor Dalton
deixa sempre muito claro que é preciso, ao enfrentar questões de âmbito bioético,
ter um referencial último, e isso, apesar de se dar no aspecto prático, se suporta na
filosofia. Quer dizer, sendo a “pessoa humana” meu referencial último, devo
considerá-la em sua dignidade quando da realização de um experimento. Mas o
conceito de pessoa é filosófico, e por isso, o caminho percorrido neste trabalho teve
enfoque na filosofia e no estudo de diferentes modelos de bioética (metabioética).
O conceito de pessoa humana me chamou atenção desde que comecei a
estudar o Personalismo Ontologicamente Fundado. Esta linha de pensamento
bioético traz o conceito de pessoa como seu fundamento, ou seja, para que uma
decisão, frente a um dilema, seja tomada é necessário que se coloque como
referencial último a pessoa humana.
E o que é a pessoa humana? Ou melhor, quem é a pessoa humana? A
pessoa humana é facilmente identificável, pois a reconheço em mim mesma e em
quem está à minha volta. Sou pessoa, e me identifico formada por corpo e espírito e
5. Conclusão 205
constituída pelas diferentes dimensões – física, psicológica, espiritual, social e
moral.
Dentro da discussão sobre a pessoa humana, pude perceber que dois são os
pontos de maior fragilidade no sentido do conceito de pessoa, e de nossas próprias
vidas humanas: o início e o fim da vida. Lendo e refletindo sobre esses dois
extremos da vida, entendi que eles são dois “lugares” desconhecidos por toda
pessoa, e por isso, provavelmente, tão temidos. Desconhecidos, não no sentido de
que não saibamos como se inicia o processo do desenvolvimento humano, ou como
ele termina. Mas num sentido mais pessoal, quer dizer, não me lembro do que
aconteceu no ventre de minha mãe, ou na minha primeira infância (minha primeira
memória deve ser de quando tinha três anos). Bem como, não sei o que vai
acontecer no final da minha vida, se viverei ainda muitos anos (o que
verdadeiramente espero) ou não.
O que devemos considerar é que esses dois estágios de nossas vidas fazem
parte dela, efetivamente. E mesmo não lembrando como foi, ou não sabendo como
será, de uma coisa podemos ter certeza: faz parte da realidade de cada pessoa. E
essa certeza se dá através da experiência que fazemos e que vemos os outros
fazerem – a experiência elementar.
A partir deste conceito, identifico dentro de mim um critério de juízo que
corresponde à minha realidade, através do qual reconheço que faço a experiência
humana que sou “pessoa humana”, e que pessoa é todo e qualquer ser humano,
independente de sua fase de desenvolvimento. Reconheço o valor que eu tenho – a
dignidade humana – e sei que este mesmo valor está em toda pessoa.
5. Conclusão 206
A ciência nos mostra que através da união entre o óvulo e o espermatozóide
tem início uma nova entidade humana, formada por 23 cromossomos da mãe e 23
do pai, não sendo, portanto, parte de nenhum dos dois genitores, mas um indivíduo
humano único e irrepetível. A partir desse momento – fecundação – começa uma
série de processos que desencadeiam no desenvolvimento de um bebê, que se
desenvolverá e será uma criança e depois será um adulto. Se estes processos não
sofrerem uma parada repentina, o desenvolvimento é contínuo e acontece até o final
da vida desse indivíduo.
A compreensão deste processo nos faz perceber que essa entidade, criada
na fecundação, é uma nova vida humana. Meu conhecimento sobre genética e
minha experiência humana me fazem saber que eu já fui um embrião, já fui uma
única célula, e meu processo de desenvolvimento, desde o dia em que fui fecundada
até hoje, continua acontecendo.
E esse meu processo vai terminar no dia em que eu morrer, ou seja, no dia
em que minha vida chegar ao fim.
O que pude perceber na primeira parte desse trabalho, que trata de início e
do fim da vida é que o aspecto mais controverso é o início. Em relação ao início,
dois foram os artigos que consideravam a vida humana com princípio na
fecundação. Outras sete referências falaram sobre como a mãe deve ter autonomia
sobre seu corpo, em relação a uma gravidez indesejada, ou mesmo de feto mal
formado, ou ainda, sobre a dificuldade de se identificar o embrião como nova vida
humana, ou até sobre a negação de que o embrião já fosse vida humana em início
(sendo tão somente um amontoado de células).
5. Conclusão 207
Admitir que a vida tem início na fecundação, é considerar anti-éticos
procedimentos como o aborto e a experimentação com embriões. Toda vida humana
tem o direito de ser vivida. Como bem frisado em todo o trabalho, uma vez que não
haja interrupção, o desenvolvimento de um embrião vai terminar no nascimento de
um bebê. Quer dizer, não termina nesse momento. Se a vida segue seu curso
natural, esse bebê se torna criança, adolescente e adulto.
