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O ESCRITOR, O JORNALISTA E O EDITOR EM ILUSÕES PERDIDAS (1848) DE
HONORÉ DE BALZAC
Ariane Monteiro Moreth
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como quesito para
obtenção do título de Mestre em Letras
Neolatinas (Estudos Literários – Opção:
Literaturas de Língua Francesa)
Orientadora: Professora Doutora Celina
Maria Moreira de Mello
RIO DE JANEIRO
SETEMBRO DE 2012
ii
O ESCRITOR, O JORNALISTA E O EDITOR EM ILUSÕES PERDIDAS (1848)
DE HONORÉ DE BALZAC
Ariane Monteiro Moreth
Orientadora: Professora Doutora Celina Maria Moreira de Mello
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Literários – Opção: Literaturas de Língua Francesa)
Banca examinadora:
___________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Celina Maria Moreira de Mello
___________________________________________________________________
Professor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina – UFRJ
___________________________________________________________________
Professor Geraldo Ramos Pontes Júnior - UERJ
___________________________________________________________________
Professor Henrique Fortuna Cairus – USP
___________________________________________________________________
Professor Irineu Eduardo Jones Corrêa - FBN
Rio de Janeiro
Outubro de 2010
iii
À Mariana, Mayaro e Júlio.
iv
Agradecimentos
Ao final desses três anos de trabalho seria difícil fazer uma lista exaustiva das
pessoas que me ajudaram durante esse período. Contudo, sem o apoio, a confiança, a
paciência, o incentivo, a preocupação e a orientação da Professora Doutora Celina
Maria Moreira de Mello, este trabalho não teria sido tão enriquecedor na minha
formação como pessoa e pesquisadora. Agradeço por ter me despertado o gosto pela
literatura francesa e pelos ensinamentos preciosos.
Agradeço também ao Rafael Viegas pela amizade, livros, almoços e conversas.
Aos meus alunos, que sempre demonstram interesse pela minha pesquisa e me ouvem
falar de Balzac.
À Anne Coynel pelo apoio e confiança.
À minha mãe pelo incentivo e amizade, ao meu pai e aos meus avós.
Aos meus irmãos por me darem coragem para lutar pelos meus sonhos.
Aos meus amigos, principalmente à Sabrina, à Taís e à Alice pela amizade, companhia e
comidinhas.
À Maria Cristina e Mário pela afabilidade e preocupação.
Ao Júlio pelo amor, parceria e por me apoiar em todas as minhas decisões.
v
La gloria di colui che tutto move
per l'universo penetra, e risplende
in una parte più e meno altrove.
Nel ciel che più de la sua luce prende
fu' io, e vidi cose che ridire
né sa né può chi di là sù discende;
perché appressando sé al suo disire,
nostro intelletto si profonda tanto,
che dietro la memoria non può ire.
Veramente quant'io del regno santo
ne la mia mente potei far tesoro,
sarà ora materia del mio canto.
ALIGHIERI, Dante. Canto I,
Paraíso, Divina Comédia.
vi
MORETH, Ariane Monteiro. O escritor, o jornalista e o editor em Ilusões perdidas (1848) de
Honoré de Balzac. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2012. Dissertação de mestrado
em Literatura Francesa. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas - Opção: Literatura
Francesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2012.
RESUMO
Estudo da representação da situação social do escritor na França
na Monarquia de Julho (1830-1848) presente no segundo
capítulo do romance Ilusões perdidas de Honoré de Balzac,
intitulado Um grande homem de província em Paris,
fundamentado nas teorias de Pierre Bourdieu (1992, 1994),
Dominique Maingueneau (2006, 2008, 2010) e Philippe Hamon
(1993). Destaco as relações entre a sociedade francesa de 1830
e o processo de comercialização do pensamento, a massificação
da cultura e o eco das transformações sociohistóricas e
tecnológicas que potencializaram o processo de legitimação do
campo literário. Analisamos seis descrições presentes no
romance relacionadas à literatura, ao jornalismo e ao campo
editorial. E concluímos que estas ultrapassam a definição de
Hamon, participando da trama.
vii
MORETH, Ariane Monteiro. O escritor, o jornalista e o editor em Ilusões perdidas (1848) de
Honoré de Balzac. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2012. Dissertação de mestrado
em Literatura Francesa. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas - Opção: Literatura
Francesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2012.
RÉSUMÉ
Édude de la représentation de la situation sociale de l'écrivain en
France durant la Monarchie de Juillet (1830-1848) dans le
deuxième chapitre du roman Illusions perdues d'Honoré de
Balzac, intitulé Un grand homme de province à Paris, étude
fondée sur les théories de Pierre Bourdieu (1992, 1994),
Dominique Maingueneau (2006, 2008, 2010) et Philippe Hamon
(1993). Les rapports entre la société française de 1830 et le
processus de transformation en marchandise de la pensée, la
massification de la culture et l'écho des transformations
sociohistoriques et technologiques qui ont potentialisé le
processus de légitimation du champ littéraire, y ont été mis en
relief. Nous avons analysé six descriptions du roman rattachées à
la littérature, au journalisme et au champ de l'édition. Nous avons
conclu que celles-là débordent la définition d'Hamon et
participent de la trame.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................9
2. Balzac ''jornalista'' e a Chronique de Paris.............................................................16
2.1 Quarto poder e petite presse..........................................................................16
2.2 O campo literário, rivalidades e alianças......................................................20
2.3 La Chronique de Paris...................................................................................27
3. Ilusões perdidas, o folhetim e o romance..................................................................36
3.1 O romance e o jornal......................................................................................36
3.2 Autores e editores..........................................................................................44
4. A cena de enunciação de Ilusões perdidas...............................................................58
4.1. O espaço comum da literatura, do jornalismo e da edição...........................72
4.2. Desencantamento e acesso à sabedoria: um movimento
inevitável.........................................................................................................................74
4.3. O espaço privado do homem de letras e do jornalista..................................79
5. Conclusão...................................................................................................................87
6. Bibliografia.................................................................................................................90
7. Anexos.........................................................................................................................95
9
1. Introdução
Esta dissertação interroga o posicionamento de Honoré de Balzac no campo
literário (Bourdieu, 1992), a cena enunciativa (Maingueneau, 2006, 2008, 2010) e
valores estéticos atribuídos ao romance Ilusões perdidas (1843), através da análise das
descrições de personagens e espaços ligados à literatura e à imprensa. Foram alvos de
investigação: a situação de produção da obra, o contexto social em que vive o autor, os
valores inerentes aos grupos artísticos que estão em jogo na obra literária, no gênero
(romance) e na cenografia enunciativa.
O quadro teórico propõe uma abordagem sociodiscursiva, fundamentada na
teoria sociológica de Pierre Bourdieu (1992) e na Análise do Discurso de Linha
Francesa de Dominique Maingueneau (2006). No livro As regras da arte (2005), Pierre
Bourdieu define, entre outros, o conceitos de campo e trajetória. A trajetória seria,
segundo o sociólogo, ''as posições sucessivas ocupadas por um agente ou por um grupo
de agentes em diferentes espaços do campo literário.''1 Essas posições são definidas de
acordo com o acúmulo do capital valorizado dentro do campo. Este capital é dinâmico
mudando de acordo com os interesses do momento. O campo seria um sistema de
posições formado por agentes sociais que ocupam uma determinada posição, definida
pelo volume de capital (poder) eficiente em cada campo. Entre esses agentes
encontramos no mínimo dois grupos, que disputam entre si o lugar de prestígio.
Em Discurso Literário (2006), Dominique Maingueneau desenvolve conceitos
fundamentais em sua teoria do discurso que são retomadas e reunidas nos livros Cenas
da Enunciação (2008) e Doze Conceitos em Análise do Discurso (2010) ambos
organizados por POSSENTI e SOUZA-E-SILVA. Desta teoria da enunciação literária
1 Cf. BOURDIEU, 1992.
10
usamos, nesta dissertação, os conceitos de discurso constituinte e cena enunciativa. A
cena enunciativa é o centro em que gira a enunciação, é a articulação entre a obra
considerada um objeto autônomo e as condições de seu surgimento. Discurso
constituinte seria os discursos nos quais se apoiam os gêneros que ainda não são
legitimados, filiando-se, deste modo, a esses discursos para validar uma posição de
prestígio no campo.
O corpus de análise está baseado nas argumentações de Philippe Hamon (1981),
e foi retirado da segunda parte de Ilusões perdidas. Os componentes do corpus são seis
descrições (três topográficas e três retratos) de lugares e pessoas ligados ao jornalismo,
à imprensa e à literatura. Diante disso, interrogamos a maneira pela qual o conflito é
encenado nas esferas literária e jornalística da época, assim como, a relação do autor
com a esfera editorial e política no momento em que a França vive o período conhecido
como Monarquia de Julho (1830-1848) época instável para a imprensa, em que a França
tem como rei Luís Filipe de Orléans.
No primeiro capítulo, investigamos as causas tecnológicas e sociais que
potencializaram o crescimento e a acessibilidade da imprensa na França em 1830. Em
seguida, discorremos sobre a teoria do campo, de Pierre Bourdieu, localizando a esfera
jornalística, nesta época, e o papel da mesma relativamente aos outros campos
(intelectual, literário) para uma possível definição. Enfim, mostramos a relação de
Balzac com a imprensa e o jornalismo, enfatizando sua aliança com o escritor Théophile
Gautier e seu jornal Chronique de Paris (Crônica de Paris).
O terceiro capítulo inicia-se com a história do romance Ilusões perdidas; e com
a relação do gênero romanesco e o periódico, que passa a ser seu novo suporte,
instaurando o gênero conhecido como romance de folhetim. Tecemos comentários sobre
11
o resultado dessa aliança, enfatizando sempre a relação entre agentes que compõem
essas esferas: o ''jornalista'', o editor e o homem de letras. Propomos também um
panorama sobre a situação comercial da literatura e a submissão do autor em relação ao
editor e ao público. Em seguida, analisamos o contexto sociopolítico nos anos 1830,
anos em que a França vive uma mudança de regime político, e suas consequências,
principalmente no âmbito literário, onde temos a comercialização do pensamento,
criticada por Balzac nos anos seguintes.
Enfim, no capítulo quatro, analisamos as descrições que compõem o corpus de
análise dessa dissertação mostrando três tipos sociais inscritos nas cenas literária e
editorial da época e sua representação em Ilusões perdidas. Completamos esses retratos
relacionando-os com dois espaços privados e um espaço público. As descrições
completas encontram-se no anexo.
No que concerne à edição da obra de Honoré de Balzac utilizada nesse trabalho,
foram usadas duas edições. A primeira BALZAC (2007) foi utilizada apenas nos
primeiros três meses do trabalho. Continuamos, em seguida, com a edição Pléiade, tomo
V, dirigida por CASTEX (1977), com a colaboração de Rolland Chollet e Rose
Fortassier por conter um prefácio esclarecedor e notas enriquecedoras e elucidativas
que, além de mostrar as variações no âmbito da escrita, chama a atenção para detalhes
relevantes que auxiliaram a compor o quadro histórico e literário do momento de
publicação do livro e algumas anacronias da trama.
Honoré de Balzac (1799-1850) foi autor, impressor e editor francês do século
XIX, nasceu em Tours, na França, em maio de 1799. Apesar dos preceitos de Jean-
Jacques Rousseau (1712-1778) sobre a educação e a criação de uma criança anunciados
em seu romance-tratado, intitulado Emílio ou da educação (1762), já estarem em voga,
12
Balzac foi enviado à uma ama-de-leite logo após seu nascimento. Em seguida, voltou
para casa, onde ficou por alguns anos. Com oito anos, foi enviado ao colégio oratoriano
de Vendôme, ali permanecendo durante sete anos. Em 1813, Balzac se mudou com sua
família para Paris onde foi interno, até novembro de 1814 do Instituto Ganser;
passando, em seguida para o pensionário Lepître, ali permanecendo de novembro de
1814 a novembro de 1815. Durante esse período, Balzac acompanhou as aulas no
colégio, depois no liceu Charlemagne. Em 1816, Balzac ingressou na Universidade de
Sorbonne dando início a seus estudos de Direito. Em 1819, a família de Balzac se
mudou de Paris, porém Balzac continuou na cidade, e deu seus primeiros passos na
literatura.
Seus primeiros trabalhos no âmbito da literatura foram uma sucessão de
fracassos. Primeiramente, Balzac escreveu uma letra de ópera cômica, intitulada Le
Corsaire; em seguida, investiu em contos, com o apoio do empreendedor Auguste
Lepoitevin (1791-1854). E ainda, escreveu romances, intensionalmente fracos, pobres e
comerciais, como Vicaire des Ardennes (1822), Wann-Chlore (1826), Annette et le
Criminal (1824), e assina com seus pseudônimos Horace de Saint-Aubin ou Lord
R'Hoone.
Após essas tentativas, Balzac se lançou como editor, publicando algumas obras
de autores clássicos franceses como Molière, mas, novamente, seu negócio não
prosperou. Porém, Balzac não desiste e, com a ajuda de sua família e de Laure de
Berny, mulher casada com quem Balzac tinha um romance, abre uma gráfica que
também não obtém o sucesso esperado. Contudo, desta vez, Balzac deixa de lado essa
área e se lança, mais uma vez, como autor, através de novelas publicadas em jornais.
Em 1832, nasce a ideia de escrever uma obra que descrevesse, com detalhes, todos os
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tipos sociais componentes sociedade francesa da época, que mais tarde, ele intitulou de
Comédia Humana. Neste trabalho, enfocaremos os editores e escritores que se inserem
na trama de Ilusões perdidas e são descritos física e moralmente. Percebe-se que o meio
onde esses personagens circulam define seu caráter, por isso, analisaremos também três
topografias relacionas com a imprensa.
Alguns anos depois, em 1843, Balzac escreveu o prefácio da Comédia Humana
que reivindicava como ''A ideia primeira da Comédia humana'' '' uma comparação entre
a Humanidade e a Animalidade'', evocando ''a grande querela que, nesses últimos
tempos, inquieta Curvier e Geoffroy Saint-Hilaire'' lembrando que o princípio da
''unidade de composição já ocupava sob outros termos os maiores pensadores dos
séculos precedentes.''2 Neste sentido, Balzac visava deixar para a eternidade um
inventário da sociedade francesa de sua época. Para isso, o autor da Comédia humana
divide seus personagens em categorias relacionadas com o meio onde elas circulam a
fim de categorizar os tipos sociais de acordo com seus costumes, assim como fez Saint-
Hilaire com a espécie vegetal.
O projeto delirante de Balzac lhe rendeu muitas horas de trabalho e uma obra
incrível na qual encontramos a descrição de mais de dois mil tipos sociais, em que
vários personagens citados têm seu próprio romance. Balzac dividiu esse conjunto de
2 ''L'idée première de la Comédie Humaine fut d'abord chez moi comme un rêve, comme un de ces projet
impossible que l'on caresse et qu'on laisse s'envoler; une chimère qui sourit, qui montre son visage de
femme et qui déploie ses ailes en remontant dans un ciel fantastique. Mais la chimère, comme beaucoup
de chimères, se change en réalité, elle a ses commandements et sa tyrannie auxquels il faut céder. Cette
idée vint d'une comparaison entre l'Humanité et l'Animalité. Ce serait une erreur de croire que la grande
querelle qui, dans ces derniers temps, s'est émue entre Cuvier et Geoffroy Saint-Hilaire, reposait sur une
innovation scientifique. L'unité de composition occupait déjà sous d'autres termes les plus grands esprits
des deux siècles précédants. BALZAC, Honoré de. Avant-propos de la Comédie Humaine. Paris,
Acamédia, s.d. Consultado em http://www.acamedia.fr; em 18/06/2012. Traduções da autora, exceto
quando explicitamente referido.
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tipos em seis grandes tomos intitulados: Cenas da vida privada, Cenas da vida
provinciana, parisiense, política, militar e do campo. No prefácio geral de sua obra,
Balzac explica o conteúdo desses seis livros:
Les Scènes de la vie privée représentent l'enfance, l'adolescence et
leurs fautes, comme les Scènes de la vie de province représentent l'âge
des passions, des calculs, des intérêts et de l'ambition. Puis les Scènes
de la vie parisienne offrent le tableau des goûts, des vices et de toutes
les choses effrénées qu'excitent les moeurs particulières aux capitales
où se rencontrent à la fois l'extrême bien et l'extrême mal. (...) Après
avoir peint dans ces trois livres la vie sociale, il restait à montrer les
existences d'exception qui résument les intérêts de plusieurs ou de
tous, qui sont en quelque sorte hors la loi commune: de là les Scènes
de la vie politique. Cette vaste peinture de la société finie et achevée,
ne fallait-il pas la montrer dans son état le plus violent, se portant hors
de chez elle, soit pour la défense, soit pour la conquête? De là les
Scènes de la vie militaire (...) Enfin, les Scènes de la vie de campagne
sont en quelque sorte le soir de cette longue journée, s'il m'est permis
de nommer ainsi le drame social.3
No âmbito dessa divisão, em seis volumes, Balzac classifica seus romances em
quatro estudos: Estudos Filosóficos, Estudos Analíticos e Estudos de Costumes. O livro
que suscitou as questões deste trabalho intitula-se Ilusões perdidas e faz parte do
conjunto Estudos de Costumes, pertencente ao volume Cenas da vida de província. Este
3 ''As Cenas da vida privada representam a infância, a adolescência e seus erros, como as Cenas da vida
de província representam a idade das paixões, dos cálculos, dos interesses, das ambições. Em seguida, as
Cenas da vida parisiense oferecem o quadro dos gostos, dos vícios e de todas as outras coisas
desenfreadas que excitam os costumes particulares das capitais onde se encontra, ao mesmo tempo, o
extremo do bem e do mal. (...) Após ter pintado nesses três livros a vida social, faltava mostrar as
exceções de existências que condensam os interesses de várias pessoas ou de todos, que estão, de alguma
maneira, fora da lei comum: daí as Cenas da vida política. Esta vasta pintura da sociedade finda e
acabada, não deveria ser mostrada no seu estado mais violento, lançando-se para fora de si, seja pela
defesa, seja pela conquista? Daí as Cenas da vida militar. (...) Enfim, as Cenas da vida do campo são, de
alguma maneira, a noite dessa longa jornada, se me for permitido nomear assim o drama social.''
BALZAC, Honoré. Avant-propos de la Comédie Humaine. Paris, Acamédia, s.d. Consultado em
http://www.acamedia.fr; em 2012.
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é dividido em três grandes partes, sendo a primeira intitulada Dois poetas; a segunda,
Um grande homem de província em Paris e a terceira, O sofrimento do inventor. Essa
dissertação foca a segunda parte do volume citado, que conta a estória de Lucien
Chardon, futuro Lucien de Rubempré, que com a ajuda de uma nobre de província, por
quem tinha se apaixonado, vai a Paris tentar a vida de autor de romance ou poesia.
Honoré de Balzac pinta, neste capítulo, o conflito e a disputa no campo literário
e na esfera jornalística e editorial da época. Sua crítica é desenvolvida através da
descrição do caráter dos tipos sociais, como, por exemplo, o editor, o autor e o
jornalista, ligando-os o seu habitat e a sua maneira de agir na sociedade.
A crítica não elogiou as descrições de Balzac, pelo contrário, as censurou, como
se pode confirmar por meio do seguinte comentário de Jules Janin: ''Fechemos os olhos,
seguremos a respiração, coloquemos em nossas pernas botas impermeáveis como as dos
trabalhadores dos esgotos e caminharemos à vontade nessa lama, já que isso vos
agrada.''4
4 ''Fermons les yeux, retenons notre haleine, mettons à nos jambes des bottes imperméables des égoutiers,
et marchons tout à notre aise dans cette fange, puisque cela vous plaît.'' Jules Janin, Revue de Paris, 21 de
julho de 1839.
16
2. Balzac ''jornalista'', la Chronique de Paris
No ano de 1830, Balzac se lança no jornalismo através da literatura com a
publicação do livro Physiologie du mariage (Fisiologia do casamento) no jornal Le
Voleur (O Ladrão), de Émile de Girardin (1806-1881), que era de pequena tiragem e,
em junho de 1830, tinha somente dois mil assinantes. No mesmo ano, Balzac foi
também diretor literário de La Caricature (A Caricatura) e redator chefe e cofundador
do Feuilleton des journaux politiques (Folhetim dos jornais políticos).
2.1 Quarto poder e petite presse
Le Voleur e outros pequenos jornais, como La Mode, classificados como petite
presse, diferenciavam-se, no início, dos outros grandes jornais, como Le Moniteur
Universel, primeiro jornal oficial da França nos quais Balzac nunca publicou, pois não
tinham como pressuposto a difamação e a discussão política. Pelo contrário, eles se
propõem a fazer uma sátira leve da sociedade. Eram jornais novos: Le Voleur data de
abril de 1828; La Caricature, de novembro de 1830, e tinham editores jovens como
Émile de Giradin (1806-1881) e Victor Hatier, que tinham menos de 25 anos. Balzac
enveredou pela mesma direção desta imprensa e convidou jovens como o pintor francês
Eugène Devéria (1805-1865), o caricaturista Jean Grandville (1803-1847), e o poeta,
romancista e crítico de arte Théophile Gautier (1811-1872), para fazer parte de seu
grupo.
Os pequenos jornais se definiam como literários para não marcar seu
posicionamento no campo político e, desta maneira, fugir das taxas e censuras de uma
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época instável. Mas, legitimar-se no campo político como um jornal ''livre de partidos
políticos'' é um modo de esconder sua ideologia. Todos os jornais tinham um
posicionamento político, ora explícito, ora dissimulado, sob o véu da literatura.
Entretanto, não se pode dizer que os jornalistas defendiam e dividiam a mesma
ideologia dos jornais, uma vez que estes pagavam muito pouco5 aos seus colaboradores,
obrigando-os a trabalhar em vários jornais, como foi o caso de Balzac. De fato, pode-se
afirmar que os jornais politizados tentavam difundir suas ideologias e convencer o
público enaltecendo sempre o rei, por uma questão também de sobrevivência, tendo em
vista que, apesar do fim da censura no início da Monarquia de Julho, os jornais eram
controlados pelo rei.
Em última instância, o ano de 1830 se inscreve em um momento decisivo para a
imprensa, uma vez que esta passa por mudanças, tanto qualitativas quanto quantitativas.
Com o fim da Restauração (1815-1830), e depois da Revolução de 1830, quando a
polícia apreendeu e destruiu os prelos dos jornais, a primeira atitude do rei Luís Filipe,
apoiado pela alta burguesia, foi o respeito à liberdade de expressão. Assim, percebeu-se
o retorno dos debates políticos nos meios de comunicação impressos. A modernização
das técnicas de produção, o aumento do número de leitores, a multiplicação dos jornais,
a inserção da publicidade e a baixa de preço são fatores cruciais ligados ao aumento das
tiragens para a constituição da ''instância imprensa'', que, segundo Pierre Bourdieu, não
pode receber o estatuto de campo, pois não tem autonomia em relação a outros campos.
Neste sentido, Pierre Bourdieu coloca em conflito o campo intelectual e a imprensa,
concluindo que esta última não pode ser considerada como um campo, pois não é
5 GALLOIS, Lionel, 1990. Os salários variam de seis centavos a linha na petite presse a cinquenta
centavos nos maiores cotidianos parisiense. Citado por BAUDOUIN, 2006. p. 71.
