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TARRAFAREVISTA DO NUPE (Ncleo de Pesquisa e Extenso) do DEDCI
O LDICO E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Patrcia do Carmo Souza24*
RESUMO
Este trabalho apresenta as contribuies de alguns autores sobre o ldico e como ele
contribui para o processo de desenvolvimento infantil. Pretende-se perceber at que ponto os
jogos e brincadeiras podem contribuir para esse processo. Para isso, foi realizada uma pesquisa
ELEOLRJUiFDTXHUH~QHRSHQVDPHQWRGHGLYHUVRVDXWRUHVFRPDLQWHQomRGHFRQKHFHUHYHULFDUas contribuies j existentes sobre o tema, tentando estabelecer sua ligao com a criana e suas
IRUPDVGHPDQLIHVWDomRHQTXDQWREULQFDGHLUDHMRJR(SRUPSHUFHEHUFRPRRVGLYHUVRVDXWRUHVpesquisados relacionam o ldico, o desenvolvimento e a aprendizagem, e se possvel, com base
QDWHRULDDUPDUTXHRO~GLFRFRQWULEXLSDUDRSURFHVVRGHGHVHQYROYLPHQWRGDVFULDQoDV
Palavras-chave: Ldico. Jogo. Aprendizagem.
Introduo
$DWLYLGDGHO~GLFDpDSULPHLUDIRUPDTXHDFULDQoDHQFRQWUDGHGHVFREULURPXQGRDQDOHODno nasce sabendo brincar ou jogar, ela aprende com a me e os familiares na medida em que eles
utilizam o ldico como suporte para o desenvolvimento fsico e para as construes mentais do
beb. Normalmente as primeiras atividades ldicas dos bebs tm como caracterstica a repetio
de aes apenas por prazer. desse primeiro contato com o ldico que comea a ser gerado o
raciocnio, e sua contnua utilizao propicia a ampliao dos conhecimentos.
Acreditava-se existir um vnculo direto entre a criana, o brincar e o brinquedo, e que as
crianas, durante toda a histria da humanidade, sempre brincaram. Essa forma de ver a brincadeira
questionada pela Psicanlise, que trata o brincar como um ato que no se baseia apenas na
espontaneidade, mas possui um carter subjetivo que demonstra um pouco da histria de cada
criana e dos efeitos da sociedade sobre ela.
Diversas reas do conhecimento enfocam a importncia da brincadeira para o desenvolvimento
24 * Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
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infantil. Elas tratam o ldico como mecanismo para a formao integral da criana, pois ele tem a
capacidade de unir a razo e a emoo. E assim, brincando, a criana desenvolve sua criatividade,
expe seus sentimentos e tem a possibilidade de comunicar-se consigo mesma e com os outros.
Enquanto a criana se diverte ela no imagina que est se conhecendo, aprendendo e descobrindo
o mundo.
Diante disso, este trabalho pretende perceber at que ponto os jogos e brincadeiras podem
contribuir para o processo de desenvolvimento das crianas. Para isso foi realizada uma pesquisa
que possui uma abordagem qualitativa, que segundo Chizzotti (2003, p. 79) parte do fundamento
que h uma relao dinmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependncia viva entre o
sujeito e o objeto, um vnculo indissocivel entre o mundo objetivo e a objetividade do sujeito. Por
isso, busca-se os aspectos qualitativos desses fenmenos e os aspectos da complexidade da vida
humana.
4XDQWRDRWLSRSRGHPRVFODVVLFiODFRPRSHVTXLVDELEOLRJUiFDTXHVHJXQGR0DUWLQV(1994, p. 23) a que se efetua para se resolver problemas ou adquirir conhecimento a partir de
consulta a livros, artigos, jornais... (material impresso), reunindo o pensamento de diversos autores
HXWLOL]DQGRHVVHVGDGRVFRPRPHLRGHSHUFHEHU H[SOLFDU FRQKHFHU H YHULFDU DVFRQWULEXLo}HVexistentes sobre o tema.
