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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
1897
O LUGAR COMO CONCEITO PARA A COMPREENSÃO DA SIMBÓLICA
ESPACIALIDADE DO RIO MARACATU
LARISSA LIMA DE SOUZA1
Resumo
O presente artigo trata-se de uma análise geográfica e simbólica da espacialidade do bloco carnavalesco
carioca Rio Maracatu por meio da categoria lugar. O grupo percussivo, criado em 1997 por músicos
recifenses e cariocas, faz uma releitura do maracatu de baque virado, manifestação cultural originária de
Pernambuco atualmente em expansão, forjando lugares e itinerários simbólicos através de sua
corporeidade, configurando um balé-do-lugar quando se apropria simbolicamente das ruas cariocas.
Palavras-chave: Lugar, Maracatu, Rio de Janeiro, Rio Maracatu, grupo percussivo.
Abstract
This article is a geographical and symbolic analysis of Rio Maracatu‟s spatiality, using the category place.
This percussion group, created in 1997 by musicians from Rio de Janeiro and Recife, reexamines the
“maracatu de baque virado”, cultural manifestation from Pernambuco and currently in expansion, creating
symbolic places and itineraries through their corporeity, setting a place-ballet when symbolically appropriates
Rio's streets.
Key-words: Place, Maracatu, Rio de Janeiro, Rio Maracatu, percussive group.
1 – Introdução
O presente artigo tem como principal objetivo compreender, humanisticamente, a
dimensão espacial do Rio Maracatu, bloco carnavalesco carioca surgido em 1997, em
meio ao processo de expansão do Maracatu em nível nacional. A análise de tal
manifestação cultural será baseada na Geografia Humanística e na chamada Geografia
Cultural. Esta última considera a cultura como o conjunto de significados (re)elaborados
por um grupo social a partir de suas representações. E a perspectiva humanística possui
como dois de seus conceitos principais o espaço e o lugar. Nesta pesquisa, considerar-
se-á, principalmente, este último para a elucidação dos lugares do Rio Maracatu.
1 Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail de contato:
larissalima_uff@yahoo.com.br
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O lugar somente passou a integrar o campo de estudos geográficos, com afinco, a
partir da década de 1970. Esse recente interesse sobre o lugar, despertado em
pesquisadores das mais diversas áreas, de acordo com RELPH (2012), deve-se a várias
razões. Na Geografia, mais especificamente, relaciona-se com a chamada “virada
espacial”, quando se buscava uma nova concepção de espaço além dos modelos
cartesianos. Segundo o autor, “a defesa do lugar na geografia nos anos de 1970 e 1980
foi inicialmente uma alternativa para o achatamento da disciplina” (RELPH, 2012, p.19),
alusivo à redução da ciência geográfica a apenas sua dimensão positivista, excluindo “a
história, a estética, a poesia e a maioria das conexões que as pessoas têm com regiões,
cidades e ambientes naturais” (RELPH, 2012, p.19), ou seja, desconsiderando as
subjetividades.
CHAVEIRO (2012) afirma que a categoria lugar, no âmbito geográfico, não perdeu
força ao longo do tempo; porém, sofreu transmutações de sentido, tendo sido
reinventada. Na Geografia Humanística, o lugar passou a ser vinculado às significações
atribuídas pelos indivíduos e grupos sociais a determinadas porções do espaço. Portanto,
é através da experiência, direta ou indireta, material ou simbólica, que se torna possível a
criação da familiaridade com os determinados espaços, transformando-os em lugares
(TUAN, 1983; OLIVEIRA, 2012). Estes últimos, de acordo com RELPH (2012), possuem
alguns aspectos que os definem e caracterizam, tais como: reunião, interioridade,
enraizamento, lar, mas igualmente carregando consigo a possibilidade da
variabilidade/mobilidade (TUAN, 2011, 2014).
Torna-se importante salientar que o lar, por sua vez, não se restringe aos limites
precisos de uma residência, podendo se espraiar para as ruas, as quais, ao serem
apropriadas afetuosamente, a partir de um laço “topofílico” (TUAN, 2012), adquirem um
“sentido de lugar” (OLIVEIRA, 2012). Nesse sentido, este trabalho busca compreender, a
partir do ponto de vista interno, os lugares do Rio Maracatu na cidade do Rio de Janeiro.