18
autônoma, e sim, deve ser vista como um elemento chave para a compreensão do
funcionamento de outros universos ''que conquistaram certa autonomia de
funcionamento em relação às pressões econômicas ou políticas''6, que respeitam o
requisito principal para serem chamados como tal: aquele da autonomia. Este é o
primeiro requisito, sem o qual os outros são anulados.
Os jornais que são comandados por homens aliados à política tornam-se, neste
momento, imprensa de opinião e verdadeiros instrumentos nos quais a política é feita,
portanto locus para o travamento de lutas. Porém, na Monarquia de Julho (1830-1848),
além de o jornal funcionar como um instrumento político, este passa a ser também uma
empresa comercial cujo objetivo visa o lucro. Esta transformação da edição culmina no
grande processo de ampliação do mercado, a fim de atender à demanda da nova classe
em ascensão: a burguesia, sedenta de uma literatura fácil, que expressasse sua ideologia
utilitária. Além disso, outro fator obrigava os livreiros a se adaptarem ao mercado de
massa - a concorrência do romance de folhetim, publicado pelos jornais.
Naquele momento, figuras importantes ganham força e desenvolvem o mercado
editorial: são os patrons de presse, homens preocupados em ganhar dinheiro
transformando os manuscritos dos autores em papel impresso com valor de troca, ou
seja, em transformar a imprensa em uma empresa industrial e comercial, visando
sempre o lucro, além da ascensão política.
Dois nomes são importantes para essa época: Émile de Girardin (1806-1881),
introdutor da publicidade nos jornais e criador de jornais como La Presse e Le Voleur e
6 BASTIN, Gilles. Un objet qui résiste: le journalisme dans la sociologie bourdieusienne. Quelques
remarques sur le ''champ du journalisme''. Version française de: ''Der Jurnalismus in der Bourdieushen
Soziologie: Ein Gegenstand, der Widestand leistet. Einige Bemer kungen uber das Feld des
Journalismus'', Publizistik, 48(3), 2003. p. 3.
19
François Buloz (1803-1877), dono e diretor da Revue des Deux Mondes e administrador
da Comédie-Française de 1847 a 1848. Luís Filipe, como foi dito acima, no início do
seu reinado, põe fim à censura. Mas os jornais eram sustentados pela monarquia e para
sobreviver tinham que agradar ao rei.
No âmbito literário, o conflito, regra fundamental do campo, ocorria entre
aqueles que lutavam pela legitimação do romance no campo literário, aqueles que
defendiam a poesia como sendo um gênero mais puro e os editores que visavam a venda
e o lucro. Segundo Pierre Bourdieu, o romance posicionava-se entre os dois polos fortes
do espaço literário, que seriam o teatro e a poesia, e:
apesar dele (o romance) ter adquirido suas cartas de nobreza, ao
menos no interior do campo, e mesmo além, com Stendhal e Balzac, e,
sobretudo, com Flaubert, ele permanece associado à imagem de uma
literatura mercantil, ligada ao jornalismo pelo folhetim.7
O poder da imprensa precede o ano de 1830. Segundo Roederer, nos anos que
precedem a Revolução de 1830, a imprensa ''age mais poderosamente do que qualquer
outra forma de escrita.''8
Com isso os escritores e artistas não tinham nenhuma proteção, é só
em 1829, estes fundam uma primeira sociedade. Tal classe fora
explorada até então. Um dos nomes dessa exploração é o de Charles
7 ''...bien qu’il ait acquis ses lettres de noblesse, au moins à l’intérieur du champ, et même au-delà, avec
Stendhal et Balzac, et surtout avec Flaubert, il reste associé à l’image d’une littérature mercantile, liée au
journalisme par le feuilleton.'' BOURDIEU, 1992. p. 167.
8 ROEDERER, P-L., Essai analytique sur les divers moyens établis pour la communication des pensées,
entre les hommes en société, Journal d’économie publique, 30 brumaire An V. Citado por: BAUDOUIN,
2006, p. 23.
20
Joseph Panckoucke (1736-1789), considerado ''explorador do
proletariado cultural''.9
Charles Joseph é, entre 1769-1789, o grande proprietário das publicações. Para
serem reconhecidos, os autores tinham que trabalhar para ele ou com ele:
De 1769 a 1789, o clã Panckoucke se fortalece, e se o desejo é
transformar-se em escritor renomado, é preferível trabalhar para ele,
se não com ele. (...) Discórdias e processos, humores maliciosos ou
malévolos são o corolário, ao qual Balzac e Dumas deram talvez
demasiada atenção e tempo que foram mais bem empregados em
outros lugares, mas a difusão das Luzes e da cultura impressa não
deixava espaço para o amadorismo e a cortesia, doravante objetos de
lembranças e pesares.10
A imprensa tinha então o papel de ''quarto poder'', topos utilizado e consagrado
por Balzac. O envolvimento inevitável do autor com o jornalismo conduz Balzac ao
objetivo maior de sua obra: pintar a sociedade de seu tempo, deixando de lado a cena
genérica ''romance histórico''.
2.2 O campo literário, rivalidades e alianças.
Pierre Bourdieu, em seu livro Les règles de l’art (1992), faz uma análise
sociológica do livro L’éducation sentimentale (1869), de Gustave Flaubert, utilizando a
Teoria dos Campos, descrita por ele anos antes, em 1960, e publicada em 1966, na
9 MOLLIER, 2010, p. 24.
10MOLLIER, 2010, p. 27.
21
revista Les temps modernes.11
A história do romance de Flaubert, cujo personagem
principal assiste à Revolução de 1848 e ao golpe de estado de Luís Napoleão Bonaparte,
situa-se nos últimos anos da Monarquia de Julho. Em 1842, seis anos antes da
revolução, Honoré de Balzac escreve seu famoso Prefácio da Comédia Humana, título
que deu ao conjunto de sua obra romanesca.
Ao escrever o prefácio, Balzac explica o objetivo da sua obra: descrever, através
de seus romances, o quadro de uma sociedade complexa, a sociedade francesa
contemporânea, esmiuçada nos detalhes, os diferentes tipos sociais e os grupos nos
quais estes se inserem; fazer o ''estudo psicológico e moral de figuras individuais e da
história coletiva de uma geração.''12
Excedendo as barreiras puramente estéticas da
Literatura e utilizando-a como ferramenta, como arma de combate, Balzac constrói um
retrato social de seu tempo, descrevendo, criticando e descortinando valores dos tipos
sociais.
O conceito de campo literário permite uma perspectiva diferente de análises
literárias, até então dividida entre estudos internos e externos da obra. A interpretação
interna, proposta pela Nova Crítica e pelo Estruturalismo, exclui toda referência a
determinantes sociais e históricos, ou seja, explica a obra por ela mesma. A
interpretação externa, consagrada pela corrente da análise sociológica da literatura,
leitora de Marx, ''busca associar às obras a visão de mundo ou aos interesses sociais de
11
Cf. BOURDIEU, Pierre. Champ intellectuel et projet créateur. Les Temps Modernes, n. 246, 1966.
12 DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André (édité par). Illusions perdues. Actes du colloque des 1
er et 2
décembre, 2003. Paris, Presse de l'Université Paris-Sorbonne, 2004. préface. p. 9.
22
uma classe social (...) expressos através do artista, que atua como uma sorte de
médium.''13
A obra seria, portanto, um reflexo da sociedade.
Em seu artigo intitulado Le champ littéraire,14
Pierre Bourdieu destaca, logo
nos primeiros parágrafos, a ingenuidade dessas teorias e ressalta a importância da
análise dos espaços sociais onde vivem os agentes que contribuem para a produção das
obras culturais: os editores, os críticos, as instâncias legitimadoras, o público. Bourdieu,
ao conceber a produção artística como uma ação coletiva, mostra a originalidade da sua
teoria e desmistifica a transcendência das obras culturais que, pela primeira vez, são
analisadas através de procedimentos científicos. O autor define o campo como um lugar
de forças que agem sobre todos que ali se inserem, de maneira diferente, relativamente à
posição que cada agente ocupa, seja aquela de dominado ou aquela de dominante.
Recorrendo a metáforas referentes ao campo semântico da física, Bourdieu explica
que a trajetória de um agente é determinada pela inércia ou pela força do campo. O
campo social seria um macrocosmo composto de vários microcosmos, dentre os quais o
campo literário. Há uma relação de cooperação ou de rivalidade, denominadas relações
objetivas, entre os agentes do campo. Estas são constitutivas do campo e orientadoras
das lutas entre esses agentes. De um lado, as lutas entre esses agentes visam sempre à
legitimação de um gênero, de uma ideia, ou seja, uma transformação do campo,
proposta por aqueles que estão em posição de dominado. De outro lado, estão os
agentes em posição dominante que querem a manutenção de certos gêneros (ou ideias)
para não perder sua posição superior. De modo geral, os campos operam da mesma
13
''les études les plus typiques du mode d’analyse externe (...) essaie de rapporter les oeuvres à la vision
du monde ou aux intérêts sociaux d’une classe sociale (...) vision du monde exprimée à travers l’artiste
agissant comme une sorte de médium.'' BOURDIEU, 1994, p. 60.
14 Cf. BOURDIEU, Pierre. Le champ littéraire. Acte de la recherche en scences sociales. Vol. 89,
septembre 1991. p. 3-46.
23
maneira mantendo sempre uma luta entre os agentes: os dominantes, que desejam a
manutenção de uma ideia ou de um estilo, e os dominados, que estão em posições
periféricas e querem se legitimar.
O campo da literatura e da arte, na primeira metade do século XIX, se
constitui, na França, por oposição ao campo social burguês em ascensão, que
demandava uma literatura de fácil acesso e que, pela primeira vez, afirmava seus
valores e sua pretensão de controlar o mercado. Esta mudança de configuração do
campo social muda a concepção romântica, que compreende uma obra como um objeto
sagrado, e a literatura, nesta época, quer ser, para alguns, um instrumento de
educação/informação para o povo, adquirindo uma nova abordagem, uma vez que o
jornal passa a ser o seu novo suporte: ''George Sand concebe (o jornal) como um
instrumento de democratização das massas e do progresso social. Ela apoia os jornais
porque eles lhe parecem necessários à instrução popular.''15
A população de leitores burgueses demandava uma literatura que não
dependesse de um capital cultural ou de uma cultura literária para ser entendida, como é
o caso do teatro e da poesia. Assim, a classe média demandava uma arte de fácil acesso
que correspondesse aos seus conhecimentos. Segundo Bourdieu, a ciência das obras
culturais supõe três operações:
[...] Em primeiro lugar, situar o campo literário no campo do poder,
com o qual tem uma relação de microcosmo a macrocosmo; em
segundo lugar, analisar a estrutura interna do campo literário, universo
que obedece às suas próprias leis de funcionamento e de
transformação, ou seja, a estrutura das relações objetivas entre as
posições que os indivíduos ou os grupos colocados em situação de
15
''George Sand conçoit (le journal) comme un instrument de démocratisation des masses et de progrès
social. Elle soutient les journaux parce qu'ils lui semblent nécessaires à l'instruction populaire.''
THÉRENTY, 2007. p. 47.
24
concorrência pela legitimidade artística ocupam no campo; e enfim,
analisar os habitus dos ocupantes dessas posições.16
Bourdieu afirma que a luta pelo monopólio da imposição de categorias de
percepção e de apreciação legítimas é a marca principal do campo e aquilo que faz com
que esse campo exista.17
Ao situarmos o campo literário no campo do poder, em 1830, percebemos a
querela entre as instâncias legitimadoras e os escritores, por meio do estudo da relação
entre o autor e seu editor. Essa relação é uma marca da relativa independência do
campo, em uma época em que este trilhava o caminho da sua autonomia, alcançada na
segunda metade do século XIX. Em meio a um cenário em que a burguesia ditava as
leis, as instâncias legitimadoras, como a imprensa, por exemplo, eram controladas pela
monarquia de Luís Filipe, que caminhava na seara da sociedade burguesa capitalista e
tinha interesse em manipular a opinião pública de acordo com sua lógica moralizante e
com seu interesse mercadológico de consumo. Neste sentido, a arte e a literatura
burguesa visavam a educação da classe média, tornando-se uma atividade de cunho
muito mais pedagógico do que revolucionário, exaltando, sempre, seus valores
utilitários através de uma literatura também média. Fernanda Lima mostra em sua tese
de doutorado que:
16
''premièrement situer le champ littéraire (etc) au sein du champ du pouvoir, avec lequel il est dans le
rapport du microcosme au macrocosme; en second lieu, analyser la structure interne du champ littéraire
(etc), univers obéissant à ses propes lois de fonctionnement et de transformation, c'est-à-dire la structure
des relations objectives entre les positions qu'y occupent des individus ou des groupes placés en situation
de concurrence pour la légitimité artistique; enfin, analyser les habitus des occupants de ces positions,
c'est-à-dire les systèmes de positions qui, étant le produit d'une trajectoire sociale et d'une position à
l'intérieur du champ littétaire (etc), trouvent dans cette position une occasion plus ou moins favorable de
s'actualiser.'' BOURDIEU, 1991, p. 5.
17 ''C’est dans l’horizon particulier de ces rapports de force spécifiques, et de luttes visant à les conserver
ou à les transformer, que s’engendrent les stratégies des producteurs, la forme d’art qu’ils défendent, les
alliances qu’il nouent, les écoles qu’il fondent, et cela au travers des intérêts spécifiques qui s’y
déterminent...." BOURDIEU, 1994. p. 63.
25
Os valores e a lei econômica instaurados pelo materialismo burguês
acabam por atingir o campo literário, através do desenvolvimento da
imprensa e de uma produção literária voltada para a quantidade de
publicações e tiragens, e não para a qualidade dos textos.18
Os autores, segundo Thérenty, são, naquele momento, verdadeiros trabalhadores
assalariados. Abandonam a ideia de artista inspirado, tendo que respeitar prazos e
sofrendo pressões de seus editores:
O escritor se assemelha muito mais a um assalariado pressionado para
produzir regularmente, a um operário do que a um artista inspirado. O
duplo mito da inspiração e da Musa fica consideravelmente
enfraquecido com essa mutação.19
Tal literatura é denominada, por Sainte-Beuve, de ''Literatura Industrial'' em seu
artigo intitulado De la Littérature Industrielle, de 1855. Essa literatura, nascida da
necessidade da subsistência dos escritores na sociedade capitalista, culminou na
multiplicação dos escritores e das editoras, empresas lucrativas, que se interessavam
unicamente pelo lucro, deixando de lado a qualidade da obra e os direitos do autor, em
uma época em que a propriedade literária, em grande parte, era ignorada. Neste sentido,
Sainte-Beuve afirma: ''Desde sempre, a literatura industrial sempre existiu. Desde que se
imprime sobretudo, escreveu-se para viver, e a maior parte dos livros, sem dúvida, é
devida a esse respeitável objetivo.''20
No mesmo sentido, Pierre Bourdieu afirma:
18
LIMA, 2012, p. 111.
19 ''L'écrivain ressemble beaucoup plus à un salarié contraint de livrer une production régulière, à un
ouvrier qu'à un artiste inspiré. Le double mythe de l'inpiration et de la Muse sort considérablement
affaibli de cette mutation.'' THÉRENTY, 2007. p. 47.
20 ''De tout temps, la littérature industrielle a existé. Depuis qu'on imprime surtout, on a écrit pour vivre, et
la majeure partie des livres est due sans doute à ce mobile respectable.'' SAINT-BEUVE. De la littérature
industrielle. In: DUMASY, Lise (Org.). La querelle du roman-feuilleton. Littérature, presse et politique,
un débat précurseur (1836-1848). Grenoble, ELLUG, 1999, p. 25-43.
26
Deste modo, fica claro que o campo literário e artístico se constitui
como tal em e por oposição a um mundo ''burguês'' que jamais havia
afirmado, de forma tão brutal, seus valores e sua pretensão de
controlar os instrumentos de legitimação, tanto no domínio da arte
como no domínio da literatura, e que, através da imprensa e de seus
escrevinhadores, visa a impor uma definição degradada e degradante
da produção cultural.21
A elite culta, que demanda a reimpressão de obras antigas, representa uma
pequena parte da sociedade. Segundo Robert Bied, ''O único gênero capaz de interessar
a maior parte dos meios sociais alfabetizados, ou seja, o romance, representa
anualmente, a partir de 1830, por volta de 300 000 ou 400 000 exemplares.''22
O
crescimento deste tipo de público leitor se traduz pelo aumento de exemplares de
romance vendidos; embora fosse um gênero de menor prestígio junto à crítica ou às
instâncias de legitimação quando comparado ao teatro e à poesia.
Ao interrogarmos a luta travada entre clássicos e românticos, as lutas entre a arte
social, burguesa e a arte ''pura'', e, ainda as lutas entre as instâncias legitimadoras e os
autores, percebemos as alianças formadas através da trajetória23
do artista no campo
literário. As alianças geram produções como revistas, jornais que marcam um
21
''Ainsi, il est clair que le champ littéraire et artistique se constitue comme tel dans et par l’opposition à
un monde ''bourgeois'' qui n’avait jamais affirmé de façon si brutale ses valeurs et sa prétension à
contrôler les instruments de légitimation, dans le domaine de l’art comme dans le domaine de la
littérature, et qui, à travers la presse et ses plumitifs, vise à imposer une définition dégradée et dégradante
de la production culturelle.'' BOURDIEU, 1992, p. 90.
22 ''Le seul genre capable d'intéresser la majeure partie des milieux sociaux alphabétisés, le roman,
répresente annuellement, à partir de 1830, entre 300 000 et 400 000 exemplaires.'' BIED, R. Le monde
des auteurs. In: CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean (sous la direction de). Histoire de l'édition
française. Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Promodis, 1990. p. 793.
23 ''Toda trajetória social deve ser compreendida como uma maneira singular de percorrer o espaço social
onde se expressam as disposições do habitus; cada deslocamento, na direção de uma nova posição, uma
vez que implica a exclusão de um conjunto mais ou menos vasto de posições substituíveis e, deste modo,
um fortalecimento irreversível da gama dos possíveis, inicialmente, compatíveis, marca uma etapa do
processo de envelhecimento social que se poderia medir entre estas alternativas decisivas, bifurcações da
árvore de inumeráveis galhos mortos em que figura a história de uma vida.'' BOURDIEU, 1992, p. 360.
27
posicionamento entre os autores e as escolas que existem pelas diferenças que os
separam. Honoré de Balzac e Téophile Gautier, que, em um primeiro momento,
parecem ter ideologias diferentes se unem em prol de uma questão: o papel do
jornalismo e dos editores na literatura. Balzac era preocupado com as questões
econômicas e reconhecimento político, utilizando a literatura como degrau para a
ascensão social e política, enquanto que Gautier exaltava os valores puramente ligados
ao belo. Eles pactuam no que concerne às pressões do mercado editorial e do
jornalismo, Gautier no prefácio de Senhorita de Maupin (1835), visto como o manifesto
da ''arte pela arte'' e Balzac, no romance Ilusões perdidas (1848).
Essa aliança, na esteira da teoria de Bourdieu, representa relações de
solidariedade entre agentes de um campo: a associação a grupos ou às pessoas que já
adquiriram reconhecimento e prestígio no campo artístico ou literário, com o escopo de
ganhar prestígio e tornar-se sujeito de sua própria obra:
As solidariedades que se estabelecem, no seio dos grupos artísticos,
entre os mais dotados e os menos munidos, são um dos meios que
permitem a certos artistas pobres sobreviver, apesar da ausência de
recursos oferecidos pelo mercado.24
2.3 La Chronique de Paris
A relação de solidariedade tem o caráter de ajuda mútua, uma vez que, aliando-
se a autores com o fim de se inserir nos círculos de prestígio da sociedade, um autor, em
troca, escreve e posiciona-se a favor de seu ''padrinho'', como foi o caso de Balzac e
Gautier, ou de Victor Hugo, que apadrinhou Balzac no início da sua carreira. Gautier
24
''Les solidarités qui s’établissent, au sein des groupes artistiques, entre les plus dotés et les plus démunis
sont un des moyens qui permettent à certains artistes pauvres de survivre malgré l’absence de ressources
offertes par le marché.'' BOURDIEU, 1992, p. 371.
28
descreve como conheceu Balzac em uma espécie de biografia onde contou vários
episódios que marcaram sua relação com o autor. Estes textos foram publicados oito
anos depois da morte de Balzac, em seis partes, na revista L'Artiste, nos dias 21, 28 de
março, 25 de abril, e dois de maio de 1858.25
Em um desses episódios, Gautier fala
sobre a relação de amizade e de confiança que gerou esta aliança com Balzac, que, aos
trinta e seis anos, já se havia consagrado através de diversos romances como La Peau
de chagrin (1831), Louis Lambert (1832) e La Physiologie du Mariage (1829). Gautier,
nos anos de publicação desses romances, ainda era jovem e não gozava de prestígio e
reconhecimento, apesar de já ter publicado desde 1830, além de Un repas au désert
d’Egypte (1831), em Le Gastronome, La Cafetière, conte fantastique (1831), em Le
Cabinet de lecture, Onuphrius Wphly (1832), em La France littéraire, Albertus ou
l’Âme ou le Péché, légende théologique (1832), Les Jeunes-France (1833), Omphale,
ou La Tapisserie amoureuse (1834), em Journal des gens du monde, o seu importante
romance, Mademoiselle de Maupin, é reconhecido e, em troca, escreve a favor de
Balzac, construindo a imagem de um autor cordial.
Tal aliança reflete, além da luta dos grupos e agentes sociais pelo
reconhecimento no campo literário, certa afinidade entre os autores. No caso de Balzac
e Gautier, o teor desta afinidade é o tema da presente pesquisa, uma vez que Balzac se
interessou por Gautier após a publicação de seu "prefácio-manifesto" de Mademoiselle
de Maupin. Neste prefácio manifesto, publicado em 1834, Gautier ataca o poder
regulador da imprensa da época. Balzac, que acabara de comprar o jornal La Chronique
de Paris, se interessa pelo jovem escritor e o convida para participar da redação do
jornal. Paralelamente, no prefácio da segunda parte de Ilusões perdidas, que tem um
25
Cf. GAUTIER, 2011.
29
soneto de Théophile Gautier intitulado La Tulipe (A Tulipa), Balzac ataca a má
influência do jornalismo, que seria ''um câncer que irá talvez devorar o país''26
, sobre a
obra de arte e faz um elogio a Théophile Gautier, no que concerne o prefácio de
Mademoiselle de Maupin:
(...) o autor não seria justo se esquecesse de mencionar o magnífico
prefácio de um livro magnífico: A Senhorita de Maupin, no qual o
senhor Théophile Gautier entrou, chicote na mão, usando esporas,
calçando botas como Luís XIV no seu famoso leito de justiça, em
pleno coração do jornalismo (...). Esse livro, uma das mais artísticas,
das mais verdejantes, das mais pimponas, das mais vigorosas
composições da nossa época, de um andamento tão vivo, de torneio
tão contrário ao comum de nossos livros, acaso obteve todo sucesso
merecido?27
A ira de Balzac contra o jornalismo é explicada através de sua briga com o
patron de presse Buloz, que não compartilhava as mesmas opiniões políticas em 1835.
Tal briga se resume pelo fato de Buloz não ter publicado o romance Le Lys dans la
Vallée (O Lírio do Vale), na Revue des deux Mondes (Revista dos dois Mundos) que
tinha como principais críticos dois adversários de Balzac: Gustave Planche (1808-1857)
e Sainte-Beuve (1804-1869), por considerá-lo indigno de ser publicado na revista.