1RSURFHVVRGHUHYLVmRELEOLRJUiFDIRUDPDQDOLVDGDVDOJXPDVUHIHUrQFLDV WHyULFDVTXHtrabalham com os temas jogos, brincadeiras e ldico, tentando contrapor esses conceitos para
encontrar seus pontos de interseo e dessa forma demonstrar a importncia de pesquisas
anteriormente realizadas, suas contradies e seus possveis pontos ainda relevantes.
5HODo}HVHQWUHRO~GLFRHDFULDQoD
Buscando referncias que tratam da ligao estreita que o ldico possui com a criana para
compreender como ocorre esse processo de interao e de apropriao, encontramos em Piaget
(1978, p. 119) um grande auxlio. Ele trata dos jogos infantis como o meio pelo qual as crianas
FRPHoDPDLQWHUDJLUFRQVLJRPHVPDVHFRPRPXQGRH[WHUQRHFKHJDDDUPDUTXHWXGRpMRJRdurante os primeiros meses de existncia, parte algumas excees, apenas, como a nutrio
ou certas emoes como medo e a clera. Ele divide esses jogos segundo trs tipos: jogos de
exerccio, jogos simblicos e jogos de regra.
Do nascimento at cerca de dois anos, as crianas esto na fase sensrio-motora. De
acordo com Piaget (1978, p.120), o que prevalece so os jogos de exerccio, que se constituem
como exerccios adaptativos em que a criana explora o mundo para conhec-lo e para desenvolver
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seu prprio corpo. e depois de ter aprendido ela comea a faz-los por puro prazer. Esse perodo
caracteriza-se pelo desenvolvimento pelas aes. Nele existe uma inteligncia prtica e um esforo
de compreenso das situaes por meio das percepes e do movimento. Quando a criana refaz
por prazer, tm incio as primeiras manifestaes ldicas, de forma que Piaget chega a dizer que por
outras palavras, um esquema jamais por si mesmo ldico, ou no-ldico, e o seu carter de jogo
s provm do contexto ou do funcionamento atual (1978, p. 120).
3LDJHWIDODGDGLFXOGDGHHPSHUFHEHUTXDLVDo}HVGDFULDQoDVmRUHDOPHQWHO~GLFDVnessa fase, pois as atividades que ela realiza podem ter os dois aspectos: o jogo e a assimilao.
Em seguida, tem incio a fase que ele chama de pr-operatria, que comea aos dois
DQRVHYDLDWpRVVHLVDSUR[LPDGDPHQWH3LDJHWDUPDTXHQHVVDIDVHDFULDQoDFRPHoDa construir jogos simblicos nos quais ela sujeita os objetos fantasia. quando ela comea a
interagir mais fortemente com o ldico e tem incio a funo simblica, e a inteligncia sensrio-
motora vai prolongar-se em pensamento. Com isso, a criana capaz de substituir um objeto por
uma representao. Segundo Piaget (1978, p. 147),
Alm disso, as sua funes afastam-se cada vez mais do simples exerccio: a compensao,
DUHDOL]DomRGRVGHVHMRVDOLTXLGDomRGRVFRQLWRVHWFVRPDPVHLQFHVVDQWHPHQWHDRsimples prazer de se sujeitar realidade, a qual prolonga, por si s, o prazer de ser causa
inerente ao exerccio sensrio-motor.
'HVVD IRUPD WHP LQtFLR D DVVLPLODomR GD UHDOLGDGH H D FRQVWUXomR GH VLJQLFDGRVrelacionando a fantasia com o real. o incio do desenvolvimento da inteligncia, da imaginao, do
pensamento guiado por uma busca de prazer que possibilita assimilar a realidade integral, incorpor-
la, reviv-la, domin-la ou compens-la de forma adequada para a estrutura mental da criana que
ainda apresenta o pensamento em construo.
Outro fator importante que Piaget chama a ateno nessa fase que o ldico cria meios
pelos quais a criana satisfaz o seu egocentrismo, pela imaginao. Nela a criana pode subordinar
tudo a sua vontade. por essa razo que a atividade ldica deve ser estimulada desde a infncia,
deve-se utiliz-la como auxiliar para a construo de um bom desenvolvimento.