As técnicas de fertilização in vitro não são regulamentadas em nosso país
(existe somente uma resolução do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre
estes procedimentos). Me lembro de meu estágio na Itália, onde conheci a “Legge
40”, lei de 2004 que regulamenta essas técnicas e que traz como base a proteção
do embrião, da seguinte maneira: três embriões são produzidos e três são
implantados. Não existe margem para embriões excedentes, evitando seu uso em
experimentações de células-tronco (que como visto na revisão de literatura até hoje
não apresentaram resultados positivos) e as grandes discussões éticas acerca do
tema.
Pensar na autonomia de uma mãe é ético quando os valores a serem
discutidos são homogêneos entre si. Em confronto com uma vida humana, nunca se
deve privilegiar a liberdade. É bom que lembremos que, como vida humana em
início, o embrião não tem como fazer valer a sua autonomia. Além disso, uma vez
que se age com liberdade, é preciso que se tenha responsabilidade. E, neste caso, a
mãe, e também o pai, devem se responsabilizar sobre aquela nova vida humana.
Toda nova vida humana merece tutela, e merece ter seu valor reconhecido.
Sobre o final da vida, muitos autores brasileiros escrevem a favor da morte
no tempo certo, ou seja, da morte natural (seis). Outros cinco falam sobre o respeito
5. Conclusão 208
à autonomia do doente em casos de final da vida, e um deles sobre a “morte
piedosa”, ou seja, a eutanásia.
Quando leio estes artigos, retomo através da experiência elementar, a minha
realidade e penso em meus avós, e no significado de cada um para mim (o que
revela o critério de juízo das situações que se seguem). Meu avô materno teve um
infarto em 2005. Desde este dia “sofreu” com a fragilidade de seu corpo, que não
tinha mais como fazer suas compridas caminhadas (pelo contrário, lhe faltava o ar e
ele se cansava ao ir até a padaria da esquina de sua casa). Nos dois anos que se
passaram até sua morte, ele viveu com plena alegria (como sempre vivera),
alimentando nossas vidas com seus ensinamentos. Deixou muitas palavras para
todos da família. A uma certa altura, quando já sabia que iria morrer, falou o que
queria especificamente para cada um. Ele ficou, então, em uma Unidade de Terapia
Intensiva por cerca de duas semanas, onde sua vida foi terminando, terminando,
terminando. Se isso era necessário, nunca vou saber, mas tenho a certeza de que
ele foi bem cuidado e de que foi em seu “tempo certo”.
Meu avô paterno sempre foi muito trabalhador, muito ativo. Descendente de
italianos, foi uma pessoa intensa em tudo o que faz. Se doou à família, aos filhos,
aos netos, à esposa. Me lembro de nossas férias no acampamento, quando ele nos
levava (os netos) à caminhadas instrutivas pela natureza. Há aproximadamente oito
anos, ele foi diagnosticado como portador do mal de Alzhaimer. No início esquecia
algumas coisas. Agora, esquece muitas. Ainda sabe muito, ainda nos reconhece,
conversa, conta coisas do passado. Às vezes, quando menos esperamos, nos
surpreende com as coisas que fala, como quando ele reconhece: “acho que estou
com problema de memória”. Mas é muito triste ver que aquela pessoa que me
levava pra todos os lugares, trabalhava em seu barracão, dirigia, cortava grama,
5. Conclusão 209
arrumava as coisas da casa, não faz mais nada disso. E não se lembra que minha
irmã se casou ano passado, ou no que me formei há nove anos, ou que minha prima
mora com o marido em Londres há dois anos. Procuro fazer com que ele se sinta
bem comigo: quando ele quer conversar, converso; quando ele pergunta algo que já
falei, ou que já me perguntou, respondo como se fosse a primeira vez que o digo.
Tento estar perto quando e como posso, para eu ficar feliz. Sim, ele ainda me faz
muito feliz!
Quando leio os artigos que dizem que portadores de mal de Alzhaimer não
são pessoas, eu me espanto: Peraí!! Meu avô é uma pessoa!! E será pessoa até o
final da sua vida, até sua morte natural. Afinal, a vida dele, como a de todas as
pessoas, tem um sentido (e sempre terá). Ele não deixou de ter dignidade.
Muito me chamou atenção a história de Jean-Dominique Bauby, que tendo
sofrido um acidente vascular cerebral, mergulhou em coma profundo. Ao sair dele se
encontrou “trancado em seu corpo”, atingido pela “locked-in syndrome”. Ele perdeu
todos os movimentos, com exceção de um – o de um de seus olhos. Ele respirava
com ajuda de aparelhos, comia e se movimentava somente com ajuda. No entanto,
com seu único movimento, ele conseguiu encontrar sentido naquela situação,
através da linguagem. Com a ajuda de uma fonoaudióloga, ele aprendeu uma
versão do alfabeto, que era dito por seu interlocutor, e quando a letra que queria era
proferida, ele piscava seu olho. Assim, ele ditou um livro (que até já se tornou filme),
intitulado “O Escafandro e a borboleta”, contando como se sentia dentro de seu
corpo e relatando fatos de seu dia-a-dia. E ele diz: “Tanto quanto de respirar, sinto
necessidade de emocionar-me, amar, admirar. A carta de um amigo, um quadro de
Balthus num cartão postal, uma página de Saint Simon dão sentido às horas que
passam” (BAUBY, 2008).