Entretanto, Balzac aceita entregar seu romance a Buloz para que este o publique em
outra revista, a Revue de Paris28
(Revista de Paris), em 22 e 29 de novembro. Outro
acontecimento agravou a relação já conflituosa entre os autores: Buloz dá à Revue
étrangère (Revista estrangeira) um manuscrito de Balzac ainda sem suas correções, o
26
BALZAC, Honoré. Ilusões perdidas. Tradução Leia de Aguiar Costa. São Paulo, Estação Liberdade,
2007. p. 733.
27 BALZAC, Honoré. Ilusões perdidas. Tradução Leila de Aguiar Costa. São Paulo, Estação Liberdade,
2007. p. 731.
28 Cf. Revue de Paris. Nouvelle série, tome XXIII, 4
e et 5
e livraisons.
30
que gerou a ira do autor, tendo em vista que este, que corrigia várias vezes seus textos,
julgava tais manuscritos longe do ideal de perfeição esperado (Cf. Figura I, p. 23).
A publicação, sem sua autorização de um texto que ele podia
considerar como sem forma constituía um incontestável prejuízo
moral e ele protestou com veemência. Considerando Buloz como
responsável pela ''comunicação'' de um texto desprovido de sua
aprovação para publicar, ele recusou dar a continuação de seu
romance à Revue de Paris.29
Figura 1: Manuscrito de Balzac.
29
''La publication, sans son autorisation d'un texte qu'il pouvait à juste titre considérer comme informe,
constituait un incontestable dommage moral et il a protesté avec véhémence. Considérant Buloz comme
responsable de la ''communication'' d'un texte non revêtu de son bon à tirer, il a refusé de donner la suite
de son roman à la Revue de Paris.'' BAUDOUIN, 2006.
31
Como a propriedade literária era desprezada, esta prática era comum. Porém,
Balzac briga pelos seus direitos e não entrega a Buloz os últimos capítulos de Le Lys
dans la Vallée (O Lírio do Vale), instaurando, dessa maneira, um conflito no campo.
Como ele já havia recebido o dinheiro referente à publicação da obra completa, Buloz o
processa e, um ano depois, os tribunais dão a Balzac o ganho da causa. Nesta época, no
final de 1835, Balzac publica textos com pseudônimos e seu romance Wann-Chlore,
através de seu novo editor Dennis-Hippolyte Souverain (1803-1880).
Cansado das brigas com os sucessivos editores da Revue de Paris e indignado
pela sua não aceitação na Revue des deux Mondes, Balzac sonhava em ser o diretor e
proprietário de uma revista, onde ele pudesse publicar suas obras e alcançar seu
objetivo: as eleições parlamentares. E, com o estabelecimento da força e capacidade de
influência e distribuição dos jornais, que tornavam públicas todas as questões
importantes e relações da época, Balzac compra no dia vinte e quatro de dezembro de
1835 a Chronique de Paris (Crônica de Paris), jornal político e literário. Esse pequeno
jornal bissemanal, fundado em primeiro de maio de 1834 por William Duckett (1803-
1873), jornalista parisiense, passa a ter, em 1835, Béthune como sócio; não tinha um
posicionamento político bem marcado, o que pareceu um bom negócio a Balzac. Balzac
convida Victor Hugo para publicar em seu jornal, mas, em um primeiro momento, não
obtém sua colaboração. Gustave Planche publica, de janeiro a setembro de 1836, alguns
artigos na Chronique. Balzac terá como colaboradores Charles de Bernard, Jacques-
Germain Chaudesaigues, Jules-A. David, Alphonse Karr e Théophile Gautier. Segundo
Baudouin, ele queria ''fazer da Chronique um empreendimento enciclopédico e
totalizante, que respondesse ao seu longo subtítulo: crítica política, administrativa,
32
científica, literária, artística e industrial.''30
Pode-se perceber, neste projeto, o reflexo do
século das Luzes.
O autor da Comédia humana visava ter um jornal para defender o partido dos
intelligentiels,31
com isso, publicar suas obras e utilizar o jornal como passagem direta
para aceder aos meios políticos. Balzac expõe seu posicionamento político em uma
carta a Madame Hánska, na qual ele descreve seus parceiros de trabalho:
Je vais avoir deux secrétaires, deux jeunes gens qui épousent les
espérances de ma vie politique, laquelle s’ouvre hélas ! Je suis bien
embarrassé de vous dire par où, comment et pourquoi, car vous
m’avez interdit certain chapitre et vous me devinerez quand je vous
dirai que j’achète dans cinq jours un journal politique. Ces deux
jeunes gens sont : 1 le comte de Belloy, ami de Sandeau, le neveu du
cardinal ; âge, vingt-quatre ans, figure heureuse, esprit abondant,
conduite mauvaise, misère effroyable, talent et avenir riches,
confiance et dévouement entiers, noblesse immémoriale ; l’autre est
un Comte de Grammont dont l’un des ancêtres a cautionné un duc de
Bourgogne. Il n’est pas de la famille des ducs de Grammont. Je le
connais moins que je connais Belloy. Voici deux aides de camp. Vous
vous étonnerez de savoir Sandeau exclu; mais Sandeau n’est pas,
comme ses messieurs, légitimiste ; il ne partage pas mes opinions.
Tout est dit ; j’ai tout fait pour le convertir aux doctrines du pouvoir
absolu, il est niais comme un propagandiste. Vous voyez qu’il s’ouvre
une seconde mine, une seconde cause de travaux énormes.32
30
''Balzac veut faire de la Chronique une entreprise encyclopédique et totalisante, répondant à son long
sous-titre : critique politique, admistrative, scientifique, littéraire, artistique et industrielle.'' BAUDOUIN,
2006. p. 6.
31 ''Balzac pretendia reunir, em seu jornal, todos os talentos da época. Tal ambição lembra o projeto de
Chateaubriand que, no início da Restauração, queria fazer da direita o ''partido da inteligência.''
BAUDOUIN, 2006. p. 6.
32 ''Eu vou ter dois secretários, dois jovens que dividem as esperanças da minha vida política, a qual se
inicia infelizmente. Não saberia lhe dizer, como e por que, a senhora me proibiu um certo assunto e a
senhora entenderá logo quando eu lhe disser que comprarei, daqui a cinco dias, um jornal político. Esses
dois jovens são: 1: o conde de Belloy, amigo de Sandeau, o sobrinho do cardeal; idade, vinte e quatro
33
O jornal era muito politizado, ao contrário da nova geração de jornais baratos
que eram uma espécie de espelho da sociedade. Tendo em vista o conteúdo (a escolha
de assuntos puritanos, o nível cultural elevado) e o preço do jornal (60 francos por ano),
podemos concluir que essa folha era destinada a um público privilegiado de cultura e
dinheiro, que, nesta época, são os eleitores. Ou seja, o jornal é elitista. Segundo
Baudouin:
o jornal é deliberadamente hostil à esquerda e ao centro. Ele rejeita, ao
mesmo tempo, os republicanos, defensores do ''fatal principio da
soberania popular'' e as correntes do ''velho liberalismo'' encarnado por
Thiers.33
Mas o ano de 1835 é também marcado pela volta da censura e, por esse motivo, a
Chronique posiciona-se de maneira dúbia. Balzac deixa a redação da política interna
para Capefigue e escreve somente na seção de literatura e política externa. Depois de
alguns números, em 15 e 16 de julho, a sociedade se desfaz e Balzac perde
aproximadamente 46 000 francos.
Após a dissolução da Chronique, Balzac se dispõe a escrever textos como Sur
les questions de la propriété littéraire et de la contrefaçon, (Sobre as questões da
propriedade literária e da contrafação) onde ele se posiciona a favor da propriedade
anos, figura feliz, mente abundante, mau comportamento, miséria enorme, talento e futuro ricos,
confiança e devotamento totais, nobreza imemorial; o outro é um Conde de Grammont, um de seus
antepassados apoiou o duque de Bourgogne. Ele não pertence à família do duque de Grammont. Eu o
conheço menos do que conheço Belloy. Eis dois ajudantes de campo. A senhora se assustará ao saber que
Sandeau foi excluído; mas Sandeau não é como esses senhores, legitimistas; ele não está de acordo com
as minhas opiniões. Tudo está dito; eu fiz de tudo para convertê-lo às doutrinas do poder absoluto, ele é
ingênuo como um propagandista. A senhora vê que uma segunda mina se abre, uma segunda causa de
enormes trabalhos.'' CH, t. I, p. 281-282.
33 ''le journal est résolument hostile à la gauche et au centre. Il rejette à la fois les républicains, porteurs du
''fatal principe de la souveraineté populaire'' et les tenants du ''vieux libéralisme'' incarné par Thiers.''
BAUDOUIN, 2006, p. 12.
34
literária ''arruinada pela contrafação belga''. Balzac queria conseguir, para a literatura, a
propriedade dramática que Beaumarchais conseguira para o teatro contra os problemas
de plágio, no momento de apresentação de Mariage de Figaro (As Bodas de Figaro)
(1778). Esse manifesto dá origem à Société des gens des lettres, que tinha como
objetivo proteger os escritores face aos abusos dos jornais e face à contrafação. Assim,
os escritores poderiam viver das suas próprias penas e deixariam o direito sobre suas
obras para a família após sua morte.
A questão que vem à tona, no período da compra da Chronique, é aquela que
interroga os meios pelos quais Balzac comprou esse jornal, pois, como se sabe, Balzac
sempre esteve endividado. Ao investigarmos essa época, descobrimos a aliança entre
Balzac e Guizot.34
Guizot, outrora advogado de Luís Filipe, tornara-se ministro da
Instrução pública. Balzac trai sua ideologia legitimista e, a fim de entrar na política e
tornar-se poderoso, cala-se e deixa a parte política do seu jornal para Capefigue.
Percebemos, então, um enfraquecimento da Chronique por conta de seu posicionamento
ambíguo. Por falta de tempo, ou para não sucumbir mais rapidamente, Balzac deixa
passar artigos a favor da monarquia de Orléans, ao mesmo tempo em que escreve contra
seus ministros.
Após a desintegração de seu jornal, o autor da Comédia humana escreve textos
para defender e propriedade literária, instala-se em Saché e começa a escrever o
romance Ilusões perdidas, que foi publicado de 1837 a 1843. Nesse romance,
percebemos os novos valores da sociedade e a literatura de mercado, na representação
do editor Dauriat que mostra a Lucien a lógica do campo das artes:
34
Cf. BAUDOUIN, 2006. p. 15.
35
Moi, je ne m'amuse pas à publier un livre, à risquer deux mille francs
pour en gagner deux mille; je fais des spéculations en littérature (…).
Je ne suis pas ici pour être le marchepied des gloires à venir, mais
pour gagner de l'argent et pour en donner aux hommes célèbres.35
Percebemos também o novo valor atribuído ao romance no campo literário com
o conselho que o editor Dauriat dá a Lucien : ''Se eu tivesse um conselho a lhe dar,
senhor, seria aquele de abandonar o verso e de começar a escrever em prosa''36
A relação entre os autores e os jornalistas fica clara, quando Lucien anuncia ao
seu grupo de amigos artistas que irá trabalhar na imprensa: ''isso seria o túmulo do belo,
do suave Lucien que nós amamos e conhecemos, anuncia d'Arthez.''37
e ainda: ''Você
ficará tão encantado em exercer o poder, ter o direito de vida e de morte sobre as obras
do pensamento, que você se tornaria jornalista em dois meses.''38
35
''Não me divirto em publicar um livro, arriscar dois mil francos para ganhar dois mil francos. Especulo
com a literatura (...). Eu não estou aqui para ser degrau de futuras glórias, mas para ganhar dinheiro e para
dar aos homens célebres.'' CH, t.V, p. 235.
36 ''Si j'avais un conseil à donner à monsieur, dit Barbet, ce serait de laisser les vers et de se mettre à la
prose.'' CH, t. V, p. 352.
37 ''cela serait la tombe du beau, du suave Lucien que nous aimons et connaissons, dit d’Arthez.'' CH, t. V,
p. 343.
38
''Tu serais si enchanté d’exercer le pouvoir, d’avoir droit de vie et de mort sur les oeuvres de la pensée,
que tu serais journaliste en deux mois.'' CH, t. V, p. 343.
36
3. Ilusões perdidas, o folhetim e o romance
Vous avez fait de moi un écrivain périodique et régulier.
(Anatole France au directeur du Temps)
3.1. O romance e o jornal
A obra Ilusões perdidas, de Honoré de Balzac, é composta de três romances que,
inicialmente, foram publicados separadamente. A primeira parte, intitulada Ilusões
perdidas, compunha a ultima parte do conjunto intitulado Études des moeurs du XIXe
siècle (Estudo dos costumes do século XIX), composto por doze volumes in 8, repartidos
em: Scènes de la vie de province (Cenas da vida de província), Scènes de la vie
parisienne (Cenas da vida parisiense) e Scènes de la vie privée (Cenas da vida privada)
que havia sido vendida para a editora senhora de Béchet. Em 1837, Edmond Werdet
(1795-1869) compra a propriedade da obra, composta de cinco capítulos, e a publica
com o título Ilusões perdidas. Os capítulos 17 Comment se font les petits journaux
(Como se fazem os pequenos jornais) e 18 Le Souper (A Ceia) que compõem a segunda
parte, intitulada Un grand homme de province à Paris (Um grande homem de província
em Paris), escrita em 1839, foram publicada parcialmente no jornal La Presse, seguido
por L'Estafette.
Em junho de 1838, Hippolyte Souverain (1803-1880) coloca à venda os dois
volumes de Un grand homme de province à Paris (Um grande homem de província em
Paris), seguido de um prefácio em que o autor anuncia a terceira parte, que tem como
título Les Souffrances de l'inventeur (Os sofrimentos do inventor). Com o final do
37
prazo, Balzac escreve a terceira parte na gráfica de Giroux, em Lagny. Desta maneira, é
publicada como um folhetim, com o título de David Séchard ou Les Souffrances de
l'inventeur (David Séchard ou o Sofrimento do inventor), a terceira parte, em 1843, em
dois jornais. Em junho de 1843, depois de ter sido publicada a terceira parte do romance
como romance de folhetim, no jornal L’État (O Estado) e Le Parisien-l’État (O
Parisiense e o Estado), as três partes que compõem o romance foram reunidas e
publicadas por Charles Furne, (1794-1859), Jacques-Julien Dubochet (1798-1868) e
Pierre-Jules Hetzel (1814-1886). Uma outra publicação separada de David Séchard é
publicada, em dois volumes in 8, pelo editor Dumont em 2 de março de 1884.39
Esta configuração de publicação, dividida em várias edições, denuncia a
mudança no que concerne à relação do livro com os jornais e a lógica capitalista. A
mudança de regime de publicação dos textos literários que se instaura - passando de
uma publicação em livros, para uma publicação periódica, o que configura uma grande
aproximação junto ao jornal - revela características que contribuem para o entendimento
do campo literário francês da época. Era mais lucrativo, para os editores e donos de
jornal, dividir uma obra em várias partes e a vender separada e periodicamente, em
jornais. Essa nova era caracteriza-se pelo jornal acessível a todas as classes sociais,
sedentas de notícias que se repetiam e vendiam diariamente. Neste sentido, Frédéric
Barbier afirma:
A partir do último quarto do século XVIII, a produção de livros que
tratam dos temas que chamamos de atuais (e, sobretudo, relatos de
viagens) aumentam de maneira muito sensível; ao mesmo tempo, a
imprensa periódica conhece igualmente um crescimento espetacular,
de tal maneira que, através desse duplo movimento, percebe-se
39
Cf. Illusions perdues (1837-1843) Histoire du texte. Disponível em: http://www.balzac-etudes.paris-
sorbonne.fr/balzac/index.php?section=1&part=1 Última consulta: 20/05/2012.
38
realmente uma mudança profunda na sociedade francesa como um
todo, relativamente à necessidade de informação.40
Com o aumento do número de jornais, que constituem o meio de comunicação
periódica mais popular da época, o ''suporte de uma representação do mundo''41
, há
uma pressão sobre a literatura, que se aproveita da estrutura periódica de comunicação
do jornal para a sua difusão. Vemos, então, o advento do romance de folhetim, em
1836. Tem-se, nesta época, um dificílimo convívio entre o discurso jornalístico e o
discurso literário:
No entanto, a coincidência dos dois sistemas discursivos, suas
proximidades, explicam fenômenos constantes de contaminação, o
jornal toma emprestado da literatura os seus modos poéticos, a
Literatura recupera de forma deslocada todos os procedimentos de
vocalização e de validação da informação.42
Este cruzamento entre os discursos constitui uma mudança, tanto no espaço
jornalístico, quanto no literário, que lança mão do jornal para sua difusão, mas torna-se
uma literatura essencialmente crítica, principalmente em relação às pressões exercidas
pelos editores e donos de jornal sobre os escritores.43
Podemos citar dois outros
40
''À partir du dernier quart du XVIII siècle, la production des livres traitant de ce que nous appellerions
des sujet d'actualité (et notamment les récit de voyages) augmente de façon très sensible; dans le même
temps, la presse périodique connaît également un développement spectaculaire, de telle sorte que, à
travers ce double mouvement, nous percevons en fait un changement profond de l'ensemble de la société
française vis-à-vis du besoin d'information.'' BARBIER, F. Les innovations technologiques. In:
CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean (sous la direction de). Histoire de l'édition française. Le
livre triomphant 1660-1830. Paris, Promodis, 1990. p. 722.
41 ''le journal devient rapidement le principal système discursif, support d'une représentation du monde.''
THÉRENTY, 2007 , p. 18.
42 ''Pourtant la coincidence des deux systèmes discursifs, leurs proximités, expliquent des phénomènes
constants de contamination, le journal emprutant à la littérature ses modes poétiques, la Littérature
récupérant en les décalant tous les procédés de mise en voix et de validation de l'information.''
THÉRENTY, 2007, p. 15.
43 Cf. THÉRENTY, 2007, p. 19.
39
romances da literatura francesa, além de Ilusões perdidas, onde encontramos uma
crítica em relação à imprensa do século dezenove, são eles: Charles Demailly (1860),
dos irmãos Goncourt e Bel-Ami (1885) de Guy de Maupassant (1850-1883).
Tal interseção marca a literatura da época, que se torna um espaço de discussão
e reflexão sobre os problemas sociais e produz o nascimento de um novo gênero: o
romance de folhetim. O jornal, ao mesmo tempo, absorve o caráter poético do campo
literário, produzindo o que Thérenty denomina poética do cotidiano que:
se diferencia profundamente dos protocolos eficazes da escritura
jornalística, que é dominada e praticada de maneira bastante uniforme,
hoje em dia, pela maior parte dos profissionais da imprensa que
fizeram ''estudos do jornalismo''.44
Três momentos marcam a construção do estatuto profissional do jornalista e a
total separação da escrita jornalística da literatura. Antes da abertura de cursos de
jornalismo, existiam livros para o estudo da escrita jornalística, mas só em 1928 temos a
criação, na França, da primeira escola de jornalismo, em Lille. Em 1930, a ideia de que
o jornalismo é uma profissão, é legitimada. Mas, somente em 1935, o jornalismo ganha
seu estatuto profissional, ''desligando-se'', desta maneira, da literatura.
O jornal do século XIX difere daquele do século XVIII, uma vez que neutraliza
a retórica para usar algumas formas reservadas, em um primeiro momento, aos
escritores:
A passagem do século XVIII ao século XIX desenha, aliás, claramente
uma mudança de modelo: o jornal se alimenta cada vez menos da
44
''(...) qui difère profondément des protocoles efficaces d'écriture du journal, maîtrisés et pratiqués assez
uniformément aujourd'hui par la plupart des professsionels de la presse qui ont suivi des ''études de
journalisme.'' THÉRENTY, 2007, p. 11.
40
retórica para trabalhar outras formas tradicionalmente reservadas ao
grupo dos escritores: a ficção, a conversação, a autobiografia.45
Como já demonstrado na página anterior a respeito de Balzac o jornal torna-se,
além de um espaço de publicação para os autores, um empreendimento atrativo no que
concerne o lucro e a difusão de seus textos. Outros autores da época como George Sand
(1804-1876), Alphonse de Lamartine (1790-1869) Alexandre Dumas (1802-1870) e
Théophile Gautier (1811-1872) publicavam eventualmente em jornais. Assim como
Balzac, que compra a Chronique de Paris em 1836 e a Revue parisienne em 1840,
fazendo ''do periódico um tipo de universo conexo da Comédia humana.''46
A geração
romântica é caracterizada como a primeira ''tocada massivamente pela febre
periódica.''47
Este movimento circular, de interação mútua, entre o jornal e a escrita literária
resulta em textos jornalísticos mais poéticos e literários de um lado, e do outro em uma
''veracidade'' nos fatos descritos pelos autores da época, sempre encobertos pelo véu da
ironia, das metáforas. A inserção da literatura no jornal leva-o a um abandono periódico
dos códigos retóricos utilizados nos textos jornalísticos. Este toma emprestado dos
escritores literários a preocupação estética.
Em Ilusões perdidas, Balzac descreve o que poderíamos denominar de
imprensa literária, sem deixar, evidentemente, de abordar a situação do ''jornalista'' que
era obrigado a se posicionar de acordo com as ideias políticas e interesses financeiros
45
''Le passage du XVIIIeme siècle au XIXeme siècle dessine d'ailleurs nettement un changement de
modèle: le journal s'alimente de moins en moins à la manne rhétorique pour travailler d'autres formes
traditionnellement réservées aux gens de lettres: la fiction, la conversations, l'autobiographie.''
THÉRENTY, 2007, p. 12.
46 ''(...) du périodique une sorte d'univers connexe de la Comédie humaine.'' THÉRENTY, 2007, p. 13.
47 ''(...) première génération touchée massivement par la fièvre périodique.'' THÉRENTY, 2007, p. 13.
41
da folha na qual este publicava, mesmo que para isso, traísse suas posições políticas. O
escritor-jornalista encontra-se completamente dependente da ideologia do jornal e tem
ameaçada sua integridade. Balzac denuncia esta ameaça à dignidade e a dependência
do escritor em relação à imprensa, que piora com a invenção do romance de folhetim
em 1836. Esta época marca a literatura:
dont le sort est désormais lié à celui de la presse périodique, n'a été si
dépendante des capitaux qui contrôlent les quotidiens. Les écrivains
vendaient des livres; les journaux achètent maintenant les écrivains.48
Com o rei Luis Filipe, a burguesia ascende ao poder e demanda uma literatura
moral e de fácil acesso, que não exija um conhecimento prévio para ser entendida e
que, principalmente, discuta o cotidiano. A literatura que exprime os devaneios do
autor, como Les rêveries du promeneur solitaire (1778) (Os devaneios do caminhante
solitário) de Rousseau, ou os textos de teatro são gêneros colocados de lado por
leitores ávidos de informação e pouco cultos, assim como a poesia, que era vendida
para os intelectuais, representantes de uma parte restrita da sociedade. Com essa
configuração no mundo da edição, os escritores se encontram submissos ao gosto do
público e às imposições das editoras que sugerem o assunto e o gênero que estivessem
na moda e que impõem prazos de entrega. No romance Ilusões perdidas, o autor
critica essa submissão dos autores provocada pela mudança na configuração do campo
literário através da fala do editor Dauriat:
Depuis deux ans, les poètes ont pullulé comme les hannetons (...). À
quiconque m'apportera des manuscrits, vous demanderez si c'est des
48
''cuja sorte está a partir de agora (1836) ligada àquela da imprensa periódica. A literatura nunca foi tão
dependente dos capitais que controlam os quotidianos. Os autores vendiam livros; os jornais, agora,
compram os escritores.'' CH, t. V, p. 1134.
