Post on 11-Nov-2020
CARLOS EDUARDO DA SILVA V ALENTE
GERALDO DE BARROS O DESIGN E A ARTE CONCRETA NO BRASIL
Dissertação de Mestrado em História da Arte
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes
Escola de Belas Artes
Rio de Janeiro
setembro de 1998
Carlos Eduardo da Silva Valente GERALDO DE BARROS : O DESIGN E A ARTE CONCRETA NO BRASIL
Dissertação de Mestrado em História da Arte
Orientador: Rogério Medeiros
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes
Escola de Belas Artes
Rio de Janeiro
1998
V ALENTE, Carlos Eduardo da Silva Geraldo de Barros : o Design e a Arte Concreta no Brasil
xiii, 218 p
Dissertação : Mestrado em História da Arte (História e Crítica da Arte)
1. Design no Brasil 2.Geraldo de Barros 3. Arte Concreta
I. Universidade Federal do Rio de Janeiro II . Título
11
Carlos Eduardo da Silva Valente GERALDO DE BARROS : O DESIGN E A ARTE
CONCRETA NO BRASIL
iii
Dissertação submetida ao Corpo Docente da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau mestre
t1dd ~ ~~ · Prof Dr. Rafael Cardoso Denis
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Setembro de 1998
Dedico este trabalho a minha avó Maria Joaquina
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Maria Augusta e Francisco Valente
Aos meus tios Hélia e Manuel da Costa e Silva
Ao meu irmão André Luiz da Silva Valente
Aos meus amigos Kátia Meirelles e Mário Conde
Aos meus professores do mestrado Maria Luiza Tavora, Angela Ancora da Luz, Rosza
W.Vel Zolads e Carlos Terra
As minhas amigas e professoras Ida de Jesus Ferreira e Zilda Ferreira Lustosa
V
Ao artista Geraldo de Barros ( em memória), sua esposa Electra Barros e suas filhas Fabiana
e Lenora Barros
Ao designer Alexandre W ollner
À minha amiga Cristine Monteiro Flores
Ao meu orientador Rogério Medeiros
GERALDO DE BARROS: O DESIGN E A ARTE CONCRETA NO BRASIL
vi
Este trabalho procura mostrar como a Arte Concreta proporcionou, também, o
desenvolvimento do design, especificamente o gráfico, no Brasil. A Arte Concreta deu a
sua contribuição junto com a herança do trabalho em madeira, os artistas e arquitetos
modernos e a publicidade. Por meio do trabalho do artista e designer Geraldo de Barros
isso será comprovado. Este estudo mostrará, também, a definição e o histórico do design,
além é claro do movimento Concreto no Brasil e suas repercussões.
GERALDO DE BARROS : THE DESIGN AND THE CONCRETE ART IN BRAZIL
vii
This paper aims at showing how the Concrete Art provided the development of the design
in Brazil, specially graphic design. The Concrete Art contributed for the development of the
design within inheritance of wood work, the modem artists and architects and the publicity.
This will be proved through the artist and designer Geraldo de Barros. This study will show
the definition and historie of design, besides the Concret Moviment in Brazil and his effects.
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1 - "Composição", Milton da Costa, 1954. óleo sobre tela, 50 x 81 cm. Fonte: PONTUAL, Roberto (coord.). Entre dois séculos; arte brasileira do século XX na coleção de Gilberto Chateaubriand. Rio de Janeiro : JB, 1987.
Fig. 2 - "Geométrico", Samson Flexor, 1952, óleo sobre tela, 60 x 80 cm. Fonte: COCCH1ARALE, Fernando , GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal. Rio de Janeiro : Funarte, 1987.
Fig. 3 - ·'Formas", Ivan Serpa, 1951, óleo sobre tela, 97 x 130 cm. Fonte: GONÇALVES, Lisbeth Reboli o (org.). Tendências construtivas no acervo do MAC USP: construção,medida e proporção. Rio de Janeiro: Centro de Cultural Banco do Brasil, 1996.
Fig. 4 - "Movimento", Waldemar Cordeiro, 1951. têmpera sobre tela, 90.l x 95,3 cm. Fonte: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org.). Op. cit.
Fig. 5 - "Faixas Ritmadas", Ivan Serpa, 1953. tinta industrial sobre eucatex, 122 x 81,5 cm. Fonte: COCCHIARALE, Fernando , GEIGER, Anna Bella. Op. cit.
Fig. 6 - São Paulo, Geraldo de Barros, 1948, desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim. Fonte: BARROS, Fabiana de , BARROS, Leonora de , CURTIS, Ana Helena. Fotoformas. São Paulo : Raízes. 1994.
Fig. 7 - Ateliê de Vieira da Silva, Geraldo de Barros. 1951. superposição de imagens. Fonte: BARROS. Fabiana de , BARROS, Leonora de , CURTIS, Ana Helena. Op. cit.
Fig. 8 - Castelo de Cascassone (França), Geraldo de Barros. 1951. Fonte: BARROS, Fabiana de , BARROS, Leonora de, CURTIS, Ana Helena.Op. cit.
Fig. 9 - Homenagem a Paul K.Jee. Geraldo de Barros, 1949. desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim. Fonte: BARROS. Fabiana de, BARROS. Leonora de, CURTIS, Ana Helena.Op. cil.
Fig. 10 - "O músico", Paul K.Jee, 1937, aquarela sobre papel. com fundo degreda e cola, 27,7 x 20, 3 cm. Fonte: PARTSH, Susanna. Paul Klee. 1879-1940. Genebra: Benedick Taschen, 1992.
Fig. 11 - Cemitério do Tatuapé (São Paulo), Gerlado de Barros, 1949. desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim. Fonte: BARROS, Fabiana de . BARROS, Leonora de , CURTIS. Ana Helena.Op. cit.
Fig. 12 - "Insula Dulcamara", Paul K.Jee, 1938. óleo sobre papel jornal e juta, 88 x 176 cm. Fonte: PARTSH, Susanna. Op. cit.
Fig. 13 - "Homenagem a Picasso'', Geraldo de Barros, 1949. desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim. Fonte: BARROS, Fabiana de, BARROS. Leonora de, CURTIS, Ana Helena.Op. cit.
Fig. 14 - "Fotoforma" (Estação da Luz), Geraldo de Barros. 1950, superposição de imagens no fotograma. Fonte: BARROS, Fabiana de, BARROS, Leonora qe, CURTIS. Ana Helena.Op. cit.
Fig. 15 - "Fotoforma" (Estação da Luz), Geraldo de Barros. 1950, negativo recortado prensado em duas placas de vidro. Fonte: BARROS, Fabiana de, BARROS, Leonora de, CURTIS, Ana Helena.Op. cit.
ix
Fig. 16 - ·'Fotoforma" (Estação da Luz), Geraldo de Barros, 1950, , superposição de imagens no fotograma. Fonte: BARROS, Fabiana de, BARROS, Leonora de, CURTIS, Ana Helena.Op. cit.
Fig. 17 - Sem título, Geraldo de Barros, 1951, água forte sobre papel, 17,l x 26,9 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 18 - Folder da exposição de Geraldo de Barros, 1952, 16 x 9,5 cm (fechado). Fonte : Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Fig 19 - Cartaz da exposição "Graveurs Bresiliens", 1954, 64,8 x 48,8 cm. Fonte: Acervo da Fundação Bienal de São Paulo.
Fig. 20 - "Estrutura Tridimensional", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm. Fonte: Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 21 - Detalhe do esquema apresentado por Geraldo de Barros na XV Bienal de São Paulo, 1979. Fonte : Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Fig. 22 - Trabalho apresentado na XV Bienal de São Paulo. 1979. Fonte : Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 23 - "Torção em azul e branco", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm. Fonte : Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 24 - '·Resultado variável cinza e branco invariável vermelho e branco", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite. 60 x 60 cm. Fonte: Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 25 - "Círculo sobre círculo", Geraldo de Barros, 1953. esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm. Fonte: Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 26 - "Indeterminante ótica de 2 formas iguais", Geraldo de Barros, 1953. esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm . Fonte : Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 27 - •· Ruptura". Geraldo de Barros, 1952. esmalte sobre kelmite. 54,8 x 48 cm. Fonte : Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 28 - '·Estrutura dimensional", Geraldo de Barros. 1953. esmalte sobre kelmite. 60 x 60 cm. Fonte : Coleção Particular do artista Geraldo de Barros.
Fig. 29- "Vermelho e verde em formas contrárias", Geraldo de Barros. 1952. esmalte sobre kelmite, 39,2 x 56 cm. Fonte: GONÇALVES. Lisbeth Rebailo (org.) . Op. cit.
Fig 30 - ·· Concreto". Gerlado de Barros, 1958, esmalte sobre eucatex, 49 x 71 cm. Fonte: COCCHIARALE, Fernando , GEIGER, Anna Bella. Op. cit.
Fig. 31 - "Cartaz do IV Centenário", Geraldo de Barros, 1952, off-set, 105 x 73 cm. Fonte: Acervo da Fundação Bienal de São Paulo.
Fig. 32 - ·· Vista de um porto", Gerlado de Barros, 1950, monotipia a cores sobre papel, 21 x 27 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 33 - ''City to conquer", Geraldo de Barros, 1951 , litografia sobre papel,20 x 23 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 34 - "Tree", Piet Mondrian, 1911-12,óleo sobre tela, 65 x 81 cm. Fonte : MILNER, John. Mondrian. Londres : Abbeville Press. 1992.
X
Fig. 35 - "Apple tree in flower" . Piet Mondrian. 1912, óleo sobre tela, 78 x 106 cm. Fonte : MILNER, John. Op. cit.
Fig. 36- "Revoada Internacional", Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, 1953, off-set, 99 x 69,5 cm. Fonte: Acervo da Fundação Bienal de São Paulo.
Fig. 37, 38 - Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56). Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 39,40 Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56). Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 41, 42 - Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56). Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 43 - Manifesto do Grupo Ruptura, 1952. Fonte: AMARAL, Aracy A. (coord.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962). Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna (MAM-RJ), 1977.
Fig. 44 - "Composição com triângulo proporcional", Alexandre Wollner, 1953, esmalte sobre aglomerado, 61 x 61 cm. Fonte: GONÇALVES. Lisbeth Rebollo (org.). Op. cit.
Fig. 45, 46 - Cartazes da II e IV Bienal de São Paulo, Alexandre Wollner, 1955 e 1957. Fonte : FONT ANEZI, Sônia. O rosto da forma quando jovem. Revista Design & Interiores, São Paulo. n 29 : Projeto Editores Associados, mar-abr 1992.
Fig. 47 - Marcas desenrnlvidas no escritório Forrninform: indústria Coqueiro(58), Colégio Andrews(58), Equipesca (58), Argos Industrial (58) e indústrias de meias Titan (59). Fonte: Acervo do autor.
Fig. 48 - Marca da Unilabor. Fonte: SANTOS. Maria Cecília Loschiavo dos. Móvel moderno no Brasil. São Paulo : Edusp. 1995
Fig. 49, 50 - Sala de estar mobiliada commóveis da Unilabor. Residência de Paulo Emílo Salles Campos, 1954. Mesa (1954) e cadeira estruturadas em ferro . Unilabor. Fonte: SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Op. cit.
Fig. 51 - "Mulher sentada .. . Geraldo de Barros. 1948, xilografia sobre papel. 28. 9 x 20 cm. Fonte : Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 52 - "Mulher no espelho··, Geraldo de Barros. 1949. lineografia sobre papel, 29,6 x 21.6 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 53 - "Fantasia Agressiva II". Geraldo de Barros, 1964, técnica mista, 75 x 110 cm. Fonte: ABRAMO, Radha. Geraldo de Barros 12 anos de pintura 1964 a 1976. São Paulo: MAM/SP,1977.
Fig. 54 - "They are pla)ing", Geraldo de Barros, 1964, técnica mista, 75 x 110 cm. Fonte : ABRAMO. Radha. Op. cit.
Fig. 55 - "Abstração'·. Geraldo de Barros. 191, monotipia a cores sobre papel, 17,7 x 19,8 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig. 56 - "Homem dormindo ", Geraldo de Barros. circa 194 7, desenho com grafite cobre papel, 28,5 x 31,5 cm. Fonte: Foto do autor da xl)Osição no Centro Cultural Banco do Brasil-RJ, março de 1996.
Fig. 57 - "A volta a figura I", Gerlado de Barros, 1964, técnica mista, 78 x 114 cm. Fonte: ABRAMO, Radha. Op. cit.
Fig. 58 - "Tragic Glub-Glub", Geraldo de Barros, 1966, técnica mista, 110 x 110 cm. Fonte : ABRAMO, Radha. Op. cit.
xi
Fig. 59 - "Glu, Glu, Glu", Anna Maria Maiolino, 1966, montagem sobre madeira, 11 x 59 cm. Fonte : ZANINI, Walter (org.) • História Geral da Arte no Brasil. São Paulo : Instituto Walter Moreira Salles: Fundação Djalma Guimarães, 1993.v.2.
Fig. 60 - ''Cinemascope" Mimrno Rotella, 1962, decolagem, 173 x 133 cm. Fonte: OSTERWORLD, Tilman. Pop Art. Alemanha : Benedick Taschen. 1994.
Fig. 61 -"Colagem I", Geraldo de Barros, 1966, técnica mista, 110 x 110 cm.Fonte: ABRAMO, Radha. Op. cit.
Fig. 62 -'·Colagem II", Geraldo de Barros, 1966, técnica mista, 110 x 11 O cm.Fonte : ABRAMO, Radha. Op. cit.
Fig. 63 - ''Girl with a bali", Roy Lichtenstein, 1961, óleo sobre tela, 153 x 92,5 cm. Fonte OSTERWORLD, Tilman. Op. cit.
Fig. 64 - " Oliver Hardy" (Philco), Geraldo de Barros. 1974, técnica mista. 220 x 185 cm Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 65 - ·· Stan Laurel" (Philco), Geraldo de Barros, 1974, técnica ntista, 183 x 218 cm. Fonte: Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 66 - ··o grande Gatsby". Geraldo de Barros. 1975, técnica mista, 145 x 120 cm. Fonte: Coleção particular de Leonora de Barros
Fig. 67, 68 - Páginas do jornal Rex Time. Fonte : Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 69 - Anúncio da 1 ª exposição do Grupo Rex. Fonte : Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Fig. 70 - Foto de Carcassone (França), Geraldo de Barros. 1951. Fonte: BARROS, Fabiana de , BARROS, Leonora de . CURTIS. Ana Helena. Op. cit.
Fig. 71 - "La ville". Geraldo de Barros. 1951, água forte sobre papel, 13,2 x 20.9 cm. Fonte: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Fig 72 - Anúncio da Firestone no jornal Estado de São Paulo. 04/05/52. Fonte: Biblioteca Nacional -RJ
Fig 73 - Anúncio da Rádio 9 de julho no jornal Estado de São Paulo, 21/09/54. Fonte: Biblioteca Nacional -RJ
Fig 75 - Anúncio da Olivetti no jornal Estado de São Paulo, 08/09/57. Fonte: Biblioteca Nacional -RJ
Fig. 76 - "A menina do sapato", Geraldo de Barros. 1949. desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim. Fonte: BARROS, Fabiana de , BARROS, Leonora de , CURTIS, Ana Helena. Op. cit.
Fig. 77 - ''Patê Sadia", Geraldo de Barros, 1975, técnica mista, 167 x 175 cm. Fonte: Coleção particular de Leonora de Barros
XII
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 1
2. DESIGN: ARTE, TÉCNICA E PRODUÇÃO 8
3. UMA INTRODUÇÃO A ESTÉTICA DO DESIGN GRÁFICO E ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES 31
A estética de Gillo Dorfles 37
A tecnologia 48
A comunicação 50
A linguagem visual 56
4. O DESIGN NO BRASIL E OS ANOS 50 60
A nomenclatura 61
O ensino 64
Os arquitetos e artistas modernos 71
O ambiente econômico e cultural da década de 50 no Brasil 73
5. ARTE CONCRETA 79
A gestalt 82
O Construtivismo e a Bauhaus 84
A Arte Concreta no Brasil 89
6. GERALDO DE BARROS: ARTISTA E DESIGNER 103
Foto-gravura 103
A Arte Concreta e o Design 120
A figura e a comunicação
7. O DESIGN GRÁFICO E A ARTE CONCRETA NO BRASIL
Uma Pequena História
Arte, comunicação e design
Arte Concreta
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E OUTRAS FONTES
9.ANEXO
Xlll
144
170
171
180
184
192
200
1.INTRODUÇÃO
Este trabalho visa historiar o desenvolvimento do design nacional a partir da década
de 50 e as influências recebidas pelo movimento de Arte Concreta no mesmo período por
meio de um artista/designer Geraldo de Barros. Este artista foi escolhido por ter um perfil
profissional bastante abrangente e adequado à metodologia de trabalho de um designer.
Tendo trabalhado como fotógrafo, artista plástico (pintura e gravura) e design (industrial e
gráfico) toma-se um exemplo significante a ser registrado. Por isso ter-se-á um histórico de
sua carreira profissional mostrando como o seu desenvolvimento se adapta perfeitamente ao
design. Geraldo de Barros, como artista concreto mostrará , por vezes, não ser tão radical
como propunha o grupo - apesar de ter sido junto com Waldemar Cordeiro um dos
fundadores do Grupo Ruptura, portanto mentor e iniciador da Arte Concreta no Brasil,
mais especificamente em São Paulo - e transparecendo uma vertente mais subjetiva e
lúdica - talvez transferências de seus trabalhos com fotografia e gravura . Como disse
Pietro Maria Bardi em relação as suas fotografias, Geraldo de Barros procura descobrir
purezas úteis para as suas meditações dentro da realidade que não compreende,
modificando-a 1. E, a maneira como faz esta comunicação, ao longo de sua vida artística, é
por meio da busca do abstrato e da permanência da figuração. Mas tudo isto será
1 BARDL Pietro Maria apud HERKENHOFF, Paulo Estelita. A Imagem do Processo. Folha de São Paulo, 27out. 1987.
2
profundamente discutido mais adiante, quando forem levantadas as questões da Arte
Concreta e seus antecedentes, e mesmo ao abordar os trabalhos de Geraldo de Barros como
pintor, gravador, fotógrafo e designer.
Então, tendo como fio condutor a vida artística de Geraldo de Barros, a Arte
Concreta será analisada e contextualizada na medida em que permitirá o desenvolvimento
do design neste período. Certas questões serão levantadas como as críticas recebidas ao
movimento, especialmente por Sérgio Milliet, que aborda a dificuldade de entendimento das
pinturas concretas por parte do espectador indo contra a um dos fundamentos principais do
movimento: aproximar o público da arte. E é justamente neste aspecto que se fará,
principalmente, a conexão com o desenvolvimento do design.
A história e definição do design, antes deste ser entendido como tal no Brasil, terão
capítulos à parte. O que é design? Segundo Gillo Dorfles em seu livro "O Design Industrial
e a sua Estética" há uma diferença entre o produto feito por um designer e um produto feito
por um artesão e um artista. O que toma distinto cada um destes produtos é a sua
metodologia de criação e produção. Não se pode correr o risco de generalizar tudo que é
produzido pelo homem como sendo um produto de design. Hoje, mais do que nunca, tem
se visto a vulgarização da palavra que permite ser usada erroneamente como definição para
diversas atividades que por vezes é aplicada em um fazer artístico. Design é uam palavra de
origem inglesa que tem, entre outras, a definição de projeto. Mas até mesmo um artista
plástico ao pintar um quadro desenvolve um projeto. Ora, a conclusão disso não poderá ser
feita apenas pela semântica, pois tomar-se-ia muito simplória, mas, contudo, é o inicio da
discussão. Para tanto, este trabalho recorrerá à estética do desenho industrial, defendida por
Gillo Dorfles. Especificamente, o design gráfico se mostra muito mais preciso nesta análise,
tendo visto que a arte concreta, enquanto linguagem, utilizou elementos geométricos para
3
proporcionar uma leitura mais objetiva e clara. Já os elementos geométricos, aplicados aos
projetos de design de produto, não têm por objetivo a mesma comunicação, sem contudo
abstê-la, antes, porém, evidenciando a sua importância na produção e permitindo a
viabilidade de uma produção industrial.
Logo, este estudo concentrou as suas pesquisas e análises, sem ignorar as demais, em
uma das três categorias que compõem o design gráfico, os elementos visuais - as outras
seriam o gênero (referente ao tipo de produto existente, como por exemplo: livros, jornais,
logotipos, cartazes) e a técnica (referente à produção utilizada para desenvolver o projeto,
como por exemplo: impressão offset, serigrafia, rotogravura etc). No final do seu estudo
Gillo Dorfles elabora uma classificação do design industrial, mesmo achando dificil e de
importância discutível. Porém, apesar de ter sido utilizado o seu trabalho - fazendo uma
analogia para o design gráfico - não haverá uma classificação dos objetos como foi feita nos
objetos de design industrial, pois fica claro que as constantes estéticas e metodológicas que
constituem o desenvolvimento do design ( aqui abrangendo o industrial e o gráfico) é mais
apropriado para este trabalho do que o estudo científico e técnico dos sistemas de
produção. Ainda assim, tal classificação resultaria em uma lista interminável de objetos
classificados por seu suporte(genêro) e produção(técnica).
Para abordar a relação do movimento concreto com o desenvolvimento do design
deste período foi analisada a produção do artista, assim como de outros contemporâneos, e,
também, o reflexo na imprensa e propaganda nacional. O objetivo é concentrar o maior
número de referências do movimento concreto, registrando uma identidade formal do
conjunto por meio de seus elementos visuais (linhas, cores, formas, tipologia etc). Porém, o
que mais aproximará a relação que se quer estabelecer entre o movimento concreto e o
design são as suas proposições doutrinárias ( como a comunicação e a socialização) que o
4
movimento constituiu e que seus artistas mantiveram mesmo após a sua dispersão, por meio
da própria arte ou do design.
Outro fator que faz com que a análise do design de produto seja menos contundente
para este período provém da tradição da produção moveleira nacional. O que nos faz
pensar, a princípio, em um desenvolvimento do design de produto anterior ao design
gráfico. Mas para tal conclusão deve-se, antes de mais nada, definir a atividade e concentrar
a sua atuação dentro dos demais segmentos que compartilham de objetivos semelhantes.
Portanto, sabe-se que não foi apenas o movimento de arte concreta que ajudou no
desenvolvimento do design - abrangendo as duas categorias - mas, também, o nosso
patrimônio artesanal da madeira (principalmente o conjunto de trabalhos de móveis), a
participação dos artistas e arquitetos modernos, além de fatores econômicos e culturais que
foram sendo gerados desde o início deste século.
Então, a definição do termo design determinou o caminho deste trabalho e, até
mesmo, o seu objetivo. Ao compreender-se que tal atividade enreda certos fatores inerentes
ao seu desenvolvimento, será definida a questão da origem nacional defendida, aqui, como
sendo produto das transferências do movimento concreto brasileiro. Sem querer
desvencilhá-lo dos antecedentes históricos (tradição moveleira, artistas e arquitetos
modernos) nem dos fatores culturais e econômicos.
Além de esclarecer o design, sua origem e desenvolvimento, esta pesquisa abordará o
conjunto de trabalhos de Geraldo de Barros entre os períodos de 40 a 60, tendo um
aprofundamento maior na década de 50, período onde é manifesto o movimento de Arte
Concreta no Brasil. Suas atividades como gravador, pintor e fotógrafo serão esclarecedoras
e culminarão nas aplicações concretas em sua produção como designer. Neste percurso, a
sua atividade artística, nas décadas de 60 a 80, evidenciará o seu compromisso em
5
comurucar, em democratizar a arte na medida em que pretende que o produto de seu
trabalho seja acessível às massas. Dentro do trabalho de um designer gráfico não há como
negar a importância da clareza e da velocidade da comunicação, procurando atingir um
grande número de pessoas. Se com a Arte Concreta tem-se, no Brasil, o desenvolvimento
da atividade do design gráfico, nos anos seguintes teremos com a Pop Art a sua plenitude.
Ainda que no Brasil não se possa definir com clareza a verdadeira essência Pop, temos nos
trabalhos de certos artistas - como por exemplo Geraldo de Barros - as transferências de
sua linguagem que nos permite visualizar e completar um ciclo de desenvolvimento entre a
atividade do design e os movimentos artísticos deste século.
Não é de hoje que o diálogo entre arte e técnica se manifesta. Não indo muito longe
quatro exemplos pertinentes a este estudo serão abordados. Temos de início o exemplo do
Artes e Ofícios com William Morris; Henry van de Velde e Hermann Muthesius
(Werkbund); Johannes Itten, Walter Gropius e Hannes Meyer (Bauhaus); e Max Bill e
Tomás Maldonado (Escola de Ulm). Mas parece que dentro do desenvolvimento do design
e do movimento concreto não há uma divergência e sim uma parceria, como se um
completasse o outro, onde um possa ter falhado, o outro o remediou. Por isso, também, é
importante tomar atenção ao se referir e diferenciar o designer do artista. São protagonistas
de uma discussão muito tênue, que por vezes não se consegue solucionar. Não se objetiva
penetrar nesta discussão, porém não deve ser ignorada. Pondera-se na medida em que as
duas atividades - a do artista e a do designer - incorporam fatores em comum como o que
pode ser denominado manifestação artística, pois para ambos há uma estética e para tal uma
beleza manifestada pela percepção da forma. E nem se objetiva, também, fazer uma análise
profunda da história do design no âmbito internacional, apenas abordar certas questões que
6
se mostram pertinentes para este trabalho, como o questionamento entre arte, técnica e
produção e o que isso implica na formação do design.
Cabe aqui, também, deixar registrado a boa vontade que o artista Geraldo de Barros
dispensou para o desenvolvimento deste trabalho. Apesar de expressar-se com dificuldade -
decorrência de uma esquemia cerebral -, o artista sempre mostrou simpatia e carinho.
Auxiliado por sua esposa, Electra, quando as suas respostas não eram entendidas, Geraldo
não deixava uma pergunta sem resposta. Mas já não tinha mais a energia de sua mocidade e
logo cansava-se em persistir em seu entendimento. Embora, as filhas ou a esposa estivessem
sempre presentes para esclarecer qualquer resposta imcompreensível, estas estavam sujeitas
a uma interpretação pessoal das interlocutoras. Foram ao todo 3 entrevistas gravadas e
outras tantas visitas. Mas por causa da dificuldade de comunicação as entrevistas gravadas
não foram transcritas e anexadas à este trabalho mas estão à disposição .
Outra dificuldade encontrada foi a localização das obras de determinados periodos.
As obras da década de 60, por exemplo, estão espalhadas por diversos lugares. Com
exceção da obra "A volta à figura I" e "They are playing", ambas de 1964, que estão com a
família e na Pinacoteca de São Paulo, respectivamente, todas as outras têm o seu paradeiro
incerto e desconhecido. O que não acontece com as suas fotografias que estão sob os
cuidados de sua filha Fabiana de Barros e o Museu l'Elysée na Suíça; e as gravuras que
foram doadas ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Portanto,
as obras do período dos anos 60 aqui registradas fotograficamente são reproduções em
preto e branco de um catálogo de uma exposição realizada no Museu de Arte Moderna de
São Paulo em 1977. A obra "They are playing", que pertence à Pinacoteca de São Paulo,
infelizmente não pode ser fotografada.
7
A maior parte de seu trabalho como designer gráfico está arquivada no Museu de
Imagem e do Som de São Paulo e dois cartazes premiados estão na Fundação Bienal de São
Paulo com exceção do cartaz do Festival de Cinema (1953) que não foi localizado. As
pinturas do período concreto são do acervo do próprio artista com exceção de "Vermelho
e verde em formas contrárias" (MAC/USP) e "Concreto".
O artista Geraldo de Barros faleceu aos 75 anos de idade no dia 17 de abril de 1998.
Por decorrência de sua morte, foram publicados alguns depoimentos de amigos-artistas que
o qualificavam como um grande criador, inovador e inquieto. Mas entre tantas qualidades,
uma deve ser destacada: a sua grande generosidade.
2. DESIGN : ARTE, TÉCNICA E PRODUÇÃO
Em função das transformações sociais, culturais e econômicas por que passava a
Europa, no período da Revolução Industrial, grandes exposições foram organizadas para
mostrar sobretudo o desenvolvimento das nações . Era uma época progressista e prática.
Na Inglaterra, em 1851, foi organizada uma exposição internacional de matérias
primas e produtos técnicos. Por meio desta exposição ficou latente a necessidade de se ter
um cuidado maior na hora de se produzir um produto. O liberalismo dominava a filosofia e
a indústria, e implicava a completa liberdade do fabricante para produzir todo o gênero de
objetos de gosto duvidoso e de má qualidade que pudesse vender. E isto é observado mais
claramente em produtos tridimensionais, mas em suportes bidimensionais como capas de
livros, cartazes e tapetes, também eram distinguidos os exageros das formas. Não bastava
pôr as máquinas de seu parque industrial para trabalhar, teria que se valer de um conceito
estético, ou pelo menos respeitar os já existentes. E foi assim que alguns artistas desta
época, dotados de alguma sensibilidade, sentiram a necessidade de mudar o quadro vigente.
A criação do movimento Artes e Oficios, em Londres, deflagra um comportamento de
funções nas artes, ditas, aplicadas. E a partir daí os movimentos de arte passam a influenciar
sobremaneira a forma dos objetos do cotidiano. Movimentos como . o Art Nouveau,
9
Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo, Construtivismo, Art Déco e De Stijl , e as escolas
Bauhaus e a de Ulm foram importantes para a formação e desenvolvimento do Design.
Se o movimento Art Nouveau foi o prelúdio do movimento moderno e teve influência
direta na produção gráfica - como o aparecimento dos cartazes como forma de expressão
artística (Beardsley, Bonnard e Toulouse-Lautrec) - e por conseguinte influenciando a
tipografia e as ilustrações nas publicações, que até então obedeciam aos padrões clássicos.
Se o cubismo rompeu com as regras tradicionais de representação e forma, como o uso
livre das letras como elemento plástico e a inovação da técnica da colagem; se o Dadaísmo
ministrou a irreverência, tomando-se responsável pelo "caos" na comunicação só ordenada
pelo Construtivismo; e se o movimento De Stijl instaurou a utopia de se fundir arte e vida,
na Bauhaus todas estas manifestações, de uma certa maneira, serão sintetizadas, afirmando
se no uso prático e cotidiano destas linguagens.
O movimento Artes e Oficios foi uma resposta à falta de sensibilidade dos produtores
da cultura material do final do século XIX e, por conseguinte, uma volta ao passado. Mas
não se deve encarar esta volta ao passado de uma maneira absolutamente retrógrada, mas,
antes, devem-se destacar os valores intrinsecos deste caminho: a procura de uma estética
coerente com a produção e o uso do objeto, buscando na simplicidade do trabalho artesão
um resgate da dignidade humana. Antes mesmo de serem percebidas caracteristicas
formalistas, este movimento procura resgatar a condição social do homem por meio do seu
trabalho, resguardando o modo de produção adequado à sua sobrevivência: o artesanato.
A volta ao artesanato empenhada por Willliam Morris tem como principal objetivo a
restauração de uma vida sã ao homem que seria, então, responsável pela produção material
da sociedade. Sendo assim, as condições de trabalho e, principalmente, a maneira de
produção refletiria o desempenho formal do conjunto de produtos apresentados ao
10
mercado. Valendo-se de seus conhecimentos da doutrina defendida por John Ruskin e os
ideais da Irmandade pré-Rafaelita2. Morris procurava estabelecer critérios que tomavam o
artista/artesão responsável pela transformação necessária do caminho que a produção
material estava tomando, que segundo ele aniquilariam a arte3. Morris no que se refere à
produção de móveis, era defensor do uso de formas construtivas em detrimento à
originalidade das formas. Negando a inspiração, a genialidade artística e reconhecendo que
as formas são fruto do trabalho do artesanato.
Esta iníciativa ocorreu no momento em que enfrentou o problema de mobiliar o seu
estúdio em 1857. Não conseguindo encontrar nada que lhe agradasse teve que construí-los
( mandou fazer de acordo com os seus desenhos), pois para alguém se dedicar a pintar
quadros sublimes precisa habitar em um ambiente compatível com o seu temperamento,
viver em uma casa decente, com cadeiras e mesas4. Passou a analisar o que o mercado
oferecia, nos seus aspectos estéticos e econômicos. Em 1861, fundou uma firma para
desenvolver trabalhos com apuro técníco artesanal : Morris, Marshall & Faulkner. Passou,
então, a teorizar as suas idéias e propagá-las por meio de conferências. Entre estas idéias se
destacam: a rejeição à Academia, a valorização do objeto, da produção artesanal e
sobretudo a socialização da arte. E é justamente neste último item onde pode-se encontrar a
maior contradição de sua doutrina. Objetivando desenvolver uma cultura material produzida
por meio do trabalho artesanal tornava-se impossível que tal produto fosse acessível a
todos. Os produtos feitos pelos artesãos se tornavam caros e portanto só adquiridos pela
2 O princípios defendidos pela inuandade eram : a rejeição da arte acadêmica e das formas e costumes da nova burguesia industrial; a procura de uma arte nova, regida pela beleza e ,inculada à Idade Média e aos pintores italianos Massaccio, Filipo Lippi e Botticelli - anteriores a Rafael ; e um elevada concepção ética da vida regida pela nobreza de uma alma bela, engenhosa, de elgância e estilo. 3 Aqui deve ser entendido a arte como o cojunto de trabalhos realizado por atesões e artistas, não havendo diferenciação entre arte (arte maior) e arte utilitária (arte menor ou aplicada). 4 PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno: de William Morris a Walter Gropius. São Paulo : Martins Fontes, 1980. p.27
11
elite, não restando outro caminho para os menos abastados: adquirir produtos feitos por
uma produção mecanizada. Além disso a volta ao trabalho artesanal representava, de uma
certa forma, a defesa do regresso às primitivas condições medievais, e sobretudo a
defender a destmição de todos os inventos da civilização introduzidos durante o
Renascimento5. O que Morris queria era resgatar a dignidade humana degradada pela
escravidão da máquina. A maioria dos seus discípulos vai continuar hostil a produção
mecanizada, mas com o tempo, passa a encará-la como um instrumento útil ao homem e até
mesmo reconhecendo a sua mais profunda dependência para o desenvolvimento das artes e
da civilização moderna, como escreveu C. R. Ashbee em 19106.
Entretanto, o trabalho de Christopher Dresser se desenvolvia na contramão desta
doutrina antiindustrial. Influenciado pelos ensinamentos de Owen Jones, que procurava
formular regras para a produção material, baseando-se em estudos de estruturas das formas
naturais. Jones aceitava a produção mecanizada e achava que o problema estava no desenho
e, portanto, era preciso reformar o ensino nas escolas. O efeito do seu trabalho era uma
adaptação das formas do passado com as necessidades do presente. Já Dresser foi mais
longe, acrescentado um estudo das formas geométricas às estruturas naturais, constituindo
um produto à margem de qualquer pretensão estilística. Os seus desenhos eram o resultado
de uma análise das necessidades de função, uso e produção do objeto, sendo descartado
qualquer tipo de representação estilística. A qualidade estética do seu trabalho estava no
aperfeiçoamento dos materiais e na simplicidade do seu desenho, procurando sempre
adequar a produção a um produto que pudesse ser adquirido por todos. Dresser
compreendia as vantagens técnicas e econômicas que a produção industrial oferecia e logo
pode se ajustar aos comandos desse sistema. Dresser conseguiu o que Morris sempre
5 PEVSNER. Nikolaus. Op. cit. p.29 6 PEVSNER. Nikolaus. Op. cit. p.31
12
procurou - a aquisição de sua produção voltada para todos -, mas as suas idéias não tinham
tanta força como as doutrinas antiindustriais do Movimento Artes e Oficios que prevalecia,
então, na Inglaterra do final do século XIX. E coloca uma questão que a partir de então
permanecerá presente durante todo o histórico do design: (. .. ) até que ponto (. .. ) as Belas
Artes podem de forma recomendável substituir ou regular as artes mecânicas?7.
O que se deve observar é que Dresser mostra-se como um pioneiro na atividade do
design, entendido como uma atividade exercida de acordo com algumas determinantes -
como será vista a seguir - sendo uma delas a condição do fruto de seu trabalho estar
atrelado à produção industrial. Paradoxalmente, Morris - grande nome para a história do
design - é contra esta mesma produção industrial, mas estabelece uma ligação entre a
produção e o homem, a técnica e o objeto que será condição sine qua non para o design. A
principal preocupação de um designer é o homem, o homem usuário e executor de seu
projeto.
O Movimento Artes e Oficios permitiu - apesar de seu lado negativo em relação ao
desenvolvimento industrial da produção material inglesa - uma atenção no que concerne ao
desenho e à produção. A sua valorização do artesanato permitiu uma observância na
produção, resultando no cuidado com o desenho e nas condições de trabalho do homem. É
certo que este retrocesso é negativo mas de alguma forma esta doutrina permitiu que não
houvesse a preponderância das técnicas industriais sobre as habilidades humanas e, de uma
certa forma, a preocupação com a produção colocava em evidência não só as questões
socias pertinentes em uma produção industrial, mas também possibilitava um controle, por
meio desta atenção, da sua melhor produtividade. Isso, sem dúvida, tanto refletia em um
produto feito por meio industrial como artesanal. Além do que difundiu por toda a Europa a
7 HESKETI, John. Desenho Industrial. Rio de Janeiro : José Olympio. 1997. p.26
13
importância no ensino de oficinas e artistas como professores o que serviu de exemplo para
um novo segmento no desenvolvimento do design que terá como ambiente a Alemanha .
A principal consequência das idéias de Morris foi a revalorização do artesanato e com
isso inúmeras sociedades de artesanato artístico foram fundadas na Inglaterra, no final do
século XIX . Paralelamente, os ingleses vinham reformulando, desde meados do século
XIX, as academias e a formação dos artesãos. A Inglaterra deveria manter a sua posição de
líder mundial na área artesanal. O exemplo inglês refletiria no resto da Europa continental e
muitos países adotariam o seu exemplo na reformulação da formação de seus artesãos e nas
academias de arte.
Em 1896, Hermano Muthesisus foi enviado pelo governo prussiano ( antigo estado
alemão) para a Inglaterra a trabalhar em sua embaixada a fim de espionar o gosto inglês. Ao
retomar, depois de 6 anos, foi trabalhar no Ministério de Comércio com responsabilidade na
educação artística aplicada. Reformulou as academias de arte, introduzindo oficinas e
contratando artistas modernos como professores. Além da reforma dentro do ensino
artístico e técnico na Alemanha, a criação de oficinas particulares, seguindo o exemplo
inglês, era constante, mas, diferente deste. Os alemães não recusaram o uso da produção
mecanizada o que fez com que aos poucos a liderança inglesa fosse sendo substituída pela
alemã.
O crescimento das oficinas particulares fez surgir uma associação chamada Deustcher
Werkbund que procurava conciliar os ideais artísticos e industriais alemães. Esta
organização era composta por artesãos, artistas, jornalistas e funcionários públicos. Além de
Muthesius, outro artista, muito importante para o desenvolvimento do design, foi Henry van
de Velde do movimento Art Nouveau. Ambos iriam constituir dois polos ideológicos dentro
da Werkbund.
14
O Art Nouveau estendeu-se por toda a Europa e vinculou-se muito à produção
artesanal e industrial. Trata-se do primeiro movimento artístico que teve como principal
manifestação os objetos decorativos e utilitários. Ele pode ser dividido, de uma forma geral,
em duas correntes: uma caracterizada pelo uso das formas naturais abstratas constituída por
linhas sinuosas de efeito profundamente decorativo; a outra funcionalista, controlando e
subjugando os elementos curvilíneos no princípio e, posteriormente, tranformando-os em
estruturas de sustentação dos objetos. O primeiro grupo era representado pela França,
Bélgica e Itália; o outro, pela Alemanha e Áustria8 .
Era um movimento que realçava a forma dando-lhe mais do que aparência, mas
expressão com significado. Segundo van de Velde havia dois tipos de linhas: a comunicante
e a linha d'alma, uma orientada pela razão e a outra pela espiritualidade. Para ele, as linhas
despertavam sentimentos de serenidade, sonolência e proteção 9. Ao mesmo tempo que
suscitavam a expressividade, as linhas caminhavam para uma construção mais objetiva.
Henry van de Velde defendia o racionalismo na produção mas sem excluir os ornamentos
que tinham um sentido racional e objetivo para justificar a sua forma. A sua produção era
artesanal e entendida como produção em massa sendo ela repetida10.
O Jugendstil - o Art Nouveau assim denominado na Alemanha - teve, inicialmente, a
sua fase decorativa que, segundo van de Velde, foi desaparecendo, talvez após a morte de
Otto Eckmann. A denominação Jugendstil surgiu apenas na virada do século, influenciada
pelo estilo e conteúdo de uma revista semanal de Munique, fundada por Georg Hirth em
1896, "Jugend". Ela representava tudo de novo e jovem que surgia e era bastante
8 Esta e:-..'J)lanação sobre o movimento Art Nouveau quer apenas demonstrar a diferença entre estes dois pólos que servirá para dar encadeamento ao que será discutido mais adiante.Portanto não há urna análise aprofundada e merecida, para o trabalho não se prolongar e até mesmo não se desvirtuar de sua proposta. Apenas aproveitando fatos pertinentes à abordagem relacionada a questão: arte. técnica e produção. 9 FUCHS, Heinz , BUR.KHARDT, François. Produto forma história: 150 anos de design alemão. São Paulo: Instituto de Relações Exteriores de Stuttgart,[ 19--]. p.28 10 HESKETI, John. Op. cit. p.89.
15
aproveitada pelos círculos empresariais. E esta aproximação com o novo faz com que o
movimento entre em choque recebendo severas críticas e aproximando-o dos estilos do
passado como o Rococó, por exemplo, impossibilitando os artistas de modificar o ambiente
e a vida das pessoas. Aqui, percebe-se o anseio de, por meio da arte, intervir na produção
de objetos que formam o ambiente, conjugando os princípios artísticos com os de sua
produção. Para isso era necessário perceber que a beleza está na naturalidade com que a
vida procura e encontra as suas formas - em harmonia total com as necessidades II . E
esta procura estava na obediência das leis naturais que determinariam que a forma deveria
seguir a função .
Um pouco diferente dos seus patrícios belgas,van de Velde logo saiu de sua terra
natal. Em Paris, o seu trabalho não foi muito bem recebido ( 1895-1896), o que não
aconteceu quando apresentou a mesma produção na Alemanha. Esteve em Dresden, Berlim
e Weimar. Esta última tomara-se capital do ducado turíngio da Saxónia-Weimar-Eisenach,
estado compósito. E era entre todos os estados alemães o menor e, em 1815, toma-se
Grão-Ducado. A atividade da Turíngia era modesta pois não possuia riquezas, era por meio
do artesanato ou do comércio que poderia se afirmar. Devido à política de neutralidade
adotada pelo seu grão-duque, Carlos Alexandre, Weimar foi se tomando um centro
residencial e um pólo artístico em franca ascendência. Com a morte de Carlos Alexandre,
em 1901, e, consequentemente, a sustituição por seu neto Wilhelm Ernst, o rumo de um
centro artístico poderia estar ameaçado. Wilhelm tinha a reputação de ser um homem de
poder frio e arrogante, espírito brilhante (..), falho de sentimentos e de tato. Preferia de
longe as alegrias da caça e das corridas de automóveis a tudo o que se ligasse à arte 12 .
Mas sob as influências do conde Harry Kessler, novas idéias foram sendo executadas e a
11 FUCHS, Heinz, BURKHARDT. François. Op. cit. p.31. 12 SEMBACH. Klaus-Jürgen. Arte NO\·a. Kõln: B~nedikt Taschen. 1993. p.122.
16
tradição de centro cultural e artístico mantida. Porém, assim como os demais estados da
Alemanha, havia uma grande preocupação com a sua situação econômica. Apesar de estável
precisavam se afirmar dentro do segmento que lhe era mais próximo: o artesanato e a
pequena indústria. Este segmento estava bem equipado tecnicamente, mas no que se refere
ao gosto tomava-se necessário revigorar o seu estilo. Em conformidade com a idéia de que
só a arte podia ajudar o artesanato 13 procuraram encontrar uma pessoa que pudesse dar
um novo rumo ao estilo, e foi com van de Velde, amigo do conde Kessler, que isso pôde
acontecer.
Weimar oferecia a van de Velde a oportunidade de lançá-lo como mentor artístico de
uma sociedade. Apesar de atraído por uma grande metrópole a cidade alemã proporcionaria
um ambiente tranquilo para um trabalho intenso e afastado de influências de uma sociedade
saturada. As suas formas sinuosas e decorativas do início do Art Nouveau vão dando lugar
às linhas mais estruturadas sem perder, contudo, a sua graciosidade. O processo de reforma
artística sustentada em uma base comercial foi iniciado em 1902 por meio de um grupo de
pesquisa de artesanato, objetivando direcionar artísticamente os ateliers com o aval de van
de Velde. Os ateliers submetiam as sua produções a uma análise e corrigiam os seus
projetos caso fosse necessário. Em 1907, passa a dirigir a Escola Superior de Artes e
Ofícios do Grão-Ducado da Saxônia que se transformará, de uma certa maneira, em 1919,
na famosa Bauhaus. Apesar de sua postura artística se aproximar do estilo severo e
retilíneo inglês, van de Velde irá enfrentar um conflito com Muthesius, outro adepto da
doutrina inglesa.