2 – Metodologias
A fim de atingir os objetivos supracitados, o trabalho foi dividido em uma etapa
de revisão bibliográfica para compor nossa base teórico-metodológica a respeito da
perspectiva humanística na Geografia, da Geografia Cultural, do Maracatu-Nação e dos
grupos percussivo, entre outros assuntos. Essa primeira etapa foi realizada através de
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visitas a arquivos de bibliotecas universitárias como a da UERJ (campus Maracanã) e da
UFF (campi de Niteroi), da Biblioteca Nacional, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, assim como por fontes eletrônicas.
O segundo passo da pesquisa foi o estudo empírico do grupo percussivo Rio
Maracatu, optando-se pela pesquisa qualitativa e pela observação participante para a
compreensão do mesmo (GOLDENBERG, 2011). A respeito da utilidade da pesquisa
qualitativa nos estudos geográficos, PÊSSOA (2012) alega que o seu uso para interpretar
a realidade geográfica se pauta na dialética e na fenomenologia como orientações
filosóficas principais. Esta mesma autora considera bastante “importante a imersão do
pesquisador no contexto de interpretar e interagir com objeto estudado e a adoção de
postura teórico-metodológica para decifrar os fenômenos” (PÊSSOA, 2012, p.11).
3 – Discussão
O maracatu é uma manifestação cultural originada em Pernambuco, no início do
século XVIII, com forte ligação com a cultura negra, especialmente com o candomblé
(culto nagô pernambucano), mas igualmente estabelecendo “relações ambíguas com a
religião católica e com a religião afro-indígena conhecida como „jurema‟” (SANTANA,
2012. p.15). A partir dos toques e padrões percussivos, o maracatu costuma ser
classificado em dois estilos diferentes: o “de baque virado” ou “nação” (remetendo à
homogeneidade), cujas características se assemelham mais às matrizes africanas,
relacionando-se ao culto nagô (candomblé pernambucano); e o “de baque solto”, também
chamado de “rural”, “de caboclo” ou de “orquestra” por estabelecer laços religiosos
indígenas e por ter sido difundido por trabalhadores das lavouras de cana na migração
para Recife e Olinda, incorporando instrumentos de orquestra e se vinculando à prática
religiosa da “jurema” (SANTANA, 2012).
Surgido em tempos escravocratas, o maracatu é um folguedo que se constituiu
enquanto cultura híbrida (CANCLINI, 2013) cujas raízes residem no processo de
ressignificação de rituais africanos em terras brasileiras. No século XVIII, os cortejos
carnavalescos de maracatu eram um momento para se “bater tambor para os deuses,
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cantar para espantar a saudade”2. De acordo com MATTOS et. al. (2013), “por todo
território, ao longo do período colonial e de todo o século XIX, o catolicismo tornou-se
também africano” (MATTOS et. al., 2013, p.47); no entanto, os negros em tempos
pretéritos, aparentando se relacionar apenas com a Igreja Católica a partir de irmandades
como as de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito através da cerimônia de
coroação de reis do Congo, se libertavam de amarras sociais e podiam cultuar seus
orixás e sua ancestralidade africana.
Após viver períodos de relativo abandono – em termos de investimentos para a
manutenção da prática cultural - e, até mesmo, de perseguição, devido a sua associação
com a cultura negra, o maracatu, a partir dos anos de 1990, sofre uma revalorização,
muito influenciada pelo sucesso da banda pernambucana Chico Science e Nação Zumbi,
e passa a simbolizar positivamente um “retorno às raízes”, ao local. Esta busca por
pertencimento, por sua vez, gerou uma expansão do folguedo não somente em escala
nacional, mas também global, a partir da criação de diversos grupos percussivos de
maracatu.
3.1- Rio Maracatu e a ressignificação do maracatu de baque virado
O Rio Maracatu é um dos diversos grupos percussivos de maracatu surgidos no
impulso da “cena pernambucana” Brasil afora. Fundado por músicos cariocas e
pernambucanos, em 1997, na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, tal grupo não é o
único a pesquisar e (re)inventar o maracatu de baque virado em terras cariocas.
Entretanto, sua importância para a expansão do maracatu é incontestável pelo fato de ser
o mais antigo grupo percussivo no Rio de Janeiro, originando todos os demais que
surgiram na cidade (Bloco Maracutaia, Bloco Tambores de Olokun, entre outros), assim
como de ter sido o primeiro a praticar o maracatu de baque virado na Região Sudeste do
Brasil.
Os grupos percussivos de baque virado se diferenciam das nações de maracatu
principalmente pela questão religiosa, intrínseca ao maracatu-nação, mas ausente nos
grupos percussivos enquanto coletividade. Atualmente, não é um pré-requisito ser
2 Descrição utilizada pela rádio pública nacional da Áustria Ö1, em chamada para programa especial
sobre o Maracatu, exibido em 23 de Janeiro de 2015. Disponível em <http://oe1.orf.at/programm/394907>. Acesso dia 28/01/2015.
