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O movimento estudantil nas páginas do Inquérito da Batalha da Maria Antônia (1968)
DANIELLE BARRETO LIMA*
Este trabalho1 tem como objetivo apresentar como o movimento estudantil foi retratado
durante a realização e a partir da documentação produzida pela Comissão Especial de Inquérito
(CEI) instaurada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 11 de outubro de 1968,
para apurar “as responsabilidades do conflito” ocorrido entre os estudantes da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo, conhecido como “Batalha da Maria Antônia”. O conflito ocorreu nos dias 2 e 3 de
outubro de 1968, na rua Maria Antônia, no centro da cidade de São Paulo/SP, rua que separava
as duas instituições de ensino. Foram dois dias de intensa luta entre os estudantes, com uso de
bombas e armas. O inquérito produzido pela CEI possui 392 (trezentas e noventa e duas)
páginas e está encadernado em um volume único, arquivado junto ao Acervo Histórico da
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e registrado sob o nº. 7955/68. Evidencia-se,
ainda, que a CEI não foi finalizada, não constando na documentação seu encerramento o que,
supõe-se, teria ocorrido por conta do clima repressivo no país, já que se estava às vésperas da
decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, o que acarretou, em janeiro
de 1969, o fechamento da Assembleia Legislativa.
A Batalha da Maria Antônia
O conflito entre os estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, que depois ficou conhecido como
“Batalha da Maria Antônia”, teve início na manhã do dia 2 de outubro de 1968, prosseguindo
até o dia seguinte. Uma série de provocações entre os estudantes das duas instituições – e, pode-
* Mestranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP – PEPG-EHPS). Bolsista CNPq. 1 Este trabalho é um recorte da minha pesquisa de Mestrado em andamento sob a orientação da professora Dra.
Katya Mitsuko Zuquim Braghini (PUC/SP – PEPG-EHPS).
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se dizer, uma rixa antiga - fez com que se iniciasse o conflito, que teve como estopim a
realização de um “pedágio” por estudantes secundaristas2.
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Os alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, incomodados, tentaram impedir o
trânsito dos veículos pela rua Maria Antônia, de modo a que não se concretizasse o
recolhimento de fundos. Não tendo conseguido realizar o bloqueio dos carros, os estudantes da
Mackenzie começaram a jogar ovos e outros objetos nos estudantes que realizavam o pedágio.
Alguns alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
saíram em defesa dos secundaristas. Após, deu-se início ao violento conflito entre as duas
instituições. Na tarde do segundo dia de conflito, o secundarista José Guimarães, aluno do
colégio paulista Marina Cintra é morto durante a batalha entre os estudantes, com um tiro na
cabeça. A Batalha da Maria Antônia chega ao fim.
O inquérito como documento histórico
Para esta pesquisa, pensa-se o documento como uma construção fabricada a partir das
relações de força existentes na sociedade (LE GOFF, 2003: 536). Le Goff (2003: 48) menciona
o uso de inquéritos como um meio possível para “abordar os sentimentos da opinião pública de
um país sobre o seu passado, assim como sobre outros fenômenos e problemas”. Parte-se do
pressuposto de que documento é “todo texto escrito, manuscrito ou impresso, registrado em
papel” (CELLARD, 2008: 297), “tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de
testemunho, é considerado como documento ou ‘fonte’” (CELLARD, 2008: 296).
Enquanto construção, é fundamental que se entenda a sua forma de constituição e seu
contexto (CELLARD, 2008: 299), especialmente a conjuntura política e social em que foi
produzido, destacando-se que se trata de documento produzido por deputados, dentro de uma
2 Sobre o pedágio, a imprensa noticiou que o objetivo era angariar fundos para o XXX Congresso da União
Nacional dos Estudantes (UNE) (LIVRO BRANCO SOBRE OS ACONTECIMENTOS...., 2018: 55). Santos
(2015: 170), apresenta o mesmo entendimento. Durante a CEI, foi mencionado que os estudantes almejavam
angariar fundos para a União Paulista de Estudantes Secundários (SÃO PAULO, 1968: 216).
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Assembleia Legislativa, durante a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985). Além disso, é
necessário captar as práticas dos autores envolvidos, tanto no que se refere aos participantes da
Comissão Especial de Inquérito, parlamentares e depoentes, quanto aos destinatários daquele
documento (CELLARD, 2008: 302).
O movimento estudantil nas páginas do Inquérito da Batalha da Maria Antônia (1968)
Em 1968, a conjuntura nacional era de uma mobilização estudantil crescente e os ânimos
se acirravam entre movimento estudantil e regime militar, com uma crescente tensão e uma
escalada repressiva que culminou com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), editado em 13 de
dezembro de 1968, durante o governo do general Artur da Costa e Silva.
A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, palco do
conflito, havia sido ocupada pelos estudantes no fim de junho de 1968. Dias depois, na
madrugada do dia 25 de junho de 1968, integrantes do Comando de Caça aos Comunistas
(CCC) tentaram invadir a ocupação, tendo sido repelidos pelo movimento estudantil de
resistência ao regime militar (SOARES, 1968: 56).