42
vers ou de la prose. En cas de vers, congédiez-le aussitôt, les vers
dévoreront la librairie.49
É interessante assinalar o jogo de palavras presente na última frase da citação.
Aqui, Balzac brinca com a palavra vers que significa ''verso'' e ''verme'' em francês,
mostrando com rigor, a transformação da literatura e seu caráter monetário. Este
passagem revela de que maneira a literatura estava sendo orientada por instituições
comerciais, interessadas em lucros, que obrigavam os autores a aceitar essa situação
para conseguir viver.
Balzac começou sua carreira querendo ser autor de teatro, mas, considerando
esta configuração capitalista, muda de ideia. A produção de romances cresce de
maneira gigantesca, pois era um gênero capaz de interessar a maioria da população
leitora. A imposição de um prazo de entrega também opera uma fratura entre a
''literatura desinteressada'' do século XVIII e a ''literatura lucrativa''50
do século XIX e
muda a configuração das relações entre obra (autor)-editor-impressor, como podemos
perceber no ensaio de Balzac intitulado De l’état actuel de la librairie (Sobre o estado
atual da edição), publicado em 1830 no Feuilleton des journaux politiques,
provavelmente no primeiro volume difundido, no dia três ou dez de março de 1830,51
que será discutido no próximo capítulo.
49
''Há dois anos, os poetas pululam como os besouros (...). A qualquer pessoa que me trouxer os
manuscritos você perguntará se se trata de verso ou de prosa. Se for de verso, dispense-o o mais rápido
possível, os versos devorarão a edição.'' CH, t. V. p. 361.
50 Cf. BIED, R. Le monde des auteurs. In: CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean (sous la direction
de). Histoire de l'édition française. Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Promodis, 1990. p. 777.
51 Na introdução às notas do ensaio De l’état actuel de la librairie, os autores Roland Chollet e René
Guise advertem que a autoria desse texto foi atribuída a Balzac em função de pesquisas feitas em cartas
que comprovam tal fato. E a data é também uma hipótese baseada em estudos. OD, t. II, p. 1480.
43
Em Ilusões perdidas, tem-se um grande exemplo das relações entre o mundo
da edição e a imprensa, o tema central do livro envolve discussões vivas na sociedade
da época. Tais como o tema, por exemplo, do jovem que deixa a província para tentar
a vida em Paris e que é extremamente atual no século XIX.52
O segundo tema
recorrente nesta sociedade e que aparece no romance Ilusões perdidas é a briga e as
alianças entre os editores, os donos de jornal e os homens de letras. Tal tema será
interrogado na próxima seção. Entre os exemplos citados acima, existem outros, como
aquele de Curé de village (1839) (O cura da aldeia) que se apoia nos artigos
contemporâneos de La Presse (A Imprensa), onde Balzac publicava seu romance. Em
Um grande homem de província em Paris, percebemos a dramatização do problema
comercial analisado em seus textos sobre a edição e o diálogo entre sua obra
romanesca e sua obra jornalística, que operam entre os sistemas de realidade e
verdade. Isso quer dizer que em ambos os gêneros, seja o romanesco ou o discurso
jornalístico o autor opera no critério alético, ou seja, ele trata da história que
aconteceu, da realidade. Porém, o gênero romanesco permite que a história seja
modificada. Este gênero está preocupado com a verdade, que opera no mundo do
discurso. No extrato a seguir, da Poética de Aristóteles, esta questão é desenvolvida.
Podemos prolongar a noção de ''poeta'' e compararmos com a do ''escritor'':
Não é tarefa do poeta dizer o que ocorreu, mas o que poderia
acontecer, as coisas possíveis conforme a verossimilhança ou a
necessidade. O historiador e o poeta não diferem pela métrica ou pela
52
Cf. BERTHIER, P. Le thème du ''grand homme de province à Paris'' dans la presse parisienne au
lendemain de 1831. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André (editores). Illusions perdues. Paris, Presses
de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003. p. 25-50.
44
ausência dela (...), mas diferenciam-se por isso, por que um diz o que
aconteceu e o outro o que poderia acontecer.53
Este fato pode ser exemplificado na passagem de Ilusões perdidas em que o
editor Dauriat (que seria o personagem inspirado pelo editor Panckoucke) visita
Lucien e Coralie:
Le commerce de la librairie dite de nouveautés se résume dans ce
théorème commercial: une rame de papier blanc vaut quinze francs,
imprimée, elle vaut, selon le succès, ou cent sous ou cent écus.54
Esses exemplos mostram que a escrita balzaquiana se alimentava dos jornais e
explica o modo como se dava a circulação de ideias, nesta época, na França. A
circulação das ideias se estabelecia através de um diálogo constante que impactava e
definia características comuns ao romance e à imprensa. Nascia um novo modo de
escrita jornalística, pautada em elementos literários, como por exemplo, a digressão; e
uma escrita romanesca que discutia os problemas sociais debatidos na imprensa.
Vemos esse debate encenado em Um grande homem de província em Paris,
em repetidos trechos como esse em que, após mais uma tentativa de venda frustrada de
seu romance L'archer de Charles IX a dois editores-comissionários, Lucien tem mais
uma decepção com a situação da edição e da literatura em Paris: ''Eu me enganei'', diz
a si mesmo, surpreso, entretanto, pelo aspecto brutal que alcançava a literatura.''55
53
Poética, 1451 a36 (IX, 1-10). Citado por CAIRUS, 2010. p. 4.
54 ''O comércio da edição chamada de novidades se resume neste teorema comercial: uma rama de papel
branco vale quinze francos, impressa, ela vale, de acordo com seu sucesso, ou cem centavos ou cem
escudos.'' CH, t. V, p. 451.
55 ''Je me suis trompé'', se dit-il, frappé néanmoins du brutal et matériel aspect que prenait la littérature.''
CH, t. V, p. 303.
45
3.2. Autores e editores
Tout doit-il se résoudre par l'ARGENT?56
Para analisar o contexto de publicação da obra Ilusões perdidas, enfocaremos as
décadas de 1830 e 1840. O ano de 1830 mostra-se de fundamental importância para a
compreensão do macrocosmo do poder, uma vez que temos, na França, uma mudança
de regime, que desencadeia uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas. A
publicação da segunda parte da obra, de onde recortamos as descrições comentadas no
capítulo quatro, insere-se, também nestas duas décadas, que têm como cenário a
Monarquia de Julho (1830-1848).
Após um longo período de insatisfação, tanto popular quanto intelectual, face à
política sustentada por Carlos X (1757-1836), este foi deposto, em 1830, com apoio,
inclusive, da maioria da Câmara. Tal descontentamento se explica pelo seu reinado
repleto de ações arbitrárias, na tentativa de restaurar o Antigo Regime, com a dissolução
da Câmara, a colonização da Argélia e, principalmente, com o retorno da censura.
A supressão da liberdade de imprensa culmina na resistência e no protesto de
alguns jornais como Le National, Le Temps e Le Globe que, após uma grande
manifestação contra Carlos X, em que os manifestantes são contidos pela polícia, têm
seus prelos destruídos. A repulsa contra o reinado de Carlos X levou diferentes grupos
descontentes à rua, para depor o rei. Estudantes, intelectuais, artistas, poetas bem como
tipógrafos, editores e trabalhadores da imprensa, se reuniram e inscreveram na história
das revoluções as datas conhecidas como As três gloriosas (27, 28, 29 de julho de 1830-
Les trois glorieuses).
56
La Mode (16 de maio de 1830)
46
Após esses três dias de manifestação, Carlos X se vê obrigado a fugir. Com a
queda de Carlos X, os republicanos, que investiram também na queda do rei, sonhavam
com a criação de uma república. Mas, Luís Filipe é proclamado rei, em caráter
emergencial, (pois o sucessor de Carlos X, seu filho Luís Antônio abdicou em favor de
seu sobrinho, Henrique, Conde de Chambord, que seria o último rei francês da dinastia
Bourbon). No entanto, Henrique V ficou menos de uma semana no poder. O Congresso
escolhe, então, o primo de Henrique, Luís Filipe de Orléans, em 31 de julho de 1830,
que, com seu tino político e o total apoio da burguesia, intitula-se o ''rei dos franceses''.
Com seu estabelecimento no poder, as primeiras medidas tomadas por Luis Filipe são a
revisão da Constituição e a abolição da censura.
A principal mudança que se instaura na sociedade, com a troca de regime, é a
repartição das riquezas. A nobreza, que já vinha perdendo suas forças desde a
Revolução de 1789, perde, cada vez mais, sua importância e poder e abre espaço para a
ascensão política da burguesia. O problema da divisão das terras gera uma mudança que
impacta as artes e a literatura de modo peculiar. Neste sentido Baudouin afirma: ''A
divisão da propriedade marca o fim de uma sociedade feudal, fiadora das artes e da
grandeza, mas ultrapassada, em proveito de uma sociedade mais igualitária, porém
prosaica.''57
Seis anos depois, em 1836, é criado o primeiro romance de folhetim, gênero
característico da literatura industrial e de massa.
O ''rei burguês'' preocupava-se em mostrar uma imagem que seria o reflexo da
classe que o colocou no trono. Tal título deixa transparecer as características de seu
reinado. Após ser coroado rei, Luis Filipe I não agrega à sua volta nomes importantes da
antiga nobreza, como: Mortemart, Broglie, Choiseul; pelo contrário, ele diminuiu o
57
''Le partage de la propriété signe la fin d'une société féodale, garante des arts et de la grandeur, mais
révolue, au profit d'une société plus égalitaire mais prosaïque''. BAUDOUIN, 2006. p 70.
47
número de empregados. Este fator foi alvo de críticas, inclusive dos orleanistas.58
A
necessidade exagerada de Luis Filipe de mostrar ao povo seus hábitos burgueses, como
a opção mascarada de matricular os filhos em uma escola, no lugar de ter um preceptor
(como era o costume da nobreza); as festas grandiosas que oferecia para convidados
oriundos da burguesia, como os jornalistas, por exemplo; as roupas que ele e sua família
usavam; tudo isso fez com que a família real perdesse prestígio e fosse atacada pela
oposição legitimista, republicana e até mesmo perdesse o apoio dos orleanistas. A
França perdia a elegância dos costumes nobres e exaltava valores burgueses, ligados
diretamente ao comércio. Deste modo, Luis Filipe se aproxima cada vez mais da classe
que ascendia. Mas, suas ações sempre objetivavam o acúmulo de poder. O rei burguês
procura disfarçar seu requinte aristocrático demonstrando-se pelo modo de se vestir
muito mais burguês. Mas através de uma descrição de suas vestimentas e caráter,
percebe-se que ele é aristocrata:
Seu uniforme habitual é aquele de um burguês de Paris. Quando ele
não está com o uniforme da guarda nacional, ele usa uma vestimenta
azul com a insígnia de ouro da casa dos Bourbon, um colete branco,
uma calça de nanquim com presilhas e ele nunca sai sem seu guarda-
chuva.59
58
Cf. MARTIN-FUGIER, Anne. La vie élégante ou la formation du Tout-Paris 1815-1848. Paris, Fayard,
1990.
59 ''Sa tenue habituelle est celle d’un bourgeois de Paris. Quand il n’a pas l’uniforme de garde national, il
porte un habit bleu à bourbons d’or, un gilet blanc, un pantalon de nankin à sous-pieds et il ne sort jamais
sans son parapluie.'' BERTEAU, J. s.d. p. 77.
48
Figura 2: Luís Filipe, o rei ''burguês''.
Balzac escreve sobre a situação descrita acima em seu artigo intitulado Traité de la
vie élégante60
(Tratado da vida elegante) publicado na revista La Mode61
, e revela,
lançando mão da ironia, verdades fundamentais da sociedade da época, como esta
passagem que exalta a glória ''dos grandes princípios da razão e da justiça desenvolvidos
pela grande revolução de 1789.''62
A revista, que durante a Segunda Restauração apoiou
60
http://ia600209.us.archive.org/0/items/traitdelavie00balz/traitdelavie00balz.pdf. Última consulta:
11/04/2012.
61 Nos dias 2, 9, 16 e 23 de outubro e 6 de dezembro de 1830.
62 Citado por BAUDOUIN, 2006, p. 67. Referência: Physiologie du mariage, PL., XI, p. 1000.
49
o rei Carlos X, com a chegada de Luís Filipe, muda de posicionamento político, e passa,
em outubro de 1830, a ser legitimista, dirigindo-se mais especificamente para o público
do bairro de Saint-Germain, que se opunha a Luís Filipe. O artigo de Balzac,
encomendado por Girardin, antes das Três Gloriosas, seria a princípio, dirigido às
duquesas, mostrando através do modo de vida aristocrático, critérios de elegância. Mas
a mudança de posicionamento da revista gera uma alteração no direcionamento do
artigo que passa a abordar os problemas da divisão de classes através do véu da carência
de etiqueta e dos perigos da simplicidade da nova classe em ascensão, considerada
carente de grandeza. Na verdade, o tema central do artigo é o dinheiro, que divide a
sociedade, colocando em questão a relevância de um trabalhador manual, opondo seu
trabalho àquele do intelectual, que, segundo Balzac, ajudaria de uma maneira mais rica
no crescimento e desenvolvimento da sociedade.
No âmbito da imprensa, o ano de 1830 mostra-se muito favorável.
Primeiramente, em 27 de outubro, instaura-se uma lei63
que investe 30 milhões na
indústria francesa, dos quais 2 707 822 francos são destinados às editoras. Temos
também a industrialização dos meios de produção, com a tipografia dando lugar,
principalmente na capital, à imprensa mecânica. Esta transformação diminui o custo da
impressão e aumenta o número de tiragens e leitores. Além deste fato, Luis Filipe, no
início do seu reinado, abole a censura. Desta maneira, abre-se um espaço no mundo do
impresso em que as pessoas podem dar e difundir suas opiniões e críticas,
principalmente sobre o regime político, o que gera problemas para o Rei, que
reestabelece, em seguida a censura:
63
Cf. MARTIN, Henri-Jean & CHARTIER, Roger. Histoire de l'édition française. Le temps des éditeurs
Du romantisme à la Belle Époque. Paris, Promodis, 1985. p. 14.
50
A lei de 9 de setembro de 1835 introduzia uma inovação importante
na legislação: toda provocação aos atentados contra o rei, toda ofensa
ao rei, todo ataque contra o governo, pela via da imprensa periódica
ou não, constituía um atentado à segurança do Estado, quer ela tenha
tido ou não consequências. Desde então, seria proibido qualificar-se
como republicano ou desejar que o ramo mais antigo dos Bourbon
recuperasse o trono.64
Os jornais também ganham força com a lei de 14 de dezembro, que reduz de 6
000 para 2 400 francos de renda a soma da caução exigida para sua criação, resultando
em sua multiplicação.65
O número de franceses que sabem ler passa de 7 a 12 milhões e a quantidade de
impressos torna-se dez vezes mais importante, segundo diferentes estimativas.66
O
avanço conjunto do desenvolvimento e aprimoramento das técnicas de produção de
papel (que o torna mais barato), juntamente com o desenvolvimento das técnicas de
impressão são resultados do desenvolvimento do número de leitor e da explosão na
produção de livros, de cujo crescimento não se tem ainda a estimativa, mas se
compararmos com outras épocas temos:
um crescimento no final do Antigo Regime, uma queda brutal nos
anos revolucionários, um aumento lento por volta do final do século
XVIII, um nível estável e modesto sob o Consulado, um crescimento
64
''La loi du 9 septembre 1835 introduisait une innovation importante dans la législation: toute
provocation aux attentats contre le roi, toute offense au roi, toute attaque contre le gouvernement, par voie
de presse périodique ou non, constituait un attentat à la sûreté de l'État, qu'elle ait été ou non suivie
d'effet. Il était désormais interdit de se qualifier de républicain ou d'appeler de ses voeux le retour sur le
trône de la branche aînée des Bourbons.'' CASSELLE, P. Le régime législatif. In:CHARTIER, Roger &
MARTIN, Henri-Jean (sous la direction de). Histoire de l'édition française. Le temps des éditeurs. TIII.
Chapitre II, p. 47.
65 CASSELLE, P. Le régime législatif. In:CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean (sous la direction
de). Histoire de l'édition française. Le temps des éditeurs. TIII. Chapitre II, p. 47.
66 Cf. BELLOS, D. La conjoncture de la production. In: CHARTIER, Roger & Martin, Henri-Jean. (sous
la direction de). Histoire de l'édition française: Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Fayard, 1990. p.
730-740.
51
sob o Império, uma queda dramática durante os últimos anos do
reinado de Napoleão, uma explosão brutal entre 1816 e 1820 seguida
por um crescimento regular até 1826, quando uma crise financeira
geral freia a produção, que enfraquece, antes de responder por uma
queda considerável em 1830-1831 na Revolução de Julho.67
Contrapondo as relações envolvidas na produção e venda do livro do século
XVIII com o século XIX, e as relações entre leitura e leitor, Balzac descreve a
situação da edição em seu tempo, em seu artigo, intitulado De l'état actuel de la
librairie, citado acima. O autor inicia seu artigo explicando que a produção de livros
no século XVIII se dava através de uma relação entre o mecenas, o autor, e o
impressor. Ou seja, o mecenas encomendava uma obra ao autor que, por sua vez,
entregava-a ao impressor, o responsável pelos riscos comerciais. Em troca, os autores
tinham moradia e alguns privilégios. A partir do primeiro Império de Napoleão
''muitos escritores passam do mecenato real à independência social''68
mas continuam
vivendo de pensões reduzidas do Estado. Neste sentido, Robert Bied afirma:
o autor se beneficia de outras rendas, sob forma de pensão e postos na
tradição do Antigo Regime, mediante, sobretudo, profissões
paraliterárias, refúgios que facultam o tempo livre necessário para
67
''(...) une croissance vers la fin de l'Ancien Régime, une chute brutale dans les années révolutionnaires,
une remontée lente vers la fin du XVIIIEe siècle, un niveau stable et modeste sous le Consulat, une
croissance sous l'Empire, une chute dramatique dans les dernières années du règne de Napoléon, une
explosion brutale entre 1816-1820 suivie par une croissance régulière jusqu'en 1826, quand une crise
financière générale met un frein à la production, qui piétine, avant de répondre par une chute considérable
en 1830-1831.'' Cf. BELLOS, D. La conjoncture de la production. In: CHARTIER, Roger & Martin,
Henri-Jean. (sous la direction de). Histoire de l'édition française: Le livre triomphant 1660-1830. Paris,
Fayard, 1990. p. 730.
68 ''(...) beaucoup d'écrivains passent du mécénat royal à l'indépendance sociale. BIED, R. Le monde des
auteurs. In: CHARTIER, Roger & Martin, Henri-Jean. (sous la direction de). Histoire de l'édition
française: Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Fayard, 1990. p. 783.
52
escrever ou abrem as portas da edição: ser funcionário público ou
jornalista.69
A obra não era considerada, até final do século XVIII um produto comercial,
ou seja, o comércio se dava através da relação de demanda. Somente a partir de
Panckoucke a lógica da demanda transforma-se e esse comércio passa a operar na
relação de oferta. Torna-se fundamental despertar no público a necessidade de adquirir
o livro. O século XIX coloca fim na era dos altos custos de produção, da difusão
restrita àqueles que tinham um alto poder aquisitivo, que eram letrados. Iniciando, no
campo literário, a mercantilização da cultura, onde os editores eram os grandes chefes
que estabeleciam prazos e assuntos aos escritores; a literatura passava a ser uma fonte
de subsistência. Esta transformação, evidenciada por essa alteração nas relações entre
''literatura lucrativa'' e ''literatura desinteressada'', denuncia a mudança fundamental do
público leitor: os burgueses alfabetizados, que diferem dos letrados. Talvez seja a
primeira vez que o conhecimento acessível a todos, preconizado no século das Luzes,
consegue sua maior difusão. Tudo que é relativo à leitura, está, obviamente, tocado
por essa mudança.
No âmbito da impressão dos livros, as relações entre escritores e editores eram
bastante tumultuosas. Se, por um lado, a maioria dos escritores queria corrigir várias
vezes seus textos, antes de dar a autorização para impressão, a maior parte dos
impressores não tinham preparo e estes estavam preocupados, sobretudo, em agradar o
69
''il (auteur) jouit d'autres revenus, sous formes de pension et de places dans la tradition d'Ancien
Régime, au moyen surtout de professions para-littéraires, refuges qui laissent des loisirs pour écrire ou qui
ouvrent des voies pour être édité: la fonction publique et le journalisme.'' Cf. BIED, R. Le monde des
auteurs. In: CHARTIER, Roger & MARTIN, Henri-Jean. (sous la direction de). Histoire de l'édition
française: Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Fayard, 1990. p. 783.
53
leitor, diminuir o formato, e despertar a curiosidade através do aspecto visual do livro,
sem se preocuparem com a mensagem do texto. Segundo Robert Bied:
para satisfazer os gabinetes de leitura, os editores impuseram duas
indicações aos autores: embranquecer e atomizar. Embranquecer
significa aumentar os espaços brancos, quer dizer, as entrelinhas e as
margens, multiplicar os subtítulos e as alíneas. Atomizar é cortar em
vários tomos, um pouco ao acaso.70
Os editores estavam preocupados em vender e, a fim de multiplicar suas
vendas, muitas vezes, dividiam os inúmeros capítulos em tomos e as obras em vários
capítulos, publicados separadamente. Às vezes suplicavam aos autores a divisão das
obras em vários capítulos, e, quando não eram atendidos, cortavam onde fosse
conveniente para a venda. Este ato gerava a ira dos escritores, descrita em Ilusões
perdidas. Segundo Bied, por conta dessas alterações operadas pelos editores de acordo
com seus interesses financeiros, Balzac considerava o texto impresso do manuscrito
como um objeto separado do autor. A preocupação dos autores era enorme e isso fazia
com que eles frequentassem as gráficas diariamente, mesmo sabendo que esse ato não
agradava muito aos impressores, como podemos verificar na fala de Barbier, depois de
fazer várias visitas a Didot, em nome da princesa de Salm: ''o chefe do atelier me dá a
impressão de fingir ser importante; sua expressão parecia me dizer que eu fazia muito
esforço indo tomar conta da impressão de um opúsculo.''71
70
''pour satisfaire les cabinets de lecture, les éditeurs imposent deux expédients aux auteurs: blanchir et
tronçonner. Blanchir, c'est augmenter les blancs, c'est-à-dire les interlignes et les marges, multiplier les
sous-titres et les alinéas. Tronçonner, c'est couper en plusieurs tomes, un peu au hasard.'' Cf. BIED, R. Le
monde des auteurs. In: CHARTIER, Roger & Martin, Henri-Jean. (sous la direction de). Histoire de
l'édition française: Le livre triomphant 1660-1830. Paris, Fayard, 1990. p. 784.
71 Lettre de Barbier à C. de Salm, 28 de dezembro de 1817. Citado por Bied. In: CHARTIER &
MARTIN, 1990, p. 789.