5. Conclusão 210
E é este sentido que precisa ser resgatado nos casos em que a pessoa “se
perde”. Resgatando o sentido, minimizando as sensações de dor e solidão vividas
por uma pessoa que está na fase final de sua vida, diminui-se o sofrimento, ou pelo
menos, ele é sentido de uma forma diferente.
A pessoa humana é pessoa humana até o final de sua vida, até sua morte
natural!
Ainda na parte experimental deste trabalho, encontrei artigos que não
estavam relacionados a estes dois marcos que identificam toda pessoa humana. No
entanto, apresentavam aspectos relacionados a temas correlatos à pessoa. Assim, a
ideia foi utilizá-los com o objetivo de enriquecer a discussão acerca dos conceitos
relativos à pessoa. Mas foi impossível aprofundar todos os temas tratados, por isso,
depois de leitura destes artigos, procurei fazer um breve diálogo dos aspectos por
eles trazidos e o personalismo ontologicamente fundado.
Assim, alguns artigos estavam relacionados à prática da saúde. Para minha
surpresa, muitos dos artigos que falavam do conceito de autonomia, o entenderam
como auxiliar no cotidiano das práticas da saúde. Nestes artigos (seis deles), os
autores enfatizaram o pensamento no benefício dos pacientes e no auxílio que deve
ser provido pela equipe de saúde para que eles (os pacientes) possam chegar às
melhores decisões no que diz respeito às suas próprias vidas.
Outros cinco artigos falavam da autonomia como autodeterminação do
sujeito, reconhecendo esta porção constitutiva de toda pessoa como a principal.
Alguns deles falavam ainda, da necessidade de intervenção do Estado no sentido de
proteger os grupos “vulneráveis”. Acredito que o Estado deva ter um papel no
sentido de contribuir para a equidade e a justiça. Mas acredito que, nestes artigos,
5. Conclusão 211
falte o reconhecimento ao protagonismo que a pessoa deve assumir frente às
adversidades de sua vida. A pessoa não deve esperar somente que o Estado a
proteja ou intervenha em suas situações de saúde, em sua situação social. Mas
precisa se tornar sujeito de sua própria vida, procurando as respostas às suas
demandas com o auxílio do Estado e até mesmo de entidades privadas, retomando,
assim o princípio de sociabilidade – através do qual a pessoa é responsável por sua
saúde e a dos outros – e de subsidiariedade – pelo qual essas entidades privadas,
como ONGs e associações, podem ajudar os que necessitam. E a ajuda deve
sempre levar em consideração as necessidades, isto é, quem precisa mais será
mais ajudado.
Em relação ao tema da experimentação com seres humanos, existem muitos
documentos que garantem a defesa da dignidade dos sujeitos de pesquisa. Esta
defesa não ocorre de maneira uniforme em todos os países do mundo, e por isso,
seria ideal que os pesquisadores centralizassem suas decisões na pessoa humana
– sujeito de pesquisa. Isto quer dizer que antes de experimentar determinada técnica
ou fármaco seria plausível que o pesquisador pensasse se ele utilizaria o mesmo
objeto do experimento em si mesmo, ou em alguém que lhe é muito caro (critério de
juízo). Essa atitude faria com que muitas pesquisas fossem freadas mesmo antes de
passarem por qualquer Comitê de Ética em Pesquisa.
Ainda foram identificados dois artigos que tratavam do tema da eugenia. E
após lê-los me lembrei de um filme do qual o professor Dalton sempre fala em sala
de aula: Gattaca. Neste filme o personagem principal é fecundado de forma natural
em uma época em que os embriões eram “feitos” em laboratório e escolhidos a fim
de que as pessoas daquela sociedade tivessem a menor quantidade de
imperfeições possível. Testes genéticos eram realizados em todas as pessoas e
5. Conclusão 212
seus resultados mantidos em um banco de dados. Em qualquer lugar que as
pessoas fossem trabalhar, seus resultados apareciam e um determinado cargo lhes
era dado. O personagem principal não tinha um resultado muito favorável, pois foi
detectado qualquer problema em seu coração. Mas, utilizando a identidade de uma
outra pessoa (com teste praticamente perfeito) que estava em cadeira de rodas por
ter sofrido um acidente, ele consegue realizar seu sonho, que era trabalhar em uma
agência espacial.