Os jogos de regra iniciam-se por volta dos sete anos, quando a criana entra na fase operatria
concreta, que dura at os onze anos. Nessa fase, de acordo com Piaget (1978), a criana aproxima-
VHPDLVGDUHDOLGDGHHFRPHoDDLQWHUDJLUFRPHODPDLVIRUWHPHQWHRVGDGRVUHDLVSDVVDPDWHUXPDmaior relevncia e as regras sociais passam a ser compreendidas. Nessa fase inicia-se a formao
GDVRSHUDo}HV MXQomRHGLVVRFLDomRFODVVLFDomR VHULDomRFRUUHVSRQGrQFLD HQWUHRXWUDV1R
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HQWDQWRDFULDQoDVyFRQVHJXHFRQVWUXLUHVVDVUHODo}HVFRPXPVXSRUWHFRQFUHWRHODGHSHQGHGRmundo real para abstrair. Verbalmente, sob a forma de preposies, ela ainda no capaz de faz-lo.
Por volta dos doze anos a criana entra na fase operatria formal, que perdurar durante
toda a vida, mas ela continuar utilizando os jogos de regra. No entanto, isso no quer dizer que ela
abandone completamente os outros jogos, apenas indica que ela desenvolveu estruturas mentais
mais complexas. O adolescente conquista um modo de raciocnio novo, no qual capaz de pensar
lgica e hipoteticamente, e de buscar solues. nesse estgio que as operaes proporcionais tm
incio. Segundo Piaget (1978, p. 184)
Os jogos de regra so jogos de combinaes sensrio-motoras (corrida, jogos de bola
de gude ou com bolas etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez etc.), com competies de
indivduos (sem o que a regra seria intil) e regulamentados quer por um cdigo transmitido
de geraes em geraes, quer por acordos momentneos.
Isso implica dizer que o diferencial dos jogos de regras em relao ao jogo de exerccio e o
jogo simblico o fato deles ocorrerem como uma atividade ldica praticada pelo ser socializado.
Luckesi (2005d, p. 27) trata da ludicidade como uma atividade a que o sujeito entrega-se
totalmente, na qual deve estar envolvido de corpo e mente. Ele diz:
>@WHQKRDWHQGrQFLDHPGHQLUDDWLYLGDGHO~GLFDFRPRDTXHODTXHSURSLFLDDSOHQLWXGHda experincia. Comumente se pensa que uma atividade ldica uma atividade
divertida. Poder s-la ou no. O que mais caracteriza a ludicidade a experincia de
plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos. A experincia pessoal
de cada um de ns pode ser um bom exemplo de como ela pode ser plena quando a
vivenciamos com ludicidade. mais fcil compreender isso, em nossa experincia,
quando nos entregamos totalmente a uma atividade que possibilita a abertura de cada
um de ns para a vida.
Dessa forma, o divertimento pode aparecer em consequncia do tipo de atividade
desenvolvida. O importante para que a atividade possa ser considerada ldica que traga prazer
e bem-estar, o que s poder ocorrer se houver envolvimento do sujeito. Por esse motivo Luckesi
(2005c) fala que ela caracteriza-se como um fenmeno interno.
Diferente de Piaget (1978) e de Luckesi (2005c), Marcellino (2002) se insere numa corrente
que trata do ldico dentro de uma perspectiva histrica. Assim como Huizinga (2005), ele trata
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dessas questes situando-as dentro de um paradigma histrico-social. Marcellino (2002) trata
do papel e da insero do ldico nas sociedades urbano-industriais e faz uma anlise da criana
enquanto ser inserido nessa sociedade. Assim, ele descreve a viso de criana que essa sociedade
possui e denuncia as consequncias disso para suas vidas
De modo geral, o que se observa na nossa sociedade, com relao criana, a
impossibilidade de vivncia do presente, em nome da preparao para um futuro que
no lhe pertence. Acredito que negar a possibilidade de manifestao do ldico negar a
esperana. (MARCELLINO, 2002, p. 57).
Ele critica fortemente essa sociedade que impe a cultura do adulto e nega a cultura da
criana, vendo-a apenas como potencialidade, como futuro adulto, de forma que ela deve ser
preparada para ser adulta, pois ser criana um estado transitrio. E com isso, o ldico, que deveria
ser vivenciado por ela plenamente, substitudo por contedos mais teis.