54
Fatores diversos como a sistematização da educação, o desenvolvimento das
tecnicas de impressão, a rapidez da informação operam uma transformação significativa
na relação entre obra, autor, editor e público leitor no século XIX. As tiragens
aumentam, em função do aumento do número de leitores que demandam informações e
leituras, estas são vistas a partir de então como produtos comerciais, enquanto o leitor é
visto como um consumidor e a leitura como consumo:
O comércio dos livros fundamenta-se hoje em uma necessidade tão
forte quanto aquela do comércio de grãos. A necessidade mais viva de
um homem que pode comer, se vestir e ter uma moradia, é a de
desenvolver a inteligência, porque a inteligência precede, hoje em dia,
o poder.72
Balzac deixa claro que a atividade do escritor está estritamente ligada àquela
do mundo da edição e que esta se torna um comércio lucrativo, seduzindo pessoas sem
instrução e preparo, mas interessadas no lucro desse comércio:
Durante a Revolução, uma multidão de homens ignorantes, na véspera
camponeses e, no dia seguinte, editores, se jogaram em um comércio
que apresentava imensos benefícios: a queda do sindicato dos editores
revelara o segredo do papel escrito.73
Esta discussão é prolongada em Um grande homem de província em Paris
através do narrador onisciente que revela mais um desencantamento de Lucien, que
conhecia a realidade da literatura e da edição na época:
72
''Le commerce des livres repose aujourd’hui sur une nécessité aussi forte que celle du commerce des
grains. Le besoin le plus énergique d’un homme qui peut manger, se vêtir et se loger, est de développer
son intelligence, parce que l’intelligence précède aujourd’hui le pouvoir.'' OD, t. II, p. 662.
73 ''À la Révolution, une foule d’hommes ignares, paysan la veille, libraire le lendemain, se sont rués sur
un commerce qui présentait des bénéfices immenses : la chute de la chambre syndicale des libraires avait
révélé le secret du papier noirci.'' OD, t. II, p. 664.
55
Ce qu'il avait compris de cet argot commercial lui fit deviner que,
pour ces libraires, les livres étaient comme des bonnets de coton pour
des bonnetiers, une marchandise à vendre cher, à acheter bon
marché.74
Neste sentindo, entende-se que as Ilusões perdidas são ao mesmo tempo a narrativa de
um acesso à inteligência e um inevitável desencantamento face à realidade do mundo
da edição.
Antes de 1815, a produção do livro estava concentrada nas mãos do livreiro,
quase sempre inseparável do impressor. Eles imprimiam e vendiam os livros. No ano
de 1815, esse trabalho assume outra dinâmica. As tarefas se dividiram nas mãos dos
livreiros que se classificavam como livreiros-editores, que compram os manuscritos ou
reimprimem os autores antigos e confeccionam livros, ou a segunda classe que é
composta pelos livreiros-comissionários e de varejo, responsáveis pela edição, e os
livreiros de Paris ou da província responsáveis pela comunicação com o comprador.
Essa divisão culminou com o aumento de impostos do livro e a ira de alguns autores,
como Balzac:
Esta hierarquia absurda, que tem como objetivo cobrar três impostos
em um livro, antes que ele chegue ao público, é a causa de todas as
desgraças deste deplorável comércio.75
Tal dinâmica aumenta consideravelmente o custo dos livros e a solução
encontrada, para atender à demanda de um público que ainda não tinha capital
econômico para comprá-los, é a criação dos cabinets de lectures, além da republicação
74
''Aquilo que ele havia compreendido desta gíria comercial o fez adivinhar que, para esses editores, os
livros eram como toucas de algodão para fabricantes de toucas: uma mercadoria que devia ser vendida
cara e comprada barata.'' CH, t. V, p. 303.
75 ''Cette absurde hiérarchie, qui a pour but de faire payer trois impôts à un livre, avant qu’il ne parvienne
au public, est la cause de tous les malheurs de ce déplorable commerce.'' OD, t. II, p. 666.
56
de livros consagrados em formatos menores e mais baratos, como fez Panckoucke, por
exemplo, com a reedição da Encyclopédie. Esses espaços alugavam os livros por um
preço mais acessível e lucravam muito. Porém, diminuía a venda dos romances.
No final do ensaio, Balzac descreve a solução para esse problema. Segundo o
autor, não deveriam existir intermediários entre o livreiro, o editor e o comprador. Desta
maneira, os livros custariam menos e o autor ganharia mais dinheiro.
` Balzac denuncia aqui o comércio de livros que se mostrava lucrativo a partir da
Revolução. Esse comércio, que trouxe homens sem conhecimento intelectual à grande
empresa da edição, se vê arruinado por causa da falta de preparo dos editores, que não
adaptaram a oferta à demanda e foram à falência por falta de crédito. Neste sentido,
Françoise Parent afirma:
Uma multidão de aventureiros, frequentemente sem meios nem
competências, mas estimulados pela liberdade da empresa após a
Revolução lançaram no mercado uma quantidade de mercadoria,
enquanto a demanda estava longe de corresponder à oferta.
Superprodução e má venda foram os primeiros efeitos, com sérias de
consequências para todas as profissões ligadas ao livro. Incapazes de
financiar a fabricação dos produtos, os editores pressionaram os
impressores a aceitarem notas promissórias com datas de vencimento
cada vez mais distantes, três meses, até dois anos. Por isso, as
falências se multiplicaram: 1826, 70 impressores e editores foram
tocados.76
76
''Une foule d'aventuriers, le plus souvent sans moyen ni compétences, mais stimulés par la liberté
d'entreprise aux lendemains de la Révolution avait en effet lancé quantité de marchandises sur le marché,
alors que la demande était loin de correspondre à l'offre. Surproduction et mévente en avaient été les
premiers effets, lourds de conséquences pour tous les métiers du livre. Incapables de financer la
fabrication des produits, les éditeurs avaient contraint les imprimeurs à accepter des billets à échéances de
plus en plus lointaines, trois mois, voire deux ans. Aussi les faillites se multiplièrent-elles: 1826, 70
imprimeurs et éditeurs furent touchés.'' PARENT, F. De nouvelles pratiques de lecture. In: CHARTIER,
Roger & Martin, Henri-Jean. (sous la direction de). Histoire de l'édition française: Le livre triomphant
1660-1830. Paris, Fayard, 1990. p. 803.
57
Após a publicação do ensaio resumido acima, Balzac escreve, em outubro e
novembro de 1830, um outro ensaio intitulado Société d’abonnement général, onde ele
relembra as conclusões a que chegou em De l’état actuel de la librairie, e propõe um
projeto de regeneração do mundo da edição do livro.
O projeto, que não deu certo, baseava-se na ideia de cobrar o preço de uma
assinatura, como uma assinatura de jornal, mas para a associação a clubes de livros,
onde o leitor pagaria 124 francos por ano e receberia oito livros por mês em casa. Desta
maneira, o leitor pagaria de 4 a 5 francos por livro, no lugar de 12 ou 13.
58
4. A cena de enunciação de Ilusões perdidas
Philippe Hamon, em seu livro Du descriptif, mostra a problemática da definição
do conceito de descrição. Este conceito é considerado, por Hamon, como a negação da
literatura77
por operar tanto como uma pausa da trama quanto ornamento do discurso.
Porém, esta definição não se aplica às descrições de Ilusões perdidas, pois, estas
participam de maneira ativa da trama, tendo um papel fundamental na compreensão do
todo, como exemplificaremos abaixo. Hamon lança mão da Retórica de Aristóteles para
provar que as descrições são epidíticas, ou seja, têm como objetivo elogiar ou censurar.
Balzac vai além, fazendo uma denúncia do jornalismo, que pode ser lida não apenas na
trama do romance, mas em suas descrições.
Há, em Ilusões perdidas, aproximadamente vinte e oito descrições, sendo
dezenove retratos78
e nove topografias, descrições de lugares. Percebemos que as
77
''(...) Décrire, c'est donc d'abord un ''écrire pour'', une pratique textuelle à la fois codée et finalisée
débouchant sur des activités pratiques concrètes (militaire, pédagogique; faire des listes, des inventaires
de stocks, des archives), ou bien c'est travailler entre des textes (le rewriting, les modèles rhétoriques, la
description du tableau ou d'oeuvre d'art figuratives), ou bien travailler dans le vérifiable (la description
''attestée'' d'un témoin prétoire, ou d'un voyageur), et non dans le vraisemblable d'une fiction.
Inversement, faire de la littérature sera éviter, ou contourner, ou cantonner le descriptif. (...) est considéré
soit comme la négation de la littérature, soit comme une sorte d'hyperbole de la figure, l'ornement des
ornements du discours, une sorte de procédé au superlatif dont il convient de contrôler soigneusement les
excès.'' HAMON, 1993. p. 14.
78 ''(...) description focalisante et en même temps foyer de regroupement et de constitution du ''sens'' du
personnage (acteur anthropomorphe ou non anthropomorphe), lieu où se fixe et se module dans la
59
descrições do romance estudado vão além da definição de Hamon, sendo muito mais do
que um ''ornamento no discurso'' ou uma ''pausa no tempo'' ou ainda que a descrição
''suspende o curso da intriga para classificar ou desenvolver o que já foi dito.''79
Pelo
contrário, as descrições dialogam entre si e participam da perda das ilusões dos
personagens que sonham com o sucesso no mundo da edição. A título de exemplo,
pode-se mostrar e comparar os dois retratos da Senhora de Bargeton, ambos realizados
através do olhar de Lucien. No primeiro, feito ainda em Angoulême, a Senhora de
Bargeton é, aos olhos de Lucien, bela, pois é comparada com as outras mulheres da
província. Na segunda descrição, Lucien já havia vivido sua história em Paris e perdido
suas ilusões, ele percebe que a Senhora de Bargeton não é tão bela quando ele
pensava.80
O mesmo movimento ocorre com o olhar de Lucien sobre si mesmo:
[…] Lucien ne soupçonnait pas l’existence, le monde des superfluités
nécessaire lui apparut, et il frissonna en pensant qu'il fallait un capital
énorme pour exercer l'état de joli garçon! Plus il admirait ces jeunes
gens à l'air heureux et dégagé, plus il avait conscience de son air
étrange, l'air d'un homme qui ignore où aboutit le chemin qu'il suit,
qui ne sait où se trouve le Palais Royal quand il y touche, et qui
demande où est le Louvre à un passant qui répond: ''Vous y êtes''.81
mémoire du lecteur l'unité du personnage étant lui-même l'élément focal, central, de tout énoncé narratif
''classique-lisible''. HAMON, 1993. p. 14.
79 HAMON, 1993. p. 56-57.
80 A província significava a ausência de gosto, de conhecimentos, a carência do saber se comportar na
sociedade parisiense. ''Dans les ténèbres de la mémoire, Louise, comparée à ces souveraines, se dessina
comme une vieille femme.'' (Nas trevas da memória, Louise, comparada a essas soberanas, se desenha
como uma mulher velha.) CH, t. V, p. 271.
81 ''Observando esses bibelôs bonitos de que nem suspeitava, o mundo das superfluidades apareceu a
Lucien e ele estremeceu pensando que era necessário um enorme capital para chegar ao estado de belo
rapaz. Quanto mais admirava esses jovens com o ar tão feliz e desenvolto, quanto mais aumentava sua
consciência do seu ar estranho, ar de um homem que ignora onde levará o caminho que toma, que não
sabe onde fica o Palais Royal quando está diante dele, e que pergunta onde fica o Louvre a um transeunte
que lhe responde: ''Aqui mesmo''. CH, t. V, p. 270.
60
A seguir, analisaremos duas descrições topográficas, aquela do quarto de
Lousteau e aquela do quarto de d'Arthez, que são construídas através de uma
comparação. Em seguida, serão analisados três retratos: aquele de Daniel d'Arthez,
aquele de Doguereau e aquele de Barbet.
O critério de seleção para a escolha das descrições foi simples: estas deveriam
pertencer ao segundo capítulo de Ilusões perdidas (Um grande homem de província em
Paris), pois é justamente neste capítulo que ocorre a inserção do personagem principal
no universo literário, político e jornalístico; e sua ascensão a Paris. É curioso observar
que a falta de espaço dos quartos produz uma interferência entre o espaço de trabalho e
o espaço de moradia e produz uma característica que esses dois quartos têm em comum:
C'était enfim un bivouac littéraire meublé de choses négatives et de la
plus étrange nudité qui se puisse imaginer. Sur la table de nuit,
chargée des livres lus pendant la matinée, brillait le rouleau rouge de
Fumade.''82
e ''une longue table chargée de papiers.''83
Este espaço, além de mostrar esta interferência entre o trabalho e a vida
particular, que se resumem em um mesmo ambiente, evoca a imagem de um
acampamento de guerra, expresso pelo substantivo ''bivouac''84
, ''mobiliado de coisas
negativas'', onde os objetos de uso diário são guardados de maneira improvisada. Há,
nesta descrição, uma caracterização do jornalista que é um reflexo do ambiente em que
vive.
82
''Era, enfim, um acampamento literário mobiliado de coisas negativas e da mais estranha nudez que se
possa imaginar. Sobre a cabeceira , repletas de livros lidos durante a manhã, brilhava o acendedor
vermelho de Fumade.'' CH, t. V, p. 350.
83 ''Uma longa mesa carregada de papel'' CH, t. V, p. 312.
84 Cf. Trésor de la langue française. Disponível em http://atilf.atilf.fr/tlf.htm. Consultado em 11/07/2012
61
A descrição topográfica do Palais Royal também apresenta essa mistura de áreas
que à primeira vista parecem distintas, mas, após uma análise mais detalhada percebe-se
a ligação entre elas. Como se a literatura engendrasse a edição e os jornalistas, e eles
convivessem com as prostitutas e homens políticos:
Il n'y avait là que des libraires, de la poésie, de la politique et de
la prose, des marchandes de modes, enfin des filles de joie qui
venaient seulement le soir. Là fleurissaient les nouvelles et les
livres, les jeunes et les vieilles gloires, les conspirations de la
Tribune et les mensonges de la Librairie.85
Os retratos foram selecionados por representarem dois tipos sociais, agentes do
campo literário analisados neste trabalho: o editor e o autor. Essas descrições têm em
comum as dimensões, relativamente reduzidas se comparadas às outras descrições; a
descrição das vestimentas dos tipos, que compõem um retrato moral do personagem; o
olhar do narrador onisciente; e estas são, como na maior parte da Comédia Humana,
descrições descendentes, ou seja, começando pela cabeça do personagem, terminando
nos pés. Esta característica nos remete aos códigos clássicos da descrição. Há três
razões que explicam a escolha deste tipo de descrição: primeiramente, a importância
dada para a cabeça, que é o lugar da mente, do pensamento; a segunda razão é mais
ligada à forma: conhecemos o personagem na medida em que lemos o texto (de cima
para baixo). A terceira razão está relacionada com o olhar do narrador sobre o
personagem.
85
''Havia ali apenas livreiros, poesia, política e prosa, comerciantes da moda e, por fim, mulheres da vida
que vinham somente à noite. Ali floresciam as notícias e os livros, as jovens e as velhas glórias, as
conspirações da Tribuna e as mentiras do mundo da edição.'' CH, t. V, p. 358.
62
Hamon nomeia o personagem como o ''efeito-personagem'', que, segundo ele, é a
''soma, o produto de um certo número de efeitos descritivos disseminados no
enunciado.''86
Esta noção, segundo Hamon, seria aquela de uma entidade, uma unidade
semiológica, menos localizável e mais difusa na trama. Daí o estatuto literário
privilegiado do retrato, já que este é uma descrição que focaliza e ao mesmo tempo é
foco do reagrupamento e da constituição de sentido do personagem; trata-se do lugar do
texto em que se fixa e se modula a unidade do personagem na memória do leitor.87
Este
tipo de descrição predomina em Ilusões perdidas, onde os personagens têm seus retratos
construídos ao longo do romance. Suas características morais são mostradas à medida
que estes são colocados face à realidade e se vêem encurralados diante a situação que se
encontram: escolher seguir sua ideologia ou se vender para sobreviver. O escritor sem
dinheiro e contratos que compram sua produção não iria conseguir mostrar sua arte e
contribuir para o campo literário. Porém, ao aceitar o capitalismo editorial e
jornalístico, este corre o risco de ver sua arte tornar-se objeto de consumo. Este
movimento, típico entre os artistas e autores do período de Ilusões perdidas, ocorre com
o neófito de Angoulême. Face ao seu fracasso como escritor em Paris, Lucien, vendo-se
sem chance de penetrar no mundo dos autores, opta por trabalhar em um jornal.
O conceito e o valor do descritivo mudaram ao longo dos séculos,88
e, já no final
do século XVIII e início do XIX, ganha, pouco a pouco, prestígio em algumas áreas
86
HAMON, 1993, p. 104.
87 Cf. HAMON, 1993, p. 105.
88 ''Da Antiguidade até o século XVIII, descrever coadunava-se com as funções da vida prática - discursos
epidíticos, militares, pedagógicos, científicos, listas de arquivos, descrições de quadros da arte figurativa,
narrativas de descobertas - logo, distante da ideia de ficção. No século XVI, o termo descrição era
fartamente utilizado para designar obras que descreviam lugares, restringindo-se à cronografia e à
topografia, para dar conta das grandes descobertas de outros territórios e civilizações.'' CATHARINA,
2005, p. 60.
63
como a área tecnológica e a de história natural, por conta da emergência dos estudos
taxionômicos. Esta emergência aparece em Ilusões perdidas, na seguinte passagem:
Il (Barbet) affectionnait des petites entreprises, les livres d'utilité
dont l'entière propriété coûtait mille francs et qu'il pouvait
exploiter à son gré, tels que l'Histoire de France mise à la portée
des enfants, la Tenue des livres en vingt leçons, la Botanique des
jeunes filles.89
Na literatura, o descritivo só alcança suas cartas de nobreza depois que o gênero
romanesco é reconhecido como gênero de prestígio, isso quer dizer, a partir da segunda
metade do século XIX. Isso se explica pelo fato de que o descritivo deixa transparecer o
trabalho do autor, traço camuflado nos períodos que precedem a estética romântica. Ora,
com a ascensão da burguesia, os valores da sociedade são invertidos: o trabalho e o
dinheiro tornam-se as molas mestras da sociedade. Desta forma, é natural a legitimação
do descritivo. Em Ilusões perdidas, Balzac denuncia insistentemente esta inversão de
valores, e a degradação generalizada do sistema de produção do romance, do
jornalismo, do teatro e da edição:
Depuis deux heures, aux oreilles de Lucien, tout se résolvait par
de l'argent. Au Théâtre comme en Librairie, en Librairie comme
au Journal, de l'art et de la gloire, il n'en était pas question.90
89
''Barbet preferia os pequenos negócios, os livros de utilidade, cujos direitos definitivos custavam mil
francos e que ele podia explorar a seu modo, tais como a História da França ao alcance das crianças,
Contabilidade em vinte lições, Botânica para as moças.'' CH, t. V. p. 352.
90 ''Após duas horas, para as orelhas de Lucien, tudo se resolvia através do dinheiro. No Teatro como na
Edição, na Edição como no Jornal, arte e glória, não eram consideradas importantes.'' CH, t. V. p. 296.
90 Cf. LYON-CAEN, B. La description dans Illusions perdues. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André.
(ed.) Illusions perdues. Paris, Presses de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003. p. 198.
64
É notória, em Ilusões perdidas, a presença de um diálogo com a Bíblia. Balzac,
lançando mão da ironia, constitui seu texto em um duplo movimento: ao mesmo tempo
em que o narrador critica o personagem por sua crença e respeito pela instituição
católica, o autor usa referências e metáforas ligadas ao campo semântico da religião
afim de legitimar sua obra. Neste movimento, constrói-se na trama de Ilusões perdidas,
um exemplo da relação de deslizamento (ou da problemática da enunciação) entre as
categorias ''narrador'' e ''escritor/autor'' que, reunidas, definem a noção de enunciador,
descritas por Dominique Maingueneau em seu livro Discurso literário (2006).
Maingueneau afirma que o enunciador seria ao mesmo tempo ''a instância interior ao
enunciado (suporte das operações enunciativas) e uma concepção em que o enunciador
é mais propriamente um locutor, o indivíduo que produz o discurso.''91
Esta
problemática desestabiliza as teorias que pretendem estudar a obra somente pele texto e
aquelas que explicam a obra através da bibliografia da ''pessoa''92
do autor e valida a
teoria de Maingueneau, que opera nesta fronteira.
Esta referência aparece tanto na descrição quanto na escolha dos adjetivos da
caracterização moral e física dos personagens. Há um intertexto com a Bíblia quando
Balzac lança mão da estrutura do verso alexandrino ao descrever Coralie, por exemplo,
com todas as referências no feminino, evoca a litania bíblica do Cântico dos Cânticos,93
que esta mesma descrição menciona.94
A pureza de Coralie é construída na medida em
91
MAINGUENEAU, 2006. p. 135.
92 Cf. MAINGUENEAU, 2006.
93 Cf. LYON-CAEN, B. La description dans Illusions perdues. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André.
(ed.) Illusions perdues. Paris, Presses de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003. p. 198.
94 ''ses épaules dorées, avec la gorge chantée par le Cantiques des Cantiques, (...), avec des jambes d'une
élégance adorable, et chaussées en soie rouge.'' CH. t. V. p. 387.
65
que ela é santificada pelo amor. O inverso ocorre com as descrições de Lucien, que, ao
longo do processo de perda das ilusões, em que trai seus parceiros e a si próprio,
constrói o universo latente na instituição católica: a idolatria e a prostituição.
Lucien, após se lançar no mundo do capitalismo do impresso, conhece e passa a
frequentar o mundo da prostituição, espaço, aliás, que o autor faz questão de ligar ao
universo dos livreiros, editores, críticos e jornalistas-Galeria de Madeira do Palais
Royal. O tema da prostituição e a conclusão da história de Lucien, que se suicida, são
desenvolvidos em Splendeur et Misères des Courtisanes (1847) (Esplendores e
Misérias das Cortesãs), publicado em quatro partes entre 1838 e 1847. Outro cuidado
que Balzac mostra é no que se refere à escolha dos nomes dos seus personagens.
Lucien, por exemplo, tem o mesmo radical que Lúcifer, evidenciando a preocupação
simbolista de Balzac e mostrando, de antemão, características desse personagem, que
trai a confiança de seus familiares, amigos e a si mesmo, no momento em que sucumbe
ao jornalismo. Eva, irmã de Lucien, remete ao mito de Adão e Eva, e revela a pureza
inicial deste personagem. Barbet, o editor, tem em seu nome um significado pesado. No
dicionário Tesouro da língua francesa95
, há duas definições para o verbete: o primeiro
remete aos contrabandistas e mesmo aos bandidos dos Alpes e dos Pirineus. O segundo,
é usado como sinônimo de um homem que se deixa influenciar por qualquer pessoa; um
homem sujo, sem caráter. No discurso familiar, utiliza-se este substantivo para falar de
um suspeito de disseminar tudo o que fazem e o que dizem.
Balzac exalta o ''livro dos livros'' ao mesmo tempo em que desdenha de Lucien
que ''pega todas as suas inspirações na Bíblia''. Este movimento nos conduz a concluir,
95
Cf. Trésor de la langue française. Disponível em http://atilf.atilf.fr/tlf.htm. Consultado em 11/07/2012.