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ialorixá3 ou babalorixá4 para puxar as loas5, assim como não é necessário a feitura de
santo para uma mulher ser catirina6 nos grupos de maracatu irradiados pelo Brasil e pelo
exterior, por exemplo.
Por outro lado, essas mudanças não configuram uma descaracterização, mas sim
uma ressignificação do maracatu. Uma alteração nos significados de símbolos associados
ao maracatu de baque virado diz respeito à calunga7, carregada pela dama-do-paço,
mulher negra e espiritualmente “limpa” que vai à frente dos cortejos de maracatu-nação
em Pernambuco. No Rio Maracatu, a calunga carregada pela professora de dança e
dama-do-paço do grupo Isabela Castro, não constitui um egun8, ou seja, não possui
nenhum poder espiritual para a prática do candomblé, podendo ser tocada por qualquer
pessoa e sendo apenas utilizada como referência simbólica às calungas de Pernambuco
(Figura 1).
A estrutura do folguedo, especialmente os padrões percussivos e a corporeidade
evidenciada em sua dança (GARCEZ, 2012), demonstram em que sentido os grupos
percussivos de baque virado reinventam, ao mesmo tempo em que se referenciam e se
embasam nas nações a fim de legitimar sua releitura do maracatu.
A corporeidade, nestas circunstâncias, pode ser considerada como um importante
documento histórico, sendo o corpo “produtor e negociador de tradições e processos
criativos” (GARCEZ, 2012, p.37). Desse modo, é através do estudo e das oficinas
ministradas por mestres de algumas nações de maracatu - como Shacon Viana (Maracatu
Nação Porto Rico) e Maurício Soares (Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife) – que
o Rio Maracatu estabelece conexões com o “tradicional” para reinventá-lo com
singularidade. Atualmente, após 18 anos de trabalhos e pesquisas no âmbito da Oficina
de Dança do Rio Maracatu (ODRM), já se fala na existência de uma dança do maracatu e
de outra do Rio Maracatu, esta última caracterizada por movimentos mais abertos e, até
3 Mães-de-santo.
4 Pais-de-santo.
5 Também chamadas de toadas, são as músicas de maracatu, um canto de improviso “em resposta a
estribilhos fixos” (TINHORÃO, 2012, p.65), característica herdada dos “sons dos negros” (TINHORÃO, 2012) de tempos coloniais. 6 Catirina ou catita é uma das principais personagens ou símbolos do maracatu-nação, ressignificadas
nos grupos percussivos. 7 Boneca preta, feita de pano ou madeira que sai sempre à frente dos cortejos das nações pernambucanas.
8Os eguns representam a energia da ancestralidade, os espíritos dos desencarnados.
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mesmo exagerados quando o intuito é enfatizar as ideias de guerreiro ou movimentos
inspirados na dança dos orixás e concatenados com o baque da percussão.
Figura 1: Dama-do-paço, corte e catitas durante cortejo carnavalesco do Rio Maracatu, em
Fevereiro de 2015. Foto: Sérgio Feijó.
Devemos considerar, aqui, a corporeidade por um viés geográfico, admitindo
também o corpo enquanto um “arquivo de lugares”, uma “memória-arquivo”, ou melhor,
um “arquivo-vivo-memória” (CHAVEIRO, 2012, p.253), reflexo e condição da reprodução
das desigualdades sociais (de classe, gênero, étnicas, dentre outras) no espaço/lugar.
2.2- Lugares e itinerários simbólicos do bloco: o “balé do lugar” na apropriação das
ruas cariocas
Na perspectiva da Geografia Humanística, os indivíduos e grupos sociais somente
transformam espaços em lugares a partir da experiência, e, neste ponto, o corpo e a
corporeidade adquirem extrema relevância, pois é a através dos nossos sentidos que
percebemos e significamos os espaços pelos quais percorremos no real ou nos
remetemos em pensamento (TUAN, 1983), assim como porque as corporeidades se
apropriam do lugar e, ao mesmo tempo, são condicionadas por eles.