Com a formação da Deutsche Werkbund em 1907, a procura de uma afirmação no
mercado europeu determinaria posições a serem tomadas dentro dos estados alemães.
13 SEMBACH, Klaus-Jürgen. Op. cit. p.123.
17
Muthesius vai defender um produto onde a sua função utilitária seja predominante em
relação à forma artística, até mesmo eliminando-a. Segundo ele, é a forma artística que
impede o produto de se popularizar. Estimulava a libertação do domínio das influências
decorativas dos artistas, fazendo crer que cada pessoa era capaz de decorar o seu próprio
ambiente. Neste aspecto, viu-se com um problema, pois sabia muito bem que isto não era
possível, não havia na Alemanha cultura suficiente para tanto. Então criou "postos de
aconselhamento de decoração" para a orientação do público dentro da Werkbund14.Acusava
a indústria de fabricar produtos baratos e de má qualidade apenas visando ao lucro. A sua
intenção era que a indústria alemã produzisse produtos de qualidade e que fossem
reconhecidos dentro do mercado internacional, cujas formas seriam responsáveis pela
modificação do caráter da geração, expressando a unidade da nação. Este produto deveria
se adequar à produção industrial, onde a forma individualizada seria substituída por uma
forma serializada. Defendia, então, tal forma como produto do espírito de época,
absorvendo e adaptando-se às novas realidades materiais, produtivas e econômicas. Um
produto fiuto da racionalização e da tecnologia industrial e não de uma arbitrariedade
artística, tomando-se mais objetivo e funcional. Neste sentido vai contra ao movimento Art
Nouveau, que ainda estava preso ao ornamento apesar de incentivar a produção
mecanizada.
Muthesius e van de Velde irão se enfrentar na reunião anual da Werkbzmd em
Colônia, em 1914. Muthesius defendia a estandartização : só a estandartização pode
restituir ao artista a importância universal que este possuía em épocas de civilização
harmoniosa. (.. .)como salutar concentração de forças, pode-se criar um gosto aceito por
todos e digno de confiança15 . Henry van de Velde, ao contrário, defendia a criação
u FUCHS. Heinz, BURKHARDT,François. Op. cit. p.38. 15 PEVSNER Nikolaus. Op. cit. p.41
18
individual e condenava qualquer produção estandartizada. Segundo as suas idéias o artista
não deveria ser influenciado por nenhuma norma ou cânone, pois assim delimitaria a sua
criação. Após a apresentação dos dois seguiu-se uma votação onde van de Velde teve
vitória por grande maioria. A maioria dos integrantes da Werkbund ainda se considerava
artista demais e as idéias de Muthesius representavam uma ameaça a liberdade de criação.
Na verdade, o que estava ocorrendo era que os profissionais desta época, artistas
artesãos, viam na indústria uma ameaça ao seu trabalho e a qualidade de seus produtos,
muito similar ao que aconteceu no período do final do século XIX com William Monis(já
abordado aqui). E aqui, novamente, tinha-se no comportamento de Muthesius o
empreendimento do profissional que quer expandir o seu trabalho a todos com qualidade. A
herança artesanal prevalecia e mostrava ser muito mais adequada à produção de qualidade.
Mas ainda que artesã e artística a produção desenvolvida por van de Velde expressava-se de
uma forma estruturada e convincente sem estar arraigada à fatores artísticos aleatórios.
Apesar de ser artista originário do movimento Art Nouveau, van de Velde, em seus objetos,
possuía um desenho de linhas sinuosas, no início, e sempre estruturadas que se adequavam
perfeitamente a sua produção, porém ainda limitada e não industrial.
Este diálogo vai novamente ter o seu espaço com a criação da Bauhaus. Fundada em
1 919, Esta escola, foi dirigida por três arquitetos: Walter Gropius ( 1919-192 7), Hannes
Meyer (1927-1930) e Ludwig Mies van der Robe (1930-1933). Mas pode-se dividi-Ia em
quatro fases. Dentro do período de Gropius pode-se dividir ainda em dois períodos: um sob
a influência expressionista do professor Johannes Itten e o outro relacionado com a sua
saída.
19
Em seu discurso inaugural, Gropius declara: vamos criar juntos a nova "estrutura"
do futuro que será tudo uma únicaforma. Arquitetura, escultura e pintura 16. Esta intenção
de juntar todas as artes veio também impulsionada pela ambição de integrar a arte na vida
cotidiana por meio da produção material, tentativa que de uma certa forma todos os seus
antecessores buscavam mas que por um motivo ou por outro não deslanchava. Gropius
ainda diria: arquitetos, escultores, pintores, todos devemos retomar ao artesanato, pois
não existe "arte por profissão". Não há nenhuma diferença essencial entre o artista e
artesão17. Acabava, assim, a barreira entre artista e artesão. Nunca houvera, até então, uma
proposta de símbiose perfeita entre arte e produção. Na Bauhaus isso começava a se
esboçar. Na verdade, a escola não era muito diferente das outras que antes da guerra foram
reformadas. Basicamente, os alunos recebiam conhecimentos científicos, de desenho e
artesanato. A princípio, o artesanato seria o responsável pela integração da escola com a
comunidade, um meio da escola conseguir estabelecer uma ligação com o mercado. Gropius
sempre defendeu a produtividade da escola e, num país enfraquecido após a guerra, o
artesanato era uma atividade valorizada dentro de sua economia. A Alemanha estava
empobrecida e enfraquecida com falta de mão-de-obra e precisaria de muitos anos para se
recompor. Mas antes de haver uma integração coerente entre a arte e a produção/técnica, a
Bauhaus passou por uma fase chamada expressionista devido à influência do professor
Johannes ltten. Dele surgirão os primeiros desentendimentos dentro da escola.
Itten foi um professor místico que gerou profundas mudanças de comportamento, e
foi o responsável pela criação do curso preliminar chamado vorkurs que permaneceu
durante toda a existência da escola. Os alunos eram obrigados a cursar seis meses do
16 DROSTE. Magdalena. Bauhaus. Berlin : Benedikt Taschen. 1994. p.18. 17 BITIERBERG, Karil-Georg. Bauhaus. Stuttgart: Instituto Cutural de Relações Exteriores. 1974.p.ll
20
vorkurs, depois poderiam frequentar os ateliers. Cada atelier possuía o seu Mestre da Forma
(artístico) e o Mestre Artesão. Segundo Gropius, era
necessário trabalhar com dois professores diferentes, pois não havia artesão com imaginação suficiente para resolver os problemas artísticos, nem artistas com conhecimentos técnicos suficientes para se responsabilizarem por trabalhos oficinais. Uma nova geração tinha de ser treinada primeiro, de forma a poder aliar os dois talentos 18
.
O que seria natural que ao passar dos anos os alunos formados por estes ateliers
substituíssem os dois mestres. Cada oficina agora passaria ter apenas um mestre.
Mas, na verdade, a igualdade idealizada por Gropius, entre artesão e artista dentro da
escola, não se realizou. O mestre artesão ainda estava subordinado ao artista. Os artistas,
que formavam o grupo de mestre da forma, eram grandes representantes da vanguarda do
início do século XX, e , portanto, muito individualizados o que estabelecia, ainda mais, um
distanciamento do artesão. Esta situação determinava a supremacia dos mestres da forma
em relação aos artesãos que apenas tinham uma função consultiva, enquanto os outros
possuíam o poder de decisão.
As teorias de Itten procuravam desenvolver no aluno o seu próprio ritmo. O objetivo
dos trabalhos não era ser funcional mas de reconhecimento material, intuitivo e
metodológico. Dividia as suas aulas em estudos dos materiais naturais e análise dos mestres
antigos. Ensinava as bases da teoria da cor, forma e composição. Sua influência foi
estendida até aos 9 ateliers, sendo mestre artístico em todos, exceto o de tipografia (Lyonel
Feininger) e cerâmica (Gerhard Marcks). A partir do segundo semestre dirigiu apenas o
atelier de metal, vitral e pintura mural , permanecendo até outubro de 1922.
Por intermédio do atelier privado da Bauhaus eram comercializados os produtos
desenvolvidos pelos seus alunos. Eles eram cadastrados e oferecidos às manufaturas e
18 DROSTE, Magdalena.Op. cit. p.36
21
indústrias alemãs. Rapidamente os ateliers de cerâmica e metal mostraram ser eficientes mas
ainda muito apegados à produção artesanal. Segundo Itten, a produção artesanal conduzia o
desenvolvimento individual dos alunos. Aqui, surgirá um conflito entre Gropius e ltten.
Apesar de defender a atividade artesanal, Gropius via na produção industrial, na produção
em massa, uma alternativa de se manter independente dos subsídios estatais que a cada dia
se tomavam mais ameaçados. Os conflitos políticos geravam uma insegurança à
permanência da escola. Os políticos mais conservadores encaravam-na como uma escola de
esquerda devido ao seu grande teor expressionista, fruto da influência de ltten. Gropius
tentava defender-se das acusações, procurando deixar a escola fora das discussões políticas
e pedindo que os seus alunos não se envolvessem em nenhum ato político. Para que a
permanência da escola fosse mantida, contribuiu bastante o fato de Gropius ser membro da
Werbund e da Federação dos Arquitetos Alemães.
Por isso, ele sempre esteve atento ao desenvolvimento dos ateliers, procurando tirá
los do estágio inicial artesanal e estimulando o seu potencial industrial. Aqueles que não se
permitiam tal avanço eram gradativamente extintos, apesar de seu grande potencial
artesanal, como por exemplo o atelier de cerâmica 19 . Quando em 1920 recebeu uma
encomenda privada do construtor civil Adolf Sommerfeld para construir e decorar uma casa
com madeira de destroços de navio de guerra, estaria deflagrada a "guerra" entre Gropius e
Itten, que seria defenitivamente findada com a saída do último, em 1923, por causa de uma
nova encomenda ( cadeiras para o Teatro Municipal de lena).
A Casa Sommerfeld era o resultado de um dos objetivos de Gropius: conciliar todos
os ateliers em prol de um projeto único. Arquitetura, escultura, pintura ... todas elas
reunidas em um só lugar. Apesar de ainda não haver o departamento de arquitetura, o
19 Este processo será levado adiante a partir do momento que Inen sai da escola e uma nova filosofia passa a ser estabelecida. Torna-se mais importante agora as questões do "tipo" e função do objeto.
22
projeto arquitetôrúco foi desenvolvido por ele e Adolf Meyer e os melhores alunos ficaram
responsáveis pelos móveis (Marcel Breuer), vitrais (Josef Albers) e esculturas em madeira
(Joost Schimidt).
Itten não admitia que os projetos fossem vinculados a um serviço comercial. Isto
eliminaria o caráter individual da criação. Considerava que o objetivo principal da escola era
desenvolver no aluno uma capacidade criadora sem interferências externas que delimitassem
a sua criação. Com a sua saída, a escola passou adotar uma nova filosofia de ensino,
centrada na produção de novos produtos que atendessem as necessidades de uma produção
industrial, diminuindo, assim, a produção artesanal dos ateliers. Se antes propagava-se :
"arte e artesanato - uma nova unidade" agora a escola possuía um novo slogan : " ... arte e
técrúca, uma nova urúdade ... " .
Outro fator importante para o fim da fase expressionista da escola veio de fora, por
intermédio de Theo van Doesburg. Este, junto com Piet Mondrian fundou, em 1917, o
movimento De Stijl que objetivava integrar a arte na vida e para isso estabeleceram uma
linguagem universal onde os elementos de composição seriam formados pelas linhas
ortogonais e preenchidos por cores primárias (amarelo, azul e vermelho) e as não cores
(preto, branco e cinza), quebrando a supremacia do indivíduo e prevalecendo o coletivo.
Em 1920 van Doesburg já tinha visitado a Bauhaus e mais tarde, em 1921, transferiria a sua
residência para Weimar. Acreditava que seria contratado por Gropius para ministrar aulas
na Bauhaus, o que acabou não acontecendo. Logo organizou um curso onde a maioria dos
alunos era da Bauhaus. van Doesburg logo passou a criticar a escola de Gropius como
sendo uma entidade onde havia um expressionismo anacrônico e decadente. Contudo,
acreditava na sua potencialidade. Não podia concordar com o caminho que a escola estava
tomando tendo como diretor um arquiteto racionalista, isso se mostrava incongruente.
23
Gropius, desde cedo, junto com o companheiro Adolf Meyer, projetava de maneira
racionalizada e criava soluções construtivas novas enfatizando os elementos estruturais. Ao
contrário da filosofia de Itten, van Doesburg defendia as possibilidades da máquina,
facilitada agora por intermédio dos meios elementares da linguagem propagada pelo
movimento De Stijl.
Com a saída de Itten a escola, então, toma um novo rumo.
Quando Gropius aceitou a estética mecânica de van Doesburg não o fez incondicionalmente. Apropriou-se do formalismo neoplasticista, reelaborado a partir do Construtivismo. Um novo critério de composição da forma, baseado na técnica, substitui o precedente, de inspiração artesanal 20
.
O construtivismo não pretendia desenvolver um estilo, os seus objetivos se
concentravam na busca de atender as necessidades tisicas e intelectuais da sociedade por
meio da produção mecânica e industrial e pelos recursos gráficos e fotográficos.Para os
construtivistas, um novo mundo tinha nascido e acreditavam que o artista, ou melhor, o
designer criativo devia ocupar seu lugar ao lado do cientista e do engenheiro21. Na
verdade, esta retomada pela linha da técnica, subordinada ao formalismo neoplástico e à
composição estruturalista do construtivismo, vai ao encontro dos seus objetivos iniciais,
porém não há em sua essência uma manifestação social como a propagada pelos
movimentos precedentes.
Desde muito cedo defendia a produção vinculada à indústria. Analisava a produção
artesanal em relação à industrial como vítima de uma concorrência em que a última
privilegiava a produção e a outra a idéia. Transferindo estas idéias para construção civil e
somando-as com as questões econômicas, sugeria a fundação de uma sociedade em que a
20 SOUZA, Pedro Luís Pereira de. ESDI biografia de uma idéia. Rio de Janeiro : EdUERJ, 1996. p.81. 21 SCHARF, Aaron. Construtivismo. ln: ST ANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1993. p.117.
24
divisão do trabalho e a racionalização seriam adotadas para uma produção em massa,
garantindo assim a sua rentabilidade.
Gropius aproveitou-se apenas de uma linguagem elementar que se mostrava
adequadamente própria para a produção material . Por isso foi acusado de formalista e de
desenvolver dentro da Bauhaus um estilo, o estilo Bauhaus. Não deixa de ser verdade,
apesar da total liberdade dada aos seus alunos às prerrogativas do uso sistemático dos
elementos fundamentais, como os elementos geométricos, e as cores primárias delimitaram
a produção da escola que refletia um estilo próprio. Mais tarde, sob a direção de Hannes
Meyer, percebeu-se que havia a possibilidade de se desenvolverem produtos em que poder
se-ia deixar de lado a sistemática neoplástica em detrimento de soluções técnicas onde o
objetivo era a funcionalidade e adequação ao consumidor. Meyer acusava Gropius de ser
estético demais onde deveria ser técnico. Segundo ele construir é um processo técnico e
não estético e a idéia de funciona/idade de uma casa se contrapõe à de composição
artística22 . Gropius se defenderia mais tarde, alegando que Meyer não era digno de
confiança e que, por vezes, se mostrava incongruente como em sua critica às questões
artísticas. Segundo Gropius foi o próprio Meyer que instituiu dentro do curso da Bauhaus
aulas de pintura ministrada por Wassily Kandinsky e Paul Klee. Durante a direção de
Gropius, estes professores não ensinavam pintura mas teorias da forma e cor, pois, segundo
ele, a arte não poderia ser ensinada23 .
De certa forma, esse estilo Bauhaus fez com que os produtos que chegavam ao
mercado fossem considerados inovadores demais e inadequados para a produção de massa.
Na verdade, esses produtos refletiam o interesse formalista e o esquecimento,
aparentemente, para as questões de manutenção e de uso do produto.
22 SOUZA, Pedro Luis Pereira de. Op. cit. p.82 . 23 SOUZA, Pedro Luis Pereira de. Op. cit. p.87.
25
Sem entrar no mérito de quem está certo ou errado, a verdade é que o período de
Meyer foi marcado por um forte ambiente político, na escola, fazendo com que isso
interferisse no seu funcionamento e daí surgisse o motivo de sua demissão. A sua direção
foi orientada para os critérios sociais e científicos, considerando as necessidades dos seus
consumidores, enquanto para Gropius o produto deveria se comportar formalmente à
produção. O período foi tão conturbado que após a sua saída e a posse de Mies van de
Rohe foi necessário pedir ajuda policial para que a ordem dentro da escola fosse
estabelecida.
Esta questão do design mais artístico ou formalista e aquele mais próximo às
necessidades da produção e do mercado vão voltar a discussão após o término da 2ª
Guerra com a formação de uma nova escola na Alemanha. A HfG - Ulm foi criada a fim de
estabelecer diretrizes que permitissem um caminho novo e democrático para uma nação em
construção. Em 1953, em seu discurso de posse como primeiro reitor da escola, Max Bill
disse: a arte é expressão mais elevada da vida humana e seu objetivo é consequentemente,
ajudar afazer da vida uma obra de arte. (. . .) bom significa belo e útil ao mesmo tempo 24 .
Segundo ele, o designer deveria estar compreendido dentro de uma hierarquia onde ele seria
o responsável pelo projeto e os engenheiros e fabricantes apenas executores de seus
comandos. Ex-aluno da Bauhaus, arquiteto, artista e designer, Max Bill utilizava-se do
pensamento lógico e do trabalho artístico para constituir as bases do ensino da escola. Não
nega, então, a herança bauhausiana do período de Gropius.
Ao mesmo tempo em que Max Bill vai colocando em prática as suas idéias, outra
tendência começa a surgir,voltando para uma orientação mais científica, socio-política e
descartando qualquer papel de designer dominador, mas tendo um papel importante nas
2" SOUZA Pedro Luís Pereira de. Op. cit. p.55
26
decisões de produção industrial. Em 1956, Max Bill é substituído por um triunvirato
formado por Tomás Maldonado, Otl Aicher e Hanno Kesting, iniciando uma fase que
poderia ser chamada de um processo de design tecnológico 25. Esta fase representa uma
mudança dentro da metodologia do projeto, aliás é o período onde a metodologia terá um
papel fundamental. Muitas disciplinas novas serão implantadas como Sociologia, Psicologia,
Teoria da Informação etc. E o processo vai se mostrar mais importante e as questões
formalistas serão descartadas. Segundo Maldonado, a forma será uma consequência das
relações estabelecidas entre todas as fases do projeto, sendo coerente tanto do ponto de
vista do produtor como do consumidor. Max Bill foi criticado por desenvolver um
formalismo dentro da escola, mas segundo Pedro Luiz Pereira da Silva não se pode deixar
de fazer algumas ressalvas:
Em primeiro lugar o tempo era outro e o funcionalismo não mais podia ser definido de forma tão direta como o fizera, por exemplo, Hannes Meyer. O sty/ing era uma realidade que mudara radicalmente a situação do design e cuja principal consequência fora uma valorização dos aspectos epidérmicos dos produtos 26
.
O styling foi um recurso adotado pelos designers americanos na década de 30 para
atrair mais compradores, por meio de uma maquiagem em seus produtos - maiores detalhes
sobre o styling no próximo capítulo. A cada produto lançado a sua forma não correspondia,
a priori, a nenhuma funcionalidade. E para combater esta manifestação, os americanos
passaram a desenvolver o Good Design que teria sido criado a partir de uma exposição da
Bauhaus no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1938, a qual estava associada ao
conceito Gute Form alemão. Os produtos apresentados foram os criados durante a direção
de Walter Gropius (1919-1928), e os americanos ficaram bastante impressionados e viram
aí a possibilidade de combater o styling, pois não achavam consistentes a produção do Art
25 SOUZA, Pedro Luis Pereira de. Op. cit. p.57 26 SOUZA, Pedro Luís Pereira de. Op. cit. p. 61
27
Déco para isso. Max Bill foi um dos grandes expoentes deste conceito de produção de
objetos. Um dos ex-alunos da Bauhaus mais influentes e apesar de ter estado no período
sob a direção de Hannes Meyer, fora influenciado por uma orientação estético-formalista ao
invés de uma ligada ao produtivismo funcionalista. Ainda que fosse acusado de criar um
formalismo implícito à idéia de Gute Form, Max Bill defendia a aplicação de suas formas
não como agentes comprometidos na venda dos produtos ou influenciados por um
modismo, mas como agentes de formação estética conjugados a uma técnica. Mas não era
possível rejeitar a grande influência do styling e o que ele representava para o mercado. As
necessidades do mercado exigiam um diferenciamento do produto, teriam que encontrar
uma solução onde a funcionalidade fosse expressa em sua forma e esta também fosse capaz
de agradar o consumidor
Durante os anos 50, a indústria alemã passou a aceitar com grande interesse os alunos
formados por aquela escola. E um dos exemplos mais conhecidos foi a parceria feita entre a
Braun, Otl Aicher e Hans Gugelot. Eles desenvolveram para a Braun o que chamaram de
"estilo Braun".
Pela primeira vez na história do design alemão foi possível medir os efeitos de padrões industriais com a sua estética funcionalista, pois nunca houvera antes uma oportunidade como essa para o design funcionalista, de ser difundido a nível do grande consumo 27
.
Segundo Maldonado, o estilo Braun representava os reais limites do desenho da Gute
Form 28 e não deveriam ser interpretados como o styling do neocapitalismo. Esta forma era
oriunda de uma metodologia de projeto a qual estabeleciam-se parâmetros internos e
externos ao produto, uma visão mais próxima do mercado e do usuário mas sem rejeitar a
sua necessidade formal. A forma seria gerada, não priorizada, por meio das necessidades do
27 FUCHS. Heinz, BURKHARDT.François. Op. cit. p.75 28 SOUZA Pedro Luis Pereira de. Op. cit. p.62.
28
projeto. Era, então, a beleza funcionalista que se apresentava. Apesar do conflito entre
Maldonado e Max Bill, no que tange ao aspecto formal não há muita diferença, esta, antes,
reside no ensino.
Outra característica importante, que pode ser destacada nos produtos da Braun, é o
conceito de sistema introduzido por Gugelot e mais tarde desenvolvido por Dieter Rams.
Discussão já levantada por Muthesius e desenvolvida, também, por Gropius. Gropius, em
1927, criou móveis unitários para a loja de departamentos Feder, em Berlim, onde o
sistema-design era utilizado. O sistema garantiria ao produto uma longevidade maior e uma
estruturação capaz de absorver o maior número de objetos, procurando estabelecer uma
ordem. Uma produção mais concentrada e racionalizada, uma sintonia perfeita com a
produção industrial. O conceito de sistema era desenvolvido por meio de partes elementares
que, ao serem conjugadas, formariam novas formas. Estas permitiriam um melhor
aproveitamento do espaço, uma multiplicidade de funções em um só produto, etc. Os
sistemas exigem formas elementares simples que combinassem entre si, e o uso de
elementos geométricos toma-se pertinente para o pleno sucesso de seus objetivos.
Esta característica marcadamente geométrica do sistema dos produtos da Braun foi
transferida para o design gráfico que possibilitou uma linguagem muito próxima à arte
concreta, além, é claro, de permitir a difusão de uma imagem sem que se perdessem as
características do produto. O conceito de imagem empresarial foi então ampliado devido às
novas condições do mercado, tomando-se, por exemplo, necessário uma presença
organizada da empresa.
A arte concreta era o movimento em voga. Max Bill, Tomás Maldonado, Friedrich
Vordemberge-Gildewart e Walter Zeischegg, professores da escola, possibilitavam esta
relação. A arte concreta não se interessava pela simbologia, concentrava-se na composição
29
plástica de suas pinturas por meio da racionalidade matemática. O fundo artístico pennitia
que se cultivasse nos alunos uma sensibilidade estética. O que aproximava o design da arte
concreta é, mais do que qualquer questão formal, segundo Gui Bonsiepe, uma
predisposição de um uso controlado dos meios visuais 29 .
Assim, pode-se perceber que os aspectos artístico, técnico, social e mercadológico
vão ser, cada um ao seu tempo e com valores diferentes, prioritários dentro de um projeto
de design. A atividade só será realmente encarada como tal, dentro da sociedade, a partir do
momento em que aspectos formais e técnicos se fundirem plenamente, sem que um
prevaleça sobre o outro estabelecendo um compromisso com o mercado e a produção
industrial. O designer não pode nunca ser encarado fora deste aspecto, pois ele é fruto do
desenvolvimento do desdobramento da Revolução Industrial. E, apesar das limitações, isso
realmente aconteceu no período sob a direção de Gropius na Bauhaus, após a saída de Itten.
Não se negam as vantagens e avanços conseguidos anteriormente a este período. Todos eles
aqui mencionados são de extrema importância, mas, ainda assim, não estabelecem a
verdadeira intenção projetual do design, pois ainda não estão perfeitamente inseridos na
produção industrial. Ou são muito artísticos ou muito técnicos, e, na verdade, deve-se
amalgamar os dois fatores, estabelecendo uma reciprocidade com a produção industrial, o
mercado e o usuário. Não se pode esquecer, que apesar de tudo, esta atividade foi criada
dentro de um sistema capitalista e sua manutenção só poderá ser feita de acordo com as
necessidades do mercado. Por isso, o seu desenvolvimento apresenta-se, ao longo desses
anos, cambiante, mas sem nunca perder o seu objetivo de formar uma cultura material, seja
ela menos ou mais formalista, menos ou mais funcional .
29 BONSIEPE, Gui. A tecnologia da tecnologia. São Paulo : Editora Edgard Blücher, 1983 . p.44.
30
O que é mais importante dentro dessas discussões é estabelecer a idéia que, de
qualquer maneira, o produto desta atividade será uma forma, e com ela a beleza, a
funcionalidade e o suprimento de uma necessidade anterior de sua formação. E, assim,
estabelecer, pela sua forma, aspectos pertinentes dentro de sua gênese brasileira com as
doutrinas teóricas e formais da Arte Concreta. A ligação com a arte é estabelecida dentro de
um movimento que se coloca como constituidor de produtos. Movimento gerado de uma
necessidade de tomar a linguagem mais objetiva, almejando um reconhecimento social.
A partir dos próximos capítulos procura-se-á elucidar como este relacionamento entre
o movimento concreto nacional e o surgimento do design foi estabelecido,tendo como
exemplo o trabalho de Geraldo de Barros. Mas, de antemão, fica aqui manifestado a grande
importância dos movimentos artísticos moderno e de vanguarda dentro do desenvolvimento
de nossa cultura material seja ela oriunda de um designer ou não.
3. UMA INTRODUÇÃO A ESTÉTICA DO DESIGN GRÁFICO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A palavra estética é usada de várias maneiras. Ela é incorporada ao cotidiano em
expressões que se referem à beleza fisica e abrange desde um corte de cabelo e uma
maquiagem bem feita até a estética corporal definida por meio de exercícios de ginástica ou
por intervenções cirúrgicas. Saindo do corpo humano, a palavra estética é, ainda,
incorporada ao dia-a-dia e associada às expressões como senso estético, arranjo de flores
estético ou decoração estética. Todas estas expressões remetem à noção de beleza ou, pelo
menos, à noção de algo agradável.
Na arte, a palavra estética é usada, muitas vezes, como substituição à palavra estilo,
que designa um conjunto de características formais que a arte assume em um determinado
período. Pode-se encontrar, então, expressões como: estética clássica e estética
renascentista, por exemplo. Na filosofia sob o nome da estética enquadra-se um ramo que
estuda racionalmente o belo e o sentimento que suscita nos homens 30 .
Assim, a estética aparece ligada à noção de beleza. E é por isso que a arte vai ocupar
um lugar privilegiado na reflexão estética, pois a arte é considerada como tendo a função
primordial de exprimir a beleza de modo sensível.
30 ARANHA.Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando : introdução a filosofia. São Paulo : Moderna, 1993 . p.341.
32
Etimologicamente, a palavra estética vem do grego aisthesis que quer dizer
sensibilidade. A Filosofia da Arte designa originalmente a sensibilidade (..) como tendo o
duplo signtficado de conhecimento sensível (percepção) e de aspecto sensível da nossa
afetividade 31. Sendo o objeto aquele que se oferece à sensibilidade e à percepção: a ligação
entre estética e arte acaba se tomando ainda mais estreita.
Chega-se, então, à definição do belo. O que é o belo? De Platão aos dias de hoje o
conceito de belo passou por vários estudos . Platão, por exemplo, achava que a beleza era
única idéia que resplandece no mundo. O belo não está contido em nenhum objeto. Na
origem de toda beleza deve haver uma primeira beleza que pela sua presença toma bela as
coisas que designamos por belas, qualquer que seja o modo como se faz esta
comunicação32 . O belo não é uma dádiva da vida. Não existe no mundo terrestre. O belo
em si é intangível, mas é dele que se deve aproximar.
Seria inútil buscar em Platão um sistema estético inteiramente constituído, o que se
tem é uma base. Diferente de Platão, Aristóteles não hesita em caracterizar o belo.
Um ser ou uma coisa composta por partes diversas não pode ter beleza se os seus componentes não estiverem dispostos numa certa ordem e se não tiverem, além disso, uma dimensão que não seja arbitrária, pois o belo consiste na ordem e na grandeza 33
.
Aristóteles acrescenta ainda na definição de belo a determinação, a simetria e a
unidade. O belo é um arranjo estrutural de um mundo visto em seu melhor aspecto. Não se
trata de ver as coisas como elas são mas como deveriam ser. A arte está sempre acima ou
abaixo da natureza, nunca na justa medida.
31 HUISMAN, Denis. A Estética. Lisboa : Edições 70, 1981. p.9. 32 HUISMAN. Denis. Op.cit. p.16. 33 HUISMAN. Denis. Op.cit. p.26.
33
Se Platão procura o belo no mundo das idéias: um arquétipo eterno, uma.forma pura,
exterior à razão que a concebe 34, Aristóteles procura-o no próprio homem, para ele não há
ideal extra-humano, tudo parte do homem. O belo está ligado à razão humana A arte é uma
certa faculdade de produzir, dirigida pela razão verdadeira 35.
Para Platão, a arte é uma descoberta feita por modelos antigos. Para Aristóteles, a
arte é uma produção criadora de formas novas, onde nenhuma foi conhecida anteriormente,
e, portanto produzida pelo homem.
Já Kant parte da relação entre objeto e sujeito para definir o belo. Para ele, o objeto é
uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O juízo estético, portanto, parte do
sentimento do fruidor e não do conceito do objeto. O belo, então, é uma qualidade que se
atribui ao objeto após uma projeção dos sentimentos em relação a esse mesmo objeto, logo
não se pode ter uma definição de belo ou regras que estabeleçam um padrão de beleza.
Porém, há a possibilidade de universalização do juízo de estética, pois, segundo Kant, as
condições subjetivas da faculdade de julgar são as mesmas em todos os homens 36.
Hegel vai adicionar mais um novo elemento : o tempo, o tempo histórico. A beleza
muda de face e de aspecto ao longo do tempo. Essa mudança, que se reflete na arte,
depende mais da cultura e da visão do mundo vigente do que de uma exigência interna do
belo. Para Hegel o belo é a manifestação sensível (forma) da idéia (conteúdo).
Finalmente, pela fenomenologia, a beleza é a qualidade de alguns objetos que se
prestam à percepção do fruidor. O objeto é belo, quando realiza o seu destino, é autêntico e
contém em si o seu valor. Não existem padrões, cada objeto "funciona" de acordo com a
sua natureza, possui o seu próprio tipo de beleza.
34 HUISMAN. Denis. Op.cit. p.27. 35 HUISMAN, Denis. Op.cit. p 27. 36 ARANHA.Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit. p.342.
A experiência estética é desinteressada, não Vtsa um interesse, um conhecimento
lógico, medido em termos de verdade. A experiência estética é a experiência da presença
tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe 37 .
Ao que se quer chegar com estas conceituações é que tanto o belo como a estética
estão muito interligados, e para que a estética aconteça é necessário a presença do belo,
apesar das suas inúmeras definições ( se é que se pode defini-lo). Mas algo em comum, em
todos os conceitos, pode ser tirado: o belo se refere ao prazer e a algo agradável.
A estética também foi vista como uma forma de ciência distinta da história, da critica
e da técnica e que seria o conhecimento buscado pelo prazer que decorre do fato de
conhecer(. . .) a todas as coisas conhecíveis e a todos os sujeitos capazes de conhecer com
desinteresse e de gozar desses conhecimentos 38. Sendo assim, a estética abrangeria muito
mais do que o campo das artes, mas tudo aquilo que gerasse prazer. Mas, para alguns, isso
seria insustentável pois a tomaria muito vasta. Portanto, deve-se entendê-la, apenas, como
filosofia da arte e nada mais.
Mas aí chega-se ao ponto crucial: o que é arte? Sem se aprofundar muito nesta
questão, onde por vezes outras questões, como o gosto, interferem na resposta, a arte é a
forma de organizar a experiência vivida em objeto de conhecimento por intermédio do
sentimento. Assim como o mito e a ciência são, também, modos de organização da
experiência humana, baseados na emoção e na razão, respectivamente. O sentimento, na sua
função de conhecimento, alcança a expressão. A expressão é o poder de emitir signos e de
exteriorizar uma interioridade, isto é, de manifestar o que o objeto é para si39 . Mas esta
expressão acontece por intermédio da linguagem artística que pode ser diferente de artista
para artista, como de uma arte para outra. Os elementos de composição da obra
37 ARANHAMaria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit. p.343. 38 HUISMAN. Denis. Op cit. p. l l 9. 39 ARANHAMaria Lúcia de Arruda, MARTINS. Maria Helena Pires. Op. cit. p.3..i7.
35
( cores,linhas, formas ... ) são condições do pensar artístico, momento do processo de
criação e parte integrante e constituinte da sua expressão40 que, junto com o me10, a
técnica e o estilo, formam a linguagem artística.
Então ao se ter como proposta a elaboração e análise da estética do design gráfico,
estes, como outros conceitos, têm que ser discutidos. Para que se concretize a percepção
estética são necessários dois elementos básicos: o objeto e o sujeito fiuidor.
O objeto será mais do que analisado, pois é a partir dele que o desenvolvimento do
trabalho se fará. Tendo como base o livro de GilloDorfles - "O Design Industrial e a sua
Estética" - o texto percorrerá um caminho onde se terá semelhanças e particularidades das
duas estéticas ( design industrial e design gráfico). A princípio duas atividades muito
próximas oriundas da Revolução Industrial.
Mas o que toma a estética do design gráfico ainda mais distinta é a estrutura de sua
linguagem e por conseguinte de seus elementos de composição. Na estética industrial seria
muito difícil determinar todos os seus componentes pois o conjunto que abrange os objetos
tridimensionais, é bem maior do que abrange os bidimensionais. E mesmo dentro dos
suportes bidimensionais a estrutura é mais homogênea, possibilitando a formação de uma
estrutura capaz de se comportar da mesma maneira em diferentes suportes ( cartaz, capa de
livro, capa de disco, revistas etc) respeitando as suas proporções e limites.
Muito se discutiu a respeito da obra de arte ser considerada um objeto sem um fim.
Criaram-se até mesmo classificações onde a qualidade de utilitário era um componente para
a sua avaliação.Neste século, teve-se a noção de que não há uma finalidade para obra de
arte como acontecia em outros tempos. Antes a arte servia para contar uma história,
rememorar um fato importante, despertar sentimentos religiosos e cívicos e mesmo
"0 ARANHAMaria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit. p.347.
36
conceder status ao proprietário da obra. Hoje ela é vista, em sua grande maioria, como
objeto propiciador de uma experiência estética por seus valores intrínsecos41. Mas será
que, mesmo ainda hoje, a arte não tem um fim? Por menor que ele seja, de um modo
subjacente à própria obra? Será que a obra de arte só tem por "finalidade" a fruição
estética? E além disso como fica o artista? O artista não está sempre em busca de um
aperfeiçoamento técnico ou artístico quanto de um aperfeiçoamento interior? Será que não
existem "finalidades" diferentes para o espectador e o artista? E quando o artista quer
passar uma mensagem social, política ou religiosa, intencionando uma reflexão ao
espectador, não teria uma finalidade esta obra?
Dentro deste contexto, o grupo de objetos, que formam a atividade do design gráfico,
pode ser considerado: artístico, quando lhe são facultados a expressão e o sentimento;
portador de uma linguagem, por ser composto de uma estrutura própria e passar uma
mensagem (não se deve esquecer que tem por finalidade a comunicação visual); belo, no
mínimo pela linha fenomenológica onde não existem padrões, cada objeto ''funciona" de
acordo com a sua natureza; e, por fim, por ser artístico e belo, logo merecedor de uma
estética própria.
Esta estética é, portanto, diferenciada em relação a contextos culturais específicos,
pois segundo Gustavo Amarante Bonfim citando François Burkhardt, a legitimidade do
estético não se alcançaria através do padrão, como pretendia o jimcionalismo, mas
justamente pela autenticidade das diferentes linguagens estéticas42.
Não há dúvida que existem diferenças entre um cartaz, uma capa de livro e uma
revista, para uma pintura ou gravura, por exemplo. Talvez possa parecer contraditório, mas
não o é, a diferença entre os dois é que no primero grupo tem-se, a priori, a finalidade da
41 ARANHAMaria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Op. cit. p.350. 42 BONFIM, Gustavo Amarante. A Atualidade do Estético. Design & Interiores. São Paulo. n. 33 : RAL, jan 1993, p. 77. '
37
informação. O objeto gráfico foi criado para uma fruição prática e estética imediata e
estritamente vinculada ao seu uso, e a obra de arte, neste século, a princípio, apenas a
fruição estética. Este coeficiente estético que os dois grupos contêm não é esgotável em
uma única leitura. Essa característica de inesgotabilidade permite que as obras de arte não
envelheçam nem se tomem ultrapassadas43. Talvez a finalidade do objeto gráfico esteja
muito mais clara para o receptor, ela é de ordem prática. E na obra de arte esta finalidade
demora a ser esclarecida, ou, então, se confunde com a informação semântica. Pode-se
denominar que no objeto gráfico a finalidade é prática ( é uma mensagem rápida : é a
imagem da história de um filme ou de um livro, por exemplo), e na arte a "finalidade" é
mais reflexiva ( é uma mensagem que as vezes não se revela imediatamente). Isto ficará
mais claro quando forem definidas as informações semântica e estética tanto na obra de arte
como no objeto gráfico.
Já o objeto gráfico, apesar de possuir o coeficiente estético, se toma esgotável devido
ao coeficiente semântico. Não se toma, como a obra de arte, tão eterna, pois os dois
coeficientes estão estreitamente ligados e acabam provocando uma interferência de um para
o outro. Por isso, o conceito do novo será muito importante para esta comunicação, entre o
objeto e o fruidor, que permitirá a sua revigoração.
A estética de Gillo Dorfles
Gustavo Amarante Bonfim, historiando o design, concluiu não haver uma teoria geral
para o design visto que ainda hoje a atividade continua utilizando teorias que toma
43 ARANHAMaria Lúcia de Arruda. MARTINS. Maria Helena Pires. Op. cit. p.355 .
38
emprestado de outras ciências. De fato, o designer só alcançou autonomia como atividade
independente com a substituição da arte, da tradição artesanal e da maestria dos artesões,
pela ciência44 , conforme pode-se verificar na Bauhaus, onde os professores se apoiavam
em teorias da forma e da cor para solucionar problemas de projeto. Esta autonomia
prolongou-se na escola de Ulm, com a introdução de disciplinas como ergonomia,
psicologia e semiótica entre outras, valendo-se do estatuto científico atribuído ao design e
distanciando das outras práticas intuitivas na criação de objetos. Segundo Bonfim, o design
chega aos nossos dias, sofrendo do mesmo mal-estar que se abateu sobre o paradigma da
ciência moderna. Manifestado na produção de objetos que desconsidera o conhecimento
científico voltado para o bem-estar - entende-se aqui o objeto cuja função não é respeitada,
como por exemplo: para uma cadeira a funcionalidade é decorrente do conforto do usuário
ao sentá-la - e considerando os sentimentos e os mitos como ingredientes fundamentais na
configuração de tudo aquilo que a ciência moderna procurou se afastar 45. Bonfim
exemplifica com objetos cuja a finalidade aproxima-se mais da ilusão e da sedução, por
meio de seu aspecto visual, do que o seu bom desempenho. Acrescenta, ainda, mais um
item nesta discussão: a interdisciplinaridade do design. Afirma que não há como um aluno
ter todos os conhecimentos de todas as áreas onde possa haver um contato com o design. E
aí questiona: se o design reclama para si estatuto científico e multidisciplinar, por que não
existe ainda hoje uma "teoria geral do design ", que favoreça o trânsito de conhecimentos
científicos e que possa fundamentar a práxis? 46. Então, o design por não possuir uma
"sociologia" e "estética", por exemplo, que permitiriam uma relação entre ciências gerais e
uma atividade específica, utiliza-se teorias que toma emprestado de várias ciências.
44 BONFIM. Gustavo Amarante. Teoria ou senso comum? Design & Interiores. São Paulo, n 42 : RAL, ago.1994, p. 104. 45 BONFIM. Gustavo Amarante. Teoria ou senso comum? Op.cit, p. 104 46 BONFIM. Gustavo Amarante. Teoria ou senso comum? Op.cit, p.105
39
Talvez a falta de uma teoria faça com que esta atividade seja tão frágil e fique a mercê
de interpretações que não são verdadeiras, ou pelo menos não completamente. Indo ao
encontro de Bonfim, outro teórico, Gui Bonsiepe afirma não poder definir a sua estética
por haver uma ausência de valores que determinem com mais precisão as características
deste produto. E afirma que design não é arte e nem ciência. Design é uma intervenção
concreta numa realidade para criar, desenvolver e produzir. Pode existir, sim, um discurso
científico sobre design, mas design não é ciência47.
O sociólogo e ensaísta do jornal a ''Folha de São Paulo", Robert Kurz, engloba todos
os produtos e determina uma estética: a estética da mercadoria. Esta distingue-se da estética
das obras de arte que procura superar a contradição entre forma e conteúdo - e isso pela
insistente tentativa de emprestar "à própria coisa" uma expressão sensível imediata 48.
Então, atribui-se unicidade à obra de arte, mesmo que se possa reproduzi-la tecnicamente.
A obra de arte é uma combinação entre forma e conteúdo. A estética da mercadoria,
segundo o autor, é design: não expressão da própria coisa, mas roupagem de sua
universalidade abstrata como representação da compra e venda, e, nesse sentido, tudo
menos inconfundível 49. Para o sociólogo o design é uma imagem falsa do objeto, ou pelo
menos uma imagem representativa daquilo que constitui no mercado.
Não importa se o consumo é real ou só se dá na imaginação: os objetos do desejo transformam-se em peças de culto. Quanto mais irrelevantes se tomam os indivíduos, mais relevantes passam a ser os objetos indiferentes das necessidades diárias 50
.
~7 BONSIEPE. Gui. O futuro do design na América Latina. Design & Interiores,.São Paulo. n 16 : Projeto
Editores Associados, out. 1989, p.140. ~
8 KURZ, Robert. A estetização da crise. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Mais. 23 nov. 1997. p.3. ~
9 KURZ. Robert. A estetização da crise. Op.cit. 5° KURZ. Robert. A estetização da crise. Op.cit.
40
Segundo Kurz, o sistema da economia de mercado tende a dissolver todo o conteúdo
em forma, mas esta forma é regida pelo sistema capitalista que impõe os produtos aos
consumidores que os legitimam, logo são vítimas e autores desta cena. Consumindo tais
mercadorias logo estará ligado ao que elas representam dentro da sociedade de consumo.
Os objetos são esvaziados de todo conteúdo e absorvem a carga de uma forma vazia e
ilusória, objetos de culto, objetos que têm como único valor existencial o consumo.
Como o conteúdo material e sensível da mercadoria capitalista não se sustenta sozinho, mas figura apenas como suporte indiferente do valor econômico, assim também a forma do design não possui uma importância estética própria, mas indica uma função para além de seu vínculo com a matéria casual 11
.
Assim, confirma a definição dos objetos contemporâneos feita por Gustavo Amarante
Bonfim, os quais são configurados pelos mitos e pelas simbologias que os legitimam. Com
isto, segundo Kurz, o design não é questão de arte, mas de marketing.
Porém, tanto Bonfim como Kurz configuram o objeto, design, ora dentro de um
panorama abrangente não fazendo distinções entre os objetos de boa ou má qualidade~ ora
dentro de um panorama específico onde são empregadas diretrizes mercadológicas. Os
autores dispensam qualquer valor formal intríseco do objeto e o julgam apenas por suas
condicionantes prático-funcionais.