Por essa razo Marcellino (2002, p. 28) prefere [...] optar por uma abordagem do ldico no
em si mesmo, ou de forma isolada nessa ou naquela atividade (brinquedo, festa, jogo, brincadeira,
etc.), mas como um componente da cultura historicamente situada. Para ele o ldico no se
expressa apenas em atividades recreativas, mas em toda atividade que haja prazer e criao, sem a
REULJDomRTXHRGLDDGLDQRVLPS}H2O~GLFRQmRpRPHVLPXPPHLRSRUHVVDUD]mRQmRSRGHVHUYLVWRFRPRXPDDWLYLGDGHUHVWULWDGHYHVHUDQDOLVDGRFRPRFRQVWUXWRUGHVLJQLFDGRVEDVHDGRVem experincias diversas, em diferentes pocas.
De acordo com Marcellino (2002), a contribuio da atividade ldica para o desenvolvimento
da criana caracteriza-se, de forma mais evidente, quando se observa a capacidade criativa e
LQYHQWLYD TXH D FULDQoD SRVVXL 3RU LVVR p LPSRUWDQWH HVWLPXODU HVVDV FDSDFLGDGHV DQDO SDUDela tudo pode transformar-se em brinquedo: um tecido, uma madeira, uma pedra, entre outros.
Dessa forma a criana pode soltar a imaginao, criar situaes, imitar, representar, descarregar
sentimentos, exprimir necessidades de afeto.
De acordo com esse autor, a atividade ldica traz muitos benefcios para o desenvolvimento
da criana, constatados por estudos realizados pela Psicologia. Alm de prazer, o brincar proporciona
descarga de energia, preparao intuitiva para a vida adulta, assimilao da realidade, evaso e
insero da realidade. Uma expresso muito clara da importncia do ldico no desenvolvimento da
criana pode ser encontrada em Chateau (1987, p. 14):
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Estudar na infncia somente o crescimento, o desenvolvimento das funes, sem considerar
o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistvel pelo qual a criana modela sua
prpria esttua. No se pode dizer a uma criana que ela cresce apenas, seria preciso
dizer que ela se torna grande pelo jogo. Pelo jogo ela desenvolve as possibilidades que
HPHUJHPGHVXDHVWUXWXUDSDUWLFXODUFRQFUHWL]DDVSRWHQFLDOLGDGHVYLUWXDLVTXHDRUDPsucessivamente superfcie do seu ser, assimilando-as e as desenvolve, une-as e as
combina, coordena seu ser e lhe d vigor.
O brinquedo e o jogo aos quais Chateau (1987) se refere podem ser entendidos como a
materializao do ldico, j que eles aparecem como mecanismos para o desenvolvimento e como
forma de obter prazer durante esse processo. A criana que brinca desenvolve suas habilidades
naturalmente, ela aprende a construir sua autonomia e a criar o novo tomando por base uma
H[SHULrQFLDTXHDSUHVHQWRXUHVXOWDGRVLQWHUHVVDQWHVHFRPLVVRHODFRPHoDDDUPDUVH
Jogo, brinquedo e brincadeira: sinnimos ou no?
Para compreender o ldico indispensvel que se perceba sua manifestao enquanto jogo,
e para isso se tornou necessrio distingui-lo do brinquedo e da brincadeira, pois esses termos so
comumente utilizados como sinnimos. Outro fator importante que em nossa cultura h uma
variedade muito grande de fenmenos aos quais damos o nome de jogo, mas que podem ter uma
QRPHQFODWXUDHXPVLJQLFDGRGLIHUHQWHHPRXWUDFXOWXUD WHQGRHPYLVWDTXHHPXPDSRGHVHUMRJRHHPRXWUDQmR3RULVVRH[LVWHXPDJUDQGHGLFXOGDGHHPHODERUDUXPDGHQLomRGHMRJRTXHenglobe todas as suas manifestaes.