A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo também havia sido ocupada no
mesmo período pelo movimento estudantil. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, a “Maria Antônia”, era considerada a mais organizada
politicamente. Havia, conforme apontado por Cardoso (2018: 26) um “sentido político do
objetivo de destruição da instituição simbolizada pelo edifício de nº 294”.
A realização de ocupações estudantis era uma nova forma de manifesto no movimento
estudantil (HUERRE, PAGAN-REYMOND E REYMOND, 2000). A primeira ocupação
estudantil, no Brasil, apontada pela imprensa, ocorreu em 1961 em Recife. Na ocasião, os
estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, não obstante tivessem
manifestado solidariedade aos colegas quando da desocupação da Faculdade de Recife,
“disseram ter sentido uma “estranheza” para com a atitude de ocupação feita ‘indevidamente’
junto aos ‘bens pertencentes ao Estado’” (BRAGHINI, 2010: 104). Sete anos depois, a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP também estaria ocupada.
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Além de forma de protesto ao regime, as ocupações tinham como pauta a reestruturação
da universidade, no contexto das discussões sobre a reforma universitária e do problema dos
excedentes. Os chamados excedentes eram os jovens que, embora tivessem tirado as notas
mínimas nos exames para ingressar no curso superior, não conseguiam se matricular na
faculdade por insuficiência de vagas no sistema de ensino.
Foi em meio às ocupações recém realizadas, às discussões sobre a reforma universitária
e ao problema dos excedentes, que se deu o conflito da Maria Antônia. O ocorrido mereceu
atenção de parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo. Por um lado, viu-se a
violência no conflito e o seu desfecho, com a morte de um estudante; por outro, a atuação do
Comando de Caça aos Comunistas (CCC), cujos membros eram, em grande medida, alunos da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Ainda no dia 3 de outubro, a Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP solicitou, junto à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a instauração de
procedimento para apurar o conflito (LIVRO BRANCO SOBRE OS ACONTECIMENTOS....,
2018: 129) 3. O Requerimento nº 962 de 1968 foi aprovado em 11 de outubro de 1968, por meio
do Ato nº 32 de 1968, pelo então presidente da Assembleia Legislativa, sr. Deputado Nelson
Pereira. Na capa do inquérito, dados gerais de cadastro, com destaque para o objeto da
Comissão Especial de Inquérito (CEI):
Propõe a constituição de Comissão Especial de Inquérito para apurar as
responsabilidades do conflito havido entre os alunos da Faculdade de Filosofia
Ciência e Letras da Universidade de São Paulo e os alunos da Universidade
Mackenzie, nos dias 2 e 3-10-68 (SÃO PAULO, 1968: capa).
O pedido para a constituição da CEI, de autoria do deputado Raul Schwinden
apresentava como justificativa o quanto segue:
Os acontecimentos verificados em São Paulo, ontem e anteontem, que tiveram como
resultado diversos estudantes feridos e o que é pior, a morte de um jovem de 20 anos,
ocasionada por um tiro partido não se sabe de onde, estão a exigir desta Casa uma
medida efetiva e imediata. Esta Assembléia, como legítima representante do povo
3 O Livro Branco Sobre os Acontecimentos da Rua Maria Antônia, 2 e 3 de Outubro de 1968, é uma obra datada
de 6 de novembro de 1968 e composta de documentos e relatórios, elaborados por uma Comissão de professores
nomeada pela Congregação da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), sobre o conflito
envolvendo os estudantes da Universidade Mackenzie e alunos da instituição. Foi publicado, em segunda edição,
em 2018.
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paulista, nesta hora, não pode ficar indiferente a esses eventos, razão pela qual
solicitamos a constituição dessa Comissão (SÃO PAULO, 1968: 1)4.
Houve a designação de um fotógrafo para acompanhar os trabalhos da CEI. Conforme
se depreende das fotos dos locais em que o conflito ocorreu (SÃO PAULO, 1968: 18-42), havia,
nas paredes, vestígios de pichações mencionando grupos como o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), que é citado na fala de alguns parlamentares e do estudante que foi ouvido
em depoimento. A maior parte do inquérito refere-se ao registro das reuniões realizadas pela
CEI, que contou com o depoimento de um aluno e professores de ambas as universidades
envolvidas, em que se discutem as motivações do conflito, histórico das animosidades entre os
estudantes e a participação de diversos agentes no ocorrido.
Há também registros de conflitos entre os parlamentares designados5 para compor a
CEI, por conta, na maioria das vezes, de perguntas e falas realizadas pelos deputados durante
as reuniões, mostrando as disputas de narrativas políticas quanto às ocorrências na rua Maria
Antônia, bem como pela forma com que o inquérito era conduzido, tal como o ocorrido entre o
vice-presidente, o deputado Raul Schwinden, e o presidente da CEI, deputado Wadih Helu
(SÃO PAULO, 1968: 101-103).
Foi no dia 29 de outubro de 1968 que foi realizada a primeira reunião da Comissão
Especial de Inquérito (CEI) para a oitiva dos professores das instituições de ensino envolvidas
no ocorrido (SÃO PAULO, 1968: 44). Os primeiros presentes foram os professores da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo: professores Antônio
Cândido de Mello e Souza, Oswaldo Porchat Pereira e a professora Maria Isaura Pereira
Queiroz. O então Diretor da Faculdade de Filosofia, Eurípedes Simões de Paula, também foi
convidado para comparecer às reuniões da Comissão (SÃO PAULO, 1968: 44-47).