A relação dos corpos com os lugares não são estáticas, permitindo que
analisemos geográfica e simbolicamente a apropriação das ruas por blocos
carnavalescos, como realizado neste trabalho. Há uma relação intrínseca entre a
experiência corpórea e o espaço e seus componentes, sendo o espaço “[...] a categoria
de mediação na relação de experiência do corpo com o mundo por intermédio daquilo que
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é possível, portanto vivenciável e experenciável: o lugar” (CHAVEIRO, 2012, p.250). Em
sua concepção, os lugares, assim como os corpos teriam sua essência no devir, visto que
“não há vida humana sem fluxo, movimento, relações” (CHAVEIRO, 2012, p.251).
Pode-se afirmar que a prática do maracatu configura o balé do lugar ou dança-
do-lugar (SEAMON, 1980; MELLO, 2000, 2012) onde acontece, pois além de
compreender os movimentos específicos da afro diáspora (GARCEZ, 2012) do maracatu,
envolvendo as oficinas de percussão e dança, os preparativos para os desfiles (como
afinação das alfaias, os alongamentos e a maquiagem das catitas e da corte), esse
mesmo maracatu se caracteriza por um cortejo real acompanhado por instrumentos de
percussão, tendo expressividade a corporeidade herdada dos africanos.
Para a compreensão dos lugares do Rio Maracatu na urbe carioca, a
corporeidade do grupo percussivo enquanto coletividade, mas principalmente de alguns
indivíduos participantes do bloco, possui um papel de destaque no sentido do
desvendamento das suas subjetividades. Afinal, “a geografia cultural está focalizada na
interpretação das representações que os diferentes grupos sociais construíram a partir de
suas próprias experiências e práticas” (CORRÊA, 2007, p. 9), mediadas por distintos
simbolismos.
COSGROVE (2012) afirma que os símbolos são representações criadas pelo
homem para descrever e dar sentido à vida. Pode ser um gesto, uma vestimenta ou
um símbolo espacial (cemitério, igreja, shopping, floresta etc). Dessa maneira, cada grupo
social que se apropria de um lugar, pode estabelecer uma relação de afetividade com o
mesmo a partir de diferentes símbolos, produzindo, portanto, distintas representações
no/do lugar e (re)produzindo seu espaço a partir de formas concretas. Na perspectiva de
CORRÊA (2007), toda forma é simbólica, mas vem acompanhada por um segundo
elemento: econômico, religioso, político etc. O sentimento de pertencimento ao lugar pode
se referir, pois, à etnicidade, à classe social, a práticas políticas, entre outros elementos.
Portanto, “a produção e reprodução da vida material é mediada na consciência e
sustentada pela produção simbólica – língua, gestos, costumes, rituais, artes, a
concepção da paisagem, etc” (CORRÊA, 2007, p.4).
Ademais, o arranjo espacial dos objetos espaciais que são percebidos e que
contenham significado para determinado grupo, portanto funcionando como símbolos
espaciais (COSGROVE, 2012), torna-se essencial para a recriação de itinerários
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simbólicos e para a fortificação da dimensão simbólica responsável pela construção
identitária desse mesmo grupo.
Considerando-se a subjetividade dos indivíduos envolvidos com a prática do
maracatu, buscamos compreender como essa manifestação cultural contribui para a
configuração de lugares na cidade do Rio de Janeiro. O grupo Rio Maracatu se apropria
do espaço urbano carioca ao longo de todo o ano, configurando lugares simbólicos e
itinerários simbólicos (CORRÊA, 2007). Nesta seara, vale acrescentar, o simbolismo
desses lugares pode estar associado tanto a uma “singularidade locacional” quanto “à
força de sentimentos criados em razão da afirmação do status de um grupo social ou da
identidade étnica ou religiosa” (CORRÊA, 2008). Todos os lugares apropriados pelo Rio
Maracatu são conhecidos como símbolos do Rio de Janeiro: o bairro da Lapa (Figura 2),
algumas comunidades cariocas, como a do Pavão-Pavãozinho e a orla de Ipanema (entre
os postos 8 e 9).
Figura 2: Cortejo do Rio Maracatu sob os Arcos da Lapa, durante o Festival LapaLê, em Abril
de 2015. Foto: Renata Rodrigues.
Os bairros da Lapa e de Ipanema são famosos nos roteiros turísticos da cidade
do Rio de Janeiro mundo afora. De acordo com o geógrafo Yi-Fu Tuan, a valorização de
um bairro pode decorrer de uma “consciência de vizinhança” – tendo a rua um papel
importante para a existência desse sentimento-, da atribuição de valores econômicos,
estéticos e sentimentais (TUAN, 2012, p.294).