Segundo Gillo Dorfles, podem-se encontrar, em alguns postulados de Kant e, antes
ainda, nos empiristas ingleses, os antecedentes para a elaboração de uma teoria sobre o
design industrial. Para Kant, o belo não deve ser entendido como perfeição e deve ser
acrescido à sua teoria a idéia de gerar uma finalidade, sem que esta necessariamente esteja
representada
Para além da beleza pura (pulchritudo vaga), existe para o filósofo alemão a beleza aderente (adhaerens), ou seja, a beleza que implica também o fim que a
51 KURZ, Robert. A estetização da crise. Op.cit.
coisa deve servir ( e é sabido que para Kant a finalidade é o princípio a priori da faculdade estética)52
.
41
Portanto, dentro da filosofia kantiana existem duas belezas constituintes no objeto,
uma que define a sua finalidade e a outra que manifesta a sua forma. Além do que existem
várias finalidades específicas no objeto tendo que ser devidamente explicitadas. Estas
finalidades não são só oriundas do objeto - a beleza aderente de Kant - mas projetadas pelo
usuário como a necessidade de associar o objeto aos vários fatores como: poder, status,
sedução, etc - os mitos e os sentimentos segundo Bonfim. A beleza pura de Kant, a
qualidade sensível do objeto, pode ajudar a conceber uma nova finalidade, adquirida dentro
de um contexto maior que implica fatores culturais, econômicos e psicológicos. Esta
finalidade pode transformar-se em uma finalidade que sumplantaria a própria beleza
aderente do objeto. Neste rumo chegar-se-ia à forma de um objeto no qual os fatores
econômicos, culturais e psicológicos aplicados a ele , por vezes, são condicionantes
essências a sua existência dentro do mercado de consumo. Deve-se tomar atenção para
nunca deixar de associar estes objetos dentro do mercado de consumo, pois eles foram
feitos para isso, mas, também, não se pode ignorar a sua qualidade sensível e para tanto
analisá-lo fora deste mesmo mercado. A mesma coisa acontece com a obra de arte que
também passa por análises dentro e fora do mercado a que está constituída.
Contrariando os autores citados anteriormente, Gillo Dorfles define uma estética para
o design industrial. Mas deve-se entender que esta não lhe confere uma totalidade, pois,
como já foi visto, existe muita coisa a ser explicada, e nem todas as coisas ditas e
defendidas estão livres de novos conceitos e valores. Ela é elucidativa para distinguir o
52 DORLFES. Gillo. O Design Industrial e a sua estética. Lisboa : Editorial Presença. 1978. p 7
42
objeto feito por um designer - logo um design - de uma obra de arte e de um artesanato,
por exemplo.
Dorfles começa definindo algumas características pertencentes ao objeto industrial: o
seu caráter de série (. .. ) , a sua produção mecânica (...) e a presença nele de um
coeficiente estético que se deve ao projeto inicial e não a posterior intervenção manual de
um artífice 53. Estas, perfeitamente, podem ser transferidas para o objeto gráfico, isto é,
para o produto do design gráfico, visto que, para tanto, se tem uma produção mecanizada
em série e um coeficiente estético também.
Portanto, segundo ele, não se deve considerar o design industrial como uma doutrina
relativa a um setor que tenha existido desde sempre: o do objeto utilitário. E,enfatiza, que
ao objeto, pertencente à categoria de design, deve ser facultado uma intenção artística logo
na fase de projeto ( apesar de ser dificil definir valores para a sua esteticidade).
Mas haverá casos em que objetos produzidos manualmente ou industrialmente estarão
providos de uma esteticidade involuntária, cumprindo além de uma função prático-utilitária,
uma função estética. É o caso dos utensílios pré-históricos criados manualmente ou com
alguma intervenção mecânica que, portanto, não podem ser considerados dentro da
categoria de objetos de design, e de peças industriais modulares, estandartizadas que viriam
constituir, até mesmo, matrizes de um novo estilo. Fica claro que os objetos pertencentes à
categoria de design são aqueles que somada as características ditas acima ( caráter seriado,
produção mecanizada e coeficiente estético) surgiram a partir da Revolução Industrial.
Gillo Dorfles não compartilha a mesma opinião de alguns teóricos que definem o
design como um objeto que deve ser apenas útil e funcional. Para ele, objetos "inúteis",
53 DORLFES. Gillo. Op. cit. p.10.
43
puramente ornamentais, produzidos mecanicamente, podem ser considerados também como
produtos de design.
Para não haver confusões referentes a classificação de um objeto ( seja ele um avião
ou uma agulha) pertencente ao design, Gillo Dorfles esclarece a definição de série como
sendo aquela que permite uma reprodução. Logo, pode haver uma série de apenas um
objeto, um protótipo de um avião ou locomotiva que se toma o único elemento da série,
mas que não deixa de ser um produto em série, apesar de ser único, e, portanto, um design.
O seu caráter de produção mecanizada em série é que o diferencia da produção
artesanal. Apesar de ter em seu processo de produção algumas intervenções da máquina, o
artesanato é um produto feito à mão. Os objetos da produção artesanal não são idênticos
entre si, sempre haverá um "quê" qualquer diferente. E esta diferença é a própria essência
da forma artística. No design, esta diferença é considerada erro de fabricação e portanto
invalidada dentro do processo de produção. A obra do artista, na peça de artesanato,
explica-se no ''final" da execusão, ao passo que na peça industrial se explica no
" · , · ,,54 ll11CIO .
Por muito tempo, a estética também esteve vinculada às características formais de
uma obra de arte de uma determinada época, inclusive, entre setores artísticos muito
diferentes (música, arquitetura, poesia). Os processos de produção estimularam a criação do
artista e subordinaram-no às novas razões do devir da obra de arte e do objeto industrial.
Assim aconteceu, por exemplo, com o Art Nouveau, onde o fascínio dos resultados obtidos
pela técnica do trabalho com o ferro (maleabilidade e força) conjugaram os coeficientes
estéticos e técnicos repercutindo, por meio de suas formas, em quase todos os setores
artísticos.
54 OORFLES. Gillo. Op. cit. p.24
44
Segundo Gillo Dorfles, tem-se afirmado que a obra de arte deve ser considerada
"simbólica" de algo, concretamente, como "simbólica do sentimento " humano55. Dorfles
transfere este simbolismo para o objeto industrial, que, segundo ele, poderia ser entendido
como o elemento funcional, a funcionalidade do objeto, a beleza aderente de Kant. E é por
meio das qualidades formais do objeto que se chega a este simbolismo, ao seu aspecto
funcional.
Quase todos os objetos industriais ( ... ) contêm algumas qualidades fonnais que simbolizam a sua função ou, se preferinnos, certos elementos "semânticos" aptos a torná-los mais facilmente identificáveis ' 6
.
Acontece, também, a exaltação da funcionalidade do objeto, criando, por exemplo,
formas aerodinâmicas para enfatizar a qualidade de velocidade de um carro, ou criando
formas que pennitam qualificá-lo como nobre ou merecedor de estar em um detenninado
ambiente da casa, pronto para ser admirado.
O mesmo acontece com os objetos gráficos. Mas, neste caso, deve-se substituir a
tenninologia usada por Gillo Dorfles para designar o simbolismo do objeto ( elemento
funcional) por um termo mais preciso, como elemento informativo ou comunicativo, pois a
funcão do objeto gráfico é precisamente informar. Logo, as cores, imagens, formas,
proporções . . . de um objeto gráfico prestam para chamar a atenção, como, também,
enfatizar a sua mensagem e os seus conteúdos intrínsecos (social, religioso, econômico,
erótico ... ).
Gillo Dorfles alega que é justamente no elemento simbólico ( referente ao design
industrial) que se encontra a causa principal de mudanças formais. Não há dúvida de que o
55 DORFLES, Gillo. Op. cit. p 43 56 DORFLES, Gillo. Op. cit. p.45.
45
objeto de uso está sujeito como nenhum outro à rapidez do consumo e a tomar-se obsoleto
e, por isso mesmo, exposto a uma constante instabilidade formal 57 .
Tanto o objeto resultado do design industrial como o do design gráfico estão sujeitos
à instabilidade formal. Eles são componentes de um sistema onde cada vez mais a produção
e, consequentemente, a venda (direta ou indireta) desses produtos são fatores primordiais.
Sendo produto, o design envelhece, por moda ou pela função e a manutenção constante de
sua "utilidade" é essencial. Portanto, é necessário usar artifícios formais para agradar aos
milhares de consumidores. Um exemplo histórico foi o caso de um movimento originário
nos EUA onde os designers tinham como tarefa estudar uma maneira de tomar desejáveis
os produtos já gastos pelo uso, e tendo, ainda, os resultados da crise econômica de 1929
como pano de fundo. Este movimento, denominado styling, tinha como função modelar o
produto independentemente de qualquer razão de ordem técnica e funcional.
Um dos grandes difusores do styling foi o francês, naturalizado americano, Raymond
Loewy. Ele acreditava qua a forma não deveria estar eternamente ligada à utilidade ou
funcionalidade. Loewy pregava a eterna renovação das formas associada à publicidade, para
aumentar o consumo e driblar a crise de vendas no setor comercial. O styling era
desprezado pelos europeus, que por esta época preferiam estabelecer as caracteristicas de
seus produtos de acordo com os princípios bauhausianos da forma e função.
Um dos inúmeros projetos que fez para ''vestir" os produtos americanos com uma
nova roupagem foi o "redesign" do maço de cigarros Lucky Strike na década de 40. Ele
teria sido contratado para solucionar a vertiginosa queda de vendas do produto. O industrial
acreditava que com uma nova ''fisionomia" poderia recuperar as vendas. O maço original
consistia em um grande disco vermelho com seu perímetro dourado, rodeado por um
57 DORFLES. Gillo. Op. cit. p. 60.
46
círculo preto sobre um fundo verde e no meio do disco o nome do cigarro. Raymond
retirou o verde do fundo ( o tom era idêntico do que era usado pelo exército americano},
preferindo um fundo branco para estimular a sensação de pureza e limpeza~ eliminou alguns
fios e aplicou as modificações nos dois lados do maço (anteriormente só utilizavam um dos
lados do maço para aplicação de sua marca). Apoiado por uma campanha publicitária cujo
slogan apelava para o patriotismo dos consumidores - "o verde foi para guerra" -
conseguiu aumentar as vendas do cigarro.
Recentemente teve-se, também, o "redesign" do jornal "O Globo" feito por dois
americanos, Milton Glaser e Walter Bernard. Apesar da clareza e facilidade de leitura ter
sido a justificativa para o uso de uma nova tipologia e de uma diagramação hierarquizada, o
que se percebe é um "rejuvenescimento" do aspecto visual do jornal. Isto, de forma alguma,
anula as justificativas claras e honestas dos designers, mas, num setor como os meios de
comunicação, a reciclagem é quase que diária. No meio em que está instituído é preciso
haver sintonia com o que se passa ao seu redor, é necessário velocidade e modernidade,
sinônimos de uma boa comunicação. A informação é rápida e mutável, a cada dia novas
notícias são impressas no jornal, e de certa forma o veículo de informação tem que
visualizar a sua eficiência frente aos seus concorrentes.
O aspecto do novo, além de suscitar a curiosidade dos leitores, transmite, também, no
caso do jornal, que este veículo de informação acompanha as modificações por que passa o
mundo - como sugere o outdoor referente à primeira edição com o novo projeto gráfico: "o
mundo está mudando".
Por mais que um novo "visual" possa suscitar apenas uma nova "maquiagem", os
recursos adotados, tanto para o exemplo do maço de cigarro como para o do jornal, têm em
si aspectos de projeto que interferem no seu resultado frente ao consumidor. A simbologia
47
das cores e a clareza das tipologias, permitindo uma maior legibilidade, estão a frente de
qualquer aspecto formal simples e puro. E , no caso da embalagem do cigarro, um outro
fator determinante demonstra que não é aleatório e, nem mesmo, apenas ilusório o recurso
adotado pelo designer ao retirar a cor verde do maço. Na época o pigmento verde, o
mesmo tom dos uniformes dos soldados americanos, estava muito difícil de ser encontrado
no mercado, e a escolha pelo branco foi muito oportuna. O resultado cromático permitiu
conjugar fatores simbólicos e técnicos à embalagem.
Mas ao mesmo tempo em que este objeto se toma novo em sua forma,
automaticamente, se diferencia dos demais. Isto toma-se positivo a partir do momento em
que se destaca no conjunto de objetos de sua mesma categoria, possibilitando um
reconhecimento imediato sem causar qualquer tipo de confusão. E, além disso, está na
essência do homem o fascínio pela diferenciação.
( .. . ) o fato de recorrer a objetos "diferentes" que nem todos possuem ou que de algum modo apresentam tais particularidades que o seu proprietário adquire, essa invejável superioridade que só o insólito, o novo e o inédito podem outorgar ~8
.
Esta questão de diferenciação muitas vezes cai no fenômeno de "fora de série". A
princípio, segundo Gillo Dorfles, este fenômeno seria oposto ao comportamento da moda,
em que os objetos adquirem valor pela sua exposição excessiva por meio do uso dos
consumidores, gerando um senso de gosto comum - o ''.fora de série" constitui um "não
conformismo" em relação ao gosto geralmente aceito 59 . Na verdade o "fora de série" não
iria contra o típico estilo do momento, mas o acentuaria. O modelo "fora de série" estaria
dentro do estilo vigente apenas realçando as suas qualidades formais por meio da própria
plástica ou, então, por meio de melhores materiais de produção. A sua essência não se
58 OORFLES. Gillo. Op. cit. p .. 56. 59 OORFLES. Gillo. Op. cit. p. 63
48
alteraria, por isso é, segundo Gillo Dorfles, considerado o último capítulo de uma
determinada moda 60 .
A tecnologia
Sem dúvida, as condições tecnológicas para a produção de um objeto industrial são
significativas no resultado formal e funcional do mesmo. Como já foi visto a tecnologia
acaba, às vezes, gerando um próprio estilo por meio de seus recursos, o caso da Art
Nouveau.
A fotografia, por exemplo, foi determinante para o questionamento da arte no final do
século passado, e o seu desenvolvimento possibilitou profundas transformações no ambiente
da produção gráfica. As experiências realizadas por fotógrafos como Man Ray ou Laszló
Moholy-Nagy, entre outros, foram importantes na medida que passaram a olhar o mundo de
uma outra maneira. A fotografia que até então tinha ocupado o lugar da pintura como janela
para o mundo, como representação mais peifeita do real (sem ter com isso algum valor
artístico), passa, nos anos 20, a criar, por meio de seus recursos, uma nova realidade, ou,
então, pelo menos a possibilidade de sua criação.
Man Ray dedicou-se a experimentações técnicas, explorando recursos como o efeito
sabatier (solarização), granulação, revelação em negativo e distorção. Assim como Laszló,
por exemplo, chegou ao limite do processo fotográfico eliminando até mesmo a máquina
fotográfica, trabalhando diretamente sobre o papel fotográfico e à luz. Man Ray, em 1922,
utilizou a mesma técnica a qual chamou de "rayografia". Sobre o papel fotográfico colocava
60 DORFLES, Gillo. Op. cit. p. 63
49
objetos e quando expostos a luz do amplificador geravam resultados geométricos e
abstratos como silhuetas brancas sobre fundo preto.
Paralelamente a estas experiências na elaboração da fotografia, surgia um movimento
como o Dadaísmo que repercutiu como fomentador de novas idéias. Idéias que eram bem
recebidas pelos artistas gráficos, especialmente os soviéticos que por essa época,
introduziam o recurso da fotomontagem, recurso usado, também, pelos dadaístas em seus
trabalhos.
A fotomontagem tem a sua origem no começo do século XIX em experiências de fotógrafos e foi revivida durante a I Grande Guerra Mundial por Georg Grosz e John Heartifield em seus trabalhos surrealistas, mas antes politicamente orientados dada 61
.
O movimento dadaísta foi apresentado em Moscou por intermédio de uma exposição
organizada pelo professor de arquitetura e artes gráficas da Escola de Belas Artes de
Vitebsk, El Lissitsky. Os artistas se identificaram com o movimento que em 1922 já era bem
conhecido. Com o Dadaísmo os artistas se libertaram das restrições retilíneas, dos tipos de
metal e da gravura, recursos tradicionais na produção gráfica. E reforçaram a idéia cubista
do uso da letra por si mesma como experiência visual. Mostrou, também, para o designers
quanto era representativo e importante o fator surpresa e a irreverência em um trabalho
gráfico (no caso o cartaz), substituindo a apatia visual.
O Construtivismo apropriou-se do irreal e da irreverência, dando um sentido de
ordem a esse novo recurso gráfico. A fotomontagem imediatamente se tomou o
instrumento dos artistas construtivistas e designers, que acreditavam que esse recurso
artístico estava relacionado com o desenvolvimento da cultura industrial.
61 EDW AROS. Gregory J. . The book of the international film poster. London : Tiger Books Interantional. 1988. p.40.
50
Somando-se a este fascínio dos recurso gráficos, o cmema repercutiria, também,
como uma nova tecnologia que transferiria aspectos de sua linguagem aos suportes gráficos
como: a fusão de imagens, o close up, o ritmo e o movimento. Ao tomar conhecimento dos
filmes, o público passou a olhar de uma maneira diferente, como se fosse uma câmera
cinemafotográfica. Os códigos cinematográficos (luz, planos, angulação e movimento de
câmera) eram incorporados aos trabalhos dos designers.
Hoje, com o advento do computador e a enorme possibilidade de recursos que ele
pemúte, desde as inúmeras fontes tipográficas e suas infinitas variações (dimensão,cor,
forma) até um vasto arquivo de imagens, os recursos precedentes somam-se a estes. Na
verdade os recursos são muito próximos (fusão e deformações de imagens, diagramação
assimétrica, tipologias variadas ... ) o que diferencia é a velocidade de execução, e a maneira
como o observador passa a ler tal informação. Com estas modificações percebe-se que há
uma modificação no comportamento do observador frente a estes veículos de informação,
pois ao contrário não se teria uma comunicação eficiente. A cada novo recurso de
representação de uma idéia, o observador aprende uma nova maneira de leitura, uma nova
linguagem. E é este o ponto mais importante da estética do design gráfico: a linguagem.
A comunicação
O mundo hoje é imensamente constituído por imagens. Grandes e pequenas como um
selo e um outdoor,ou tecnologicamente avançadas como as desenvolvidas por meio de
novas tecnologias, elas povoam o imaginário e o dia-a-dia contemporâneo. Em todas elas há
comunicação, pois possuem um significado e, consequentemente, passam uma mensagem
51
para quem as vê. A maioria destas comunicações são bidimensionais e gráficas, têm um
suporte plano e são constituídas de linhas, formas, cores, letras, signos. É o resultado do
design gráfico.
Por ser uma atividade relativamente nova, muitos profissionais, no início, a exerciam
autodidaticamente, tendo como apoio os conceitos clássicos de Belas Artes como
legitimação profissional. Há, como já foi visto, um coeficiente estético na elaboração de um
design gráfico, ainda que não possa chamar o designer de artista (no sentido convencional
do termo). O designer elabora o seu trabalho não só pelo aspecto formal, mas em dados
mais objetivos que se encontram nos campos econômico, técnico, social e ergonômico. Para
ele é importante que a mensagem transmitida seja clara e precisa, pois ao contrário seria
danoso para o usuário/leitor.
A comunicação visual constitui uma enorme quantidade de imagens, do desenho feito
a lápis às imagens geradas por computador; das imagens com formas abstratas às imagens
figurativas; das imagens estáticas às imagens em movimento. Compreende, enquanto
expressão gráfica, desde a forma do caracter de uma letra à diagramação de um jornal ou
revista, da legibilidade de uma palavra a todos os meios que facilitam e atraem a leitura da
mensagem.
Em todas as comunicações é preciso que a imagem utilizada seja compreensível por
todos da mesma maneira para que não haja uma confusão em sua mensagem. A objetividade
é a característica básica para todas as comunicações visuais, quanto mais preciso for a
mensagem mais rápida ela será lida pelo receptor. A comunicação visual é, em alguns casos,
o meio imprescindível para se passar uma mensagem, mas para o seu bom funcionamento é
preciso uma codificação precisa para que não haja falsas interpretações. Além do código
entre o emissor e o receptor, a comunicação ainda sofrerá a interferência do ambiente e dos
52
possíveis fatores que repercutem no próprio receptor, como por exemplo, o seu nível
cultural e o seu grau de instrução.
Para a Teoria da Informação não importa, a princípio, a significação da mensagem,
mas sim a quantidade de informação.
A significação é vista como algo dependente do juízo interpretativo, do juízo valorativo, da opinião, da subjetividade, sendo por isso mesmo deixada de lado por uma teoria que pretende ocupar-se apenas com dados objetivos capazes de serem transcritos quantitativamente numa linguagem (a numérica) "isenta" 62
.
Para tanto, o que importa é traduzir essa mensagem em uma relação numérica que
indicaria a quantidade de informação e não a qualidade de significação. É preciso também
considerar a informação como um elemento de dúvida e incerteza. Então, o que interessa
para uma análise informacional não é saber : o que diz uma mensagem, mas quantas
dúvidas ela elimina 63. Para a Teoria da Informação, a mensagem, antes de ter uma
signíficação, é a responsável pela redução das incertezas e eliminação de dúvidas,
promovendo uma alteração no comportamento do leitor, visto que a dúvida gera uma
incomodação nas pessoas.
A mensagem é um grupo ordenado de elementos da percepção extraídos de um
repertório e reunídos numa determinada estrutura. Sem dúvida estes três fatores,
ordem( ordenado), repertório e estrutura, são significativos para o resultado da teoria. O
primeiro deles, ordem, refere-se à arrumação dos elementos, que não estando ordenados de
acordo não cumprirão com a finalidade da mensagem. O segundo, repertório, refere-se aos
códigos, signos e elementos do sistema utilizados pelo indivíduo. Logo, existem vários
repertórios. O repertório da fonte emissora nunca poderá ser totalmente diferente do
62 NETTO, J. Teixeira Coelho. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo : Perspectiva. 1980. p.ll9. 63 NETTO, J. Teixeira Coelho. Op. cit. p. 120.
53
repertório da fonte receptora, pois, caso contrário, não haveria comunicação. E se por um
lado os dois repertórios forem idênticos, aquilo que chega ao receptor em nada alterará o
seu comportamento pois necessariamente já é coisa que ele conhece e que, se tivesse de
modificar-lhe o procedimento, já o teria feito anteriormente 64. O último fator, a estrutura,
é o modelo de comportamento desses elementos de percepção, de certa forma muito
próxima ao conceito de ordem.
Uma mensagem com um repertório vasto proporcionará um número de modificações
e, portanto, mais informação. Mas, segundo a Teoria da Informação, quanto maior o
repertório de uma mensagem menor será sua audiência. Isto significa que, apesar de um
grande repertório gerar um número maior de informação (maior número de modificações),
não atingirá a um grande número de pessoas. Por exemplo, obras abstratas, filmes de
Federico Fellini e concertos de uma orquestra sinfônica possuem uma audiência menor, em
comparação à pintura realista, filmes americanos ditos "comerciais" e shows de rock. O
repertório está ligado a questão cultural e a sua veiculação, e quando é atinge um número
maior de pessoas.
A informação está relacionada ao caráter de novidade da mensagem, podendo afirmar
que quanto maior o caráter de novidade maior será a sua informação, provocando maior
modificação no comportamento do receptor. O caráter de velho, do já conhecido, constitui
mensagens cujo único objetivo é a manutenção de um determinado estado.
A informação ideal é a que tende para um máximo de originalidade, porém quanto mais imprevisível for, menos será passível de apreensão por um receptor "médio" para o qual as mensagens surgem sempre como dependentes de uma ordem e para quem o novo, o original, surge incessantemente com nítidas características de desordem, confusão, "complexidade" 6
~ .
64 NETTO, J. Teixeira Coelho. Op. cit. p. 124. 65 NETTO. J. Teixeira Coelho. Op. cit. p. 131.
54
O novo surge sempre como um fator de desordem na estrutura preexistente, gerando
para o receptor um conflito. Esta informação totalmente original é chamada na Teoria da
Informação de entropia máxima. Ela é representada como a medida de desordem numa
estrutura original. A entropia mede parte da mensagem perdida, no processo de passagem
do emissor para o receptor, por uma série de razões entre as quais a diferença nos
respectivos repertórios 66 .
A Teoria da Informação desenvolveu um estudo a respeito da informação estética e
informação semântica constituídas pelos seus respectivos coeficientes. Para melhor
compreender, faz-se uma distinção nestas duas informações, que possuem ressalvas. A
primeira seria compreendida pelo sentimento e a segunda pela razão. Porém nesta distinção
é muito dificil de provar onde, em uma determinada mensagem, começa a informação
semântica e termina a informação estética, e vice-versa.
A informação semântica é apresentada como uma estruturação de signos previamentre
codificados e de domínio de um grupo de pessoas, e portadora de uma mensagem útil
( entenda-se como finalidade) para estes receptores. A informação estética seria vista como
o seu oposto que não possui uma mensagem traduzível. Mas na verdade o que ocorre é que
em uma determinada mensagem estas duas informações ( estética e semântica) existem,
bastando apenas priorizá-las. Mesmo em uma obra de arte onde a informação estética é
evidente, a semântica existe. No quadro Guemica, por exemplo, além de suas qualidades
plásticas que são do domínio da estética, Pablo Picasso procurou levar ao conhecimento das
pessoas o fato do bombardeio de uma cidade espanhola e, se não bastasse, transmitindo o
horror deste fato por meio das formas da pintura. Assim como no cartaz de um filme, por
exemplo, existe a informação semântica ( o título do filme, os nomes dos atores etc) e a
66 NETTO, J. Teixeira Coelho. Op. cit. p. 132.
55
informação estética ( combinações de cores, proporções e anumação dos elementos) que
não está isenta de uma significação.
Em certas obras de arte, a informação estética não se presta à alteração imediata do
comportamento de seus receptores (segundo a definição de mensagem já vista) e, sendo
assim, não se preocupa com a apresentação clara e precisa de significados. O que vale dizer
que não se deve procurar um significado para a arte ( comportamento comum do público em
geral).
A presença de um significado claro e de fácil entendimento é reconfortante e
tranquilizador para o receptor - e uma obra de arte deve por excelência incomodar;
· d 67 importunar; provocar o esassossego .
Mas se nestas obras a informação estética não prevê uma alteração imediata ela a fará
no futuro . A partir do momento em que este receptor passa a observá-la cada vez mais, vai
criando um repertório próprio que poderá alterar o seu comportamento. E esta
particularidade, este "autocodificar", faz com que a informação estética, a priori, não
necessite de códigos conhecidos. E por isso que não há um esgotamento tão rápido na
informação estética como há na informação semântica. Na informação estética são os
códigos particulares dos próprios receptores que permitirão a sua fruição, enquanto na
informação semântica deve haver um conjunto de códigos com normas preestabelecidas por
um determinado grupo de pessoas .
Este esgotamento semântico acaba interferindo na informação estética de um objeto
gráfico, por exemplo, intensificado, ainda, por pertencer a um sistema de consumo. Chega
se, então, ao fator de novidade que permitirá um novo interesse pelo objeto. No caso do
67 NEITO, J. Teixeira Coelho. Op. cit. p. 162.
56
objeto gráfico a novidade fomenta um interesse pela fruição prática(funcional) e estética
imediata, diretamente ligada a mensagem que quer passar.
É preciso salientar que diferentemente da obra de arte, o objeto gráfico tem como
função primordial passar uma informação, informação semântica. Caso este objeto não
respeite os códigos preestabelecidos ao grupo que vai servir, esta informação não é
compreendida, ou demora a sê-la. Porém, em alguns casos a informação semântica é muito
pequena e a informação estética acaba ocupando um lugar de destaque
A linguagem visual
Muitos foram os estudos para se desenvolver um sistema que definisse a linguagem
visual, tentando chegar a um entendimento perfeito entre emissor e receptor. Entre eles
pode-se destacar o estudo feito pela professora de comunicação da Boston University
School of Comunication, Donis A. Dondis, em seu livro "A Primer of Visual Literacy"
("Sintaxe da Linguagem Visual"). Dondis procura definir alguns critérios em sua
abordagem, partindo do princípio que todas as linguagens são sistemas de símbolos,
invenções ou refinamentos do que foram, em outros tempos, percepções do objeto dentro
de uma mentalidade despojada de imagens 68 e que não se deve estabelecer uma analogia
com as linguagens existentes.
A princípio constata que existe uma sintaxe visual e que ela possibilita, por meio de
seus elementos, um melhor entendimento da mensagem ou uma objetividade e velocidade
em sua compreensão. Este processo visual ainda sofre alterações de acordo com a
68 DONDIS. Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo : Martins Fontes, 1991, p.16.
57
percepção do receptor, a sua cultura, a sua educação,· o ambiente onde esta inserido,
tornando esse processo muito individual. O que leva, mais uma vez, a afirmar que:
O alfabetismo visual jamais poderá ser um sistema lógico e preciso quanto à linguagem. As linguagens são sistemas inventados pelo homem para codificar, annazenar e decodificar informações . Sua estrutura, portanto, tem uma lógica que o alfabetismo visual é incapaz de alcançar 69
.
Os elementos visuais estão constituídos em três níveis: representacional, abstrato e
simbólico. O nível representacional é tudo aquilo que identificamos no meio ambiente e
podemos reproduzir por meio de desenho, pintura, vídeo, fotografia, cinema etc. O nível
abstrato é a subestrutura daquilo que vemos seja natural ou intencional; e o nível simbólico
consiste num vasto grupo de sistemas constituídos de símbolos codificados que vão desde
os mais pródigos em detalhes representacionais até os completamente abstratos, e tão
desvinculados da informação identificável que é preciso aprendê-los da maneira como se
aprende uma língua. 70 Todos os três níveis são interligados e se sobrepõem. Quanto mais
representacional for a imagem mais específica será a sua referência, já na abstração será
mais geral e abrangente. Em termos visuais, a abstração procura sintetizar o signíficado,
assim como a simbologia aumenta o número de sua audiência, codificando os signos que
fazem parte de seu sistema, reduzindo os recursos para uma significação mais complexa.
Qualquer acontecimento visual é uma forma com um conteúdo, e este conteúdo é
influenciado pelas partes constituídas desta imagem e suas relações de composição com o
significado. Pode-se definir estes elementos básicos em ponto, linha, forma, direção, tom,
cor, textura, escala, dimensão e movimento. São usados de uma forma ampla em todas as
expressões visuais (pintura, ilustração, gravura, fotografia, design) . Porém, deve-se
69 OONDIS, Donis A.Op. cit., p. 19. 70 OONDIS, Donis A.Op. cit., p. 20.
58
observar que existem outros elementos mais específicos para análise de determinadas
expressões. Assim como existe para pintura um elemento próprio que é a topografia, no
design gráfico, também, há particularidades, como: diagramação e tipografia. Na verdade a
diagramação é uma base para o uso de todos os outros elementos da composição, e a
tipografia nada mais é do que o conjunto de letras do texto que está impresso no suporte
gráfico. A tipografia possui um papel tão importante que acaba se tornando um elemento
independente dentro de toda composição, permitindo uma análise particular.
Estes elementos são manipulados para compor a imagem por meio das técnicas de
comunicação visual. A mais importante, para a eficácia de uma mensagem visual, é a técnica
do contraste, que se manifesta numa relação de polaridade com a técnica oposta, a
harmonia.
As técnicas visuais são ordenadas por meio de polaridades pois assim comprovam a
importância dos meios de expressão visual. O que seria do conceito de mal se não houvesse
o do bom, ou o baixo sem o alto, o áspero sem o liso, e assim por diante. Sempre haverá
um referencial . Em todas as artes, o contraste é um instrumento de expressão, o meio para
destacar a intensão e simplificar a comunicação.
Embora a harmonia seja a polaridade do contraste, é preciso enfatizar que a
importância de ambos tem um significado mais profundo na totalidade do processo visual.
Ambas representam um processo contínuo e extremamente ativo no modo de percepção dos
elementos visuais, e, portanto, compreendem aquilo que vemos. O ser humano busca
constantemente a harmonia mas só a tem a partir do momento que obtem com clareza o
significado das coisas por meio do contraste. Pode-se ter contraste por meio da
composição, do tom, da cor, da forma e da escala. Seria impossível descrever todas as
técnicas visuais e defini-las com perfeição, pois, como já foi mencionado, a percepção é
59
muito particular. Entretanto, tendo istoem consideração cada técnica e seu oposto podem
ser definidas em termos de uma polaridade, sendo assim tem-se para a teçica do equilíbrio a
instabilidade, para a simetria a assimetria, para a minimização o exagero etc.
Portanto, o que se pretende ao estabelecer uma estética própria para o design é
permitir que se possa identificar e distinguir os objetos produzidos por designers dos outros
de outras formas de produção. Para tanto respeitou-se os postulados de Kant reforçados
pelas três características de Dorfles, sem contudo desprezar as críticas dos outros teóricos
como Bonfim ,Bonsiepe e Kurz. Ressalta-se que dentro do conjunto de objetos produzidos
por designers não existem apenas aqueles "funcionais" - aqui entendidos como
representação objetiva e eficaz de sua função - mas que existem também os objetos
concebidos para suprir anseios e fantasias do homem.
Design não é arte e nem ciência, mas utiliza-se de suas teorias e ténicas para resolver
os seus problemas. Assim como foi visto nas escolas alemãs Bauhaus e Ulm.
Além de conceituar o próprio objeto deve-se perceber as interferências de outros
fatores em seu processo de desenvolvimento como a tecnologia e como repercutirá na
comunicação manifestada em sua linguagem, passando a estabelcer novos parâmetros de
entendimento. E sendo assim o processo histórico determinará que estas tecnologias sejam
aprimoradas e suas linguagens formarão os seus próprios códigos dentro de um novo
repertório.
4. O DESIGN NO BRASIL E OS ANOS 50
O design tem sido encarado ao longo do tempo como três tipos distintos de prática e
conhecimento que, frequentemente, se mesclam. O primeiro, devido ao seu histórico, é
aquele que lhe é facultado um valor artístico. O segundo tipo é onde se encontra a
capacidade de criação e invenção conjugadas com a tecnologia e a produção industrial. E o
terceiro é a capacidade de gerenciamento e coordenação do projeto . Mas estes valores
atribuídos à atividade são frutos de seu próprio desenvolvimento, pois a atividade não
direcionou o seu campo de atuação para nenhum dos três tipos discriminados, estando
sempre envoldida com os três, podendo prevalecer um em detrimento dos outros.
Porém se a atuação do designer se torna esclarecedora hoje, ela não foi sempre assim.
Um dos grandes complicadores para uma definição perfeita da atividade, mal definida em
relação tanto às condições de acesso como às condições de exercício, foram os termos
empregados ao longo desses anos de sua existência no Brasil.
61
A nomenclatura
A definição do termo design é constantemente associada a valores puramente formais
e a fatores correspondentes a contemporaneidade o que acarreta, por vezes, uma imagem e
definição, se não falsa, inadequada e pouco abrangente, restrita, do que o termo na verdade
representa.
Por não existir na língua portuguesa o termo "desenho" abrangendo a noção de
"projeto" usa-se o termo inglês "design". Mas isto, no Brasil, não foi sempre assim. No
Projeto de Regulamentação Profissional aprovado no 1° Encontro Nacional de Desenhistas
Industriais em outubro de 1979, no Rio de Janeiro, a nomenclatura usada era Desenho
Industrial englobando as suas principais especializações : Desenho de Produto e
Programação Visual ( conhecida também como Comunicação Visual) . Sendo estas mesmas
nomenclaturas usadas para identificar a atividade no Ministério da Educação, vigorando
ainda nos curriculos escolares. Lamartine Oberg - professor de desenho, fundador da rede
de cursos Oberg que lecionou na ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial, de 1964 a
1968 - não concorda com o termo desde 1962, período em que foi criado um grupo de
trabalho pela Secretaria de Educação para estudar a implantação do curso de design no
estado da Guanabara. Segundo ele, este termo era inadequado e causaria dúvidas sendo o
mais apropriado "industrial design" ou simplesmente "design"71 .
Intensionando tomar a atividade mais clara sem tomá-la estrangeira - um produto ou
tecnologia importada - a designação Desenho Industrial foi usada paralelamente com o uso
do termo "design". Mas em 1988, em Florianópolis, no Encontro "O Ensino do Desenho
Industrial para os anos 90" foi proposta a mudança definitiva. Reunindo representantes de
71 NlEMEYER Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2A, 1997. p.26.
62
26 instituições de ensino superior que funcionavam no país o documento chamado "Carta
de Canasvieiras" propunha a mudança dos termos "desenho industrial", subdividido em
"desenho de produto" e "programação visual" ou "comunicação visual", por "design",
"design industrial" e "design gráfico" respectivamente, evitando as confusões que se
tomaram constantes em relação as outras atividades com nomes similares, como desenhistas
técnico, artístico, copista, arquitetônico e projetista .
Apesar de se insistir em não haver um termo em português que corresponda a palavra
inglesa "design", o que existe, na verdade, é uma questão conceituai da palavra desenho que
ao longo da nossa história reduziu o seu significado para o meio de representação. A
palavra desenho, cujo radical (de origem latina, o mesmo da palavra desígnio, e que
também originou o termo inglês design) contém, etimologicamente, o sentido projetivo 72 .
Tanto é que na língua portuguesa existe a palavra "debuxo", em desuso, que significa
traçar, que se refere ao desenho propriamente dito.
Reforçando, ainda mais, o desvio de significado da palavra "desenho", a história vai
tratar de associar o termo às características técnica e artística. O termo "desenho industrial",
ora substituído por "desenho técnico", já era de uso corrente a partir de 1850 para designar
a parte artística do ensino técnico.
Esses termos eram usados no século XIX para englobar vários tipos diferentes de desenho aplicados a fins práticos, dentre os quais cabe citar quatro categorias principais: o desenho geométrico, o desenho mecânico, o desenho de perspectiva feito com instrumentos e o desenho de padrões e ornamentos 73
.
Portanto, o termo "desenho industrial" era utilizado dentro de um contexto de "ensino
técnico-artístico", para delimitar a aplicação do recurso do desenho a um projeto artístico.
72 REDIG, Joaquim. Um encontro histórico. Design & Interiores, São Paulo. n 10 : Projeto Editores Associados, set/out 1988. p. 109. 73 DENIS. Rafael Cardoso. A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico. ln: 180 anos de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro : UFRJ. 1997.. p. 182.
63
Fica claro que a herança do termo vem para confundir e exprimir a atividade sem toda a sua
abrangência e conteúdo, restringindo-a a um recurso técnico-artístico, sendo, apenas, forma
de representação, desenho, e não projeto.
Reforçando o uso do termo "design" o Projeto de Lei nº 3515, de 1989, apresentado
pelo deputado Maurílio Ferreira Lima para a regulamentação do exercício da profissão,
caracterizava a atividade pelo desempenho de atividades especilizadas de caráter técnico
cientifico, criativo e artístico, visando a concepção e ao desenvolvimento de projetos e
mensagens visuais 74. Mais tarde ainda, o termo causaria confusão por não estar
oficialmente estabelecido, o que gerou problemas para os profissionais que se viram
ameaçados de ocupar o mesmo nível dos desenhistas de nível técnico, portanto sem curso
superior. A mobilização dos profissionais gerou um documento que foi encaminhado para
as autoridades competentes:
Design e Desenho são duas palavras porque exprimem dois conceitos diferentes. Urna delas é inglesa por não existir tradução equivalente em português, assim como não existe em italiano, francês, russo, japonês etc . Por isso se usa internacionalmente a palavra design, inglesa, mas cujo radical é latino, o mesmo de "desígnio" e "designação". Somente as línguas inglesa e espanhola possuem os dois tennos para os dois diferentes conceitos: drawíng e design, assim como dibujo e disefio significam, respectivamente, desenho e projeto. Desenho é basicamente representação e projeto é
· lm - 75 essenc1a ete concepçao .
O termo contudo ainda geraria confusões e, quando não se tomaria esclarecedor
dentro da sociedade brasileira, que insiste em usá-lo como conotação formal e efêmera,
seria entendido erroneamente como uma nova terminologia para designar desenho. Foi
assim entendida pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos
74 NIEMEYER, Lucy. Op. cit. p.24. 75 Trecho retirado de uma carta que foi enviada à Câmara dos deputados para a Conússão de Constituição, Justiça e de Redação assinada por todos os profissionais do Brasil, em virtude da possibilidade da aprovação do Projeto de Lei nº 2535/92 do deputado Mendes Thame que nivelaria a atividade como sendo igual a dos desenhistas em geral, sem nível superior.
64
Deputados, de 01 de julho de 1993, que com esta conclusão rejeitou o Projeto de Lei que
regulamentaria a profissão, pois já havia em tramitação um Projeto de Lei que tratava da
regulamentação de desenhista técnico, que, no entender desta Comissão, abrangeria,
também, os designers 76.
Apesar de todas estas confusões no uso do termo correto que expresse o verdadeiro
significado da atividade, o termo "design" é o mais apropriado e usado dentro do grupo de
profissionais atuantes. Mesmo sabendo que frequentemente este termo será confundido, ou
mesmo entendido, como expressão que designa algo puramente formal e epidérmico, não
há, entre os termos apresentados até agora, outro que forneça uma melhor definição para
esta atividade projetiva.
O ensino
O ensino do design esteve sempre muito ligado ao ensino artístico no Brasil. O seu
estabelecimento nas instituições de ensino é herança do período em que a técnica e a arte
eram vistas de forma a serem parceiras no desenvolvimento do país ou como meios distintos
de aprendizado que nunca poderiam ser conjugados. Mas a história foi mostrando que isso
poderia ser diferente e entre um obstáculo e outro o ensino técnico-artístico, o que muito se
assemelharia aos primórdios do design, foi sendo instituído. Porém, apenas na década de 50
é que se terá o sentido pleno da atividade em um curso criado em São Paulo pelas mãos do
italiano Pietro Maria Bardi. Trata-se do IAC, Instituto de Arte Contemporânea que duraria
76 NIEMEYER,Lucy. Op. cit. p.28
65
menos de 3 anos. Mas, antes disso, o que se pode observar é um interesse em conjugar arte
e técnica o que seria a essência do design.
Para a criação de uma escola de Arte no Brasil, no início do século XIX, foi trazido
da Europa o que se denominou Missão Artística Francesa. Este grupo, além dos artistas
renomados ligados a belas-artes, propriamente ditas, era constituído, em sua maioria, por
indivíduos ligados a ofícios mecânicos e industriais. Segundo o decreto de 1816 que
fundava a Escola Real das Ciências, Arte e Ofícios, o governo Real Português tinha como
intenção constituir o ensino artístico no Brasil com bases oficinais e industriais77.
Posteriormente, em 1820, este rumo seria desviado concentrando os ideais em uma
postura mais artística, sendo qualquer instrução mecânica ou de outra ordem técnica
dispensados definitivamente em 183 1. Este abandono da, então, Academia Imperial de
Belas Artes pelo ideal de 1816 - de conjugar o ensino artístico com o desenvolvimento
industrial - explica-se, em parte, pelas dificuldades econômicas que o Brasil enfrentava
neste período ( queda das exportações, queda nos preços do açúcar e algodão).
Mas um novo impulso se faria notar nos meados do século XIX. A Grande Exposição
de 1851, em Londres, alertaria para a necessidade de um ensino artístico para fins
industriais, um ensino técnico - de artes, de ofícios e de mecânica - , decretando o design
como fator determinante do sucesso dos produtos industrializados no mercado
internacional 78. Estas idéias repercutiriam por toda Europa e chegariam reflexos no Brasil.
Antes mesmo da Exposição de 1851, Araújo Porto-Alegre publicaria na revista
"Guanabara" um artigo onde defendia o ensino de ofícios em detrimento daquele de belas
artes. O resultado foi que, em 1854, Porto-Alegre toma-se-ia diretor da Academia Imperial
de Belas Artes e criaria novos estatutos que preveriam, entre outras coisas, a criação de um
77 DENIS, Rafael Cardoso. Op.cit. p. 184. 78 DENIS. Rafael Cardoso. Op.Cit. p. 186.
66
programa de ensino industrial. Os estatutos de 1855 criavam também a figura do 'aluno
Artífice ', distinguindo-o do 'aluno Artista' 79 . Isto, por um lado, recuperaria a intenção
inicial da Academia em conjugar o ensino com a indústria, mas, por outro, aumentaria a
distância entre artífice e artista, pois ao primeiro era vetado o ingresso em outras aulas que
não fossem as de ensino industrial. Em 1859 esta diferença ficou ainda mais clara com a
divisão em cursos diurno e noturno, cabendo ao último as disciplinas direcionadas aos
artífices. A partir de então outras instituições de ensino técnico-artístico no Brasil foram
surgindo como a escola industrial da SAIN ( l 871 ), as escolas-oficinas do Imperador da
Quinta da Boa Vista (1868) e em Santa Cruz (1885) e, a mais importante de todas elas, o
Liceu de Artes e Oficios (1858). O Liceu estruturou um curso mais completo do que a
Academia Imperial incluindo mecânica aplicada, música, arquitetura naval, françês e inglês,
estética, fisica e química 80. No Brasil, como em todo o mundo, havia uma grande projeção
do ensino técnico que não era compartilhado com o ensino acadêmico acusado de ser
corporativista e elitista. Porém dentro do contexto brasileiro os 30 anos de ensino técnico
dentro da Academia Imperial podem ser considerados como uma anomalia histórica,
gerada pelas condições muito particulares da política interna daquela casa na década de
1850 81.