O primeiro professor a se manifestar foi Antônio Cândido de Mello e Souza. Após
alguns esclarecimentos feitos pelos deputados, o professor deu início a sua fala que, segundo
4 Quando da transcrição dos depoimentos e demais informações mencionadas na Comissão Especial de Inquérito
(CEI), preservou-se a grafia original mencionada nos documentos. 5 No ato de aprovação do requerimento, foram designados para compor a CEI, os Srs. deputados Waldir Helu,
Domingos Aldrovandi, Antônio Leite Carvalhaes, Salvador Julianelli, Agnaldo de Carvalho Júnior, Valério Giuli,
Fernando Perrone e Raul Schwinden. Houve, no decorrer dos atos da Comissão Especial de Inquérito, substituição
de parlamentares para compô-la, tal como o ocorrido em 24 de outubro de 1968, em que o então presidente da
Assembleia Legislativa, Sr. Nelson Pereira, nomeou o deputado Ary Silva para substituir o deputado Salvador
Julianelli (SÃO PAULO, 1968).
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ele, seria composta de “notas de resumo muito rápido dos pontos principais” dos depoimentos
assinados pelos professores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo, em decorrência do conflito em questão (SÃO PAULO, 1968: 60).
Segundo o professor Antônio Cândido, o conflito teve início por conta da reação dos
estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie ao pedágio realizado por alguns
estudantes secundaristas que, agredidos com pedras e ovos pelos estudantes da Mackenzie,
foram defendidos pelos alunos da Faculdade de Filosofia ̧Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo.
As tentativas que foram feitas pelos professores da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo para pôr um fim à agitação, tentando contato com a então
reitora da Mackenzie, professora Esther de Figueiredo Ferraz, foram destacadas por Antônio
Cândido. O contato com a reitora não teve êxito e a tentativa foi infrutífera (SÃO PAULO,
1968: 62). O conflito seguiu seu curso, com algumas pausas. No dia seguinte:
os estudantes da Filosofia estenderam uma faixa prêta, cujos dizeres ignoro, mas
parece que se referiam a um apêlo para que os mackenzistas e alunos da Faculdade
se unissem contra o CCC. Os estudantes do Mackenzie se reuniram e foram arrancar
a faixa. É preciso assinalar que a polícia, quando o dia raiou, estava nos terrenos do
Mackenzie. Os estudantes saíram e, na presença da polícia, arrancaram a faixa e
generalizou-se o conflito. Veio aí um bombardeio e a resposta do Mackenzie (SÃO
PAULO, 1968: 63).
O professor Antônio Cândido destaca, em seu depoimento “a atitude da polícia, que se
mantinha como espectadora” e “a violência do ataque (...)” (SÃO PAULO, 1968: 63), já que:
na fase aguda, era arremessada uma bomba por minuto contra a Faculdade. Na
Faculdade, os alunos reagiam, mas os meios eram bem menores, não faziam frente
aos ataques. Houve, também, tiros desfechados (...) que mostram a utilização de
armas de fogo. É preciso notar que os estudantes da Universidade Mackenzie ou as
pessoas que a êles estavam aliadas, tomaram um prédio existente ao lado do
Mackenzie, muito alto e de cima tinham um grande domínio, Era difícil de atravessar
até o pátio da Faculdade. O Prof. Eurípedes, quando entrou, foi com dificuldade, sob
saraivada de pedras. Houve muitos feridos. E houve um rapaz morto, infelizmente
(SÃO PAULO, 1968: 64-66).
Um projétil de arma calibre 45, “material americano, usado para combate”, foi
encontrado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
supostamente atirada do prédio da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SÃO PAULO, 1968:
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120). A utilização de armas durante o conflito também foi mencionada pelo professor Oswaldo
Porchat Pereira, docente da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo:
O sr. Raul Schwinden: Por acaso foi visto algum militar ou estudante fazendo uso de
arma usada exclusivamente por militares?
O Sr. Oswaldo Porchat Pereira: Pessoalmente assisti ao bombardeio. Foram
lançadas bombas molotov sobre a Faculdade, em número gigantesco. (...) Posso
dizer que um bombeiro, pelo menos, se queixou a mim. Não era o comandante.
Queixou-se de estar sendo impedido no seu trabalho pelo bombardeio feito a partir
do Mackenzie contra a Faculdade (SÃO PAULO, 1968: 81).
A segunda reunião da CEI, realizada em 5 de novembro de 1968, tinha como objetivo
receber o então Diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, professor
Eurípedes Simões de Paula. Para ele, a Batalha da Maria Antônia era mais “uma das constantes
lutas entre nossos alunos e os alunos da Mackenzie. Seria o terceiro ou quarto conflito que
tivemos” (SÃO PAULO, 1968: 107).
Em 1964, o Grêmio da Faculdade de Filosofia foi depredado por grupos estudantis da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em 1967, durante as eleições da UEE, outra invasão.