Kishimoto (2001) fala que o jogo pode ser visto como um objeto, uma atividade que possui
um sistema de regras a ser obedecido pelos participantes e que distingue uma modalidade de
outra. Tambm pode ser apenas um vocbulo usado no cotidiano para designar algo dentro de um
GHWHUPLQDGRFRQWH[WRVRFLDO'HVVDIRUPDSRGHVHFRPSUHHQGHURMRJRGLIHUHQFLDQGRVLJQLFDGRVatribudos a ele por culturas diferentes, pelas regras ou pela situao imaginria que possibilita a
delimitao das aes em virtude das regras e pelos objetos que o caracterizam.
Ao trazer esses sentidos para o termo jogo, a autora esclarece cada um deles e diz que no
primeiro sentido, [...] enquanto fato social, o jogo assume a imagem e o sentido que cada sociedade
OKH DWULEXL .,6+,0272 S 3RU FRQWD GLVVR R WHUPR MRJR SRGH SRVVXLU VLJQLFDGRVdistintos, de acordo com a cultura e a poca. O segundo sentido refere-se ao sistema de regras
caractersticas de cada jogo, por meio das quais possvel distingui-lo dos demais. O terceiro trata o
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jogo como o objeto que o materializa, pois alguns jogos no podem acontecer sem um determinado
objeto.
+XL]LQJDSIDODGRMRJRHQTXDQWRPDQLIHVWDomRVRFLRFXOWXUDOSRULVVRDUPDTXH
>@RMRJRpXPDIXQomRGDYLGDPDVQmRpSDVVtYHOGHGHQLomRH[DWDHPWHUPRVOyJLFRVbiolgicos ou estticos. O conceito de jogo deve permanecer distinto de todas as outras
formas de pensamento atravs da quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social.
$GHQLomRGHMRJRWUD]LGDSRU+XL]LQJDGHPRQVWUDVXDUHODomRtQWLPDFRPDFXOWXUDHsua indissociabilidade, de forma que ele prefere descrever as caractersticas das diversas formas de
jogos, sendo sua prioridade descrever os jogos enquanto manifestao social, j que para esse autor
descrever as caractersticas de jogos infantis no algo simples, pois eles esto demasiadamente
carregados de fator ldico que dispensa anlise.
A primeira caracterstica apontada por Huizinga (2005) a liberdade, j que para ser jogo
deve ser uma atividade voluntria. A segunda refere-se ao fato dele no ser vida real, mas apenas
uma forma de evaso dela que dura apenas algum tempo. A terceira caracterstica refere-se ao fato
do jogo criar um isolamento espacial por ocorrer em algum lugar, seja ele material ou imaginrio,
HWHUXPDOLPLWDomRWHPSRUDODQDOHOHDFDEDUiHPDOJXPPRPHQWR$~OWLPDFDUDFWHUtVWLFDpTXHo jogo possui uma ordem e ordena temporariamente as aes por conter regras que devem ser
obedecidas.
3DUDFRPSUHHQGHUPHOKRURVLJQLFDGRGR MRJRpQHFHVViULRFRPSUHHQGHUTXHHOHGLIHUHGREULQTXHGRHGDEULQFDGHLUD1HVVDSHUVSHFWLYD.LVKLPRWRSGLVWLQJXHRVHDUPDque o brinquedo um objeto que, para sua utilizao, no existem regras. Ele pode ser manipulado
livremente pela criana, o que lhe permite representar sua realidade, seus desejos, seu imaginrio. A
DXWRUDFKHJDDDUPDUTXHGLIHULQGRGRMRJRREULQTXHGRVXS}HXPDUHODomRtQWLPDFRPDFULDQoDe uma indeterminao quanto ao uso, ou seja, a ausncia de um sistema de regras que organizam
sua utilizao.