Por iniciativa do professor Pietro Maria Bardi e sob a coordenação da arquiteta Lina
Bo Bardi foi criado o Instituto de Arte Contemporânea ( 1951) que funcionava no Museu de
Arte de São Paulo. O IAC, como era conhecido, promoveu neste mesmo ano um curso de
desenho industrial ( entende-se desenho industrial propriamente dito e comunicação visual) e
um curso de propaganda, este último tomar-se-ia mais tarde a Escola Superior de
79 DENIS, Rafael Cardoso. Op.Cit. p. 187. 80 DENIS, Rafael Cardoso. Op.Cit. p. 190. 81 DENIS, Rafael Cardoso. Op.Cit. p. 192.
67
Propaganda e Marketing. O curso de desenho industrial era inovador num país onde nem se
quer se conhecia esta atividade. Como disse certa vez Pietro Maria Bardi:
Logo descobri que em São Paulo, uma cidade de caráter industrial, não se falava em design. Então fundei uma escola de design ( ... ) Quando eu fundei a escola é que descobriram que existia o ensino de design. Não que eu tenha feito uma grande descoberta. Na Europa era um fato usual. Aqui precisava inventar tudo. O próprio Max Bill tinha muitas dificuldades em explicar aos alunos 82
.
Max Bill foi um dos professores convidados a dar palestras no curso. Pelo curso
lecionaram: Leopold Haar, Roberto Sambonet, Gregori Warchavchick, Lasar Segall, Klara
Hartoch ( que estudou na Bauhaus) entre outros, e passaram por ali alunos como:
Alexandre Wollner, Ludovico Martino, Mauríco Nogueria Lima, Antônio Maluf entre
outros. O curso teria a duração de 3 anos mas o convênio com a Prefeitura de São Paulo foi
insuficiente para garantir as verbas. Em compensação suas idéias foram abraçadas pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, FAU-USP, que incluiu em seu
currículo a cadeira de desenho industrial. Isso demarcaria uma cisão entre os arquitetos que
se habilitaram a produzir, também, design, e os próprios designers formados em cursos
próprios que não admitirão o exercício da atividade pelos arquitetos. Mas uma coisa deve
ficar clara, ambas, com algumas diferenças, são atividades de projeto, e o arquiteto ao longo
dos anos do século XX muito contribuiu para o desenvolvimento do design no Brasil.
Antes mesmo da F AU incluir o design em seu currículo, em 1962, o arquiteto João
Batista Vilanova Artigas fazia incursões pelo design em busca de produtos que fossem mais
adequados aos seus projetos arquitetônicos. Imbuído por este ideal, como professor da
F AU, sempre direcionou o compromisso social do arquiteto direcionando os seus alunos à
postura em que o arquiteto deveria estar sempre de acordo com o seu tempo, com uma
82 BARDI, Pietro Maria. apud LEON, Ethel. O Senhor MASP. Design & Interiores, São Paulo, n 18 : Projeto Editores Associados Ltda., fev/mar 1990. p.65.
68
linguagem autônoma e independente e portanto devendo criar, quando necessário,
acessórios para construir o seu espaço arquitetônico. O arquiteto deveria interagir o espaço
com o homem, procurando sempre uma tecnologia apropriada para tal. Os arquitetos
tiveram uma participação muito importante no desenvolvimento do design, especialmente
no que se refere aos acessórios para casa e o mobiliário.
Porém esta experiência, de incluir o desenho industrial dentro de uma Faculdade de
Arquitetura, não foi seguida pelas demais escolas do Brasil, cabendo apenas à F AU-USP
esta tarefa. A disciplina, também, não era suficiente para formar um profissional de
designer, havendo a necessidade de um curso próprio.
Outra tentativa ocorreu no Rio de Janeiro e também tendo como fomentador uma
instituição de arte, o Museu de Arte Moderna. Em 1952 o Museu inaugurou a sua sede
provisória no térreo do então Ministério da Educação, atual Palácio Gustavo Capanema.
Antes as instalações estavam concentradas em duas lojas que eram agências bancárias. E em
9 de janeiro de 1954, era inaugurada a pedra fundamental da nova e atual sede do Museu
projetada pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Teria sido de Max Bill a idéia de criar
uma escola de design, na nova sede, quando veio ao Brasil para integrar o júri da II Bienal
Internacional de São Paulo em 1953. A escola seguiria os moldes da escola de Ulm pois,
segundo Max Bense, Max Bill encontrara um ambiente de
simbiose perfeita de ideologias que favoreciam a identificação da escola de Ulm com o Rio de Janeiro: o positivismo ( JK, Brasília, ordem e progresso), o místico cuhural bem enraizado e a presença da arte concreta questionando valores acadêmicos 83
.
Em 1958 foi inaugurado a nova sede do MAM pelo então Presidente da República
Juscelino Kubitschek e apenas o bloco-escola onde ficaria o que se chamaria Escola Técnica
de Criação estava pronto. O bloco-escola serviu como instalações para o Museu ficando
83 NIEMEYER... Lucy. Op. cit. p.69.
69
adiado o projeto da Escola. Em seu discurso Juscelino enfatiza a importância do
aprendizado técnico e industrial conjugados aos valores artísticos para uma civilização
moderna, e o choque que a industrialização causa às atividades artesanais de
características artísticas não saberia encontrar compensação sem a cultura de valores
estéticos capazes de educar a mão do técnico e do operário 84. No final de 1959, os cursos
de Comunicação Visual ministrado por Otl Aicher e Tomas Maldonado e, mais tarde, o
curso de tipografia criativa ministrado por Aloísio Magalhães e Alexandre Wollner foram as
poucas coisas feitas em relação à criação da Escola. Apesar do entusiasmo dos seus
mentores, o espaço tisico reservado, o currículo e a composição do corpo docente
esboçada, o curso não tinha meios de viabilização, a não ser que contasse com uma
parceria, uma entidade que financiasse a realização do curso.
No início dos anos 60, Lamartine Oberg começaria uma viagem pela Europa a fim de
informar-se sobre os cursos de design. Com este trabalho, realizado com o apoio da Divisão
Cultural do Ministério das Relações Exteriores cujo chefe era Wladimir Murtinho, membro
do Conselho Deliberativo do MAM, Oberg entrevistou vários arquitetos, desenhistas
industriais e professores, como por exemplo Tomas Maldonado; e visitou escolas em dez
países, inclusive a escola de Ulm. Em seu relatório, entregue em 1961, constava uma
entrevista com Max Bill onde o entrevistado deixava registrada a sua opinião sobre a
criação de uma escola de design no Brasil. É curioso perceber que desde a sua estada no
Brasil e a visita ao Rio de Janeiro - quando lhe foi atribuída a idéia da criação da escola do
MAM - até o momento da entrevista, muita coisa mudou. Talvez por influência de seus
ressentimentos com a crise com Maldonado - fruto de sua saída da direção da Escola de
Ulm - o otimismo e o entusiasmo de uma nova escola aos moldes de Ulm no Brasil
84 NIEMEYER Lucy. Op. Cit. p.70
70
desapareceram. Max Bill rejeita a idéia de uma escola de design no Brasil - para ele não
havia professores capazes de lecionar-, a possibilidade de se fazer uma escola em Brasília -
como haviam cogitado - não lhe parecia uma boa idéia e a falta de continuidade aos
projetos e idéias o deixava desesperançoso - referindo-se ao projeto da Escola Técnica de
Criação do MAM .
O relatório concluiria que o Brasil não estava preparado para instalar uma escola de
design, mas dava como solução a criação de cursos básicos (fundamentais) nos moldes dos
cursos da Bauhaus que, levando o estudante através da prática artística e mam1al, libera a
sua força expressiva e criadora e desenvolve uma personalidade ativa85 . Um grupo maior
passou a se reunir com o incentivo do secretário de educação e cultura Flexa Ribeiro,
apoiado pelo então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que via com bons olhos a
criação de uma escola de design em seu governo
A solução, a princípio, seria um convênio com o Estado e o MAM, ou então a
instalação do curso no Instituto de Belas Artes, IBA, onde Oberg era diretor, superando
alguns entraves burocráticos. Porém nenhuma dessas possibilidades foi efetivada.
Fora as discussões sobre onde estaria a base da criação da primeira escola de design,
se no programa da ETC do MAM ou no Grupo de Trabalho organizado por Flexa Ribeiro,
o que importa é que, somando todas as forças em 1963, surgia a Escola Superior de
Desenho Industrial, localizada no nº 63 da Rua Evaristo da Veiga ,Rio de Janeiro.
85 SOUZA, Pedro Luiz de . ESDI: biografia de uma idéia. Rio de Janeiro : Eduerj, 1996. pl5 .
71
Os arquitetos e artistas modernos
Os arquitetos tiveram um papel importante no desenvolvimento e na difusão do
design nacional (no que se refere ao design de móveis). De uma certa maneira, há uma
relação muito próxima entre o arquiteto e o designer, um cria o espaço para o outro
preenchê-lo com os seus produtos. E foi esta, justamente, a importância do arquiteto para o
desenvolvimento do design: criar uma necessidade e fomentar a criação de novos produtos.
O Brasil teve um patrimônio artesanal muito forte. Os imigrantes que chegaram aqui,
principalmente os portugueses, traziam uma herança que muito contribuiu para a produção
de móveis no Brasil. Pelas suas mãos habilidosas foi se exercitando o oficio da marcenaria,
mas nada era criado apenas copiado dos originais europeus. Nada muito significativo
aconteceu no desenvolvimento do móvel nacional, até os anos 30, com a participação de
artistas e arquitetos modernos. É certo que já se havia avançado e começava-se a superar a
produção artesanal, nunca eliminando-a, e o desenvolvimento industrial começava a esboçar
melhoras, mas somente por meio do avanço dos ideais modernistas que o móvel brasileiro
começou a ter um caráter nacional, portanto livre de cópias.
Antes, porém, deve-se voltar ao ano de 1922, na Semana de Arte Moderna, força
motriz para a modernização da cultura brasileira. Faz parte do espírito modernista a
experimentação de diversos meios de expressão, por isso encontravaM-se as manifestações
modernistas em vários setores: literatura, música, arquitetura, dança etc. Mas como disse
Mário de Andrade, um dos grandes responsáveis por este movimento, os ideais modernistas
nos anos 20 tinham sido um privilégio de certos grupos intelectuais, não havendo uma
profunda divulgação.
72
O movimento modernista vai expandir-se na década de 30 espraiando-se no campo da
literatura e das artes plásticas, construindo o gosto moderno que influenciará a arquitetura e
a decoração de interiores. Dois nomes deste periodo destacaram-se: o artista suíço John
Graz e o arquiteto russo Gregori Warchavchick. Este último responsável pela primeira casa
de estilo moderno no Brasil. As grandes contribuições destes profissionais foram: romper
com o estilo acadêmico e incorporar a vanguarda européia, a princípio, por meio do Art
Déco; estabalecer um padrão entre todos os elementos de composição do interior de um
ambiente; usar novos materiais e técnicas o que tomava o móvel com caracteristicas
nacionais; e não se limitar às restrições da produção industrial.
À medida que o movimento moderno baniu dos interiores toda a ornamentação desnecessária, foi-se criando uma demanda específica de equipamentos e complementos da arquitetura adequados aos novos princípios vigentes. O mercado brasileiro ainda não dispunha de linhas estáveis e estruturadas de mobiliário e coube aos arquitetos desenhar produtos para atender às necessidades de seus próprios projetos 86
.
A década de 40 não foi marcada por nenhuma originalidade nos estilos, sendo estes
ainda imitações do gosto europeu. O que marcou este período foi a consolidação das
experiências dos anos anteriores como a intensificação do desenho e a produção com novos
materiais ( couro, palhinha, tecido), dando um espírito nacional que acabou sendo absorvido
pela produção industrial. Joaquim Tenreiro, Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti (Studio
Palma) foram os nomes que se destacaram .
Outro fator importante para o desenvolvimento do design de móveis foi a participação
dos arquitetos em obras públicas que demandavam uma produção maior, substituindo
aquela pequena e pontual dos anos anteriores. No eixo Rio-São Paulo concentrava-se esta
produção, cabendo ao Rio de Janeiro, capital Federal, a solicitação e investimentos para as
86 SANTOS. Maria Cecília dos. O arquiteto e o móYel. Design & Interiores, São Paulo, n 42 : RAL. ago 1994, p. 101.
73
obras públicas e a São Paulo, os recursos tecnológicos para a produção. Lúcio Costa e
Oscar Niemeyer foram os grandes arquitetos deste período. Conjugados aos seus projetos
arquitetônicos seguiam os projetos de mobiliário feitos por designers (Joaquim Tenreiro,
Sérgio Rodrigues, Sérgio Bernardes) para compor os seus interiores. As premissas da
modernidade combinaram-se a uma certa idéia de eficiência, de funcionalidade que
exigiram indiscutivelmente o produto em série 87 .
A década de 50 então marcou a rápida industrialização nacional, impulsionada pelo
Programa de Metas do governo JK. O Brasil desenvolvia e criava perspectiva de confiança
no futuro . A produção saía do seu estágio artesanal e alcançava, definitivamente, a escala
industrial e somados a uma comercialização em meios mais populares (grandes magazines)
legitimava-se e difundia-se o design do móvel nacional. Surgiram fábricas gerenciadas pelos
próprios arquitetos-designers, como: Fábrica de Móveis Z (José Zanine Caldas, Sebastião
Pontes), Móveis Branco & Preto (Carlos Millan, Chen Hwa,Jacob M Ruchti, Miguel Forte,
Plínio Croce e Roberto Aflalo), Unilabor ( Geraldo de Barros) entre outras.
O ambiente econômico e cultural da década de 50 no Brasil
Os anos 50 representaram para o Brasil um período de grandes modificações. Um
clima favorável pennitiu o seu desenvolvimento, sobretudo na industrialização. O mundo
acabara de sair de uma guerra que desajustou a economia e o mercado de muitos países.
Alguns países, que estavam diretamente relacionados com o conflito perderam, em parte, o
contato com os seus compradores, deixando uma abertura para que outros fornecessem os
87 SANTOS, Maria Cecília dos. O arquiteto e o móvel. Op. cit. p 102.
74
seus produtos. Se na Europa o importante era reconstruir, no Brasil, o importante era
construir uma nova realidade econômica, política e social. Realidade que apontava para um
país de futuro .
Desde a Revolução de 1930, o nacionalismo econômico passou a ter um papel
importante na vida do país, o que era explicado em parte pela crise aguda do setor agrário
exportador, e em parte pela necessidade de atender politicamente às aspirações dos setores
sociais que eram simpatizantes à exaltação nacionalista. Em 1934 tinha sido criado o
Conselho Federal de Comércio Exterior e nos anos seguintes o Conselho Nacional de
Petróleo (193 8), a Companhia Siderúrgica Nacional (1941 ), a Coordenação de Mobilização
Econômica( 1942), o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (1944) e a
Conferência das Classes Produtoras do Brasil ( 1945).
As eleições de 1950 trouxeram de volta o presidente Getúlio Vargas e o seu governo
introduziu, até certo ponto, sem muitas dificuldades, uma política econômica
intervencionista e nacionalista num país limitado - reduzido às exportações primárias - e,
principalmente, num período pós-guerra. Sua política econômica voltava-se principalmente
para os setores da indústria de base: siderúrgica, petroquímica, energia e transporte.
Com a posse de Juscelino Kubitschek, em 1956, o ideal nacionalista de
desenvolvimento da era Vargas foi mantido. No seu projeto de desenvolvimento
democrático, capitalista e nacional, Juscelino implantaria o ingresso do capital estrangeiro e
a importação de tecnologia; ao capital nacional seria reservado a incrementação de bens de
consumo duráveis e não duráveis para surgir um mercado interno efetivo ao bom
desenvolvimento de seu projeto econômico e tão importante para o desenvolvimeto do
design nacional.
75
Juscelino procurava atrair todas as camadas sociais e convencê-las do grande papel a
desempenhar nesta nova fase da história da nação. O seu governo coincidia com o
aparecimento de um novo grupo de empresários paulistas que por meio de crédito facilitado
e proteção com as importações garantia-lhe beneficies no mercado. Aos investidores
estrangeiros era exigida uma parceria com empresas nacionais e a classe trabalhadora era
controlada com uma política salarial satisfatória . O grupo de empresas estrangeiras com
parceria nacional era o setor de mais rápida expansão, estando atrelado aos avanços
tecnológicos; o grupo de empresas nacionais era constituído por pequenas manufaturas de
baixo grau de complexidade técnica e que também eram subcontratadas das grandes
empresas estatais ou dos grupos internacionais. Porém, os militares formavam o setor de
oposição mais ferrenho que já não viam com bons olhos a candidatura de JK, lançada na
esteira do getulismo. Além dos militares, a classe média era a mais dificil de agradar, apesar
de satisfeitos com o avanço econômico não estavam contentes com o que isso implicaria -
corrupção e favoritismo político.
No geral, contudo, havia pouco na política de Kubitschek que ameaçasse o status do indivíduo de classe média urbana, pelo menos até a inflação se acelerar após 1959. Kubitschek não fez qualquer tentativa no sentido de misturar populismo esquerdista com nacionalismo desenvolvimentista, ato que se esperava uniria a classe média aos militares de oposição 88
.
Havia um clima de euforia que só mesmo o aumento da taxa da inflação ameaçaria o
bom desempenho do governo JK. O seu Plano de Metas estava sintetizado na construção de
Brasília a qual atribuía-se, além da simbologia de uma cidade moderna, soluções para alguns
problemas do país, como a questão educacional (nova universidade com a incumbência de
88 SKIDMORE,Thomas E. De Getúlio Vargas a Castelo Branco. ln: História do Brasil da Colônia à República. São Paulo : Editora Moderna. I98I. p.364.
76
corrigir velhos defeitos) e agrária (com novas estradas facilitaria o escoamento da produção
além do que criaria novas plantações).
Brasília representava a estética modernista, espírito inovador e motivador de
mudanças em direção a uma sociedade igualitária, ao socialismo e ao coletivismo, tendo
como gerenciador o poder estatal. Apesar do grande fluxo do capital estrangeiro e tudo o
que ele representava para a nação, o poder estatal não pode ser desmerecido, pois dele se
partiu o desejo de mudança, de um país agrário para um industrial, contribuindo para o
imaginário moderno e implantando na sociedade um novo gosto.
Todas as áreas artísticas vinham sendo revigoradas. O cinema recebia com entusiasmo
os novos estúdios Atlântida e Vera Cruz, que surgiram no final da década de 40. "Agulha
no Palheiro" de Alex Viany, "O Cangaceiro" de Lima Barreto (ambos de 1953) e "Rio 40
graus" de Nelson Pereira do Santos (1955) marcavam uma nova estética que se estenderia
ao longo da década seguinte. O teatro dava um salto qualitativo com o TBC em São Paulo,
além das novas companhias com temáticas sociais e urbanas como o Arena e a ruputura
com a linguagem convencional como o Oficina. Na literatura, João Guimarães Rosa e
Clarice Lispector representavam o panorama brasileiro: o rural e o urbano. Na música, o
dodecafonismo era defendido como liberdade de expressão enquanto Camargo Guarnieri
defendia temas nacionais. A arte popular era consumida pelo rádio e cinema e as cantoras
Emilinha Borba, Marlene e irmãs Batista faziam um enorme sucesso. Em 1958, o Brasil
vencia a Copa do Mundo, consagrando o futebol como lazer de massa e livrando-se do
estigma das duas copas anteriores.
As artes plásticas vinham sendo incrementadas com aberturas de galerias de arte
moderna, como a Galeria Askanazy ( 1945, Rio de Janeiro) e Galeria Domus ( 1946, São
Paulo); Sociedade de Arte Moderna do Recife ( 1948); e a inauguração do Museu de Arte
77
de São Paulo( 1947) e dos Museus de Arte Moderna no Rio de Janeiro e em São Paulo
(1948). Isto era muito importante, pois não havia espaço para a arte do século XX. Era
mais constante a presença de artistas e teóricos estrangeiros, discutindo sobre a arte
contemporânea, como Alexander Calder, Romero Brest, Max Bill, Tomas Maldonado entre
outros, o que aumentava o intercâmbio e o incremento de novas idéias.
Em 1948, o crítico francês Léon Degand, convidado pelo industrial Francisco
Matarazzo Sobrinho a ocupar a direção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, inaugura
a exposição "Do Figurativismo ao Abstracionismo", marcando juntamente com outros
intelectuais, como Mário Pedrosa, a atualização do panorama artístico brasileiro e
contribuindo para o debate que se expandiria ao longo da década de 50. Em 1951, era
inaugurada a I Bienal de São Paulo que representaria, definitivamente, a ligação do Brasil
com a arte internacional.
Começavam-se, então, as discussões entre o figurativismo e o abstracionismo. Este
último representante do novo segmento artístico internacional que, no âmbito nacional,
correspondia à verdadeira ruptura com o passado acadêmico. Aos modernos ainda era
atribuído uma ligação forte com o que representava a academia : o figurativismo. Em 1952,
Samson Flexor, romeno, radicado no Brasil, desde a década de 40, fundava o atelier
Abstração e surgia o movimento de Arte Concreta com o Grupo Ruptura em São Paulo
(1952) e Frente no Rio de Janeiro (1953).
A partir de agora este estudo concentrar-se-á justamente neste período onde surge a
Arte Concreta e uma nova concepção de ver a arte. Até então foram-se historiando os
antecedentes do design, os vários caminhos que foram estabelecidos para que ele surgisse
na década de 50. O ensino, o exercício de atividades afins - como o artesão e os arquitetos
- , a cultura e o desenvolvimento do país não poderiam, de outra maneira, ser desprezíveis
78
para questionamento do surgimento desta nova atividade. Há quem diga que o design
sempre existiu posteriormente à década de 50, e o que se viu nascer foi exatamente o design
moderno. Mas seguindo a própria estética do design, defendida por Gillo Dorfles, e aqui
referendada, não há design sem a produção em série e portanto sem industrialização. E
mesmo que alguns poucos profissionais surgissem com o espírito e a metodologia da
atividade profissional, como, por exemplo, o português Joaquim Tenreiro ou os arquitetos
eram casos isolados, que ainda não possuíam o mesmo peso das discussões do período dos
anos 50 com a criação do IAC.
Segundo André Villas-Boas, o termo design não qualifica um objeto. O termo não é
qualificado de um juízo de valor, mas determina o uso a partir de um determinado período
de nossa história. Período este iniciado pelas vanguardas do início do século. Portanto não
existe design sem designers, apesar de haver uma produção material respeitável e de grande
importância histórico-cultural mas que está circunscrita no campo do artesanato 89 .
A Arte Concreta vai estabelecer um vínculo maior com toda a herança histórica do
design, e questionar a arte e a técnica, o objeto único e a produção em série, a comunicação
subjetiva e a comunicação objetiva e universal. É por este caminho que a Arte Concreta
cria laços estreitos com o design, fazendo surgir um pensamento artístico vinculado com a
produção, pensando na comunicação e no homem, mesmo que, ingenuamente, caminhasse
em direção contrária. A Arte Concreta e o Abstracionismo serão, sem dúvida , dois dos
fatores responsáveis pelo surgimento do design no Brasil.
89 VII...LAS-BOAS, André. O que é (e o que nunca foi) design gráfico. Rio de Janeiro : 2A Editora, 1997. p.18.
5. ARTE CONCRETA
O movimento concreto internacional inicia-se em 1936 com Max Bill, que diferencia
esta nova tendência da arte abstrata. Até então, o que se teve foi o emprego do termo "arte
concreta" por Theo van Doesburg, no primeiro número da revista "Art Concret", para uma
arte que se tinha desprendido totalmente da imitação da natureza, e por não abstrair mais as
formas da natureza não tinha porque ser denominada de arte abstrata. O termo foi criado
para nomear a nova pintura não-figurativa. Mas o que aconteceu foi o emprego dos dois
termos - arte concreta e arte abstrata. Tanto foi assim, que artistas como Kandinsky e Arp,
em um determinado período, adotaram a denominação arte concreta para suas obras. Mas
com Max Bill a arte concreta foi definitivamente elucidada, baseada no Neoplasticismo por
meio da racionalidade das formas, linhas retas e cores primárias e assumindo uma posição
diferenciada da arte abstrata. Com a arte abstrata a representação ainda estava presente
mesmo quando não era visível. A obra de arte deve ser inteiramente concebida e formada
pelo espírito antes de sua execução. Ela não deve receber nada dos valores formais da
natureza, nem da sensualidade. nem da sentimenta/idade90•
90 DOESBURG,Theo van. Arte Concreta. ln: AMARAL. Aracy A. (coord.). Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962). Rio de Janeiro : Museu de Arte Moderna (MAM-RJ), 1977. p.42.
80
Segundo os concretos, a arte deve ser feita apenas com elementos plásticos,
componentes de uma composição seja ela pintura ou escultura. As cores e os planos são os
elementos que construirão a obra, tomando-a significação de si mesma. Ela deve ser apenas
linha, plano e cor, pois nada mais concreto na arte do que isso. Uma casa, uma árvore, uma
mulher, um animal, enquanto natural são concretos, quando representados em uma pintura
passam a ser ilusórios. Esta construção deve ser controlável, mecânica, não desviando para
várias interpretações da obra. A busca de uma arte universal se faria pelo controle do
quadro, de sua racionalidade, buscando uma objetividade em detrimento de uma
subjetividade.
Segundo van Doesburg, a arte não é feita pelos dedos nem pelos nervos. A emoção e
o sentimento nunca a levaram à perfeição. O pensamento (intelecto) é que faz a obra. A
evolução da pintura não é senão a busca intelectual do verdadeiro pela
cultura ótica 91. Para os teóricos concretos, a cor se subordina à forma, e o fundo é o
universo em que ela repousa. A cor, portanto, é sempre pensada a partir das exigências da
forma . A forma e a cor são as matérias-primas da pintura, elas não significam nada senão a
si mesmas. Aqui, diferencia-se do conceito de forma e cor aplicado por Kandinsky que
buscava uma significação baseada no misticismo. A construção do pensamento da
percepção da obra seguia as linhas de Paul Klee que buscava apenas a visualização sem uma
significação, porém a composição da obra permitia uma subjetividade e um lirismo, fatores
rejeitados pela arte concreta. Todas essas questões iriam ser retomadas por Max Bill em
1936, após a morte de van Doesburg em 1931 .
Assim, o resultado plástico de suas pinturas, basicamente, respeitavam as seguintes
características: negação da representação naturalista; negação da representação
91 DOESBURG, Theo van. ln: AMARAL, Aracy A. (coord.). Op. cit. p.42.
81
tridimensional ou ilusão de volume, daí a preferência por pinturas planas; cores primárias
perfeitamente definidas, evitando a possibilidade de tons (não criando a ilusão de volume e
espaço tridimensional); racionalidade por meio da geometria reafirmando a universidade da
arte a partir de uma leitura unívoca; e princípios matemáticos na composição (progressão)
de forma a pennitir a sua seriação e com isso ser acessível a todos.
Em 1952, no Brasil, Geraldo de Barros funda junto com Waldemar Cordeiro o Grupo
Ruptura, com acréscimo aos poucos de Lothar Charoux, Leopold Haar, Anatol Wladyslaw,
Kazmer Féjer, Maurício Nogueira Lima, Hermelindo Fiaminghi e Luís Sacilotto, realizando
uma exposição no MAM/SP e a publicação de um manifesto . Neste manifesto, eles
repudiavam toda a arte figurativa e negavam o naturalismo "errado" das crianças, dos
loucos, dos "primitivos" dos experessionistas, dos surrealistas, etc ... 92 Ainda no manifesto
rejeitava-se a inteligência "de um Leonardo", reiterando o compromisso de uma nova arte
sem dogmas antigos, que romperia com todas as tradições, rejeitando todos os princípios e
conceitos antigos, distinguindo-se dos modernistas que - segundo eles - criavam formas
novas de princípios velhos. Prevaleciam a objetividade e a expressão baseadas nos novos
componentes artísticos, valores essências da arte-visual ( espaço-tempo, movimento e
matéria) . Não existe narrativa, apenas matéria. A obra não está sujeita às interpretações,
vale apenas pelo que ela é: matéria, cor, forma-objeto . Estando ausente o caráter subjetivo
da obra, a arte toma-se universal e portanto com uma leitura unívoca, estando, agora, mais
próxima do fiuidor por não pennitir dúvidas de entendimento. A arte concreta transformou
a obra em fato visual que a princípio não precisa de memória apenas de experiência ótica. E
esta experiência ótica era explicada pela gestalt.
92 AMARAL. Aracy A. (org.).Op. cit. p.69.
82
A Gestalt
Os artistas concretos vão buscar na "Psicologia da Forma" (gestalt) respostas para
desfazer o conflito entre subjetividade e objetividade, expressão e forma, procurando
respaldar na ciência justificativas para a percepção estética. A solução para antítese
subjetividade x objetividade estaria nas propriedades intrínsecas da obra. As qualidades
formais comandariam as reações do espectador o que demonstraria ser esta obra universal.
Mário Pedrosa foi um dos grandes estudiosos da gestalt e o grande mentor dos
artistas concretos - apesar de no início conjugar os mesmos ideais paulistas, Pedrosa passa
a apoiar, mais tarde, a ramificação carioca, menos racionalista. Pedrosa acreditava que o
empenho da arte moderna deveria ser em acabar com a dicotomia da inteligência e da
sensibilidade. Sensibilizando a inteligência pelas formas, a arte adquiria a universalidade. O
critico defendia a impressão estética como sendo aquela pura e que possui em sua estrutura
o que os estudiosos da psicologia da forma denominavam como percepção sincrética global,
que seria a primeira impressão de alguma coisa sem qualquer influência de juízo ou valor,
sem preocupações analíticas ou significativas, sem gerar conceito nenhum.
Essas impressões primeiras constituem, já o disse Koffka, o alicerce da impressão estética. A arte se funda sobre elas, e perde sua força expressiva, sua pureza, quando essa percepção sincrética global, esse sentimento primeiro do objeto se mareia 93
.
Para os estudiosos da gestalt, o desvio da atenção para fatores extrínsecos da obra,
destroem as qualidades sensíveis que os objetos artísticos nos dão em primeira instância.
Isto só é aceitável para objetos práticos ou científicos que precisam de uma análise e que
não estão, a princípio, à disposição de uma percepção estética.
93 PEDROSA, Mário. Da natureza afetiva da forma na obra de arte. ln.: ARANTES, Otília (org.). Forma e percepção estética : textos escolhidos WMário Pedrosa. São Paulo : Edusp, 1996. p. l 08.
83
A gestalt formulou regras para desenvolver a percepção da forma, chegando ao que
eles chamaram de "boa forma". Esta "boa forma" dependeria da reação do sujeito, quando
aplicada às regras de relação com os elementos da imagem. Estas regras eram:
1. agrupamento por proximidade - a proximidade dos elementos faz com que estes
façam parte de um todo;
2. agrupamento por similaridade - a mesma aparência de suas formas remetem a um
todo;
3. boa continuidade - elementos que estão na mesma direção de partes do padrão
regular são a ele integrados, dando continuidade a este padrão;
4. fechamento - os elementos são agrupados de modo que formem uma figura fechada
completa.
Ainda segundo a gestalt, a simetria e o equilíbrio são características perceptivas do
mundo visual. Mas isto na verdade não é novo, a percepção visual associada à beleza
sempre esteve ligada à noção de ordem. Mas ao mesmo tempo que a ordem traz paz e
harmorúa, a desordem, o imprevisível, a sua maneira, é inspiradora. Pitágoras, no século 6
a.C., associava tudo aos números, uma relação entre a natureza e a razão humana. Dizia ele:
"tudo são números", quer dizer, tudo é passível de ser traduzido em números. Uma
racionalização da natureza. Mais adiante teremos em "Filebo", a última obra de Platão, no
diálogo entre Sócrates e Protarco, uma manifestação ao concreto, a forma em s1, sem
qualquer tipo de significação ou ligada a qualquer sentimentalismo. Diz Sócrates:
( ... ) os verdadeiros prazeres são aqueles que provêm das cores que chamamos belas ; muitos deles provêm ainda do olfato e dos sons. Os verdadeiros prazeres provêm de todas aquelas coisas cuja falta não é sentida penosamente, mas que provocam uma satisfação conscientemente agradável e não-condicionada pela dor. ( ... ) Não entendo por beleza o que a maioria das pessoas esperaria, ou seja, a beleza de criaturas ou quadros vivos; mas, seguindo meu raciocínio, refiro-me às linhas retas e curvas e às superficies e formas sólidas por elas compostas com a ajuda de réguas e esquadros.
( ... ) Bem, quero dizer que tais sons, por serem puros e suaves e por produzirem um único tom puro, não são belos em relação a qualquer outra coisa; são belos em sua
' • . . 94 propna natureza, e constituem um prazer em s1 .
84
Ora, o que Platão quer dizer com isso é que a percepção estética, a beleza, se dá pelo
entendimento ("conscientemente") das formas sem qualquer tipo de conceito ou juízo
anterior, sem qualquer memória ( "condicionada à dor"). E como são estas formas? São
linhas, planos, figuras geométricas que não representam nada a não ser elas mesmas
("constituem um prazer em si"). Esta teoria liberta a arte da "mimesis", da arte concebida
como uma técnica para a imitação direta da aparência das coisas.
Com isto, a arte concreta queria chegar na inexistência da subjetividade para a
verdadeira visualização e leitura da obra, apenas a percepção por meio das relações entre
cores, formas, proporções, posições e direções. Relações estas já empregadas anteriormente
por Mondrian em seu Neoplasticismo. A criação de uma obra de arte não se dá pela
expressão de um objeto, mas pelo objeto da expressão. E para construir tem que se ter uma
racionalidade, processos matemáticos que o tomem reproduzível e assim acessível a
qualquer um. Basta um projeto para se ter o produto, que permitirá a seriação e a execução
exata da obra. Quer se materializar, construir a obra, e com isso o movimento concreto está
concatenado com as linhas construtivas anteriores a ele.
O Construtivismo e a Bauhaus
Esta linha de construção - uma das respostas à falência dos valores estéticos,
filosóficos e morais pelos quais passavam o final do século XIX e início do século XX -
94 READ, Herbert. A caminho da abstração. A teoria da forma pura. ln: Sociologia da Arte m. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1967. p.14.
85
tem no construtivismo russo o seu maior difusor. A arte deveria estar a serviço da
revolução, revolução que construiria um novo mundo, um mundo igualitário. Pregando-se a
igualdade não faria sentido haver distinção entre as artes e, sendo assim, eliminariam
qualquer tipo de hierarquização, estando a pintura, escultura e arquitetura no mesmo nivel.
( ... ) a pintura e a escultura também são construções (e não representações) e devem, portanto, utilizar os mesmos materiais e os mesmos procedimentos técnicos de arquitetura, que, por sua vez, deve ser simultaneamente funcional e visual, isto é, visualizar a função95
.
Portanto, igualando todas as artes, permitiria aos artistas a inserção em diversas
atividades com a possibilidade de uma integração entre elas. O maior exemplo dessa
integração de atividade seria o projeto do monumento à Terceira Internacional - que ficou
apenas no modelo -, reflexo do otimismo latente pelo êxito da Revolução de Outubro de
1917, desenvolvido por Vladimir Tatlin entre 1917 e 1920. Este complexo seria construído
na forma de uma espiral maciça que conotaria o dinamismo da era espacial e compreenderia
recintos para palestras e entrevistas, transmissões radiofônicas, funções administrativas.
Esses recintos seriam alojados num cilindro, esfera e cubo todos dotados de movimento.
Mas, como este, outros tantos não sairam do papel, e não foram poucos. O entusiasmo
tomou conta dos arquitetos russos que pretendiam "reconstruir" a sua nação. Mas os
entraves econômicos e a herança tecnologicamente primitiva da Rússia czarista impediram
por muito tempo a concretização desses projetos.
Para, de certa forma, tentar cobrir esta carência, em 1918, iniciou-se um projeto
intensivo para o treinamento de artistas-projetistas. Estas escolas, "atelier técnico e superior
do estado", denominaddas VKhUTEMAS ( de Vishe KhUdozhestvenny Teknicheskoy
Masterkoy) ofereciam um curso básico de dois anos, combinando disciplinas artísticas e
95 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo : Companhia das Letras. 1993. p.323.
86
científicas, e dois anos de especialização quando o aluno optaria por um dos cursos
oferecidos. Entre os professores que lecionaram podiam-se encontrar: Wassily Kandinsky,
Kasemir Malevitch, Vladimir Tatlin, Alexander Rodchenko e Vladimir Maiakovski.
Kandinsky teria organizado o programa inicial, baseado nas idéias de seu livro "Sobre o
espiritual na arte", do suprematismo e dos conceitos do construtivismo. Mais tarde este
programa foi substituído por outro com ênfase maior nas técnicas de produção em lugar de
um projeto artístico, apoiado em análises metafisicas de cor e forma.
Durante o tempo em que as escolas funcionaram (duraram 12 anos) houve uma
grande divulgação de suas idéias com publicações na França, Inglaterra, e nos EUA, assim
como seus integrantes mantinham intercâmbio com os futuristas italianos e com o grupo da
Bauhaus. Este intercâmbio com a Bauhaus deu-se, a princípio, pelo desinteresse do
programa inicial de Kandinsky que desiludido teria ido para a Alemanha e incorporado o
quadro de seus professores em 1922. Walter Gropius, também, ia até a escola de Moscou
frequentemente . Segundo o arquiteto Jesse Calado, que desde o inicio dos anos 70 estuda a
VKhUTEMAS, ela buscava uma internacionalização, contrariando a própria revolução
russa de se fechar enquanto nação96 .
Portanto, o construtivismo russo permitiu que nas artes não houvesse mais nenhum
tipo de hierarquização e propiciou o ambiente para a criação de escolas com espírito
igualitário onde qualquer pessoa poderia aprender novas idéias e técnicas e onde pudesse
desenvolver os seus próprios projetos. O construtivismo foi o primeiro movimento no
desenvolvimento da arte moderna a impregnar-se de conceitos marxistas. Não se
preocupava com o estilo, antes queria contribuir para o desenvolvimento da sociedade por
meio da arte e utilizando a produção mecanizada, a engenharia, e os meios gráficos,
96 MARTINS. Alexandre. O traço Maldito da Vchutemas. O Globo. Rio de Janeiro, Segundo Caderno, 3 jan. 1988. p.5.
87
fotográficos e de comunicação. Para os construtivistas, a ação artística é uma ação
governamental e se desenvolve principalmente na planificação urbanista, no projeto
arquitetônico, no desenho industriaf1. Contrariando os suprematistas e Kandinsky que
achavam que a função do artista deveria ser essencialmente espiritual e educativa. Para os
construtivistas, as técnicas industriais possibilitariam maiores recursos para o
desenvolvimento da criação do artista e esta entraria no ambiente da vida social que, em
contrapartida, estimularia a sua produção. A parceria arte e indústria seria a grande solução
para uma vida próspera e democrática.
Em 12 de abril de 1919, Gropius era nomeado diretor da Bauhaus (Staaltiches
Bauhaus in Weimar) após intensas negociações - antes teria tentado a direção da Escola de
Artes e Oficios fundada por Henry van de Velde. Em seu manifesto, Gropius confirmava os
ideais construtivistas:
O fim último de toda a atividade plástica é a contrução( ... ). Desejemos, inventemos, criemos juntos a nova construção do futuro, que enfeixará tudo numa única forma: arquitetura, escultura e pintura que, feita por milhões de mãos de artesãos, se alçará um dia aos céus, como símbolo cristalino de uma nova fé vindoura 98
.
Apesar de sua ideologia direcionada a um espírito universal, a Bauhaus não pode ser
encarada como uma mera "fábrica de estilo", pelo contrário, o que Gropius pretendia era
não se prender a estilo nenhum, pois assim não retomaria ao academicismo, contra o qual
justamente a criou. Gropius pretendia, durante o periodo em que foi diretor, criar um
método onde se desenvolveria nos estudantes uma consciência criativa. Todas as idéias
eram aceitas quando se levasse em consideração a simplicidade e a utilização adequada das
técnicas de produção.
97 ARGAN. Giulio Cario. Op. cit. p.329. 98 GROPIUS. Walter. A idéia Bauhaus na minha concepção. ln.: BITIERBERGJ(arl-Georg. Bauhaus. Stuttgart : Instituto Cultural de Relações Exteriores, 1974. p.12.
Da acessibilidade, que Gropius manifestava, a tudo que vinha, resultou a fonna aberta, que ele deu à Bauhaus. A vida a deveria atravessar, ela deveria estar próxima da época e seus problemas e não incorrer nwn esquematismo. ( ... ) Sem modificar seu ser, a Bauhaus não pemanecia igual uma hora se quer99
.
88
O seu programa tinha como alicerce a pintura que achava ter criado uma nova
estética, a qual precisava orientar os princípios de modelagem da arte construtivista
vindoura. Para isso convidou vários pintores como Paul Klee, Wassily Kandinsky, Johannes
Itten, entre outros. Eram pintores pertencentes às linhas abstratas e expessionistas. Os
pintores da Bauhaus não formavam um grupo que seguia um programa definido,
comportavam-se de maneira que a cada momento que aparecesseM novas idéias estas iam
sendo adptadas em seus programas de ensino. Além disso, não davam aulas sobre pintura,
mas sobre os seus componentes como a cor e a forma. Só a partir de 1927 é que Kandinsky
e Klee passam a dar aulas de pintura.
Na teoria didática da Bauhaus predominavaM as formas geométricas mas elas não
eram usadas como cânones a serem respeitados, mas como uma solução inicial a qualquer
tipo de problema, transformando-as à medida que fosse necessário
( ... ) a fonna geométrica é uma forma pré-padronizada; é-nos tão familiar que podemos utilizá-la independentemente de seu significado conceituai originário, como wn signo a que podem atribuir, conforme as circunstâncias, diferentes significados100
.
É o que Kandinsky procurava demonstrar quando pintava o mesmo signo geométrico
e obtinha diversos significados, conforme a posição e cor usadas. A Bauhaus não pretendia
chegar a uma forma perfeita mas a sua captação. O que se queria desenvolver, a princípio,
nos alunos era a percepção da forma. Se com Kandinsky as formas abstratas puderam ser
99 GROCE, Lud\\ig. Walter Gropius e a Bauhaus. ln. : BITTERBERG,Karl-Georg. Bauhaus. Stuttgart : Instituto Cultural de Relações Ex1eriores, 1974. p.12. 100 ARGAN,Giulio Carlo. Op. cit. p.272.
89
reveladas como importantes na solução de problemas, com Paul Klee se terá a noção de
percepção das formas. Para Klee o mais importante não é a tradução da forma em
significado mas ela enquanto signo, enquanto percepção visual, pois a percepção já é
consciência ...
( ... ) a estrutura da forma não pode ser senão o processo do formar-se (Gestaltung). Sua concepção do espaço como ambiente físico-psíquico da existência, intimamente ligado rigorosamente geométrico da arquitetura "racional"; o que é a geometria, o que é a perspectiva, senão frágeis estruturas mentais que se tramam no espaço da experiência ou da vida. lOl
A Arte Concreta no Brasil
No cenário brasileiro da década de 50, precisamente, em dezembro de 52, o Grupo
Ruptura realiza a sua primeira exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo e lança
o seu manifesto. Nesta mesma altura, o crítico de arte Sérgio Milliet escreveu no Estado de
São Paulo um artigo ferrenho contra o manifesto do grupo. Inicialmente, fazia analogia com
as escolas suíça e holandesa e elogiava alguns artistas como Geraldo de Barros e Waldemar
Cordeiro. Escreveu: o caminho que vão seguindo é rico. Algumas de suas telas podem ser
consideradas simples experiências, outras porém já nos dão uma sensação confortável de
coisa acabada e estáve/1°2.
Para Milliet estes manifestos tinham sua função e mereciam a atenção de todos mas
raramente esclareciam ao público o objetivo de sua arte. O manifesto do Grupo Ruptura era
igual a tantos outros só diferenciava-se na sua diagramação. Reclamava de não serem
claros na difusão de suas idéias e de não trazerem nada de novo para o ambiente artístico.
101 ARGAN,Giulio Carlo. Op.cit. p.323. 101 MILLIET, Sérgio. Duas exposições. O Estado d~ São Paulo. São Paulo, 13 dez. 1952, p.6.
Os moços insistem que "são contra a ignorância". Louvável atitude, mas ser contra a ignorância consiste principalmente em destruí-la no público e na crítica. Conservar, certamente, a sabedoria sem dar aos outros a possibilidade de adquiri-la é egoísmo e erro103 .