Em agosto de 1968, o prédio da Maria Antônia foi pichado com inscrições como: “CCC
voltou!”, “Agora é pra valer”, “Fora o comunismo”, “CCC derrota o comunismo” (LIVRO
BRANCO SOBRE OS ACONTECIMENTOS...., 2018: 55). Os conflitos ocorridos
anteriormente entre os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo e os estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie são retomados pelos
presentes na reunião. Questionado sobre ter chamado a polícia para conter o conflito, o Diretor
alegou:
Eu não a chamei e assumo a responsabilidade, se houver nisso algum crime. Eu não
chamei, em primeiro lugar porque há o reitor. Se chamasse a Fôrça seria para dentro
da Faculdade, os estudantes estavam exaltados e tentariam resistir a uma tropa como
a Fôrça Pública (SÃO PAULO, 1968: 114).
Interpelado sobre declarações feitas anteriormente pela reitora da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, Esther de Figueiredo Ferraz de que “o Mackenzie se havia submetido
a uma ameaça de invasão por parte dos alunos da Filosofia” o Diretor responde “quem tem
sofrido invasão temos sido sempre nós” (SÃO PAULO, 1968:148).
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Durante o depoimento do professor Simões de Paula, o deputado Agnaldo de Carvalho
Júnior afirma que os estudantes da Faculdade de Filosofia teriam ocupado o prédio ao lado da
Mackenzie, após a polícia ter expulsado os alunos da Mackenzie (SÃO PAULO, 1968: 121).
Este deputado, mais uma vez, questiona o Diretor a respeito de invasões que a Faculdade de
Filosofia teria feito à Universidade Presbiteriana Mackenzie. Neste momento, o Diretor retoma
um episódio ocorrido uma semana antes da Batalha da Maria Antônia, quando uma conferência
– que não chegou a acontecer - do Capitão Charles Rodney Chandler6 na Mackenzie, motivou
protestos de alguns estudantes:
quando se programou uma conferência do Capitão Chandler, no Mackenzie, para
falar sôbre a guerra do Vietnã, houve invasão de alguns rapazes que queriam ir lá
pixá-lo. Mas, o Capitão Chandler não esteve, estava no Rio de Janeiro. Este é um fato
que consta ter ocorrido na Faculdade, mas não posso dizer se houve isto realmente,
ou não. Agora, os atritos entre o pessoal das duas faculdades é (sic) comum até (...)
uma é considerada escola de meninos ricos e a outra não, é oficial; então as meninas
do Mackenzie chamam as outras de comunistas, e é ovo vai e ovo vem; já houve vários
conflitos, muitos mesmo. Isso é até rotina quase (SÃO PAULO, 1968: 123-124).
Para Simões de Paula, essa separação entre “meninos ricos e pobres” explicaria em parte
os conflitos existentes. No decorrer de seu depoimento, as discussões se encaminharam para a
questão dos excedentes, como resposta ao questionamento do deputado Agnaldo de Carvalho
sobre as razões da “animosidade” entre os estudantes.
Para Simões de Paula, a questão dos excedentes era um dos motores do movimento
estudantil: “É um pessoal tremendamente revoltado, politizado etc.” (SÃO PAULO, 1968:
126). Apesar de concordar com a necessidade de uma reforma universitária, o Diretor assinala
que alguns estudantes se aproveitavam da questão para “empolgar os demais colegas” (SÃO
PAULO, 1968: 128).
O deputado Agnaldo de Carvalho Júnior os denominou “extremistas” (SÃO PAULO,
1968: 127). Para o deputado Valério Giuli, se tratava de uma minoria, movida por questões
ideológicas (SÃO PAULO, 1968: 135). O presidente da CEI, em sua fala fechando esta reunião,
se manifesta: “Acreditamos que a grande maioria dos alunos da Filosofia é ajuizada” (SÃO
PAULO, 1968: 154). Para o deputado Aurélio Campos, o “radicalismo” das massas estudantis
6 Capitão norte-americano Charles Rodney Chandler, oficial do Exército dos Estados Unidos e veterano da Guerra
do Vietnã, assassinado em 12 de outubro de 1968.
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era responsabilidade dos “altos dirigentes desta República” que, ao lhes subtrair as “legítimas
representações” inviabilizaram a manifestação dos estudantes (SÃO PAULO, 1968: 301).
Os debates na reunião se encaminharam para um pedido de auxílio aos parlamentares,
feito pelo Diretor da Faculdade de Filosofia, Eurípedes Simões de Paula, para destinação de
verbas para a construção da Cidade Universitária, objetivando a efetiva transferência da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Para Simões de Paula:
“Com a mudança para a Cidade Universitária, tudo isso vai ser alterado. Lá não se terão grandes
espaços para se fazerem passeatas que atrapalhem a população” (SÃO PAULO, 1968: 153).
Além disso, a mudança possibilitaria um aumento na quantidade de vagas oferecidas e, assim,
seria solucionado o “problema social” causado pela situação dos excedentes (SÃO PAULO,
1968: 135).
O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) é citado novamente quando o deputado
Fernando Perrone apresenta e solicita a juntada da reportagem da revista “O Cruzeiro”
intitulada “CCC ou o Comando do Terror”7 aos autos da CEI, por trazer fatos novos sobre o
conflito em questão e nomes que, segundo o deputado, deveriam ser convocados a depor, por
serem de “estudantes pertencentes ao CCC, que teriam participado do ataque à Filosofia” (SÃO
PAULO, 1968: 155).