66
junto com Anne-Marie Baron, que há um intertexto bíblico na obra. Ora, o discurso
bíblico, legitimado, insere-se na categoria discursiva, que Dominique Maingueneau
chama de discurso constituinte. Em Discurso literário (2006), Dominique Maingueneau
põe em xeque as análises ''internas'', em que a obra é analisada como fechada em si
própria, e as análises ''externas'' em que a obra reflete a vida social e o contexto
histórico onde vive o autor. Para a Análise do Discurso de Linha Francesa, não faz
sentido instaurar uma fronteira entre o texto e sua situação de emergência, e deve-se dar
atenção aos ''gêneros do discurso, às instituições de fala através das quais ocorre a
articulação entre os textos e as situações nas quais são produzidos.''96
A enunciação, o
enunciado e o contexto de produção não podem ser dissociados na abordagem
discursiva do objeto literário. Nesta perspectiva o discurso constituinte seria aquele que
assume, funda e dirige uma sociedade produzindo uma memória social e legitimando-se
por si mesmo.
Como foi dito acima, esta categoria se caracteriza por se legitimar a si própria,
ou seja, por não precisar de outras instâncias discursivas para se inscrever como
legítima. Pelo contrário, outras áreas de atividades sociais lançam mão e se apoiam
nesse tipo de discurso ou em sua significação para dar valor ou legitimidade para suas
produções discursivas. Por exemplo, o jornalista procura um intelectual para embasar
seu texto. No mesmo movimento, Balzac, a fim de dar prestígio ao gênero romanesco,
que, nesta época, ainda era considerado como menor em relação aos gêneros
codificados pelas poéticas clássicas, lança mão do intertexto bíblico. Do mesmo modo,
ele recorre a um intertexto teatral deixando transparecer seu projeto frustrado de ser
escritor de peça de teatro. Neste sentido Anne-Marie Baron afirma:
96
MAINGUENEAU, 2006. p. 249.
67
(...) certamente o romancista quis dar suas cartas de nobreza ao
gênero pouco reluzente que ele escolheu, situando-o, logo de
início, em outro plano, metafísico ou cósmico. Nosso romance é,
então, repleto de menções bíblicas, sérias ou irônicas- citações,
simples alusões, retomada de sintagmas fixos que passaram para
a linguagem corrente - que lhe conferem sua profundidade e o
inscrevem no grupo dos grandes mitos da humanidade.97
O rompimento com o sistema das Belas-Letras e o surgimento do sistema da
Literatura inscreve uma mudança radical no que concerne a forma e o conteúdo dos
escritos. Novos gêneros são criados, mas ainda sofrem preconceitos por serem
considerados inferiores aos gêneros clássicos, principalmente se comparados à poesia
lírica, que goza de alto prestígio entre os românticos. Com isso, assistimos à tentativa de
legitimação do romance, no caso mais específico, do romance de Balzac, através do
intertexto bíblico e de referências a uma tradição clássica. O processo de legitimação do
gênero romanesco se inscreve na ruptura com o antigo sistema de gêneros, o das Belas-
Letras e se caracteriza pela agregação de novos temas e formas literárias, pela
legitimação de novos gêneros no campo e pelos novos modos de circulação da escrita
literária, construindo a compreensão contemporânea de literatura.
Em seu artigo publicado no livro Crítica e movimentos estéticos, Celina Moreira
de Mello comenta a distância entre os dois sistemas:
97
''(...) il est clair que le romancier a voulu donner ses lettres de noblesse au genre peu reluisant qu'il a
choisi, en le situant d'emblée sur un autre plan, métaphysique ou cosmique. Notre roman est donc truffé
de mentions bibliques, sérieuses ou ironiques - citations, simples allusions, reprise de syntagmes figés
passés dans le langage courant- qui lui donnent sa profondeur et l'inscrivent au rang des grands mythes de
l'humanité.'' BARON, A. L'intertexte biblique d'Illusions perdues. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX,
André. (ed.) Illusions perdues. Paris, Presses de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003 p. 12.
68
Entre os dois sistemas desenha-se um espaço de conflito: registros de
língua, temas, gêneros, uso da retórica, apoio na imagem, tudo separa
as exauridas Belas-Letras, que se defendem como podem no sagrado
recinto da Academia (e em seus veículos), e a Literatura, que surge
pujante.98
A cenografia enunciativa da obra Ilusões perdidas é a estrutura característica do
discurso jornalístico. Segundo Thérenty:
Ilusões perdidas é um romance-mosaico, que aglomera, como o
jornal, textos heteróclitos e heterogêneos para compor um
discurso coerente sobre o mundo e, sobretudo propor um
panorama do campo literário com tendências de completude.99
O conceito de cenografia, junto com aquele de cena englobante e cena genérica,
definidos por Dominique Maingueneau, pertencem a uma categoria maior, chamada
cena de enunciação. A cenografia seria instituída pelo próprio discurso
independentemente da cena genérica ou englobante. A cena englobante corresponde ao
tipo de discurso, ao seu estatuto pragmático e a cena genérica é o gênero.100
Outro exemplo deste espaço fronteiriço entre o discurso histórico e o discurso
literário, em que categorizamos a obra Ilusões perdidas, encontra-se na dedicatória ao
98
MELLO, C.M. Crítica literária, política e revolução estética em L'Artiste (1831-1832). In: MELLO,
Celina Maria & CATHARINA, Pedro Paulo (organizadores). Críticas e movimentos estéticos:
Configurações discursivas do campo literário. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. p. 33.
99 ''Illusions perdues est à ce titre manifestement un roman-mosaïque qui agglomère, comme le journal,
des textes hétéroclites et disparates pour composer un discours cohérent sur le monde et surtout proposer
un panorama du champ littéraire tendant vers la complétude.'' THÉRENTY, M. Quand le roman (se) fait
l'article. Palimpseste du journal dans Illusions perdues. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André. (ed.)
Illusions perdues. Paris, Presses de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003. p. 237.
100 Cf. MAINGUENEAU, 2008.
69
poeta Victor Hugo, que ''por privilégio dos Rafael e dos Pitt, já era um grande poeta na
idade em que os homens são ainda muito pequenos (...)''101
Segundo Pierre Laforgue:
Nesta dedicatória se formula problematicamente uma concepção da
literatura romântica como crítica da realidade e como poética do real,
como contestação desta realidade e como promoção da sua capacidade
estética superior. 102
Na obra Ilusões perdidas, o autor mostra os malefícios do jornalismo, que seria
um câncer capaz de destruir uma carreira literária, como declara no segundo prefácio da
obra, intitulado Um grande homem de província em Paris:
Trata-se aqui somente da influência depravadora do jornal sobre as
almas jovens e poéticas, das dificuldades que esperam os iniciantes e
que jazem mais na ordem moral que na ordem material. O jornal além
de matar muitos jovens talentos, enterra seus mortos dentro do mais
profundo segredo, ele nunca coloca flores sobre suas tumbas, ele só
derrama suas lágrimas para os defuntos assinantes.103
Como deixa claro no prefácio, o autor da Comédia Humana desenvolve em sua obra
uma crítica ao jornalismo da época mostrando seus males através da chegada do
personagem Lucien em Paris.
101
CH, t. V, p. 123.
102 ''Dans cette dédicace se formule problématiquement une conception de la littérature romantique
comme critique de la réalité et comme poétique du réel, comme contestation de cette réalité et comme
promotion de son dépassement esthétique.'' LAFORGUE, P. Le débat romantique dans Illusions perdues,
ou d'un romantisme l'autre. In: DIAZ, José-Luis & GUYAUX, André. (ed.) Illusions perdues. Paris,
Presses de l'Université de Paris-Sorbonne, 2003. p. 186.
103 ''Il ne s’agit ici que de l’influence dépravante du journal sur des âmes jeunes et poétiques, des
difficultés qui attendent les débutants et qui gisent plus dans l’ordre moral que dans l’ordre matériel. Non
seulement le journal tue beaucoup de jeunesse et de talents, mais il sait enterrer ses morts dans le plus
profond secret, il ne jette jamais des fleurs sur leurs tombes, il ne verse des larmes que sur ses défunts
abonnés. BALZAC, 1991. p. 730.
70
A construção do texto ora se faz comparável àquela do teatro, em que se mostra
em primeiro lugar a cena, para que, em seguida, sejam apresentados os atores que se
enquadram e que são descritos relativamente ao lugar onde circulam. Ora esta é
comparável à estrutura jornalística da época, com clareza e frases curtas que facilitam a
compreensão do texto. Em relação à produção de sentido, tanto o romance de Balzac
quanto o discurso jornalístico filiam-se a outros campos já legitimados. Tal apelo se
justifica pela interseção das duas esferas em processo de autonomização, a esfera
literária e a esfera jornalística. No que se refere à primeira, o romance, nesta época,
ainda não gozava de prestígio. O jornalismo continua sem prestígio, apoiando-se,
sempre, em outros campos como o literário e intelectual, por exemplo. Até mesmo a
obrigatoriedade do diploma para exercer esta profissão foi posta em questão
recentemente.
Essas características definem a cena literária que nada mais é do que ''o
enquadramento pragmático da obra e as posições dos autores e do público.''104
A
vinculação de Balzac ao gênero romanesco esclarece seu posicionamento no campo
literário. Como já foi explicado no capítulo 3, há, naquela época, um incessante
diálogo, uma porosidade e um esfacelamento entre as fronteiras da literatura e aquelas
do jornalismo. E o romance é justamente o gênero que discute os problemas da
sociedade, como se fosse um prolongamento do jornal contemporâneo. O romance
torna-se o gênero mais apropriado para a discussão do conteúdo tratado no texto
jornalístico, mostrando com rigor o posicionamento de Balzac no campo literário.
104
CATHARINA, 2005 . p. 57.
71
A cena enunciativa é a conjunção de dois espaços: o espaço instituído pelo
gênero do discurso, no caso de Ilusões perdias, o romance é o gênero e o espaço
constituído pelo próprio discurso, que instaura seu espaço de enunciação.105
A descrição que será analisada abaixo segue a estrutura do texto dramático,
iniciando-se com a descrição do espaço, o Palais Royal, para em seguida, apresentar o
diálogo dos personagens que circulam nesse meio. O Palais Royal foi idealizado pelo
cardinal Richelieu (1585-1642) e construído pelo arquiteto Jacques Lemercier (1585-
1654) em 1624. Em seu início, recebeu o nome de Palácio do cardinal. Após a morte de
Richelieu, que concebeu o palácio ao jovem rei Louis XIV, com cinco anos de idade, o
palácio muda de nome, recebendo o nome de Palais Royal. Durante a Regência (1715-
1723) o Palais Royal é o coração da vida artística e política. O pai de Luís Filippe de
Orleans, Philippe Égalité ampliou e alugou várias casas para pagar suas dívidas. O
Palais Royal foi palco de várias disputas durante o período da Revolução Francesa. O
duque d’Orléans morou de 1815 a 1831 nesse Palácio e depois, quando se tornou Luís
Filippe, rei dos franceses, mudou-se para o palácio das Tuileries até então ocupado por
Carlos X.
Uma outra característica da descrição do Palais Royal presente na maioria das
descrições do romance é a justificativa da razão de sua existência para a narrativa, que
Balzac alega ser essencial:
Il n'est pas inutile de peindre ce bazar ignoble ; car, pendant trente-six
ans, il a joué dans la vie parisienne un si grand rôle, qu'il est peu
105
Cf. MAINGUENEAU & CHARAUDEAU, 2004.
72
d'hommes âgés de quarante ans à qui cette description, incroyable
pour les jeunes gens, ne fasse encore plaisir.106
É interessante notar a recorrência dessas justificativas e interrogá-las, pois a
utilização da descrição era, nesta época, segundo Pedro Paulo Catharina, arriscada uma
vez que esta:
introduzia um triplo perigo no texto literário: o exagero do
vocabulário, sobretudo o das especialidades técnicas, que exporia a
marca do trabalho do escritor; o risco de prejudicar a unidade global
da obra; e a vasta liberdade (a descrição pode se estender por muitas
páginas, o que levaria o leitor a pular a passagem descritiva).107
4.1. O espaço comum da literatura, do jornalismo e da edição
O Palais Royal é o ponto central aonde as pessoas de todos os pontos de Paris
iam para se informar das notícias do Estado e de todos os outros assuntos. Era
considerado uma ''Atenas'' de Paris porque as pessoas discutiam sobre os problemas
políticos e faziam o que hoje fazem os jornais, criando assim opiniões públicas. O
curioso deste lugar é a mistura de áreas de atividades sociais que à primeira vista
parecem distintas, mas logo se percebe a íntima relação entre a política, a imprensa, as
finanças e o sexo:
Ainsi, l’opinion publique, les réputations se faisaient et se défaisaient
là, aussi bien que les affaires politiques et financières. On se donnait
rendez-vous dans ces galeries avant et après la Bourse. Le Paris des
106
''Não é inútil pintar este ignóbil bazar, pois durante trinta e seis anos ele desempenhou um papel tão
grande na vida dos parisienses que há poucos homens de mais de quarenta anos a quem essa descrição
incrível, inacreditável para os jovens, não cause ainda felicidade.'' CH, t. V, p. 355.
107 CATHARINA, p. 2005, p. 66.
73
banquiers et des commerçants encombrait souvent la cour du Palais-
Royal.108
Outra passagem que retrata essa mistura de assuntos e áreas é a seguinte:
(...) Dauriat grandissait-il dans l'esprit de Lucien, qui voyait la
politique et la littérature convergeant dans cette boutique. À l'aspect
d'un poète éminent y prostituant la muse à un journaliste, y humilant
l'Art, comme la Femme était humiliée, prostituée sous ces galeries
ignobles, le grand homme de province recevait des enseignements
terribles.109
A descrição segue com modalizadores moralmente baixos como bazar ignóbil, hipálage
que caracteriza as pessoas que ali circulam e que se transfere ao espaço, e sujo:
En place de la froide, haute et large galerie d’Orléans, espèce de serre
sans fleurs, se trouvaient des baraques, ou, pour être plus exact, des
huttes en planches, assez mal couvertes, petites, mal éclairées sur la
cour et sur le jardin par des jours de souffrance appelés croisées, mais
qui ressemblaient aux plus sales ouvertures des guinguettes hors
barrière.110(...) Les boutiques sises au milieu de la donnaient sur
les deux galeries dont l'atmosphère leur livrait un air
méphitique, et dont la toiture laissait passer peu de jour à
atravers des vitres toujours sales.111
108
''Desse modo, a opinião pública, as reputações, eram feitas e desfeitas ali, bem como os negócios
políticos e financeiros. Encontros eram marcados nessas galerias antes e depois da Bolsa. A Paris dos
banqueiros e dos comerciantes enchia com frequência o pátio do Palais Royal.'' C.H. t. V, p. 357.
109 ''Dauriat crescia na mente de Lucien, que via a política e a literatura convergindo nesta loja. Ao ver a
aparência de um poeta eminente prostituindo, nesta loja, a sua musa a um jornalista, humilhando a Arte,
como as mulheres eram humilhadas, prostituidas sob essas galerias ignóbeis, o grande homem de
província recebia terríveis ensinamentos.'' CH, t. V, p. 365.
110 ''No lugar da fria, alta e larga galeria de Orléans, espécie de estufa sem flores, encontram-se barracas,
ou para ser mais exato, cabanas de madeira, bastante mal cobertas, pequenas, mal iluminadas do lado do
pátio e do jardim por frestas chamadas de janelas, mas que pareciam as mais sujas aberturas das tabernas
além-barreira.'' CH, t. V. p. 355-356.
111 ''As lojas situadas no centro davam sobre as duas galerias, cuja atmosfera lhes conferia um ar mefítico
e cujo teto deixava passar pouca luz através dos vidros sempre sujos.'' CH, t. V, p. 356.
74
Outro ponto curioso a se observar, nesta passagem, é o empréstimo que o autor
faz do léxico do teatro na construção de seu texto. As expressões ''lado do pátio'' (côté
cour) e ''lado do jardim'' (côté jardin) remetem ao espaço na cena teatral, e significam,
respectivamente, seu lado direito e seu lado esquerdo, em relação aos espectadores.112
4.2. Desencantamento e acesso à sabedoria: um movimento inivetável
Lucien é iniciado no domínio jornalístico através de Lousteau, jornalista que o
apresenta primeiramente às querelas da esfera jornalística e, em seguida, ao dono e
redator chefe do jornal onde ele trabalha e a vários jornalistas. Lousteau age como um
preceptor que ''desempenhava às maravilhas seu papel de guia''113
e conduz Lucien, que
é apresentado como seu ''protegido''114
, neste meio sujo e perverso do jornalismo, à
Galeria de Madeira do Palais Royal. O discurso de Lousteau é construído com a
utilização de um vocabulário infernal como: inferno e maldito. É ele quem dita a Lucien
a realidade do jornalismo e da literatura naquela época: ''Você encontrará alguma inveja
secreta, algum interesse pessoal nesses conselhos amargos; mas eles são ditados pelo
desespero do maldito que não pode mais deixar o inferno.''115
O substantivo que
traduzimos como maldito, é em francês, damné, que significa aquele ou aquela que é ou
será condenado às penas do inferno, e tem ou terá como punição o castigo eterno.116
112
Cf. Trésor de la langue française. Disponível em http://atilf.atilf.fr/tlf.htm. Consultado em 10/06/2012.
113 CH, t. V, p. 363.
114 CH, t. V, p. 363.
115 ''Vous croirez à quelque jalousie secrète, à quelque intérêt personnel dans ces conseils amers, mais ils
sont dictés par le désespoir du damné qui ne peut plus quitter l'enfer.'' CH, t. V. p. 343.
116 Cf. Trésor de la langue française. Disponível em http://atilf.atilf.fr/tlf.htm. Consultado em 12/07/2012.
75
Temos aqui uma comparação entre o jornalismo e o jornalista com o inferno e o
maldito.
A chegada de Lucien ao mundo do jornalismo nos remete à chegada de Dante ao
inferno, na Divina Comédia. E Lousteau atua como Virgílio. Um exemplo desta fala
preceptora de Lousteau está na seguinte afirmação que faz a Lucien:
Sachez-le donc! reprit Lousteau, cette lutte sera sans trêve si vous
avez du talent, car votre meilleure chance serait de n'en pas avoir.
L'austérité de votre conscience aujourd'hui pure fléchira devant ceux à
qui vous verrez votre succès entre les mains, qui d'un mot, peuvent
vous donner la vie et qui ne voudront pas le dire: car, croyez-moi,
l'écrivain à la mode est plus insolent, plus dur envers les nouveaux
venus que ne l'est le plus brutal libraire.117
Em um duplo movimento, a perda das ilusões de Lucien cresce, à medida que
ele se insere no jornalismo. A Divina comédia de Dante, dividida em três grandes livros
(O Inferno, o Purgatório, o Paraíso), tem, em sua epígrafe a seguinte frase: ''Deixai
todas as esperanças ó vós que entrais!''118
Esta perda de esperança, que cresce à medida
que o personagem se insere na sociedade parisiense, à medida que ele conhece e
compreende a realidade, ou que adquire conhecimento. Este movimento, além de
aparecer em Ilusões perdidas, está presente em outro romance de Balzac intitulado Le
père Goriot (O pai Goriot – 1835) onde o autor sinaliza ao leitor, e sobretudo à leitora,
117
''Saiba-o então! - retomou Lousteau. - Esta luta será sem tréguas se o senhor tiver talento, porque sua
melhor sorte seria de não possuí-lo. A austeridade da consciência do senhor, hoje pura, cederá diante
daqueles a quem o senhor verá que detêm nas mãos seu sucesso, que com uma única palavra, poderão
dar-lhe vida e que não desejaram dizê-lo a tencionarão pronunciar: pois, acredite em mim, o escritor da
moda é mais insolente, mais duro em relação aos recém-chegados que o mais brutal editor.'' CH, t. V, p.
347.
118 Inferno, Canto III, 9.
76
o que ele irá encontrar lendo o livro, no que se refere ao gênero romanesco tal como é
visto por Balzac:
Vous qui tenez ce livre d'une main blanche, vous qui vous enfoncez
dans un moelleux fauteuil en vous disant: Peut-être ceci va-t-il
m'amuser... Ah! sachez-le: ce drame n'est ni une fiction, ni un roman.
All is true, il est si véritable que chacun peut en reconnaître les
éléments chez soi, dans son coeur peut-être.119
E também, no início do romance, o narrador leva o leitor a mergulhar em um
microcosmo infernal, a Pensão Vauquer, anunciada pela atmosfera macabra de
catucambas, do bairro em que se situa a pensão:
Là, les pavés sont secs, les ruisseaux n'ont ni boue ni eau, l'herbe croit
le long des murs. L'homme le plus insouciant s'y attriste comme tous
les passants, le bruit d'une voiture y devient un événement, les
maisons y sont mornes, les murailles y sentent la prison. Un Parisien
égaré ne verrait là que des pensions bourgeoises ou des institutions, de
la misère ou de l'ennui, de la vieillesse qui meurt, de la joyeuse
jeunesse contrainte à travailler. Nul quartier de Paris n'est plus
horrible, ni, disons-le, plus inconnu. La rue Neuve-Sainte-Geneviève
surtout est comme un cadre de bronze (...) de marche en marche, le
jour diminue et le chant du conducteur se creuse, alors que le
voyageur descend aux Catacombes. Comparaison vraie! Qui décidera
de ce qui est plus horrible à voir, ou des coeurs desséchés, ou des
crânes vides.120
119
''A senhora que segura esse livro por vossa própria vontade, o senhor que mergulha em uma poltrona
confortável dizendo: Talvez este aqui vai me divertir! Ah! Saiba-o: que este drama não é nem uma ficção,
nem um romance. All is true, ele é tão verdadeiro que cada um pode reconhecer os elementos em si
mesmo, em seu coração talvez.'' BALZAC, Honoré de. Le père Goriot. Paris, Hatier, 1983. p. 7.
120 ''Aqui os calçamentos são secos, os córregos são desprovidos de lama ou água, a hera cresce pelo
muro. O homem mais tranquilo se entristece assim como todos os transeuntes, o barulho de carro se
transforma, neste lugar, num evento, as casas são mornas, as muralhas fazem parecer uma prisão. Um
parisiense perdido veria ali somente pensões burguesas ou Instituições, miséria ou tédio, da velhice que
morre, da juventude obrigada a trabalhar. Nenhum bairro de Paris é mais horrível, nem, diremos, mais
desconhecido. A rua Neuve-Sainte-Geneviève, sobretudo, é como uma moldura de bronze (...) de calçada
em calçada, o dia diminui e o canto do condutor se esvazia, enquanto os viajantes descem para as
77
Ao longo das viagens e das experiências dos personagens de Balzac e de Dante,
estes conhecem personagens históricos e contemporâneos que personificam o vício ou a
virtude, tanto no âmbito político ou religioso, na Divina comédia, quanto no âmbito
literário, jornalístico e editorial, em Ilusões perdidas. E, quanto mais se inserem nos
campos social, político, literário, mais perdem as ilusões.