O filme mostra um paradoxo: uma pessoa “geneticamente inferior”, mas que
com força de vontade passa pelos testes necessários para ocupar uma posição
versus uma pessoa “geneticamente adequada”, mas que sofreu um acidente e ficou
paraplégica, não podendo, naquela sociedade, ocupar um espaço dentro da agência
espacial. Isto, de acordo com um dos artigos lidos já está acontecendo, pois testes
genéticos preditivos estão sendo realizados nos Estados Unidos com objetivo de
impedir que algumas pessoas trabalhem em determinados cargos. A partir destes
testes também tem sido montados bancos de dados para empresas de seguro de
saúde (que não aceitam alguns clientes por estes terem a possibilidade de
desenvolver alguma doença genética).
Acredito que determinar que uma pessoa possa ser menos que a outra
somente pelos dados genéticos, e até mesmo por dados somáticos, seja
discriminação. O que percebo é que hoje a sociedade faz culto ao prazer, à beleza,
à perfeição. Pode, somente quem está perto de tudo isso. Quem não está perto
disso, deve ser desconsiderado. O feto que apresentar malformação deve ser
descartado. O paciente com doença incurável também deve ser descartado. Até
porque nos dois casos, muitas vezes essas pessoas não são consideradas pessoas.
Muitas vezes, o que vale é o critério de utilidade que as pessoas têm. A impressão
5. Conclusão 213
que me dá é que, hoje, tudo deve durar menos, ser mais descartável - de uma
garrafa de refrigerante ou um eletrodoméstico à vida humana.
Mas não deve ser assim. Devemos resgatar o olhar pelo outro, por qualquer
outro, independente de como ele seja. Porque este outro é uma pessoa, como eu,
como você.
No Brasil, em relação ao Início da vida, os pesquisadores em sua maioria,
consideram que a vida tem início em qualquer momento posterior à fecundação;
diferentemente do conceito da bioética personalista que determina o início da vida
na fecundação. Em relação ao final da vida, os conceitos de dividem, sendo que
alguns pensam na morte natural, e outros pensam que a pessoa deve ter autonomia
para decidir pelo final de sua vida. Os que falam em morte natural, admitem os
cuidados paliativos como saída para os doentes incuráveis se verem acolhidos em
seu sofrimento, como diz também o personalismo ontologicamente fundado. Em
relação à prática à saúde, a autonomia aparece predominantemente como auxiliar à
prática médica, mas em alguns artigos este princípio aparece como a parte da
pessoa de maior importância na relação paciente - equipe de saúde. De acordo com
a bioética personalista o critério último frente à prática clínica deve ser SEMPRE a
pessoa humana. Na saúde pública foram evidentes os aspectos relacionados à
grupos vulneráveis e à necessidade de intervenção do Estado, tendo faltado a
ênfase ao protagonismo da pessoa, da sociabilidade e da subsidiariedade. E no que
tange a eugenia, os autores falaram em tolerância à ela e respeito à vontade da
maioria da sociedade, enquanto a bioética personalista fala em considerar o
diferente, o diverso, através do reconhecimentos de sua dignidade humana.
5. Conclusão 214
Não quero ser incisiva, no sentido de dizer que o conceito de pessoa humana
trazido pelo personalismo ontologicamente fundado é o único. Acredito, de fato,
nesse conceito, isto é, acredito que toda vida humana tem início na fecundação e fim
com a morte natural.
O que desejo salientar com este trabalho é que é preciso fazer com que a
comunidade bioética brasileira comece a considerar o conceito de pessoa do
personalismo ontologicamente fundado, a partir do olhar para sua própria
experiência, tendo como critério de juízo sua própria realidade. E utilizar essa
experiência de “pessoa” nos momentos em que seja necessário decidir sobre as
intervenções que fazemos sobre a vida. O que desejo é que possamos “fazer
atenção” a toda pessoa humana, de modo que cada um possa “olhar” e se sentir
“olhado” em sua humanidade.
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Zoboli E Limiares da vida na tenção à saúde. Cogitare Enferm 2007b;12(4):508-12.
Anexo 228
ANEXO A – Referências coletadas do site da Bireme
BIOÉTICA + PESSOA
1. Bioética global/ Global bioethics Autor(es): Pegoraro, Olinto A
Fonte: Cad. saúde colet., (Rio J.); 7(2): 207-25, jul.-dez. 1999.
2. Perspectivas da Bioética na América Latina e o pioneirismo no ensino de bioética no Centro Universitário São Camilo/ Perspectives of Bioethics in Latin America and the Pioneerism in Teaching Bioethic in the Sao Camilo University Center
Autor(es): Barchifontaine, Christian de Paul de
Fonte: Mundo saúde (1995); 29(3): 393-401, jul.-set. 2005.
3. A assistência integral e a valorização da pessoa/ The integrate care and the person value Autor(es): Hossne, William Saad; Zaher, Vera Lúcia
Fonte: Rev. Soc. Bras. Clín. Méd; 5(5): 139-143, set.-out. 2007.