Em sua fala, o deputado Fernando Perrone menciona os seguintes nomes: João Marcos
Flaquer, Lionel Zaclis, Francisco José Aguirre Menin, Souvenir Assunção Sobrinho, Bernardo
MacDowell Krug, Pedro José Liberal, João Parisi Filho, José Antônio de Oliveira Machado,
Raul Nogueira Lima, Estefan Buriti Suzian, José Roberto Batochio, Raffi Kathlian, Flávio
Caviglia, Henri Penchas (SÃO PAULO, 1968: 156). Destaque-se que o presidente da Comissão
não defere de imediato a convocação dos nomes apontados pelo deputado, alegando que
“talvez, em primeiro lugar, fôsse mais conveniente ouvir o autor da reportagem” (SÃO PAULO,
1968: 156) o que é rebatido por Fernando Perrone, que ressaltava a importância de ouvir as
pessoas mencionadas. Pelos autos da CEI, pode-se dizer que estas pessoas não foram sequer
convocadas a depor.
Na reunião que se seguiu, em 19 de novembro de 1968, estiveram presentes a professora
Esther de Figueiredo Ferraz, então reitora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e o
7 Pelos dados mencionados pelo deputado, trata-se da seguinte edição: O Cruzeiro: Revista, 09/11/1968, p. 19-23.
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estudante da Mackenzie, Lauro Pacheco Ferraz. Antes do início dos depoimentos, foi lida uma
carta endereçada ao presidente da Assembleia Legislativa deputado Nelson Pereira, de autoria
de Pedro José Liberal, citado pela revista “O Cruzeiro” como elemento do Comando de Caça
aos Comunistas (CCC) e partícipe na Batalha da Maria Antônia, conforme mencionado acima.
A carta foi anexada ao processo a pedido do deputado Fernando Perrone.
Na carta, Pedro José Liberal, que era ex-aluno da Mackenzie, refuta a “notícia que é
caluniosa, inverídica e evidentemente tendenciosa” (SÃO PAULO, 1968: 163) e solicita que a
missiva, em que nega as acusações, fosse lida em plenário.
Na sequência, foi dada a palavra à professora Esther de Figueiredo Ferraz. Antes de seu
depoimento, o deputado Fernando Perrone solicitou à presidência da CEI que o estudante da
Mackenzie, Lauro Pacheco Ferraz, que seria o próximo a prestar seu testemunho naquele dia,
fosse autorizado a entrar no plenário e ouvir o depoimento de Esther de Figueiredo Ferraz, o
que foi veementemente negado pela presidência da CEI, não obstante os demais deputados,
exceto um deles, Sr, Agnaldo de Carvalho, terem se manifestado a favor do pedido do deputado
Fernando Perrone. Lauro Pacheco Ferraz, líder estudantil, era aluno da Mackenzie e havia sido
eleito presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da universidade no ano anterior.
Se, de início, a professora Esther de Figueiredo Ferraz mencionou não se opor à
presença de Pacheco Ferraz durante seu depoimento, em seguida disse que o que ela diria
durante seu testemunho não agradaria o estudante (SÃO PAULO, 1968: 180). Passou a
discorrer sobre os protestos que foram feitos, segundo ela, pelos então líderes estudantis Lauro
Pacheco Ferraz, José Dirceu, Luiz Travassos, quando da realização de uma conferência na
Mackenzie que contaria com a presença do Capitão Charles R. Chandler, o que “causou nos
meios mackenzistas um ambiente de muito constrangimento”, uma semana antes do conflito da
Maria Antônia (SÃO PAULO, 1968: 182-183). Esta menção ao protesto contra a conferência
do Capitão Charles R. Chandler, que foi morto 9 dias depois da Batalha da Maria Antônia, é
retomada por outros participantes da CEI.
Em seu testemunho sobre o ocorrido, busca explicitar os ataques sofridos pela
instituição e suas tentativas de pôr fim ao conflito, do qual destaca-se o trecho abaixo:
Quando verifiquei que os alunos haviam penetrado e havia probabilidade de chacina,
pedi ao Sr. Justino Castilho para que abrisse a Escola de Engenharia, para ajudasse
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a rechaçar os invasores (...) Pedimos aos antigos Mackenzistas que viessem ao
Mackenzie para ajudar na sua defesa, porque estávamos sem condições de defende-la.
(....) No primeiro dia tivemos 50 feridos. Êsse moço que morreu estava do lado de lá e
poderia ter morrido dentro do Mackenzie também, porque os nossos alunos foram
atingidos seriamente. (...) Da minha parte, eu só sei dizer que os alunos do Mackenzie
cumpriram sua promessa: no momento em que viram que o Mackenzie estava fora de
perigo, que o Mackenzie se encontrava em boas mãos, protegidos pela polícia, eles se
retiraram: cantaram o Hino Nacional, cantaram o Hino do Mackenzie, e se retiraram
para suas casas. Por outro lado, que fizeram os outros? Depois da morte do estudante
José Guimarães, os elementos sediados na Faculdade de Filosofia saíram em passeata
da rua Maria Antônia na direção da Cidade, depredando casas, derrubando carros, e
chegaram até a atirar pedras na Faculdade de Direito, no interior da qual se realizava
uma reunião da Congregação (SÃO PAULO, 1968: 189-208).