Na esfera literária, quem introduz Lucien é d'Arthez, homem de letras, digno,
belo, trabalhador, representante do grupo dos artistas/autores, do Cenáculo. Ele ensina a
Lucien as maneiras de alcançar o talento, ter gosto. É através de d'Arthez, que Ilusões
perdidas ganha o status de romance sobre a literatura. O Cenáculo representa um ideal
literário, em que os artistas e escritores estariam livres das coerções sociais, poderiam
fazer sua obra sem depender dos meios de legitimação ou divulgação da sociedade. O
Cenáculo do romance de Balzac faz alusão ao Cenáculo de Victor Hugo ou ao Pequeno
cenáculo, que tinha como líder Petrus Borel.121
O Pequeno cenáculo era uma vanguarda
que retomava as reivindicações do Cenáculo, tais como a fraternidade da arte. Estes
grupos só poderiam ser compostos por representantes de diversos campos artísticos. O
pequeno cenáculo, por exemplo, era composto pelos escritores Gérard de Nerval,
Théophile Gautier, Philotée O'Neddy, Alphonse Brot, Auguste Mac-Keat, pelos
arquitetos Jules Vabres e Léon Clopet, e pelos pintores e vinhetistas Célestin Nanteuil,
Napoléon Thomas e Joseph Bouchardy Os componentes de ambos os grupos reuniam-se
para por em prática seu objetivo: promover a troca de conhecimentos especializados
Catatumbas. Comparação verdadeira! Quem decidirá aquilo que é mais horrível de ver, ou corações
indiferentes ou crânios vazios? BALZAC, Honoré de. Le père Goriot. Paris, Hatier, 1983. p. 7.
121 Cf. LIMA, (2011).
78
entre os escritores e artistas. O movimento mais marcante do grupo do Cenáculo foi a
peça Hernani (1830) que tinha como tema o confronto entre românticos e clássicos.
O Cenáculo, no romance, tem uma áurea angelical, como se fosse um culto aos
Cenáculos de Hugo e Borel, e todos os seus componentes são homens com ideologias
opostas àquelas do jornalismo e a favor do autor. Como em todas as descrições de
personagem em Ilusões perdidas, há uma preocupação por parte do autor em descrever
sua aparência física, pois essa é, para Balzac, responsável pela formação da identidade
do personagem e indica seu valor social.
As dimensões da descrição de d'Arthez, relativamente curta se comparada às
outras descrições, revelam a simplicidade desse personagem. Nesta descrição, percebe-
se a negação da ideia romântica de que o artista recebe inspirações divinas. Pelo
contrário, percebe-se a multiplicação do vocabulário referente ao trabalho, ao esforço de
um escritor que tenta viver das suas próprias penas, e que é comparado a um operário,
mostrando que uma atividade intelectual tem o valor social e econômico de uma
atividade manual. O escritor é mostrado em seu ato de escrita: ''Jovem homem de
aproximadamente vinte e cinco anos que trabalhava com essa aplicação constante (...)
verdadeiros operários da literatura (...) este trabalhador escondia um bela testa (...)
jovem trabalhador.''122
Um traço indicativo da inteligência do personagem é a sua ''bela
testa''. A fisiognomonia, que estudava a personalidade do indivíduo através dos traços
físicos do rosto, postula que possuir uma bela testa era indicativo de grande firmeza no
caráter.
122
''jeune homme d'environ vingt-cinq ans qui travaillait avec cette aplication soutenue. (...) véritables
ouvriers littéraires. (...) ce travailleur cachait un beau front (...) jeune travailleur.'' CH, t. V, p. 308-309.
79
O tipo do editor, do homem que dava a ler aos franceses, é exibido através do
personagem Doguereau. Na ''certeza de uma luta''123
Lucien entra na editora de
Doguereau e revela o perfil do editor daquela época que seria, ao mesmo tempo,
comerciante e o que hoje chamamos de intelectual: ''O pai Doguereau, como o apelidara
Porchon, parecia em virtude de sua casaca, das calças e dos sapatos, um professor de
letras, e, em virtude do colete, do relógio e das meias, um comerciante.''124
As esferas jornalística e literária atuam em contraste, como sendo uma o oposto
da outra. Percebemos tal dualidade sendo representada pelo Cenáculo e pelo jornalismo.
A fim de exemplificar esta afirmação, analisaremos duas descrições topográficas, sendo
a primeira aquela do quarto de Lousteau, representante do jornalismo; e a segunda
aquela do quarto de d'Arthez, poeta representante do Cenáculo. Em seguida,
analisaremos a descrição de um outro espaço ligado ao jornalismo e à imprensa: o
Palais Royal. Quanto às descrições das características físicas e morais, analisaremos as
de dois personagens centrais: Doguereau e d'Arthez.
4.3. O espaço privado do homem de letras e do jornalista
As descrições a seguir são feitas através do olhar do narrador, que é muito
presente em Ilusões perdidas e que faz comentários e digressões ao longo do romance.
Uma característica marcante de tais descrições é que o olhar do narrador não parece
legitimado no mesmo grau do olhar do personagem Lucien. Fazemos essa afirmação
baseando-nos na recorrência do apelo aos modos de expressão artística e aos gêneros,
123
CH, t.V, p. 302.
124 ''Le père Doguereau, comme l'avait surnommé Porchon, tenait par l'habit, par la culotte et par les
souliers au professeur de belles-lettres, et au marchand par le gilet, la montre et le bas .'' CH, t.V, p. 302.
80
que à época, tinham mais prestígios como a pintura, a poesia e o teatro. Outra
característica interessante é que o olhar do narrador ou o de Lucien mudam ao longo do
texto relativamente à inserção de Lucien em Paris e no jornalismo. Na medida em que o
mundo literário, editorial e jornalístico é apresentado a Lucien, o grande homem de
província percebe sua ingenuidade.
As descrições topográficas dos quartos de Lousteau e de d'Arthez são feitas
através do olhar do narrador. As duas iniciam com o recorte do espaço, servindo como
enquadramento do quarto de Lousteau, uma porta: ''Ele encontrou, com dificuldade,
uma porta aberta no final de um longo corredor obscuro, ele reconheceu o quarto típico
do bairro Latino.''125
E aquele de d'Arthez, a entrada escura de uma casa: ''Lucien foi
exato e viu, primeiramente, uma casa menos decente que o seu hotel e que tinha uma
entrada sombria, de onde começava uma escada escura''126
A entrada de ambos os
quartos é qualificada como escura, sombria o que caracterizaria o jornalismo, a
literatura, a política e a edição na época. Já o corte onde começa a descrição da terceira
descrição do espaço que mostraremos, aquela do Palais Royal, é apresentado através do
narrador, que a qualifica como inevitável para a compreensão da trama. Esta descrição,
ao invés de ter essa moldura, inicia-se com uma justificativa do narrador.
Os adjetivos escolhidos para classificar os móveis do quarto de Lousteau, de
d'Arthez e as lojas do Palais Royal são pejorativos e funcionam como hipálages, com a
transferência das características morais das personagens, para os espaços que habitam.
Os verbos que caracterizam objetos como as botas e o barbeador são respectivamente,
125
''il trouva, non sans peine, une porte ouverte au bout d'un long corridor obscur, et reconnut la chambre
classique du quartier Latin.'' CH, t. V, p. 349.
126 ''Lucien fut exact et vit d’abord une maison moins décente que son hôtel et qui avait une allée sombre,
au bout de laquelle se développait un escalier obscur.'' CH, t. V, p. 312.
81
bocejar e errar. Esses verbos exprimem sentidos normalmente utilizados na
caracterização de pessoas ou de seres animados, marcando a personificação do quarto,
ao mesmo tempo em que caracteriza o personagem através da fusão entre o mesmo e
seu espaço.
O quarto de Lousteau tem: ''uma cama de nogueira, com um péssimo tapete de
segunda mão embaixo. Ali, essa miséria era sinistra, as cortinas amareladas, várias botas
horrorosas juntas, meias velhas e totalmente furadas, cigarros amassados, lenços
sujos...''127
O quarto de d'Arthez tinha ''duas janelas feias entre as quais ficava uma estante
de madeira maciça, cheia de caixas etiquetadas. Uma beliche magra de madeira pintada,
parecida com beliches de colégio, uma mesa de cabeceira comprada de segunda
mão.''128
Esta descrição mostra muito mais a pobreza do quarto de d'Arthez do que a
sujeira do quarto de Lousteau. Mostra a pobreza do autor que procurava ganhar a vida
com a sua pluma, e que não era capaz de, para isso, explorar outras pessoas e entrar em
negócios ilegais.
Enquanto o quarto de Lousteau é frio, pobre, indigno, tem uma ''desorganização
cínica'', o quarto de d'Arthez é pobre, porém limpo, o que chama a atenção de Lucien,
que se questiona: ''Que diferença entre esta desordem cínica e a linda, a decente miséria
de d'Arthez?'' 129
127
''un lit en noyer au bas duquel grimaçait un méchant tapis d'occasion. Là cette misère était sinistre,
rideaux jaunis; un ignoble assemblage de mauvaises bottes; des vieilles chaussettes à l'état de dentelle;
des cigares écrasés; des mouchoirs sales...'' CH, t. V. p. 350.
128
''avait deux méchantes croisées entre lesquelles était une bibliothèque en bois noirci, pleine de cartons
étiquetés. Une maigre couchette en bois peint, semblable aux couchettes de collège, une table de nuit
achetée d’occasion.'' CH, t. V. p.312.
129 ''Quelle différence entre ce désordre cynique et la propre, la décente misère de d'Arthez?”CH, t. V. p.
312.
82
O Palais Royal é descrito com a utilização de inúmeros adjetivos e substantivos
que denotam sujeira, e comparado com uma taberna:
En place de la froide, haute et large galerie d'Orléans, espèce de serre
sans fleurs, se trouvaient des baraques, ou, pour être plus exact, des
huttes en planches, assez mal couvertes, petites, mal éclairées sur la
cour et sur le jardin par des jours de souffrance appelés croisées, mais
qui ressemblaient aux plus sales ouvertures des guinguettes hors
barrière.130
Outra característica que esta descrição tem em comum com aquela do quarto de
d'Arthez e de Lousteau é a personificação do espaço, que ganha uma ''fisionomia
assustadora'' e é caracterizado com adjetivos como impudico e inconveniente:
Ce sinistre amas de crottes, ces vitrages encrassés par la pluie et par la
poussière, ces huttes plates et couvertes de haillons au dehors, la saleté
des murailles commencées, cet ensemble de choses qui tenait du camp
des Bohémiens, des baraques d'une foire, des constructions provisoires
avec lesquelles on entoure à Paris les monuments qu'on ne bâtit pas,
cette physionomie grimaçante allait admirablement aux différents
commerces qui grouillaient sous ce hangar impudique, effronté, plein
de gazouillements et d'une gaieté folle, où, depuis la Révolution de
1789 jusqu'à la Révolution de 1830, il s'est fait d'immenses affaires.131
130
''No lugar da fria, alta e larga galeria de Orleans, espécie de estufa sem flores, encontra-se barracas, ou
para ser mais exato, cabanas de madeira, bastante mal cobertas, pequenas, mal iluminadas do lado do
pátio e do jardim por frestas chamadas de janelas, mas que pareciam as mais sujas aberturas das tabernas
além-barreira.'' CH, t. V. p. 355.
131 ''Este sinistro amontoado de lama, essas vidraças engorduradas pela chuva e pela poeira, essas cabanas
de madeira, cobertas de farrapos por fora, a sujeira das paredes inacabadas, este conjunto de coisas que se
assemelhava a um acampamento de ciganos, a barracas de um bazar, a construções provisórias com que
se cercam em Paris os monumentos inacabados, esta fisionomia assustadora acomodava-se
admiravelmente aos diferentes comércios que formigavam neste hangar impudico, descarado, cheio de
murmúrios e de uma alegria louca, onde, desde a Revolução, de 1789 até a Revolução de 1830, grandes
negócios foram feitos.'' CH, t. V. p. 356.
83
Esta diferença aparece também na construção dos retratos destes dois tipos
sociais. Percebe-se que, para compor o retrato de d'Arthez, o narrador inicia sua
descrição com as características físicas do personagem, que são sempre apresentadas
com adjetivos que agregam valores positivos: ''belo semblante'', ''cabelos espessos'',
''belas mãos'', ''finezas'', ''grandeza'', ''os olhos têm sabedorias como aquela dos votos das
mulheres'', ''olhar pensativo'', ''belo semblante nobremente esculpido'', ''olhos pretos e
vivos''. D'Arthez é comparado com a gravura de Napoleão feita por Robert Lefebvre,
indicando uma competência do narrador, que lança mão de uma referência pictural, com
um alto valor na hierarquia dos gêneros picturais, por ser o retrato de um imperador,
afim de legitimar o retrato do personagem. Além da descrição física do personagem
anteceder a descrição das vestimentas, indicando que a inteligência é a parte mais
importante deste tipo, o primeiro ponto descrito é o semblante (belo semblante), o que
indicava naquela época a inteligência. Esta descrição é descendente, começa com o
rosto e termina nas mãos. Já a descrição das roupas deste personagem estaria, neste
caso, em segundo plano e é ascendente, começando com as calças, sapatos, colete,
casaco e terminando no chapéu:
Le jeune homme qui réalisait cette gravure avait ordinairement un
pantalon à pied dans des souliers à grosses semelles, une redingote de
drap commun, une cravate noire, un gilet de drap gris, mélangé de
blanc, boutonné jusqu'en haut, et un chapeau à bon marché.132
A descrição de Doguereau é feita, também, através do olhar do narrador e inicia-
se com suas vestimentas:
132
''O jovem que realizava esta gravura usava uma calça comprida que entrava pelo sapato, que tinha a
sola presa aos pés, com sapatos de solas grossas, um paletó longo de lã ordinária, uma gravata preta, um
colete de lã cinza, misturado com branco, abotoado até o pescoço e um chapéu barato.'' CH, t. V. p. 308.
84
Doguereau portait un habit noir à grandes basques carrées, et la mode
taillait alors les fracs en queue de morue. Il avait un gilet d'étoffe
commune à carreaux de diverses couleurs d'où pendaient, à l'endroit
du gousset, une chaîne d'acier et une clef de cuivre qui jouaient sur
une vaste culotte noire. La montre devait avoir la grosseur d'un
oignon. Ce costume était complété par des bas drapés, couleur gris de
fer, et par des souliers ornés de boucles en argent.133
O caráter deste editor é revelado no momento em que este vai à casa de Lucien negociar
a compra de seu romance O arqueiro de Carlos X. Outrora decidido a pagar mil francos
pelo romance de Lucien, Doguereau entra na casa do jovem provinciano, percebe que
tratava-se de uma pessoa pobre, e diminui sua oferta pela metade. Em seguida, o
narrador faz, rapidamente, um retrato de Doguereau. O velhaco estaria sem chapéu ou
qualquer coisa sobre a cabeça, que era decorada por dispersos cabelos cinzas. A escolha
do adjetivo ''velhaco'' (vieillard), que tem um sentido pejorativo, o detalhe da cabeça
vazia, conjugado com o mau caráter do personagem, definem este tipo de editor, figura
típica da sociedade da época.
O retrato do editor é feito através de Barbet, personagem que aconselha Lucien a
abandonar os versos e escrever em prosa, pois, era o gênero que se vendia mais naquela
época. Balzac tomou cuidado na escolha dos nomes de seus personagens, de maneira
que cada nome revela um pouco de seu caráter. O nome d'Arthez remete às artes, e
Barbet era o nome usado, a partir do século XVIII, para designar os contrabandistas ou
133
''Doguereau vestia um longo paletó com a cauda grande e quadrada, e o que estava na moda eram os
fraques com a cauda de bipartida. Ele usava um colete de tecido ordinário quadriculado de diversas cores
e de tecido comum de onde saia um relógio de bolsilho, uma corrente de aço e uma chave de cobre que
caiam sobre uma vasta calça preta. O relógio devia ter a grossura ser grande como uma cebola. Esta roupa
era completada com as meias drapeadas de cor cinza ferro e sapatos ornamentados com fivelas de prata.''
CH, t. V. p. 302.
85
bandidos que viviam nos Alpes e nos Pirineus134
. A descrição deste personagem retrata
uma pessoa gorda, suja e mal vestida. É interessante notar que a descrição se foca em
três elementos redondos (o botão, o colarinho de seu paletó e os olhos), o que expressa a
vontade do narrador de fixar que o personagem estava acima do peso e apesar de uma
leve bonomia atribuída ao personagem, os adjetivos escolhidos na formação de sua
descrição são insultuosos
Barbet avait une méchante redingote boutonnée par un seul
bouton, son col était gras, il gardait son chapeau sur la tête. (...)
Sa figure ronde, percée de deux yeux avides, ne manquait pas de
bonhomie.135
Estes retratos nos mostram que, realmente, Balzac se apoiou em uma estrutura
clássica na composição da maioria das descrições de Ilusões perdidas, para,
supostamente, como dizemos acima, legitimar seu texto romanesco. Porém, as
descrições estão a serviço do corpo, deixando transparecer a expressão do personagem,
característica romântica que revela, com rigor, a originalidade de sua obra. Ou seja, o
autor de Ilusões perdidas toma emprestado características de um gênero de prestígio e
introduz seu tema original.
No prefácio da Comédia Humana, Balzac compara o homem ao animal que
''pega sua forma exterior, ou, para ser mais exato, as diferenças de sua forma, dentro do
meio no qual ele se desenvolve.''136
A forma que o animal/humano desenvolver, aparece
134
Cf. Trésor de la Langue Française. Disponível em: http://atilf.atilf.fr/tlf.htm, consultado em
21/06/2012.
135 ''Barbet tinha um paletó feio abotoado por um botão apenas, seu colarinho era engordurado, sua figura
redonda, furada por dois olhos ávidos, não carecia de bonomia.'' CH, t. V. p. 352.
136 BALZAC, Honoré de. L’Avant-propos de la Comédie Humaine. Paris, La Bibliothèque livre, 1842.
86
no seu rosto, pois, é a parte do corpo que marca a singularidade do indivíduo e o
enquadra no espaço social. Este estudo é proveniente da fisiognomia137
(fhysis: natureza
e gnomon: interpretação), retomada no século XVIII por Lavater, autor que Balzac cita
no prefácio da Comédia Humana. Esta interpretação distingue os tipos sociais através
de suas características físicas, com isso origina definições racistas que explicam a
inferioridade ou a superioridade dos homens através de suas características físicas. O
nazismo é um exemplo da consequência desse pensamento preconceituoso.
137
''A fisiognominia é a ciência, o conhecimento da relação que liga o exterior ao interior, a superfície
visível ao que ela encobre de invisível. Numa concepção restrita, compreende-se por fisionomia, a
aparência, os traços do rosto e sua significação. Aquele que julga o caráter do homem numa primeira
impressão que se faz de seu exterior é naturalmente fisiognomonista; ele o faz cientificamente quando
sabe expor de maneira precisa e organizar numa ordem os traços e sinais observados; enfim, o
fisiognomonista filósofo é aquele que, na inspeção de tal traço, de tal ou tal expressão, é capaz de deduzir
as causas de tal ou tal traço, de tal ou tal expressão, é capaz de deduzir as causas e de dar as razões
internas dessas manifestações exteriores.'' LAVATER, J.G. La physiognomonie ou l’art de connaître les
hommes d’après les traits de leur phisionomie, leurs rapports avec les divers animaux, leur penchants etc.
Lausanne, L’Âge d’homme, 1979. p. 6.
87
5. Conclusão
''Não pense que o mundo político é mais belo que este
mundo literário: tudo em ambos é corrupção, cada
homem é corruptor ou corrompido.''138
Esse trabalho nos mostra o diálogo entre os campos socioeconômico e a esfera
literária e jornalística, através das análises feitas sobre a situação socioeconômica da
França nos anos que sucedem a Monarquia de Julho. A dissertação utiliza como corpus
de análise descrições retiradas da segunda parte de Ilusões perdidas, intitulada Um
grande homem de província em Paris. Percebemos uma forte ligação entre a ficção
balzaquiana e os fatos históricos contemporâneos de Balzac. Constatamos que a
literatura ultrapassa seus limites puramente estéticos, funcionando como arma simbólica
em uma luta por legitimação de novos gêneros como o romance.
No capítulo II, nos propusemos a mostrar a situação da imprensa e o poder que o
jornalismo exercia sobre as obras literárias e teatrais; as querelas no campo literário em
1830, na França, e a ascensão de um novo público leitor: a burguesia. A burguesia opera
uma grande mudança no que concerne aos temas e os gêneros da literatura, que é
denominada por alguns críticos, como, Sainte-Beuve, de industrial e, no que concerne
ao papel do escritor, que é comparado a um trabalhador manual assalariado. Explicamos
também, neste capítulo, o conceito de campo de Pierre Bourdieu. Foi apresentado o
jornal que pertenceu a Balzac, em 1835, La Chronique de Paris, que tinha como papel
ser um trampolim político, mas que fracassou. Mostramos também a aliança de Gautier
e Balzac no campo literário, que indica a tentativa dos autores de contribuir para o
138
CH, t. V, p. 286.
88
crescimento da literatura. Esse capítulo mostra a situação de comunicação do romance
Ilusões perdidas.
No capítulo III, mostramos o eco da sociedade burguesa capitalista nas relações
entre o suporte de publicação e a produção romanesca da época de Ilusões perdidas; e
as ligações entre o gênero romanesco e a escrita jornalística. Em seguida, propomos um
panorama sobre a situação da França no início da Monarquia de Julho (1830) e nos anos
que a sucedem; as mudanças operadas pelo rei dos franceses Luís Filipe e como isso
ressoa no discurso literário e no discurso jornalístico da época, enfatizando as relações
entre o livro, o autor e o editor. Mostramos também, como essa mudança de reinado
interfere na literatura produzindo a comercialização do pensamento, evidenciado por
Balzac ao mesmo tempo no romance Ilusões perdidas e em artigos publicados em
jornais como o De l'état actuel de la librairie (Sobre o estado atual da edição)
analisado na mesma seção.
É curioso observar que, alguns anos depois, vários sociólogos como, por
exemplo, Marx e Engels, legitimaram a obra de Balzac. O primeiro disse que via a obra
Ilusões perdidas como uma ilustração de suas análises socioeconômicas, principalmente
no que concerne à ''venda'' do pensamento que engendra o mundo capitalista e a mais-
valia. O segundo diz que aprendeu mais sobre a economia e a história lendo a Comédia
Humana do que lendo manuais da época. O romance de Balzac opera nesta fronteira
entre a ficção e a realidade; ou seja, entre a verdade e a realidade.
Enfim, no capítulo quatro, comentamos as descrições escolhidas como corpus de
análise dessa dissertação. Todas as descrições escolhidas estão relacionadas com a
sociedade da época: afim de mostrar três tipos sociais inscritos na cena literária e
89
editorial da época, teci comentários sobre a representação do escritor e do editor em
Ilusões perdidas. Para evidenciar como o ambiente está ligado aos tipos sociais,
analisamos três topografias: aquela do Palais Royal, aquela do quarto do personagem
Lousteau e aquela do quarto do personagem d'Arthez.
Percebemos que as descrições operam como cena de gênero, ou seja, pintam
cenas da vida cotidiana, de homens em seus locais de trabalho, exercendo suas funções
normais, ou em suas residências. Ilusões perdidas é um romance social, um romance do
romance que revela que o dinheiro é o motor do mundo. Esta constatação é feita através
da análise da situação protagonista do livro, que se encontra num espaço fronteiriço por
conta da falta de valor atribuída ao escritor, e vê-se obrigado a trabalhar no jornal. Esse
romance denuncia também que às vezes, como no caso da literatura e da edição, a
virtude engendra o vício. Outro resultado deste trabalho relacionado às descrições é que,
em Ilusões perdidas, estas fazem parte da trama, ou seja, não são uma pausa na trama
ou um ornamento, elas participam da perda das ilusões de Lucien e são fundamentais na
compreensão do romance. A mudança do caráter dos personagens e seu olhar sobre si
mesmo parece exigir a presença as descrições e justificá-las.