4. Sobre a possibilidade de conciliação do ideal da integralidade nos Cuidados à Saúde e a cacofonia da demanda/ On the possibility of conciliating the ideal of integral health care and the cacophony of health demands'
Autor(es): Spink, Mary Jane P
Fonte: Saúde Soc; 16(1): 18-27, jan.-abr. 2007. ilus
5. A ética, a bioética e os procedimento com células-tronco/ Fethics, bioetics and procedures with trunk cells
Autor(es): Oliveira Júnior, Eudes Quintino
Fonte: REBLAMPA Rev. bras. latinoam. marcapasso arritmia; 19(2): 105-109, abr.-jun. 2006.
6. Bioética e políticas demográficas/ Bioethics and Demographic Policies Autor(es): Barchifontaine, Christian de Paul de
Fonte: Mundo saúde (1995); 26(1): 51-64, jan.-mar. 2002.
7. Ética e pesquisa em seres humanos: Editorial/ Ethics and research in humans: Editorial Autor(es): Anon
Fonte: Rev. fisioter. Univ. Säo Paulo; 6(2): i, jul.-dez. 1999.
Anexo 229
8. A relaçäo pessoal como acesso privilegiado para o doente mental grave/ Personal relations as a provileged approach to the seriously mentally disabled
Autor(es): Roque, Maria Victoria Fonte: Bioética; 9(1): 53-62, 2001.
9. A universidade e a construçäo do biodireito/ The university and the construction of biolaw Autor(es): Martins-Costa, Judith
Fonte: Bioética; 8(2): 229-246, 2000.
10. Estudo bioético da informação sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico de pacientes com câncer ginecológico e mamário/ Bioethics study on the diagnosis, treatment and prognostic information of patients with gynecological and breast cancer
Autor(es): Pereira Primo, Walquiria Quida Salles; Garrafa, Volnei
Fonte: Comun. ciênc. saúde; 18(3): 237-247, jul.-set. 2007.
11. Conhecimento, conscientização e atitude do docente no que respeita ao consentimento informado e à autonomia do paciente/ Knowledge, understanding and attitude of the professor in relation to the informed cosent and autonomy of the patient
Autor(es): Nunes, Daniela Sens; Fernandes, Fernando
Fonte: Rev. ABENO; 6(1): 11-19, jan.-jun. 2006. tab, graf
12. Princípio da autonomia: do conhecimento à práxis na Oncologia Pediátrica/ Principle of Autonomy - from Knowledge to Praxis in Pediatric Oncology
Autor(es): Albuquerque, Maria Clara; Bushatsky, Magaly
Fonte: Mundo saúde (1995); 29(3): 345l352-jul.-set. 2005.
13. A assistência domiciliária odontológica sob a perspectiva da bioética personalista/ The odontological homecare seen under personalist bioethic
Autor: Jorge, Márcia Delbon Fonte: São Paulo; s.n; 2006, 94 p. Ilus (BR)
14. Bioética e convivência humanizada de profissionais da área da saúde com médicos, dentistas e
enfermeiros portadores de HIV/AIDS/ Bioethics and Humanized Relationships of Health Professionals and Physicians, Dentists and Nurses carrying the HIV/Aids Virus
Autor(es): Alves, Elaine Gomes dos Reis
Fonte: Mundo saúde (1995); 28(3): 300-303, jul.-set. 2004. graf
15. Cuidados paliativos e dignidade: a experiência da Casa de Apoio - Hospedaria de Cuidados Especiais do HSPM-São Paulo/ Palliative care and dignity: the experience of the special care support home/inn of the Civil Servants Hospital of the City of São Paulo
Anexo 230
Autor(es): Di Sarno, Giovanni; Chiattone, Heloisa Benevides de Carvalho; Matsumoto, Dalva Yukie; Rezende, Marilda Silva Monteiro de; Carneiro, Ruth de Ávila
Fonte: Rev. adm. saúde; 6(25): 123-132, out.-dez. 2004. ilus, graf
16. Aborto: biologia e ética/ Abortion: biology and ethics Autor(es): Azevêdo, Eliane S
Fonte: Rev. med. PUCRS; 8(3): 114-22, jul.-set. 1998.
17. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira/ Disthanasia: a few bioethical reflections based on the Brazilian reality
Autor(es): Pessini, Léo Fonte: Bioética; 12(1): 39-60, 2004.
18. Bioética: e agora o que fazer/ Bioethics - What do we do now? Autor(es): Hossne, William Saad
Fonte: Mundo saúde (1995); 30(2): 358-363, abr.-jun. 2006.
19. Buscando autonomia e poder: o processo decisório da adolescente pela gravidez - contribuição para o cuidar em enfermagem/ Searching autonomy and power: the power to decide process of the pregnancy for the adolescent - contribution to take care of it in nursing
Autor(es): Adão, Celeste Ferreira Fonte: Rio de Janeiro; s.n; 2005. [111] p. ilus.