A professora Esther de Figueiredo contrapõe as posições dos dois grupos. Enquanto os
alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie defendiam sua escola, os alunos da Faculdade
de Filosofia eram invasores que a colocavam em perigo, faziam passeata e depredavam prédios.
Quando questionada se conhecia Raul Nogueira de Lima, acusado de ser integrante do
Comando de Caça aos Comunistas (CCC) pela revista “O Cruzeiro”, em sua edição de 9 de
novembro de 1968, e que também era aluno da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a
professora Esther de Figueiredo Ferraz se manifestou:
O sr. Fernando Perrone – V. Magnificência conhece o aluno da Faculdade de Direito,
Raul Nogueira?
A Sra. Esther Figueiredo Ferraz – É o que êles chamam de Raul Careca?
O sr. Fernando Perrone – V. Magnificência sabe que êsse estudante é funcionário da
polícia política?
A Sra. Esther Figueiredo Ferraz – Não sei. Só sei que êle é estudante do Mackenzie.
O sr. Fernando Perrone – Isto foi confirmado em entrevista à imprensa, por um
delegado do DOPS, naquela época. Como funcionário da polícia política, como a Sra.
vê a participação ativa dêsse aluno nos incidentes? É uma participação comprovada
por fotos dos jornais.
A Sra. Esther Figueiredo Ferraz – Pelo que me lembro, não sei se êle faz parte da
polícia. Não tenho conhecimento de seus antecedentes. Não o vi praticar nenhum ato
arbitrário. Não o vi atuar como polícia, mas como mackenzista.
O sr. Fernando Perrone – Há um ano, quando houve eleições na UEE, às quais a Sra.
se referiu, e houve os incidentes mencionados, no Mackenzie, a seguir verificou-se uma
invasão da Filosofia por parte dos elementos do Mackenzie. E naquela ocasião estava
presente êsse Raul Nogueira “Careca”. Êste deputado é testemunha fisual (sic) do fato.
Fico satisfeito com as informações prestadas e agradeço a atenção de V. Magnificência
(SÃO PAULO, 1968: 225 e 226).
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Quando questionada pelo deputado Fernando Perrone sobre o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), a professora Esther de Figueiredo Ferraz alegou:
Por incrível que pareça, só ouvi falar em CCC depois dos acontecimentos do
Mackenzie. As primeiras publicações dos jornais é que mencionaram o fato que os
elementos sediados na Filosofia e mesmo aqueles mackenzistas que ficaram do lado
de lá, atribuíam os fatos ao chamado C.C.C. Dentro do Mackenzie, nenhum dos
alunos, cujos nomes constam dessa reportagem, disseram ser do C.C.C. Ao contrário,
o que conheço e que foram citados na reportagem, se mostraram indignados e me
perguntaram que atitude deveriam tomar, e eu respondi que deveriam constituir
advogado e fazer a defesa dos seus interesses. (...) Dentro do Mackenzie nunca atendi
ninguém ou tive contato com elementos do C.C.C. Os alunos chegam a mim
individualmente, como alunos, ou através da sua representação autêntica que são os
centros acadêmicos (SÃO PAULO, 1968: 248-249).
Na mesma data, prestou depoimento o estudante Lauro Pacheco Ferraz, único estudante
a depor, como convidado de um dos parlamentares. Destaca-se este depoimento especialmente
por conta das interrupções sofridas por parte do Presidente da CEI e da menção aos estudantes
que faziam parte do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Logo no início de sua fala, quando pretendia apresentar um panorama da situação da
Mackenzie que, segundo ele, contribuíra com o conflito, o presidente da CEI o interrompeu sob
a justificativa de que o aluno ali estava para “prestar esclarecimentos sôbre os incidentes
ocorridos na rua Maria Antônia. Não pedimos a presença do senhor aqui para formular juízo ou
opinar a respeito da Universidade Mackenzie” (SÃO PAULO, 1968: 255). Debalde as tentativas
do estudante de prestar as informações que julgava pertinentes, no que foi inclusive, apoiado
por alguns parlamentares, o presidente da CEI o interrompia todas as vezes que julgava que sua
fala não se referia exatamente ao ocorrido. Ao final, acabou-se por decidir pela suspensão da
reunião a fim de que se determinasse:
a forma pela qual se poderá processar o depoimento do Sr. Lauro Pacheco Ferraz,
sendo que alteraremos a ordem dos nossos trabalhos no sentido de que os Srs.
deputados formulem perguntas ao depoente que aqui comparece como testemunha, a
quem não iremos permitir esclarecimentos de “sponte próprio”, mas sim, respostas às
perguntas que forem formuladas (SÃO PAULO, 1968: 268).