O brinquedo analisado por ela como um substituto dos objetos reais, os quais a criana no
pode manipular. Com isso, pode-se perceber que o termo brinquedo, na perspectiva de Kishimoto
QmR SRVVXL XPD GLYHUVLGDGH GH VLJQLFDGRV WmR DPSOD TXDQWR R WHUPR MRJR %ULQTXHGRrelaciona-se diretamente com a criana e possui uma dimenso material. A criana pode, no entanto,
FRPVXDLPDJLQDomRDOWHUDURVVLJQLFDGRVGRVREMHWRV2EULQTXHGRpRHVWLPXODQWHPDWHULDOSDUDID]HUXLURLPDJLQiULRLQIDQWLO.,6+,0272S
Nesse sentido, Vygotsky (1991, p.106) explica que quando os desejos das crianas no
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podem ser satisfeitos imediatamente, ela cria uma tenso. E para resolver essa tenso, a criana
em idade pr-escolar envolve-se num mundo ilusrio e imaginrio onde os desejos no realizveis
podem ser realizados, e esse mundo o que chamamos de brinquedo.
Dessa forma, o brinquedo teria para ambos a funo de substituir os objetos reais, para
conseguir satisfazer desejos. No entanto, Vygotsky (1991) acentua que isso s pode ocorrer na
idade pr-escolar, j que nela que a criana comea a desenvolver a imaginao, e por isso que
apenas a partir dessa fase torna-se possvel satisfazer um desejo por meio de um brinquedo. Ao
WUDWDUGDH[LVWrQFLDGHUHJUDVQREULQTXHGR9\JRWVN\SDUPDTXHHOHSRVVXLUHJUDVchegando a dizer que pode-se ainda ir alm, e propor que no existe brinquedo sem regras, tendo
em vista que todo brinquedo traz uma situao imaginria e nela existem regras implcitas. Ele
esclarece que
Sempre que h uma situao imaginria no brinquedo, h regras no as regras
previamente formuladas e que mudam no decorrer do jogo, mas aquelas que tm sua
origem na prpria situao imaginria. Portanto, a noo de que uma criana pode se
comportar em uma situao imaginria sem regras simplesmente incorreta. (VYGOTSKY,
1991, p. 108).
As crianas, ao brincarem, tentam comportar-se do modo como elas imaginam ser
adequado naquela situao, e isso j se caracteriza como uma situao imaginria. Dessa forma,
torna-se impossvel brincar sem regras. Vygotsky (1991) afrima que os jogos com regras explcitas
tambm possuem uma situao imaginria caracterstica, j que a criana deve imaginar como agir
de maneira que no venha a contrariar as regras do jogo, tornando inviveis vrias possibilidades
de ao.
Kishimoto (2001, p. 21) fala que a brincadeira tambm ligada criana, pois caracteriza-se
por ser uma ao livre e espontnea feita pela vontade e pelo prazer que pode proporcionar. Durante
a brincadeira, a criana pode utilizar um brinquedo, que ser utilizado apenas como suporte para
realizar desejos no realizveis. A autora diz que a brincadeira a ao que a criana desempenha
ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ao ldica. Pode-se dizer que o ldico em
ao.
9\JRWVN\ SDPSOLD HVVDGHQLomR WHQGRHPYLVWDTXHDWULEXL j LPDJLQDomRum papel fundamental para o brincar, e diz que o velho adgio de que o brincar da criana a
LPDJLQDomRHPDomRGHYHVHULQYHUWLGRSRGHPRVGL]HUTXHDLPDJLQDomRQRVDGROHVFHQWHVHQDVcrianas em idade pr-escolar, o brinquedo sem ao.
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Segundo Kishimoto (2001), a brincadeira uma ao mais livre que o jogo, porm possui
regras implcitas que guiam as aes durante a brincadeira. Ao brincar a criana tenta comportar-
se da forma que imagina ser a correta naquela situao. Aspectos que passam despercebidos no
cotidiano tornam-se regras na brincadeira.
%ULQFDUSDUDDFULDQoDpXPDWRVpULRQRTXDOHODSURFXUDDUPDUVHHREWpPSUD]HU'HVVDforma, dizer que no h seriedade na brincadeira e no jogo um erro, pois mesmo ela estando
relacionada ao cmico, para a criana a brincadeira sria. Chateau (1987) diz que por meio da
brincadeira que a criana constri sua autonomia, desenvolve seu autocontrole, agindo de acordo
com as regras, sem seguir seus impulsos. O jogo e a brincadeira so preparaes para a vida
sria, por isso devem ser feitos de forma livre, por vontade da criana e escolhidos por ela. Quando
impostas, passam a ser trabalho ou ensino.