BIOÉTICA + CONCEITO PESSOA
20. Bioetica e conceito de pessoa : esclarecimentos, parte II/ Bioethics and the Concept of the Person - Elucidations, Part II
Autor(es): Lepargneur, Hubert
Fonte: Mundo saúde; 19(9): 309-12, out. 1995.
21. O conceito de pessoa na perspectiva da bioética secular: uma proposta a partir do pensamento de Tristram Engelhardt/ The concept of person according to secular bioethics perspective: a proposal based on Tristram Engelhardt thought
Autor(es): Ribeiro, Cléa Regina de Oliveira
Fonte: Säo Paulo; s.n; 2002. [172] p.
22. A universidade e a construção do Biodireito/ University and the construction of Bioethics Law Autor(es): Martins-Costa, Judith Fonte: Rev. direito sanit; 2(2): 61-81, jul. 2001.
Anexo 231
23. A bioética e o conceito de pessoa: a re-significaçäo jurídica do ser enquanto pessoa/ Bioethics and the concept of person: the legal re-significance of the human being as a person
Autor(es): Xavier, Elton Dias Fonte: Bioética; 8(2): 217-228, 2000.
BIOÉTICA + CONCEITO VIDA HUMANA
24. A biopolítica da população e a experimentação com seres humanos/ The bio-power of population and experiments with human beings
Autor(es): Caponi, Sandra Ciênc. saúde coletiva; 9(2): 445-455, abr.-jun. 2004.
25. Rumos da liberdade em Bioética: uma leitura teológica/ Trends of Freedom in Bioethics - A Theological Perspective
Autor(es): Anjos, Márcio Fabri dos
Fonte: Mundo saúde (1995); 27(3): 473-478, jul.-set. 2003.
26. Aspectos bioéticos relacionados à infecção pelo HIV em um grupo de mulheres em Salvador, Bahia/ Bioethical aspects related of HIV infection of the women group in Salvador, Bahia
Autor(es): Nunes, Ceuci de Lima Xavier Fonte: Rev. baiana saúde pública; 28(2): 180-190, jul.-dez. 2004. tab
BIOÉTICA + FIM VIDA
27. Bioética nas questões da vida e da morte/ Bioethics concerning life and death
Autor(es): Kovács, Maria Julia
Fonte: Psicol. USP; 14(2): 115-167, 2003.
28. Contribuiçäo ao estudo da correlaçäo entre as alternativas éticas e os modelos bioéticos e sua aplicabilidade na reflexäo da relaçäo profissional-paciente/ A study contribution to the correlation between ethical alternatives and bioethical models and its applicability on the professional-patient relationship
Autor(es): Maia Abraäo, Fernando Jorge Fonte: Säo Paulo; s.n; 2002. 96 p.
29. Saneamento básico e ocorrência de doenças de transmissão hídrica em população de baixa
renda no Paranoá/Distrito Federal - uma análise bioética/ Basic Sanitation and Occurrence of Transmissible Hydric Disease in Low Income Population in Paranoa, Distrito Federal, a Bioethical Analysis
Autor(es): Daniel, Mariely Helena Barbosa; Sanmartin, Javier Afonso; Pires, Eunice Maria; Bugarin Júnior, João Geraldo Fonte: Rev. saúde Dist. Fed; 15(3/4): 39-50, jul.-dez. 2004. ilus, tab
BIOÉTICA + INÍCIO VIDA
Anexo 232
30. Ética e bioética: para dar início à reflexão/ The ethics and the bioethics: an initial reflection Autor(es): Koerich, Magda Santos; Machado, Rosani Ramos; Costa, Eliani
Fonte: Texto & contexto enferm; 14(1): 106-110, jan.-mar. 2005.
31. Avaliação do conhecimento sobre células-tronco observado em estudantes de graduação dos cursos da área da saúde da Universidade Estadual de Londrina: o que os alunos sabem e como se posicionam sobre o tema/ Evaluación del conocimiento sobre células troncales de estudiantes de cursos graduados de la área de la salud de la Universidade Estadual de Londrina: qué saben los studiantes y cual son sus opiniones/ Evaluation of the knowledge about stem-cells by undergraduate students of courses of the health area from Universidade Estadual de Londrina: what students know and what their opinions are
Autor(es): Oliveira, Renata Rabello de; Siqueira, José Eduardo de; Matsuo, Tiemi
Fonte: Mundo saúde (1995); 32(1): 39-46, jan.-mar. 2008. tab
BIOÉTICA + SACRALIDADE
32. Conversações sobre a "boa morte": o debate bioético acerca da eutanásia/ Conversations on the death: bioethics and euthanasia
Autor(es): Siqueira-Batista, Rodrigo; Schramm, Fermin Roland
Fonte: Cad Saude Publica; 21(1): 111-119, jan.-fev. 2005.