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Atualmente, além da ideia de boemia e malandragem, algumas formas
contribuem para colocar a Lapa sob os refletores: o casario antigo, os sobrados de
fachadas reformadas abrigando novas funções e os famosos Arcos podem ser
considerados formas simbólicas (CORRÊA, 2012) do bairro, inserindo-o nos cartões
postais da cidade do Rio de Janeiro. Para a maioria dos integrantes do Rio Maracatu
entrevistados ao longo da pesquisa, a Lapa se configura em lar, tanto porque a sede do
grupo encontra-se no bairro, na Fundição Progresso, quanto pelo maior contato entre
público e desfilantes, pela presença do chamado “povo de rua”.
Já Ipanema, ganha projeção nacional e internacional, tornando-se um dos
principais points da urbe carioca por meio da Bossa Nova, exaltando sua beleza natural.
De acordo com o geógrafo humanista Yi- Fu Tuan, “durante o último século, as praias
tornaram-se muito populares, mas, saúde e prazer, que não são produtos do mar, foram
as maiores atrações” (TUAN, 2012, p.165). A maioria dos integrantes do Rio Maracatu
entrevistados durante a presente pesquisa demonstrou contentamento em desfilar na orla
de Ipanema, mas o bairro foi escolhido para abrigar os cortejos de carnaval do bloco por
uma questão logística, pois a maioria dos integrantes reside na Zona Sul da cidade. A
respeito do simbolismo das praias cariocas no imaginário social da cidade, GOMES
(2013) afirma: “Em torno das praias da Zona Sul, foram construídas imagens associadas
a um hedonismo moderno, um estilo confortável e uma convivência prazerosa e pacífica”
(GOMES, 2013, p.253).
A presença do Rio Maracatu nas comunidades cariocas ocorreu a partir da ideia
de pluralizar o público do maracatu no Rio de Janeiro, predominantemente branco e de
classe média. Dentre as comunidades em que o Rio Maracatu saiu em cortejo, a do
Pavão-Pavãozinho, especialmente, causou um impacto muito positivo nos integrantes.
Desfilar pelas vielas a remeteu a Recife, pois nesta cidade as sedes das nações de
maracatu se localizam em comunidades, ao contrário do Rio de Janeiro.
Além disso, ao relatarem suas experiências em tal comunidade carioca, os
integrantes entrevistados se mostraram realizados, radiantes devido à sensação de
“retorno” às origens negras do maracatu. Assim sendo, podemos afirmar que eles
construíram lugares nesse espaço da cidade.
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Figura 3: A professora Aline Valentim dança e é observada em uma das ruas da comunidade
Pavão-Pavãozinho. Foto: Benjamin Tollet.
Os desfiles se configuram de maneiras distintas nos referidos espaços,
possuindo diferentes objetivos e públicos e originando múltiplas sensações em quem
vivencia a festa. Em Ipanema, o público espectador é muito maior do que o da Lapa ou
das comunidades. No litoral da zona sul, este público, inclusive, encontra-se segregado
de maneira mais visível com o emprego de cordas que separam desfilantes e plateia. Nos
outros referidos simbólicos lugares esta separação é bem mais sutil, sendo as fronteiras
mais fluidas. A partir da pesquisa empírica, constatou-se, também, que o maracatu e o
Rio Maracatu, mais especificamente, associam-se a sentimentos e ideias ora positivos,
como alegria, contentamento, orgulho/satisfação, acolhimento, amor, diversão,
resistência, mas também negativos como stress e culpa.
4 – Resultados e Conclusões
A partir das entrevistas, observou-se que as semelhanças espaciais entre Recife e
os espaços apropriados pelo Rio Maracatu no Rio de Janeiro, quais sejam a Lapa,
Ipanema ou as comunidades cariocas, influenciam na identificação dos integrantes e,
portanto, no sentido de lugar desses espaços. Quanto mais elementos e características
dos referidos lugares se assemelham aos de Recife, maior é a identificação dos
integrantes deste grupo percussivo e, portanto, maior é o sentido de lar. Ademais, os
lugares do Rio Maracatu são criados em ambos os lados da famosa corda utilizada no
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cortejo carnavalesco do bloco e mesmo quando não se vivenciam apenas emoções
positivas.
Os três meses de trabalho de campo foram essenciais para responder as questões
chave da pesquisa. Da mesma maneira, surgiram outros questionamentos a partir da
pesquisa empírica. A partir dos questionamentos, vimos que o Rio Maracatu estabelece
um diálogo constante com algumas nações de maracatu, além de ressignificar muitos dos
símbolos destas. É por meio desses símbolos que o grupo se apropria dos espaços em
uma temporalidade específica e cria lugares.
6 - Referências Bibliográficas
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