Quando a criana brinca, s pensa na diverso que o brincar lhe proporciona, sem perceber
que est adquirindo conhecimento e desenvolvendo suas habilidades fsicas e mentais. Assim, o
jogo passa a ser um mtodo natural de educao e instrumento de desenvolvimento. Constata-
VHGHVVDIRUPDDQHFHVVLGDGHGDFULDQoDEULQFDU,VVRFDFODURHP&KDWHDXSTXDQGRele declara que
Pois pelo jogo, pelo brinquedo, que crescem a alma e a inteligncia. pela tranquilidade,
pelo silncio pelos quais os pais s vezes se alegram erroneamente que se anunciam
IUHTXHQWHPHQWHQREHErDVJUDYHVGHFLrQFLDVPHQWDLV8PDFULDQoDTXHQmRVDEHEULQFDUuma miniatura de velho, ser um adulto que no saber pensar.
Discutindo a brincadeira, Luckesi (2005b) lembra que o brincar aparece carregado de
preconceito, liga-se o termo ao no-srio. O no-srio traz prazer e alegria, enquanto o srio aparece
como cansativo e doloroso. A brincadeira passa a ser vista como algo sem importncia no mundo
adulto, no entanto as brincadeiras infantis so srias, pois as crianas dedicam-se a um objetivo e
buscam meios de atingi-lo, mesmo que esse objetivo seja apenas a diverso.
$OpPGHGLVFRUGDU GHVVDGHVTXDOLFDomRGDEULQFDGHLUD /XFNHVL D DUPDTXH HODexiste em todas as idades: todos brincam, ou seja, todos, em conformidade com sua idade e seus
processos de maturao, em seus processos criativos, transitam do subjetivo para o objetivo. Em
todas as faixas de idade e de desenvolvimento, o ato de brincar acontece. O que as distingue so as
possibilidades e as caractersticas pertinentes a cada faixa, pois o brincar est ligada ao criativa
e posterior expresso objetiva.
Discutindo a seriedade do jogo infantil, Chateau (1987) a distingue da seriedade da vida
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adulta. Para ele a criana envolve-se de tal forma no jogo que parece esquecer a vida real, enquanto
o adulto procura no jogo um meio de evaso e compensao da vida real. Nessa mesma perspectiva,
+XL]LQJDSIDODGDVHULHGDGHGRMRJRDUPDQGRTXHpOLFLWRGL]HUTXHRMRJRpDQmRVHULHGDGHPDVHVWDDUPDomRDOpPGRIDWRGHQDGDQRVGL]HUTXDQWRjVFDUDFWHUtVWLFDVSRVLWLYDVdo jogo, extremamente fcil de refutar. Ao trazer o jogo como no-seriedade, Huizinga trata do
IDWRGRMRJRVHUYLGDUHDOPDVDUPDTXHLVVRQDGDWHPDYHUFRPRMRJRQmRVHUVpULRSRLVSDUDque ele ocorra necessrio dedicao, tanto que algumas formas de jogo so capazes de absorver
o jogador. Por isso ele retoma esse tema dizendo:
Todavia, conforme j salientamos, esta conscincia do fato de s de faz de conta no
jogo no impede de modo algum que ele processe na maior seriedade, com um enlevo e
um entusiasmo que chegam ao arrebatamento e, pelo menos temporariamente, tiram todo
RVLJQLFDGRGDSDODYUDVyGDIUDVHDFLPD>@QXQFDKiXPFRQWUDVWHEHPQtWLGRHQWUHele e a seriedade, a sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de
sua seriedade. (HUIZINGA, 2005, p. 10).
Todos os autores citados concordam que o jogo e/ou a brincadeira possuem uma seriedade
e com isso contribuem para o desenvolvimento do sujeito, que comea a compreender o mundo e a
inserir-se nele dessa forma.