O resultado desse estudo nos aponta que Ilusões perdidas retrata o campo
literário da França da Monarquia de Julho enfatizando a situação do processo de entrada
no campo, sofrido por milhares de jovens que deixavam suas províncias para ''subir para
Paris'' e tentar a vida de escritor. A relação de dependência do escritor com o editor e
com o jornalista, que é capaz de influenciar às revelias o sucesso da obra, é o tema do
romance e a situação do campo literário e das esferas editoriais e jornalísticas entre
1820 e 1848. Esta relação de dependência é evidenciada pelas escolha do gênero, do
suporte e da cenografia da obra.
90
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Revista
Revue de Paris. Nouvelle série, tome XXIII, 4e et 5
e livraisons.
94
6. ANEXOS
Descrições topográficas:
Quarto de Lousteau p. 349-350.
Armé de ces renseignements, il trouva, non sans peine, une porte ouverte au bout d'un
long corridor obscur, et reconnut la chambre classique du quartier Latin. La misère des
jeunes gens le poursuivait là comme rue Cluny, chez d'Artez, chez Chrestien, partout!
Mais, partout, elle se recommande par l'empreinte que lui donne le caractère du patient.
Là cette misère était sinistre. Un lit en noyer, sans rideaux, au bas duquel grimaçait un
méchant tapis d'occasion; aux fenêtres, des rideaux jaunis par la fumée d'une cheminée
qui n'allait pas et par celle du cigare; sur la cheminée, une lampe Carcel donnée par
Florine et encore échappée au Mont-de-Piété; puis, une commode d'acajou terni, une
table chargée de papiers, deux ou trois plumes ébouriffées là-dessus, par d'autres livres
que ceux apportés la veille ou pendant la journée: tel était le mobilier de cette chambre
dénuée d'objets de valeur, mais qui offrait un ignoble assemblage de mauvaises bottes
bâillant dans un coin, de vieilles chaussettes à l'état de dentelle; dans un autre, des
cigares écrasés, des mouchoirs sales, des chemises en deux volumes, des cravates à trois
éditions. C'était enfin un bivouac littéraire meublé de choses négatives et de la plus
étrange nudité qui se puisse imaginer. Sur la table de nuit, chargée des livres lus pendant
la matinée, brillait le rouleau rouge de Fumade.Sur le manteau de la cheminée erraient
un rasoir, une paire de pistolets, une boîte à cigares. Dans un panneau, Lucien vit des
fleurets croisés sous un masque. Trois chaises et deux fauteuils, à peine dignes du plus
méchant hôtel garni de cette rue, complétait cet ameublement. Cette chambre, à la fois
sale et triste, annonçait une vie sans repos et sans dignité: on y dormait, on y travaillait à
la hâte, elle était habitée par force, on éprouvait le besoin de la quitter. Quelle différence
entre ce désordre cynique et la propre, la décente misère de d'Arthez?
Quarto de d'Arthez p.312.
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Lucien fut exact et vit d’abord une maison moins décente que son hôtel et qui avait une
allée sombre, au bout de laquelle se développait un escalier obscur. La chambre de
Daniel d’Arthez, située au cinquième étage, avait deux méchantes croisées entre
lesquelles était une bibliothèque en bois noirci, pleine de cartons étiquetés. Une maigre
couchette en bois peint, semblable aux couchettes de collège, une table de nuit achetée
d’occasion, et deux fauteuils couverts en crin occupaient le fond de cette pièce tendue
d’un papier écossais verni par la fumée et par le temps. Une longue table chargée de
papiers était placée entre la cheminée et l’une des croisées. En face de cette cheminée, il
y avait une mauvaise commode en bois d’acajou. Un tapis de hasard couvrait
entièrement le carreau. Ce luxe nécessaire évitait du chauffage. Devant la table, un
vulgaire fauteuil de bureau en basane rouge blanchie par l’usage, puis six mauvaises
chaises complétaient l’ameublement. Sur la cheminée, Lucien aperçut un vieux
flambeau de bouillotte à garde-vue, muni de quatre bougies. Quand Lucien demanda la
raison des bougies, en reconnaissant en toutes choses les symptômes d’une âpre misère,
d’Arthez lui répondit qu’il lui était impossible de supporter l’odeur de la chandelle.
Cette circonstance indiquait une grande délicatesse de sens, l’indice d’une exquise
sensibilité.
Palais Royal p. 355
A cette époque, les Galeries de Bois constituaient une des curiosités parisiennes les
plus illustres. Il n'est pas inutile de peindre ce bazar ignoble; car, pendant trente-six ans,
il a joué dans la vie parisienne un si grand rôle, qu'il est peu d'hommes âgés de quarante
ans à qui cette description, incroyable pour les jeunes gens, ne fasse encore plaisir. En
place de la froide, haute et large galerie d'Orléans, espèce de serre sans fleurs, se
trouvaient des baraques, ou, pour être plus exact, des huttes en planches, assez mal
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couvertes, petites, mal éclairées sur la cour et sur le jardin par des jours de souffrance
appelés croisées, mais qui ressemblaient aux plus sales ouvertures des guinguettes hors
barrière. Une triple rangée de boutiques y formait deux galeries, hautes d'environ douze
pieds. Les boutiques sises au milieu donnaient sur les deux galeries dont l'atmosphère
leur livrait un air méphitique, et dont la toiture laissait passer peu de jour à travers des
vitres toujours sales. Ces alvéoles avaient acquis un tel prix par suite de l'affluence du
monde, que malgré l'étroitesse de certaines, à peine larges de six pieds et longues de
huit à dix, leur location coûtait mille écus. Les boutiques éclairées sur le jardin et sur la
cour étaient protégées par de petits treillages verts, peut-être pour empêcher la foule de
démolir, par son contact, les murs en mauvais plâtras qui formaient le derrière des
magasins. Là donc se trouvait un espace de deux ou trois pieds où végétaient les
produits les plus bizarres d'une botanique inconnue à la science, mêlés à ceux de
diverses industries non moins florissantes. Une maculature coiffait un rosier, en sorte
que les fleurs de rhétorique étaient embaumées par les fleurs avortées de ce jardin mal
soigné, mais fétidement arrosé. Des rubans de toutes les couleurs ou des prospectus
fleurissaient dans les feuillages. Les débris de modes étouffaient la végétation : vous
trouviez un nœud de rubans sur une touffe de verdure, et vous étiez déçu dans vos idées
sur la fleur que vous veniez admirer en apercevant une coque de satin qui figurait un
dalhia. Du côté de la cour, comme du côté du jardin, l'aspect de ce palais fantasque
offrait tout ce que la saleté parisienne a produit de plus bizarre : des badigeonages lavés,
des plâtras refaits, de vieilles peintures, des écriteaux fantastiques. Enfin le public
parisien salissait énormément les treillages verts, soit sur le jardin, soit sur la cour.
Ainsi, des deux côtés, une bordure infâme et nauséabonde semblait défendre l'approche
des Galeries aux gens délicats ; mais les gens délicats ne reculaient pas plus devant ces
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horribles choses que les princes des contes de fées ne reculent devant les dragons et les
obstacles interposés par un mauvais génie entre eux et les princesses. Ces Galeries
étaient comme aujourd'hui percées au milieu par un passage, et comme aujourd'hui l'on
y pénétrait encore par les deux péristyles actuels commencés avant la Révolution et
abandonnés faute d'argent. La belle galerie de pierre qui mène au Théâtre Français
formait alors un passage étroit d'une hauteur démesurée et si mal couvert qu'il y pleuvait
souvent. On la nommait Galerie-Vitrée, pour la distinguer des Galeries-de-Bois. Les
toitures de ces bouges étaient toutes d'ailleurs en si mauvais état, que la Maison
d'Orléans eut un procès avec un célèbre marchand de cachemires et d'étoffes qui,
pendant une nuit, trouva des marchandises avariées pour une somme considérable. Le
marchand eut gain de cause. Une double toile goudronnée servait de couverture en
quelques endroits. Le sol de la Galerie-Vitrée, où Chevet commença sa fortune, et celui
des Galeries-de-Bois étaient le sol naturel de Paris, augmenté du sol factice amené par
les bottes et les souliers des passants. En tout temps, les pieds heurtaient des montagnes
et des vallées de boue durcie, incessamment balayées par les marchands, et qui
demandaient aux nouveaux-venus une certaine habitude pour y marcher.
Ce sinistre amas de crottes, ces vitrages encrassés par la pluie et par la poussière,
ces huttes plates et couvertes de haillons au dehors, la saleté des murailles commencées,
cet ensemble de choses qui tenait du camp des Bohémiens, des baraques d'une foire, des
constructions provisoires avec lesquelles on entoure à Paris les monuments qu'on ne
bâtit pas, cette physionomie grimaçante allait admirablement aux différents commerces
qui grouillaient sous ce hangar impudique, effronté, plein de gazouillements et d'une
gaieté folle, où, depuis la Révolution de 1789 jusqu'à la Révolution de 1830, il s'est fait
d'immenses affaires. Pendant vingt années, la Bourse s'est tenue en face, au rez-de-
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chaussée du Palais. Ainsi, l'opinion publique, les réputations se faisaient et se
défaisaient là, aussi bien que les affaires politiques et financières. On se donnait rendez-
vous dans ces galeries avant et après la Bourse. Le Paris des banquiers et des
commerçants encombrait souvent la cour du Palais-Royal, et refluait sous ces abris par
les temps de pluie. La nature de ce bâtiment, surgi sur ce point on ne sait comment, le
rendait d'une étrange sonorité. Les éclats de rire y foisonnaient. Il n'arrivait pas une
querelle à un bout qu'on ne sût à l'autre de quoi il s'agissait. Il n'y avait là que des
libraires, de la poésie, de la politique et de la prose, des marchandes de modes, enfin des
filles de joie qui venaient seulement le soir. Là fleurissaient les nouvelles et les livres,
les jeunes et les vieilles gloires, les conspirations de la Tribune et les mensonges de la
Librairie. Là se vendaient les nouveautés au public, qui s'obstinait à ne les acheter que
là. Là, se sont vendus dans une seule soirée plusieurs milliers de tel ou tel pamphlet de
Paul-Louis Courier, ou des Aventures de la fille d'un roi. A l'époque où Lucien s'y
produisait, quelques boutiques avaient des devantures, des vitrages assez élégants ; mais
ces boutiques appartenaient aux rangées donnant sur le jardin ou sur la cour. Jusqu'au
jour où périt cette étrange colonie sous le marteau de l'architecte Fontaine, les boutiques
sises entre les deux galeries furent entièrement ouvertes, soutenues par des piliers
comme les boutiques des foires de province, et l'oeil plongeait sur les deux galeries à
travers les marchandises ou les portes vitrées. Comme il était impossible d'y avoir du
feu, les marchands n'avaient que des chaufferettes et faisaient eux-mêmes la police du
feu, car une imprudence pouvait enflammer en un quart d'heure cette république de
planches desséchées par le soleil et comme enflammées déjà par la prostitution,
encombrées de gaze, de mousseline, de papiers, quelquefois ventilées par des courants
d'air. Les boutiques de modistes étaient pleines de chapeaux inconcevables, qui
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semblaient être là moins pour la vente que pour l'étalage, tous accrochés par centaines à
des broches de fer terminées en champignon, et pavoisant les galeries de leurs mille
couleurs. Pendant vingt ans, tous les promeneurs se sont demandé sur quelles têtes ces
chapeaux poudreux achevaient leur carrière. Des ouvrières généralement laides, mais
égrillardes, raccrochaient les femmes par des paroles astucieuses, suivant la coutume et
avec le langage de la Halle. Une grisette dont la langue était aussi déliée que ses yeux
étaient actifs, se tenait sur un tabouret et harcelait les passants : — Achetez-vous un joli
chapeau, madame ? — Laissez-moi donc vous vendre quelque chose, monsieur ? Leur
vocabulaire fécond et pittoresque était varié par les inflexions de voix, par des regards et
par des critiques sur les passants. Les libraires et les marchandes de modes vivaient en
bonne intelligence. Dans le passage nommé si fastueusement la Galerie Vitrée, se
trouvaient les commerces les plus singuliers. Là s'établissaient les ventriloques, les
charlatans de toute espèce, les spectacles où l'on ne voit rien et ceux où l'on vous montre
le monde entier. Là s'est établi pour la première fois un homme qui a gagné sept ou huit
cent mille francs à parcourir les foires. Il avait pour enseigne un soleil tournant dans un
cadre noir, autour duquel éclataient ces mots écrits en rouge : Ici l'homme voit ce que
Dieu que saurait voir. Prix : deux sous . L'aboyeur ne vous admettait jamais seul, ni
jamais plus de deux. Une fois entré, vous vous trouviez nez à nez avec une grande
glace. Tout à coup une voix, qui eût épouvanté Hoffmann le Berlinois, partait comme
une mécanique dont le ressort est poussé. " Vous voyez là, messieurs, ce que dans toute
l'éternité Dieu ne saurait voir, c'est-à-dire votre semblable. Dieu n'a pas son semblable !
" Vous vous en alliez honteux sans oser avouer votre stupidité. De toutes les petites
portes partaient des voix semblables qui vous vantaient des Cosmoramas, des vues de
Constantinople, des spectacles de marionnettes, des automates qui jouaient aux échecs,
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des chiens qui distinguaient la plus belle femme de la société. Le ventriloque Fitz-James
a fleuri là dans le café Borel avant d'aller mourir à Montmartre, mêlé aux élèves de
l'École Polytechnique. Il y avait des fruitières et des marchandes de bouquets, un
fameux tailleur dont les broderies militaires reluisaient le soir comme des soleils. Le
matin, jusqu'à deux heures après midi, les Galeries de Bois étaient muettes, sombres et
désertes. Les marchands y causaient comme chez eux. Le rendez-vous que s'y est donné
la population parisienne ne commençait que vers trois heures, à l'heure de la Bourse.
Dès que la foule venait, il se pratiquait des lectures gratuites à l'étalage des libraires par
les jeunes gens affamés de littérature et dénués d'argent. Les commis chargés de veiller
sur les livres exposés laissaient charitablement les pauvres gens tournant les pages.
Quand il s'agissait d'un in-12 de deux cents pages comme Smarra, Pierre Schlémilh,
Jean Sbogar, Jocko, en deux séances il était dévoré. En ce temps-là les cabinets de
lecture n'existaient pas, il fallait acheter un livre pour le lire ; aussi les romans se
vendaient-ils alors à des nombres qui paraîtraient fabuleux aujourd'hui. Il y avait donc je
ne sais quoi de français dans cette aumône faite à l'intelligence jeune, avide et pauvre.
La poésie de ce terrible bazar éclatait à la tombée du jour. De toutes rues adjacentes
allaient et venaient un grand nombre de filles qui pouvaient s'y promener sans
rétribution. De tous les points de Paris, une fille de joie accourait faire son Palais . Les
Galeries de Pierre appartenaient à des maisons privilégiées qui payaient le droit
d'exposer des créatures habillées comme des princesses, entre telle ou telle arcade, et à
la place correspondante dans le jardin ; tandis que les Galeries de Bois étaient pour la
prostitution un terrain public, le Palais par excellence, mot qui signifiait alors le temple
de la prostitution. Une femme pouvait y venir, en sortir accompagnée de sa proie, et
l'emmener où bon lui semblait. Ces femmes attiraient donc le soir aux Galeries de Bois
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une foule si considérable qu'on y marchait au pas, comme à la procession ou au bal
masqué. Cette lenteur, qui ne gênait personne, servait à l'examen. Ces femmes avaient
une mise qui n'existe plus ; la manière dont elles se tenaient décolletées jusqu'au milieu
du dos, et très-bas aussi par devant ; leurs bizarres coiffures inventées pour attirer les
regards : celle-ci en Cauchoise, celle-là en Espagnole ; l'une bouclée comme un caniche,
l'autre en bandeaux lisses ; leurs jambes serrées par des bas blancs et montrées on ne
sait comment, mais toujours à propos, toute cette infâme poésie est perdue. La licence
des interrogations et des réponses, ce cynisme public en harmonie avec le lieu ne se
retrouve plus, ni au bal masqué, ni dans les bals si célèbres qui se donnent aujourd'hui.
C'était horrible et gai. La chair éclatante des épaules et des gorges étincelait au milieu
des vêtements d'hommes presque toujours sombres, et produisait les plus magnifiques
oppositions. Le brouhaha des voix et le bruit de la promenade formait un murmure qui
s'entendait dès le milieu du jardin, comme une basse continue brodée des éclats de rire
des filles ou des cris de quelque rare dispute. Les personnes comme il faut, les hommes
les plus marquants y étaient coudoyés par des gens à figure patibulaire. Ces monstrueux
assemblages avaient je ne sais quoi de piquant, les hommes les plus insensibles étaient
émus. Aussi tout Paris est-il venu là jusqu'au dernier moment ; il s'y est promené sur le
plancher de bois que l'architecte a fait au-dessus des caves pendant qu'il les bâtissait,
Des regrets immenses et unanimes ont accompagné la chute de ces ignobles morceaux
de bois.
Le libraire Ladvocat s'était établi depuis quelques jours à l'angle du passage qui
partageait ces galeries par le milieu, devant Dauriat, jeune homme maintenant oublié,
mais audacieux, et qui défricha la route où brilla depuis son concurrent. La boutique de
Dauriat se trouvait sur une des rangées donnant sur le jardin, et celle de Ladvocat était
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sur la cour. Divisée en deux parties, la boutique de Dauriat offrait un vaste magasin à sa
librairie, et l'autre portion lui servait de cabinet. Lucien, qui venait là pour la première
fois le soir, fut étourdi de cet aspect, auquel ne résistaient pas les provinciaux ni les
jeunes gens. Il perdit bientôt son introducteur.
Portraits
D'Arthez p 308-309.
A la bibliothèque Sainte-Geneviève, où Lucien comptait aller, il avait toujours aperçu
dans le même coin un jeune homme d'environ vingt-cinq ans qui travaillait avec cette
application soutenue que rien ne distrait ni dérange, et à laquelle se reconnaissent les
véritables ouvriers littéraires. Ce jeune homme y venait sans doute depuis longtemps,
les employés et le bibliothécaire lui-même avaient pour lui des complaisances; le
bibliothécaire lui laissait emporter des livres que Lucien voyait rapporter le lendemain
par le studieux inconnu, dans lequel le poète reconnaissait un frère de misère et
d'espérance. Petit, maigre et pâle, ce travailleur cachait un beau front sous une épaisse
chevelure noire assez mal tenue, il avait de belles mains, il attirait le regard des
indifférents par une vague ressemblance avec le portrait de Bonaparte gravé d'après
Robert Lefebvre. Cette gravure est tout un poème de mélancolie ardente, d'ambition
contenue, d'activité cachée. Examinez-la bien? Vous y trouverez du génie et de la
discrétion, de la finesse et de la grandeur. Les yeux ont de l'esprit comme des veux de
femmes. Le coup d'oeil est avide de l'espace et désireux de difficultés à vaincre. Le nom
de Bonaparte ne serait pas écrit au-dessous, vous le contempleriez tout aussi longtemps.
Le jeune homme qui réalisait cette gravure avait ordinairement un pantalon à pied dans
des souliers à grosses semelles, une redingote de drap commun, une cravate noire, un
gilet de drap gris, mélangé de blanc, boutonné jusqu'en haut, et un chapeau à bon
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marché. Son dédain pour toute toilette inutile était visible. Ce mystérieux inconnu,
marqué du sceau que le génie imprime au front de ses esclaves, Lucien le retrouvait
chez Flicoteaux le plus régulier de tous les habitués; il y mangeait pour vivre, sans faire
attention à des aliments avec lesquels il paraissait familiarisé, il buvait de l'eau. Soit à la
bibliothèque, soit chez Flicoteaux, il déployait en tout une sorte de dignité qui venait
sans doute de la conscience d'une vie occupée par quelque chose de grand, et qui le
rendait inabordable. Son regard était penseur. La méditation habitait sur son beau front
noblement coupé. Ses yeux noirs et vifs, qui voyaient bien et promptement, annonçaient
une habitude d'aller au fond des choses. Simple en ses gestes, il avait une contenance
grave. Lucien éprouvait un respect involontaire pour lui. Déjà plusieurs fois, l'un et
l'autre ils s'étaient mutuellement regardés comme pour se parler à l'entrée ou à la sortie
de la bibliothèque ou du restaurant, mais ni l'un ni l'autre ils n'avaient osé. Ce silencieux
jeune homme allait au fond de la salle, dans la partie située en retour sur la place de la
Sorbonne. Lucien n'avait donc pu se lier avec lui, quoiqu'il se sentît porté vers ce jeune
travailleur en qui se trahissaient les indicibles symptômes de la supériorité.
Doguereau p. 302.
Il avisa rue du Coq une boutique modeste devant laquelle il avait déjà passé, sur
laquelle étaient peints en lettres jaunes, sur un fond vert, ces
mots : DOGUEREAU, LIBRAIRE. Il se souvint d'avoir vu ces mots répétés au bas du
frontispice de plusieurs des romans qu'il avait lus au cabinet littéraire de Blosse. Il entra
non sans cette trépidation intérieure que cause à tous les hommes d'imagination la
certitude d'une lutte. Il trouva dans la boutique un singulier vieillard, l'une des figures
originales de la librairie sous l'Empire. Doguereau portait un habit noir à grandes
basques carrées, et la mode taillait alors les fracs en queue de morue. Il avait un gilet
d'étoffe commune à carreaux de diverses couleurs d'où pendaient, à l'endroit du gousset,
une chaîne d'acier et une clef de cuivre qui jouaient sur une vaste culotte noire. La
montre devait avoir la grosseur d'un oignon. Ce costume était complété par des bas
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drapés, couleur gris de fer, et par des souliers ornés de boucles en argent. Le vieillard
avait la tête nue, décorée de cheveux grisonnants, et assez poétiquement épars. Le père
Doguereau, comme l'avait surnommé Porchon, tenait par l'habit, par la culotte et par les
souliers au professeur de belles-lettres, et au marchand par le gilet, la montre et les bas.
Sa physionomie ne démentait point cette singulière alliance : il avait l'air magistral,
dogmatique, la figure creusée du maître de rhétorique, et les yeux vifs, la bouche
soupçonneuse, l'inquiétude vague du libraire.
Barbet p. 352.
Barbet avait une méchante redingote boutonnée par un seul bouton, son col était gras, il
gardait son chapeau sur la tête, il portait des souliers, son gilet entrouvert laissait voir
une bonne grosse chemise de toile forte. Sa figure ronde, percée de deux yeux avides, ne
manquait pas de bonhomie; mais il avait dans le regard l'inquiétude vague des gens
habitués à s'entendre demander de l'argent et qui en ont. Il paraissait rond et facile, tant
sa finesse était cotonnée d'embonpoint. Après avoir été commis, il avait pris depuis
deux ans une misérable petite boutique sur le quai, d'où il s'élançait chez les
journalistes, chez les imprimeurs, y achetant à bas prix les livres qui leur étaient donnés,
et gagnant aussi quelques dix ou vingt francs par jour. Riche de ses économies, il flairait
les besoins de chacun, il espionnait quelque bonne affaire, il escomptait aux taux de
quinze ou vingt pour cent, chez les auteurs gênés, les effets des libraires auxquel il allait
le lendemain acheter, à prix débattus au comptant, quelques bons livres demandés; puis
il leur rendait leurs propes effets au lieu d'argent. Il avait fait ses études, et son
instruction lui servait à eviter soigneusement la poésie et les romans modernes.