90
Talvez sem saber, ou sabendo, Milliet acertara no que seria o equívoco dos novos
artistas. Procurando uma linguagem universal, objetivando um maior entendimento do
público, os artistas concretos se fecharam tornando-se profundamente herméticos. Devido
ao seu radicalismo, estavam indo por fim contra uma de suas metas. Com uma postura de
trabalhar somente a linguagem, os aspectos intrínsecos da obra de arte (forma, cor, espaço,
tempo etc) acabaram não dando atenção ao que estava acontecendo a sua volta. Ficaram
presos ao seu "mundo plástico" não permitindo uma comunicação recíproca com aquele
que não pertencia a este mundo, afastando-se assim do espectador quando, na verdade,
queriam aproximar-se. O seu controle da obra de arte permitiu, no entanto, a divulgação da
arte nas escolas mas contribuiu para uma academização que tanto rejeitavam. Em outra
crítica, publicada em 8/12/54 com o título de "No bom caminho", Sérgio Milliet congratula
aqueles pintores que não foram influenciados pela nova estética - desprovida de qualquer
anedota, figura ou referência naturalista, valendo-se apenas dos elementos de composição -
pois os afastariam de seu público.
Sérgio Milliet escreveria a respeito da academização dos artistas concretos que,
segundo ele, estavam rumando para uma esterilização criadora
Era necessário, entretanto, que não descambassem para o mecânico, o matemático, ou o jogo quase primário de equilíbrios das última realizações. Por esse caminho, que alguns designam como o da depuração, mas se aproximam demasiado da impotência, chegaremos rapidamente à esterelidade.( ... ) Ontem o artista usava pincel, hoje uma tábua de logaritmos e um compêndio de geometria(. .. ) Não somente carecem de sensibilidade: pecam também pela falta de invenção criadora. E levam, pela comodidade das receitas, a um academismo tão perigoso quanto o das Escolas de Belas Artes.104
103 MILLIET, Sérgio. Duas exposições. Op. cit. 104 MILLIET, Sérgio. Concretistas e hedonistas. O Estado de São Paulo. São Paulo, 15 ago. 1953, p.6
91
Fig. 1- "Composição", Milton da Costa, 1954, óleo sobre tela, 50 x 81 cm
Era natural que fossem criticados e mal compreendidos, o Brasil ainda não estava
preparado para urna arte tão racionalista. Ainda discutiam-se as questões abstratas, e a briga
contra o figurativisrno não parecia ter fim. O abstracionismo chegou a ser acusado, pelo
professor Mário Barata, corno responsável pelas falhas da I Bienal, alegando haver um
granàe número àe obras abstratas. Muitos foram os que se opuseram ao surgimento àos
primeiros abstratos, entre os anos 48 e 49 no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Rio de
Janeiro, em torno de Mário Pedrosa, que voltava do exílio em 1945, estavam os jovens Ivan
Serpa, Abraham Palatnik e Alrnir Mavignier. As oposições vinham sobretudo dos pintores
representantes do movimento modernista de 1922. Representantes do regionalismo social
sentiam-se ameaçados pela substituição de urna estética figurativa por urna de linhas
geométricas. Além de isolar a obra de urna visualidade reconhecível, segundo os criticas do
92
abstracionismo, isolava também da realidade social do país. O panorama da pintura
modernista mostrava-se claramente nacionalista e francamente social. A predominância de
uma pintura expressionista em geral de cunho social acompanhada com temas urbanos e
rurais ( com sua evidência sendo diminuída aos poucos) eram as características da pintura
moderna. Portanto, para os pintores modernos era preciso consolidar a imagem do país e
não caberia à pintura abstrata este papel. A pintura abstrata corresponderia à interrupção do
programa nacional que os modernistas defendiam. E este sentimento nacionalista se daria
por meio da expressão e poesia, enaltecendo as características do povo brasileiro. O crítico
Sérgio Milliet mais uma vez escreveu sobre esta discussão. Inicialmente suas críticas à arte
abstrata concentravam-se na falta de poesia, emoção e sentimento.
Chegou assim o artista abstrato à forma pela forma , esquecendo que a forma, para que não seja apenas exercício do estilo, precisa nascer do conteúdo, sentimento ou emoção. Despojada de mensagem, estereiizada pela pesquisa formal, a pintura tende para o decorativo e passa a depender de outras artes, como a arquitetura, a cenografia etc. Toma-se evidente o risco de uma perda de vitalidade 105
.
Mais tarde, o mesmo critico irá redimir-se e considerar toda obra de arte como
abstrata porque exibe de maneira mais ou menos feliz elementos abstratos que nos
impressiona106. O que valeria na obra, agora, não era mais o assunto mas a expressão de
suas linhas, cores e sua composição.
O problema do figurativismo-abstracionismo é simplesmente artificial e de existência apenas polêmica. Nada impede a coexistência pacífica de ambas as tendências, tanto mais quanto ninguém ignora que se não está no tema o valor da obra de arte, tampouco surge ela da ausência do assunto ( .. . )1º7
105 MILLIET, Sérgio. Arte abstrata e academismo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 mar.1951 , p.6. 106 MILLIET. Sérgio. Uma mesa redonda. O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 nov. 1951, p.7. 107 MILLIET, Sérgio. Decoração de edificios. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2 mar. 1954, p.6.
93
Apesar de tantas críticas favoráveis e desfavoráveis à Arte Concreta, Milliet achava
salutar as discussões e defendia ao mesmo tempo o aparecimento de novos meios de
expressão - mesmo não estando totalmente, ou nada, de acordo. Para ele era muito
importante que a arte estivesse sempre em discussão, pois dela sairia sempre as mais belas
realizações. Nunca parada e "dona" da verdade estética pois, sendo assim, assinalaria um
momento de decadência e a formação de um academismo estéril. A linguagem do futuro
será diferente do passado e muito se beneficiará das pesquisas e realizações do presente.
Assim como já havia salientado a respeito da academização da Arte Concreta - que ele
sempre definiu como uma vertente geométrica do abstracionismo - volta a afirmar que se
há o risco do academismo abstracionista - e sem dúvida assim o considerava - é pelo fato
de alguns seguidores repetirem os mesmos processos para obtenção de determinados
efeitos.
No início, era comum a Arte Concreta ser confundida com o abstracionismo. Apesar
de conjugarem uma linguagem similar, os concretos não aceitavam o rótulo de
abstracionistas. Já na denominação do movimento artístico, recusavam o sufixo "ismo",
caso contrário remeteria aos diversos movimentos precedentes, e que na verdade se
propunham romper, pois não queriam qualquer ligação com estes, mesmo que tivessem algo
em comum. Consideravam-se como a primeira vanguarda nacional e, portanto, não podiam
correr no mesmo esquematismo das vanguardas internacionais que aqui eram revestidas
com um teor social, regionalista ou nacionalista. Portanto, segundo Tomás Maldonado,
concretismo não é arte concreta108.
Como já foi mencionado, a diferença entre arte concreta e abstrata está, basicamente,
na objetividade de sua comunicação (percepção) por meio de formas elementares, sem que
108 MALDONADO,Tomás. Arte concreta e arte abstrata. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Suplemento Dominical, 12 maio 1957, p. 9.
94
a composição forme algum tipo de "pré-sentimento" relacionado com memória ou
referências históricas e literárias, o que deve haver é a percepção primeira do espectador,
aquela explicada pela gestalt como percepção sincrética global. Pode-se dizer que as obras
concretas não são apenas objetos, produtos - como muitos assim definem - mas, também,
fatos, experiências visuais. Difere-se da arte abstrata que parte inicialmente de um modelo
tirado da natureza e vai depurando-o até não existir vestígio mais de sua referência. Pode a
arte abstrata, também, estar livre de qualquer referência mas os seus elementos plásticos
nem sempre seguem a racionalidade matemática e a pureza cromática de uma obra concreta
que gera ritmo, espacialidade e uma nova percepção do tempo por meio de seus elementos
plásticos. Segundo Max Bill:
os elementos distintos da arte concreta, elementos " que a grande maioria das pinturas e esculturas chamadas hoje abstratas só mostram de modo parcial", seriam ( ... ) "a produção de campos de energia, com ajuda da cor" e "a criação de certos ritmos, que não poderiam criar de outra maneira"109
.
Apesar de seu racionalismo, a Arte Concreta, segundo Tomás Maldonado, é um
método que está em contínua renovação e verificação. Portanto não está presa a dogmas,
como a princípio possa parecer, mas possui constantes a serem respeitadas, guias para a
ação criadora. A Arte Concreta se inicia na "imagem-idéia" e culmina na "imagem
objeto "110_ A experiência estética ensina o artista como utilizar as leis que rejem a forma e
quando aplicadas transforma-na em "imagem-objeto". Essas leis, leis de desenvolvimento,
são as constantes metodológicas da Arte Concreta, que segundo Max Bill, fazem dela
- fi l ,111 expressao pura entre orma e e1 . Assim, Maldonado também reafirma - já havia
declarado em Janeiro de 1951 - a sua opinião em relação ao desenvolvimento racional por
109 MALDONADO,Tomás. Arte concreta e arte abstrata. Op. cit. 110 MALDONADO. Tomás. Arte de "N" dimensões. Jornal do Brasil, Rio de Janerio, Suplemento Dominical. 19 maio 1957. p. 9. 111 MALDONADO, Tomás. Arte de "N" dimensõe!;. Op.cit.
95
meio de princípios rígidos e imutáveis da Arte Concreta que teria sido o erro dos seus
precursores - leia-se Mondrian - e que de certa forma os artistas concretos paulistas iriam
seguir. Na mesma ocasião, afirmou que o Brasil tinha um ambiente favorável para o
desenvolvimento da Arte Concreta - uma arquitetura própria rompendo com o passado - e
que artistas cariocas e paulistas já estavam trabalhando neste sentido 112 .
O professor e crítico Romero Brest define as características da arte concreta e de seu
par o abstracionismo e ajuda a entender que a arte concreta, apesar de ser confundida como
uma estética contra a realidade, era fruto da experiência humana. Na época de sua
declaração tinha participado do grupo de jurados da I Bienal de São Paulo. Disse ele:
os abstratos são os artistas que estão criando as obras mais diretamente vinculadas aos caracteres caóticos da realidade atual. O abstracionsimo é o presente. E colocado o abstracionsimo nesses termos, pode a arte concreta ser considerada a profecia 113
.
A realidade transferida para as obras concretas, segundo Brest, não é uma realidade
superficial, mas uma realidade composta por formas vitais superadas que são capazes de, no
futuro, transformar o comportamento do homem.
Herbert Read, depondo a respeito da I Bienal e a participação brasileira, ao contrário
de Brest, vê nesta nova tendência ( abstrata ), que se tomava internacional, um perigo.
Perigo de transformar a arte em algo sem sentimento e sem identidade. Vê vantagem na
experimentação da linguagem, na pesquisa de novas formas, exprimindo a civilização
mecânica e buscando novas soluções, mas encara como uma fase de transição . Read não
aceitava uma arte desprovida de sentimento, portanto "deshumanizada", pois, segundo ele,
corria-se o risco de tomá-la universal sem os anseios e as características próprias de cada
112 "NOVO-riquismo" cultural e a arte-concreta. Considerações a cerca da denominação "arte-concreta" . Folha da Manhã, São Paulo, Caderno de Atualidades e Comentários , 28 jan. 1951 , p. 7. 113
" O ABSTRACIONISMO é a expressão da realidade caótica do momento". Arte Concreta: o mais importante movimento contemporâneo - confronto com o Neo-realismo.Folha da Manhã, São Paulo, Caderno de Atualidades e Comentários , 14 dez. 19~2, p.10.
96
nação114. Mas se este era o panorama da arte observado por Read, estava, então, a Arte
Concreta no caminho certo da busca de uma linguagem universal desprovida de qualquer
subjetividade, uma linguagem compreendida por todos sem qualquer tipo de referência.
Tanto a realidade de Brest, compostas por ''formas vitais superadas", quanto a
realidade mecânica de Read são as mesmas. São as mesmas em seu significante, em sua
forma plástica, elementos da obra, mas diferentes em seu significado. Na verdade as
"formas vitais superadas" são as formas primitivas que não estão vinculadas a qualquer tipo
de referência e que podem ser identificadas a qualquer momento ou lugar. São formas
superadas porque, ao passar do tempo, elas foram sendo incorporadas a outros fatores e,
portanto, escamoteadas da sua percepção primária, mas não deixam de existir quando
abstraídas e sintetizadas tornando-se, mais uma vez, formas vitais. Read as vê como
referência de um mundo contemporâneo, representação da mecânica, da tecnologia. Por
rejeitar a arte desprovida de qualquer sentimento ou memória, só tem percepção e
entendimento quando comparadas a experiências anteriores. Mas de um certo sentido, as
formas geométricas, apesar de não significarem nada dentro da Arte Concreta - a não ser
elas mesmas - representam o ambiente manifestado por novas ideologias e pensamentos,
gerados ou não por processo tecnológico. Máquina, síntese e objetividade. Representam, a
sua maneira, o fim do subjetivismo, a procura de uma objetividade que não gerasse
conflitos, incertezas ou dramas. A procura de um pensar racional e objetivo gerando paz e
harmonia. Não decorre apenas de um processo intelectual, mas também da contemplação
cotidiana do desenvolvimento frenético das cidades, onde tudo tende para o futuro e se
desprende do passado.
114 SIR Herbert Read fala da participação brasileira na Bienal e do abstracionsimo em geral. Folha da Manhã. São Paulo. 24 dez. 1953, p.8.
97
A Arte Concreta estava muito próxima das teorias que regiam o Neoplasticismo de
Mondrian , para quem mediante a expressão do objeto, a emoção da beleza é limitada (...)
o objeto deve desaparecer na expressão plástica m . Mas sobre o uso das cores primárias
(amarelo, vermelho e azul) e não cores (cinza, preto e branco), os concretos brasileiros iam
além e permitiram-se usar as cores complementares, entendidas, se usadas atonalmente,
como cores não naturais 116 .
Assim como no Rio de Janeiro, em São Paulo as questões abstratas já vinham sendo
tratadas desde o final da década de 40, como por exemplo a série Fotoformas de Geraldo de
Barros (1948) culminado com sua exposição em 1950, Samson Flexor começa os primeiros
trabalhos abstratos (1948), a exposição "Do Figurativismo ao Abstracionismo" no MAM
SP (1949) e o Art Club Internacional que promovia exposições e permanecia em contato
com o exterior, cujo vice-presidente era Waldemar Cordeiro (1949). Mas foi com a
exposição de Max Bill, no Museu de Arte de São Paulo, e posteriormente a sua
participação e premiação na I Bienal, assim como a premiação de Ivan Serpa com uma
pintura de formas abstrata-geométricas, que a Arte Abstrata Geométrica, Arte Concreta,
começa a se firmar. A I Bienal já demonstrava para qual caminho a arte brasileira estava se
encaminhando. Além de Ivan Serpa outros artistas também apresentaram obras com linha
abstrata-geométrica, o próprio cartaz de Antônio Maluf para Bienal já mostrava isso.
115 MONDRJAN, Piet. Realidad natural y realidad abstrata. Madrid : Editorial Debate, 1989. p.6. 116 COCCHIARALE, Fernando ; GEIGER,Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal. Rio de Janeiro : Funarte/lnstituto Nacional de Arte Plásticas, 1987. p. I 6.
Fig. 2- ·'Geométrico", Samson Flexor. 1952, óleo sobre tela, 60 x 80cm
Fig. 3 - ·'Formas", Ivan Serpa, 1951, óleo sobre tela. 97 x 130 cm
98
99
Não tardou, então, para que o Rio de Janeiro também formasse o seu grupo com
ideais concretos e, em 1953, surge o Grupo Frente formado por Ivan Serpa e seus alunos
do curso de pintura que ministrava no MAM/RJ, tendo como teóricos os críticos de arte
Ferreira Gullar e Mário Pedrosa. Ao contrário do grupo paulista, o grupo carioca se
mostrou menos radical. Formado predominantemente por artistas abstrato-geométricos, a
liberdade de expressão por ele defendida permitia o ingresso de artistas de todas as
linguagens, bastando não estarem comprometidos com as gerações passsadas, como Elisa
Martins da Silveira e Carlos Vais. Os elementos usados em seus trabalhos eram mais
subjetivos e os postulados matemáticos não eram obrigatórios. Logo perceberam que
apenas por trabalharem com formas geométricas não bastaria para que pertencessem ao
mesmo movimento, o que a I Exposição Nacional de Arte Concreta, em dezembro de 1956,
iria confirmar.
Apesar dos dois grupos trabalharem dentro de uma mesma área de pesquisa formal, o
grupo paulista mostrava-se muito mais rigoroso e mais próximo dos princípios concretos. E
por quê? Por que os paulistas são mais teóricos do que os cariocas? Mário Pedrosa
arriscara certa vez: os cariocas estão longe dessa severa consciência concretista de seus
colegas paulistas. São mais empíricos, ou então o sol, o mar os induzem a certa
negligência doutrinária117. A forma para os paulistas era uma experiência visual dinâmica,
com as explorações temporais do espaço. As formas marcavam o ritmo que por conseguinte
marcavam o movimento ordenado e preciso que era incorporado ao tempo, tempo de se
perceber o espaço. Uma precisão que eliminava qualquer possibilidade de alusão subjetiva,
experiência ótica vivenciada pelas formas plásticas da obra. A intuição apresentada pelos
cariocas era contestada pelos paulistas, pois viam nela uma maneira de negar a arte ao nível
117 PEDROSA,Mário. Paulistas e cariocas. ln.: ARANTES. Otília (org.). Acadêmicos e modernos: textos escolhidos m / Mário Pedrosa. São Paulo : Edusp. 1998. p. 256.
100
da evidência. Os paulistas achavam que a intuição não era igual para todos e portanto era
necessário um repertório que seria diferente para cada um. As formas puras e objetivas
estariam acessíveis a qualquer um independente da cultura, nível social, sexo ou idade.
Fig. 4 - ··Movimento ", Waldemar Cordeiro, 1951, têmpera sobre tela, 90.1 x 95 ,3 cm
A cor para os cariocas era uma das diferenciações mais destacadas, enquanto a forma
rígida e determinante no uso da cor era para os paulistas. A cor carioca não era uma cor
pura incorporada à forma gerando o objeto, elementar, mas era sujeita à expressão.
A cor para o paulista é uma cor-superficie, luminosidade pura, cor para uma forma que aqui age como objeto; a cor para o carioca é espaço também, é iluminação, isto é, a visão por assim dizer dos espaços vazios; é forma negativa ( ... ) 118
.
A racionalidade paulista e o uso da cor carioca eram muito destacados como faz crer
o testemunho de Waldemar Cordeiro a respeito das obras de Ivan Serpa: até marron há
118 PEDROSA. Mário. Paulistas e cariocas. Op. cit, p. 256.
101
nesses quadros119 . Mas, o mais curioso, é que o próprio Cordeiro e Hermelindo Fiam.inghi,
artistas concretos paulistas, segundo Mário Pedrosa, por um deslize, usavam cores de uma
forma sensual e subjetiva. Mas as diferenças de diretrizes não paravam por aí, segundo
Mário Pedrosa, Décio Vieira, artista carioca, era mais abstrato do que concreto; e o carioca
mais próximo dos paulistas, João José, dialogava com as cores de uma forma subjetiva e
expressionista 120 . Disto tudo o que se podia observar era que, contrariando os críticos, em
especial Sérgio Milliet, a Arte Concreta, por sua diversidade demonstrada nesta exposição,
não carecia de variações, mas, apesar disso, rumava para uma cisão inevitável. Assim, em
22 de março de 1959, os artistas cariocas rompem com a Arte Concreta; publicando o
manifesto Neoconcreto no Jornal do Brasil e realizando a I Exposição de Arte Neoconcreta,
noMAM/RJ.
O grupo paulista, então, era o segmento que proporcionaria com mais naturalidade
um ambiente para o surgimento efetivo de uma atividade nova que era o desenho industrial,
o design. Esta estava muito ligada aos meios de produção industrial como oficinas de
móveis, gráficas etc. Não foi à toa que certa vez Waldemar Cordeiro mandou executar seus
trabalhos para uma exposição em uma fábrica de placas de sinalização É assim que os
artistas concretos substituem sucessivamente o óleo pelo esmalte, a tela pelo eucatex e o
pincel pela pistola. Trata-se na verdade de uma posição definida pelo movimento - a arte
não é expressão, mas produto121. E não era de se estranhar que os artistas desse movimento
estivessem envolvidos em atividades do meio empresarial-industrial. Waldemar Cordeiro
trabalhava com publicidade, ilustração e paisagismo; Luis Sacilotto era desenhista técnico;
Maurício Nogueira Lima cartazista e Hermelindo Fiaminghi gráfico e publicitário. Assim
119 CORDEIRO, Waldemar. Teoria e prática do concretismo carioca. ln.: COCCHIARALE, Fernando; GEIGER,Anna Bella. Op. cit. p.226. 120 PEDROSA,Mário. Paulistas e cariocas. Op.cit. p. 256 121 LEITE,Rui Moreira. Ganhando Terreno. Revista Veja. 9 jul. 1986, p.118.
102
como eles, Geraldo de Barros desenvolvia sua carreira artística paralelamente com o design
que na verdade completavam-se. Essa troca permitiu uma contribuição ao desenvolvimento
do design gráfico brasileiro .
Fig. 5 - ·'Faixas Ritmadas" . Ivan Serpa. 1953 , tinta industrial sobre eucatex, 122 x 81,5 cm
6. GERALDO DE BARROS: DESIGNER CONCRETO
Geraldo de Barros será o exemplo para a justificativa de como a Arte Concreta foi
importante para o desenvolvimento do design no Brasil. Assim como outros artistas
concretos, Geraldo soube aproveitar os ensinamentos adquiridos em todas as suas
manifestações artísticas e tranferi-los para o design, principalmente no que se refere à Arte
Concreta. Como e porque a sua maneira de fazer arte foi importante para o
desenvolvimento de sua carreira como designer? E qual foi o fio condutor de seus
trabalhos? Fotografia, gravura, pintura, design : arte. Quais foram as transferências da
fotografia para gravura; da gravura para a pintura; da fotografia-gravura e pintura para o
design; do design para a arte? Dentro da pintura e de seus trabalhos ligados às artes
plásticas se terá uma gama heterogênea, indo de um naturalismo acadêmico, passando pela
arte concreta e pop e culminando em seus trabalhos concretos da década de 80.
Foto-gravura
O artista antes de se tomar um dos fundadores do grupo Ruptura ( 1952), e apesar de
ter sido premiado no Salão Nacional de Belas Artes de 1947 a 1949, fez a sua inserção no
ambiente cultural e artístico brasileiro por meio da fotografia. Sua experiência com esta
104
nova linguagem começou em 1947, tomando-se inovador e rompendo com a tradição da
linguagem fotográfica vigente no Brasil. Frequentou o Foto Cine Clube Bandeirantes, por
certo o lugar apropriado para as suas novas experimentações fotográficas. A entidade
mostrou ser muito conservadora e não tolerava inovações. Os seus membros tinham um
comportamento muito tradicional e as experiências de Geraldo de Barros não correspodiam
àquilo que o clube considerava "interessante". O clube promovia a participação de seus
fotógrafos em mostras nacionais e internacionais mas, pela falta de "interesse" dada aos
trabalhos de Geraldo de Barros, sua presença em tais mostras não era das melhores. O nível
dos associados era medido pela participação nestas mostras e Geraldo de Barros nunca
passou da categoria de "novíssimo". Foi a partir do interesse de Pietro Maria Bardi no
trabalho desenvolvido pelo artista que pôde ter a primeira exposição de fotografias, a série
Fotoformas.
Em 1949, Bardi convidara Geraldo de Barros para orgaruzar um laboratório
fotográfico no MASP fundado há dois anos - nota-se a preocupação de dar à fotografia um
novo estatuto, um estatuto de arte integrando-a dentro de um lugar movido pela arte.
Geraldo de Barros passou a desenvolver com mais liberdade - pelo menos com a aceitação
das pessoas que estavam a sua volta - as experiências iníciadas no Foto Cine Clube
Bandeirantes. Em 1950, a exposição Fotoformas foi realizada no MASP e mais tarde no Rio
d J º 11. xcc - 122 e ane1ro no 1vu::, , em proporçoes menores .
Essas fotos eram feitas em uma máquina fotográfica Rolleiflex que possibilitava usar
um filme com fotogramas (7 x 7 cm) maior do que as máquinas convencionais e assim
m Estas fotos foram expostas no mesmo ano em Salvador e masi tarde na Suíça no Musée l 'Elysée em Lausanne (1993) depois indo para Portugal e Alemanha. Em 1994 o Museu da Imagem do Som de São Paulo receberia também esta exposição e recentemente em 1996, parte dela, no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro. Hoje o acervo destes negativos e de mais algumas outras fotos pertecem ao Museu l'Elysée.
' . . .
Fig. 6 - São Paulo, Geraldo de Barros, 1948, desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim O
Fig. 7 - Ateliê de Viera da Silva, Geraldo de Barros, 1951, superposição de imagens :>
105
.... 'I
106
facilitando as suas intervenções. Além disso, possibilitava também duplas ou mais
exposições no mesmo fotograma o que permitia compor enquanto fotografava. Na verdade
estas intervenções (cortes, furos, riscos e traços a nanquim) e duplas exposições iam contra
as formas de perfeição que a fotografia instituía como valor de seu processo, a
representação clara e perfeita da realidade, substituindo a pintura nesta função. Assim,
Geraldo de Barros rompia com a ordem vigente e imprimia um novo olhar por meio de seus
trabalhos. Com forte e clara linha expressionista e abstrata constrói uma nova linguagem
fotográfica. Precedia desta forma as discussões em tomo do abstracionsimo e da
formulação do processo construtivo brasileiro.
Suas fotos com linha expressiva, lembram, a princípio, as pinturas de Paul Klee.
Traços e riscos mostravam aquilo que ainda não era visto, mas que por meio de sua
intervenção/percepção podia ser revelado. Reafirmando assim o que Giulio Cario Argan
escrevera sobre Klee:
Seu objetivo não é representar, e sim visualizar; a visualização segue as leis da percepção. Representa-se algo que já possui uma forma no mundo exterior ou na imaginação do artista: visualiza-se algo que, antes de ser visulalizado, não tinha uma existência fenomênica 123
.
Em suas primeiras fotos a figura existe, ainda que procurando abstraí-la. Pode-se
considerá-las como um segmento das fotos denominadas dentro dos fotoclubismo como
"fotografia arquitetônica", em que o resultado era obtido por um enquadramento onde a
imagem não era perfeitamente identificável, não se revelando por completo. Paralelamente
usou o recurso da intervenção, construindo a figura com traços, manchas, riscos e espaços
vazios, livre de qualquer preciosismo, incorporando uma força expressiva à figura . Com o
123 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras. 1993. p.323.
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107
Fig. 8 - Castelo de Carcassone (França), Geraldo de Barros, 1951
tempo a figura construída vai sendo substituída e o que antes, por exemplo, era uma
estrutura metálica se transforma em linha, em signo.
O seu contato com a exposição dos internos do Hospital Psiquiátrico D.Pedro II e
consequentemente as visitas a este hospital no Rio de Janeiro, assim como os seus estudos
sobre Paul Klee, gestalt e suas conversas com Mário Pedrosa, permitiram uma nova
percepção do mundo a sua volta. Por meio desta exposição descobre afinidades entre estas
pinturas e os desenhos de crianças. Uma pintura com pureza, despida de qualquer
intelectualismo. Mário Pedrosa ter-lhe-ia dito que são pinturas do subconsciente,
propriedade que somente os alienados e as crianças têm 124• Para Mário Pedrosa, os
trabalhos dos doentes mentais, assim como das crianças nem sempre passavam de amostras
embrionárias de arte, porém, por mais simples e primitivas que fossem, já eram de natureza
artística, faltando uma força realizadora capaz de organizar e disciplinar a sua intuição.
124 Entrevista com o artista Geraldo de Barros em companhia de sua mulher Electra, em 3 de novembro de 1995.
Fig. 9 - Homenagem a Paul Klee, Geraldo de Barros, 1949, desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim
108
Esta consciência não eleminaria a força primitiva inata do ser humano mas permitiria uma
melhor organização das suas emoções, o que ele chama "alma da composição artística".
Acreditava que seria por este caminho, pela percepção primeira das coisas, sem referências
e defendida e elucidada pela gestalt que a arte moderna poderia romper com a resistência
geral do público.
Ao defrontar-se com um muro quebrado e imperfeito, cheio de rachaduras e furos, o
artista tem a sua frente uma imagem ambígua que lhe permitirá várias visões. Sua percepção
estará livre para encontrar a imagem que mais lhe agradar ou a primeira que lhe aparecer.
Nessas imagens (muros) têm-se a possibilidade de gerar infinitas formas, que são
presentificadas em suas fotos por meio das intervenções. Essa maneira de percepção das
imagens, que povoam o seu mundo concreto, é a sua aplicação da gestalt, onde parte de um
todo tem importância e valor permitindo até mesmo a reconstrução de uma nova imagem.
Ou, então, abstrai de tal maneira que, a sua frente, vê um mundo novo a ser construído, e a
109
imagem passa a existir na mente do artista e presentificada por me10 de seu trabalho
fotográfico. O que ocorre é a sua percepção sincrética global, que é a primeira imagem
visualizada em sua mente (imagem-idéia) e apresentada na foto (imagem-objeto).
Ainda sobre Paul Klee, a problematização da comunicação da imagem quando estava
atrelada à representação de si mesma, significaria a destruição da subjetividade. A arte para
Klee é comunicação intersubjetiva, isto é, não mediada pela referência à natureza,
entendida como código ou linguagem comum ao artista que emite a mensagem e ao
frnidor que a recebe 125. Para Klee, não existe distinção entre estética e comunicação
intersubjetiva, concluindo ser a mesma coisa se a comunicação for feita por imagens. Ao
objetivar o subjetivo, não o revelaria, mas o destruiria. A busca do caminho em sua arte era
revelar a imagem em estado puro, no estado da imagem. E esta imagem que surge de um
estado mental será transformada, ou melhor, adquirirá consistência por meio da matéria.
Substitui a imagem mental por imagem materializada. Este é o mesmo processo que faz
Geraldo de Barros em suas fotos que têm como referência a pintura de Paul Klee. Capta
uma imagem por associações visuais, mas estas não são, de forma alguma, o único resultado
de sua percepção. Do mesmo instante observado, do mesmo objeto concreto encontrado -
seja um sapato deformado ou duas placas fincadas na terra com suas sombras projetadas -
pode-se ter infinitas imagens a serem materializadas. Tendo como o exemplo a foto cuja
imagem se materializou em ave, Geraldo de Barros tinha a sua frente duas placas numeradas
fincadas na terra cujas sombras projetadas lhe despertaram o comprimento das patas de uma
ave, daí nasceu todo o resto da composição por meio de suas intervenções. Estas placas
poderiam constituir parte de uma outra imagem totalmente diferente, pois dependeria da
posição do sol, por exemplo, para se ter o prolongamento da sombra. Isto faz lembrar
125 ARGAN, Giulio Carlo. Op. cit. p 447.
llO
também como ele trabalhou com o acaso: acredito também que é no "erro", na exploração
,J .d . - fi ífi 126 uo acaso, que res1 e a cnaçao otogra 1ca .
Geraldo de Barros mostra em seus trabalhos uma visão unívoca, uma imagem
acabada, isto é, apresentada assim em seu trabalho, enquanto Klee apenas deixa um material
para a construção da imagem, possibilitando a pluralidade de imagens. Neste caso, Geraldo
de Barros ainda está preso a um referencial, a uma figuração, dando ao espectador uma
solução de sua percepção para imagem encontrada ao acaso, mesmo sabendo que não é a
única.
Fig. 10 -" O músico", Paul Klee, 1937, aquarela sobre papel, com fundo de greda e cola, 27, 7 x 20,3 cm
126 BARROS, Geraldo de. ln: BARROS, Fabiana de ; BARROS , Leonora de; CURTIS, Ana Helena. Fotoformas. São Paulo : Raízes, 1994, s.p ..
111
&., -rr, ',
•
• • • 1 1
Fig. 11 Cemitério do Tatuapé (São Paulo), Geraldo de Barros, 1949, desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim
Fig. 12 -'' Insula Dulcamara", Paul Klee, 1938. óleo sobre papel de jornal e juta, 88 x 176 cm
112
O que se percebe perfeitamente nestas fotos é a necessidade da não representação da
realidade que se está acostumado a ver, de criar mesmo por meio de figuras algo novo e
não visto, mas perceptível a qualquer um, ou ainda desconstruir a imagem ao extremo. Na
série com elementos mais geométricos a desconstrução é clara, assim como nas fotos
referendadas a Paul Klee têm-se a criação. Ver aquilo que não se consegue enxergar e
destruir o que se pode ver. Mas destruir no sentido de construir logo após algo novo, algo
diferente. Romper com categorias clássicas e permitir novas descobertas por meio de
técnicas que não são as tradicionais da fotografia, até mesmo usar o erro ( como a exposição
prolongada da luz) como recurso técnico.
Os cortes, os traços, as superposições nos negativos e todo tipo de intervenção
realizada por Geraldo de Barros trazia para foto autonomia e corporificação. Tratando a
foto como
Fig. 13- ''Homenagem a Picasso", Geraldo de Barros, 1949. desenho sobre negativo com ponta seca e nanquim
Fig. 14 - "Fotoforma"(Estação da Luz), Geraldo de Barro, 1950,superposição de imagens no fotograma
113
objeto único (protótipo, molde, matriz) e transportando-a para o estatuto de arte. Ao
definir a fotografia como sendo um processo de gravura, tentou introduzi-la como categoria
artística na II Bienal de São Paulo 127•
Antes da exposição da série Fotofonnas teve contato com as obras de Max Bill que
iam ser apresentadas em sua exposição no Museu de Arte de São Paulo. Estas não tiveram
nenhuma influência em seu trabalho fotográfico, apenas permitiram respaldar as idéias
concretas que iria difundir. Fez questão de expor antes mesmo de embarcar para Europa em
1951 - viagem patrocinada por uma bolsa do governo francês - evitando comentários de
influências européias em seu trabalho. Como afirma Charles Henri Favrod (diretor e
conservador do Musée de l"Elysée em Lausanne, Suíça) não ter tido, Geraldo de Barros,
conhecimento nesta época dos trabalhos realizados por Man Ray128. Mas, o próprio Geraldo
u, BARROS, Geraldo de. ln: BARROS, Fabiana de; BARROS,Lenora de; CURTIS, Ana Helena. Op. cit. s.p. 128 FAVROD. Charles Henri. ln.: BARROS, Fabiana de; BARROS, Leonora de; CURTIS, Ana Helena. Op. cit. s.p.
114
de Barros, em entrevista concedida, por meio de questionário, ao então coordenador de arte
do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Paulo Estellita HerkenhoffFilho, afirma que,
em 1948, nas visitas que fazia à Biblioteca Municipal de São Paulo teria tido contado com a
obras de Man Ray129. Contudo, não cabe aqui confirmar ou não em suas fotos transferências
de Man Ray, ou o seu pioneirismo, deve-se admirar e reconhecer a capacidade de transpor
tais recursos técnicos em seu trabalho e a coragem de sustentar estes conhecimentos em um
país que, ainda preso às tradições, começava a esboçar condições de progresso e
prosperidade, permitindo ao longo dos anos 50 grandes transformações.
Assim como Man Ray dedicou-se às experimentações técnicas, explorando recursos
como efeito "sabatier" (solarização), granulação, revelação em negativo, distorção, outros
artistas seguiram este caminho da experimentação como Laszló Moholy-Nagy, por
exemplo, que junto com Paul Klee também lecionou na Bauhaus. Os experimentos de Nagy
chegaram ao limite do processo fotográfico, eliminando até mesmo a máquina fotográfica
trabalhando diretamente sobre o papel fotográfico e a luz. Man Ray, em 1922, utilizava a
mesma técnica a qual chamou de "Rayografia". Sobre o papel fotográfico colocava objetos
e, quando expostos à luz do amplificador, davam resultados geométricos, abstratos como
silhuetas brancas sobre fundo preto. Geraldo de Barros chegou a utilizar a mesma técnica
em seus últimos trabalhos:
A série Fotoformas foi por mim concebida entre 1948 e 1951. Na II Bienal apresentei meus últimos trabalhos em fotografia, composições em branco, preto e cinza que eu fazia diretamente sobre o papel fotográfico, usando somente a luz. A partir de então, nunca mais fiz nada nesta área, pois, como já disse era uma fase esgotada dentro da
minha trajetória. 130
129 Entrevista feita por Paulo Estellita HerkenhoffFilho com Geraldo de Barros em 1988. Pasta do artista.
Arquivo MAM-RJ.
130
Entrevista feita por Paulo Estellita Herkenhoff Filho com Geraldo de Barros em 1988. Pasta do artista.
Arquivo MAM-RJ
•
. ~
115
O que se pode concluir é que tanto a solarização como a "Rayografia" - utilizadas
por Man Ray - seriam usadas, cedo ou tarde, por um artista curioso e aberto a novas
experimentações como Geraldo de Barros, questão de "espírito de época", de sintonia131 ,
como ele próprio alegou, certa vez, quando foi questionada a relação de seu trabalho com o
de outro fotógrafo, José Oiticica Filho, e que vale para as demais relações com outros
artistas. Com José Oiticica Filho não teve nenhum contato apesar de terem sido
contemporâneos. Por esta época, Oiticica trabalhava também com abstrações e
experimentações de montagens de negativos com chapas de vidro.
Na verdade, vários artistas e designers utilizaram a fotografia dentro do seu processo
de criação. Utilizando o recurso da fotomontagem, os dadaístas (Georg Grosz, John
Hearfield, Hannah Hõch, Raoul Haussmann, Francis Picabia, Max Ernst,) e os
construtivistas ( El Lissitzky, Vladimir e Gyorgy Stenberg) reconstruíam a imagem de
acordo com as suas intenções plásticas. Assim como os fotógrafos Paul Strand em 1916,
Tato (Gugliemo Sansoni) em 1930 e posteriormente Aaron Siskind, trabalhavam as
imagens, buscando uma abstração.
As fotofonnas de Geraldo de Barros, ainda que partindo do real guardando a memória, operavam no campo da percepção visual como construção abstrata. Por outro lado, essas fotos enquanto documento do real estão definitivamente comprometidas. Seu estado é agora o de ambivalência. Nas obras mais bem sucedidas, qualquer resquício do "real" é sobretudo forma, linha, signo. 132
Este "resquício do real" transformado em "forma, linha, signo" foi feito por meio de
suas intervenções que não eram recursos encontrados tão constantemente nos trabalhos dos
outros fotógrafos. A maneira como decompõe a realidade, abstraindo-a, não se encontra em
131 Entrevista feita por Paulo Estellita Herkenhoff Filho com Geraldo de Barros em 1988. Pasta do artista. Arquivo MAM-RJ. 132 HERKENHOFF, Paulo Estellita. A imagem do processo. Folha de São Paulo. São Paulo, 27/10/87. Pasta do artista. Arquivo MAM-RJ.
1
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116
Fig. 15 -"Fotoforma" (Estação da Luz), Geraldo de Barros, 1950, negativo recortado prensado em duas placas de vidro
Fig. 16 - "Fotoforma" (Estação da Luz), Geraldo de Barros, 1950, superposição de imagens no fotograma
117
nenhuma outra foto desses artistas, ou ainda, a criação de uma nova imagem com recursos
gráficos não se tem igual. Pode-se chegar à conclusão de que Geraldo de Barros assimilou
as técnicas e deu um passo à frente rumo à construção, rumo à interdisciplinaridade.
Quando a intervenção é feita com cortes, furos, riscos e traços a nanquim não está ali só o
fotógrafo mas, um desenhista, um gravador,um pintor. Esta atitude interdisciplinar remete
se imediatamente à postura de um designer, à "filosofia" bauhausiana. E quando trabalha
apenas com a luz , o ampliador e o papel fotográfico, vêem-se aí, os ensinamentos de ltten
na Bauhaus. Fotografia, etimologicamente, significa "desenhar a luz" e é o que se percebe
em suas últimas fotografias, a transformação da luz em algo concreto e material.
As suas gravuras e desenhos também percorrem o mesmo caminho, partem da
figuração e chegam à abstração. As transferências de Paul Klee são ainda mais marcantes e
não é, de forma alguma, disfarçada. Ao expor em 1952 desenhos, gravuras e pinturas, no
Museu de Arte Moderna de São Paulo, transcreveu no "folder" da exposição um trecho do
diário do artista. Neste trecho, Klee julga ser mais importante a forma sincera e original de
seu trabalho do que a simples imitação habilidosa, sabe que está começando e que pode não
estar agradando mas o caminho a seguir é este. É pelo começo, desenhando e pintando.
Exercitando a visualidade, construindo por meio das próprias técnicas de uma forma
primitiva com imagens primitivas. Não importando quanto tempo demore para chegar a
algo verdadeiro, algo que se possa orgulhar. 133 Geraldo de Barros utiliza as palavras de
Klee para demonstrar o que sente em seu trabalho. Exercício, experimentação da
visualidade. Não há em seu trabalho - como na própria personalidade do artista - nenhuma
pretensão à mestria. Faz tudo quase de uma maneira intuitiva, como no trecho do diário:
pretendo realizar algo de muito modesto. (. . .) um pequeno motivo formal, que o lápis
133 Trecho do diário de Paul K.Jee impresso no "folder" da exposição "Geraldo de Barros" em 1952 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Pasta do artista. Arquivo do Museu da Imagem do Som de São Paulo.
118
possa dominar sem qualquer técnica. Um mero acaso basta essa cousa pequena é fácil e
consisamente resolvida134.
Fig. 17 - Cena de Batalha, Geraldo de Barros, 1950, ponta seca sobre papel, 12,1 x 26,8 cm O
Fig. 18 - Folder da exposição de Geraldo de Barros, 1952, 16 x 9, 5 cm (fechado)~
134 Idem
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MUSEU DE ARTE MODERNA m > :o :o o UI
1
119
O percurso de seu trabalho com gravura começou antes mesmo das aulas que teve
com Stanley William Hayter em Paris, assim como muitos gravadores brasileiros - Fayga
Ostrower, Lívio Abramo entre outros. Geraldo de Barros pertence ao grupo de jovens
gravadores que participaram de exposições itinerantes pela europa. Certa vez recebeu
elogios de Sérgio Milliet, por ocasião do Salão de Maio em Paris de 1952:
( ... ) além da pintura e da escultura, se exibe um conjunto admirável de gravuras. Neste terreno estamos à altura dos melhores. Goeldi e Abramo são mestres de nível internacional e os jovens, como Geraldo de Barros e Marcelo Grassman à frente, causam forte impressão nos amadores 135
....................
.......... -...... ................ ..._ ________ _
Fig. 19 - Cartaz da ex.posição "Graveurs Bresiliens", 1954, 64,8 x 49, 8 cm
m MILLIET, Sérgio. O salão de maio. O Estado de São Paulo. São Paulo, 24 maio 1952, p.4.
120
Geraldo já tinha sido premiado com um terceiro lugar na I Bienal de São Paulo com
uma gravura, e, em 1954, participaria de outra exposição de gravadores brasileiros na
Europa, "Graveurs Brésiliens", junto como Candido Portinari, Livio Abramo, Fayga
Ostrower, Marcelo Grassmann, Aldemir Martins entre outros. Esta exposição apontava a
qualidade de gravadores que se estava formando no Brasil.
Arte Concreta e o Design
Como já foi demonstrado por meio das gravuras e fotos, Geraldo de Barros partiu da
figura, abstraiu-a até surgir o signo. Em suas fotos, no periodo final da série Fotoformas,
onde não se tem nem mesmo a interferência de traço, corte, furo, mancha - sugerindo uma
subjetividade e expressão - ou múltiplas exposições e montagens - abstração da imagem-,
o que se nota é a presença do signo, a mancha tonal e a transparência. Ele constrói por meio
da técnica da revelação fotográfica a figura. Materializa de uma forma bidimensional a luz
sobre o papel fotográfico, construindo uma imagem concreta, sem referências.
Geraldo de Barros começou a pintar em 1945 por meio da Associação Paulista de
Belas Artes, neste mesmo ano foi aluno de Clóvis Graciano. Depois teve aula com Colete
Pujol (46) e Yoshiya Takaoka (47). Com Takaoka, Antonio Careli, Ataíde de Barros entre
outros pintores formou o Grupo 15, núcleo para discussão e produção das artes plásticas
em São Paulo. Com forte linha naturalista nada diferenciava da produção acadêmica. Até
que, em 1952, forma o Grupo Ruptura e a Arte Concreta é instaurada oficialmente no
Brasil. O caminho percorrido com as outras linguagens (fotogafia e gravura) garantiram a
passagem de sua pintura acadêmica para a concreta.
121
Uma das propostas era a socialização da arte. Tentava-se abolir o quadro como
objeto único. Para Geraldo de Barros, a unicidade não representa apenas a aura da obra de
e arte, mas, principalmente, o valor que esta obra adquire no mercado e as suas
decorrências. O fato de ter o seu preço valorizado, por ser uma peça única e estar presente
em galerias e museus, afastaria o grande público. Isto, ele retomaria a criticar, mais
enfaticamente, nos anos 60 com o Grupo Rex. Na verdade a postura da Arte Concreta em
relação à reprodutibilidade da obra é mais um posicionamento político do que estético. A
pintura, portanto, deveria ser produto. Produto resultado de um projeto. Mas este
produto/objeto gerado por meio de um projeto não perde o seu valor de único. Ele é o
"protótipo" daquele projeto e a sua reprodutibilidade é decorrente do seu processo.