&RQVLGHUDo}HVQDLV
No decorrer das pesquisas e das leituras realizadas para desenvolver este trabalho foi
possvel perceber que o ldico sempre esteve presente em todos os perodos da Histria. Os estudos
de Huizinga (2005) foram de fundamental importncia para esclarecer isso, pois demonstram como
alguns elementos culturais foram constitudos baseados em jogos.
Posteriormente, com os estudos desenvolvidos pela Psicologia da Criana, as brincadeiras e
MRJRVLQIDQWLVSDVVDUDPDVHUREVHUYDGRVHDDWULEXLUVHDHOHVVLJQLFDomRHQTXDQWRPHLRQDWXUDOde desenvolvimento das crianas e como forma delas interagirem com o mundo. Enquanto a criana
vivncia/vive o ldico, ela est aprendendo intuitivamente e, ao mesmo tempo, obtendo prazer no
que faz.
1RVHVWXGRVGH3LDJHWHVVDSHUVSHFWLYDFDHYLGHQWHTXDQGRHOHVXEGLYLGHRVMRJRVHPWUrVFDWHJRULDVMRJRVGHH[HUFtFLRMRJRVVLPEyOLFRVHMRJRVGHUHJUD(DUPDTXHHPFDGDum deles a criana constri uma aprendizagem diferente, enquanto satisfaz uma necessidade. A
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passagem de um tipo de jogo para outro teria como principal caracterstica o desenvolvimento fsico
e mental das crianas, pois o jogo que elas apresentam capaz de demonstrar em que estgio de
desenvolvimento elas se encontram.
Da mesma forma que Piaget (1978) descreve a importncia dos jogos para o desenvolvimento
infantil, Vygotsky (1991), Marcellino (2002), Chateau (1987), Kishimoto (2001) e Luckesi (2005c)
DUPDP TXH HOHV SURSLFLDP R GHVHQYROYLPHQWR GD LQWHOLJrQFLD GR SHQVDPHQWR DEVWUDWR GDsocializao, da compreenso da regras de convivncia da sociedade.
Os estudos de Piaget (1978) e de Vygotsky (1991) falam que a aprendizagem ocorre mediante
a interao com o meio, de maneira que, se essa interao tem incio com o ldico, isso j bastaria
para atribuir a ele uma importncia no desenvolvimento. Os estudos de Huizinga (2005) servem para
ilustrar esse fato, pois ele trata o ldico como o primeiro mecanismo usado para a aprendizagem de
costumes, normas, valores e crenas em diversos perodos. Nessa mesma perspectiva, Marcellino
(2002) vai tratar do ldico como componente cultural e no como uma atividade restrita a jogos e
brincadeiras, mesmo no desconsiderando o fato de eles serem formas de manifestao do ldico.
O ldico apresenta uma grande contribuio no processo de desenvolvimento e aprendizagem,
SRLVSURSLFLDDVDWLVIDomRGRHJRFHQWULVPRDFRQVWUXomRGHVLJQLFDGRVRGHVHQYROYLPHQWRGRraciocnio, da inteligncia, do pensamento, da imaginao, da autonomia. Chateau (1987) chega a
dizer que o ldico capaz de criar os meios pelos quais a criana se desenvolve fsica e mentalmente,
de maneira que o divertimento e o prazer vo ocorrer em consequncia da atividade desenvolvida, e
no dela possuir um carter ldico explcito.
Em consequncia disso, Chateau (1987), Kishimoto (2001), Luckesi (2005b), Vygotsky
(1991) e Huizinga (2005) vo falar da seriedade das brincadeiras e dos jogos infantis, pois neles
existem uma entrega, uma dedicao, um objetivo a ser alcanado, uma busca e um esforo.
A contribuio do ldico vai alm, pois capaz de criar a possibilidade da criana interagir
FRPRPXQGRGHIRUPDGHVDDGRUDeXPHVWtPXORQDWXUDODQDOSDUWHGDQHFHVVLGDGHGDFULDQoDAo mesmo tempo em que ela obtm prazer ao satisfazer essa necessidade, consegue aprender,
descobrir, investigar, criar estratgias, buscar solues.
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TARRAFAREVISTA DO NUPE (Ncleo de Pesquisa e Extenso) do DEDCI
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