Foi marcada uma nova reunião da CEI, para que o estudante Lauro Pacheco Ferraz
pudesse prestar seu depoimento. Tendo sido informado, provavelmente, sobre o conteúdo do
depoimento da professora Esther de Figueiredo Ferraz, o estudante iniciou sua fala afirmando
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não ter participado das agressões à Universidade Presbiteriana Mackenzie, tal como afirmado
pela professora. Em seu depoimento, afirma que o conflito não era uma “briga entre o
Mackenzie e a Universidade (...) Foi uma briga generalizada entre dois grupos, um grupo
costumeiro do Mackenzie, acostumado a fazer esse tipo de ação contra todos os universitários”
(SÃO PAULO, 1968: 273).
O estudante consegue, sem sofrer tantas interrupções, ao menos no início de sua fala,
apresentar seus argumentos e informações. Ao final de seu depoimento, declara que:
Um grupo que antigamente se formava desorganizadamente, fazia uma ação
desorganizada e atacava desorganizadamente, como foi feita na primeira ação, hoje
se encontra perfeitamente organizado e espalha por tôda São Paulo uma sigla que
todos nós conhecemos. Portanto, isso mostra que, pela incapacidade de se tolher no
começo, no surgimento, essas crises de violências, hoje elas representam realmente
um perigo nacional (SÃO PAULO, 1968: 283).
Questionado sobre essa fala, o estudante esclarece estar falando do CCC (SÃO PAULO,
1968: 284) e, quando inquirido sobre os nomes de integrantes do grupo, citou o nome “Raul
Nogueira” e “Menin” (que pode-se dizer, trata-se, respectivamente, de Raul Nogueira de Lima
e Francisco José Aguirre Menin) e que “existem muitos outros, preferiria não citar publicamente
os nomes, para evitar revides” (SÃO PAULO, 1968: 285). Quando o deputado Jacob Salvador
Zveibel, que era também professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o confronta
afirmando não existir os conflitos apontados por Lauro Pacheco Ferraz e o pergunta se “existe
o C.C.C. no Mackenzie” (SÃO PAULO, 1968: 286), o estudante responde: “Dizem mesmo que
é de lá sua formação. O C.C.C. não é um organismo que tenha patente; portanto, não pode
obrigar a filiação, mas a mentalidade nós sabemos e conhecemos bem. É isto que hoje se chama
‘C.C.C.’” (SÃO PAULO, 1968: 287).
O estudante foi alvo de uma série de perguntas que iam desde o motivo da sua ausência
no conflito até sua ideologia política. É possível notar, pelas perguntas de alguns deputados,
uma certa hostilidade com o estudante. A posição da maioria dos deputados perante Lauro
Pacheco Ferraz permite observar a disposição que se tinha com relação ao movimento
estudantil, ou pelo menos com relação à parcela de estudantes que defendeu a “Maria Antônia”
durante o conflito.
Destacam-se as falas da deputada Conceição da Costa Neves que, em suas perguntas,
mostra o ímpeto de contrapor cada uma das declarações de Pacheco Ferraz – como se fosse ele
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o investigado -. A deputada questiona, inclusive, o fato de o estudante não ter ficado no local
quando do conflito, tendo deixado de agir “como líder” que era (SÃO PAULO, 1968: 302-310).
Provavelmente por conta da menção a Raul Nogueira de Lima, que era estudante e agente da
polícia política conforme mencionado pelo deputado Fernando Perrone anteriormente e
retomado pelo estudante, a deputada frisa o fato de que não haveria problema em atuar na
polícia e ser estudante, dizendo que, inclusive “a profissão de ‘estudante’ já acabou e foi uma
das poucas boas coisas dessa revolução” (SÃO PAULO, 1968: 311).
O deputado Jurandyr Paixão, antes de fazer algumas perguntas a Lauro Pacheco Ferraz,
destaca o seu “profundo desalento” com o “ponto crítico em que chegou (...) a mocidade
estudantil da nossa terra” (SÃO PAULO, 1968: 296). Mais adiante, disse:
O radicalismo é tal que já se colocam vidas em perigo, e isto é por deveras lamentável
que aconteça, precisamente no meio estudantil, que tive e tenho sempre em conta
como o repositório final das nossas esperanças. O meu desalento fica aqui designado
(SÃO PAULO, 1968: 297).
Mais uma vez, Lauro Pacheco Ferraz é questionado pelos deputados quanto a sua
ideologia: “se é de esquerda, da direita ou do centro” (SÃO PAULO, 1968: 298). Para Pacheco
Ferraz, as questões na universidade não eram de natureza ideológica: ele destacava a atuação
de grupos que agia na Mackenzie cujos elementos poderiam pertencer ao CCC (SÃO PAULO,
1968: 319). Após acusar as práticas deste grupo, passa a ser interpelado sobre a existência de
“comunistas” dentro da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A última reunião foi realizada em 5 de dezembro de 1968, com a presença do Dr.
Oswaldo Muller da Silva, Presidente do Instituto Mackenzie e o professor Laerte Ramos de
Carvalho, da Universidade de São Paulo.