Segundo o artista, esta era uma questão de qualidade e não de quantidade, portanto
diferente do objeto copiado do próprio objeto136. Com a reprodutibilidade haveria a
possibilidade de uma produção maior e que abrangeria um número maior de pessoas, que
era diferente daquela obra, obra única, exposta em museu ou galeria, que teria o seu valor
qualificado por sua exclusividade.
Fig. 20 - ·'Estrutura Tridimensional", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite,60 x 60 cm
136 MORAIS, Frederico. Geraldo de Barros: criação plástica e lógica industrial. O Globo, Rio de Janeiro, 2° Caderno, 28 maio 1986, p. 3.
122
Na XV Bienal de São Paulo, resolveu apresentar os seus trabalhos com um esquema
de reprodução da obra. Eram cinco esquemas com a diagramação da pintura e as
alternativas que poderiam ser criadas. Mais tarde, em decorrência de um problema de saúde
- devido a uma isquemia ficou com parte do corpo paralisada e com dificuldades de se
comunicar -, desenvolveu um trabalho com fórmica, que era projetado por ele e
.Esquema dos 5 projetos apresentados nesta Bienal.
·.~-º projeto parte de insérições sucessivas de um quadrado em um quadrado. Conforme o projeto (vide figura), diversas variações são permitidas: 1) Conforme o protótipo apresentado, em branco e preto: 2) O seu negativo; 3) Com o uso de uma cor e sua complementar; 4) Com o uso de três· cores simples, suas complementares, o branco e o preto.
Fig. 21 - Detalhe do esquema apresentado por Geraldo de Barros na XV Bienal de São Paulo, 1979 O
Fig. 22 - Trabalho apresentado na XV Bienal de São Paulo, 1979 ~
123
executado pelos marceneiros da oficina de sua loja de móveis, Hobjeto. Nestes dois
exemplos, percebem-se as diretrizes do movimento concreto perfeitamente adequadas ao
sistema industrial e pertinentes ao desenvolvimento do design. É certo, porém, que estes
trabalhos pertencem ao final dos anos 70 e início dos anos 80 e o design no Brasil já não era
tão desconhecido assim. E, claramente, as tranfererências agora são em sentido contrário,
são as suas experiências com o design sendo aplicadas na arte.
Os trabalhos de Geraldo de Barros referentes ao periodo concreto dos anos 50 são
racionais e pertinentes à questão da percepção. Os seus quadros são em grande maioria
equili'brados e simétricos desenvolvendo uma profundidade e movimento por meio da
progressão das formas e alternância das cores. Mas existe em alguns deles - como por
exemplo "Resultado variável cinza e branco invariável vermelho e branco" e "Círculo sobre
círculo" - uma poética e leveza, um certo mistério. Algo a ser desvendado. O que os
tomam diferentes em relação à clareza e frieza dos demais. Em outros o jogo entre as
figuras é claramente evidenciado, o que é fundo move-se para frente e a frente se toma
Fig. 23 - ·• Torção em azul e branco", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm
Fig. 24 - " Resultado variável cinza e branco invariável vermelho e branco", Geraldo de Barros. 1953. esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm
Fig. 25 - " Círculo sobre círculo", Geraldo de Barros. 1953. esmalte sobre kelmite. 60 x 60 cm
124
_,._
·- ·-
125
fundo 'da figura. É o caso das obras "Indetenninante ótica de 2 formas iguais" e
"Ruptura". E em ''Estrutura Dimensional" há o equilíbrio entre fundo e figura, onde o jogo
entre a cor densa e concentrada da figura (círculo) se ajusta perfeitamente ao fundo
imaculadamente branco.
Fig. 26 - •· Indeterminante ótica de 2 formas iguais",Geraldo de Barros. 1953, esmalte sobre kelmite. 60 x 60 cm :>
Fig. 27 - ·· Ruptura",Geraldo de Barros, 19 5 2. esmalte sobre kelmite, 54,8 x 48 cm O
Fig. 28 - '· Estrutura dimensional", Geraldo de Barros, 1953, esmalte sobre kelmite, 60 x 60 cm
126
Em algumas obras de Geraldo de Barros encontra-se algo que parece querer
ultrapassar a barreira racional da estrutura. Não descarta, de nenhuma maneira, a
progressão e estruturação geométrica, mas vai além do simples formalismo, chegando a um
certo jogo lúdico. Contrapondo à estruturação rigorosa, o jogo de cores e formas
semelhantes deixam revelar no artista, por vezes, uma inclinação maior para os concretos
cariocas, mais livres e menos rigorosos, como em "Vermelho e verde em formas contrárias"
( 1952) e "Concreto" (1958). Na primeira obra há uma vontade de relacionar as figuras
apresentadas num jogo de complementação determinado pelas suas formas, cores e
posicionamentos.
Apesar de discordar de certas medidas autoritárias e políticas de Waldemar Cordeiro
e na I Exposição Nacional de Arte Concreta (1956) não ter apresentado nenhuma obra
nova, nota-se que a sua produção artística concreta vai dando lugar ao design industrial e
gráfico. Já em 1952, ganha o concurso para o cartaz do "IV Centenário de São Paulo"e, em
1953, para os concursos de cartazes da "Revoada Internacional" e "Festival Internacional
de Cinema" - estes em parceria com Alexandre Wollner. No ano de 54, tem-se o registro
do início de seus trabalhos de design gráfico, desenvolvidos no Museu de Arte Moderna.
São folders e catálogos para a cinemateca do Museu. E, ainda neste ano, participa de uma
das primeiras comunidades de trabalho do Brasil, a Unílabor.
Essa mudança, segundo a sua filha Fabiana de Barros, deu-se de uma forma natural
sem nenhum tipo de ruptura com as diretrizes concretas, mas ainda assim, segundo ela,
Geraldo de Barros tinha alguns atritos com Waldemar Cordeiro137 . Os atritos iam desde a
simples ordem de apresentação dos nomes dos artistas pertencentes ao Grupo até questões
políticas. Waldemar Cordeiro tinha um temperamento autoritário e se colocava sempre
137 Correspondência enviada para o autor em 9 de junho de 1998
Fig. 29 - ·· Vermelho e verde em formas contrárias", Geraldo de Barros. 1952, esmalte sobre kelmite, 39,2 x 56 cm
Fig. 30 - "Concreto". Geraldo de Barros, 1958, esmalte sobre eucatex, ~9 x 71 cm
127
128
como líder do grupo, queria que a arte concreta fosse a arte oficial do Partido Comunista e
detenninava como seriam as participações dos membros dos grupos em exposições fora e
dentro do Brasil. Décio Pignatari, certa vez, comentou que Geraldo de Barros se mostrava
dissidente por discordar do comportamento de Cordeiro 138.
Na verdade, não era uma mudança mas, apenas, uma adaptação dos ideais concretos
ao universo do design. Pode-se dizer até, que este ambiente seria mais apropriado do que o
próprio ambiente artístico preso aos ditames tradicionais. Dentro do design, a questão da
reprodução era um fator sine qua non, e a questão social uma preocupação pertinente a sua
gênese, apesar de desvirtuada e discutível ao longo dos anos. Portanto, mais uma vez,
Geraldo de Barros estava fazendo uma opção por um caminho para desenvolver a sua
expressão artística sem abandonar as diretrizes que acreditava e defendia até então. Com o
seu trabalho estava construindo a história do design no Brasil.
Em 52, com o cartaz do "IV Centenário", observa-se a clara transposição do
imaginário da gravura que o precedera. Olhando para as gravuras "Vista de um Porto" , de
1950, e "City to Conquer", de 1951, percebe-se a influência de Mondrian e o caminho
abstrato de síntese e construção que o levaria a ajudar fonnar o movimento concreto. Nos
cartazes seguintes, " Revoada Internacional " e" Festival de Cinema Internacional", pode
se observar a construção e o poder de síntese mais apurados. No "Revoada", por exemplo,
desenvolvido em conjunto com Alexandre Wollner, as fonnas - que só são identificadas
como representação estilizada de aviões pela relação com o título - são traços, quase
aleatórios, soltos no espaço branco do fundo do cartaz. Seriam apenas signos se não fosse
necessário uma relação precisa para a sua apresentação.
138 PIGNAT ARI, Décio apud COUTINHO, Wilson. Um retomo à utopia. Folha de São Paulo. São Paulo, 22 maio 1986
IV C de
. . . ~:]
Fig. 31 - ·' Cartaz do IV Centenário". Geraldo de Barros. 1952, off-set , 105 x 73 cm
129
Fig. 32 - "Vista de um porto", Geraldo de Barros. 1950, monotipia a cores sobre papel, 21 x 27 cm Fig. 33 - ''City to conquer ". Geraldo de Barros, 1951, litografia sobre papel, 20 x 23 cm
130
131
Fig. 34 - "Tree", Piet Mondrian, 1911-12, óleo sobre tela, 65 x 81 cm Fig. 35 - ·'Apple tree in flower ''.Piet Mondrian, 1912, óleo sobre tela, 78 x 106 cm
REVOADA INTERNACIONAL IV CENTENÁRIO
9. PAUlO · JUNHO 1954 -
Fig. 36 - "Revoada internacional", Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, 1953, off-set, 99 x
69,5 cm
L32
133
Era uma estética corrente deste periodo. Observando outros cartazes da mesma
década, destaca~se a estrutura ortogonal, ausência de figuras naturalistas, um
direcionamento para abstrair e sintetizar os elementos visuais do cartaz. O uso da fotografia
passa a ser mais constante. Isto tudo para facilitar a leitura e compreensão da mensagem e
revelar um novo tempo, o tempo da máquina, o tempo contemporâneo. A redução e síntese
dos elementos visuais do cartaz revelariam uma economia de tempo, que permitiria acionar
toda a engrenagem do sistema. Tempo maior para consumir mais informação sem
desperdício na leitura.
Os trabalhos do Museu de Arte Moderna acompanhavam estas características.
Utilizando os elementos geométricos como retângulos, envolvendo textos e títulos, a leitura
é conduzida dando hierarquia aos textos e movimento à página impressa. É certo que as
condições técnicas não permitiam grandes efeitos e algumas vezes o acabamento deixava a
desejar. Mas o que se percebe claramente é a transferência dos ideais plásticos da Arte
Concreta para o suporte gráfico: a visão clara e objetiva da mensagem, a economia e síntese
dos elementos de composição e a velocidade da leitura. Era o que estava perfeitamente
representado no manifesto do Grupo Ruptura, com a hierarquização da leitura sendo feita
por tamanhos de letras que oferecem, também, uma leitura objetiva e rápida. Espaços em
branco chamando atenção para o mesmo texto destacado e permitindo movimento e ritmo
na leitura.
Em 1957, funda junto com Alexandre Wollner, Ruben Martins e Walter Macedo o
primeiro escritório de desenho industrial e comunicação visual do Brasil. A Forminform -
assim era o nome do escritório - funcionou até o ano seguinte e depois continuou
trabalhando com Wollner. O contato com Wollner aconteceu na época em que trabalhava
no Museu de Arte Moderna. Wollner o considerava como guru e por este período começou
.. . -~ -~ • .A ' .. . ' " ' \
DE ES
Fig. 37, 38 - Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56)
134
NOTICIÁRIO
N2 1
Ili BIENAL AITIST AS NACIONAIS OU
IESIDUTES NO PAIS
1 >
~~---· --~-
NOTICIÁRIO
MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO
1
janeiro 1955
BIENAL
EXPOSIÇÕES
ARQUITETURA
CINEMA
FOTOGRAFIA
Fig. 39 40 - Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56)
135
ng11•ar B~ll<lJ&
RlMOTE<A DO MUSEU DE AITE MCIDONA DE SÃO PAULO
~t 4111 - Dl AUIHO CAV RlMOJE<A DO MUSEU DE AIJE MODEIIIA DE SÃO PAllO
HOMENAGEM
ALBEITO <AYA l
A
r 1
Fig. 41,42 -Trabalhos feitos para Cinemateca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (54-56)
136
ruDtura chorroux - cordeiro - de borras f ejer haor - socilotto wladyslaw
o arte antiga foi grande, quando foi inteligente.
contudo, o nossa inteligência não pode ,e, o de Leonardo.
então nós distinguimos
foi a crise
a história deu um solto qualitativo:
não há mais continuidade!
os que criam formos novos de principias velhos.
os que criam formos novas de principias novos.
por que?
o naturalismo científico do renascença - o método paro repre.
sentar o mundo exterior (três dimensões) sôbre um plana (duas
dimensões) - esgotou o suo tarefa histórico .
hoje o novo pode ser d iferenciado
precisamente do velho. nós rompe·
mos com e •• e-Ih.::. por ;>~V ü:;. 11h ... ,·,,._,:o:
e o velho
foi a renovação
_., tôdas os variedades e hibridoções do natural ismo;
• o mero negação d o naturalismo, isto é, o noturolismo "errodo " dai crianças, dos
loucos, dos "primitivos" dos cxpressionistos, dos surrealistas, etc ...
o não-figurotivismc hedonista, produto do gôsto gratuito, que busca a mera excitaçõo
do prozer ou do desprazer.
, e o novo
O!t expreS!tÕe!t boscodos nos novos princípios ortísticos;
tôdas os experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte visual 1espaço-tempo, movimento, e matéria ';
o intuição artístico dotada de princípios claros e inteligentes e de grandes possibilidades de desenvolvimento prático;
conferir à arte um lugar definido no quadro do trabalho espiritual contemporâneo, considerando-o um meio de conhecimento deduzivel de conceitos, situando-a acima da opinião, exigindo paro o seu juizo conhecimento prévio.
orte moderna r,,jo é ignorância, nós somos contro o ignorõncia.
Fig. 43 - Manifesto do Grupo Ruptura, 1952
137
138
a desenvolver uma pintura concreta. Em 1953, ganha o segundo prêmio da II Bienal de São
Paulo com uma pintura concreta e na III e IV Bienal obtém o primeiro lugar no concurso de
cartazes. Em 1954, Wollner parte para Alemanha, para estudar na Escola de Ulm com uma
bolsa oferecida por Max Bill para Geraldo de Barros. Este acabara de se casar e resolveu
transferir a bolsa para Wollner, mas pediu que lhe enviasse as aulas por carta para poder
adquirir esses conhecimentos. Na época de sua viagem para Europa, Geraldo teve a
oportunidade de conhecer o que seria a Escola de U1m, que ainda estava se estruturando. A
Alemanha recuperava-se da guerra, mas mesmo assim foi conferir o trabalho de Max Bill.
Durante uma semana, aprendeu a técnica do cartaz com o designer Otl Aicher, com quem,
mais tarde, Wollner iria estagiar.
Fig. 44 - ''Composição com triângulo proporcional", Alexandre Wollner, 1953, esmalte sobre aglomerado, 61 x 61 cm
139
IV
~ • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ••••••••••• ••••••••••• • • • • • • • • • • • • • ••• • • • • •
Bienal Museu de Arte Moderna São Paulo
Brasil setembro - dezembro de 19!57 ·--Fig. 45, 46 - Cartazes da III e IV Bienal de São Paulo, Alexandre Wollner
140
Na volta de Wollner para o Brasil, surge a Forminform. Wollner voltou na companhia
de outro grande designer que, eventualmente, trabalharia para o escritório, Karl Heinz
Bergmilller. O escritório trabalhava basicamente com o design gráfico, comunicação visual.
Desenvolveram diversas marcas entre elas: Equipesca, Lan-over Malharia, Escriba Móveis,
Indústrias Coqueiro, Argos Industrial, Turistur Turismo, Cerâmica Campinas, Colégio
Andrews, Titan Indústria de meias etc. Em todas as marcas imperavam a síntese e as formas
geométricas. A marca tinha que transmitir a identidade da empresa. Mas ao observar cada
elemento projetado, sem estar vínculado ao nome da empresa, o que tinha era apenas uma
formá, um signo. Algumas formas recorriam à representação de figuras conhecidas para
identificar melhor a empresa (Coqueiro), outras usavam a memória como recorrência
(Equipesca), mas em sua grande maiona era a própria letra inicial do nome da empresa,
trabalhada dentro de uma estrutura capaz de ser facilmente reproduzida o recurso mais
usado.
Fig. 47 - Marcas desenvolvidas no escritório Fonninfonn: indústria Coqueiro (58), Colégio Andrews (58), Equipesca (58). Argos Industrial (58) e indústria de meias Titan (59)
•
141
Antes de ter um escritório de design, Geraldo de Barros trabalhou na comunidade de
trabalho Unilabor. Em 1954, imbuído pelas questões sociais respaldadas pelos discursos de
Mário Pedrosa, seu grande mentor, e pela filosofia bauhausiana, participa de uma das
primeiras comunidades de trabalho do país. Em 1950, o Frei dominicano João Batista
Pereira dos Santos, que era ligado ao movimento francês de "Economia e Humanismo"
liderado pelo padre francês Lebret, foi convidado para trabalhar em uma comunidade,
situada no bairro do Alto Ipiranga, e tinha como a primeira tarefa dar prosseguimento à
construção da igreja de Santo Antônio. O movimento tinha como princípio uma visão de
trabalho que unisse a reflexão sobre uma doutrina moral com a prática do dia-a-dia, era uma
alternativa para polaridade comunismo x capitalismo, surgida depois da 2ª Guerra Mundial.
Frei João substituiu a idéia de reconstruir a igreja por uma comunidade de trabalho onde
ter-se-ia a capela de Cristo Operário. A construção de tal capela, assim como a própria
comunidade de trabalho, recebeu ajuda de artistas e intelectuais de São Paulo. A princípio a
comunidade estava concentrada em volta da Capela de Cristo Operário, posteriormente
desenvolveram uma atividade que envolvessem uma participação maior da vida da
comunidade. O objetivo era
organizar uma comunidade vinculada por uma experiência de trabalho autodirigida e que não se reduzisse à experiência artesanal,( ... ) pois pretendia instaurar um convívio que incluísse a família não só como membros frequentadores da capela, mas como âmbito social dos problemas a serem partilhados e resolvídos pela comunidade 13
9.
Assim surgiu a idéia de desenvolver uma indústria de móveis que projetasse móveis
com boa forma e que fossem acessíveis a um número maior de pessoas. A idéia veio de
Geraldo de Barros e a ele, além do frei, juntaram-se Justino Cardoso, engenheiro industrial,
139 CLARO, Mauro, SZMERECSANYI,Maria Irene. Arte Moderna.Trabalho e resgate humanístico do cotidiano na Capela do Cristo Operário: São Paulo, 1951 - 1957. Pós, São Paulo, n 5 : FAUUSP, abril 1995, p.145.
142
e Antonio Thereza, ferramenteiro. Dentro da fábrica havia o regulamento que estabelecia
que a empresa deveria operar fora do regime capitalista, não havendo distinção entre
empregado e empregador.
Geraldo de Barros descobriria que a possibilidade de socialização da arte estava no
design. Projetava os móveis e desenvolvera toda a identidade visual da Unilabor, Indústria
de Artefatos de Ferro, Metais e Madeira Ltda. A princípio a produção tinha caracteristicas
artesanais e as encomendas eram pequenas e feitas por amigos, como no caso dos móveis
de jacarandá para Paulo Errúlio Salles Gomes. Mas logo passaram a produzir
industrialmente e com o objetivo de estocagem, oferecendo uma diversidade maior aos seus
clientes. A produção seriada e modulada permitiu um aumento na produção e
consequentemente um preço menor por unidade. Utilizava novos materiais com
combinações não convencionais como ferro e palhinha, ferro e fibras trançadas e ferro e
napa. E para possibilitar uma modulação os móveis acompanhavam as formas retilíneas e
geométricas pertinentes à linguagem plástica da Arte Concreta. O móvel era consumido
principalmente pela classe média, a classe mais abastada via com preconceito os móveis
seriados, achando-os sem valor. A Unilabor teve várias lojas espalhadas pela cidade de São
Paulo e uma filial em Belo Horizonte. Mas, em 1964, Geraldo de Barros se desliga da
empresa e abre outra fábrica de móveis a Hobjeto Indústria e Comércio de Móveis SA junto
com Aluísio Bione que também era da Unilabor.
A experiência com o design de móveis permitiu-lhe vislumbrar um caminho que
possibilitava atingir um número maior de pessoas o que certamente a Arte Concreta não
conseguiria. A expressão artística concentrada nas peças que projetava agora poderiam
estar dentro das salas e quartos das pessoas, fato difícil de ocorrer caso fosse uma pintura
da Arte Concreta. A resistência do público à estética concreta não o faria alcançar o número
143
de pessoas que um design - seja um móvel ou um simples catálogo de exposição -
conseguia, mesmo estando restritos a certos segmentos da sociedade. A produção em série,
permitida pela Arte Concreta, não se encontrava respaldada, devido à falta de interesse do
público em adquirir a obra. Sendo assim, não haveria porque produzir algo que nãose teria
um outro fim a não ser uma parede de exposição.
Fig. 48 - Marca da Unilabor O Fig. 49,50 - Sala de estar mobiliada com móveis da Unilabor.Residência de Paulo Emílio Salles Campos. 1954. Mesa( 1954) e cadeira estrutradas em ferro. Unilabor ~
-. ' ---:-· Ili .
00
D
144
A Figura e a Comunicação
A figura - entenda-se como a representação de algo existente na natureza - em
Geraldo de Barros sempre foi um elemento constante. Nos seus trabalhos iniciais - com
Clóvis Graciano, Colete Pujol e Yoshiya Takaoka e, logo em seguida, com as fotografias e
gravuras - ela existe. Na década de 50, a figura "representação" é substituída pela figura
geométrica, aquela que existe por si só, a figura concreta. Esta figura é transmutada em
símbolo novo, mas que só é assim classificado por estabelecer uma comunicação eficiente
com o espectador, substitui por sua forma gráfica, dentro de um contexto específico, a
empresa que o representa, ela é denominada marca. Volta nos anos 60 com uma figura
expressiva e em seguida com uma figura plana e cheia de cores, transferências da cultura
pop.
A nova figura em Geraldo de Barros, dos anos 60, tinha os resquícios expressivos de
suas fotografias, "Homenagem a Picasso" e ··Homenagem a Paul Klee" , e de suas gravuras,
"Mulher sentada" e "Mulher no espelho", assim como um sentido construtivo na
arrumação de seus elementos. "Fantasia Agressiva II", "Dormindo Acordado" , "They are
playing (Poker's face)" e "A Volta à Figura (1 e II)" são os exemplos mais significativos
desta nova fase em que enfatiza a expressividade agressiva e amarga de suas imagens140.
A volta da figura significou para o artista uma vingança ao informalismo. Nestes
trabalhos, Geraldo de Barros usava uma técnica mista. Sobre o suporte de madeira
misturava a pintura e a colagem de anúncios e cartazes. O seu processo era gestáltico na
medida em que retira parte de um todo tornando esta parte agora um novo todo. Geraldo
de Barros escolhia a parte mais expressiva do outdoor ou do cartaz e retirava
140 ALVARADO,Daisy Valle Machado Peccinini de. Novas Figurações, Novo Realismo e Nova Objetividade: Brasil anos 60. São Paulo : ECNUSP, 1987. (Tese de Doutorado). p.107.
145
retrabalhando-a. Este processo era muito similar ao que usava em suas fotografias,
interferindo por meio de traços, cortes, sobreposições a realidade testemunhada pela
fotografia. Agora a realidade - que é uma realidade evocada pelos impressos gráficos-
também era alterada.
Fig.51 - "Mulher sentada", Geraldo de Barros, 1948, xilografia sobre papel, 28,9 x 20 cm
Fig.52 - "Mulher no espelho", Geraldo de Barros, 1949, lineografia sobre papel, 29,6 x 21,6 cm Fig.53 - "Fantasia agressiva II", Geraldo de Barros, 1964, técnica mista, 75 x 11 O cm
146
147
Fig.54 - "They are playing", Geraldo de Barros, 1964, técnica mista. 75 x 110 cm
Esta fase surgiu quando voltou a trabalhar com pintura no ateliê de Nelson Leimer,
depois de ter interrompido e ter se dedicado mais à atividade de designer (gráfico e de
móveis). Foi com Nelson, em 1965, que expôs na Galeria Atrium os seus primeiros
trabalhos desta fase. Diria mais tarde que esta volta à figuração seria uma vingança à arte
abstrata (referia-se à arte abstrata informal). A arte abstrata informal teria sido responsável,
segundo Geraldo de Barros, pela interrupção do percurso da arte concreta e que naquela
altura observava-se a sua queda, chegando a hora da vingança141•
Geraldo de Barros sempre manifestou a sua preocupação com a questão da arte e o
homem, mas não um homem, um individuo apenas, mas o conjunto de todos os homens, a
sociedade. Seu primeiro professor de pintura, Clóvis Graciano, já expressava estas
ui V ASCONCELLOS, Jorge. Itinerários (Geraldo de Barros). Diário de São Paulo. São Paulo, 14 jul.1979. Pasta do artista .Arquivo do Museu Nacional de Belas Artes - RJ. Em entrevista ao autor, em 23 de março de 1996, o artista confirmou esta informação.
148
preocupações em sua pintura,quando representava o homem dentro de seu meio de trabalho
com a preocupação de se resgatar a dignidade do trabalhador.
A figura, em seus trabalhos, esteve sempre muito próxima às questões soc1rus e
urbanas. As suas fotografias revelam esta necessidade de captar a cidade, mesmo que seja
de uma forma abstrata. Em suas grawras, observa-se a visão de uma cidade em seu aspecto
construtivo, "Vista de um Porto" e "City to Conquer", chegando a sua abstração,
"Abstração". Mas é no simples desenho a grafite sobre papel "Homem Dormindo" que se
podem perceber as primeiras manifestações de suas pesquisas com a percepção da forma e a
iconografia urbana por uma ótica humanista, uma ótica social.
Fig.55 - "Abstração", Geraldo de Barros. 1951. monotipía a cores sobre papel, 17,7 x 19,8 cm
Fig.56 - "Homem dormindo", Geraldo de Barros, circa 1947, desenho com grafite sobre papel, 28,5 x 31,5 cm
149
A figura da década de 60, apesar de toda a sua expresividade e certa ironia, possui
também a mesma conjugação de figura e fundo observada no desenho "Homem Dormindo",
mas neste caso a sutileza das linhas e das pequenas manchas pretas é substituída pela
intensidade da mancha de tinta que altera entre figura e fundo ou entre preto e amarelo,
tendo como exemplo o trabalho "A Volta à Figura I".
Sem dúvida.está ali a sua manifestação com a figura, com o real e com os
acontecimentos do mundo em que vive - o mundo coberto por imagens publicitárias, pelo
glamour de uma imagem feminina, o apelo ao comércio, enfim, o mercado de consumo. E
na fluidez da tinta aplicada em seus trabalhos está a herança concreta de uma pintura que
deveria ser entendida como produto.
150
Fig. 57 - .. A volta a figura r·, Geraldo de Barros. 1964, técnica mista, 78 x 114 cm
Mas, tendo uma retrospectiva de seu trabalho, parece pouco. A realidade expressa em
seus trabalhos, apesar de vigorosa, se mostra um pouco à margem do ambiente em que vive
o país naquele momento, um período politicamente efervescente onde os artistas se sentem
compelidos a um posicionamento diante da "arte engajada", na construção de um novo
homem e de uma nova sociedade.
Talvez dois trabalhos que foram expostos na "Nova Objetividade Brasileira" no
MAM - RJ, em 1967, tivessem em suas proposições alguns elementos mais incisivos. Os
trabalhos "Ah!" e "Tragic Glub-Glub" além de marcar, em sua composição, as
transferências mais contundentes da linguagem pop do que nos trabalhos anteriores,
retratava este ambiente hostil em que o país estava passando. O trabalho "Ah!" seria uma
composição da embalagem do leite de magnésia da Philips142 e que, metaforicamente,
poderia ser visto como um remédio para um problema: contra a azia o medicamento, contra
142 Descrição segundo o artista em entrevista ao autor em 23 de março de 1996
151
o ambiente hostil a arte, mas a arte como reflexão, a arte permitindo uma maior
participação do espectador. Em "Tragic Glub-Glub" - onde aparentemente pode-se fazer
uma ligação com o trabalho da Ana Maria Maiolino, "Glu, Glu, Glu'\ também exposto
nesta mesma mostra - a onomatopéia remeteria ao som de uma pessoa bebendo ou se
afogando. Pela dimensão, progressão e seção das palavras tem-se a impressão de um
processo que foi interrompido, além dos dois cilindros remeterem ou a dois copos, ou a
junção de dois canos: "entrando pelo cano."
Fig.58 - "'Tragic Glub-Glub", Geraldo de Barros, 1966, técnica mista. 11 O x 11 O cm O
Fig.59 - ·'Glu, Glu, Glu", Anna Maria Maiolino, 1966, montagem sobre madeira, 111 x 59 cm=
152
Se se destacam motivos que deixem antever um compromisso mais evidente com as
questões político-sociais do país, destacam-se também motivos que poderiam afastá-lo de
qualquer envolvimento maior com tais ideologias devido, justamente, ao seu percurso
artístico. Pois se por um lado nunca abandonou a luta pela igualdade de direitos, pelo
compromisso com a justiça social, por outro, este direcionamento nunca lhe dera grandes
resultados econômicos - aqui não se leva em consideração a questão do enriquecimento
ideológico que pode ser estabelecido em outro nível, mas com a experiência adquirida com
a comunídade de trabalho Unílabor.
Estes novos trabalhos, da década de 60, parecem dialogar com as tendências do novo
realismo e do neodadaísmo, e que culminariam em uma evidente linguagem de transferência
pop nos anos 70. Mas, na verdade, todas estas tendências estavam muito próximas umas
das outras. O neodadaísmo seria o precursor da Pop Art e que, contrariamente aos
expressionístas abstratos, afinar-se-ia com os artistas do novo realismo europeu. Em 1961,
Pierre Restany - que formulou os fundamentos teóricos do novo realismo - organízaria
uma exposição na Galeria Rive Droite reunindo Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Yves
Klein, Jean Tinguely, Raymond Hains, entre outros.
Estes três últimos artistas faziam parte do movimento novo realismo europeu fundado
em 27 de outubro de 1960, e eram os seus mais importantes representantes. Hains, que
junto com Jacques de la Villéglé e o italiano Mimmo Rotella representavam o grupo que
trabalhava com a decolagem, apresentou na I Bienal de Paris, em 1959, o "Tapume dos
locais reservados" que eram os fragmentos de cartazes e manífestos recolhidos por ele e
Villéglé nos muros de Paris: a ma era para eles um Museu de arte moderna ready-made 143.
143 RESTANY,Pierre. Os novos realistas. São Paulo : Perpectiva, 1979. p.26.
153
O que une estes três artistas é a nova concepção de apropriação do real, um real
contemporâneo visto em seus trabalhos por meio de fragmentos de cartazes, objetos, tinta
plástica e até mesmo o vazio - que seria a negação de todo este universo de objetos e
aglomerações, mas que apesar de tudo isso existe no mundo. Esta nova concepção de
apropriação da realidade agia diferentemente em cada um: em Klein dava-se por meio da
sensibilidade, em Tinguely por meio do universo mecânico metamorfoseando-se no
cotidiano e em Hains por meio da poesia, expressão plástica dos impressos mass media.
( ... ) Hains nos faz ver com um olhar novo a inefável beleza dos muros da cidade, beleza instável e efêmera, que até então havia fugido à nossa quotidiana capacidade visual estragada pelo acinzentado dos hábitos1
+i.
Não se pode deixar de fazer uma ligação entre os artistas que trabalhavam com a
decolagem e os trabalhos de fotografia e colagem de Geraldo de Barros. O fascínio que
ambos sentem pela efemeridade do "fragamento urbano" é que os une. Muros fragmentados
e fragmentos de cartazes, imagens que se formam a partir da desconstrução. O tempo, o
efemero, o descontínuo, o fragmento, o real contemporâneo, estão contidos no trabalho de
Rotella e de Geraldo de Barros. Em suas colagens, "Colagem I" e "Colagem II" por
exemplo, diferente de Rotella ou Hains, constrói a partir dos fragmentos dos cartazes
publicitários, de um modo ordenado, uma nova composição. O artista, mais uma vez, altera
a realidade evocada pelo cartaz. Se nos dois o aspecto espontâneo dos rasgos dos cartazes
- a técnica não-projetual - contrapõem-se com a técnica projetual organizada pela
sociedade industrial, em Geraldo de Barros a herança construtiva da década passada é
mantida.
1°" RESTANY. Pierre. Op. cit. p.27.
Fig.60 - .. Cinemascope", Mimmo Rotella, 1962. decolagem. 173 x lJ3 cm
Fig.61 - .. Colagem 1". Geraldo de Barros, 1966. técruca mista. 110 x 110 cm
154 o
155
Fig.61 - "Colagem li", Geraldo de Barros, 1966, técnica mista, 110 x 110 cm
Acima de tudo, o que se deve perceber nos trabalhos desses artistas não é
simplesmente a escolha do fragmento ou a sua composição, mas a atitude em relação ao
mundo em que vivem, a percepção da dimensão da condição humana de uma maneira que
não acontecia antes. Um novo olhar para as coisas do mundo, para a insignificância primeira
das coisas, para o estado do "invisível-visível", para o preocupar-se com a realidade.
A busca da nova realidade no Brasil dos anos 60 com a volta da figuração e o fim do
abstracionismo geométrico e informal far-se-ia por uma comunicação plena e participativa
que era chamada por Mário Schemberg de "realismo" ou "novo realismo" mas que segundo
Hélio Oiticica teria como melhor expressão "nova-objetividade".
156
Não se tratava de absorver idéias prontas e acabadas nem mesmo impor novas idéias
ao espectador, mas dispor condições para que esta nova arte instaurasse um mundo
experimental, onde o indivíduo fizesse parte de sua concepção, ampliando o seu campo
imaginativo e lhe proporcionando até mesmo a criação. Este processo direcionaria para a
anti-arte, numa descentralização da arte, como afirmava Oiticica: no deslocamento do que
se designa como arte, do campo intelectual, racional, para o da proposição criativa
vivencial. (. . .) Dar ao homem, ao indivíduo de hoje, a possibilidade de "experimentar a
criação "145•
Esta "anti-arte", "descentralização da arte" e o "deslocamento do que se designa
como arte" são proposições já vistas pelo Dadaísmo. Marcel Duchamp quando expõe a
"Fonte" ( 1917), escolhe um objeto industrial menos estético, no caso um urinol, e o
transforma em arte ao introduzi-lo em um ambiente artístico. O que Duchamp quer mostrar
com esta atitude é a questão da definição de arte. O que é arte? Os "ready-mades" - como
eram chamados os objetos expostos por Duchamp - nunca eram escolhidos pela sua
potencialidade estética, mas, justamente pelo contrário, por sua ausência. O artista vai
procurar algo sem qualquer significado artístico. Ao escolher um objeto industrial sem se
preocupar com sua potencialidade estética ou muito menos quem o fez, cai por terra o mito
da aura artística. A obra e o artista estão no mundo e podem ser o que e quem quiser.
Quando tudo pode se tomar um ready-made não está a arte condenada ao
desaparecimento? Ou ao contrário: tudo se torna arte146•
As colagens e os trabalhos expostos na "Nova Objetividade Brasileira", como já foi
mencionado, são um dos primeiros trabalhos de Geraldo de Barros a manifestar uma alusão
145 OITICICA.Hélio apud ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Depois das vanguardas. Arte em Re,istas, São Paulo, n 7: Publicação do CEAC (Centro de Estudos de Arte Contemporâneo) ago/1983, p.5. 146 FILHO, Paulo Venâncio. Marcel Duchamp - a beleza da indiferença . São Paulo : Brasileira, 1986. p.72.
157
à linguagem pop147. O seu contato com a Pop Art deu-se por meio de um artigo na revista
"Time" em meados dos anos 60 e que comentava a nova tendência. Neste artigo não havia
nenhuma fotografia, apenas a citação de nomes de alguns artistas como: Andy Warhol,
J asper Johns e Roy Lichtenstein.
Na Pop Art americana o que se revela, principalmente, são os "mitos do cotidiano"
que se apresentam por meio do mercado de consumo, da comunicação de massa e da
tecnologia. Trata-se de uma dialética entre o otimismo e o pessimismo, a crença no
progresso e a angústia pela catástrofe, o luxo e a pobreza .... A disponibilidade total dos
bens de consumo cresce até colocar o gigantesco problema da poluição e da reciclagem,
numa sociedade de desperdício onde os desejos e destinos individuais desaparecem na
multidão148. E de alguma maneira esta apologia ao bem de consumo e a insignificância do
indivíduo perante ao universo de objetos que compõe o mundo contemporâneo pode ser
percebida nos trabalhos do escultor George Segai.
O culto ao objeto, ao objeto de consumo, é quase que institucionalizado nos EUA.
Neste periodo, os objetos passam a atrair o consumidor pelas suas caracteristicas formais e
o significado que sua aquisição transmitirá a quem os tiver. Os industriais não se preocupam
tanto com as caracteristicas específicas do produto mas como estes produtos podem reagir
psicologicamente sobre os seus consumidores. A forma era, então, o elemento de sedução e
com a propaganda o poder, a beleza, a riqueza ... poderiam ser facilmente associadas. Tanto
os produtos quanto a propaganda, os meios de comunicação em geral, foram muito
explorados neste período e transformaram-se nos elementos de composição para a maioria
dos artista da Pop.
147 Sabe-se que o artista teria feito outros trabalhos em 1965 onde pode-se encontrar transferências da linguagem pop como relata a professora Daisy Peccinini em sua tese de doutorado já citada aqui. 148 OSTERWORLD. Tilman. Pop Art. Alemanha: Benedick Taschen, 1994. p.ll.
158
A Pop Art era uma manifestação cultural essencialmente ocidental, e tinha nos EUA o
seu grande centro divulgador. Nascido de uma sociedade industrial capitalista se propagou
por boa parte do mundo, tendo em cada país um novo repertório. Por estar extremamente
ligada aos EUA, a Pop Art é sempre vista como uma arte onde os bens de consumo e a
comunicação de massa estão inseridas em seus trabalhos. Mas deve-se entendê-la não tanto
como um estilo mas como um movimento onde as características culturais superficiais de
uma sociedade são levadas às questões plásticas.
Diferente dos objetos de Duchamp que eram desprovidos de qualquer intenção
estética pelo artista, na Pop os objetos já estão embuídos de toda sua esteticidade e até
mesmo enaltecidos pela comunicação de massa. Os objetos na Pop estão ali pelo seu poder
de persuasão, e pela sua importância dentro do universo material que os contêm.
Sem dúvida, pode-se encontrar transferências da linguagem Pop nos trabalhos dos
anos 60 de Geraldo de Barros, apesar da nova vanguarda brasileira condenar qualquer
aproximação com as tendências internacionais, alegando que a arte brasileira, apesar de tais
aproximações, mostrava-se de uma forma diferente, mais participativa, onde o espaço da
criação artística não deveria ser mais o museu . mas a ma, o espaço das trocas
coletivas149. Por essa via que o "Grupo Rex" terá uma posição de destaque na conjuntura
da vanguarda nacional. Mais do que uma produção artística este grupo teve a importância
de levantar questões a respeito do mercado de arte e da própria arte.
Na década de 70, Geraldo de Barros começa a trabalhar com recortes de outdoor.
Estes recortes escolhidos de um outdoor eram colados em um suporte e depois pintados
com novas cores. Devido ao seu tamanho, as pinturas eram trabalhadas na posição
horizontal. Não se tratava de transpor das vias urbanas um pedaço do outdoor apenas. Ele
149 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Depois das vanguardas. Arte em Re,istas, São Paulo, n 7 : Publicação do CEAC (Centro de Estudos de Arte Contemporâneo) ago/1983 , p.5.
159
era trabalhado pelo artista e transformado em algo novo. Mais uma vez, o processo
"gestáltico" e a tendência de transformar a realidade vista por todos se manifesta. Esta série
é considerada pelo artista como a mais próxima da obra do artista Pop Lichtenstein, mas ao
contrário deste, que procurava transpor para as suas telas os códigos gráfico-visuais das
histórias em quadrinhos ou uma imagem publicitária ampliada com os seus mínimos detalhes
como em "Girl with bali", Geraldo alterava e eliminava as retículas de impressão e as cores
originais do outdoor, "Oliver Hardy", "Stan Laurel" e "O Grande Gatsby".
Fig.63 - '·GirI with a ball", Roy Lichtenstein, 1961, óleo sobre tela, 153 x 92,5 cm
Fig.64 - .. Oliver Hardy (Philco)", Geraldo de Barros. 1974, técnica mista, 220 x 185 cm O
Fig.65 - ·'Stan Laurel (Philco)", Geraldo de Barros, 1974, técnica mista, 183 x 218 cm O
Fig. 66 - ·•o grande Gatsby", Geraldo de Barros, 1975, técnica mista. 145 x 120 cm ~
160
161
No início dos anos 60, as exposições de Wesley Duke Lee na Galeria Atrium, em
setembro de 1964, e de Nelson Leirner e Geraldo de Barros, em setembro de 1965, assim
como a mostra dos "Popcretos" de Waldemar Cordeiro e Augusto de Campos, em
dezembro de 1964, despertaram inúmeras críticas e criaram um alvoroço no meio artístico.
Outro fato que iria aproximar ainda mais Wesley, Nelson e Geraldo de Barros foi o
protesto que fizeram por causa da retirada de um quadro do Décio Bar da exposição
"Proposta 65", na Fundação Armando Alves Penteado, por ser considerado subversivo. Em
consideração ao artista e reagindo à postura intolerante dos organizadores retiraram
também os seus trabalhos. Com isso, mais tarde, fundaram uma cooperativa onde sena
possível produzir, expor e publicar a arte que faziam.
Em maio de 1966, em uma parte da loja de móveis de Geraldo de Barros, a Hobjeto,
fundaram a "Rex Gallery & Sons". No dia 3 do mês seguinte abriram a primeira exposição
do grupo e iniciaram a publicação do seu primeiro jornal, "Rex Time"( lê-se Time, referente
à equipe). O grupo tinha como propostas: organizar uma sala de exposições, "Rex Gallery
& Sons"; organizar exposições coletivas dos componentes do grupo ou de elementos
escolhidos pelo grupo; renovação contínua da produção dos artistas para o público;
publicação periódica de um boletim, "Rex Time", informando sobre as atividades do grupo,
divulgando suas idéias, reproduzindo trabalhos mais recentes, instruindo e divertindo o
público; edição de monografias do grupo; realização de palestras e organização de uma
cooperativa.
A cooperativa funcionava de modo que toda arrecadação da venda dos quadros era
utilizada para a publicação do jornal e para a produção das demais atividades. Aos três
artista juntaram-se três ex-alunos de Wesley, Carlos Fajardo, José Resende e Frederico
Nasser, e mais tarde, na 3° exposição do grupo, o "Grupo Rex" engrossaria com os nomes
_-·-::_:=-··· 1 REX TIME l - ..... ,.,,..,,,.,, .... ,., •• ,.,,n,,..,.,, .. _
-···- .] .. -.. ··--
Fig.67, 68 - Páginas do jornal Rex Time.
•• • •-=
REXTIME
162
.......... ..... ~- ....... __ .._ ......... T--·~ ~ ........ ,._ ..... .. ..,, ....... ..... ..__ __ ... _._ ... ··-·..-,, , ........... n .. ,.,.
~• .... •pt• ~-...... ~ ........... . "::.. .... -'-' ... ........ -..... .. ~ ........
163
Fig.69 - Anúncio da 1 ª exposição do Grupo Rex
de Olivier Perroy e Roland Cabot. Ao todo foram cinco exposições realizadas e cinco
jornais publicados - em cada exposição era publicado um jomal. As exposições foram as
seguintes, a partir da segunda: "Flash-back" (9/09/66), "Descoberta da América"
(21/10/66), uma exposição de alunos da FAAP dando início a um programa onde
constavam várias exposições individuais no decorrer do ano ( 10/03/67) e a última "Rex
Kaput" (25/05/67). Portanto o grupo teve uma existência breve, apenas um ano.
O grupo colocava-se como reação ao sistema institucionalizante da arte, às criticas de
jornais e às galerias de arte. Procurava dar uma nova visão ao objeto artístico, propondo a
superação dos gêneros e manifestações da anti-arte. Pela sua irreverência e negação ao
164
sistema se aproximavam das idéias dadaístas, mas apesar disso sua ação sócio-cultural
estava mais próxima de uma orientação futurista, segundo Daisy Peccinirú:
Esta aproximação à estratégia do Futurismo se faz evidente se forem consideradas as atitudes iconoclastas e anti-históricas, aliadas ao precioso planejamento de suas manifestações e uso dos meios de comunicação1so.
Apesar de linguagens diferentes - entre Wesley, Nelson e Geraldo de Barros -
expressavam as tendências internacionais predominantes da época (Pop, Nova Figuração,
Novo Realismo e Neo-Surrealismo) e apresentavam forte vínculo com a realidade urbana,
151 no seu contexto pulsavam os problemas existenciais, em nítidas relações de Arte e Vida
Contudo no grupo existia uma diversão: de um lado Geraldo de Barros e Nelson Leimer e
de outro Wesley Duke Lee e seus ex-alunos, Carlos Fajardo, José Resende e Frederico
Nasser.