33. Dilemas bioéticos na prática da anestesia/ Bioethical dilemmas in anesthesia Autor(es): Meneses, José Abelardo Garcia de
Fonte: Rev Bras Anestesiol; 51(5): 426-430, set.-out. 2001.
BIOÉTICA + DIGNIDADE
34. Dignidade humana em debate/ Human dignity discussion Autor(es): Anjos, Márcio Fabri dos
Fonte: Bioética; 12(1): 109-114, 2004.
35. Bioética e violência/ Bioethics and violence Autor(es): Braz, Marlene
Fonte: Bioética; 12(2): 77-97, 2004.
36. Lições de anatomia: vida, morte e dignidade/ Lessons of anatomy: life, death and dignity Autor(es): Ruiz, Cristiane Regina; Pessini, Léo
Fonte: Mundo saúde (1995); 30(3): 425-433, jul.-set. 2006.
Anexo 233
37. O corpo no espelho da dignidade e da vulnerabilidade/ The Body in the Mirror of Dignity and Vulnerability
Autor(es): Anjos, Márcio dos
Fonte: Mundo saúde (1995); 29(3): 325-335, jul.-set. 2005.
38. O diagnóstico antecipado de doenças genéticas e a ética/ Anticipated Diagnosis of Genetic Diseases and Ethics
Autor(es): Garrafa, Volnei
Fonte: Mundo saúde (1995); 24(5): 424-8, set.-out. 2000.
39. Telemedicina: breves consideraçöes ético-legais/ Telemedicine: brief ethical-legal considerations
Autor(es): França, Genival Veloso de
Fonte: Bioética; 8(1): 107-126, 2000.
40. Vulnerabilidade e dignidade humana/ Vulnerability and human dignity Autor(es): Barchifontaine, Christian de Paul de
Fonte: Mundo saúde (1995); 30(3): 434-440, jul.-set. 2006.
41. Implantação do comitê de ética em pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Paranaense CEPEH/Unipar/ Establishment of the ethical comittee in research involving human beings at the universidade paranaense - CEPEH/Unipar
Autor(es): Paulin, Elaine; Vidotti, Marta Nascimento; Zafaneli, Cacilda; Klõckner, Wager José; Corrêa, Silvio Roberto; Briel, Alysson Fernando; Martins, Eguimar Roberto
Fonte: Arq. ciências saúde UNIPAR; 7(1): 85-88, jan.-abr. 2003.
BIOÉTICA + QUALIDADE DE VIDA
42. Reflexões sobre Bioética Ambiental/ Reflections on Environmental Bioethics Autor(es): Carvalho, Fernanda Maria Ferreira; Pessini, Leo; Campos Junior, Oswaldo
Fonte: Mundo saúde (1995); 30(4): 614-618, out.-dez. 2006. tab
43. Os níveis de ética de Henri Atlan e o desafio do "quarto nível"/ Henri Atlan's levels of Ethics and the challenge of the "fourth level"
Autor(es): Aleksandrowicz, Ana Maria Coutinho
Fonte: Ciênc. saúde coletiva; 13(2): 407-416, mar.-abr. 2008. ilus
Anexo 234
44. A bioética e o novo saber-fazer saúde/ Bioethics and the new health know-how Autor(es): Brás, Marlene
Fonte: Divulg. saúde debate; (35): 36-47, jun. 2006.
45. Atenção à saúde na insuficiência renal crônica terminal: análise à luz da bioética de proteção/ Health attention of the end-state renal disease: a protection bioethics approach
Autor(es): Batista, Kátia Tôrres; Leite, Júlia Maria de Sousa; Oliveira, Valter Pereira de; Seidl, Eliane Maria Fleury
Fonte: Comun. ciênc. saúde; 18(4): 279-288, out.-dez. 2007. tab, graf
46. Saúde e violência, uma contradição bioética/ Health and violence, a bioethical contradiction Autor(es): Gomes, Júlio Cézar Meirelles
Fonte: Bioética; 12(2): 55-62, 2004.
47. Limiares da vida na atenção à saúde/ Life boundaries in healthcare Autor(es): Zoboli, Elma
Fonte: Cogitare enferm; 12(4): 508-512, out.-dez. 2007.
48. Mastectomia profilßtica: reflexões bioéticas/ Prophylactic mastectomy: bioethical reflections Autor(es): Araújo, Selma Silva; Cunha, Antônio Carlos Rodrigues da; Garrafa, Volnei
Fonte: Bioética; 13(1): 23-36, 2005.
49. Bioética e Odontologia/ Bioethics and Dentistry Autor(es): Garbin, Cléa Adas Saliba; Garbin, Artênio José Ísper; Gonçalves, Patrícia Elaine; Serra, Mônica da Costa; Fernandes, Clemente da Silva
Fonte: Rev. bras. ciênc. saúde; 10(1): 93-98, 2006.
