o Leitor Na Demanda Do Santo Real

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O leitor na demanda do santo real

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O LEITOR NA DEMANDA DO SANTO REALFUI um leitor ingnuo ao acreditar que Bernardo Carvalho me daria a soluo do enigma sobe Buell Quain em Nove noites. Depois de lido, minha cabecinha tentou conciliar o romance s discusses terico-crticas em torno desse tal Realismo-de-novo. Houve inmeros contratos no estabelecimento da leitura e nenhum deles foi ficcional. A partir disso, possvel justificar minha perturbao diante do fato de que no h explicaes para o suicdio do protagonista em questo.Essa literatura que, embora no tenha engajamento poltico, pretende ser um referencial (no representao) da realidade fruto da necessidade humana, atual, busca do saber verdadeiro.Explico: dificilmente a poesia sustenta, hoje em dia, o seu parlar mgico, inefvel, que tangencia as sensibilidades da ponte leitor-poeta. Quem o consegue fazer, foge ao lugar-comum. Em contrapartida, as enfabulaes da narrativa fantstica, que ganharam fora h mais ou menos vinte anos, banalizaram-se por meio da mdia que deu poder a qualquer um que tenha supostas habilidades inventivas para criar seus prprios mundos encantados. O que nos restou foram sangue, suor e lgrimas, isto , uma literatura que d tapa na nossa cara e que bole com os pactos (ficcionais, romanescos, biogrficos e autobiogrficos). Ora ela contaminada pela histria (e cabe ressaltar que os romances histricos disputam espaos nas livrarias da vida), ora pela vida de algum (resqucio do sc. XIX basta verificarmos as biografias que apresentam as excentricidades das celebridades para perceber o quanto h de demanda do santo REAL). A histria e as singularidades, levadas a efeito, acabam nos forando a desistir dos exerccios ecfrsticos, de modo que, por exemplo, ao ler Cazuza, S As Mes So Felizes, perdi a sensao de criar o meu Cazuza, aquele que foi concebido pela energia de suas letras.Pode parecer tolo. Mas os leitores, azar, so tolos. So enganados ou se deixam enganar. H como saber, porm, que tipo de projeto ideolgico existe por detrs desses escritos que querem ser real. Machado de Assis, graas ao bom senso, no se esquece de que est fazendo literatura. Inclusive o expressa de maneira formal. Raul Pompeia, contudo, nos cansa com seus cenrios, em O Atheneu, porque quer detalhar exatamente a viso da meninice. E sabemos que, na tentativa do impossvel, acabamos por nos cansar. Leitores ingnuos, aqui est o ponto. Tanto Machado, quando para Pompeia, havia leitores, inmeros, que na sua ingenuidade, acreditava estar diante do real.O real hoje tem outros dispositivos. Karl Schollhammer os cita: notcias em tempo real, reportagens diretas, cmeras ocultas a servio do furo jornalstico ou mero entretenimento, televiso interativa, reality shows, entrevistas, programas de auditrio e todas as formas imaginveis de situao em que o corpo-presente funcione como texto. A mim, o realismo esta ultrapassado, porque a literatura no precisa de justificativas para existncia. Por que, em realidade (e esse advrbio muito bem grifado, por favor), a literatura um corpo, paradoxalmente inexistente. O clice que esvaziamos internamente.