As idéias de Wesley estavam concatenadas com as reflexões sobre arte e vida no
contexto do Realismo Mágico. Profundamente bem informado, acompanhava as tendências
internacionais e se colocava à parte em relação à produção artística paulistana que julgava
ser imitação de modelos trazidos pelas Bienais de São Paulo. O primeiro artista a realizar
um "happerúng" no Brasil( mostra "Ligas" no João Sebastião Bar, em 1963 ), Wesley
trabalhava com materiais novos - acrílico, alumínio, sistema eletrônico -, urúdos a meios de
expressão tradicionais - desenho e pintura -,preocupa-se com meios para excitar a
integração do espectador, visto como participante íntimo e transformador do campo
plástico152• Procurava colocar o público em contato com a sua obra por meio do sensorial,
permitindo-lhe ser um elemento de criação e modificação da obra, e por meio da utilização
150 AL V ARADO, Daisy Valle Macahdo Peccinini. Op. cit. p 260. 151 AL V ARADO, Daisy Valle Macahdo Peccinini. Op. cit. p. 232. m COSTA. Cacilda Teixeira. Retrospectiva Wesley Duke Lee (catálogo). São Paulo : Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand, 1993 . p. 21.
165
das técnicas industriais e da comunicação de massa aproxima-se do espírito da Pop Art.
Distanciou-se de uma arte de comunicação social e que somada as suas convicções liberais
de direita e a sua formação em ambiente religioso protestante contrastavam com o
pensamento predominante da época, que o considerava alienado.
Neste sentido, os trabalhos de Geraldo de Barros e Nelson Leirner procuravam
enfocar por meio de objetos (Nelson) e colagens a dramacidade da existência humana
dentro do contexto urbano.
Entre estes três artista, Nelson Leirner foi o que propiciou a maior participação do
público nos trabalhos, com espírito irreverente e humor sarcástico, fruto de inspiração
dadaísta. Em seus trabalhos optava pelo uso de objetos, seja em sua versão produzida, seja
pela apropriação e a interação com o espectador, sintonizado com a ordem realista e o
rumo obscurantista que o país vinha tomando desde 1964. Esta aproximação com a
realidade não era feita por meio de uma realidade naturalista com conteúdo político
explícito, como muitos artistas filiados ao Partido Comunista queriam, mas pelo
experimentalismo direcionado à participação do cidadão brasileiro.
O que é importante de se perceber nesta fase inicial nos anos 60 até os anos 70 é a
permanência da figura retirada de um contexto e trabalhada de acordo com o interesse do
artista. Não é a representação - muito embora seja ainda o mesmo signo - mas a figura em
si mesma é o que conta. Inicialmente, ela vinha com uma carga expressiva quase
monocromática mas que aos poucos vai se transformando em uma figura plana e precisa
até chegar numa profusão de cores como por exemplo as pinturas da década de 70. A
substituição da figura geométrica por elementos figurativos representa a necessidade de dar
a sua arte uma melhor comunicação. A comunicação vista como unívoca na Arte Concreta
se mostrou equivocada e a figura da comunicação de massa mostrou-se mais apropriada.
166
Nada mais fácil de se identificar do que uma imagem já reconhecida e entendida pelo
espectador por intermédio dos meios de comunicação. Assim os seus trabalhos com a Pop
transmitem os anseios de uma comunicação eficiente com o seu público.
Ainda sobre o processo de seu trabalho com a figura, pode-se observar a busca de um
aperfeiçoamento quando observa-se a constância dos temas e até mesmo com a constância
da própria imagem. É possível destacar alguns trabalhos de fotografia, gravura e design em
que se observa a cidade como iconografia. A foto de Carcassone ( 1951 ), a gravura "La
ville" (1951) e o cartaz "IV Centenário" (1952) mostram isto.
Fig. 70 - Foto de Carcassone (França). Geraldo de Barros, 1951
167
Fig.71 - "La ville", Geraldo de Barros. 1951, água forte sobre papel, 13,2 x 20.9 cm
Neste aperfeiçoamento em trabalhar a mesma imagem, em busca de uma comunicação
precisa, percebe-se o caminho da síntese até chegar ao elemento visual puro. A abstração
existe, e é o caminho para se chegar à síntese dos elementos visuais que vão compor o seu
universo plástico. Caminho similar ao que Mondrian fez até chegar ao Neoplasticismo.
O trabalho dentro da F orminfonn demonstra a conclusão de suas experiências
plásticas anteriores. Ora, não é possível analisá-los da mesma maneira do que uma pintura,
gravura ou fotografia. As identidades visuais das empresas (as marcas e logotipos) estão
comprometidas com uma associação entre a figura/símbolo com aquilo que estão
representando - no caso a identidade da empresa. Mas isolando-as, sem qualquer tipo de
preconceito, pode-se observar que são signos. Signo como os aviões da "Revoada" ou as
168
linhas de algumas fotos das série Fotoformas. Signo como as figuras geométricas na Arte
Concreta.
Esta preocupação com a variação de um mesmo tema, em trabalhar e retrabalhá-lo,
remete ao processo encontrado no desenvolvimento do trabalho de Arte Concreta dos
suíços. Max Bill descobriria que não há apenas uma solução para um problema estético e
trabalhava nas variações do mesmo tema. Antes de Max Bill, Josef Albers já havia feito com
seus alunos na Bauhaus exercícios para desenvolver a potencialidade de um determinado
material, e o resultado não se mostrava igual para todos. Suas aulas eram muito próximas as
de Itten onde o mais importante era usar as propriedades do material em busca da
construção.
Outro exemplo claro da transferência da linguagem plástica de suas experiências
como artista é a diagramação ordenada que é acompanhada por elementos geométricos em
seus trabalhos feitos para o MAM. Dentro da diagramação destes trabalhos e dos seus
cartazes deve-se tomar atenção para o uso das letras de forma bastão, sem serifa. O que
estabelecia, também, dentro de um elemento visual do universo gráfico a necessidade de
simplificar e diminuir o tempo de leitura, além de não permitir qualquer engano.
A participação do Rex Time, assim como o Grupo dos 15, o Grupo Ruptura, a
Unilabor e a Fonninform, mostra como o poder de aglutinação e o trabalho de equipe estão
presentes em sua atividade. A maneira como desenvolve o seu trabalho e o seu processo
artístico mostram perfeitamente identidade com o processo de trabalho de um designer. Não
há portanto apenas uma linguagem a ser desenvolvida mas a linguagem certa para o
momento, a escolha da linguagem vai ser definida por suas próprias necessidades, pela
vontade de expressar-se, visto que o artista não tem compromisso com ninguém, ao
contrário de um designer que projeta para um cliente que possui uma necessidade iminente
169
a ser resolvida. AJém disso, demonstra também a questão social manifestada nas
proposições de alguns destes grupos (Unilabor e Grupo Rex) questionando o sistema
vigente tanto no ambiente econômico como no artístico. Não se deve esquecer que o
desenvolvimento do design esteve sempre acompanhado por questões sociais, tanto no
sentido de satisfazer as necessidades e desejos do homem como em permitir uma melhor
adequação do homem na sociedade por intermédio da qualidade no sistema de trabalho e
proporcionando a aquisição de bens de consumo.
7. DESIGN GRÁFICO E ARTE CONCRETA NO BRASIL
Até o surgimento da Bauhaus, o pintor, o gravador e o ilustrador predominavam
como os profissionais capazes que eram de desenvolver produtos próprios à comunicação.
Mas estes não estavam necessariamente preocupados com os meios técnicos de impressão,
ou com os problemas de percepção e de legibilidade formal da imagem/mensagem. A partir
da junção dos propósitos do construtivismo, da Bauhaus e do De Stijl, e a evolução do
posicionamento da arte face ao desenvolvimeto industrial, vão-se constituindo atribuições
específicas para a solução de problemas gráficos e de comunicação. O pintor, o gravador e
o ilustrador, aos poucos, vão sendo substituídos por um especialista, o artista gráfico, o
designer.
Para se entender um pouco mais sobre o desenvolvimento do design gráfico no Brasil
é preciso levar em consideração não só a questão do exercício formal e suas aplicações, mas
os fatores econômico e político. Já foi visto que para ter um produto de design (gráfico ou
industrial) é preciso haver uma produção industrial que possibilite a produção em série.
Logo, na inexistência de um parque industrial gráfico a atividade fica limitada a um
profissional nos moldes artístico-artesanais. E além de recursos próprios para a sua
produção deveria haver uma demanda suficiente para fazer valer uma produção industrial.
171
Uma Pequena História
A indústria gráfica brasileira tem a sua origem no ano de 1808 quando a Família Real
Portuguesa chega ao Brasil, transferindo o Poder Real Português para a colônia e criando a
Imprensa Régia. Diferente de outros países, como por exemplo os EUA, onde a sociedade
sentiu a necessidade de formar um "Estado" para poder melhor administrar os problemas
que geram uma nação. No Brasil o "Estado" (no caso a Família Real Portuguesa e sua
Corte) foi que determinou a criação de uma infra-estrutura para bem servi-lo. E este
processo inverso foi quase sempre adotado em todos os setores sociais e econômicos, e
assim aconteceu com a sua imprensa (setor gráfico).
Nesta contra-mão, o início do desenvolvimento da indústria gráfica brasileira toma-se
rala e inexpressiva, apenas servindo às necessidades do Império Português. Mas aos poucos
vão surgindo trabalhos que se tomarão exemplos : a revista "Semana Ilustrada" criada em
1860 por Henrique Fleuss, a "Revista Ilustrada" de 1876 e a "Lanterna Mágica" de 1884
criada por Manuel de Araújo.
A caricatura passa a ser o segmento mais expressivo dentro das artes gráficas por
meio de artistas como Angelo Agostini que influenciou gerações e criou em São Paulo as
revistas "Diabo Coxo" (1864) e "Cabrião" (1866), e o português Raphael Bordallo que
introduziu o desenho a bico de pena, técnica que só se popularizou no começo do século
XX. Mais tarde viriam a destacar-se K.Listo, J.Carlos, Raul Pederneiras, Voltolino,
Belmonte que desenvolveram um grande trabalho nas revistas : "O Malho", "Careta", "Fon-
Fon!", "Para Todos" etc.
172
Antes da 2ª Guerra Mundial, a evolução do parque brasileiro não acompanhava a
evolução européia. Os técnicos não estavam suficientemente preparados e os equipamentos
já eram obsoletos. O Brasil acabava sendo portador de tecnologias que não eram mais
utilizadas em países onde o parque gráfico já se expandia, como Holanda, Suíça, Itália,
Alemanha e Inglaterra. Assim observa Alexandre Wollner: a influência técnico-gráfica de
origem germânica (austríaca e alemã) e as influências artísticas da França e Itália,
relevantes desde os primórdios, tomaram-se notórios entre as duas guerras mundiais 156 .
O desenvolvimento do profissional que cria a imagem/mensagem para um suporte
bidimensional/gráfico no Brasil não foi muito diferente dos outros lugares onde o parque
industrial gráfico era inexistente. Só poderia realmente existir a sua especialização no
período dos anos 50, paralelamente ao movimento concretista. São poucos os exemplos de
trabalhos com algum arrojo de idéias antes desse período. Pode-se destacar aqui a revista
"Klaxon" (1922), a "Revista Novíssima" (1923) e a "Revista São Paulo" (1935). A
"Klaxon" constituiu o espaço onde os integrantes da Semana de 22 expandiram suas idéias.
Foram publicados textos de Mário de Andrade, Manoel Bandeira, Guilherme de Almeida,
Menotti dei Picchia, e impresso ilustrações de Vítor Brecheret, Di Cavalcanti, Anita Malfati,
Tarsila do Amaral, entre outros. O seu arrojo estava principalmente na composição da capa
que fazia uma conjunção do nome "KLAXON" com "São Paulo" por meio da letra "A". A
"Revista Novíssima" trazia como subtítulo: " Revista de Arte, Ciência, Literatura,
Sociedade, Política" e primava pelos efeitos gráficos.
Já a Revista São Paulo realmente foi um marco no setor gráfico no Brasil. Com uma
equipe de redação formada por Cassiano Ricardo, Menotti dei Picchia e Leven Vampré, ela
procurava mostrar o desenvolvimento do estado de São Paulo. Os dois primeiros eram
156 WOLLNER, Alexandre. Comunicação Visual. ln. : ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil. Vol. II. São Paulo : Instituto Walter Moreira Salles: Fundação Djalma Guimarães. 1993. p 957.
173
nomes importantes na literatura e no setor editorial do país. A revista era de grande formato
(44 x 30 cm) e impressa em rotogravura (permitindo a boa qualidade das fotos). Inovava na
diagramação de suas páginas duplas e triplas possibilitando a criação da "página-cartaz".
Seu projeto privilegiava as fotos em detrimento do texto, e usava tipologia variada na
composição de cada matéria. Eram muitos os recursos inovadores usados pela revista. Clara
transferências dos ideais construtivos onde o uso da tecnologia em prol da construção era
uma detenninante. A fotografia ocupando uma grande parte da página impressa, assim
como o uso da fotomontagam, era uma característica dos trabalhos construtivos e que,
certamente, influenciaram a revista e, posteriormente, inspirariam os futuros projetos
gráficos brasileiros. Mas não era apenas o uso das fotomontagens que a qualificava como
contribuição original para a o setor gráfico. Em seu projeto editorial prevalecia a imagem
em detrimento ao texto e isso permitiu não só o pleno uso da imagem mas, também,
possibilitou o uso do texto como recurso formal ( objeto visual). Não se sabe quem foi o
autor do projeto gráfico da revista, pois a mesma não tinha em seu expediente, mas para as
imagens havia o crédito de Junqueira Duarte e Theodor Preising 157 .
Pouco a pouco vai se criando profissionais que passam a constituir um grupo cada
vez mais ativo nos trabalhos feitos para propaganda. O estilo europeu de confecção de
cartazes vai sendo substituído pela influência americana de comunicação, onde a ilustração
era sempre acompanhada de um texto. Não só os brasileiros mas, também ,os europeus que
trabalhavam aqui no Brasil tiveram que se adaptar as novas diretrizes. As atividades das
agências de publicidade contribuiram para aumentar o nível de exigência dos serviços
gráficos e com isso ia-se melhorando a qualidade dos produtos, incentivando a aplicação de
capital no maquinário gráfico pelos seus empresários. Mas não adiantavam grandes
157 MENDES, Ricardo. A Revista São Paulo. A Cidade nas bancas. Revista Imagens, São Paulo. n 3 : Unicamp, dez 1994, p.93.
174
equipamentos se a mão-de-obra ainda não acompanhava este desenvolvimento. Além disso,
os profissionais precisavam obter uma reciclagem e desenvolver métodos novos e modernos
de criação.
A década de 50 mostra-se como o período adequado para o surgimento da atividade:
um parque industrial crescente não só com indústrias de base, mas com indústria de bens de
consumo duráveis formando um mercado de consumo interno; a criação do IAC e a
inciativa do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em criar a Escola Técnica de
Criação despertando atenção para a criação de Instituições de Ensino; as exposições de
design (cartazes e produtos) como a que aconteceu no Rio de Janeiro com os produtos da
Olivetti; as visitas constante de grandes artistas e designers como Max Bill, Tomas
Maldonado, Oitl Aicher etc
As exposições e os inúmeros concursos de cartazes nos quais muitos artistas
participaram, como por exemplo Maurício Nogueira Lima, mostravam um grande interesse
pelos veículos de comunicação que não deviam ser desprestigiados do seu valor estético.
Um exemplo do interesse dos artistas deste período pelo incremento da arte na sociedade,
pode ser percebido no entusiasmo de Waldemar Cordeiro, manifestado em um artigo de
jornal, com a atitude da Secretaria de Agricultura de São Paulo em contratar artistas para
decorarem os pavilhões da Exposição da Agricultura Paulista. Previa nesta atitude -
fazendo analogia com as exposições internacionais, como a de 1851 - uma renovação do
gosto do público e uma incrementação na artes plásticas modernas, afirmava : a técnica das
grandes exposições esteve inteiramente ligada no processo histórico da estética
moderna158. Contudo, no mês seguinte, viria mais uma vez ao jornal desta vez para criticar
a mesma Secretaria que dera preferência aos artistas estrangeiros. Contra-atacaria mais
158 CORDEIRO. Waldemar. Uma solução \'enal para o valor da obra de arte. Folha da Manhã. São Paulo, Caderno Atualidades e Comentários, 12 jan. 19 51 . p. 5.
175
tarde por meio de uma reivindicação, uma lei que obrigasse dentro das construções públicas
a participação de pintores e escultores na decoração. Cinco ou dois por cento do valor total
da construção deveria ser empregado na decoração artística e exemplificava como positivo
o trabalho dos artistas na Capela do Cristo Operário 159 . O que se percebe, mais do que
qualquer vontade de inserir os artistas no mercado, é querer dar à obra uma finalidade
prática, integrá-la à estrutura moderna industrial, diminuindo o seu distanciamento com o
público.
Um ano antes, em novembro de 1950, outro exemplo do interesse dos artista pela
produção de bens utilitários seria dado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo
que abriu uma exposição onde artistas plásticos apresentavam trabalhos de "arte aplicada":
murais, gráfica, tecidos, cerâmica e cenografia. Entre os artistas encontravam-se: Aldo
Bonadei, Lothar Charroux, Bruno Giorgi, Frans Krajcberg, Elizabeth Nobiling etc. Cordeiro
defendia a dita "arte aplicada" como representante da forma pura por não conter nenhuma
atribuição moralista ou intelectual e que esta classificação ("arte aplicada") era parte da
herança de preconceitos da arte figurativa. A arte e a produção de bens materiais tinham
uma relação dialética. A arte fornecia princípios estéticos e a "arte aplicada "criava um
ambiente para um progresso quantitativo.
A estética concreta marcaria esta década registrando por meio de sua forma
geométrica e ortogonal as influências deixadas nos suportes gráficos. Grandes jornais como
o "Correio da Manhã" e o "Jornal do Brasil" refizeram o seu projeto gráfico. Entre os anos
de 56 e 59 o "Jornal do Brasil" se destacaria com uma diagramação diferenciada,
privilegiando espaço em branco (Suplemento Dominical) e o uso da fotografia como um
potencial estético, uma revolução editorial. Depois dele, todas as publicações procuraram
ts9 CORDEIRO, Waldemar. Pintura é pintura dentro de qualquer tendência. Folha da Manhã, São Paulo,
Caderno Atualidades e Comentários , l jul. 1951, p.6.
176
de alguma forma rever o seu aspecto visual para se adequar aos novos tempos. Até mesmo
pequenos anúncios de jornal abandonariam as ilustrações primorosas acompanhadas por
texto tangenciando a imagem em detrimento de blocos de textos justificados (alinhado pelos
dois lados formando uma forma geométrica fechada) e espaços em branco. Muito
contribuiu para isso o pai de todas as transformações tipográficas, Stephane Mallarmé, com
o seu "Un coup de dés Jamais n 'abolira /e hasard' em 1897.
Fig. 72 - Anúncio da Firestone no jornal Estado de São Paulo, 04/05/52
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Não somos esta ou aquela PH, nem vamos apresentar
êste ou aquêle proµama. Falamos aqui em nome de
1ôdas as emissoras, cujas conquislas, tropeços, lutas e
empreendimentos simbolizamos. Nós somos o Rádio.
Estamos ligados à sua vida. Temos um lugar em seu
lar. Senlimos por isso profundo orgulho de nossa
alividade. E, para retribuir ,\ aua prderência, de!do·
bramo•uos em realizações. Somos as páginaa imorlais
dos gênios da música. O noticiário, que informa, e
o comentário, 11ue orirnta. Somos, ao mesmo tempo,
as obras-primas ela lit eratura, que ,k~aíiam os séculos,
e o enlretcnimt'nto lc,·e e dh·cr1ido, que apenas quer
cnfcilar sN1s momentos de Jazer. Reclamamos para
nÍ>s 1âo sómente a honra de rontinuar a scn i-lo. Para
tanto, hasta que \"orê - mantenha seu rádio ligado.
Homenagem da RÁDIO 9 DE JULHO • iuuiuor• do IV Ccntea,do - • tu•• co-lrrah paulletH, •• Dia tio R,dlo.
GRA!liDIOSO "SHOW DO RÁDIO ' ' !liO PARQt:E IBJRAPt:ERA
Fig. 74 - Anúncio da Rádio 9 de Julho no jornal Estado de São Paulo, 21/09/54
177
Fig. 75 - Anúncio da Olivetti no jornal Estado de São Paulo, 08/09/57
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179
Vale aqui, a título de curiosidade, registrar um fato que mosta como a estética
abstrata geométrica vinha, pouco a pouco, ganhando espaço mas enfrentava a resistência do
gosto acadêmico. No Rio de Janeiro, em 1957, o pintor Alberto Pinedo, havia desenhado
um prospecto para o laboratório Fluocal. Outro laboratório, Prismut, gostando do resultado
do trabalho contratou o artista, mas ao ver o esboço, escandalizou-se e não aceitou. O
Prismut queria que Pinedo pintasse no prospecto um passarinho acadêmico. Pinedo
negou-se, mas nem por isso o Prismut deixou de ter o seu passarinho 160 .
Outro fator que merece destaque foi o espaço reservado dentro dos jornais para o
debate sobre a arte. Vários jornais preocuparam-se em criar "cadernos de cultura" onde o
espaço era aberto as discussões. Era uma retomada do papel do crítico de arte o qual
interpretava por intermédio de textos as obras dos artistas. Sérgio Milliet, Waldemar
Cordeiro, Mário Pedrosa, Ferreira Gullar foram os grandes teóricos deste tempo, sendo que
o primeiro era remanescente do grupo considerado moderno. Isto mostrava a necessidade
de uma explicação da obra para que o público pudesse melhor apreciá-la.
Mário Pedrosa registrou em 1957 uma pesquisa feita pelo IBOPE sobre o interesse
dos cariocas pela arte. A conclusão da pesquisa era que - mesmo o Rio de Janeiro
considerada a cidade onde tinha a população mais culta do Brasil - o grau de interesse era
muito baixo. A pesquisa foi feita por meio de duas perguntas, a primeira : " Tem obra de
arte em casa?". Considerando, neste caso, arte pinturas, gravuras e esculturas, reproduções
e cerâmica. Somente 30% das pessoas que participaram da pesquisa responderam que sim,
sendo que os jovens possuíam mais do que os velhos, os ricos mais do que os pobres e os
homens mais do que as mulheres. A segunda: "Alguma vez visitou algum Museu de Arte,
160 PASSARINHO. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. Suplemento Dominical. 14 abr. 1957.
180
uma galeria de arte ou exposição de arte? ". E o resultado foi que o Museu era o mais
visitado e pela população mais rica, ficando a galeria em terceiro lugar.
Porém, o resultado, apesar de demonstrar o pouco interesse da população carioca,
mostrava na verdade uma nova fase do Brasil. Um país jovem e que só recentemente (final
da década de 40) começava a abrir Museus e galerias de arte, exposições de nível
internacional (Bienal de São Paulo), e registrava, em tão pouco tempo, um interesse da
população mais jovem. Além do que, havia, neste período, um interesse por livros sobre
arte, registrado logo após o final da guerra, substituindo o interesse por livros sobre
política.
O refluxo do interesse pelas obras sobre política começou mais ou menos por essa época, quando, desvanecidas as esperanças messiânicas do após-guerra, dividido o mundo em dois blocos irreconciliáveis, uma parte pelo menos da mocidade descobriu na arte uma nova dimensão para o homem e, portanto, novos motivos de esperança 16 1
.
Arte, Comunicação e Design
Ao longo deste trabalho percebeu-se o quanto a arte tem uma relação direta com o
design e o seu desenvolvimento. A importância da história da arte não é maior e nem menor
do que as questões tecnológicas de produção, mas é claro que para este tabalho tem mais
importância . A arte esteve envolvida no final do século passado com a produção industrial.
A volta ao artesanato defendida por Morris, além de reivindicar melhores condições de
trabalho tinha, principalmente, uma preocupação estética. Ainda que não se possa dizer que
tais prerrogativas fossem oriundas de um ambiente de arte - pois assim não era reconhecido
o trabalho de um artesão - , deve-se entender como um cuidado pela questão estética.
161 PEDROSA. Mário. O carioca e a arte ( 1). Jorn~I do Brasil. Rio de Janeiro. 1-' ago. 1957. p. 8.
181
Morris preocupava-se com o gosto do público, tanto é que solicitava a criação de museus
para abrigar a arte decorativa, a arte aplicada. As pessoas teriam acesso às obras permitindo
uma análise dos objetos e educando-se para poder exigir melhorias nos objetos industriais.
Arte e produção industrial sempre estiveram em conflito. A produção industrial
determinaria para muitos uma perda na qualidade estética do objeto, herança do movimento
Artes e Oficios criado por Morris. A questão de uma demanda externa às necessidades do
artistas para alguns inibiria, ou até mesmo aniquilaria, a sua criatividade. Outros defendiam
a produção industrial como necessária para se acompanhar a modernidade, fazendo crer que
a importância de um objeto produzido industrialmente se daria pela funcionalidade e por seu
componente econômico. Ora, uma produção mais acessível à população possibilitava a
socialização da arte, evitando uma elitização. A produção de bens materiais está inserida,
evidentemente, na vida econômica de uma nação. Portanto era muito importante, no início
do século XX, uma produção adequada e reconhecida dentro do seu mercado. A produção
industrial permitia uma qualidade e identidade mais clara do que qualquer produção à mercê
de uma subjetividade artística. Dever-se-ia adequar perfeitamente a produção mecanizada e
o coeficiente estético ao produto.
A busca por uma introdução da arte na vida mostrava-se pertinente cada vez mais no
início do século XX As vanguardas construtivas do século XX, como construtivismo e o
neoplasticismo, objetivavam um incremento da arte na vida. A primeira queria reconstruir,
por seu intermédio, a nação e a segunda inserir-se na vida cotidiana. Todas envolvendo
meios de produção que possibilitassem uma leitura objetiva sem conflitos, um entendimento
claro e elementar. É assim que a escola alemã Bauhaus irá estabelecer critérios para o bom
desempenho dessas diretrizes. No período da direção de Gropius a escola apropriou-se do
formalismo neoplasticista, reelaborado a partir do construtivismo. Por meio de elementos
182
geométricos e de cores primárias estabeleceu uma produção que estava perfeitamente
adequada ao sistema industrial. Gropius, diferente de Meyer, não pensou nas consequências
de seu produto no mercado e esqueceu-se de projetar pensando também no usuário. Os
produtos desenvolvidos nesta fase encontraram resistência por sua inovação e por não
estarem adequados ao consumo de massa. Gropius errou em pensar somente na forma e
produção do objeto, o que o seu sucessor procurou remediar.
Mas, por meio da própria linguagem das artes visuais começou haver uma mudança
que era estabelecida por uma descrença aos valores apregoados pelo Renascimento. Com a
Revolução Industrial e as transformações políticas decorridas pela Revolução Francesa
houve profundas modificações nas relações do trabalho, tanto o camponês se vira forçado a
ir para a cidade como o artesão fora pressionado pela indústira. Passa a existir um
trabalhador livre apesar de estar vinculado à produção industrial. Com isto o
trabalhador/indivíduo ao mesmo tempo que está livre se sente isolado no emaranhado da
nova sociedade moderna. O reflexo deste sentimento pode ser percebido, em 1776, em
Diderot: iluminem os seus objetos de acordo com o sol de cada um de vocês, que não é o
da natureza; sejam, discípulos do arco-íris, não o seu escravo 162. A subjetividade artística
moderna desenvolve-se seguindo duas direções. A primeira baseada na descrença da visão
na qual o que se vê não é o que é, e a busca passa a ser interior. A música por seu caráter
não referencial era eleita para este programa estético. E a segunda baseava-se na visão
individual que evolui para o "olhar sensorialista" que estava relacionado com o
conhecimento científico sobre a percepção. De acordo com esta direção a obra deveria ser
compreendida com base em suas relações formais e não por seu conteúdo. E isto
162 DIDEROT. Denis apud. LESSA Washington Dias. Abstracionismo e Design. Re,·ista Gá,·ea. Rio de Janeiro. n 13: PUC. set. 1995. p.361.
183
direcionava uma transformação progressiva no cenário das artes visuais onde, antes, a
figura era protagonista, herança renascentista .
Já no final do século passado observa-se uma valorização dos elementos formais e
elementares da superficie da pintura. Em um processo complementar à valorização da
visão subjetiva, as linguagens se autonomizam, adquirindo um caráter reflexivo, marcado
pela busca de independência em relação ao mundo designado 163. A cor, principalmente,
que estava subordinada ao desenho, agora tomava-se autônoma. E estes elementos visuais
(linhas, formas, cores) que já eram percebidos pelo "olhar sensorialista" na contextura da
pintura, passam para o primeiro plano. E, a partir daí, surgem as vanguardas que levariam
ao abstracionismo histórico. A cor fauvista, a forma sintetizada e geométrica cubista, o
movimento futurista, a transfiguração expressionista levariam ao neoplasticimso. Basta
olhar o desenvolvimento da pintura de Mondrian para ter como exemplo este processo. Ao
lado desta substituição dos elementos visuais desenvolve-se um raciocínio estrutural,
construtivo, visando um efeito estético determinado e independente da representação. E
este pensamento é acompanhado ou complementado, também, na produção material. Não
se buscava mais uma descrição retórica mas a criação por meios elementares e estruturais. É
assim que o artesanato dá lugar a produção industrial, onde a subjetividade do artista do
passado cede o lugar para a objetividade da máquina. A máquina, que fornece o
fundamento para a i11d~fere11ciação técnica do trabalho industrial, surge no ambiente
11ovecentista como algo oposto à 11at11reza quanto aos gêneros tradicionais da cultura
material 164 . Os artistas se rendem ao fascínio da lógica da era industrial e passam a
substituir a subjetividade artística por elementos formais autônomos.
163 LESSA Washington Dias. Abstracionismo e Design. Re,ista Gávea. Rio de Janeiro. n 13 : PUC. set l 995. p. 36..i. 164 LESSA Washington Dias. Abstracionismo e Design. Op. cit, p. 168.
18~
Arte Concreta
A Arte Concreta é, também, responsável pelo nascimento do design Brasileiro. Já
foram vistas quais eram as condições favoráveis para que, no período do desenvolvimento
da Arte Concreta no Brasil, o design tenha definitivamente emergido de sua condição
antecedente, pré-industrial ou artesanal. As condições são diversas, vem desde de sua
herança artesanal madereira até condições econômicas. Por ser uma atividade que envolve
meios de produção e de tecnologia acompanhados por uma necessidade estética eminente,
sempre estará em mutação e novos conceitos e fatores serão incorporados. Mas, deve-se
entender que o termo design não é qualitativo de um juízo de valor e que pertence a um
fenômeno historicamente determinado. Ao classificar um objeto de design - seja ele gráfico
ou industrial - não é o mesmo que qualificá-lo de bom, bonito ou funcional. É claro que o
designer tenderá a direcionar o seu projeto para estes fatores, é o seu objetivo, mas a sua
classificação não é uma chancela para tais atributos. O que se deve entender que ao
classificá-lo como tal, o objeto está inserido em determinadas circunstâncias às quais o
termo design faz necessariamente referência e da qual emerge a atividade como prática
social necessária165. E as circunstâncias - além das três caracteristicas relacionadas ao
objeto definidas por Gillo Dorfles (produção em série, produção mecânica e um coeficiente
estético) - estão relacionadas com a necessidade da sociedade de massa. Não existiria
design se não houvesse uma demanda da sociedade que possibilitasse a produção industrial
seriada. Historicamente, o resultado deste contexto deu-se no princípio do século XX, a
165 VILLA-BOAS. André. O que é (e o que nunca foi) design gráfico. Rio de Janeiro : 2A Editora, 1997. p.19.
185
partir das experiências das vanguardas históricas, e pode-se determinar como ponto
definitivo a criação da Bauhaus.
Já foi visto como, dentro da linguagem plástica das artes v1sua1s, a abstração se
desenvolveu, e, apesar dos artistas concretos negarem uma familiaridade com a abstração,
não se pode negar o uso da mesma linguagem para as duas correntes. A linha abstrata
geométrica está perfeitamente adequada ao sistema desenvolvido pela Arte Concreta.
Dentro do panorama brasileiro são muitos os motivos que levaram a Arte Concreta
ser uma das condicionantes para o desenvolvimento do design no Brasil. Analisando o seu
objetivo principal - linguagem urúvoca tendendo para uma objetividade com a inserção da
arte na vida - pode-se estabelecer algumas considerações. A socialização da arte vista e
argumentada por Morris e exigida por Mondrian, será mais uma vez, na Arte Concreta,
solicitada. E como chegar por meio da arte até o espectador, sem que ele tenha qualquer
dúvida, anseio e descontentameto? Dever-se-ia chegar a uma linguagem única, pois nem
todos possuem o mesmo repertório e portanto nem todos entenderiam todas as expressões
individuais dos artistas. Logo, a busca de uma linguagem úrúca se dá pela necessidade de se
chegar até o homem. Mas, ainda assim, se a linguagem conseguisse chegar ao seu objetivo,
outro fator determinante seria colocado em questão: a reprodução da obra, a produção em
série. Neste sentido, existem três considerações: a primeira de caráter puramente conceituai
que estabeleceria uma ruptura com a questão da aura da obra de arte o que desmistificaria a
obra e a colocaria em uma posição mais acessível ao público; a segunda por uma adequação
às condições tecnológicas e um acompanhamento dos ideais da modernidade, algo como
uma atualização dos meios de produção; e a terceira, por uma questão técnica, que
direcionaria a preocupação de atender uma demanda maior. Tudo isso seria desenvolvido
caso houvesse uma aceitação do público para a nova concepção da linguagem concreta.
186
Não é à toa que o principal teórico do movimento concreto brasileiro, Waldemar
Cordeiro, instituía a obra como objeto e não como expressão. Buscava-se uma conjunção
dos interesses de dar a obra de arte uma finalidade e de uma necessidade de instituir na vida
o objeto artístico. O objeto - seja qual for a sua natureza - acaba tendo uma maior
identidade com o público pela sua condição de suprir uma necessidade, ter uma
funcionalidade, ao passo que a pintura, a princípio, por sua inutilidade se toma subjetiva.
Uma das críticas referentes a Arte Concreta foi estar presa ao seu universo plástico e não
permitir uma comunicação recíproca com aquele que não pertencia ao seu universo,
afastando-se do espectador, quando na verdade queria se aproximar. Mesmo direcionando a
sua linguagem para eliminação da expressão, eliminando com isso a subjetividade, não
conseguiu estabelecer com o público uma empatia. O que é explicado, em parte, pela Teoria
da Informação, quando uma mensagem possui um grande repertório (um maior número de
modificações no comportamento do espectador) a sua audiência é menor porque não é
esclarecedora.
Porém este exercício plástico facilitou ao incremento da produção industrial que se
adequava perfeitamente a esta linguagem. Já era usual a incorporação dos estilos aos meios
materiais. As vanguardas do início do século mostraram isso. E particularmente este
movimento se adequava perfeitamente ao novo ambiente brasileiro da década de 50. Seria
por meio das formas, linhas e cores do universo material de cada um que a estética concreta
estabeleceria um contato com o público, criando um novo olhar para o universo das artes
visuais. A familiaridade com os objetos permitia uma aproximação com estas novas
soluções e relações formais.
Em 5 7, Mário Pedrosa afirmaria a substituição do ícone pelo signo e a crescente
valorização da linguagem não-verbal e um declínio da verbal. Todos os estímulos sensoriais
187
nessa nossa civilização cada dia mais mecânica, mais eletrônica, mas descontínua, e que
nos agridem, diariamente, aos milhões tendem a transformar-se em signos 166 . E assim a
poesia concreta irá estabelecer um grande contato com o design gráfico, pois para ela, assim
como para a Arte Concreta, a importância está na qualidade da palavra como forma, como
signo. Ela recorre a uma sintaxe visual e não à sintaxe tradicional, com uma linguagem
minimizada decorrente de um um ambiente industrial. Utilizaram a sua própria sintaxe
aplicada aos novos signos onde as relações se davam pela forma e som da palavra. Era
construída e projetada para cada necessidade do poeta onde em sua diagramação utilizava
se o espacejamento entre palavras e a entrelinha como meios formais de expressão. O
material básico da poesia concreta é a palavra. Na palavra, sua semântica, seu som e
forma visual são explorados, e1?fatiza11do seu caráter físico e admitindo a imediata
- , J ·1 .-1 . 167 percepçao ua estrutura e n mo ua poes,a .
A atenção reservada para a forma, tanto na poesia como nas artes plásticas tendendo
para uma autonomia, estabelecendo relação apenas com os elementos visuais pertencentes
ao plano onde estão projetadas era o que permitiria uma passagem direta para o design
gráfico, onde se poderia ter uma aproximação maior com o público . E é por este caminho
que a Arte Concreta irá recuperar um dos seus princípios programáticos.
Geraldo de Barros, então, dentro de sua carreira artística, foi um dos artistas
concretos que pôde dar testemunho das transferências da Arte Concreta para o Design. Não
se sabe como se deu esta passagem - da Arte Concreta para o Design - em sua carreira,
pois havia um descontentamento com Waldemar Cordeiro e um contato estreito com os
cariocas - o que o desmotivaria a continuar com a pintura concreta. Teria dito, certa vez,
166 PEDROSA Mário. Arte Concreta ausência de ícones. Jornal do Brasil . Rio de janeiro. 15 feY. 1957, p.8 167 LIMA Guilherme Cunha. O Gráfico Amador - as origens da moderna tipografia brasileira. Rio de Janeiro : Editora UFRJ, 1997. p .. 28.
188
que parou com a Arte Concreta por uma questão estratégica, via o informalismo como uma
ameaça aos objetivos do movimento e achou que deveria fazer uma pausa para depois
voltar, o que fez na década de 60, com uma nova linguagem, expressiva e figurativa muito
diferente da linguagem concreta 168. Percebe-se neste comportamento que não era adepto de
nenhum movimento, utilizava-os como expressão artística mais adequada a cada tipo de
trabalho. Dentro de sua expressão como artista algumas características são pertinentes à
prática do designer: a preocupação social seja ela de forma iconográfica ou programática;
resolução do problema de acordo com as suas necessidades sem se prender aos princípios
de qualquer tipo de doutrina; a necessidade de exercitar por meio de estudos ou mesmo por
meio da repetição de motivos ou imagens a fim de se chegar a um resultado satisfatório; e a
preocupação com uma comunicação eficiente e objetiva.
Geraldo de Barros subverte a estrutura de várias linguagens com que trabalha, parece
sempre incomodado com a apresentação natural das coisas. Na fotografia, processo que
permite a seriação, transforma a obra em peça única ao introduzir o traço, a pintura, em seu
negativo. Na pintura concreta possibilita, por meio de sua estrutura de composição, que
tenha uma produção seriada. Nas colagens retira um fragmento de um objeto de produção
industrial (recorte de um outdoor ou cartaz publicitário) e o transforma em um objeto
único, neste caso ainda, relaciona a arte com a linguagem publicitária, uma relação com o
mundo contemporâneo.
Com exceção da fotografia, onde a sua seriação é perfeitamente controlada, nos
outros trabalhos tem-se apenas a sua possibilidade, visto que por meio da estrutura ou dos
elementos plásticos pode-se chegar a uma composição muito semelhante ao trabalho
168 Geraldo de Barros é considerado o artista paulista que possibilitou um aproximação dos concretos paulistas com os concretos cariocas. Depois de \"isitar a exposição dos internos do hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro dirigido pela Dra Nise da SilYeira. se tornou muito amigo do artista Almir Mavignier e passou a frequentar o Rio de Janeiro nos finais-de-semana
189
original. Como é o caso das colagens e dos trabalhos feitos com fragmentos de outdoor,
apesar da utilização de materiais industrializados, a sua composição não permite a produção
exatamente igual, pois em uma das etapas de seu processo o artista usa o recurso da
pintura, estando sujeito à alguma alteração no final. Mesmo na gravura não se tem um
controle perfeito do resultado final de impressão.
Fig. 76 - "A menina do sapato". Geraldo de Barros, 1949, desenho sobre negativo com ponta-seca e nanquim
190
O que se observa principalmente em Geraldo de Barros é o seu espírito comunitário, a
sua preocupação com a comunicação e o seu fascínio pelo sistema industrial e pela
iconografia que o representa. Em seus trabalhos mais próximos da linguagem pop e de
Lichtenstein, o que se tem é a manifestação do fascínio pelo objeto de consumo. Em alguns
trabalhos desta fase é o próprio signo, sem qualquer contexto social ou político, que está na
obra, é o fascínio pela forma - a constatação da eficiência do processo publicitário que
toma o objeto, o objeto ali representado, em um objeto imediatamente reconhecido dentro
do período e lugar em que é colocado.
Geraldo de Barros foi um concreto especial, na medida em que não limitou a sua
criatividade apenas a uma atividade. Interdisciplinalizou-a em vários campos de criação. Sua
preocupação é de alcançar uma comunicação geral, produzindo uma linguagem objetiva que
possa ser traduzida em diversos campos. Como fotógrafo rompeu com as questões
clássicas, experimentou vários recursos técnicos e trabalhou como precursor nas tendências
abstratas e de percepção. Foi o pioneiro em conjugar ideais socializantes com atividades
artísticas industriais. Sintonizado com as transformações artísticas sempre esteve à frente de
seu tempo e receptível às novas mudanças assim como responsável por sua concretização.
E é assim que o design, definitivamente, vai sendo introduzido na sociedade brasileira,
apesar de muito confundido e pouco esclarecido. Escolas e entidades surgirão a fim de
ensinar e divulgar a nova atividade. Mas sempre estará caminhando ao lado das novas
estéticas, mídias e tecnologias, e delas se utilizando.
191
Fig. 77 -"Patê Sadia". Geraldo de Barros. 1975, técnica nústa,167 x 175 cm
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E OUTRAS FONTES
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Museu de Arte Moderna de São Paulo. Biblioteca Paulo Mendes de Almeida
Museu Nacional de Belas Arte (Biblioteca)
Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Obs. : nestes arquivos foram pesquisadas as pastas do artista Geraldo de Barros
ENTREVISTAS
Alexandre Wollner - concedida ao autor em agosto de 1996.
Geraldo de Barros - concedido ao autor nos períodos de novembro de 1995 a agosto de 1996.
VÍDEO
Geraldo de Barros. Dirigido por Geraldo Anhaia, 199 1.
200
Aspectos da Cultura Brasileira. Instituto Cultural ltaú.
Depoimento de Geraldo de Barros ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo. 17 de agosto de 1994
Obs.: vídeos do acervo do artista Geraldo de Barros
9. ANEXO
ENTREVISTA COM ALEXANDRE WOLLNER 30 de agosto de 1996 Em sua casa no Bairro Butantã, São Paulo.
Como foi o seu começo ? Na núnha juventude eu não sabia o que ia fazer. Como eu tinha uma tendência para desenhar ( ... ) e não sabia o que fazer. Na escola tinha um jomalzinho e diagramava o jomalzinho todo etc etc ... Eu tentei fazer gravura. Tive uma chance de fazer lá no Museu de Arte (Museu de Arte de São Paulo - MASP) num concurso que teve onde teve a primeira escola de desenho industrial ...
Pois é, o IAC? É ... o Bardi trouxe a idéia dos italianos do que era o Desenho Industrial - com a exposição da Olivetti. Era mais o desenho italiano. E foi aí que começamos a perceber o que era, por exemplo, a Bauhaus. Embora se comentasse no circuito de arte, no Museu de Arte Moderna ... toda a impressa era francesa e não se comentava.
O senhor fez algum curso de pintura antes de entrar para o IAC? Não. Por que núnha mãe, que era viúva européia, estava muito preocupada que eu tivesse um diploma, que eu fosse arquiteto. Como eu tinha tendência para desenhar, ( ... ) ela fez tudo para que eu fizesse faculdade de arquitetura. E eu me recusei. Aí surgiu uma oportunidade de fazer Belas Artes e ela foi comigo. A primeira pergunta que ela fez foi: "tem diploma?", porém não davam diploma. Aí ela não quis ... não teve nem conversa. Mas, como o destino é meio engraçado, mesmo que vc não procure as perspectivas, as coisas acontecem quando você direciona os seus interesses. Então, houve um concurso para este curso do IAC ... eles estavam querendo 30 alunos. Eu me considerava muito desligado da arte, estava completamente perdido lá ... mas acabei entrando ...
Quantos anos o Senhor tinha? Tinha 21. Mas antes eu me entrosei lá, fazendo um curso de gravura, fui aluno do Aldemir Martins, do Grassman, Portila Zaroto, Rennina Katz e conheci também o Geraldo de Barros. Este curso aí eu fiz no primeiro ano, tudo bem, aí no segundo ano o Bardi me chamou para auxiliá-lo na exposição do Max Bill... .certo? Não sei se você conhece o Max Bill?
Conheço ... Quando eu montei esta exposição ...
Só o senhor e o Bardi que montaram esta exposição? E o Flávio Mota, que era o secretário do Bardi. Aí, quando eu montei esta exposição me veio um estalo. É isto que eu quero fazer. ·Foi uma revelação que me impulsionou .. .