50. A bioética e a prática médica/ Bioethics and the medical practice Autor(es): Urban, Cicero de Andrade
Fonte: J. vasc. bras; 2(3): 275-277, set. 2003.
51. Autonomia e climatério/ Autonomy and climaterium Autor(es): Evangelista, Eliana Inácio; Cezarino, Pérsio Yvon Adri; Mieli, Maurício Paulo Angelo; Aldrighi, José Mendes Fonte: Femina; 33(1): 67-68, jan. 2005.
Anexo 235
52. Dilemas bioéticos no cotidiano do trabalho do agente comunitário de saúde/ Bioethical Dilemmas of the Daily Life in the Work of a Community Health Agent
Autor(es): Fontoura, Maria Delzuita; Almeida, André Paes de; Marques, Cláudia Maria da Silva; Prado, Mauro Machado do; Portilho, Jorge Alberto Cordón
Fonte: Rev. saúde Dist. Fed; 15(3/4): 67-77, jul.-dez. 2004.
53. Paciente terminal e médico capacitado: parceria pela qualidade de vida/ Terminal patient and competent doctor: partnership to the quality of life
Autor(es): Souza, Maria Teresa de Moraes e; lemonica, Lino
Fonte: Bioética; 11(1): 83-100, 2003.
54. Efeito da intervenção Psicoterápica Breve em pacientes portadores de Diabetes Mellitus II em acompanhamento clínico/ Effect of the Brief Psychotherapeutical Intervention in Patients of Diabetes Mellitus II in Clinical Monitoring
Autor(es): Fernandes, Maria de Lourdes; Felício, Jônia Lacerda
Fonte: Mundo saúde (1995); 28(3): 292-299, jul.-set. 2004.
55. Novas perspectivas em cuidados paliativos: ética, geriatria, gerontologia, comunicação e espiritualidade/ New perspectives in palliative care: ethics, geriatrics, gerontology, communication and spirituality
Autor(es): Pessini, Leo; Bertachini, Luciana
Fonte: Mundo saúde (1995); 29(4): 491-509, out.-dez. 2005.
56. Estudo bioético da informação do diagnóstico do HPV em uma amostra de mulheres no Distrito Federal/ Bioethical study on disclosure of HPV diagnosys to a sample of women from the Federal District
Autor(es): Primo, Walquiria Quida Salles Pereira; Primo, Guttenberg Rodrigues Pereira; Cunha, Fernanda Martins Pacheco; Garrafa, Volnei
Fonte: Bioética; 12(2): 33-51, 2004. ilus
57. Aspectos bioéticos da reanimação neonatal: quando não iniciar x quando interromper/ Bioethical Aspects of Neonatal Resuscitation - When Not to Initiate vs. When to Stop
Autor(es): Margotto, Paulo Roberto; Novaes, Maria Rita Carvalho Garbi; Pimentel, Márcia
Fonte: Rev. saúde Dist. Fed; 15(1/2): 47-70, jan.-jun. 2004. tab
Anexo 236
58. O Ajustamento social dos portadores de anomalias craniofaciais e a práxis Humanista: [revisão]/ The social adjustment of bearers of craniofacial abnormalities and the humanist praxis: [review]
Autor(es): Bastos, Paulo Roberto Haidamus de Oliveira; Gardenal, Mirela; Bogo, Danielle
Fonte: @rq. int. otorrinolaringol; 12(2): 280-288, abr.-jun. 2008.
59. Prescindindo da história natural, decidindo-se pela história pós-operatória na estenose valvular aórtica: uma leitura bioética/ Demissing the natural history, deciding by the post-operative history of patients with aortic stenosis: a bioethical approach
Autor(es): Grinberg, Max
Fonte: Rev. Soc. Cardiol. Estado de Säo Paulo; 13(3): 378-388, maio-jun. 2003
60. A percepção do usuário do Programa de Saúde da Família sobre a privacidade e a confidencialidade das informações/ The Family Health Program user's perception of information privacy and confidentiality
Autor(es): Seoane, Antonio Ferreira
Fonte: São Paulo; s.n; 2007. 93 p.
61. Doença crônica na infância: cura ou cuidado?/ Chronic childhood disease: cure or care? Autor(es): Moura, Maria Martha Duque de; Contreiras, Henrique
Fonte: Rio de Janeiro; Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social; 2000. 30 p. (Estudos em saúde coletiva, 201).
62. Atendimento domiciliar ao idoso: problema ou solução?/ Home care for the elderly: problem or solution?
Autor(es): Floriani, Ciro Augusto; Schramm, Fermin Roland
Fonte: Cad Saude Publica; 20(4): 986-994, jul.-ago. 2004.
63. Eugenia, eugenética e o espectro do eugenismo: considerações atuais sobre biotecnologia e bioética
Autor(es): Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG; Schramm, Fermin Roland
Link(s): http://www.octopus.furg.br/cibio/opi/eugenia.htm