Oswaldo Muller da Silva retoma o tema da conferência que seria proferida por Charles
Chandler na semana anterior e que foi alvo de protestos por um “grupo de pessoas sediadas na
Faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia” que “invadiu o Mackenzie” o que “irritou os
universitários do Mackenzie, e isto deve ser considerado como uma linha de reação nos
sucessos dos dias dois e três de outubro” (SÃO PAULO, 1968: 354). Para ele, “sempre existiu
um mal-estar entre os alunos das duas escolas. O ponto fundamental de discórdia é o problema
da UNE”, já que os alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em sua maioria, segundo
ele, não aceitavam a liderança da entidade (SÃO PAULO, 1968: 364). A transferência da
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Faculdade de Filosofia para a Cidade Universitária é apontada, mais uma vez, como a solução
dos problemas entre os estudantes: aquele território não poderia ser dividido entre os dois
grupos.
Pode-se dizer que os ataques à “Maria Antônia”, em parte das falas, eram justificados
como resposta a “provocações” feita pelo movimento estudantil que se opunha ao regime, como
quando Muller da Silva relaciona o protesto feito contra a conferência do Capitão Charles à
Batalha da Maria Antônia, uma semana depois; ou quando justifica, de certa forma, o ataque à
Faculdade de Filosofia ocorrido um ano antes com o fato de Lauro Pacheco Ferraz ter
organizado as eleições da União Estadual dos Estudantes (UEE) dentro do campus da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (SÃO PAULO, 1968: 372). Para Oswaldo Muller, Lauro
Pacheco Ferraz, era uma “figura proeminente” no “esquema de perturbação da vida no
Mackenzie” (SÃO PAULO, 1968: 364).
Os estudantes que defenderam a “Maria Antônia” foram classificados por alguns
membros da CEI como parte de uma “minoria” “extremista” e os conflitos, entre aquele lado
da rua e o outro, aconteciam por uma diferença ideológica, um conflito entre “meninos ricos e
pobres”. A solução para a “animosidade” existente era afastar os alunos da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, colocando-os em um local em que eles não pudessem incomodar
a população com suas manifestações, como sugerido pelo Diretor da Faculdade de Filosofia.
Pouco ou nada se questionou, durante a CEI, sobre a existência de um grupo
denominado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) atuando dentro de uma universidade e
sobre o armamento pesado que foi utilizado durante o conflito. Inclusive os atos violentos de
um estudante e membro da polícia política, Raul Nogueira de Lima, encontravam certa guarida
na fala de alguns deputados. Mais tarde, a ligação de Raul Nogueira de Lima, o “Raul Careca”
ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) seria comprovada pelo próprio (SOUZA, 2000:
380).
Não consta na documentação a transcrição da última reunião marcada pela CEI, que
seria realizada em 12 de dezembro de 1968, bem como o seu encerramento, com emissão de
relatório sobre as conclusões da CEI, para o que foi designado o deputado Agnaldo de Carvalho
como relator. Supõe-se, pelas informações obtidas junto ao Acervo Histórico da Assembleia
Legislativa, que isso teria ocorrido por conta do clima repressivo no país, já que se estava às
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vésperas da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, o que acarretou,
em janeiro de 1969, o fechamento da Assembleia Legislativa e a cassação de 24 (vinte e quatro)
parlamentares, dentro eles, o deputado Raul Schwinden, então Vice-Presidente da CEI e o
deputado Fernando Perrone.
Destaca-se, por fim, que a Comissão Especial de Inquérito foi o único movimento estatal
destinado a investigar, ainda que sem valor penal algum, um conflito bastante violento entre
estudantes, envolvendo morte e destruição de patrimônio público.
Referências Bibliográficas
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Editora do Brasil S/A (1961-1980). Tese (Doutorado em Educação: História, Política,
Sociedade). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.
CARDOSO, I. Maria Antonia: o edifício de n. 294. In: LIVRO BRANCO SOBRE OS
ACONTECIMENTOS DA RUA MARIA ANTÔNIA (2 E 3 DE OUTUBRO DE 1968): CARDOSO, I., TAVARES, A. (orgs.). 2. ed. rev. ampl. - São Paulo: FFLCH-USP, 2018. p. 16-
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CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. (orgs.). A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemológicos e metodológicos. Tradução de Ana Cristina Nasser. Petrópolis:
Vozes, 2008. p. 295-315.
HUERRE, P., REYMOND, M-P., REYMOND, J-M. Adolescência não existe – História das
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LE GOFF, J. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão... [et al.]. 5° ed. Campinas,
SP: Editora da UNICAMP, 2003.
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3 DE OUTUBRO DE 1968): CARDOSO, I.; TAVARES, A. (org.). 2. ed. rev. ampl. - São
Paulo: FFLCH-USP, 2018.
SANTOS, R. M. A. dos. O outro lado da Rua Maria Antônia: a atuação das juventudes de
direita em 1960. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 2015.
SOUZA, P. Autópsia do Medo: Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury. São
Paulo: Globo, 2000.
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Fontes
SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Comissão Especial
de Inquérito para apurar as responsabilidades do conflito havido entre os alunos da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e os alunos da
Universidade Mackenzie, nos dias 2 e 3-10-68. Registro Geral nº. 7955/68. Raul Schwinden
e outros. São Paulo, SP: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 1968. 392 p.
SOARES, D. A Faculdade está ocupada. Realidade, São Paulo - SP, ano III, nº 29, p. 48-61,
ago. 1968.