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E o que tinha nesta exposição? Tudo.Eram pinturas, esculturas, arquitetura, desenho industrial e comunicação visual. O Max Bill era mais conhecido como designer do que como arquiteto( ... ) E ele estava reestruturando a ... quer dizer eu vou dizer Bauhaus só para posicionar a idéia né, pósguerra ... lá na Alemanha. Estava reorganizando esta escola. E esta escola no princípio .. quer dizer ela começou em 53 com sua construção e a primeira turma foi de 54 e ela inaugurou em 55.
Que era a Escola de Ulm? É a Ulm. E aí eu persegui esta idéia de ir para lá
Já, em 50, estava-se pensando em organizar esta escola? É já. As coisas na Europa são feitas com tempo. É porque a Alemanha estava vindo do pós-guerra. Em 45 terminou a guerra ... você imagina como é que estava. Quando eu fui para lá as pessoas estavam reconstruindo, pondo tijolo por tijolo, para limpar as ruas etc. Aí eu conheci o Max Bill ... ele veio para cá ... tá certo?
Isso em 50? Já era 51 . Ele veio para Bienal e não veio para a sua exposição. Aliás, peraí, ele esteve na exposição, tanto é que ele fez uma vernissage. Foi a primeira retrospectiva que ele fez no mundo. Acho que a única. Então, na época eu também estava trabalhando com o Geraldo. Geraldo já tinha vindo da Alemanha, venho por Paris, porque ele ganhou uma bolsa ...
Mas antes, eu queria saber mais um pouco do IAC. Como o curso funcionava? O IAC funcionava dentro dos termos da escola de Chicago que foi fundada por MoholyN agy, Gropius, Bayer. Os professores eram Salvador Candia que era um arquiteto, Warchavchick que era um arquiteto suíço e morava aqui no Brasil, Roberto Sabonet da Itália que era um pintor, entre outros, Flávio Mota, Volpi, Bratke e Lina Bo Bardi. Este era o corpo, mais ou menos docente fixo, que nós tinha lá. E a gente começou aprender as primeiras coisas baseados na Escola de Chicago ... baseado na teoria do Kandinsky, ponto e linha. Era uma escola que exigia de você a presença o dia todo.
O dia todo? Mas não funcionava só a noite? Não, a noite é que não funcionava nada. A escola de propaganda funcionava a noite. Isso era uma outra coisa. Praticamente ele funcionava de manhã, mas como os professores ficavam por lá e tinha um estúdio maravilhoso que era num andar todo, você acabava ficando por lá fazendo as coisas. Eu tinha aula, por exemplo ... eu me entrosei com Ademir que não era professor da escola, mas ele era o chefe do departamento de gravura que tinha lá. Então, eu me entrosei com o Ademir, com a Renina Katz. Eu ficava o dia todo lá.
No Museu funcionavam várias coisas ao mesmo tempo? Várias coisas ... tinha fotografia ....
O laboratório de fotografia foi o Geraldo de Barros que organizou? Não, foi o Tomas Farka.Era um cara genial e ainda é. O Geraldo de Barros estava mais entrosado com o pessoal do Museu de Arte Moderna, tá certo?
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Então em 53, o curso andava assim ... aulas teóricas e práticas etc ... e praticamente eu ficava o dia todo lá, tá certo? Por isso que o Bardi me pediu para auxiliar ele na exposição (Max Bill}. Foi o meu primeiro trabalho profissional porque o ele fez questão de me pagar. Deu uma recompensa. E em 53 comecei a trabalhar nos cartazes de cinema do Museu de Arte Moderna. A sessão era praticamente todo dia lá. Era um cinerrúnha que tinha estes programas nas terças, quintas e sábados e na frente, em baixo no saguão, tinha um painelzinho onde tinha a relação. Eram umas placas de madeira que eu pintava direto sobre a placa.
Não era um trabalho de um designer? Não, não era um trabalho de designer. .. imagina, design não existia no Brasil. ...
Antes do IAC não se falava em desenho industrial, muito menos em design? Não se falava porque o Brasil não estava industrializado, não estava avançado, ainda tinha os resquícios do café. Você imagina os anos 50. Ela veio com o Kubitschek em 54, com o negócio da Volkswagen e aí começou ... Antes não existia nada.
Mas no IAC se falava desenho industrial ou design? Desenho Industrial.
No IAC tinha marcenaria ... ? Tinha. Tinha gesso e fotografia. Marcenaria acho que não tinha. Tinha tapeçaria também, e a professora tinha sido aluna da Bauhaus. E ela dava tecelagem semiindustrial. E eu comecei a entrar em contato com este pessoal... No Museu de Arte Moderna eu conheci o Geraldo de Barros, tá certo? E o Geraldo viu os cartazinhos que eu fazia veio conversar comigo, tinha vindo da Alemanha Ele estava em Paris e passou pela Alemanha e conheceu Otl Aicher. Conversamos e começamos a trabalhar juntos.
Isso em 54? Em 53. Aí a gente fez um cartazinho para uma firma de adubos. Aí veio o 4º Centenário, em 53 a confecção do "4º Centenário", os cartazes do Festival de Cinema, fizemos dois cartazes, Revoada Internacional. ..
Tudo foi feito pelo senhor e pelo Geraldo de Barros? Eu e o Geraldo de Barros. Nós assinávamos os cartazes, quando a idéia era dele ele assinava primeiro, quando era minha eu assinava. Então, você reconhece de quem é pela assinatura. E fizemos, também, o do Festival de Cinema. Eu fiz uma exposição do Eric Von Stroheim e nós fizemos todos os cartazes deste festival.
Para fazer estes cartazes foi feito um concurso, tanto o do Cinema como o 4° Centenário? O Festival de Cinema foi feito concurso. E o do 4° Centenário não era meu, era do Geraldo. Eu não estava com ele nesta época. ( ... } Aí começaram rolar as coisas ... teve a I Bienal, em 51.( ... ) Não cheguei a conhecer quase ninguém porque ainda estava meio zonzo. Então, a partir da exposição de Max Bill, eu comecei a me entrosar. E o Geraldo, também, se cercou muito do Max Bill. Max Bill tinha convidado o Geraldo para ir para Alemanha (em 52). O Geraldo recém casado não pode ir e me indicou. Então, .aí, eu fui (em 54). Como ele pintava (Geraldo
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de Barros), começou a fazer gravura etc, eu me interessei pela Arte Concreta através do Geraldo. O Geraldo me influenciou muito neste tipo de coisa e a exposição de Max Bill., certo? Ah, mas o Geraldo foi o meu primeiro guru, o meu orientador e tal.. .. enfim, ele tinha convicção muito espiritual. Embora ele não dava concelhos ... eu estava mais querendo fazer as minhas coisas e auxiliar o Geraldo porque eu estava vendo que ele estava num caminho legal. .. e a gente se entrosou bastante. Aí eu comecei a pintar com o Geraldo. O Geraldo que me ensinou ... aos moldes da Arte Concreta. Eu não cheguei a pintar figurativo. Na gravura eu cheguei a fazer figura.
Nesta época havia uma briga entre a figura e a não-figura É uma coisa interessante. Você vê que era tudo pela cultura francesa.Toda a influência da nossa cultura ... todo mundo fazia coisas que estavam fazendo parte da escola de Paris. Era o impressionismo, era Picasso, era iso e aquilo ... O Bardi trouxe da Itália, e destruiu a arte francesa. Isso criou uma briga entre o Museu de Arte Moderna e o Museu de Arte. O Bardi trouxe uma cultura italiana que fugia da França ... e houve um choque. E com o Bardi que nós tivemos conhecimento da cultura que não era francesa: Kandinsky, Malevich, Bauhaus ... tudo isso aí. Foi uma maravilha. Foi uma maravilha. E aí, os caras se ligaram e aproveitaram esta oportunidade, Waldemar Cordeiro, que tinha uma formação italiana, depois teve o Saciolotto, o Fiaminghi e toda esta turma. E eu fiquei junto com o Geraldo, o Cordeiro . . . Só não participei do manifesto Ruptura porque foi um pouco antes... eu entrei na II Bienal e ganhei um prêmio de jovem revelação, ("Composição com triângulo proporcional"). Aí, eu conheci o Pedrosa e a Niomar Muniz Sodré. E a Niomar gostou muito das coisas que eu estava fazendo e me auxiliou a ganhar uma bolsa, e fala assim : com a condição que eu viesse para o Museu de Arte Moderna (Rio de Janeiro) que estava saindo do Ministério de Educação indo para a Beira Mar, tá certo? E gostaria que eu lecionasse lá no Museu de Arte Moderna.
Com as aulas em Ulm, o senhor iria para o MAM-RJ dar aulas? Isso
O convite do Max Bill não significava uma bolsa de estudo? O convite era o seguinte: você vai lá para escola, eu quero você etc, e eu lhe dou alojamento e estuda lá, você não precisa pagar nada. Mas mesmo assim você precisa ter dinheiro, precisa lavar roupa e comprar livro, caderno, lápis ... E eu não consegui a bolsa de estudo, eu consegui só a passagem.
Quais eram as afinidades entre o design e a Arte Concreta? A Arte Concreta é o seguinte: é o pensamento, tá certo? É a filosofia do que se tinha da obra de arte. A Arte Concreta começou a quebrar aqueles tabus e começou a relacionar outro tipo de informação . . . . a partir de Mondrian, vertical, horizontal, as cores primárias, etc, etc. E a participar mais ... e a intenção era essa ... participar mais da vida cotidiana, das comunidade ... local, nacional, internacional. E isto entrou na minha cabeça e não me satisfazeria em pintar e apresentar em galerias e em Bienais para no máximo mil pessoas, tá certo?. O pessoal que consumia arte naquele tempo era restrito, e ainda hoje. Uma exposição de arte vão cem pessoas ... agente enche lá, as pessoas nem olham as obras, ficam conversando. O social é ótimo. Então isso não me interessava. Eu pensei, não muito consciente, mas eu comecei elaborar o seguinte: qual é o modelo mais próximo? Max Bill participou ativamente das idéias, principalmente sobre a arte, na comunidade através dos anúncios, cartazes etc. Para mim design gráfico ainda era um
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cartaz, uma capa de disco, uma capa de livro etc, folheto, essas coisas assim que se fazia tranquilamente sem muito esforço. Quer dizer, sem muito esforço financeiro. Então, eu pensei assim: eu não quero fazer pintura. Eu resolvi, mesmo, todo o meu conhecimento de pintura, artesanal etc e tal, intuítivo etc, e vou por no design gráfico porque aí vai atingir um milhão de pessoas. E, mesmo porque, quando o Max Bill conversou comigo, ele falou assim: "olha em Ulm pintura nada, você não vai ter curso de pintura, e não vai ser recomendado fazer pintura dentro da escola, nós vamos trabalhar com produto industrial".
A pintura nem como um processo? Não, como processo é claro
Não como produto final? Nem como produto final nem como finalidade de se desenvolver como artista.
Mas a Arte Concreta dizia exatamente isso, ela não queria que o seu resultado final fosse uma obra de arte mas um produto? Pois é. Então, por isso que a Arte Concreta tem mais afinidade com o desenvolvimento do design gráfico. E em todo mundo e não só no Brasil. E nós tivemos essa consciência e o movimento Concreto foi o único movimento brasileiro que aconteceu, não existiu mais nada depois. Então, realmente se mostrou que funciona estas coisas etc, só que não funciona numa cultura brasileira onde o egocentrismo era muito grande, a individualidade etc, etc ... Portanto, no Brasil não funciona.
O senhor acha que antes da Arte Concreta a confecção de cartazes, capas de discos e livros era diferente? Sim era diferente. Nós nunca tivemos uma cultura de cartazes aqui no Brasil.Havia alguns cartazistas no Rio, mas eles faziam influenciados pela cultura francesa, sempre foi. Eram ilustrações veridicas, realistas ... a cultura política, comunista etc, era tudo real ...
E qual era a diferença de um cartaz inlfuenciado pela "escola de Paris" com um cartaz influenciado pela Arte Concreta ou pela escola de Ulm? Aí, você pode dizer a Suíça, nem a alemã. O cartaz suíço é simples em tudo, quer dizer com poucos elementos produzia várias coisas. O cartaz passou a ter uma finalidade, passou a ter conceito, antes era só ilustração. O cartaz sem ilustração foi o que nós terminamos na Arte Concreta. Isso no Brasil não pode. Na suíça também tinha os cartazes realistas, mas já distorcendo uma certa realidade, entrando no campo caricatural... a figura despojada do realismo, sintetizada, era mais linhas e cores. Tudo isso começo a caminhar num tipo de expressão mais sintética e muito mais funcional.
O senhor acredita que está síntese era para se chegar a uma linguagem universal? Claro. Já estava começando a terminar este negócio de cartaz .... ainda existia cartaz suíço ... na Europa se reconhecia, cartaz japonês você logo reconhece, até a expressão mexicana você sabe o que é, as cores marron, preto e aqueles arabescos. Cartazes alemães, poloneses .. . então você conhecia, assim, regionalmente os cartazes. Coisas do Brasil você conhecia Pelé - Pelé depois de 58 -, Carnaval, café, bunda de mulata, Copacabana ... mas o cartaz como expressão cultural...nada. Nessa época em 50 podia ser.
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A década de 50 é um marco e eu acho que foi muito mais importante do que 22, a semana de Arte Moderna. De 50 até 54, os anos 50 todo, realmente para mim - não é porque eu participei - foi uma das coisas mais importantes que aconteceram aqui no Brasil. Ainda não deram a dimensão da importância que foi este movimento aqui. Por que a nossa comunicação, o nosso apelo a memória é muito forte, totalmente indispensável, e não existe, não sei porque, um cultivo da memória. Mesmo antes ... eu até fiz um levantamento da comunicação visual no Brasil antes de 50. Vieram muitos imigrantes para cá, e como foi para os EUA Moholy-Nagy, para o Brasil não veio ninguém, está certo? Aí eu fui fazer este levantamento e descobri algumas pessoas : Geraldo Orthoff que mora em Petrópolis que deve ter morrido, Leopoldo Haar que participou do movimento Concreto e foi meu professor no IAC, Fred Jordan cartazista e veio para cá .... Mas eles eram assim de Belas-Arte, embora eles participassem da propaganda, mas eles não tinham o conceito de design. Não tinha metodologia de projeto, não tinha aquela coisa de função era muito mais uma coisa de expressão, do que funcionar. O Ary Fagundes do Rio de Janeiro fazia selo etc, era um artista gráfico excelente, participou, pré-cinquenta, e inclusive nos anos 50, totalmente no Rio de Janeiro, ganhava todos os concursos no Rio de Janeiro. Os argentinos que vieram para cá também ...
Maldonado? Eu o conheci como professor em Ulm depois ele veio para cá. Ele tinha uma revista na argentina que publicava as coisas européias Bauhaus, Malevicth, Suprematismo, Nouvelle Vougue, Dada, que raramente nós tínhamos, antes dos anos 50, este tipo de informação. Havia uma censura e o que interessava era a cultura francesa. Mesmo o Paulo Emílio Salles Gomes, que era o responsável pelas sessões de cinema do Museu de Arte Moderna, trazia mais filmes franceses, mas depois ele começou abrir mais para o alemão, o expresionismo tal etc que já era bem conhecido. Cinema era muito mais divulgado do que artes plásticas. Aí eu publiquei este trabalho (levantamento dos artistas que trabalharam com artes gráficas antes dos anos 50). Levantei até o Aluísio Magalhães antes dele ter contato comigo e aprender sobre o design gráfico.
Ele também começou como pintor? É, ele pintava de uma forma expressionista. abstrato .. . mas ele tinha um pensamento já mais ou menos lógico, matemático etc, etc, então facilitou a nossa aproximação ... e ele se interessou pelo meu trabalho quando eu voltei. Bem estes caras existiram. Existe uma cultura anterior, que não é conhecida porque ninguém se preocupa em relatar a memória, mas a minha função também, aqui, não é essa. É um absurdo você não levantar estas coisas e .. . não publicar. Você vê, eu fiz uma exposição aqui no MAC sobre o Concretismo e o cartaz no Brasil nos anos 50. Não teve uma divulgação. Uma grande exposição, tinha até Otl Aicher lá e as influências no cartaz do 4° Centenário. Fora a revista Design & Interiores ninguém falou. Depois do 4º Centenário que nós participamos, começamos a fazer outros cartazes, mas nada de excepcional, mais ligado a área cultural que logo após do 4 º Centenário acabou, quem experimentava estas novas formas para os cartazes era a área cultural. Se o teatro, as artes plásticas, os eventos culturais não fazem cartazes não há evolução desta expressão. Estes cartazes comerciais são horríveis, são anúncios ampliados. Quando
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ampliados perde totalmente a compos1çao, a idéia, a comunicação ... Então o Brasil perdeu a evolução, não continuaram por falta de incentivo. Os cartazes destas Bienais que são feitos os concursos.. . eu sou contrário a fazer concurso aberto a todo mundo, compreendeu? Teve um protesto meu, não sei se você viu, até o Ziraldo participou tal, etc ... O prêmio de R$2.000,00 para um cartaz e convidavam umjuri do exterior pagando R$ 5.000,00 para cada um, entendeu? Será que não tem ninguém que possa julgar um cartaz aqui? Como se a gente fosse incompetente de julgar ... tudo bem é sempre legal quando você recebe uma contribuição de fora, pô mas pague bem o miserável do cartazista. Eles devem ter gastado 20 mil dólares em juri e pagaram 2 mil dólares para um cara aí, e geralmente quem participa de concurso de cartazes assim, de baixo preço etc, é gente jovem que está na escola ... Eu já participei do juri de dois concursos de cartazes assim e não dei prêmio, e convenci a todo mundo a não dar prêmio porque era um absurdo. Um cartaz desse que é para a área cultural deve ser um cartaz que eleva ... que surpreenda todo mundo. E uma pessoa para fazer um cartaz desse precisa de dinheiro, de tempo, o cara vive disso, entendeu? E depois, fazer um cartaz para um evento assim não significa nada, tem que se fazer a imagem do evento, a comunicação. Isso é design. O cartazista é um artista. O cara que faz uma capa de livro é um artista, que faz uma capa de disco é um artista, não está preocupado com o objeto. Está preocupado com a aparência do objeto
Então o senhor está dizendo que cartaz, capa de disco e capa de livro não é, necessariamente, atribuição de um designer? Não. A não ser que o cartaz esteja relacionado a uma estrutura de comunicação. Eles transmitem para você o teor do livro. Mas um livro não é só capa. O livro é um objeto que você mexe, você lê ... como você lê, que tipo de papel você vai usar, qual é a mancha que você pode usar, se é para você estudar, se é para ler por prazer, se é para por numa mesa de centro ...
O senhor está fazendo uma diferença entre o capista e aquele que faz o projeto gráfico do livro? Claro.O designer não precisa ser o cara que faz a capa. Ele pode não ter a habilidade de pintar a cara do Marcelo Mastroiani, ele chama um cara que faz.
Mas na década de 50 os produtos mais desenvolvidos pelos profissionais eram estes? É mais não devia ser considerado um design. Deveria ser considerado um cartazista. O design veio depois. Depois de Vim e não antes. Não existia design .. . nem no mundo.
Mas o IAC? Não tinha esta proposta de Desenho Industrial? O IAC tinha esta proposta mas não era uma coisa que estava bem informada. Era uma Bauhaus ainda, e a Bauhaus era antes da guerra. A Bauhaus nem foi aceita nos EUA porque a porposta dos EUA era totalemnte diferente da cultura alemã, ainda mais nos EUA que era um país altamente industrial, onde a obsolescência era programada. Quando uma geladeira era feita devia cair aos pedaços depois de um ano e tinha que comprar uma nova. Tinha o problema social, mais emprego, mais trabalho etc ... como é hoje aqui no Brasil. Você compra uma porcaria e cai aos pedaços depois e aí você tem que comprar outra, para sustentar a estrutura social e economica do país etc. E o cara da Alemanha vem para fazer uma mercedez benz que demora 40 e 50 anos ...
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Mas era nesta época que estavam se formando as industrias aqui no Brasil ... Estavam ... a FIESP começou ... aquelas coisas, mas indústria mesmo não tinha, era quase tudo fundo de quintal. Até hoje, se você pensar em indústria ... qual é a indústria para você aqui no Brasil, a maior indústria, diga uma? Consul, tá. A Consul comparada com uma General Eletric, a Consul é deste tamanhinho a General Eletric é um mundo. E ainda é fundo de quintal, não tem nem dinheiro para fazer pesquisa. A indústria não existe no Brasil. Tanto que a função do desenho industrial no Brasil é zero. Não tem dinheiro para pagar um designer. Os planejamentos aqui não são feitos em dois anos, são feitos em 6 meses, 3 meses. E o pessoal não aguenta. Os projetos nos EUA são feitos em dois anos numa indústria de geladeira, numa indústria de tecnologia avançada é em cinco e mais avançada em dez, quem financia isto aqui? Ninguém. Então, não tem função o desenho industrial aqui, a não ser que você maqueie. Faça maquiagem em tudo.
E como o senhor conseguiu ir para Ulm? Ganhei a bolsa, ganhei um auxílio do Itamaraty de cinquenta dólares e ganhei a passagem de navio do Ministério de Educação através do Simeon Leal. A Niomar andava muito com ele e me conseguiu a passagem. Fui com esta passagem e com este dinheirinho cinquenta dólares por mês. Os valores naquela época eram diferentes, cinquneta dólares eram quinhentos dólares mais ou menos. Quinhetos dólares, hoje, não dá para ir a lugar nenhum, mas tudo bem eu fui para lá. E aí comecei ... A primeira turma de Ulm era uma turma de experiência, quer dizer gente já com experiência porque a primeira turma, além das aulas que tinham, participava no acabamento da escola. Todos os equipamentos da escola foram desenhados pelos professores, então, já eram profissionais que estavam lá. A sinalização da escola, a papelaria da escola ... tudo foi feito pelos cativos da comunicação visual, desenho industrial e arquitetura .. .
Então eles trabalhavam juntos? Todos trabalhavam juntos
Por que uma das propostas do design é a interdisciplinaridade ... Sim, a interação de todos eles etc. Isso foi surpreendente para mim. Eram trinta alunos. Trinta alunos que tiveram aula lá ... pouco gente e você se entrosava. Lá era o dia todo mesmo, de manhã era teórica e prática era a tarde. Marcenaria, gesso, plástica, ferro, tipografia. Então, isso foi uma coisa que, realmente, para mim foi um dos períodos mais felizes da minha vida. Ulm era uma escola exepcional. Conheci muita gente. Ulm não tinha corpo docente fixo ...
Quais foram os professores, que o senhor se lembra, que passaram por lá? Johannes Itten, Albers, Walter Peterhans, Max Bense, Aicher, Gugelot ... e a gente teve aula com todo esse pessoal, quer dizer vinha um cara dos EUA, tinha um projeto e ele discutia conosco este projeto, e a gente desenvolvia este projeto.
Ele tinha uma proposta de um projeto para vocês desenvolveram ... Ele vinha subsidiar o projeto. Todos os professores eram convidados assim. Konrad Wachsmann morava nos EUA. Então, ele vinha montava a sua estrutura e se desenvolvi o projeto com a assessoria dele, tá certo? Eles ficavam dois meses, três meses ...
Estes projetos iriam ser aplicados?
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A idéia era a seguinte: para se auto-financiar, inclusive, os professores de Ulm, os fixos ... o Otl Aicher, por exemplo, tinha um escritório, ele fechou o escritório dele e teve um escritório dentro da escola, o atelier, tá certo? Então, todo mundo que estudava comunicação visual, trabalhava a tarde neste atelier que criavam projetos para indústria. A Braun foi feita lá, a Lufthansa foi feita lá, algumas coisas locais foram feitas lá ...
Esta seria uma diferença entre a Bauhaus e a escola de Ulm? Sim. Por que na Bauhaus ... quer dizer, não era diferença, a situação naquela época era totalmente diferente desta época ...
Mas Gropius tentou captar projetos para serem desenvolvidos na Bauhaus É não houve possibilidade por causa da guerra ...
Mas Itten rejeitou este tipo de caminho para a escola. Ele achava que isto desmotivava a livre criação dos alunos. Mas na Bauhaus tiveram dois períodos. O período dos artistas com Kandinsky, Itten ·e essa turma, e tem a segunda fase onde os alunos começaram a ... com Albers, Bayer ... Moholy-Nagy foi para lá e começou a extraviar. Então, têm estas duas fases. Mas a Bauhaus já começou com a coisa industrial, pré-fabricação... a arquitetura da competividade, da influência russa ... Quando se fala na Bauhaus precisa se falar de uma coisa, também, que ninguém fala aqui no Brasil que é a VKhUTEMAS que era a Bauhaus russa.
Formou mais alunos do que a própria Bauhaus Pode até ser. Isso com a Revolução Russa acabou também. Hannes Meyer que era arquiteto e foi o último diretor da ...
Mas, por exemplo, havia um intercâmbio entre os professores. O Kandinsky chegou a lecionar lá Tinha. O Hannes Meyer que era comunista, tinha contato lá com o pessoal . Mas é muito pouco falado. Então a Ulm veio com esta proposta de ser uma continuação da Bauhaus, mas aí num dava porque a situação era totalmente diferente, então foi um tanto mais científica ... tecnologia, ciência, percepção, teoria do signo .. . tudo isso era muito bem desenvolvido em Ulm. E a tecnologia eletrônica e da ... construção modulada começou em Ulm mesmo a desenvolver, que terminou , também, por uma situação política. Era muito social para Alemanha.
Aí, em Ulm, o senhor teve essa experiência, que foi mais uma experiência com programação visual, comunicação visual, né? Não, lá a gente tinha tudo. Mas a informação que era um dado, inclusive .... Tinha tudo quer dizer comunicação visual e informação. Informação era o texto. Era o texto para comunicação a nivel de informação para o teatro, rádio, cinema. ( ... ) A minha formação era visual, eu estava entrosado com o design e os projetos eram feitos juntos. Mas quando você vem para o Brasil, você não pode trabalhar assim. Então, na Alemanha, naquele tempo, 54 a 58 ...
54 a 58 ... quatro anos?
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É eu fiquei um ano na Suíça com o Max Bill trabalhando no atelier dele, e o design também não era muito conhecido, na própria Europa. Foi mais um estágio, não era um trabalho remunerado. Estágio dado meramente profissional. E aí, eu voltei para o Brasil. Voltei fiquei este tempo com o Geraldo, montei com ele um escritório, Forminform. Quando eu fui para a Alemanha já existia a Unilabor e a idéia era desenvolver o desenho industrial lá, nesta fábrica de móveis. Batalhou-se para que eu voltasse e incrementasse essa fábrica e fazer um escritório de design. E voltei e fizemos este escritório Forminform, fim de 58. Em 57, eu passei umas férias de verão aqui e começamos a desenvolver a idéia.
Era o Ruben Martins, o senhor ... Walter Macedo que era um contato.
E o Bergmiller? O Bergmiller eu troxe para cá, e veio para visitar o Brasil e ficou na Forminfonn. A Forminform em 59 se dissolve, fica o Rubem. Eu, o Bergmiller e o Geraldo saímos.
Mas como funcionou a Forminfom? Quais foram os trabalhos? A F orminform veio com esta idéia de ser um escritório de design.
Pode-se dizer que foi o primeiro escritório de desenho industrial? Foi o primeiro escritório
E o atelier do Willys de Castro? Faziam cartazes, cenários ... Era mais expressão, fazia umas embalagens .. .
A Lina Bo Bardi tinha um studio? O Studio Palma, mas era para fazer móveis e cadeiras.
Então a Forminform foi o primeiro escritório de desenho industrial e comunicação visual. Onde funcionou? Funcionou na Praça da República, na loja de móveis da Unilabor. Depois eu fui para o Rio de Janeiro.
Mas antes do senhor falar sobre o Rio de Janeiro, conte mais a respeito da Forminform. Os projetos eram uns folhetos que nós fazíamos, a Argos Industrial, a Equipesca. Inicíamos o projeto da Equipesca em 57, mas ela funcionou oficialmente em 60. O projeto da imagem foi feito em 57. Em 58, foi da Argos Industrial. Sardinhas Coqueiro, fizemos a marca, a lata e inclusive a publicidade. E algumas lojas de móveis daquela ocasião que eram a Gabinete - loja de móveis de escitório -, a Unilabor ... ( .. . ) e o Correio da Manhã( ... ) o projeto gráfico todo( ... ) que começou em 59.
Teve alguma influência do projeto gráfico do Jornal do Brasil? O senhor teve algum conhecimento do projeto gráfico do Jornal do Brasil? Sim, claro.
Então, eu frequentava, nessa época, muito o Rio de Janerio por causa do Mário Pedrosa, eu ia lá, conversava . . . o Ivan Serpa, o Palatinik, com essa turma a gente era bem
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entrosado ( ... ) E a Niomar, então, sugeriu que a gente fizesse o curso lá no pavilhão do MAM, em 62. Aí, nós fizemos a escola de tipografia no MAM, foi o núcleo da ESDI, eu e o Aluísio Magalhães. Goebel Weyne, um dos designers auto-didatas mais bem desenvolvidos neste país, mora no Rio, cearense. A gente promoveu, também, a vinda do Maldonado e do Aicher aqui para o Brasil. Eles deram um curso no Museu (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) (. .. ) A nossa divulgação era pegar o cliente, o cliente pedia uma marquinha, e a gente explicava para o cliente a importância da identidade. Inicialmente uma das funções do designer é você explicar ao cliente o que ele realmente precisa, e não o que ele acha que precisa.
Voltando para a Arte Concreta. O Sérgio Milliet afirmou, em uma cromca no Estado de São Paulo, que o manifesto (Ruptura) era contraditório porque dizia que teria que ter uma informação clara para todo o espectador e isso não acontecia. Voltando-se para fórmulas estaria , a Arte Concreta, voltando-se para um certo academismo. O senhor concorda? Não, não concordo. O Sérgio Milliet era um digno representante da cultura francesa do Brasil. É claro. Por que chama Ruptura? Ruptura é acabar com essas coisas e achar um campo para poder divulgar. Você precisa de um campo para produzir e divulgar as coisas. Era um começo. Ele sabia qual era a finalidade da exposição da Arte Concreta e do design etc, aí não havia campo. Ninguém ligava para isso, então, ele jogou cimento. E não acabou no academismo porque se expandiu em várias áreas, não ficou só na pintura. Você vê o Fiaminghi foi para a publicidade, o Décio Pignatari na poesia concreta .. .
Então o senhor acha que a Arte Concreta conseguiu atingir esse objetivo: aproximar o espectador da arte? Através da pintura? Claro. Através da cultura, não só pintura. Ainda entra música, um monte de coisa, cinema até, e ... através da cultura. E o movimento cultural é de todo mundo e não só de alguns, não é elitista. Ele está recusando este elitismo. Como é ainda hoje.. . tudo bem hoje é mais amplo, tem campo para todo mundo. Tinha-se que acabar com este elitismo.
Nesta época, através das artes plásticas, do cartaz, de uma capa de livro ... houve um estilo? Não, não é estilo. É um marco. Ninguém faz .. . Eu não faço concretismo, eu só faço o conceito concreto .. . e o conceito concreto o que é? É o pensamento matemático ... de função. Porque a minha preocupação não é estética, eu não uso os elementos por estética.
Mas o senhor não acha que as coisas produzidas antes da década de 50 não se diferenciavam desta produção (década de 50)? E estes produtos tinham algo em comum? Elementos geométricos, composição ... O que você está falando é linguagem, isto é ferramenta de um designer. Isto são ferramentas ( ... ) E uma das coisas mais importantes para o designer hoje é o anonimato. Você pega as coisas na rua e não precisa estar com um grande nome assinado embaixo e todo mundo sabe ... isso não interessa.
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Mas não é isso que quero saber. O senhor mesmo falou no início que poderíamos conhecer um cartaz francês, suíço, brasileiro ... Mas isso acabou hoje.
Mas na década de 50? Na década de 50 sim. Por que a década de 50 o processo evolutivo universal, mundial, estava num estágio. Hoje se tornou lá em cima. Eu vi, da minha vida parca, a evolução da fotografia desde chumbo móvel, daguerreótipo até o computador. E no século passado o cara levava 100 anos para ter esse conhecimento que nós temos hoje. Uma evolução muito grande.
Se eu lhe mostrasse um cartaz, hoje, o senhor poderia identificar se é um cartaz antes ou depois da década de 50? Sim.
Por quê? Pela linguagem.Pela linguagem de expressão. Pelos componentes que existiam. Pelo tipo que existia ...
Então me descreve esta linguagem? Pelo processo gráfico ... Quando você sabia que vinha, por exemplo, um cartaz da época de 50 da Suíça, tinha determinados componentes que eram uma evolução cultural que existia naquela época ...
E o senhor saberia me dizer quais são estes elementos? Sim, elemento tipográfico, manipulação da área, como você falou, simétrica e assimétrica, o tipo de letra que se usava, tá certo? As cores, mesmo, que se usavam. Dimensão do cartaz. Eles usavam um cartaz num formato A-0, você usa A-1 . A-O é suíço, tinha máquina para isso.
Os cartazes eram feitos em ofT-set? Sim, em litografia, em roto gravura ...
E tinha limite de cor? Não, mas na década de 50 o vermelho e o amarelo eram muito usados.
Tinha um motivo? Cultural.
Tinha restrição para o uso de fotografia? Era mais difícil. E o seu conhecimento tecnológico era muito pouco, e todos, quer dizer, e eles vinham da área de arte mas não vinham da área de impressão. Então, as coisas eram muito elementares.Todas as letras da década de 50 eram feitas manualmente nos cartazes, recortadas. Não tinha oportunidade de se fazer fotocomposição naquele tempo.
Terminei, tem mais alguma coisa a dizer? Não falei muita coisa já
Obrigado!
GERALDO DE BARROS
1923 • data de nascimento em Chavante - São Paulo
1945 • aluno de Colete Pujol • sócio da associação Paulista de Belas Artes - São Paulo • sócio do Sindicato dos Artistas Plásticos - São Paulo
1946 • aluno de Yoshiya Takaoka • X Salão do Sindicato dos Artistas Plásticos, Galeria Prestes Maia - São Paulo
1947 • aluno de Yoshiya Takaoka • 52º Salão Nacional de Belas Artes - Divisão Moderna - Rio de Janeiro "Menina de Ballet" - pintura "Mulher de Amarelo" - oléo sobre papelão colado em duplex 85 x 54 cm, menção honrosa • Exposição de pintura no Teatro Municipal - São Paulo • 19 Pintores, Galeria Prestes Maia - São Paulo • um dos fundadores do grupo 15 (Ataíde de Barros, Antonio Careli, Takaoka) -São Paulo
1948 • 53º Salão Nacional de Arte Moderna - Rio de Janeiro "Mulher Sentada" - pintura (medalha de bronze) "Nú" - pintura " Paisagem" - desenho
1949 • 54º Salão Nacional de Arte Moderna - Rio de Janeiro "Marinha de Itanhaém" - oléo sobre papelão colado em duplex 45 x 54 cm, " Beco" - pintura • organizador do Laboratório de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo
1950 • Fotoformas, Museu de Arte de São Paulo, MEC/RJ e MEC/Bahia • Salão de Arte Moderna, Salvador (menção honrosa)- Bahia
1951 • bolsista do governo Francês ( viagem à Europa)
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• curso de gravura com Stanley W. Bayter e na escola Superior de Belas Artes (seção de litogravura) - França • aluno de Otl Aicher em Ulm - Alemanha • 5 é- Salon dei Balneario de Panticosa
• Salon de Photographies, Paris e Nantes - França • I Bienal de São Paulo ( 3° prêmio de gravura, valor cr$ 5.000,00) - São Paulo Participou com duas gravuras ( " Composição" )
1952 • Salão de Maio de Paris, gravuras - França • Cartaz IV Centenário de São Paulo ( 1° prêmio) - São Paulo • Bienal de Veneza - Itália • Cercle d'art photographique, Lyon - França • Geraldo de Barros, exposição individual de pinturas e desenhos - Museu de Arte Moderna -São Paulo • Exposição de um painel para decorar um bar de um hotel em São Paulo, com outro painel de Gennan Lorca, Museu de Arte Moderna - São Paulo
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• Ruptura, exposição coletiva de arte concreta no Museu de Arte Moderna - São Paulo
1953 • li Bienal de São Paulo (prêmio de aquisição) - São Paulo Participou com os seguintes trabalhos: "Conjugação de dois grupos em triângulos" - esmalte dobre keimite 61 x 61 cm, "Descontinuidade" - esmalte sobre kelmite 61 x 61 cm, "Movimento contra movimento em branco e azul" - esmalte sobre kelmite 61 x 61 cm, "Tensão formal" - esmalte sobre kelmite 61 x 61 cm • encarregado da Sala de Fotografia na 2º Bienal de São - São Paulo • Cartaz Festival Internacional de Cinema (1º Prêmio) - São Paulo • Cartaz Revoada Internacional ( 1 ºPrêmio) - São Paulo
1954 • exposição no Museu de Arte Moderna - São Paulo • membro do juri no III Salão Paulista de Arte Moderna - São Paulo • Graveurs Brésiliens, exposição circulante de gravadores brasileiros organizada pelos Museu de Arte Moderna de SP e RJ: maio/junho em Kunstmuseum- Beme - São Paulo
1955 • Bienal Bianco e Nero em Lugano, participa por intermédio da exposição "Graveurs Brési/iens" que é incluída nesta mostra • III Bienal de São Paulo , pintura Participou com os seguintes trabalhos: "Composição com 3 metades de umquadrado" - esmalte sobre kelmite 60 x 60 cm "Composição - vermelho em função de cinza" - esmalte sobre kelmite 60 x 60 cm "Composição" - esmalte sobre kelmite 60 x 60 cm • Artistes Brésiliens, exposição organizada pelos Museus de Arte Moderna SP e RJ, maio Paris • Arts Primitivs et Modernes Brésiliens, exposição circulante dos Museus de Arte Moderna de SP e RJ, França e Suíça • IV Salão Paulista de Arte Moderna - medalha de prata - São Paulo
1956 • lnternational Print Show, por intermédio do Museu de Arte Moderna foram selecionadas gravuras de artistas brasileiros - EUA
• 1º Exposição Nacional de Arte Concreta, Museu de Arte Moderna - São Paulo~ MEC - RJ (1957)
1957 • membro do júri do Cartaz da IV Bienal de São Paulo
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• Forminform - escritório de Desenho Industrial e Comunicação Visual ( designer e um dos sócios).Autor das marcas e logotipos: Equipesca, Cerâmica Campinas, Lan-over Malharia, Turistur Turismo, Construtora Tainá, Ofino Supermecados, Vest Confecções entre outras - São Paulo
1960 • Arte Concreta - 50 anos de Desenvolvimento, coletiva , Sociedade de Arte de Zurich -seção de administração do Presidente da cidade, Zurich - 8 de agosto de 1960 ( " 3 metades e um círculo") - Suíça
1964 • Hobjeto Móveis S/ A ( designer e fundador) - São Paulo
1965 • Certificado de" Boa Forma", Prêmio Simonsen na VI Feira de Utilidades Domésticas -São Paulo • Nelson Leiner - Geraldo de Barros: exposição, Galeria Atrium - SP; Museo de Arte Moderno, Buenos Aires - Argentina
1966 • certificado de "Boa Forma", Prêmio Simonsen na VII Feira de Utilidades Domésticas -São Paulo • Grupo Rex ( membro fundador - Rex Gallery & Sons) . Participa das exposições do grupo tais como: "Flash Back", "Descoberta da América" ( exposição na rua e "Rex Kaput" - São Paulo
1967 • certificado de "Boa Forma", Prêmio Sionsen VIII Feira de Utilidades Domésticas -São Paulo • IX Bienal Internacional de São Paulo ( Prêmio Itamaraty de Aquisição) - São Paulo • IV Salão Nacional Arte Moderna - Brasília • Nova Objetividade, Museu de Arte Moderna - Rio de Janeiro Participou com as seguintes obras: "Ah!" "Tragic Glub-Glub"
1968 • certificado de "Boa Forma", Prêmio Simonsen na IX Feira de Utilidades Domésticas -São Paulo • membro presidente do júri do Salão Paulista de Arte Moderna - São Paulo
1969 • certificado de "Boa Forma", Prêmio Simonsen na X Feira de Utilidades Domésticas -São Paulo
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1971 • Mobiliário Brasileiro, coletiva, Museu de Arte Moderna de São Paulo - São Paulo
1976 • O Jovem Desenho dos Anos 40 , coletiva, Pinacoteca do Estado - São Paulo
1977 • 12 anois de Pintura - 1964 a 1976, individual, Museu de Arte Moderna - São Paulo • Os grupos da década de 40, ciclo de exposições de Pintura Brasileira Contemporânea, Museu Lasar Segall - São Paulo • Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962), Museu de Arte Moderna -Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado - São Paulo
1978 • As Bienais e a Abstração - a década de 50, ciclo de exposições de Pintura Brasileira Contemporânea, Museu Lasar Segall - São Paulo
1979 • XV Bienal Internacional de São Paulo, participa da sala especial em homenagem aos premiados anteriores - São Paulo • Volta à Figuração - a década de 60, ciclo de exposições de Pintura Brasileira Contemporânea, Museu Lasar Segall - São Paulo • Venezia'79/La Fotografia, coletiva Veneza - Itália
1982 • Do Modernismo à Bienal, Museu de Arte Moderna de São Paulo - São Paulo • O Design no Brasil - História e Realidade, coletiva, SESC Fábrica Pompéia e Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - São Paulo
1983 • Exposição coletiva em Homenagem a Waldemar Cordeiro, Centro Cultural São Paulo -SP
1984 • Geometria 84 - coletiva, Galeria Paulo Figueiredo; Museu de Arte de Belo Horizonte -MG • IV Salão Brasileiro de Arte da Fundação Mokiti Okada - MOA - São Paulo • Tradição e Ruptura : síntese de arte e cultura brasileira, Fundação Bienal de São Paulo, núcleo de Desenho Industrial da FIESP (pinturas e móveis) - São Paulo • Exposição no Instituto de Artes da UNICAMP ( pinturas e serigrafias) - São Paulo
1985 • VII Exposição de Belas Artes no Brasil, coletiva, Tóquio, Atami,Kioto,Rio de Janeiro e São Paulo • Salão de Arte Contemporânea de Santo André (prêmio de aquisição) - São Paulo • Geometria Hoje, Sec. Municipal de Cultura no Museu de Arte de Belo Horizonte -Minas Gerais
1986 • participação da exposição dos premiados da X ao xm Salão de Arte Contemporânea • V Salão Jovem de Arte Contemporânea, Santo André - SP • individual na Galeria Thomas Cohn -Rio de Janeiro • individual na Galeria Fernando Millan - São Paulo • 42º Bienal de Veneza - Itália
1987 • individual na Galeria Tschudi, Glarus - Suíça
1989 • Olhar do artista - Haroldo de Campos: uma escolha, coletiva, Museu de Arte Contemporânea, USP - São Paulo • Jogos de Dados, Museu de Arte Contemporânea de Campinas e Museu de Arte Moderna SP (1990); Galleria Mercato dei Sale, Milão (1991)- Itália • participação como artista convidado do I Prêmio Cansou de Arte com Papel, Museu de Arte Moderna - São Paulo • Acervo, coletiva, Galeria São Paulo - São Paulo • artista homenageado pela livraira Letraviva com uma mini-exposição na Sala Mira Schendel - São Paulo • Gabinete de Arte Raquel Arnoud - São Paulo
1990 • Jogos de Dados, obra para a estação Clínicas do Metrô - São Paulo
1991 • O espaço do artista quando jovem, Paço das Artes - São Paulo • XXI Bienal Internacional de São Paulo (prêmio Itamaraty)
1992 • Bilderwett Brasilien, coletiva, Kunsthaus - Suíça • Latinamerika'92, coletiva - Dinamarca • Coleção de Fotografia Pirelli, coletiva, Museu de Arte de São Paulo - SP
1993 • Retrospectiva, Casa das Rosas - São Paulo • Geraldo de Ban-os, Peintre et Photographe, Musée de L 'Elysée, Lausnne - Suíça • 1 º mês internacional da fotografia NAFOTO, coletiva, SESC Pompéia - São Paulo
1994 • Bienal Brasil Século XX, Fundação Bienal de São Paulo • Joaquim Paiva photo co/lection, Center for the Arts at Y eba Buena Gardens, São Francisco -EUA • A fotografia Contaminada, Centro Cultural São Paulo • Fotoformas : Gerlado de Barros, Museu da Imagem e do Som - São Paulo • exposição de gravuras, Museu da Gravura/ Solar do Barão, Curitiba -Paraná
1995
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1995 • exposição de 31 fotos (Fotoformas), Galeria Camargo Villaça - São Paulo
1996 • Geraldo de Barros e o Concretismo, Centro de Informática e Cultura 2 do Instituto Cultural Itaú - São Paulo • Geraldo de Barros - precursor, fotografias e gravuras, Centro Cultural do Banco do Brasil -Rio de Janeiro • Tendências construtivas no acervo do MAC USP: construção, medida e proporção, coletiva, Centro Cultural Banco do Brasil -Rio de Janeiro • exposição fotográfica na Suíça
1998 • data de falecimento - 17 de abril , São Paulo